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CHÉLEN FISCHER DE LEMOS O PROCESSO SOCIOTÉCNICO DE ELETRIFICAÇÃO NA AMAZÔNIA: articulações e contradições entre Estado, capital e território (1890 a 1990) Tese apresentada ao Curso de Doutorado do Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Doutor em Planejamento Urbano e Regional. Orientador: Prof. Titular Dr. Carlos B. Vainer, Doutor em Desenvolvimento Econômico e Social Universidade de Paris I Rio de Janeiro 2007

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CHÉLEN FISCHER DE LEMOS

O PROCESSO SOCIOTÉCNICO DE ELETRIFICAÇÃO NAAMAZÔNIA:

articulações e contradições entre Estado, capital e território(1890 a 1990)

Tese apresentada ao Curso de Doutorado do Programa de Pós-Graduaçãoem Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio deJaneiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção dograu de Doutor em Planejamento Urbano e Regional.

Orientador: Prof. Titular Dr. Carlos B. Vainer,Doutor em Desenvolvimento Econômico e SocialUniversidade de Paris I

Rio de Janeiro2007

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Lemos, Chélen Fischer de. O processo sociotécnico de eletrificação na Amazônia:articulações e contradições entre Estado, capital e território(1890 a 1990) / Chélen Fischer de Lemos. – Rio de Janeiro:UFRJ/IPPUR, 2007. 342f.: il. ; 31cm. Orientador: Prof. Dr. Carlos B. Vainer

Tese (doutorado) – UFRJ / Instituto de Pesquisa ePlanejamento Urbano e Regional / Programa de Pós-Graduaçãoem Planejamento Urbano e Regional, 2007. Referências Bibliográficas: f. 311-340.

1. Eletrificação - Amazônia. 2. Eletrificação – Amazônia– Aspectos Históricos. 3. Desenvolvimento Regional -Amazônia. 4. Planejamento Regional - Amazônia. 5. EnergiaElétrica - Amazônia. I. Vainer, Carlos B. II. UniversidadeFederal do Rio de Janeiro. III. Instituto de Pesquisa ePlanejamento Urbano e Regional. IV. Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional. Título.

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CHÉLEN FISCHER DE LEMOS

O PROCESSO SOCIOTÉCNICO DE ELETRIFICAÇÃO NAAMAZÔNIA:

articulações e contradições entre Estado, capital e território

(1890 a 1990)

Tese submetida ao corpo docente do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da

Universidade Federal do Rio de Janeiro –UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do

grau de Doutor em Planejamento Urbano e Regional

Aprovado em: 28/02/2007

__________________________________Prof. Carlos B. Vainer - OrientadorDoutor em Desenvolvimento Econômico e Social - Universidade de Paris I

_________________________________Prof. Frederico Guilherme B. de AraújoDoutor em Engenharia de Produção – COPPE/ Universidade Federal do Rio deJaneiro (UFRJ)

__________________________________Profa. Edna Maria Ramos de CastroDoutora em Ciências Sociais – École des Hautes Études en Sciences Sociales(EHESS)

__________________________________Prof. Célio BermannDoutor em Planejamento de Sistemas Energéticos – Universidade Estadual deCampinas (UNICAMP)

__________________________________Prof. Marcos Aurélio Vasconcelos de FreitasDoutor em Economia do Meio Ambiente – École des Hautes Études en Sciences

Sociales (EHESS)

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Dedico esta Tese aos meus pais, Lédimo e Hilza, que me ensinaram a sonhar e a trabalhar

para alcançar meus sonhos;e ao Fred, que escolheu sonhar junto comigo.

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Agradecimentos

Este trabalho é o resultado de inúmeras contribuições intelectuais e afetivas de diversas pessoasque, ao longo dos anos, influenciaram a minha formação.

Em primeiro lugar, agradeço ao professor Carlos Vainer, orientador e amigo, pela generosidadecom que me acolheu na equipe, permitindo que eu realizasse um verdadeiro treinamento em pesquisa.Sob sua orientação competente, pude me tornar uma cientista social mais capacitada.

Ao IPPUR e seu corpo docente, agradeço pela oportunidade de cursar o doutorado numa instituiçãoque prima pela excelência do trabalho acadêmico e que propicia um ambiente intelectual fecundo àtransformação de idéias e inquietações em Teses. Especialmente, agradeço à Professora Ana Clara T.Ribeiro que, com enorme sensibilidade, soube entender meus limites e incentivar meus avanços duranteo curso.

Aos professores Henri Acselrad e Frederico Guilherme Bandeira de Araújo, que acompanharam minhatrajetória, agradeço os diversos conselhos e dicas que contribuíram para o avanço das pesquisas e para aminha formação como pesquisadora.

Aos colegas de turma, especialmente o Geraldo, a Suzana, a Márcia, a Kátia, a Antônia, o Edvalter,a Elis, a Ana, o Vítor, a Maria Alice...agradeço por terem transformado o curso em momentos de agradáveltroca intelectual, pontuados de grande companheirismo e solidariedade. Agradeço especialmente a minhaamiga Elis Miranda que, por meio das gravações das aulas enviadas pelo correio, me “manteve” nocurso “Seminário de Pesquisa I” enquanto eu convalescia em Brasília.

À amiga e companheira de pesquisa Daniella Feteira Soares, agradeço por compartilhar suasinquietações e por estar sempre presente através das pequenas e grandes mensagens.

À Mírian Nuti, agradeço pela interferência “indevida”, mas muito bem vinda, durante o exame dequalificação, que permitiu um recorte melhor da Tese e pelas dicas preciosas em momentos cruciais doprocesso de sua elaboração.

Agradeço aos funcionários do IPPUR, especialmente à Zuleika, que sempre atendeu com paciênciae eficiência as minhas demandas administrativas.

Ao Senhor Antonio José Viana Filho, da Secretaria de Informação e Documentação do SenadoFederal, agradeço pela atenção e pelo envio do material relativo aos discursos dos senadores.

Agradeço ainda às bibliotecárias da Biblioteca Arthur Reis e da Biblioteca Pública de Manaus,que me ajudaram a “garimpar” algumas informações essenciais e à Goretti, funcionária do ArquivoPúblico do Pará, que me ajudou nos caminhos do acervo.

À Elisa Tardin e Luiza Mendes agradeço pelo profissionalismo e dedicação na revisão do texto eà Ana Carla Gualberto Cardoso, pelo trabalho competente e carinhoso na editoração gráfica.

Aos amigos de Brasília, Marcelo, Sheila, Mari, Bete e Kaiser, minha segunda família, sou gratapelo apoio emocional e por cuidarem do Fred enquanto eu cursava o doutorado no Rio.

Agradeço também à Vanessa Rodrigues, minha fisioterapeuta e amiga, que junto com sua equipe,Mônica e Daniel, conseguiram me preparar fisicamente para enfrentar as exaustivas horas de pesquisanas bibliotecas.

Agradeço principalmente à minha família por todo apoio e incentivo. À Porzia que me recebeucom todo carinho em sua casa, durante o período de realização dos créditos. Aos meus pais, Lédimoe Hilza, e meus irmãos, Marcelo e Marcionilha, que fizeram todos os sacrifícios para que eu estudasse.Aos meus cunhados Patrícia e Marco Aurélio que torcem por mim. Ao João Pedro, meu afilhado, cujoexistência é motivo da maior alegria; e ao Miguel, novo membro da família, que é uma nova luz emnossa vida.

Ao Fred, meu marido e companheiro de todas as horas, agradeço principalmente pelas contribuiçõesintelectuais, porque as afetivas são tantas e tão essenciais que não caberiam aqui.

Finalmente, agradeço ao CNPq pela bolsa de estudos, sem a qual não teria sido possível odesenvolvimento desta Tese.

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“(...) Be patient toward all that is unsolved in your heart andtry to love the questions themselves like locked rooms and

like books that are written in a very foreign tongue (...) Livethe questions now. Perhaps you will then gradually, without

noticing it, live along distant day into the answers.”(RAINER MARIA RILKE apud NYE, 2006)

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Resumo

LEMOS, Chélen Fischer de. O Processo Sociotécnico de Eletrificação na Amazônia: articulações econtradições entre Estado, capital e território (1890 a 1990). 342f. Tese (Doutorado em PlanejamentoUrbano e Regional),Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2007.

A presente Tese teve como plano de pesquisa a recuperação e análise da história da eletrificação na

Amazônia, desde sua constituição nos anos 1890, até o início dos anos 1990. Por meio da investigação

das articulações entre as dimensões sociotécnicas do processo de eletrificação e o planejamento

territorial, procurou-se desvendar o papel da energia elétrica nas dinâmicas sócio-espaciais e no

desenvolvimento da região. Partindo do pressuposto de que os sistemas tecnológicos fazem parte das

práticas sociais, e que variam ao longo da história e de uma cultura para outra, a abordagem contextualista

foi usada para situar o ambiente sociocultural e histórico em que se configuraram os sistemas elétricos

amazônicos, ao longo do período estudado. A análise dos fatos e eventos narrados na Tese, levou à

conclusão de que, no processo de expansão de sua ação na região, o Setor Elétrico investiu na construção

e consolidação do mercado consumidor intensivo para a energia da Amazônia, ao mesmo tempo em

que reconfigurou região como “vocacionada” para a exportação de energia.

Palavras chave: Amazônia, eletrificação, sistemas sociotécnicos

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Abstract

LEMOS, Chélen Fischer de. O Processo Sociotécnico de Eletrificação na Amazônia: articulações econtradições entre Estado, capital e território (1890 a 1990). 342f. Tese (Doutorado em PlanejamentoUrbano e Regional),Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2007.

This study analyses the Brazilian Amazon electrification history, from 1890 to 1990. The contextual

approach is used to point out the historical and sociocultural environment of Amazon electric power

systems configuration. Because technological systems are social constructions, they vary historically

from one culture to another.

The analysis of the sociotechnical dimensions of the Amazonian electrification and territorial planning

process was applied to clarify the role of electrification in spatial organization, regional development

and social relations. The analyzed historical data suggests that the expansion of Electric Sector in the

Amazon in the 1970s shaped the social meaning of Amazonian region as energy exporter, by constructing

the market for the Brazilian Amazon energy. This social construction allowed the establishing of great

hydroelectric plants as pattern of hydraulic resources exploitation in Brazilian Amazon.

Key-words: Amazon, electrification, sociotechnical systems

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Lista de ilustrações, quadros, tabelas e boxes

FIGURAS

Figura 1 – Desenho da lâmpada incandescente patenteada por Thomas Edison,em janeiro de 1880. Disponível em: http://webexhibits.org/ e Documento depatente de Edison. Jim Halping Web Site. Disponível em:http://www.jhalpin.com/metuchen/tae/pics/EdisonPat1d.jpg ................................................................. 37

Figura 2 – Caldeira no 92 Babcock & Wilcox, comprada em 1878 por T. Edison einstalada no laboratório Menlo Park, em Nova York. BABCOCK & WILCOX,1992. Disponível em: http://www.babcock.com/pgg/ab/history.html ..................................................... 38

Figura 3 – Vista aérea da Barragem Wilson e Planta industrial de nitrato no 2(produção de fosfato) em Muscle Shoals, Alabama, no complexo da TVA. The NewDeal Network Web Site. Disponível em: http://newdeal.feri.org/default.cfm....................................... 44

Figura 4 – Eletrificação da Vila de Botino na Rússia (1925), na execução do PlanoGOELRO. Fotografia de Arkadi Samouilovich Shaikhet (1898-1959). Mark GrossetPhotographies Web Site. Disponível em: http://www.grosset.fr/francais/index.htm. ........................... 48

Figura 5 – Catálogo da Exposição Universal de Filadélfia, 1876. BABCOCK & WILCOX, 1992.Disponível em: http://www.babcock.com/pgg/ab/history.html. .............................................................. 58

Figura 6 – General Grant, Presidente dos Estados Unidos e Dom Pedro II, Imperadordo Brasil, diante da máquina de Corliss no “Machinery Hall”, Exposição Universal deFiladélfia em 1876. Digital Archive of American Achictecture. Disponível em:http://www.bc.edu/bc_org/avp/cas/fnart/fa267/1876fair.html ............................................................... 59

Figura 7 – Charles Flint. Picture History: The Primary Souce for History Online.Disponível em: http://www.picturehistory.com. ..................................................................................... 69

Figura 8 – Assinaturas do cidadão britânico Eduardo Medlicott e do Barão deItamaracá, na cópia do contrato da iluminação a gás carbônico, assinado na LegaçãoImperial do Brasil em Lisboa, em 04 de outubro de 1862. Ofícios da Legação Imperialdo Brasil em Lisboa. Ofícios da Iluminação Pública, Caixa 158, fundo: Secretaria daPresidência da Província. Arquivo Público do Pará. ............................................................................. 79

Figura 9 – Anúcio comercial de iluminação a gaz. O Rio Negro. Notas urbanas.Manaós, 21 de janeiro de 1898 .............................................................................................................. 98

Figura 10 – Postes na Praça da República. CACCAVONI, A.Album descrittivo del Pará, 1898. ........................................................................................................ 101

Figura 11 – Cametá. Aparelhos da Luz Fichet. MONTENEGRO, A.Album do Estado Pará 1908. ............................................................................................................... 104

Figura 12 – Manaus: Fábrica da Luz Elétrica na Cachoeira Grande. CACCAVONI, A.Album descrittivo Amazonico, 1898. ................................................................................................... 123

Figura 13 – Belém: Doca do Reduto. SECURT. Belém da Saudade, 1996. ...................................... 126

Figura 14 – Certificado de incorporação da Manaós Railway Company.MORRISON, A. The Tramways of Brazil: a 130 years survey, 1989.Disponível em: http://www.tramz.com/br/tto/01.html. ......................................................................... 127

Figura 15 – Manaus: Bondes. Coleção Allen Morrison. ..................................................................... 128

Figura 16 – Manaus: Represa das águas e casa das máquinas elétricas e bombas elétricasdas águas que abasteciam a cidade. NERY, S. Album do Amazonas, 1901-1902. ............................. 130

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Figura 17 – Manaus: Máquina d’água da Cachoeira Grande. CACCAVONI, A.Album descrittivo Amazonico, 1898. ................................................................................................... 132

Figura 18 – Manaus: Traçado das linhas de bonde, 1906. Base Cartográficado Lab. Cartografia – DEGEO/Ufam. Organização: Geraldo Alves de Souza,apud OLIVEIRA, 2003 ...................................................................................................................... 135

Figura 19 – Manaos Tramways. Anúcio comercial e Cartaz informativo.FREITAS, Edezio de (org.). Guia Turístico e Comercial da Cidade de Manaus e seusArredores, 1932; Revista Syntonia dos Telegraphistas do Amazonas, Ano I, junho, 1940. ................ 139

Figura 20 – Escritórios e bondes da Manaós Tramways. Coleção Allen Morrison ............................ 143

Figura 21 – Belém: Bonde de tração animal na Avenida Independência. Album de Belém,Pará, 1902. ........................................................................................................................................... 144

Figura 22 – Bondes em Belém: Rua Conselheiro João Alfredo e Calçada do Colégio.SECURT. Belém da Saudade, 1996. ................................................................................................... 149

Figura 23 – Belém: Colocação de trilhos na Rua Conselheiro João Alfredo.Coleção Allen Morrison. ...................................................................................................................... 151

Figura 24 – Pará Electric: Turbo-alternador Belliss & Morcom de 1500 KVA e caldeiraa lenha Babcock & Wilcox em construção – Agosto de 1937. Album do Pará, 1939. ....................... 154

Figura 25 – Belém: Vapores de navegação e fábrica da luz elétrica. Album do Pará, 1899. ............. 157

Figura 26 – Belém: Máquinas e caldeiras da usina de energia elétrica. Album do Pará,1899 e Álbum do Amazonas, 1901-1902. ............................................................................................ 159

Figura 27 – Manaus: Interior da usina de energia elétrica/tração. Album do Amazonas,1901-1902. ........................................................................................................................................... 160

Figura 28 – Produtos e instalações de empresas estrangeiras fornecedoras de equipamentos,aparelhos e componentes elétricos. ..................................................................................................... 164

Figura 29 – Cachoeira do Palhão no rio Curuá-Una, antes da construção da usina hidrelétrica(Santarém, PA). IBGE. Arquivo Fotográfico Ilustrativo dos Municípios Brasileiros.Disponível em: http://biblioteca.ibge.gov.br/colecao_digital_fotografias.php. ..................................... 209

Figura 30 – Instalações das Centrais Elétricas do Estado do Amazonas S/A em: 1 - Tapauá,2 - Japurá, 3 - Manacapuru, 4 - Careiro, 5 - Juruá, 6 - Autazes , 7 - Canutamã, 8 - Barcelos,9 - Tefé, 10 - Carauari, 11 - Codajás, 12 - Envira, 13 - Fonte Boa, 14 - Itapiranga, 15 - Lábrea,16 - Novo Airão, 17 - Urucurituba. IBGE. Arquivo Fotográfico Ilustrativo dos MunicípiosBrasileiros, s/d. Disponível em: http://biblioteca.ibge.gov.br/colecao_digital_fotografias.php. ........... 216

Figura 31 – Instalações de Centrais Elétricas em: 1 - Itacoatiara e 2 - Parintins (AM) 3 - Rio Branco(AC); 4 - Usina de Eletricidade de Afuá (PA); Usinas da Luz em: 5 - Coari e 6 - Eirunepé (AM), 7 -Viseu e 8 - Cametá (PA), 9 - São Paulo de Olivença (AM), 10 - Salinópolis (PA),11 - Manacapuru e 12 - Lábrea (AM), 13 - Maracanã (PA) e 14 - Sena Madureira (AC). IBGE.Arquivo Fotográfico Ilustrativo dos Municípios Brasileiros, s/d. Disponível em:http://biblioteca.ibge.gov.br/colecao_digital_fotografias.php. .............................................................. 217

Figura 32 – Beneficiamento do minério de manganês no Amapá e Usina HidrelétricaCoaracy Nunes. IBGE. Arquivo Fotográfico Ilustrativo dos Trabalhos Geográficosde Campo – Fotografia de: Tibor Jablonsky. Disponível em: http://biblioteca.ibge.gov.br/colecao_digital_fotografias.php; Eletronorte. Disponível em: http://www.eln.gov.br. ........................ 222

Figura 33 – Usina Hidrelétrica de Tucuruí. Eletronorte. ..................................................................... 278

Figura 34 – Árvores inundadas no reservatório de Samuel (março, 2001).FEARNSIDE, 2004c. Usina Hidrelétrica de Samuel. Eletronorte. .................................................... 283

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Figura 35 – Gesto de advertência de Tu-Ira a Muniz Lopes. I Encontro dosPovos Indígenas do Xingu, 03 de março de 1989. Instituto Socioambiental.Disponível em: http://www.socioambiental.org/esp/bm/hist.asp .......................................................... 293

QUADROS

Quadro II.1 - Algumas companhias estrangeiras que atuavam na área de serviçosurbanos na Amazônia, fundadas até a primeira década do século XX .......................................... 77

Quadro II.2 - Cidades e vilas da região Norte iluminadas, segundo o tipo de fonte,propriedade e época da instalação dos serviços de iluminação (1872 a 1920) ........................... 103

Quadro III.1 - Características das instalações da Pará Electric Railways and LightingCompany, Limited, destinadas ao serviço de tração no início do século XX .............................. 159

Quadro III.2 - Características das instalações da Pará Electric Railways and LightingCompany, Limited, destinadas ao serviço de iluminação no início do século XX ........................ 160

Quadro III.3 - Equipamentos e materiais da empresa Manaós Railway Company em1901, empregados nos serviços de viação urbana e bombeamento d’água ................................ 161

Quadro III.4 - Equipamentos e materiais da empresa Manaós Railway Company em1901, empregados nos serviços de luz elétrica .......................................................................... 162

Quadro III.5 - Aspectos da vida material em Belém, em 1894 .................................................. 169

Quadro III.6 - Empresas fornecedoras de energia elétrica da região Norte e principaiscondições técnicas em 1920 .................................................................................................... 172

Quadro III.7 - Evolução da indústria de eletricidade na região Norte(1920 - 1930 - 1940 - 1950) .................................................................................................. 174

Quadro IV.1 - Avaliação do Potencial Hidráulico do Brasil (em cavalos-vapor) – 1938 ............. 186

Quadro IV.2 - Projetos de energia elétrica que receberam dotação no I PlanoQüinqüenal da SPVEA (1955-1959) ....................................................................................... 202

Quadro IV.3 - Empresas que participaram da construção e equipamento daUHE Coaracy Nunes ............................................................................................................... 223

TABELAS

Tabela II.1 - Melhoramentos Urbanos: serviços de iluminação pública e domiciliárianos estados da região Norte e capitais, Brasil e capitais (1943) ................................................ 109

Tabela II.2 - Consumo de energia elétrica para iluminação nos municípios dascapitais (1948-1951) ................................................................................................................110

Tabela III.1 - Desenvolvimento da indústria de eletricidade no Brasil no período1883 a 1940 (em KW) .............................................................................................................117

Tabela III.2 - Estabelecimentos que empregavam força motriz, nos estados do Pará,Amazonas e Brasil em 1907 ..................................................................................................... 170

Tabela III.3 - Estabelecimentos industriais servidos por energia elétrica fornecidapor terceiros, em 1920, nos estados da região Norte ................................................................ 170

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Tabela III.4 - Potência disponível nos estabelecimentos com força motriz instalada,distribuída por tipo de unidade, segundo as regiões fisiográficas (1940) ..................................... 171

Tabela III.5 - Brasil: crescimento da capacidade instalada por região (em mil KW) ................... 173

Tabela IV.1 - Número de consumidores por categoria, atendidos pela CEMno período 1968-1972 ............................................................................................................ 214

Tabela V.1 - Intercâmbio Eletronorte /Chesf em MW/h ............................................................ 289

Tabela V.2 - Subsídios aos consumidores eletrointensivos ......................................................... 289

Tabela V.3 - Grandes empreendimentos hidrelétricos na Amazônia com restriçõesconstitucionais (áreas indígenas e/ou áreas ambientalmente protegidas) incluídos no plano 2015 .........295

BOXES

Box II.1 - Charles Ranlett Flint, “o pai dos trustes” ..................................................................... 69

Box III.1 - A Represa da Cachoeira Grande ............................................................................ 132

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Lista de siglas e abreviaturas

ABIMAQ – Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e EquipamentosABINEE – Associação Brasileira da Indústria Eletro-EletrônicaAC – AcreAL – AlagoasALBRÁS – Alumínio do Brasil S/AALCOA – Aluminium Company of America (no Brasil: Alcoa Alumínio S/A)ALUMAR – Consórcio de Alumínio do MaranhãoALUNORTE – Alumina do Norte do Brasil S/AAM – AmazonasAMFORP – American & Foreign Power Co.ANEEL – Agencia Nacional de Energia ElétricaAP – AmapáARENA – Aliança Renovadora NacionalBID – Banco Interamericano de DesenvolvimentoBNDE – Banco Nacional de DesenvolvimentoBNDES - Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e SocialBRUMASA – Empresa Bruynzeel de Madeira S/AC ª – CompanhiaCAEEB – Companhia Auxiliar de Empresas Elétricas BrasileirasCAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível SuperiorCCC – Conta de Consumo de CombustíveisCCM – Camargo Correia MetaisCDI – Centro de Desenvolvimento Industrial do BrasilCE – CearáCEA – Companhia de Eletricidade do AmapáCEAM – Companhia Energética do AmazonasCEE – Comunidade Econômica EuropéiaCEE – Comissão Estadual de Energia ElétricaCELETRAMAZON – Centrais Elétricas do Estado do Amazonas S/ACELG – Centrais Elétricas de Goiás S/ACELPA – Centrais Elétricas do Pará S/ACELTINS – Concessionária de Energia Elétrica do Estado do TocantinsCEM – Companhia de Eletricidade de ManausCEMAT – Centrais Elétricas Matogrossenses S/ACEMAR – Companhia Energética do MaranhãoCEMIG – Companhia de Eletricidade de Minas GeraisCEPAL – Comissão de Estudos para a América LatinaCER – Centrais Elétricas de RoraimaCERON – Centrais Elétricas de RondôniaCFA – Companhia de Ferro-Ligas do AmapáCHESF – Companhia Hidroelétrica do São FranciscoCIBRASA – Cimento do Brasil S/ACMBEU – Comissão Mista Brasil-Estados Unidos para o Desenvolvimento EconômicoCMMAD – Comissão Mundial Sobre Meio Ambiente e DesenvolvimentoCNAEE – Conselho Nacional de Águas e Energia ElétricaCNDDA – Campanha Nacional de Defesa e pelo Desenvolvimento da AmazôniaCo. – CompanyCONAMA – Conselho Nacional do Meio AmbienteCOPEL – Cia. Paranaense de Energia ElétricaCPDOC – Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do BrasilCRC – Conta de Resultados a Compensar

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CV – cavalo-vapor (1 CV = 0,735497 W)CVRD – Companhia Vale do Rio DoceCVSF – Comissão do Vale do São FranciscoDCN – Diário do Congresso NacionalDNPM – Departamento Nacional de Produção MineralDNAEE – Departamento Nacional de Águas e Energia ElétricaEIAP – Escola Interamericana de Administração Pública.ELETROACRE – Companhia de Eletricidade do AcreELETROBRÁS – Centrais Elétricas BrasileirasELETRONORTE – Centrais Elétricas do Norte do Brasil S/AEMBRAMEC – Mecânica Brasileira S.AENERAM – Comitê Coordenador dos Estudos Energéticos da AmazôniaENENORDE – Comitê Coordenador dos Estudos Energéticos da Região NordesteENERSUL – Comitê Coordenador dos Estudos Energéticos da Região SulEUA – Estados Unidos da AméricaEXIMBANK – Export Import Bank of The United StatesFINAME – Agência Especial de Financiamento IndustrialFFE – Fundo Federal de EletrificaçãoFORLUZ – Força e Luz do Pará S/AFUNAI – Fundação Nacional do ÍndioGB – GuanabaraGE – Edison General Electric CompanyGO – GoiásGOELRO – Comissão Estatal para a Eletrificação da RússiaGTDN – Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do NordesteHP – horse-power (1 HP = 0,746 W)IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e EstatísticaICOMI – Indústria e Comércio de Minério S.AIDESP – Instituto de Desenvolvimento Econômico-Social do ParáINCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma AgráriaINPA – Instituto Nacional de Pesquisas da AmazôniaIPQ – I Plano QüinqüenalIRDA – Instituto Regional de Desenvolvimento do AmapáIUEE – Imposto Único sobre Energia ElétricaKVA – Kilovolt-ampere.KW – QuilowattKW/h – Quilowatt-horaMA – MaranhãoMDB – Movimento Democrático BrasileiroMG – Minas GeraisMINTER – Ministério do InteriorMME – Ministério das Minas e EnergiaMRN – Mineração Rio do NorteMT – Mato GrossoMVA – Megavolt AmpereMW – MegawattMW/h – Megawatt-horaNALCO – Nippon Aluminium CompanyNESCO – Newcastle upon Tyne Electric Supply CompanyONGs – Organizações não GovernamentaisPA – ParáPCH – Pequena Central HidrelétricaPDAm – Plano de Desenvolvimento da Amazônia

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PDT – Partido Democrático TrabalhistaPFL – Partido da Frente LiberalPGC – Programa Grande CarajásPIN – Programa de Integração NacionalPLANAFLORO – Plano Agropecuário e Florestal de RondôniaPLANO 2010 – Plano Nacional de Energia Elétrica 1987/2010PLANO 2015 – Plano Nacional de Energia Elétrica 1993/2015POLAMAZÔNIA – Programa de Pólos Agropecuários e Agrominerais da AmazôniaPOLONOROESTE – Programa de Desenvolvimento Integrado para o Noroeste do BrasilPROTERRA – Programa de Redistribuição de Terras e de Estímulos à Agroindústria do Norte e doNordestePMDB – Partido do Movimento Democrático BrasileiroPNDs – Planos Nacionais de Desenvolvimento (I, II, III)PND – Programa Nacional de DesestatizaçãoPPA – Plano PlurianualPP&L – Pennsylvania Power & Light CompanyPSD – Partido Social DemocrataPST – Partido Social TrabalhistaPTB – Partido Trabalhista BrasileiroPWAIFE – Programa Waimiri-AtroariRADAM – Radar da AmazôniaRENCOR – Reserva Nacional de Compensação de RemuneraçãoRGG – Reserva Global de GarantiaRGR – Reserva Global de ReversãoRO – RondôniaRR – RoraimaRWE – Reinisch-Westfälisches ElektrizitätswerkSAALFT – Serviço de Abastecimento de Água, Luz e Força do TerritórioSALTE – Saúde, Alimentação, Transporte e EnergiaSEEM – Serviços de Energia Elétrica de ManausSEPLAN – Secretaria de Planejamento da Presidência da RepúblicaSIB – Sistema Interligado de BelémSPVEA – Superintendência do Plano de Valorização Econômica da AmazôniaSUBIN – Secretaria de Cooperação Econômica e Técnica InternacionalSUDAM – Superintendência de Desenvolvimento da AmazôniaSUDENE – Superintendência de Desenvolvimento do NordesteSUFRAMA – Superintendência da Zona Franca de ManausUHE – Usina HidrelétricaUTE – Usina TermelétricaTECEJUTA –Tecelagem de Juta de SantarémTVA – Tennessee Valley AuthorityUDN – União Democrática Nacional,ZFM – Zona Franca de ManausWCD – World Commission on Dams

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO – POSTURAS ANALÍTICAS............................................................20

I.1 O TEMA, O OBJETO E OS OBJETIVOS DA PESQUISA ..............................20

I.2 EXPLICITAÇÃO DO PROBLEMA E RECORTE ANALÍTICO .........................28

I.3 METODOLOGIA............................................................................................31

I.4 ESTRUTURA NARRATIVA ............................................................................32

CAPÍTULO 1 – TECNOLOGIAS, SOCIEDADE E ESPAÇO:A CONSTRUÇÃO DO CAMPO PROBLEMÁTICO ...................................................35

1.1 INTRODUÇÃO ..............................................................................................35

1.2 A ELETRIFICAÇÃO COMO FENÔMENO HISTÓRICO..................................36

1.3 TECNOLOGIA E PROGRESSO SOCIAL ......................................................46

1.4 A ELETRIFICAÇÃO COMO SISTEMA SOCIOTÉCNICO...............................53

1.5 A ELETRIFICAÇÃO NO BRASIL ...................................................................57

CAPÍTULO 2 – A AMAZÔNIA “ILUMINADA” PELA BORRACHA ...........................65

2.1 ESPAÇO E CONSTRUÇÃO DA NAÇÃO......................................................65

2.2 A ECONOMIA DA BORRACHA E O DESENVOLVIMENTOAMAZÔNICO NO PRIMEIRO PERÍODO REPUBLICANO..............................66

2.2.1 Rios Amazônicos: estradas que se movem .............................................71

2.3 AMAZÔNIA MODERNIZADA: URBANIZAÇÃO E SERVIÇOS PÚBLICOS ....75

2.3.1 Iluminação pública: do gás a eletricidade ................................................78

2.3.1.1 A iluminação em Belém .................................................................................78

2.3.1.2 A iluminação em Manaus...............................................................................90

2.3.1.3 A expansão da luz e da eletricidade nas capitais e cidades do interior ........102

2.4 SÍNTESE E REFLEXÕES........................................................................... 110

CAPÍTULO 3 – O DESENVOLVIMENTO DA INDÚSTRIA DE ENERGIAELÉTRICA NA AMAZÔNIA: DA INSTALAÇÃO AOS ANOS 1950 .......................... 117

3.1 BREVE PANORAMA DA INDÚSTRIA DE ENERGIA ELÉTRICA NOBRASIL NOS PRIMEIROS 50 ANOS E A AÇÃO DO GOVERNOFEDERAL ................................................................................................... 117

3.2 TRAÇÃO, LUZ E FORÇA: AS PRIMEIRAS EMPRESAS DE ENERGIAELÉTRICA EM MANAUS E BELÉM............................................................124

3.2.1 Manaós Tramways & Light Company .....................................................126

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3.2.2 Pará Electric Railways and Lighting Company, Limited ........................143

3.2.3 Tecnologias e empresas fornecedoras de equipamentos ....................157

3.2.3.1 Perfil de algumas empresas fornecedoras de equipamentos,aparelhos e componentes elétricos para a indústria de energia elétricadas capitais amazônicas, no século XIX e início do século XX. ...................165

3.3 O DESENVOLVIMENTO DA INDÚSTRIA DE ELETRICIDADENA AMAZÔNIA ...........................................................................................169

3.4 SÍNTESE E REFLEXÕES...........................................................................174

CAPÍTULO 4 – SPVEA: A INFRA-ESTRUTURA ENERGÉTICA PARA ODESENVOLVIMENTO REGIONAL ........................................................................178

4.1 OS PADRÕES DE INTERVENÇÃO ESTATAL E O DESENVOLVIMENTOREGIONAL..................................................................................................178

4.1.1 As missões técnico-econômicas americanas e a questãoregional ......................................................................................................181

4.1.2 A construção do Setor Elétrico: estrutura institucional,planejamento e realização dos primeiros estudos do potencialhidrelétrico nacional .................................................................................185

4.1.2.1 O Plano Nacional de Eletrificação de 1954 .................................................187

4.2 A SPVEA E A AÇÃO PLANEJADA DO ESTADO .......................................189

4.2.1 Energia elétrica para o desenvolvimento regional ................................196

4.2.1.1 O modelo SPVEA de planejamento e gestão do Setor Elétrico ...................203

4.2.2 A solução da crise energética em Belém e Manaus e a criação dasempresas de energia no Pará e Amazonas ............................................205

4.2.3 A energia elétrica no Amapá: o ensaio hidrelétrico da UsinaCoaracy Nunes .........................................................................................218

4.3 SÍNTESE E REFLEXÕES...........................................................................229

CAPÍTULO 5 – “BANCANDO O RISCO”: A CONSTRUÇÃO DOMERCADO PARA ENERGIA ELÉTRICA DA AMAZÔNIA ......................................234

5.1 ENERGIA ELÉTRICA E INTEGRAÇÃO NACIONAL: UM NOVOENFOQUE PARA O PLANEJAMENTO E O DESENVOLVIMENTO............234

5.1.1 A SUDAM e os PNDs ................................................................................237

5.1.2 Que energia para qual desenvolvimento? ..............................................239

5.1.3 As ações concretas da SUDAM na área de energia elétrica .................242

5.1.4 Do estudo dos mini-aproveitamentos hidrelétricos nos anos1970 às PCHs dos anos 1990 ..................................................................246

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5.2 O PLANEJAMENTO SETORIAL E AS MUDANÇAS NO PADRÃO DOSEMPREENDIMENTOS HIDRELÉTRICOS ..................................................249

5.2.1 As fontes de recursos ..............................................................................252

5.2.2 Os estudos hidroenergéticos do ENERAM e a criação daEletronorte ................................................................................................254

5.3 O PROJETO ELETRONORTE: A CONSTRUÇÃO DE UMA VISÃO SOBREA EXPLORAÇÃO HIDROENERGÉTICA DA AMAZÔNIA ............................256

5.3.1 A construção do mercado para a energia da Amazônia ........................262

5.3.2 A elaboração de um plano ambicioso .....................................................270

5.3.2.1 A concretização da visão: os grandes projetos hidrelétricos ........................272

5.3.3 A consolidação da base material da Eletronorte ....................................284

5.4 ALGUNS MOMENTOS DE INCERTEZA NA TRAJETÓRIA DA EMPRESA,NOS ANOS 1990 ........................................................................................286

5.4.1 Planos, projetos e resistências ...............................................................291

5.5 SÍNTESE E REFLEXÕES...........................................................................296

CAPÍTULO 6 – CONCLUSÃO ................................................................................300

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................... 311FONTES PRIMÁRIAS IMPRESSAS............................................................ 311a) Documentos (mensagens, falas, exposições, discursos,relatórios, projetos, planos, diagnósticos e leis) ................................... 311b) Álbuns produzidos a partir dos governos(propaganda oficial) .................................................................................323c) Dados estatísticos oficiais ...................................................................323d) Outros (cartas, relatórios de instituições não governamentais,estatutos, contratos, ofícios, depoimentos, discursos etc.) .................324FONTES PRIMÁRIAS MANUSCRITAS .......................................................324FONTES SECUNDÁRIAS...........................................................................325a) Livros, capítulos, teses, dissertações e artigos de periódicoscientíficos ..................................................................................................325b) Jornais e revistas (notícias, reportagens, anúncios comerciaise propagandas) .........................................................................................337c) Livros e textos elaborados em/para mídia eletrônica(E-books) ...................................................................................................338d) Sítios (URL) ...........................................................................................339ACERVOS HISTÓRICOS CONSULTADOS ................................................340

ANEXOS .................................................................................................................341

I ANEXOS DO CAPÍTULO 5 ....................................................................................341

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Apresentação

A investigação desta Tese se desenvolveu como parte da vertente “Recuperação Histórica

e Análise da Reestruturação do Setor Elétrico Brasileiro” do Projeto Setor Elétrico, Território, Meio

Ambiente e Conflito Social (SETMACS), uma das linhas de pesquisa do Laboratório Estado, Trabalho,

Território e Natureza (ETTERN) do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da

Universidade Federal do Rio de Janeiro – IPPUR/UFRJ, coordenado pelos Professores Doutores

Carlos Bernardo Vainer e Henri Acselrad.

Em 1994, ao ingressar na equipe de pesquisa como co-responsável pelo desenvolvimento

de parte da mesma vertente, tive a oportunidade de conhecer uma vasta literatura voltada para as

políticas do Setor Elétrico, bem como para os padrões de intervenção estatal na economia e no território.

Posteriormente, no mestrado desenvolvido no IPPUR, pude aprofundar as preocupações e análises

acerca das dimensões sociais e ambientais das políticas do Setor Elétrico, que resultaram na dissertação

“Audiências Públicas, Participação Social e Conflitos Ambientais nos Empreendimentos Hidrelétricos:

os casos de Tijuco Alto e Irapé”, defendida em junho de 1999. Esta pesquisa dá continuidade, em

termos teóricos e temáticos, a trajetória de investigação iniciada em 1994. Neste sentido, é um

investimento pessoal numa reflexão empreendida coletivamente no grupo de pesquisa.

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INTRODUÇÃO – POSTURAS ANALÍTICAS

“[...] A parte maciçamente predominante da ação conscientehumana que se baseia na aprendizagem, na memória e na

experiência constitui um vasto mecanismo para confrontarconstantemente o passado, o presente e o futuro. As pessoas

não podem deixar de tentar prever o futuro através de algumaforma de ler o passado. Elas têm de o fazer. Os processos

ordinários da vida humana consciente, para não mencionar atomada pública de decisões exigem-no.”

(HOBSBAWN, 1997, apud CARDOSO, 2005)

I.1 O TEMA, O OBJETO E OS OBJETIVOS DA PESQUISA

Ao longo da década de 1980 até o início da década 1990, o Estado brasileiro foi perdendo

capacidade de planejamento e investimento, resultando no desmonte do aparato planejador. A chamada

“crise do Estado” fez com que seu papel como mediador nas relações com o mercado fosse fortemente

questionado, enquanto o desenvolvimento, substituído pelo termo crescimento econômico, passou a

ser visto cada vez mais sob a perspectiva da internacionalização da economia. Neste contexto, surgiu

um novo modelo de planejamento, importado das empresas privadas e fundamentado na competição

e na inserção no mercado internacional: “o management (gestão) territorial e/ou ambiental, o

planejamento estratégico (competitivo), o marketing de lugares” (VAINER, 2003). Este tipo de gestão

territorial, centrada na produtivização do território e na inserção regional competitiva, serviu como

inspiração para a retomada do planejamento. A partir de meados dos anos 1990, a pretexto de enfrentar

a crise do Estado e promover o crescimento econômico, o governo federal desenvolveu novos

instrumentos – os Planos Plurianuais1 e os Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento –,

reinaugurando uma nova fase de planejamento governamental. Com duas temporalidades diferentes,

quatro e oito anos, respectivamente, estes instrumentos previam a realização de investimentos

1 A Constituição de 1988 introduziu o Plano Plurianual (PPA) como principal instrumento de planejamento de médio prazo dogoverno brasileiro. De acordo com o art. 165, parágrafo 1º do texto constitucional, o PPA deve estabelecer “de formaregionalizada, as diretrizes, os objetivos e as metas da administração pública federal para as despesas de capital e outrasdelas decorrentes e para as relativas aos programas de duração continuada” (BRASIL, 2000). O PPA orienta a elaboração dalei orçamentária anual, dispõe sobre alterações na legislação tributária e estabelece a política de aplicação das agênciasfinanceiras oficiais de fomento. Sua vigência se inicia no segundo ano do mandato presidencial e finda no primeiro ano domandato seguinte. O primeiro PPA (1991-1995) atendeu exclusivamente às exigências do dispositivo constitucional. Nogoverno Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), os PPAs foram aperfeiçoados e se tornaram instrumentos-chave noplanejamento governamental. O PPA 1996-1999, conhecido como Programa Brasil em Ação foi sucedido pelo PPA 2000-2003,conhecido como Programa Avança Brasil. O PPA 2004-2007, conhecido como Plano Brasil para Todos, elaborado numa novaconjuntura política seguiu, contudo, a mesma orientação do Planos Plurianuais anteriores no que se refere à abordagem dasformas de apropriação e uso dos recursos (especialmente hidroenergéticos) na Amazônia.

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governamentais e privados em setores de infra-estrutura, especialmente transporte (pavimentação de

estradas, construção de portos, hidrovias e ferrovias) e energia (construção de usinas hidrelétricas,

gasodutos e linhas de transmissão).

No que concerne à Amazônia, os investimentos buscavam dotar a região de novos

corredores de circulação de mercadorias, para permitir a expansão da exportação de grãos

(especialmente a soja) para os mercados internacionais, reduzindo o custo e o tempo da exportação.

Ao centralizar a ação nas obras de infra-estrutura, estes programas estariam reconfigurando o lugar da

Amazônia no processo geral de acumulação capitalista, com a dinamização seletiva de alguns espaços.

Este novo tipo de planejamento concretiza novas articulações entre o capital e o Estado, através de

parcerias público-privadas, nas quais ao Estado cabe a regulação, o planejamento e o financiamento

das infra-estruturas a serem implementadas, geridas e prioritariamente usadas pela iniciativa privada.

Neste formato de planejamento, em que se busca a inserção competitiva do país no cenário internacional,

o papel da Amazônia na configuração espacial do mapa energético nacional parece orientado por três

perspectivas: i) como solução para os problemas advindos do esgotamento da capacidade de produção

hidrelétrica de outras regiões, como o Nordeste e, principalmente, os centros dinâmicos da economia

nacional (Sudeste e Sul); ii) área de atração de indústrias eletrointensivas, o que significa a exportação

indireta de energia para os países centrais; e, finalmente, iii) uma das possibilidades para a integração

energética da América do Sul, através do estabelecimento de novos fluxos energéticos2.

Trata-se, portanto, de um planejamento governamental em que a produção, transmissão e

consumo da energia em larga escala tende a se distribuir entre os grupos econômicos que sustentam as

formas de inserção competitiva no mercado internacional. As necessidades e aspirações das populações

locais se encontram ausentes deste projeto, que as exclui do “desenvolvimento nacional”. A região,

vista de fora, é objeto passivo de apropriação, como se fosse desprovida de sujeitos capazes de

formular um projeto próprio de desenvolvimento.

Vários trabalhos (PINTO, 2005 e 2002; SEVÁ FILHO, 2005a; SILVA, 2005;

BERMANN, 2001; MAGALHÃES, BRITO e CASTRO, 1996) mostram que a geração centralizada

de grandes blocos de energia em grandes usinas hidrelétricas, ao invés de produzir a dinamização da

economia amazônica, aumentou as desigualdades sociais e econômicas na região e também criou uma

diferenciação entre três grupos de consumidores: i) o grupo dos grandes consumidores, que é composto

principalmente pelos complexos eletrointensivos mínero-metalúrgicos exportadores – cuja eletricidade

2 Para uma análise da questão da integração energética na América do Sul e dos conflitos gerados a partir dosprojetos de integração, ver NUTI, 2006.

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é subsidiada – e as cidades amazônicas maiores e mais importantes, que são atendidos pelo sistema

interligado; ii) o mercado composto por sedes municipais e vilarejos de maior porte, cujo suprimento

de energia elétrica é feito em sua maioria pelos geradores térmicos, movidos por derivados de petróleo

(diesel ou óleo combustível) e constituem os sistemas isolados; e iii) e os consumidores dispersos,

constituídos por comunidades isoladas, parcamente ou totalmente não supridas por energia elétrica.

Este quadro mostra que a desigualdade na distribuição das riquezas na sociedade

brasileira se reproduziu na desigualdade no consumo de energia elétrica na região. Sobre este

aspecto, BERMANN (2001), ressalta o caráter político da mercadoria energia visto que, por

um lado, constitui um importante insumo produtivo que funciona como mecanismo de regulação,

já que o preço (tarifa) afeta diretamente a taxa de lucro da atividade produtiva, e, por outro lado,

ao ser consumida, a energia define e assegura um determinado padrão de qualidade de vida para

as populações.

O jornalista Lúcio Flávio Pinto, crítico dos planos e projetos contemporâneos de

exploração econômica da região, ressalta que uma das visões mais recorrentes na concepção desses

planos e projetos é que “a água é o principal ativo de curto, médio e longo prazo da Amazônia [...]”

(PINTO, 2002, p. 75). Entendimentos semelhantes configuram a região no cenário nacional como

“jazida energética”, “área de monocultura da água ou hidronegócio”, “província energética” e

“vocacionada para a exportação de energia”. Desta maneira, o lugar da Amazônia no processo

produtivo e no desenvolvimento do país é estabelecido e configurado a priori, sem qualquer

consideração acerca das possibilidades de uma inserção produtiva a partir de determinações

econômicas e relações sociais locais/regionais.

Para RAFFESTIN (1993), a matéria só se torna um recurso como resultado de um

processo de produção em que se estabelecem relações de poder em torno do acesso e apropriação

da matéria investida de novas propriedades. As novas propriedades da matéria (tornada recurso) se

manifestam através das técnicas mobilizadas pelo trabalho. Nesta perspectiva, pode-se dizer que a

configuração do lugar a Amazônia nos processos produtivos contemporâneos, aponta a construção

social da água/rios amazônicos exclusivamente como recursos energéticos.

Conforme teorizou BOURDIEU (1989), as práticas discursivas não são vazias, elas

produzem um efeito objetivo na realidade, ou seja, o poder simbólico não só tem a capacidade de

impor uma representação da realidade social, como é capaz de (re)criar o próprio mundo a partir das

representações. O poder simbólico se inscreve em toda parte por meio da imposição de sistemas

simbólicos que ocultam em si mesmo sua arbitrariedade e são aceitos e naturalizados pelos que se lhe

submetem, como sistemas legítimos de reconhecimento do mundo. A percepção do mundo social, feita

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pelas categorias derivadas da incorporação das estruturas objetivas do espaço social, leva os agentes

sociais a tomarem o mundo social tal como ele é, aceitando-o como natural. Isto ocorre porque “as

relações de força objetivas tendem a reproduzir-se nas visões do mundo social que contribuem para a

permanência dessas relações” (BOURDIEU, 1989, p. 142). O centro da luta política é a disputa

teórica e prática que se estabelece em torno do conhecimento do mundo social, pelo poder de conservá-

lo ou transformá-lo, com a manutenção ou transformação das categorias de percepção. O poder

simbólico não tem força própria, mas se legitima por outras formas de poder e nisto reside a sua

virtude, pois é capaz de transfigurar e encobrir relações sociais de força, ocultando-as sob a forma de

relações de comunicação. O poder simbólico reside na relação determinada entre os que exercem o

poder e os que a ele se sujeitam e o ocultamento da arbitrariedade é sua principal força (BOURDIEU,

1989, p. 13). Assim, a pré-definição do lugar da região amazônica no processo produtivo nacional é

a base central sobre a qual assentam nossas reflexões. Ao invés de buscar a especificidade da

configuração da Amazônia no desenvolvimento contemporâneo, a partir das representações

consolidadas no curso do planejamento e formulação de políticas energéticas governamentais,

consideramos importante compreender o próprio processo histórico-social de construção desta

concepção, com base nas seguintes hipóteses de trabalho:

i) A Amazônia não foi sempre concebida como “província energética” ou qualquer

representação semelhante;

ii) Em algum momento da história da Amazônia, a possibilidade de aproveitamento dos

recursos energéticos regionais esteve associada a projetos de desenvolvimento da região; e

iii) Houve uma transformação nas concepções do papel da Amazônia no cenário do

desenvolvimento nacional e da exploração dos seus recursos energéticos, de modo que a região passou

a ser vista, não apenas pelo Setor Elétrico, mas também por setores da burocracia estatal e da sociedade

como “região exportadora de energia”, “jazida energética” etc. Esta visão foi construída no processo

histórico-social de eletrificação da região.

Assim, o objetivo central desta pesquisa é compreender o processo sociotécnico de

eletrificação na Amazônia e analisar sua relação com os padrões de intervenção do Estado na organização

do território e com a apropriação de recursos territorializados, bem como, reconhecer na trajetória de

implantação do Setor Elétrico na região, as mudanças nas concepções do papel da Amazônia na divisão

regional de trabalho na geração, distribuição e consumo de energia elétrica.

A Amazônia brasileira representa cerca de 60% do território nacional e possui uma das

mais extensas redes hidrográficas do mundo, uma densa cobertura florestal e relativamente baixa

densidade demográfica, o que não significa propriamente que seja um “vazio populacional”. Há inúmeras

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definições sobre o que seja a Amazônia, seus limites e extensões. Conforme afirma MACHADO

(1995), “o que se conhece como Região Amazônica é um híbrido de conceitos geográficos, políticos

e históricos”. A esta definição se podem acrescentar os conceitos ideológicos. O enorme potencial de

geração hídrica, cerca de 60% do total remanescente do país (BERMANN, 2001, p. 21), e a

comprovação da existência de grandes jazidas de gás natural no estado do Amazonas (Juruá e Urucu),

incrementam a capacidade de produção de energia da região, colocando-a no centro do debate atual

sobre o desenvolvimento energético do país. Nesta Tese, contudo, não se tenciona discutir o que é a

Amazônia geográfica ou historicamente em relação ao território e à sociedade brasileira, e sim situar

seu papel e significado no que diz respeito à configuração de uma representação espacial nacional da

exploração de recursos energéticos.

A relevância da Tese consiste justamente na possibilidade de pensar os processos de

territorialização do espaço nacional numa perspectiva histórica, tendo a eletrificação como fenômeno

social orientador da investigação. Conforme teorizou RAFFESTIN (1993), o território é construído a

partir das relações sociais de produção e de poder que se projetam e desenvolvem no espaço. O

trabalho se inscreve no território marcando-o com relações de poder que se territorializam e, desta

forma, organizam as relações no espaço. De maneira semelhante, já há algum tempo, Vainer vem

afirmando que as macropolíticas setoriais – de transporte, mineração e energia – são estruturantes nos

processos de configuração do espaço nacional pelo Estado e de apropriação pelo capital do território

e dos recursos territorializados na dinâmica da acumulação capitalista3. A orientação geral que perpassa

toda a Tese é que a produção do território nacional brasileiro e as transformações espaciais são, em

forte medida, determinados pelas políticas setoriais, especialmente as políticas de infra-estrutura de

energia elétrica, as quais condicionam as dinâmicas sócio-espaciais de maneiras até mais objetivas do

que outras políticas concebidas explicitamente para ordenar o território, sob a rubrica de planejamento

regional ou territorial. Isto porque, por sua capacidade de definir articulações econômicas e políticas,

os projetos de infra-estrutura são capazes de interferir nas relações sociais e na organização do espaço.

VAINER e ARAÚJO (1992), observaram ainda, que a incorporação progressiva de recursos naturais

e territórios nas estratégias de desenvolvimento, tem sido a marca do processo de intervenção e de

ação do Setor Elétrico no espaço.

3 Desde 1988, sob a coordenação do Prof. Carlos B. Vainer, um enorme esforço teórico e analítico tem sido empreendidono sentido de compreender e explicitar o papel das macropolíticas setoriais na conformação dos padrões dominantesde intervenção territorial do Estado brasileiro. O projeto Política Energética e Organização Territorial (PEOT) inauguroua discussão que prosseguiu com o projeto Setor Elétrico e Organização Territorial (SEOT) e, posteriormente, com oprojeto Setor Elétrico, Território, Meio Ambiente e Conflito Social (SETMACS) que continua em andamento.

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Um aspecto a ser ressaltado é a centralidade do Estado como foco analítico, tanto em

relação ao papel que desempenha na mediação entre agentes econômicos (nacionais e internacionais)

e a sociedade, quanto no que se refere às formas de intervenção no território (sua prática concreta) ao

longo do período estudado.

O papel do Estado capitalista e suas funções sócio-econômicas foi objeto de debates e

interpretações de diversos autores neo-marxistas4. Alguns o vêem como um instrumento de dominação

de classe5, outros como uma salvaguarda objetiva das relações de produção ou da acumulação

econômica6 e outros ainda, como uma arena para a luta política entre classes7.

A análise que empreendemos do Estado e de seu papel no desenvolvimento e na

organização territorial tem como fundamento a combinação das concepções de LEFEBVRE (1994)

e POULANTZAS (2000). Para Lefebvre, “é no nível do Estado político que se situam os

pensamentos estratégicos que utilizam, bem ou mal, consciente ou inconscientemente, as forças

econômicas, sociais, ideológicas e políticas de que os atores dispõem” (LEFEBVRE, 1994, p. 206,

grifos no original). A dupla atuação, na qualidade de legislador e organizador do sistema contratual

e institucional, e na qualidade de executor da capacidade repressiva, através da detenção dos meios

de constrangimento, dão ao Estado a competência fundamental para atuar na perenização da

reprodução das relações sociais de produção.

POULANTZAS (2000, p. 29), também concebe o Estado comprometido com o coração

do processo de reprodução capitalista, atuando diretamente e de forma positiva, criando, transformando

e fazendo a realidade. Embora não se possa reduzir a ossatura material do Estado a simples dominação

política, a dominação estaria inscrita na sua materialidade institucional (POULANTZAS, 2000, p. 12).

4 CARNOY (1990) fez uma análise ampla e mapeadora dos debates neo-marxistas.5 Esta é a base para a formulação teoria do Estado de LÊNIN (1975) que parte da afirmação de Engels de que oEstado surge da necessidade de manutenção da ordem burguesa e do controle dos conflitos de classe. Para ele araison d’être do Estado reside no fato de o conflito de classe chegar a um nível de antagonismo que somente pelaforça a sociedade se mantém coesa. Os chamados teóricos instrumentalistas também fundamentam sua análise nosvínculos entre a classe dominante e o Estado. Para eles, o Estado serve à classe capitalista porque é controlado porela. Os principais representantes desta corrente do pensamento marxista são Paul Sweezy e Ralph Miliband (GOLDet alii, 1979).6 Para OFFE (1984), o Estado nas sociedades capitalistas avançadas é a resposta às crises periódicas do capitalismo,originárias da contradição fundamental deste sistema, ou seja, a crescente socialização do processo de produçãoem contraposição à apropriação privada da riqueza. O Estado seria, portanto, um administrador de crises. O cerneda questão sobre a verdadeira natureza do Estado está em demonstrar a “necessidade estrutural” de sua participaçãona realização dos interesses dos grupos dominantes voltados para o processo de valorização. Em outras palavras,a comprovação do caráter classista do Estado depende do esclarecimento das relações de semelhança entre ele ea organização produtiva capitalista, através da análise dos mecanismos internos do Estado, que lhe garantem seucaráter de classe.7 Poulantzas é um dos principais defensores desta perspectiva. Para ele, “[...] o Estado não é um utensílio de classe maso Estado de uma sociedade dividida em classes.” (POULANTZAS, apud CARNOY, 1990, p. 136)

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As matrizes de espaço e tempo capitalista, fundadas nas relações de produção e na divisão social do

trabalho, constituem a base material das instituições e das práticas de poder do Estado.

O Estado capitalista tem a especificidade de açambarcar o tempo e o espaço social,intervir na organização dessas matrizes, uma vez que ele tende a monopolizar osprocedimentos de organização do espaço e do tempo que se constituem, para ele, emrede de dominação e de poder. A nação moderna surge assim como um produto doEstado: os elementos constitutivos da nação (a unidade econômica, o território, atradição) modificam-se pela ação direta do Estado na organização material do espaço edo tempo. A nação moderna tende a coincidir com o Estado no sentido em que o Estadoincorpora a nação, e a nação se corporifica nos aparelhos de Estado: tornam-se osustentáculo de seu poder na sociedade, designando-lhe seus contornos. O Estadocapitalista funciona como nação (POULANTZAS, 2000, p. 98, grifos nossos).

Os limites do Estado-nação funcionam como unidade de reprodução ampliada das

relações sociais capitalistas e como ponto de sustentação do desenvolvimento desigual

(POULANTZAS, 2000, p. 93). A matriz espacial da produção capitalista tem como pressuposto a

separação do trabalhador dos meios de produção e o parcelamento e a fragmentação do trabalho

através da divisão social do trabalho. O espaço da produção se constitui numa tensão permanente

entre o parcelamento e a descontinuidade, oriundos da divisão social do trabalho, e uma

homogeneização espacial formada da assimilação de novos segmentos, pelo deslocamento das

fronteiras. Assim, o espaço da produção capitalista é “serial, fracionado, descontínuo, parcelário,

celular e irreversível”, mas não tem fim, já que “o processo de trabalho capitalista é tendencialmente

mundializável (cooperação ampliada)” (POULANTZAS, 2000, p. 102-103). A territorialidade do

Estado-nação é essencialmente política, constituída da capacidade de monopolização dos

procedimentos de organização do espaço: a materialidade ou os dispositivos de organização se

inscrevem num espaço politicamente delimitado.

Ao estabelecer fronteiras e garantir a unidade nacional, o Estado moderno instaura o

mercado nacional unificado e elimina as barreiras internas à livre circulação das mercadorias e do

capital. Neste sentido, a noção de fronteira torna-se uma noção política, não por seu valor intrínseco

como limite, mas ao contrário, por possibilitar o movimento de extensão dos mercados, circulação de

capital e apropriação de territórios em um espaço delimitado (apropriado), porém infinito. O

deslocamento das fronteiras, que é o elemento essencial deste processo, acontece graças ao surgimento

de “limites deslocáveis” que fixam o dentro e o fora, constituindo a noção moderna de fronteira8.

8 Becker (1990) coloca importantes questões para a discussão na noção de fronteira na Amazônia. Para a autora, afronteira é um espaço onde o tempo é diferenciado e onde as inovações ocorrem com mais rapidez. A fronteiraenvolve ainda uma articulação de diferentes capitais com o Estado na produção e incorporação de novos espaçosao processo de acumulação.

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Estabelecer fronteiras eqüivale a poder deslocá-las: nesta matriz espacial só há avançopossível pela homogeneização, assimilação e unificação, apenas pela delimitação de uminterior que continua no entanto tendencialmente em condições de estender-se aoinfinito. Essas fronteiras só são, portanto, estabelecidas como as de um territórionacional a partir do momento em que se trata exatamente (para o capital, para asmercadorias) de franqueá-las. Só se pode deslocar-se neste espaço atravessandofronteiras: o imperialismo é consubstancial à nação moderna na medida em que elenão é mais que inter ou antes transnacionalização de processos de trabalho e docapital. Esta matriz está ancorada no processo e na divisão social do trabalho: o capitalé uma relação (capital-trabalho), dizia Marx, e se, por mais desterritorializado e a-nacionalque possa parecer sob suas diversas formas, ele só pode se reproduzir aos setransnacionalizar, é porque move-se sobre a matriz espacial dos processos de trabalhoe de exploração que é em si mesma internacional. (POULANTZAS, 2000, p. 105-106,grifos simples do autor e grifos nossos em negrito)

A manipulação dos limites deslocáveis pelo Estado fragmenta e integra os espaços, criando

continuidades e descontinuidades que territorializam e desterritorializam relações no espaço,

reordenando-as de modo a construir a espacialidade capitalista. A análise histórica da especificidade

do processo de eletrificação na Amazônia e suas dimensões territoriais ilumina mais um capítulo da

participação do Estado na organização do território brasileiro.

A questão central que a Tese busca responder é: Como e por que a Amazônia se

transformou de espaço a ser desenvolvido no processo de homogeneização do território nacional

(integração) em território exportador de energia? Neste processo, a energia que era concebida como

insumo produtivo básico e fator de indução do desenvolvimento regional, passou a ser concebida

prioritariamente como mercadoria energética para exportação e fator de subordinação do

desenvolvimento regional no processo de reprodução do capital hegemônico nacional e do capital

internacional. O como diz respeito aos aspectos descritivos e contextuais do processo histórico analisado

e o por que diz respeito aos seus fundamentos explicativos.

Partimos do pressuposto de que a configuração do Setor Elétrico na Amazônia, pela

implantação de sua base material e articulações sócio-espaciais, implica o exercício de relações de

poder e formas específicas de apropriação e distribuição da riqueza social. Além disso, os padrões de

territorialização e apropriação dos recursos energéticos, estabelecidos pela implantação físico-territorial

de projetos e empreendimentos elétricos, associados às formas de distribuição e consumo desigual da

energia produzida, contribuem para afirmar a apropriação do território e dos recursos naturais como

elemento central garantindo a competitividade de empresas e a reprodução no processo de acumulação

de capital. Assim, ao buscar a dimensão histórica particular das relações entre o processo de eletrificação

e o planejamento territorial, procuramos iluminar concepções e práticas relacionadas à apropriação do

território e dos recursos territorializados na Amazônia, bem como adicionar novos elementos teóricos

à reflexão sobre as dimensões e determinantes territoriais do desenvolvimento.

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I.2 EXPLICITAÇÃO DO PROBLEMA E RECORTE ANALÍTICO

WRIGHT MILLS (1969), observa que a transformação histórica e a contradição

institucional não fazem parte da vida dos homens tal como a vivenciam cotidianamente. As transformações

estruturais que relacionam o homem e a sociedade não passam pela percepção imediata dos indivíduos,

pois há um gap de compreensão do homem em relação ao seu mundo e sua história. Em sua concepção,

faltaria aos homens modernos

[...] uma qualidade de espírito que lhes ajude a usar a informação e a desenvolver arazão, a fim de perceber, com lucidez, o que está ocorrendo no mundo e o que pode estaracontecendo dentro deles mesmos. É essa qualidade [...] que poderemos chamar deimaginação sociológica (WRIGHT MILLS, 1969, p. 11).

A imaginação sociológica, assim definida, é uma qualidade humana que permite desvendar

a falsa consciência das posições sociais individuais e conduz à compreensão do mundo. Wright Mills

afirma ainda que as “questões” são assuntos públicos que transcendem a experiência pessoal e se

relacionam às organizações sociais que formam a vida social. Para identificar as questões públicas, é

necessário indagar quais os valores que se encontram ameaçados e quais os valores aceitos e mantidos

na sociedade. Nas palavras do autor, “nenhum problema pode ser adequadamente formulado, a menos

que os valores envolvidos e a aparente ameaça a eles sejam expostos” (WRIGHT MILLS, 1969, p.

142). Esta é a tarefa primordial da ciência social, ou seja, formular os problemas, encerrando as

preocupações e questões enfrentadas pelos homens, de modo a contribuir para sua compreensão.

O posicionamento teórico-metodológico define os ângulos analíticos para o tratamento

do objeto de pesquisa, enquanto a escolha do método, por sua vez, fala sobre o “estar no mundo” do

pesquisador, ou seja, da sua inserção social e de sua auto-construção como sujeito conhecedor. O

processo de produção do conhecimento é também o processo de produção do sujeito conhecedor.

Conforme aponta KOSÍK (1976, p. 195), o mundo e o homem se transformam a cada nova descoberta,

a cada nova produção. Na ação, o sujeito transforma o mundo e a si mesmo e o conhecimento é resultado

da relação entre o sujeito e sua ação transformadora no mundo.

O conhecimento do sujeito só é possível na base da atividade do próprio sujeito sobreo mundo; o sujeito só conhece o mundo na proporção em que nele intervém ativamente,e só conhece a si mesmo mediante uma ativa transformação do mundo. O conhecimentode quem é o sujeito significa conhecimento da atividade do próprio sujeito no mundo(KOSÍK, 1976, p. 165, grifos no original).

Consideramos que o principal valor ameaçado no processo social e histórico que buscamos

compreender é uma perspectiva de desenvolvimento que contemple as diferentes regiões do país

enquanto totalidade e não como segmento a ser incorporado de forma subordinada como espaço

seletivo de valorização nos processos de acumulação do capitalismo global.

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O problema da Tese diz respeito, portanto, a compreensão do processo social e histórico

de construção da Amazônia como “exportadora de energia” e da simultânea exclusão dos agentes

sociais locais e regionais da construção de um projeto de desenvolvimento regional, com a conseqüente

subordinação da região aos determinantes do desenvolvimento nacional. A escolha de uma abordagem

histórica para a presente Tese, portanto, não é fortuita. Da forma como o percebemos, o padrão

energético amazônico atual é fragmentado, resultado de um processo histórico de superposição de

práticas e políticas energéticas e padrões de intervenção territorial que determinam e circunscrevem

o “lugar” da região no espaço energético nacional. A abordagem histórica visa “desnaturalizar” este

padrão energético, que define a Amazônia basicamente como uma região exportadora de energia,

baseado na simples constatação da abundância de recursos hidroenergéticos e do baixo consumo

local de eletricidade. A naturalização da Amazônia como região exportadora de energia é

operacionalizada ideologicamente para dar sentido à sua subordinação na divisão regional do trabalho.

Para RAFFESTIN (1993), a naturalização, que é o movimento de subtração da historicidade dos

fenômenos, permite que se perpetue o sistema de dominação.

Conforme aponta Cardoso, o tempo social humano se constrói por seqüências configuradas

que “integram fatos e projetos da ação e da experiência comuns” numa estrutura narrativa do tempo

social real, onde “cada presente é a projeção prospectiva/retrospectiva que lhe dá sentido e configuração,

unificando os fatos e ações num projeto reconhecível quanto aos objetivos” (CARDOSO, 2005, p. 68).

Embora o passado seja passível de manipulação através da recordação, ele resiste às manobras de

distorção (CARDOSO, 2005, p. 20), além disso, há o caráter dialético da relação passado/presente que

reconstrói o passado à luz de novas interpretações.

Assim, o objeto sobre o qual incide o foco central do nosso estudo é o processo de

eletrificação, entendido como um processo social determinado histórica e culturalmente, e sua relação

com a produção do espaço na Amazônia. Ao adotar este ponto de vista, consideramos que as

tecnologias fazem parte dos sistemas de significado das sociedades e expressam ações e idéias. Em

outras palavras, elas envolvem narrativas que falam tanto sobre as sociedades que as construíram/

conceberam/ adotaram – como e porque foram constituídas, com que propósito e quais as formas

possíveis de uso cultural –, quanto sobre as técnicas em si. Os artefatos técnicos, como barragens,

usinas nucleares ou até aparelhos de TV, emergem em contextos sociais específicos, como expressão

de forças sociais, necessidades pessoais, considerações políticas, constrangimentos legais etc, porque

são construções sociais (NYE, 2006, p. 49).

Para a realização da pesquisa, adotamos uma abordagem contextualista que focaliza o

contexto sócio-cultural e histórico em que se configuram as tecnologias (HUGHES, 1993). Como as

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sociedades configuram/conformam as tecnologias, como escolhem suas máquinas e como se

transformam neste processo, associando de forma inseparável os aspectos técnicos e culturais (NYE,

2006 e 1991). Nesta abordagem, as tecnologias são profunda e continuamente embebidas na

(re)construção do mundo, o que significa que os processos técnicos são parte das práticas culturais

das sociedades e que podem se desenvolver a partir de mais de um caminho possível. Nenhum artefato

ou tecnologia em si é uma força implacável e inexorável movendo-se através da história. Os sistemas

tecnológicos fazem parte das práticas sociais que variam ao longo da história e de uma cultura para

outra. Cada artefato, cada objeto, seja o automóvel ou uma usina hidrelétrica, está envolvido numa

série de escolhas e decisões que são apenas parcialmente baseadas em considerações técnicas e

envolvem igualmente questões econômicas, políticas, legais, organizacionais, culturais etc.

A partir desta concepção, definimos como recorte analítico o processo de eletrificação na

Amazônia, num horizonte de tempo desde a implantação dos primeiros sistemas elétricos na região,

especificamente em Belém e Manaus (cujos serviços elétricos para iluminação pública foram inaugurados

respectivamente em 1o de fevereiro de 1896 e 22 de outubro de 1896) até os anos 1990.

A compreensão da eletrificação como um processo histórico-cultural nos permitiu

estabelecer, como ponto de partida, a introdução sistemática da iluminação pública nas principais

capitais amazônicas (Belém e Manaus), que coincidia com a ascensão da economia da borracha,

na segunda metade do século XIX. Este ponto de partida, possibilitou correlacionar as ações do

capital privado e do setor público para produzir um novo tipo de serviço urbano – a iluminação

pública – que culminou com a introdução, no final do século XIX, de uma nova tecnologia na

região: a energia elétrica.

Nos anos 1990, um conjunto de transformações, nos âmbitos nacional e internacional,

determinaram mudanças no papel do Estado na economia e uma radical reestruturação do Setor

Elétrico. Com o surgimento de novos agentes, nova estrutura institucional, novo marco legal e novos

mercados, a análise da relação entre o território e as políticas setoriais de energia elétrica se tornou

muito mais complexa. Por outro lado, já estava consolidada a representação da região como “jazida

energética” e “exportadora de energia”, que passou a figurar, desde então, como “vocação natural” da

região no planejamento governamental e nos projetos (públicos e privados) de expansão da economia

nacional. Por esta razão, consideramos analítica e teoricamente coerente manter o recorte temporal

entre 1890 e 1990, demarcando 100 anos de história. Esta delimitação, permitiu operacionalizar a

seguinte periodização analítica: i) do final do século XIX aos primeiros anos do século XX: constituição

dos serviços de iluminação pública e o processo de implantação dos sistemas elétricos; ii) dos primeiros

anos do século XX até o fim dos anos 1940: evolução dos sistemas elétricos nas capitais e penetração

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e disseminação dos pequenos sistemas elétricos no interior dos estados amazônicos; iii) dos anos 1950

ao início dos anos 1970: ação planejada do Estado e sua participação no processo de eletrificação e

a definição do papel da eletricidade na constituição da infra-estrutura regional para o desenvolvimento;

iv) dos anos 1970 aos anos 1990: mudança nos padrões de exploração energética, com a consolidação

da hidreletricidade e a construção da representação da Amazônia como região exportadora de energia.

Vale ressaltar que a periodização não constituiu uma camisa-de-força, mas um recurso de

organização da narrativa, que orientou a análise e a estruturação dos capítulos. Em vários momentos, os

períodos foram flexibilizados para comportar narrativas mais “longas” de fenômenos persistentes no tempo

e no espaço, bem como suas dinâmicas internas e articulações externas com outros fenômenos e processos.

I.3 METODOLOGIA

A pesquisa, essencialmente de natureza qualitativa, se baseou no levantamento e análise

crítica do conteúdo das fontes documentais, associada à reconstrução do ambiente sócio-cultural e

histórico. Foram analisados textos históricos de diversas naturezas, mas primordialmente, documentos

oficiais (governamentais) como fontes primárias: mensagens, falas, exposições, discursos, relatórios,

planos, projetos, diagnósticos e leis. O caráter “oficial” dos documentos não dispensou a crítica

documental dos textos históricos9 pela confrontação de diferentes documentos e fontes. A análise

buscou articular uma leitura crítica dos documentos à abordagem contextualista que situou as fontes

documentais nos contextos de sua produção, a fim de focalizar a construção das visões e representações

sobre a Amazônia no processo de eletrificação, ao longo do período estudado. Jornais e revistas de

época foram uma importante fonte para a contextualização por fornecerem um panorama geral da

sociedade nas diferentes épocas, além de complementar informações. Toda a análise se apoiou na

revisão da literatura nacional e internacional, especialmente sobre história da tecnologia e da eletrificação,

planejamento energético e desenvolvimento capitalista, também listadas na bibliografia.

A opção pela análise preferencial de documentos primários determinou a necessidade de

elaborar uma organização específica da bibliografia por tipos fontes de pesquisa10. As fontes foram

divididas em duas grandes categorias, fontes primárias (diretas) e fontes secundárias (indiretas)

que, por sua vez, foram divididas em sub-categorias:

i) Fontes primárias impressas: (a) documentos (mensagens, falas, exposições, discursos,

relatórios, planos, diagnósticos e leis); (b) álbuns (produzidos a partir dos governos como propaganda

9 “[...] Os textos históricos, narrativas eles também, não são um desvio ou deturpação da estrutura dos fatos ouprocessos de que falam, que narram: são uma extensão legítima de suas características intrínsecas.” (CARDOSO,2005, p. 69)10 A organização das fontes foi feita a partir de sugestões colhidas em CARDOSO, 1986.

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oficial); (c) dados estatísticos oficiais11; e (d) outros (relatórios de instituições não governamentais,

estatutos de empresas, contratos, discursos, depoimentos (história oral) etc.);

ii) Fontes primárias manuscritas: ofícios, cartas e contratos;

iii) Fontes secundárias: (a) livros, capítulos de livros, teses, dissertações e artigos de

periódicos científicos; (b) jornais e revistas (notícias e propagandas); (c) e-books12 (livros e textos

elaborados para veiculação em mídia eletrônica); e (d) sítios (URL); e

iv) Acervos históricos consultados: indicação das instituições onde se localizam os principais

acervos documentais consultados.

As fontes iconográficas – fotografias, anúncios comerciais e cartões postais – encontram-

se inseridas na bibliografia citada e foram identificadas junto às figuras que ilustram a Tese.

A inclusão dos boxes nos capítulos 2 e 3 foi um recurso estilístico utilizado para destacar

alguns fatos e informações fundamentais para a compreensão geral do processo analisado. Por sua

relevância, estes fatos deveriam fazer parte da exposição principal, não cabendo o uso de anexos,

mas, se incluídos diretamente no texto, produziriam uma ruptura na narrativa. Sendo grande o volume

de informações, também não seria adequado transformá-las em notas de rodapé. No caso do box

sobre o empresário capitalista Charles Flint, o objetivo foi destacar sua importância no capitalismo

internacional da época, bem como no tipo de capitalismo praticado na Amazônia. O box sobre a

“Represa da Cachoeira Grande” destaca a primeira instalação hidráulica de uso múltiplo da região –

acumulação de água para o abastecimento da cidade e geração de força para a elevação da água –

ainda no século XIX.

I.4 ESTRUTURA NARRATIVA

A introdução expõe a construção analítica da Tese, introduz o tema e os objetivos. Apresenta

os pressupostos teóricos-metodológicos e posturas analíticas adotadas ao longo de sua elaboração. O

capítulo 1 apresenta uma discussão teórica sobre tecnologias, sociedade e espaço, que ressalta o

caráter sócio-histórico das tecnologias como processos sociais conformados pela e conformadores da

sociedade e do espaço.

Os capítulo 2 e 3 foram elaborados, fundamentalmente, com base em fontes primárias

documentais, complementadas por outras fontes diretas como álbuns, estatísticas oficias e outros tipos

11 Em geral, os dados estatísticos são considerados como fontes secundárias por produzirem uma informação jáfiltrada e indireta. Contudo, como em alguns casos estas constituem as únicas fontes históricas de informaçãodisponíveis, optamos por incluí-las nas fontes primárias.12 Os e-books não possuem versão impressa ou esta é diferente da versão veiculada na internet.

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de documentos. Os jornais e revistas de época também foram uma fonte importante para estabelecer

o contexto social nos capítulos.

O capítulo 2 recupera a constituição dos serviços de iluminação pública na segunda metade

do século XIX, nas cidades de Belém e Manaus, durante o período de ascensão da economia da borracha.

Os diferentes sistemas de iluminação foram analisados objetivando identificar os elementos que pudessem

levar à compreensão da passagem (embora não automática) de um tipo de tecnologia – a iluminação a

gás – para outro tipo – a eletricidade – nos serviços de iluminação pública amazônicos. Foram analisados

particularmente as formas contratuais dos serviços, os problemas, as discussões sobre as tecnologias

empregadas e os conflitos relacionados aos sistemas de iluminação. A parte final do capítulo busca elaborar

um panorama da situação da eletrificação nos municípios e localidades do interior da Amazônia na primeira

metade do século XX, detalhando alguns processos específicos de eletrificação.

O capítulo 3 trata da evolução dos sistemas elétricos das capitais amazônicas na

primeira metade do século XX, analisando, especificamente, a recuperação da trajetória histórica

das principais companhias estrangeiras fornecedoras de energia elétrica aí instaladas. A associação

entre os principais usos da energia elétrica, especialmente luz e tração, foi focalizada em conjunto

com a análise dos arranjos tecnológicos empregados pelas empresas na constituição dos sistemas

elétricos. O capítulo apresenta ainda, um panorama da indústria de energia elétrica no Brasil e

analisa o quadro geral da indústria na região, bem como as primeiras ações reguladoras do governo

federal neste setor, no período.

Embora os capítulo 4 e 5 tenham sido baseados num grande número de fontes documentais,

recorreu-se amplamente às fontes secundárias de diversos tipos para complementar informações e

para fundamentar a análise. Isto se deveu, principalmente, ao fato de que ambos cobrem períodos

bastante estudados no pensamento social e econômico brasileiro, sob diversos pontos de vista, o que

implicou uma importante e necessária revisão bibliográfica.

O capítulo 4 analisa as primeiras ações do Estado direcionadas à intervenção do governo

federal no ordenamento territorial por meio do planejamento, bem como situa o papel da energia elétrica

no projeto de desenvolvimento nacional. Analisa as ações da SPVEA, primeira agência governamental

criada especificamente para planejar e implementar o desenvolvimento da região, focalizando a relação

entre energia elétrica e desenvolvimento regional. Apresenta o processo de estatização das empresas de

energia elétrica em Manaus e Belém e a constituição de empresas estaduais de energia nos estados da

região Norte. Finalmente, reconstitui a primeira experiência de construção de uma usina hidrelétrica de

“grande porte” na Amazônia (Coaracy Nunes, no Amapá) e sua relação com a exploração de jazidas

minerais e com o desenvolvimento regional.

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O capítulo 5 analisa a relação entre energia elétrica e integração nacional, a partir da

década de 1970. Focaliza o papel da SUDAM como sucessora da SPVEA e aborda algumas

reivindicações regionais relacionadas à exploração de recursos hídricos. Mostra a relação entre a

consolidação da base territorial do Setor Elétrico e as mudanças no padrão dos empreendimentos

hidrelétricos, correlacionando este processo com a realização dos primeiros estudos hidroenergéticos

sistemáticos na Amazônia e a criação da Eletronorte. Apresenta a elaboração de um projeto de

exploração hidroenergética da Amazônia centrado na construção de um mercado específico para a

energia da região, baseado na indústria eletrointensiva e na exportação de energia. Narra a consolidação

deste projeto com a construção dos grandes empreendimentos hidrelétricos como Tucuruí, Balbina e

Samuel. Finalmente, apresenta alguns planos relacionados a empreendimentos futuros que poderiam

ampliar o alcance deste projeto e as resistências erguidas na sociedade local.

O capítulo 6 apresenta como conclusão da Tese uma reflexão geral sobre todo o

processo analisado.

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CAPÍTULO 1 – TECNOLOGIAS, SOCIEDADE E ESPAÇO: ACONSTRUÇÃO DO CAMPO PROBLEMÁTICO

“O ‘psicológico’ impede o homem de ser tão preciso quantoum cronômetro;

entrava sua aspiração a se aparentar a uma máquina.[...] A incapacidade dos homens, para saber se conduzir, nos

envergonha diante das máquinas; mas o que se pode fazer, jáque os modos infalíveis da eletricidade nos tocam mais fundo

que o atropelo desordenado dos homens ativos e a moleza corruptora dos homens passivos.

[...] Iremos, pela poesia da máquina, do cidadão indolente aohomem elétrico perfeito.

[...] O homem novo, liberado de seu desajeitamento e dainépcia, e que terá os movimentos

precisos e ligeiros da máquina, será o nobre protagonista dosfilmes.

Caminhamos, de cabeça erguida, para o reconhecimento doritmo da máquina

e das maravilhas do trabalho mecânico.[...] A cinematografia, que está com os nervos

à flor da pele, tem necessidade de um sistema rigoroso de movimentos precisos.”

(DZIGA VERTOV, Manifesto dos Kinoks, apud LINHART, 1983)

1.1 INTRODUÇÃO

Para iniciar a discussão da relação entre tecnologias, sociedade e espaço, tomamos como

ponto de partida o postulado de SAHLINS (1979) de que a cultura é a mediadora da relação entre o

homem e a natureza. Esta mediação, desprovida de qualquer caráter prático ou instrumental, é produzida

a partir dos esquemas simbólicos, dentro de projetos culturais específicos que “não são jamais os

únicos”. Os esquemas simbólicos permitem a interpretação e a relação do homem com o mundo

material e com os outros homens. Isto significa que há uma criação (arbítrio) na relação cultural dos

homens entre si e com o mundo, que possibilita e constitui a essência mesma da vida social, suas

permanências e transformações. Esta proposição recusa qualquer possibilidade de reducionismo como,

por exemplo, a atribuição da construção cultural a um condicionamento pelas necessidades (lógica

utilitária) que reduziria todo particular (a diversidade cultural) a um único universal (ação pragmática e

intencional do homem). Até porque, de acordo com Sahlins, que neste ponto converge com K. Marx,

as necessidades humanas são socialmente construídas e condicionadas. Essa proposição geral, portanto,

oferece elementos para a compreensão, nas sociedades complexas modernas, da existência de uma

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multiplicidade de esquemas simbólicos derivados da multiplicidade de projetos culturais e políticos,

que se enfrentam no âmbito das representações sociais.

O quadro teórico, apresentado a seguir, foi elaborado em quatro partes. A seção 1.2

expõe uma articulação entre o particular e o geral, tendo como ponto de partida as circunstâncias

históricas particulares do surgimento do fenômeno da eletrificação nos Estados Unidos. A seleção dos

fatos narrados buscou estabelecer uma relação entre o fenômeno histórico singular e sua transformação

em processo social geral que, por sua natureza social, adquire formatos e características específicas,

variando de uma sociedade para outra e ao longo da história. Esta seção se relaciona diretamente com

a 1.5, que apresenta a introdução da eletrificação no Brasil, como parte do processo histórico geral da

eletrificação no mundo. Entre estas duas seções, há uma discussão crítica sobre alguns aspectos do

determinismo tecnológico, definido pela associação entre tecnologia e progresso social (seção 1.3),

em oposição a uma compreensão da tecnologia como processo sócio-histórico, tratada na seção 1.4.

Ao final, foram retomados os principais pressupostos teóricos assumidos ao longo da exposição.

1.2 A ELETRIFICAÇÃO COMO FENÔMENO HISTÓRICO1

Em fins de 1870, Thomas Edison desenvolveu um projeto de iluminação elétrica a partir

da primeira lâmpada incandescente capaz de produzir uma luz fixa, durável e econômica. De acordo

com CARLSON (1992), o exame dos padrões de ação dos inventores e suas criações permite

perceber que eles não apenas criam artefatos técnicos, mas utilizam uma compreensão particular

dos arranjos institucionais e de fatores econômicos e culturais para modificar os arranjos sociais e

econômicos necessários para colocar em ação os artefatos criados. Em outras palavras, soluções

técnicas e soluções sociais são mobilizadas no desenvolvimento de uma invenção. No caso de

Edison, seu grande mérito foi ter planejado todo um sistema integrado de tecnologia, suporte financeiro,

comercial e político relacionado ao projeto de iluminação. Edison definia os problemas dos sistemas

elétricos nascentes como “econotécnicos”, o que lhe permitiu conceber que o sucesso do sistema

elétrico ocorreria quando a produção/distribuição da eletricidade fosse economicamente competitiva

com o sistema de iluminação a gás.

Em 15 de outubro de 1878, Edison criou a Edison Electric Light Company, para financiar

seus inventos, realizar pesquisas e desenvolvimento de projetos e para obter retorno financeiro com a

venda e o licenciamento de patentes. Com o sucesso da lâmpada incandescente, em dezembro de

1880 foi criada a Edison Electric Illuminating Company of New York, empresa de serviço público

1 Esta síntese é baseada no livro de HUGHES (1993) “Networks of Power”.

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de energia, responsável pela construção da famosa central geradora na Pearl Street, em Nova York.

Um dos principais problemas desta estação geradora era o alto custo do sistema de distribuição.

Edison pretendia criar uma estação central de suprimento que pudesse distribuir “universalmente” a

energia para um público amplo e pagante.

Figura 1 – Desenho da lâmpada incandescente patenteada por Thomas Edison, em janeiro de 1880. Disponível emURL: http://webexhibits.org/ e Documento de patente de Edison. Jim Halping Web Site. Disponível em URL: http://www.jhalpin.com/metuchen/tae/pics/EdisonPat1d.jpg

O sistema desenhado por Edison na estação Pearl Street incorporou tanto a geografia

natural (disponibilidade de suprimento de água e carvão), quanto a geografia humana (demanda),

aproveitando, ainda, os recursos financeiros e organizacionais disponíveis em Nova York, inclusive

a falta de constrangimentos regulatórios. Usando esses recursos, Edison desenhou um sistema

tecnologicamente adaptado ao lugar. Como acreditava que o sistema funcionaria igualmente em

qualquer cidade do mundo, o inventor, junto com alguns associados, se engajaram ativamente na

difusão e transferência tecnológica do sistema da central elétrica americana para outras cidades do

país e da Europa.

O sucesso de Edison levou à instalação do sistema no Viaduto Holborn em Londres;

contudo, a adaptação da tecnologia não alcançou o sucesso esperado. O custo da energia gerada era

muito próximo ao do gás e a atividade não produzia lucros. A inauguração da estação Holborn em

1882, chamou a atenção da administração pública e do Parlamento inglês para a necessidade de

regulação da indústria nascente, culminando no The Electric Lighting Act, aprovado em abril de

1882. Esta lei passou a regular a transmissão e distribuição de energia na Grã-Bretanha e determinou

que o supridor de energia elétrica não poderia prescrever nenhum tipo de lâmpada ou queimador a ser

usado pelos consumidores.

O fracasso de Edison na transferência de tecnologia se deveu basicamente a fatores não

tecnológicos: a legislação restritiva; a descrença dos governos municipais em relação ao investimento

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em tecnologia; o comprometimento dos governos com a iluminação a gás; e a impossibilidade de

competir economicamente com o gás.

Figura 2 – Caldeira no 92 Babcock & Wilcox, comprada em 1878 por T. Edison e instalada no laboratório Menlo Park, emNova York. BABCOCK & WILCOX, 1992. Disponível em: http://www.babcock.com/pgg/ab/history.html

Em função das frustrações geradas na tentativa de transferência de tecnologia para a Grã-

Bretanha, os associados de Edison na Alemanha, antecipando possíveis problemas políticos,

conseguiram firmar em fevereiro de 1884 um acordo com o governo municipal de Berlim, pelo qual a

companhia de Edison na Alemanha obtinha autorização para o suprimento de eletricidade em uma

determinada área no centro de Berlim, podendo utilizar as ruas para o sistema de distribuição. A

iluminação elétrica no centro de Berlim era considerada um luxo, consumida principalmente em teatros,

bancos e lojas de bebidas, enquanto a indústria constituía apenas 2% e o consumo residencial 1% da

demanda. Hughes assinala que o sucesso na transferência de tecnologia em Berlim e o fracasso em

Londres se deveram essencialmente a aspectos políticos e não econômicos ou tecnológicos:

O preço comparativo da iluminação a gás e da luz elétrica parece ter sido o mesmo emambas as cidades e havia financiamento disponível em Londres, até que umacombinação de especulação e leis restritivas asfixiou o entusiasmo dos investidores.Por outro lado, no campo do poder político, a situação nas duas cidades era diferente(HUGHES, 1993, p. 77).

Na Alemanha, os associados de Edison foram capazes de fazer alianças com banqueiros

e investidores, além de convencer o governo local a deixar o caminho livre (de restrições regulatórias)

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para o empreendimento. Em Londres, ao contrário, a aliança entre a aristocracia e eminentes cientistas

com opiniões divergentes acerca da tecnologia emergente, alimentou a controvérsia que resultou nos

constrangimentos impostos pelo Parlamento à atividade de fornecimento de energia elétrica.

Nos Estado Unidos, em 1889, a partir da gestão de Henry Villard, as empresas de Edison

foram reorganizadas e foi criada a Edison General Electric Company ou GE. O passo seguinte na

reestruturação organizacional, foi a fusão entre a Edison General Electric e Thomson-Houston em 1892,

como resultado da complementaridade das patentes das companhias. Enquanto a GE tinha uma posição

forte nas estações geradoras urbanas, distribuição em corrente contínua e trens urbanos elétricos, a

Thomson-Houston tinha o domínio das lâmpadas de arco voltaico e distribuição em corrente alternada. A

fusão, portanto, permitia o acesso da corporação a determinados serviços, inventores e suas patentes,

idéias, equipamentos, materiais, pesquisas, conceitos etc.

O êxito da constituição do sistema elétrico como processo social e histórico, está relacionado

ao fato de que os grupos sociais envolvidos em sua construção reorganizaram também o mundo no qual

concebiam os elementos técnicos e estas operações ocorreram simultânea e inextricavelmente

(MACHADO, 2004, p. 64). O processo coletivo de construção dos sistemas envolveu indivíduos com

diferentes competências e situados em diferentes lugares e instituições: engenheiros e cientistas

desempenharam papéis tão importantes quanto financistas, advogados, administradores e técnicos.

O sistema criado por Edison e instalado na estação Pearl Street era um sistema elétrico

em corrente contínua, com limitada área de distribuição. Este sistema passou por inúmeras melhorias

(aperfeiçoamentos nos geradores e motores, regularização nas flutuações, isolamento da faiscação

etc.) e inúmeras patentes foram registradas no processo, mas não foi possível resolver a questão do

alto custo da transmissão, especialmente para áreas mais distantes. A solução para o problema do alto

custo da distribuição em baixa voltagem veio do trabalho conjunto de um francês (Lucien Gaulard) e

um inglês (John D. Gibbs), que, usando corrente alternada e transformadores, demonstraram a viabilidade

econômica do uso simultâneo da transmissão de energia elétrica em alta voltagem e a distribuição em

baixa voltagem para os pontos de consumo. A solução técnica proposta aplicava a tecnologia

(pré)existente num determinado arranjo para desenvolver o sistema. Na elaboração desta solução,

foram consideradas as restrições impostas pela legislação britânica (The Electric Lighting Act, de

1882). Assim, Gaulard e Gibbs desenvolveram um sistema que possibilitava, pelo uso do transformador,

suprir diversos tipos de lâmpadas, usando diferentes voltagens e correntes. Neste caso, a legislação/

política regulatória teve um papel essencial na transformação da tecnologia.

A diferença de concepção entre os dois sistemas é que Edison desenhou todo um sistema

a partir da lâmpada incandescente, enquanto Gaulard e Gibbs combinaram diversos componentes

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disponíveis para formar um sistema. O resultado se constituiu não num aperfeiçoamento do sistema

existente (embora tenha se originado da tentativa de solucionar um problema crítico do “velho sistema”),

mas na criação de um novo sistema2.

A competição entre o sistema em corrente contínua e o sistema em corrente alternada

ficou conhecido como “a batalha dos sistemas” (the battle of the systems) e foi travada principalmente

entre as duas grandes companhias norte-americanas: a General Electric e a Westinghouse (Westinghouse

Electric and Manufacturing Company).

A Whestinghouse introduziu os transformadores na América, mas este sistema também

tinha um problema: apesar de a corrente alternada resolver a questão da transmissão a um custo

relativamente baixo, o sistema monofásico tinha como empecilho a falta de um motor que funcionasse

bem. A solução deste problema crítico (reverse salient) levou a Whestinghouse a encorajar inventores

independentes, o que resultou não apenas no desenvolvimento de novas invenções, como o motor em

corrente alternada de Nikola Tesla, como também a invenção do sistema polifásico. Este, por sua vez,

teve a participação de vários inventores – Tesla, Ferraris, Haselwander, Bradley etc. – e empresas

americanas e européias.

A introdução do motor e do sistema polifásico, no início dos anos 1890, e a introduçãoprecoce do transformador, que logo foi adaptado para a função polifásica, permitiram aosistema em corrente alternada superar a capacidade do antigo sistema em correntecontínua no suprimento de força e luz. Além disso, o sistema polifásico corrigiu a falhafundamental, ou saliente reverso, da corrente contínua – sua transmissão não econômica(HUGHES, 1993, p. 120).

Os dois sistemas (corrente alternada e corrente contínua), mesmo com suas deficiências,

competiram intensamente no período 1887-92. A solução ocorreu no fim dos anos 1890, não pela

destruição de um sistema pelo outro, mas por meio de mudanças tanto técnicas quanto organizacionais.

A solução técnica para os problemas críticos do sistema em corrente alternada não definiu ou encerrou

a “batalha dos sistemas”, já que esta batalha não foi travada apenas no campo tecnológico. Fatores

não técnicos também tiveram papel importante. Um deles é que os investimentos não amortizados em

equipamentos (o capital investido) em corrente contínua, além de patentes e expertise desencorajavam

a migração para a corrente alternada. O sistema em corrente contínua havia se “institucionalizado” e

fabricantes de equipamentos, empresas de serviços públicos e consumidores ficaram cautelosos em

relação a nova tecnologia. O conflito foi solucionado por uma composição em dois níveis, técnico e

institucional. No nível técnico houve uma combinação de técnicas e no nível institucional houve a fusão

2 Um aspecto trágico na biografia desses inventores é que Gaulard e Gibbs nunca conseguiram provar e patentearsua descoberta como um invento próprio.

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de empresas. O principal problema econômico da transição de um sistema para outro era a necessidade

de sustentar interesses assentados no velho sistema, durante a transição para o novo sistema.

No processo de resolução da “batalha”, houve uma série de fusões, incorporações e

participações cruzadas (compra de ações entre empresas) ocorridas nos Estados Unidos e na Europa.

Além disso, foram instituídos vários acordos para a troca de patentes entre General Electric e Whestinghouse

e para a criação de padrões técnicos para o sistema polifásico, o que permitiu a redução dos custos e o

estabelecimento de uma rede de múltiplos suprimentos, que universalizou o sistema de suprimento.

A “batalha dos sistemas” foi acompanhada de perto não somente por especialistas (cientistas,

inventores e engenheiros), mas também chegou aos jornais e à população em geral. Um dos aspectos

que essa disputa mostrou é que “a mudança tecnológica não pode ser compreendida apenas se for

vista da perspectiva do desenho da engenharia ou pelo cálculo dos custos” (HUGHES, 1993, p. 107).

Em 1891, na Exposição Internacional de Frankfurt, uma demonstração da transmissão de

energia a longa distância mostrou a viabilidade do uso de energia hidrelétrica localizada em pontos distantes,

para suprir áreas industriais e de grande concentração populacional. “A Exposição de Frankfurt ressaltou

as possibilidades do que ficou conhecido como transmissão ‘ponto-a-ponto’, em distinção à transmissão

por redes ou anéis” (HUGHES, 1993, p. 129-130). Este foi um importante passo em direção à exploração

da hidreletricidade, estimulando, por exemplo, a realização do projeto Niagara Falls. O projeto foi

desenvolvido pela Whestinghouse e o sistema de transmissão de longa distância em alta voltagem foi feito

a partir de um refinamento do projeto do sistema elétrico de Chicago. A central hidrelétrica começou a

funcionar em agosto de 1895.

A transmissão a longa distância “liberou” a indústria da necessidade de se localizar junto à

usina geradora, já que a energia podia ser “levada” até a indústria. No início do século XX, a interconexão

dos sistemas e as fusões e aquisições de empresas indicavam um processo de “verticalização”. A existência

de usinas complementares térmicas e hidrelétricas no mesmo sistema de suprimento apontava no sentido

da construção de sistemas elétricos de âmbito regional.

Durante a Primeira Guerra Mundial, a construção de mega-plantas geradoras foi usada para

incrementar o suprimento da demanda crescente de energia nos Estados Unidos e na Alemanha e as

interconexões dos sistemas foram utilizadas para “evitar” a construção de outras plantas, pelo melhor

aproveitamento da produção existente. A indústria armamentista – dependente da energia elétrica –

estimulou o avanço da eletrificação, a economia de escala (grandes plantas) e a coordenação e

sistematização dos sistemas via interconexão. No período entre a entrada dos Estados Unidos na Guerra,

na primavera de 1917, e seu fim, no inverno de 1918, mais de dois milhões de HPs foram acrescidos à

capacidade instalada do país, num crescimento de mais de 10%.

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Logo após a Primeira Guerra, teve início nos Estados Unidos um debate acerca dos sistemas

regionais. Em 1919, enquanto o Secretário de Estado do Interior Franklin Knight Lane recomendou ao

Congresso o estudo para o estabelecimento de um super-sistema elétrico para atender à região industrial

de Boston-Washington, o governador da Pensilvânia Gifford Pinchot e Morris Cooke (consultor/

conselheiro em suprimento elétrico) concebiam um sistema elétrico unificado, o Giant Power, que poderia

suprir economicamente as mais genéricas necessidades sociais, provendo energia barata, inclusive para a

eletrificação rural. Para Pinchot, este sistema significaria uma revolução social por meio da eletrificação:

“‘Giant Power’ é um plano para levar serviço elétrico melhor e mais barato para todos aqueles que já o

possuem e levar serviço elétrico bom e barato para aqueles que ainda não o possuem [...]” (Report of the

Giant Power Survey Board to the General Assembly of the Commonwealth of Pennsylvania, apud

HUGHES, 1993, p. 298).

Os defensores do conceito do Giant Power apelavam para o avanço tecnológico e a

produção e transmissão em larga escala que este poderia representar; mas a questão central não era

de natureza tecnológica, mas de natureza política. A disputa era sobre quem controlaria o super-

sistema e em favor de quem. Os opositores ao projeto temiam a extensão do poder do Estado, que iria

determinar as tecnologias a serem usadas, regular o mercado (preços, lucros, fusões e incorporações),

estabelecer a possibilidade de estatização após 50 anos, estabelecer as rotas de transmissão, fornecer

a autorização para a construção de novas usinas etc. Este conjunto de interferências no mercado de

energia constituía o cerne da disputa. Pinchot acreditava que a universalização do suprimento para

toda a população só seria possível se o sistema elétrico estivesse sob controle público. Ele previu a

constituição do grid nacional, a monopolização da tecnologia pelos grupos financeiros centralizados,

bem como acreditava na inevitabilidade dos grandes monopólios.

O projeto dos Giant Power foi derrotado em meados dos anos 1920, pela forte oposição

dos empreendimentos privados e pelos investidores que, entre outras coisas, tinham capital empregado

na tecnologia vigente. A visão da revolução social pela tecnologia, comandada pelo Estado, foi substituída

pela confiança no progresso via empreendimentos privados e evolução tecnológica. O processo de

racionalização do suprimento de eletricidade, que tomou a forma de uma evolução planejada da

interconexão dos sistemas, continuou nos Estados Unidos, mas sem que o Estado fosse o responsável

pelo controle do planejamento central.

Particularmente nos anos 1930, proliferaram os sistemas regionais com voltagens superiores

a 100.000 watts que se tornaram padrão, enquanto a transmissão a longa distância, a partir de plantas

hidroelétricas, se tornou particularmente viável do ponto de vista econômico. Defensores dos grandes

sistemas privados regionais argumentavam que o custo unitário da geração era inversamente proporcional

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ao tamanho das turbinas e geradores. Este era o princípio da economia de escala. Além disso, o

aumento na escala da produção aumentaria o fator de carga do sistema regional, permitindo a busca de

novos territórios de suprimento e novos consumidores.

O processo de expansão dos sistemas regionais desencadeou a formação de novas

estruturas organizacionais: foram desenvolvidos mecanismos e instrumentos de informação e controle,

bem como conceitos de ‘integração’, ‘controle’, ‘fluxo’, ‘concentração’, ‘coordenação’, ‘estabilidade’,

‘plano’, ‘ordem’, ‘racionalização’ e ‘sistema’ que passaram a fazer parte do vocabulário corrente da

indústria. A racionalização aplicada aos sistemas elétricos tinha como objetivo eliminar o desperdício

de material, as fricções mecânicas e o erro humano no controle dos sistemas. Sua aplicação teve

impactos principalmente no desenvolvimento físico e organizacional, por meio de medidas como:

especialização das plantas, alinhamento tecnológico de plantas especializadas e relacionadas, fechamento

de plantas ineficientes e/ou mal localizadas, introdução de novas tecnologias e novas formas de gestão.

Os sistemas regionais demandaram e deram origem não apenas a novas tecnologias, mas

também a novos arranjos organizacionais e estruturas institucionais. Surgiram firmas de consultoria de

várias especialidades, que tiveram uma grande importância no crescimento dos sistemas regionais. Em

muitos casos, empresas de suprimento e outras instituições se fundiram para formar supersistemas

incorporando tecnologia, negócios (comercialização) e componentes financeiros. Por volta de 1924,

as grandes companhias que dominavam a indústria de energia elétrica se tornaram holding companies

e controlavam dois terços da capacidade de geração da indústria de eletricidade nos EUA3.

Embora sejam vistas apenas como uma criação de banqueiros e corretores de ações, as

holdings associaram desenvolvimento tecnológico, mudanças nas formas de gestão das companhias de

energia elétrica e gestão financeira dos empreendimentos, permitindo produzir os projetos de larga escala,

intensivos em capital e tecnologia. Naturalmente, as novas formas de investimento distribuíam os riscos e

permitiam maior retorno financeiro. Sob o controle das holdings,

o serviço foi melhorado e expandido, o consumo cresceu e os custos de produçãoforam reduzidos, com a conseqüente possibilidade de, e tendência para, redução dastaxas. Não obstante, as práticas financeiras que acompanharam o serviço tiveram umatendência oposta no que diz respeito às taxas (U. S., Federal Trade Comission, UtilityCorporations, D. Doc. 92, 70th Cong., 1st sess, Washington. D.C.: GPO, 1928-35, Part72A, p. 107, apud HUGHES, 1993, p. 394).

Em contrapartida, as holdings praticavam excessiva securitização especulativa,

manipulações do mercado, concentração de imensas operações financeiras a partir de pequenos

3 A holding formada pela General Electric e pela Electric Bond & Share Company dominava 13% do mercado(HUGHES, 1993, p. 392).

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investimentos e era difícil regular suas atividades. Para superar estes problemas, foi promulgado nos

Estados Unidos o Public Utility Holding Company Act, em 1935.

Durante a Primeira Guerra Mundial, o governo americano, preocupado em aumentar o

suprimento de nitrogênio, começou a construir a Muscle Shoals Dam, chamada depois de Wilson Dam,

no rio Tennesse, Alabama. A guerra acabou antes da instalação das fábricas para a fixação do nitrogênio

e a demanda do produto caiu. A usina hidrelétrica já estava em construção, o que gerou um problema

sobre o que fazer com a energia. Em 1921, Henry Ford apresentou uma proposta para o aproveitamento

de Muscle Shoals. Seria um mega-empreendimento que envolveria não apenas a exploração maciça de

energia hidrelétrica para um complexo industrial, mas também incluía uma visão de desenvolvimento

regional privado para o vale do Tennesse. Este projeto desencadeou uma enorme controvérsia e uma

intensa luta nos anos 1920, entre os defensores do planejamento e do desenvolvimento coordenado pelo

Estado e empreendedores privados. Ford, no entanto, acabou derrotado em suas pretensões.

Após várias discussões e projetos, com o “New Deal”, em maio de 1933, a usina

hidrelétrica de Muscle Shoals se tornou a base de um projeto governamental de grande porte, que

envolveu a geração de energia, controle de enchentes, irrigação e projetos de desenvolvimento regional,

coordenados pela Tennessee Valley Authority.

Em maio de 1933, o Congresso promulgou a recomendação do Presidente FranklinRoosevelt para o desenvolvimento da Lei da Tennessee Valley Authority, e a barragemde Muscle Schoals e usina geradora se tornaram a pedra fundamental para um novosistema construído, operado e possuído pelo governo (HUGHES, 1993, p. 293-295).

Figura 3 – Vista aérea da Barragem Wilson e Planta industrial de nitrato no 2 (produção de fosfato) em MuscleShoals, Alabama, no complexo da TVA. The New Deal Network Web Site. Disponível em: URL: http://newdeal.feri.org/default.cfm

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A existência de uma mega-planta de propriedade governamental produziu um “choque

ideológico” (conflito propriedade pública X privada) que atrasou por mais de uma década a efetiva

utilização do planejamento dos sistemas regionais nos Estados Unidos. A questão da construção e

propriedade dos sistemas regionais fez com que a luta em torno da TVA entre empresas privadas

prestadoras de serviço público e o governo se estendesse por anos e frustrasse os esforços

governamentais para desenvolver outros projetos semelhantes de grande porte. Apesar de gerar grande

polêmica e intensa luta nos Estados Unidos, a experiência de um amplo plano envolvendo a produção

de energia elétrica, irrigação, recuperação de solos degradados etc., num projeto de desenvolvimento,

acabou inspirando outros projetos fora do país, inclusive no Brasil, como a constituição da Comissão

do Vale do São Francisco (CVSF) em 1948 e a Superintendência do Plano de Valorização Econômica

da Amazônia (SPVEA) em 1953.

Na análise do processo histórico de eletrificação Hughes identificou três estágios na

constituição dos sistemas elétricos: i) o primeiro seria caracterizado pela invenção e consolidação dos

sistemas em corrente contínua e pela homogeneidade do suprimento e de carga; ii) o segundo teria

como marca a heterogeneização dos sistemas e introdução do sistema universal, quando surgiram as

subestações (hierarquia de sistemas) e diferentes geradores (alguns em corrente contínua e outros em

corrente alternada); e iii) o terceiro se distinguiria pela formação e consolidação dos sistemas regionais,

com o início da diversidade dos fatores de carga e o uso de múltiplas fontes de energia combinadas

(térmica e hidráulica). Como o sistema misto (térmico-hídrico) demandava um complexo controle do

conjunto de geradores, surgiu uma intrincada rede de informações e controles remotos para os centros

de despacho de carga. “O sistema elétrico regional estimulou os administradores e engenheiros de

empresas de serviços públicos a pensarem em termos hoje associados à engenharia de sistemas e à

ciência de informação e controle.” (HUGHES, 1993, p. 367)

Nos primeiros anos de formação e consolidação, os sistemas elétricos foram bastante

influenciados pelo contexto urbano, dada a necessidade de proximidade entre as plantas geradoras e

os centros de consumo. O controle do espaço urbano (áreas de concessão) era fundamental para

estabelecer as redes de distribuição e decidir sobre a localização das plantas geradoras e formas e

direção da expansão do suprimento. Com o desenvolvimento dos sistemas em corrente alternada e a

elevação da tensão nas linhas de distribuição, as plantas geradoras puderam se distanciar dos centros

de consumo. A partir de então, os grids foram se formando e o desenvolvimento dos sistemas elétricos

passou a ser influenciado pelo contexto regional.

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1.3 TECNOLOGIA E PROGRESSO SOCIAL

O conceito de “progresso” tem uma longa história; nos interessa, contudo, a forma como

foi significado, apropriado e difundido no século XIX, no momento em que a eletricidade deixava de

ser um fenômeno histórico singular (embora envolvido num processo coletivo de criação) e constituía

um processo social mundial: a eletrificação.

A concepção do desenvolvimento tecnológico como progresso social influenciou a reflexão

de importantes pensadores como Adam Smith, Ricardo, Stuart Mill, Marx, Lenin e outros. Situados

em diferente posições no espectro ideológico, esses pensadores, tanto os liberais como os socialistas,

os individualistas ou coletivistas, viam uma correlação entre desenvolvimento social e tecnologia. A

obra de Charles Darwin, “A Origem das Espécies”, publicada em 1859, acrescentou um aspecto

particular à construção dos modelos teóricos baseados na tecnologia como progresso social: a evolução

e a seleção natural.

No final do século XIX e primeira metade do século XX, estas teorias tiveramprofunda influência em todos os campos da pesquisa social, das ciências políticase econômicas à antropologia e arqueologia, justificando, deste modo, o uso dodesenvolvimento tecnológico como medida de progresso social(HADJILAMBRINOS, 1998, p. 182-183).

A chamada Revolução Industrial contribuiu largamente para difundir a crença na tecnologia

como motor da história, pela associação entre as novas técnicas, as invenções e o progresso da

sociedade que parecia cada vez mais atrelado ao desenvolvimento tecnológico e às máquinas que

“transformavam a sociedade”: “A herança intelectual do determinismo tecnológico pode ser reconhecida

no entusiasmo e fé na tecnologia como uma força libertadora, expressa por líderes do Iluminismo no

século XVIII” (SMITH, 1994, p. 2).

Algumas conseqüências advém da consideração da tecnologia como caminho para o

progresso: i) a tecnologia é essencial e inequivocamente boa para a sociedade; ii) a única escolha

possível é promover o desenvolvimento tecnológico (HADJILAMBRINOS, 1998, p. 183); e iii) a

tecnologia é portadora do futuro (SANTOS, 2002, p. 23); logo, é inevitável. A adesão e, algumas

vezes, a crítica a estas conseqüências como determinações do processo social produziram gradações

de modelos teóricos fundados no determinismo4.

4 De acordo com MACHADO (2004, p. 17), na construção de modelos explicativos sobre o fenômeno da tecnologia aoposição entre determinismo tecnológico e determinismo social não permite compreender a “gradação dos modelos quese distinguem pela maior ou menor endogeneização desse ou daquele tipo de fator.” Mas para a reflexão que vimosempreendendo, interessam basicamente as versões do determinismo tecnológico.

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Para MARX (1983), as tecnologias têm um papel bastante específico na transformação

tanto da natureza, quanto do processo de trabalho no modo de produção capitalista. Sua “sociologia

das tecnologias” envolve todo o processo histórico de transformações sócio-econômicas através do

qual, pelo desenvolvimento pleno das forças produtivas sociais do trabalho e o domínio completo das

relações de produção (pelos capitalistas), se instaura o modo especificamente capitalista de produção.

A cooperação, a divisão social do trabalho e o maquinismo constituem os três elementos da organização

do processo de trabalho e de valorização do capital que caracterizam o processo evolutivo no qual,

tecnologia e sociedade se transformam, enquanto se desenvolvem as forças produtivas e se estabelecem

tanto as relações sociais, quanto a base material do novo modo de produção. Para Marx, as máquinas

e as técnicas devem ser compreendidas como a objetivação de uma sociedade transformada por elas

no processo histórico: a sociedade transforma as máquinas e se transforma com as máquinas,

engendrando novas relações sociais (MACHADO, 2004). Apesar do vezo determinista contido na

teorização de Marx, não há um “determinismo num sentido único, da técnica/tecnologia em direção ao

social ou do social em direção à tecnologia mas, séries de interações e de retroações entre um e outro

que os redefinem conjuntamente” (MACHADO, 2004, p. 49). A causação se encontra no próprio

processo histórico da dinâmica sócio-econômica capitalista.

Dentre as versões otimistas “de esquerda” do determinismo tecnológico, a concepção de

Lenin é uma das mais conhecidas. Para ele, a eletricidade era a nova base técnica sobre a qual o

desenvolvimento econômico da Rússia poderia ser construído. A frase “A era do vapor é a era da

burguesia, a era da eletricidade é a era do socialismo”, tomada de Krzhizhanovsky, no panfleto “As

principais tarefas da eletrificação na Rússia” (LENIN, 2002), sintetizava este princípio fundamental da

revolução. A nova tecnologia constituía uma força revolucionária e unificadora, capaz de avançar na

construção do socialismo e, ao mesmo tempo, capaz de conter qualquer retrocesso ou iniciativa contra-

revolucionária. Nas palavras de Lenin,

Precisamos mostrar aos camponeses que a organização da indústria com base natecnologia moderna e avançada, na eletrificação estabelecerá um elo entre a cidadee o campo, dará cabo à divisão entre cidade e campo. Tornará possível elevar o nívelcultural no interior e superar o atraso, a ignorância, a pobreza, a doença e o barbarismo,mesmo nos mais longínquos rincões do país (LENIN, 2002, grifos nossos).

Para ele, a eletrificação propiciava uma forma pedagógica de “demonstrar” o socialismo

para as massas russas ou, como define LINHART (1983), de tornar “transparente” o processo

produtivo. Na revolução técnica do povo russo, a eletrificação teria uma função ideológica essencial,

pois reuniria a atenção e as forças do povo num objetivo único de construção da nova sociedade

LINHART (1983, p. 136).

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Figura 4 – Eletrificação da Vila de Botino na Rússia (1925), na execução do Plano GOELRO. Fotografia de ArkadiSamouilovich Shaikhet (1898-1959). Mark Grosset Photographies Web Site. Disponível em: http://www.grosset.fr/francais/index.htm.

A compreensão do efetivo papel da nova tecnologia (base material do comunismo) e as

transformações que ela poderia gerar na agricultura e na indústria, levaria o povo russo, especialmente

o campesinato, a um melhor entendimento do processo social revolucionário.

[...] Nós estamos agora confrontados com tarefas econômicas. A sociedade comunista,como nós a conhecemos, não poderá ser construída a menos que restauremos aindústria e a agricultura, mas não da antiga maneira. Elas devem ser reconstruídasem bases modernas, de acordo com a última palavra em ciência. Vocês sabem quea eletricidade é esta base, e que somente depois da eletrificação do país inteiro, detodos os ramos da indústria e da agricultura, somente quando se alcançar estameta, vocês serão capazes de construir, por si mesmos, a sociedade comunista quea velha geração não será capaz de construir. Confrontando vocês está a tarefa dereanimar economicamente todo o país, de reorganizar e restaurar tanto a agriculturaquanto a indústria em linhas técnicas modernas, baseadas na ciência e na tecnologiamodernas, na eletricidade. Vocês percebem perfeitamente bem que pessoas analfabetasnão podem lidar com a eletrificação e que a instrução primária também não é o bastante.É insuficiente para compreender o que é a eletricidade; o que é necessário é oconhecimento sobre como aplicá-la tecnicamente na indústria e na agricultura enos seus ramos individuais. Isso deve ser aprendido por cada um e deve ser ensinadopara toda a geração emergente de trabalhadores (LENIN, 1999, grifos nossos).

A visão de Lenin foi colocada em prática por meio do Plano GOELRO5 para a eletrificação

da Rússia, elaborado por um grupo de cientistas e técnicos sob sua supervisão. O plano foi apresentado

5 Abreviação de Comissão Estatal para a Eletrificação da Rússia. O GOELRO foi o primeiro plano de desenvolvimentode longo prazo (10 a 15 anos) da União Soviética com base científica e previa a construção de 20 unidadesgeradoras termelétricas e 10 usinas hidrelétricas. A capacidade total planejada era de 1,5 milhões de KW. O plano foiconcluído em 1931 e a geração saltou de 1,900 milhões de kW/h em 1913 para 10,700 milhões de kW/h.

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em 1920 no VIII Congresso dos Sovietes e punha em prática a idéia de que a tecnologia revolucionária

poderia acelerar a marcha da história rumo ao socialismo. Linhart sintetizou os princípios que

representavam o processo de eletrificação na Rússia:

Simultaneidade, publicidade, luz: uma energia igual, difundida para todos, conhecidae dominada por todos, unificando o sistema de produção do país inteiro, era esse,então um dos componentes essenciais do ideal produtivo (LINHART, 1983, p. 134,grifos no original).

Durante o VIII Congresso, Lenin reproduziu um discurso ouvido de um camponês do

distrito de Volokalamsk, na província de Moscou, acerca da importância da iluminação elétrica:

[...] Ele dizia: Vivíamos na obscuridade, nós, os camponeses, e eis que, agora temos aluz, ‘uma luz não natural que irá dissipar nossa obscuridade camponesa’[...] Para amassa dos camponeses, sem partido, a luz elétrica é uma luz ‘não natural’ mas, o que nãoé natural, para nós é que, durante centenas, milhares de anos, os camponeses e osoperários tenham podido viver nesta obscuridade, na miséria, escravizados aosproprietários territoriais e aos capitalistas, Já vai tarde o momento de nos livrarmos desemelhante obscuridade. É preciso, portanto, conseguir neste momento que cada estaçãoelétrica que tenhamos construído sirva, efetivamente, de base para a instrução; queela se ocupe, por assim dizer, da instrução elétrica das massas (Lenin, Obras Completas,apud LINHART, 1983, p. 134-135, grifos no original).

Com a morte de Lenin em 1924, a mecanização acabou se tornando mais central do que

a questão da articulação social embutida no processo de quebra do monopólio do saber técnico e

fomento ao papel ativo das massas na transformação das bases da produção industrial soviética – que

tinha como fundamento a relação entre os aspectos ideológicos e a base material para a criação de

uma nova mentalidade (LINHART, 1983, p. 70).

Versões críticas e mais pessimistas do determinismo tecnológico, como as de Marcuse e

Ellul, também contribuíram para consolidar a visão determinista do poder dos sistemas técnicos. Para

Marcuse, a tecnologia seria uma maneira de conter as forças sociais, tendo o uso da natureza (transformada)

como suporte da dominação. A tecnologia da produção capitalista fabricaria também uma “falsa

consciência” que, por meio de mecanismos de racionalização, comunicação e divisão social do trabalho

integraria o operário numa comunidade tecnológica, em cujo contexto o proletariado não conseguiria

mais perceber sua condição de subordinação (MACHADO, 2004, p. 20-21). ELLUL (1964, p. 43-

61), por sua vez, desenvolveu a idéia de que a tecnologia substituiria o ambiente natural do homem por

um novo ambiente autônomo e artificial, no qual os meios teriam a primazia sobre os fins. Neste novo

meio tecnológico, haveria uma aniquilação dos sujeitos pela lógica dos meios. A evolução social e política

da sociedade seria comandada pela tecnologia, que propiciaria a única mediação possível do homem

com o meio ambiente. As representações coletivas e os sistemas de valores desapareceriam como mediação

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das relações do homem com o mundo. A aniquilação dos valores permitiria a transfiguração do meio

humano em meio tecnológico do qual não se poderia escapar, já que a tecnologia se imporia de maneira

totalitária, instituindo formas de controle e coesão social. Para este autor, por trás da tecnologia haveria

uma racionalidade crescente (ELLUL, 1977, p. 78-79) que se objetivaria no mundo, tal qual o processo

de burocratização weberiano. Embora criticasse o totalitarismo das tecnologias e suas formas de dominação,

Ellul os incorporou à sua teorização sob a forma de um determinismo, tendência inevitável e inexorável

como processo progressivo de tecnificação da sociedade.

O determinismo de SIMONDON (1958), apresenta uma versão mais leve da dos dois

autores anteriores, uma vez que, apesar de o sistema tecnológico ser concebido como dotado de um alto

grau de autonomia, poderia ser afetado por fatores não tecnológicos (MACHADO, 2004, p. 24). Este

autor teorizou sobre a existência de um mundo dos objetos tecnológicos como mediadores da relação do

homem com seu meio. Ao se concretizarem no espaço, os objetos técnicos criariam um ambiente tecno-

geográfico como condição de sua realização e funcionamento. A evolução tecnológica seria um processo

de emergência e transferência de formas de tecnicidade – novas agregações a partir da repartição de

competências – entre os dispositivos técnicos e o meio ambiente (SIMONDON, 1958, p. 74). No

mundo moderno, as sociedades incorporariam cada vez mais tecnicidade aos dispositivos técnicos, de

modo que o homem se tornaria um “simples coordenador” entre conjuntos técnicos autônomos, que

mediariam todas as relações entre os homens e entre estes e a natureza. Simondon se situa contraditoriamente

entre uma concepção da evolução tecnológica como processo autônomo e independente e uma concepção

da tecnologia como parte da vida social (MACHADO, 2004, p. 35-36).

Outra elaboração contemporânea do determinismo tecnológico pode ser encontrada

na teoria de Milton Santos. Para SANTOS (2002) ciência, tecnologia e informação constituem a

base da produção, da utilização e do funcionamento do espaço, configurando uma verdadeira

cientifização e tecnicização da paisagem. Na relação entre as sociedades e a natureza, o meio

natural seria substituído por um meio artificial técnico-científico-informacional, instrumentalizado

pelas sociedades. Conforme sua definição:

O meio técnico-científico-informacional é o meio geográfico do período atual, onde osobjetos mais proeminentes são elaborados a partir de mandamentos da ciência e seservem de uma técnica informacional da qual lhes vem o alto coeficiente deintencionalidade com que servem às diversas modalidades e às diversas etapas daprodução (SANTOS, 2002, p. 234-235).

Sendo um fenômeno histórico, as técnicas permitiriam estabelecer a datação de outras

materialidades produzidas. Para este autor, o espaço seria marcado pela presença de objetos técnicos

(hidrelétricas, estradas, fábricas etc.) que dão ao espaço um conteúdo técnico. Ainda de acordo com

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o mencionado autor, a base material da globalização6 seria o progressivo estabelecimento de um sistema

técnico único (“universalismo técnico”7). O capitalismo contribuiria para a aceleração da universalização

das técnicas, enquanto a globalização a tornaria factual. A unicidade da técnica permitiria extrema

dispersão espacial dos momentos da produção (em diversos pontos do planeta), a especialização dos

lugares e uma extrema concentração dos controles (SANTOS, 2002, p. 195). “O movimento de

unificação, que corresponde à própria natureza do capitalismo, se acelera, para hoje alcançar seu

ápice, com a predominância, em toda parte, de um único sistema técnico, base material da

globalização” (SANTOS, 2002, p. 192, grifos nossos). Criam-se, portanto, as bases para a

determinação tecnológica sobre o espaço e a sociedade. O autor continua: “Com a emergência do

período técnico-científico, no imediato pós-guerra, o respectivo sistema técnico se torna comum a

todas as civilizações, todas as culturas, todos os sistemas políticos, todos os continentes e lugares.”

(SANTOS, 2002, p. 192) A ordem espacial resultante da disposição dos sistemas de objetos técnicos,

intencionalmente concebidos para o exercício de certas finalidades, fabricados e localizados no espaço,

é uma ordem intencional. O espaço, portanto, é resultado das ações e transformações da técnica.

Presente em todos os aspectos da vida, essa técnica constitui, em si mesma, umaordem, a ordem técnica, sobre a qual se assenta uma ordem social planetária e daqual é inseparável, criando juntas, novas relações entre o ‘espaço’ e o ‘tempo’, agoraunificados sob as bases empíricas (SANTOS, 2002, p. 331, grifos nossos).

O fundamento da eficácia funcional dos objetos na contemporaneidade seria a

intencionalidade científica com que são elaborados, isto é, tecnicamente programados e produzidos.

Essa intencionalidade tem um caráter simbólico e mercantil que sugere ao usuário não apenas como

utilizar o objeto, mas também como comportar-se diante dele8.

6 Não é nossa intenção fazer uma discussão sobre a globalização, mas vale a pena ressaltar que se trata de processomuito amplo e profundo de reestruturação do capitalismo mundial, com o estabelecimento de uma nova divisão internacionaldo trabalho e respectivos mecanismos de direção política. A globalização, pensada por alguns como integração mundial dosmercados, produz transformações que alcançam os mais diversos campos da vida social: econômico, político, sócio-espacial, tecnológico, cultural, científico e epistemológico. Além da redefinição da relação entre Estado, sociedade e mercado,a globalização afeta principalmente a relação entre Estados e territórios, ou seja, o fundamento do Estado-nação. O debatesobre os efeitos, os sentidos e as conseqüências desse processo está longe de ser consensual: de um lado, há os queadvogam a homogeneização do espaço global e a dissolução da soberania/fronteiras dos Estados nacionais; deoutro, há os que defendem a extensão da dominação das nações politicamente hegemônicas sobre o espaço econômico epolítico das demais e há posições intermediárias que combinam movimentos contraditórios de homogeneização e fragmentaçãoeconômica e hierarquização política. Para uma síntese do debate, orientada para a discussão do desenvolvimento denovas arenas de ação política e campos de poder, ver VAINER (2002).7 Expressão criada por ELLUL (1964, p. 116-133) e que define o meio técnico como totalizador (e também totalitário).8 De acordo com Akrich, os objetos técnicos distribuem competências entre os atores e estabelecem os cenáriosdentro dos quais os artefatos podem operar. Os usuários, no entanto, adicionam suas próprias interpretações sobreeste processo e o “script” dos objetos técnicos torna-se, então, o elemento central da interpretação da relaçãoentre o objeto e seus usuários. Mas a autora ressalta que, mesmo no caso em que a tecnologia tem implicaçõespolíticas (impositivas), é necessário que os atores sociais sejam persuadidos a desempenhar o papel que lhes éproposto (AKRICH, 1992: 214-216).

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Quando nos dizem que as hidrelétricas vêm trazer, para um país ou para uma região aesperança de salvação da economia, da integração no mundo, a segurança do progresso,tudo isso são símbolos que nos permitem aceitar a racionalidade do objeto que, narealidade, ao contrário, pode exatamente vir destroçar a nossa relação com a natureza eimpor relações desiguais (SANTOS, 2002, p. 217).

Santos parece abandonar a visão tecnicista quando afirma que a hierarquização dos objetos,

produzida pela tensão entre objetos de diferentes qualidades técnicas no espaço, advém do processo

histórico e não do processo técnico (SANTOS, 2002, p. 222). A política, e não a técnica, por meio da

competitividade entre os lugares levaria ao envelhecimento rápido dos objetos no espaço.

Apesar de definir a reflexão da relação entre espaço e técnica em torno da questão de

como a noção de espaço pode contribuir para a compreensão do fenômeno técnico, e o papel do

fenômeno técnico nas transformações do espaço (SANTOS, 2002, p. 45), em sua análise, a técnica

parece uma instância em separado (tanto do espaço, quanto da sociedade), e uma instância “produtora

do espaço”. As transformações sócio-espaciais parecem ter pouca influência nas transformações da

tecnologia e para a compreensão do fenômeno técnico. Há poucas considerações sobre como as

relações sociais espacializadas (os arranjos sócio-espaciais) influenciam os arranjos técnicos no espaço,

a não ser como “materialidade passada”. Uma forma de resistência que parece um retrocesso em

relação a um processo aparentemente inexorável.

Em alguns momentos, a técnica parece ser um super instrumento de mediação, portador

de uma máxima intencionalidade (codificação, lógica intrínseca, formalização, informação) e

condição da vida social, econômica e política (SANTOS, 2002, p. 182; 204; 223). Em outros,

parece ser o próprio motor das ações ou ponto de partida orientador (SANTOS, 2002, p. 189;

204; 253) e em outros, uma forma de cristalização de relações sociais, econômicas, políticas e

espaciais (SANTOS, 2002, p. 222).

Uma questão que se pode levantar acerca da abordagem da técnica como um processo

universal (e inexorável) é que a unicidade técnica produz uma blindagem conceitual contra a qual não é

possível opor resistência. Ela fortalece a idéia da técnica como uma força autônoma atuando através da

história. Todos estes autores, em diferentes graus, têm em comum o fato de considerarem a tecnologia ou

sistema tecnológico uma “variável independente”, autodeterminada. A tecnologia seria, assim, responsável

por sua própria dinâmica e constituiria o motor da evolução social.

A tradução em termos econômicos da tecnologia como progresso social encontra nos

dias de hoje um importante aliado: o conceito de “desenvolvimento sustentável” elaborado no Relatório

Brundtland em 1987. Numa tentativa de articular a problemática da crise ecológica – esgotamento dos

recursos naturais e incapacidade de reposição dos estoques – e o desenvolvimento econômico, o

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Relatório Brundtland formulou o conceito de “desenvolvimento sustentável”, segundo o qual o

crescimento econômico deveria considerar a possibilidade de esgotamento dos recursos naturais

(CMMAD, 1988). O conceito se baseou no princípio de que o desenvolvimento é um processo

evolucionário único e, portanto, a solução para a degradação ambiental provocada pela ação dos

homens seria uma tarefa de toda a humanidade. Não há espaço para a diferenciação cultural nem na

definição do problema, nem nas possíveis soluções cujos caminhos passariam essencialmente pelo

crescimento econômico dos países pobres (dentro dos padrões dos países ricos) e não pela mudança

nos padrões de consumo que afetaria também os países ricos. A ciência e a tecnologia seriam os

elementos-chave para permitir que o crescimento econômico pudesse continuar, indefinidamente, por

meio de processos tecnológicos mais eficientes. De acordo com BERMANN (2001, p. 17), com esta

proposta focada na produtivização e eficiência econômica, a tecnologia poderia permitir a sobrevivência

do sistema vigente por mais algum tempo, mas manteria intacta a questão da desigualdade. Para este

autor, em relação ao consumo energético, seria mais sustentável estabelecer tetos de consumo, com a

diminuição do consumo energético do primeiro mundo, para permitir o aumento do consumo no terceiro.

Esta breve exposição das formulações teóricas em torno do fenômeno da tecnologia como

determinante do progresso social visou mostrar sua expressiva força intelectual e política. Esta concepção

está presente em sofisticadas elaborações do pensamento social contemporâneo, e possui uma dimensão

ordinária, que penetra no cotidiano das pessoas pelo marketing, tanto empresarial quanto de políticas

governamentais, que prometem o desenvolvimento por meio da tecnologia.

Opondo-se a esta perspectiva, Brüseke argumenta que a técnica moderna se constitui

como um meio aberto, que “transcende a racionalidade de fins”.

Assim, entramos no mundo do imprevisível, onde a trajetória linear está sendo substituídapelos ‘saltos quânticos’, onde algo é necessariamente assim, mas também poderia serdiferente. A técnica moderna é altamente contingente e contamina com essa contingênciatoda a sociedade moderna (BRÜSEKE, 2002, p. 139).

A contingência da técnica revelaria seu caráter contextual como resultado de escolhas

ocasionais relacionadas a hábitos culturais, interesses econômicos etc. A afirmação de sua inevitabilidade

seria uma forma de interpretação dos agentes sociais hegemônicos que buscariam se livrar dos aspectos

contingenciais da técnica, já que a percepção dessas contingências permitiria aos demais agentes sociais

visualizarem a existência de “alternativas não realizadas” (Ibidem).

1.4 A ELETRIFICAÇÃO COMO SISTEMA SOCIOTÉCNICO

O conceito de sistemas é bastante complexo mas, de forma genérica, podem ser definidos

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como compostos por partes conectadas por uma rede ou estrutura; estas partes interconectadas são

freqüentemente controladas centralmente e a possibilidade de extensão dos controles estabelecem os

limites do sistema. Os controles, por sua vez, visam otimizar o desempenho dos sistemas e direcioná-

los para finalidades específicas (HUGHES, 193, p. 5).

O objetivo de um sistema de geração elétrica, por exemplo, é transformar o suprimento deenergia disponível, ou ‘input’, em ‘output’ desejável, ou demanda. Como os componentessão ligados por uma rede de interconexões, a condição ou atividade de um componenteinfluencia a condição ou atividade dos outros componentes no sistema. A rede estabeleceuma configuração distintiva para o sistema (HUGHES, 1993, p. 5-6).

Os componentes de um sistema podem ser arranjados horizontalmente, interconectando

componentes com a mesma função, como por exemplo a combinação de um conjunto de plantas

elétricas sob controle centralizado; ou verticalmente, ligando, por exemplo, uma planta termelétrica a

uma mina de carvão, num sistema central de controle do suprimento de carvão para a produção de

energia. Os sistemas também podem ser arranjados hierarquicamente em sub-sistemas interligados

que interagem uns com os outros (HUGHES, 1993, p. 6).

A análise histórica de Hughes dos sistemas elétricos mostrou que suas diferentes

configurações físicas não se explicam apenas pela materialidade mapeada, mas “envolvem considerações

de diversos campos da atividade humana, incluindo o técnico, o científico, o econômico, o político e o

organizacional” (HUGHES, 1993, p. 2). Esta complexidade analítica se justifica porque os “sistemas

elétricos são artefatos culturais”. Em outras palavras, “sistemas elétricos incorporam recursos físicos,

intelectuais e simbólicos da sociedade que os constróem” (Ibidem) e para explicar as mudanças na

configuração desses sistemas, é necessário examinar as mudanças nos processos sociais, nas

organizações e nos grupos sociais. Sistemas elétricos construídos em diferentes sociedades e que envolvem

componentes e conexões de uma certa base técnica comum, apresentam variações em termos de

configuração que revelam o uso social de diferentes recursos, tradições, arranjos políticos e institucionais

e práticas econômicas. Para este autor, os sistemas se desenvolvem num dado contexto sociocultural,

mas também possuem uma certa dinâmica interna (direção, conteúdo e velocidade) e por esta razão sua

história deve contemplar duas dimensões indissociáveis: o contexto sociocultural e a dinâmica tecnológica

em que são constituídos, o que significa uma história indissociável da tecnologia e da sociedade (Ibidem).

Evidências históricas mostram que o fato de compartilhar um mesmo pool ou base

tecnológica, não significa um resultado homogêneo no desenvolvimento dos sistemas elétricos. A análise

da configuração de três diferentes sistemas com a mesma base técnica no início do século XX – RWE

(Reinisch-Westfälisches Elektrizitätswerk) na Alemanha; PP&L (Pennsylvania Power & Light Company)

nos Estados Unidos; e NESCO (Newcastle upon Tyne Electric Supply Company) na Grã-Bretanha –

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mostrou a Hughes que o estilo da RWE se desenvolveu a partir de grandes plantas próximas à minas

de linhita (carvão mineral) e extensas linhas de transmissão; o sistema PP&L era marcado por um

amplo território coberto por plantas dispersas, radiando pequenas redes de transmissão para pequenas

áreas, constituindo subsistemas interconectados; e o estilo do sistema NESCO coordenava tecnologia,

economia e rede social (círculo social de influências) para constituir um grande sistema de transmissão

em baixa voltagem, com uma rede irregular de transmissão com rotas irregulares e conectadas a plantas

geradoras baseadas em duas fonte primárias: antracito (carvão negro) e refugo de coque de alto forno.

Da análise da formação dos três sistemas de geração de energia elétrica, o engenheiro e historiador

concluiu que os sistemas tecnológicos não são autônomos. Estão sujeitos a fatores culturais como

constrangimentos legais e administrativos, estilos de gestão empresarial, estruturas institucionais,

considerações políticas etc., bem como fatores geográficos tanto naturais quanto humanos (HUGHES,

1993, p. 462), que interagem com a tecnologia, resultando numa mudança que dá ao sistema um

caráter distintivo. Apesar dos três sistemas compartilharem da mesma base tecnológica,

[...] como as características geográficas, culturais, gerenciais, de engenharia eempresariais das três regiões diferiam, os sistemas elétricos variaram igualmente. Oconceito de estilo sugere que não havia – e provavelmente não há – uma única emelhor maneira de suprir a eletricidade. Incorporado nos diferentes sistemas elétricosdo mundo há uma complexa variação de temas relevantes que impede a tecnologia deser tornar homogênea e enfadonha e que fornece ao historiador a desafiadora tarefa dedescrever e interpretar (HUGHES, 1993, p. 17, grifos nossos).

WINNER (1982), mostrou que as sociedades estabelecem diferentes regimes

tecnológicos com tamanhos e complexidades particulares, procedente de instrumentos, técnicas e

relações sociais apropriadas para explorar fontes de energia disponíveis:

Na Nova Inglaterra, por exemplo, o regime de extração de energia da lenha está aindavivo e bem. Seus componentes incluem cortadores locais de madeira usando serrasmanuais e distribuidores locais, freqüentemente os próprios cortadores. Seus vizinhosobtém o produto por meios de trocas bastante flexíveis que envolvem dinheiro, escamboou ambos. Pode-se comparar a estrutura deste regime com a do petróleo. Sua enormerede mundial de extração, transporte, refino, marketing - propaganda, demandas judiciaisetc. também pode ser manejada para aquecer uma casa na Nova Inglaterra. [...] Para cadaregime sociotécnico, incluindo os de energia, é sempre útil considerar o ‘contrato social’sob o qual o regime é estabelecido e justificado. [...] Aqueles que se juntam para formaruma comunidade exprimem cuidadosamente as condições de exercício do poder,autoridade, justiça, direitos do cidadão e a maneira pela qual as decisões serão tomadase administradas (WINNER, 1982, p. 271-271).

O conceito de regime tecnológico de Winner pressupõe a tecnologia como construção social

e privilegia os aspectos políticos nos arranjos sociotécnicos, embora esta dimensão seja também influenciada

pelas dimensões física (base técnica), organizacional e institucional (contexto social) dos sistemas.

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Como assinalam BIJKER e LAW (1992), para saber como e por que as tecnologias tomam

a forma que tomam, é necessário refletir simultaneamente sobre a tecnologia e a sociedade. A identificação

de uma possível trajetória tecnológica não explica que aspectos a articulam e nem por que ela tomou uma

direção ao invés de outra. Para estes autores, as trajetórias tecnológicas são também resultados de um

conjunto heterogêneo de fatores contingentes. BIJKER (1992), por exemplo, mostrou que a lâmpada

fluorescente foi efetivamente desenvolvida no “estágio” de sua divulgação. O mesmo pode ser dito sobre

a invenção do sistema elétrico de Thomas Edison, que foi divulgado prematuramente no New York Sun,

em 20 de outubro de 1878. Edison anunciou planos para a distribuição de energia elétrica a partir de

geradores localizados no centro de grandes cidades e previu a eletrificação de residências em substituição

ao gás. No momento da divulgação, não havia nada de concreto, apenas o “conceito” e a certeza de estar

no caminho certo. Em carta escrita a Puskas, um de seus associados, um mês após a divulgação do

invento, Edison não tinha certeza sobre o sucesso do empreendimento:

Eu tenho o princípio correto e estou no caminho certo, mas tempo, trabalho duro ealguma sorte também são necessários. Foi assim em todas as minhas invenções. Oprimeiro passo é uma intuição e vem como um estouro, estão surgem as dificuldades –esta coisa sai e então que ‘Bugs’ – como tais falhas e pequenas dificuldades sãochamadas – mostram-se, e meses de intensa observação, estudo e trabalho são umacondição antes que o sucesso comercial ou fracasso sejam indubitavelmente alcançados(Carta de Edison para Puskas, 13 de novembro de 1878, apud HUGHES, 1993, p. 33).

De acordo com NYE (2006), algumas escolhas feitas por gerações passadas parecem

“naturais” quando se tornam padronizadas. Os sistemas elétricos são um ótimo exemplo, já que uma vez

instituídos parecem cada vez menos “configurados” e cada vez mais “configurantes” do ambiente. O

conceito de technological momentum9 (HUGHES, 1994), permite compreender como e por que algumas

tecnologias parecem evoluir de moto próprio. Para ele, nas sociedades modernas, os grandes sistemas

sociotécnicos centralizam uma série de diferentes processos: investimentos em tecnologia e componentes

físicos, estruturas organizacionais, pesquisas e conhecimentos, mecanismos de propaganda e marketing,

compromissos políticos, mecanismos de financiamento etc.

Corporações de fabricantes, utilidades públicas e privadas [sic], laboratórios de pesquisaindustrial e governamental, bancos e companhias de investimento, seções de sociedadestécnicas e científicas, departamentos em instituições educacionais e entidades normativascontribuem imensamente para o momentum dos sistemas modernos de luz elétrica eenergia. Inventores, engenheiros, cientistas, gerentes, proprietários, investidores,financistas, funcionários públicos e políticos têm interesses investidos nodesenvolvimento e na durabilidade de um sistema. Comunidades profissionais,especialmente engenheiros, ao manterem uma tradição de prática tecnológica, às vezes

9 O conceito parte do princípio de que o desenvolvimento social constitui e é constituído pelas tecnologias numprocesso indissociável (HUGHES, 1994, p. 102).

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evitam a desqualificação ao contribuírem para o progresso de um sistema em que têmuma participação. Redes de atores [...], também contribuem para o momentum do sistema(MACHADO, 2004, p. 65-66, grifos no original).

Esses processos robustecem o sistema (que adquire momentum) de modo que ele parece

adquirir autonomia em relação à sociedade, opondo-se a toda transformação que lhe seja trazida “de

fora”. Por outro lado, a força da articulação entre os componentes tecnológicos, políticos, econômicos e

valorativos no sistema o tornam mais naturalizado e mais conformador do ambiente.

Gradualmente, cada nova tecnologia parece tornar-se ‘natural’ e, consequentemente,de algum modo ‘inevitável’, porque é difícil imaginar o mundo sem ela. Pela maior parteda história os banheiros com instalações sanitárias não existiam, mas depois de 100anos de amplo uso, elas parecem normais e naturais; a ‘casinha’, que um dia foi familiara todos, agora parece repugnante e inaceitável10. Da mesma forma, sociedades ocidentaisnaturalizaram o rádio, o telefone celular e a televisão, e a maior parte das pessoas nãopensa neles como construções sociais (NYE, 2006, p. 65).

HUGHES (1994, p. 113), assinala, no entanto, que por mais que os sistemas possam

ganhar força no processo de sua construção sociotécnica, exatamente por se tratar de um processo

para o qual concorrem igualmente a tecnologia e a sociedade, não são inevitáveis ou irresistíveis.

[...] Sistemas são artefatos culturais em desenvolvimento, mais do que tecnologias isoladas.Como artefatos culturais, refletem tanto o passado quanto o presente. Tentar mudar atecnologia sem levar sistematicamente em conta o contexto de sua formação e a complexidadedas dinâmicas internas pode ser inútil. Se somente os componentes técnicos de umsistema forem mudados, ele pode voltar a sua antiga forma, como partículas num fortecampo magnético. Deve-se também dar atenção ao campo: pode ser necessário mudarvalores, reformar instituições ou ajustar a legislação (HUGHES, 1993, p. 465).

1.5 A ELETRIFICAÇÃO NO BRASIL

O Brasil figura entre os países pioneiros na experimentação e uso da energia elétrica e

instalação de usinas, tanto térmicas, quanto hidrelétricas. A introdução da energia elétrica no país se deu

concomitantemente ao seu desenvolvimento nos países industrializados (EUA e Europa), quando a

eletricidade estava ainda em fase experimental. O Imperador D. Pedro II era um entusiasta das novas

tecnologias e, já na Grande Exposição do Centenário de Filadélfia, em 1876, conheceu alguns dos seus

grandes expoentes, como Thomas Edison e Graham Bell. Anos depois, num discurso sobre o período

pré-comercial do telefone, Bell relatou o encontro com o Imperador D. Pedro II na Exposição de Filadélfia

e a importância da sua presença na primeira demonstração do telefone:

10 Embora no Terceiro Mundo a ausência de sistemas de saneamento seja tão “natural”, entre as classes maispobres, quanto sua existência entre as classes médias e altas.

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[...] Aquela pessoa era ninguém menos do que Sua Majestade Dom Pedro, o Imperadordo Brasil. [...] Quando me viu, lembrou-se de mim. Veio, apertou minha mão e disse, ‘SrBell, como estão os surdos-mudos de Boston?’ Eu falei que eles estavam muito bem edisse que a próxima apresentação no programa seria a minha. ‘Vamos’, ele disse, e mepegou pelo braço e caminhou comigo e, é claro, onde um Imperador lidera a marcha, osoutros jurados seguem.[...] Bem, eu não posso falar muito sobre a apresentação, embora fosse o pontocentral em torno do qual girou o telefone naqueles dias. Se não houvesse aquelaapresentação, é muito duvidoso qual seria a condição do telefone nos dias de hoje.Mas o Imperador foi a primeira pessoa a perceber isso naquela época. Fui em direçãoao meu instrumento de transmissão, em outra parte do edifício, e uma pequena caixareceptora de metal – todos vocês provavelmente sabem o que é pelos diagramas – foicolocada no ouvido do Imperador. Eu disse a ele que a segurasse junto à orelha e entãoouvi mais tarde o que aconteceu. Eu não estava presente naquela ponta da linha. Fui paraa outra ponta e recitei “Ser ou não ser, eis a questão’ etc., mantendo uma fala contínua.Mais tarde ouvi do meu amigo, Sr William Hubbard, que o Imperador segurou de maneiraindiferente [o receptor] em sua orelha e, de repente, sobressaltou-se e disse: ‘MeuDeus! Isso fala!’ e deixou-o (BELL, 1911, grifos nossos). 11

Na exposição, as novidades tecnológicas se concentravam no Machinery Hall, um enorme

salão com quase trezes acres que expunha uma enorme variedade de máquinas de todos os tipos, inclusive

telefones e máquinas de escrever. Uma das grandes atrações era a gigantesca instalação de duplo motor

de 1500 HP, a vapor, projetado por George H. Corliss, que fornecia força para o pavilhão (HUNTER e

BRYANT, 1991, p. 207-208). Uma gravura famosa mostra o Imperador D. Pedro II ao lado do

Presidente Ulysses S. Grant (1822-1885), em frente à máquina de Corliss.

A Exposição de Filadéfia teve grande importância para a introdução tanto do telefone

quando da eletricidade no Brasil. O Imperador foi uma das primeiras pessoas a perceber o potencial

econômico do telefone e comprar ações da empresa de Bell. Uma das primeiras linhas telefônicas do

mundo foi instalada entre o Paço Imperial e a residência da família imperial em São Cristóvão.

Figura 5 – Catálogo da Exposição Universal de Filadélfia, 1876. BABCOCK & WILCOX, 1992. Disponível em: http://www.babcock.com/pgg/ab/history.html.

11 Uma outra versão similar, mas menos elaborada, foi descrita numa carta de Bell aos seus pais em 27 de junho de1876 (BELL, 1876), logo após o evento.

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Em 1879, o Imperador concedeu a Thomas Edison o privilégio para introduzir a eletricidade

no Brasil. A primeira demonstração da energia elétrica para iluminação ocorreu no Rio de Janeiro, na

estação da Estrada de Ferro D. Pedro II (atual Central do Brasil) e foi inaugurada pelo Imperador. A

instalação era composta de seis lâmpadas de arco voltaico tipo Jablockhov acionadas por dínamos.

Em 1881, o inspetor da iluminação pública, no Rio de Janeiro, esteve na Exposição

Internacional de Eletricidade de Paris e elaborou um relatório sobre as máquinas e aparelhos

apresentados na exposição, “considerada como o acontecimento culminante do movimento scientífico

e industrial” (BRASIL. Ministério da Agricultura, Commercio e Obras Publicas, 1882b) da época.

Esta exposição abriu uma importante fase nas experiências com a luz elétrica e sua divulgação, não

apenas nos meios técnico-científicos, mas entre os administradores públicos de todo o mundo, que

puderam vislumbrar as possibilidades de aplicação desta nova tecnologia para o conforto e

melhoramento dos serviços públicos urbanos. O Brasil enviou um representante para o Congresso

Internacional de Eletricistas, ocorrido durante a exposição, que reuniu comissões para determinar

as bases de um acordo internacional, a fim de proteger os cabos submarinos dos navios empregados

Figura 6– General Grant, Presidente dos Estados Unidos e Dom Pedro II, Imperador do Brasil, diante da máquina deCorliss no “Machinery Hall”, Exposição Universal de Filadélfia em 1876. Digital Archive of American Achictecture.Disponível em: http://www.bc.edu/bc_org/avp/cas/fnart/fa267/1876fair.html

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no serviço telegráfico marítimo e os aparelhos de telégrafo (BRASIL. Ministério da Agricultura,

Commercio e Obras Publicas, 1882a). A França tomou a iniciativa de reunir uma comissão

internacional encarregada de discutir a multiplicidade de medidas elétricas, que variavam de país

para país, tanto em valor quanto em denominação, o que dificultava o uso e os estudos relativos à

eletricidade. A comissão se encarregou de determinar os padrões definitivos da luz elétrica e indicar

as disposições que deveriam ser observadas nas experiências comparativas. A Associação Britânica

propôs a instituição de um sistema de unidades elétricas estreitamente coordenadas, derivadas de

três unidades absolutas e podendo ser formuladas em termos claros e precisos, fosse a força mecânica,

o poder magnético, as correntes elétricas, a eletricidade estática, o desenvolvimento do calor ou de

decomposições químicas. Por sugestão da associação, os nomes de Coulomb, Volta, Ampère, Ohm

e Faraday, que realizaram as principais descobertas da eletricidade moderna, foram escolhidos para

designar as unidades do novo sistema de medida de adoção universal (BRASIL. Ministério da

Agricultura, Commercio e Obras Publicas, 1882b).

Novas experiências demonstrativas da luz elétrica ocorreram em vários pontos do Brasil até

que, em 1883, foi criado o primeiro serviço público municipal de iluminação elétrica do país, com a

instalação de uma unidade térmica de 52 KW na cidade de Campos dos Goytacazes, na Província do

Rio de Janeiro. A instalação térmica era composta por uma máquina motriz a vapor e três dínamos, com

capacidade para iluminar 39 lâmpadas de forma contínua e quase sem interrupções. Em 1883, foi construído

o primeiro aproveitamento hidrelétrico privado, a Usina de Ribeirão do Inferno em Minas Gerais, para

fornecer energia para a mineração. A linha de transmissão da usina à mina possuía 2 km de extensão.

A Companhia Mineira de Eletricidade, do industrial Bernardo Mascarenhas, realizou a

primeira instalação elétrica para o aproveitamento de forças hidráulicas para o serviço de utilidade

pública de iluminação e energia, em Juiz de Fora, em 1889. Devido à dificuldade de determinar a

opção tecnológica que melhor se adaptaria à realidade brasileira, Macarenhas decidiu construir a usina

Marmelos Zero, no rio Paraibuna, com capacidade para atender a consumos tanto em corrente alternada

quanto em corrente contínua (OLIVEIRA et alii, 1997). De 1883 a 1900, a potência instalada no país

passou de 52 KW para 12.085 KW, sendo a maior parte originária de termelétricas (DIAS, 1988).

Houve algumas incursões de eletricistas brasileiros no campo das invenções e aperfeiçoamentos

de aparelhos elétricos no início do século XX. O livro de Arthur Dias “Brasil of To-day” (c. 1904)

menciona alguns nomes que tiveram projeção nacional e até internacional (DIAS, c. 1904, p. 38-51):

i) Padre Landell de Moura – realizou experimentos com propagação do som, luz e

eletricidade através do ar e da água e criou vários aparelhos. Em 10 de junho de 1900, o Jornal do

Commercio publicou a seguinte notícia:

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No domingo próximo passado, no alto de Santana, na cidade de São Paulo, o padreLandell de Moura fez uma experiência particular com vários aparelhos de sua invenção.No intuito de demonstrar algumas leis por ele descobertas no estudo da propagação dosom, da luz e da eletricidade através do espaço, as quais foram coroadas de brilhanteêxito. Assistiram a esta prova, entre outras pessoas, Percy Charles Parmenter Lupton,representante do governo britânico, e sua família (Jornal do Commercio, 10 de junho de1900, apud Luiz Netto (URL)).

O padre obteve a patente brasileira no 3.279, no dia 09 de março de 1901, referente a um

“aparelho destinado à transmissão phonética à distância, com fio ou sem fio, através do espaço, da terra e do

elemento aquoso”. Este se tornou um dos mais aperfeiçoados aparelhos telefônicos da época devido à

inteligibilidade das palavras durante a transmissão, a distância e economicidade. O invento ganhou destaque

no The New York Herald, de 12 de outubro de 1902, num artigo intitulado “Brazilian Priest’s Invention”.

Nos Estados Unidos, o padre obteve três patentes: o transmissor de ondas, precursor do rádio, em 11 de

outubro de 1904 (patente de no 771.917); o telefone sem fio e o telégrafo sem fio, em 22 de novembro de

1904, (patentes de nos 775.337 e 775.846 respectivamente). Em 1904, o Padre Landell começou a

projetar, de forma precursora, a transmissão da imagem e de textos (teletipo) à distância.

ii) Adel Pinto – realizou estudos sobre a eletricidade e suas aplicações, e inventou um

aparato para prevenir colisões entre trens, a partir de um sistema de bloqueio automático elétro-

mecânico, que foi usado na Estrada de Ferro Central do Brasil.

iii) Augusto Xavier Oliveira de Menezes – realizou estudos sobre os usos da eletricidade

e inventou alguns aparelhos como o “electro-multiplyer”, um regulador da intensidade de lâmpadas

incandescentes, e um tipo de acumulador elétrico.

iv) Torquato Lamarão – renomado eletricista do Pará que realizou experimentos e

desenvolveu trabalhos sobre oscilação elétrica aplicada aos telégrafos e no direcionamento de torpedos

submarinos. Seu principal invento foi o torpedo detonado por ondas elétricas, testado em 1900, no

vapor Ituhy, da Marinha Mercante, e em outros navios no Rio de Janeiro, em 1903.

v) Oswaldo Faria – inventou um tipo de transformador que transformava corrente alternada

para contínua e ainda regulava a força, permitindo novas aplicações para as correntes elétricas.

Apesar do esforço destes e de outros pioneiros, não se desenvolveu uma tecnologia nacional

no setor de energia elétrica, que cresceu com a chegada das empresas estrangeiras Light12 e mais tarde

a AMFORP13, no início do século XX. Estas empresas trouxeram também as tecnologias e os técnicos

12A empresa The São Paulo Railway, Light and Power Co. Ltd., foi constituída no Canadá em 07.04.1899, com umcapital inicial de 6 milhões de dólares. Posteriormente a palavra “Railway” foi substituída por “Tramway” (DIAS,1988).13A American & Foreign Power Co., foi criada em 1923 para gerenciar os negócios do grupo norte-americano ElectricBond & Share Corporation no exterior, especialmente na América Latina. Sua entrada no Brasil se deu no ano de 1927, pormeio da constituição das Empresas Elétricas Brasileiras, posteriormente transformada em Companhia Auxiliar de EmpresasElétricas Brasileiras (CAEEB) (DIAS, 1988).

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para executá-las. Durante os primeiros cinqüenta anos de desenvolvimento da indústria de energia

elétrica, o país importava praticamente todos os bens e serviços de alta tecnologia, bem como aparelhos

e eletrodomésticos. A maioria das empresas possuía escritórios de representação ou subsidiárias no

Brasil: a Thomson-Houston e depois a GE, a Ericsson, a Eletrolux, a Philips, a Whestinghouse, a

Siemens & Halske etc. Ao longo desses primeiros cinqüenta anos, algumas empresas estrangeiras se

instalaram no país para produzir componentes, usando tecnologia estrangeira e pagando a licença de

uso ou royalties à matriz (BARBALHO e BARBALHO, 1987)14.

Um outro problema é que até meados do século XX não havia no país pessoal habilitado

para lidar com os aspectos técnicos da construção e manutenção de usinas e sistemas elétricos. De

acordo com Mauro Thibau15,

[...] não tínhamos pessoal próprio, não tínhamos pessoal de projeto e não tínhamospessoal de construção. O chamado engenheiro de construção no Brasil era construtorde prédios ou construtor de estradas. Ou no máximo de ponte. Agora, para fazer umabarragem, para fazer uma casa de força, para fazer uma tubulação adutora de água comcaracterísticas técnicas especiais, fora do conhecimento comum, isso não existia. Vocêvê, eu estou falando de 52 a 60 (THIBAU, 1990).

A partir da década de 1950, a história da tecnologia na área elétrica se fundiu à política do

Setor Elétrico, a medida que a pesquisa aplicada procurou responder diretamente aos desafios da

política setorial (PENTEADO e DIAS, 1994b, p. 257). Paralelamente à constituição de diretrizes

para o suprimento público de energia, começou o desenvolvimento de uma indústria nacional de material

elétrico, diretamente associada ao domínio das tecnologias para a consecução das metas relativas à

infra-estrutura (energia e transportes) necessárias para alcançar os objetivos desenvolvimentistas

(VARGAS, 1994, p. 24). Nas décadas 1960 e 1970, enquanto se planejava a construção de grandes

barragens, a indústria de equipamentos elétricos e hidromecânicos de grande porte se desenvolvia,

alcançando a quase totalidade dos equipamentos necessários à geração, transmissão e distribuição de

energia elétrica (PENTEADO e DIAS, 1994b, p. 251 e MAGALHÃES, 1994, p. 351-352).

O depoimento de Mauro Thibau é bastante afirmativo neste sentido:

[...] E de 60 para 80, em vinte anos, o Brasil, realmente deu um salto espetacular emmatéria de capacitação técnica. Porque já em 80, nenhuma empresa estrangeira tinhanecessidade de se apresentar [...] a indústria de bens de capital foi se montando com o

14 De acordo com BARBALHO e BARBALHO (1987), esta forma de produção de equipamentos e componentes noBrasil teve vantagens e desvantagens. As vantagens eram: fabricação de produtos avançados; inicialmente nãohouve necessidade da aplicação de recursos nacionais; emprego de mão-de-obra nacional (embora não qualificada);e utilização (parcialmente) de matérias-primas nacionais. A maior desvantagem era que o comportamento futuro dasempresas (expansão, avanços tecnológicos, margens de lucro, preços de exportação etc.) era decidido no exterior.15 Mauro Thibau foi engenheiro da CAEEB e da CEMIG e Ministro das Minas e Energia no período de 1964 a 1967.

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know-how estrangeiro e foi se capacitando a fornecer grandes máquinas, grandesequipamentos, grandes estruturas em condições melhores do que as do mundo. Querdizer, hoje, ninguém vai vender uma turbina estrangeira no Brasil pela simples razão queninguém produz uma turbina mais barata. Ainda que você possa dizer que se possaproduzir uma turbina um pouco melhor – mas muito pouco melhor –, os equipamentosbrasileiros concorrem no mundo, hoje, em igualdade de condições de qualidade e emmelhores condições de preço [...] (THIBAU, 1990, grifos no original).

Por outro lado, a expansão do setor também correspondeu ao processo de construção

(de parte) da base material do Estado no processo de configuração do espaço nacional. Houve,

portanto, um imbricamento entre a política setorial, o desenvolvimento tecnológico e o processo de

intervenção estatal no território, como parte do processo geral de acumulação.* * *

Conforme aponta HARVEY (1990, p. 377), os atributos materiais do espaço, que definem

sua natureza nas condições capitalistas, mostram que o espaço é um produto social da atividade

humana, um “momento ativo” no processo global de acumulação capitalista e de reprodução social.

Esta é uma das razões pelas quais a viabilidade de um empreendimento, seja a construção de uma

hidrelétrica, uma hidrovia ou um teleporto, depende igualmente de aspectos técnicos, econômicos,

políticos, sociais, culturais e das relações sociais no espaço.

Como vimos, os grandes sistemas sociotécnicos – barragens, aeroportos, vias de

transportes, telecomunicações etc., – atuam como dispositivos que mediam e modificam as relações

sociais e a organização do espaço. Estes sistemas, contudo, envolvem não apenas a produção de

mercadorias, insumos e serviços, mas o estabelecimento de relações de cooperação, dependência,

subordinação, conflito, dominação, a produção de representações e a observação de valores culturais

que não podem ser consideradas em sua complexidade, se não se têm em vista as relações de poder.

Neste processo, tanto os sistemas técnicos se modificam, como também a sociedade é modificada.

Não há, contudo, autonomia dos sistemas sociotécnicos em relação ao processo histórico, visto que

estes dispositivos “não possuem natureza intrínseca” (POULANTZAS, 2000, p. 99), mas dizem respeito

a um processo mais amplo, relacionado à dinâmica da acumulação capitalista e à dinâmica sociotécnica

na qual se inscrevem.

De fato, os sistemas de engenharia tendem a uma interdependência (produtiva e

organizacional) crescente. Como já anunciava MARX (1983), sua evolução altera o tempo da produção,

circulação e consumo de mercadorias. Os movimentos de extensão e deslocamento, que criam

continuidades e descontinuidades, efeitos produzidos pela espacialização do processo de (re)produção

capitalista (POULANTZAS, 2000), se fazem sentir através desses sistemas. Sua inserção territorial

permite expandir geograficamente os efeitos da divisão territorial do trabalho pela ampliação da

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cooperação produtiva. Na divisão territorial do trabalho, o “imperativo técnico” dos sistemas de

engenharia, construído social e politicamente como tal, se sobrepõe às necessidades e aspirações

sociais. Daí sua aparente inexorabilidade no processo de desenvolvimento. O “imperativo técnico”

naturaliza as determinações sociais, econômicas e políticas, transformando escolhas (e imposições

sociais) em atributos “das coisas”. Quando um objeto técnico é visto como uma “força inexorável”,

capaz de produzir (por si só) as mudanças, ele é “naturalizado” (NYE, 2006).

CARLSON (1992), afirma que há diversas maneiras pelas quais a tecnologia pode ser

usada com sucesso. Freqüentemente argumenta-se, todavia, que o emprego da tecnologia de uma certa

forma otimiza um determinado empreendimento. A seleção de uma alternativa supõe a elaboração de

pressupostos sobre quem irá utilizar a tecnologia e os significados que os diferentes usuários lhe atribuirão.

Esses pressupostos constituem o que este autor chama de “quadro de significados” (frame of meanings)

que inventores e empreendedores usam para guiar esforços no desenho, manufatura, construção e

marketing dos artefatos tecnológicos. O quadro de significados liga um dado artefato aos valores culturais

e sociais da sociedade. Inventores e empreendedores não apenas criam artefatos técnicos, mas também

modelam (procuram modelar) os quadros de significados que vão permitir o uso desses artefatos. Caso

contrário, seria impossível a “venda” do objeto ou empreendimento para investidores e consumidores. A

idéia de que uma determinada escolha tecnológica produz maior eficiência e produtividade, pressupõe

que só há um caminho para o desenvolvimento e uma única maneira de a tecnologia existir.

Iniciamos esta exposição assumindo um ponto de vista oposto, ou seja, que existem múltiplos

projetos culturais e políticos que se enfrentam e disputam no movimento de transformação das

sociedades. Como as tecnologias são construções sociais, também envolvem disputas, escolhas,

formatos e interpretações que não são únicos, mas comportam inúmeras alternativas de realização (e

até de não realização).

Assim, o desafio intelectual ao longo desta tese consistiu em nos situar num campo reflexivo

que, por um lado, rejeita o determinismo tecnológico por considerar que ele impede qualquer tipo de

resistência e não admite projetos alternativos e, por outro, rejeita o determinismo social que toma o

espaço e o meio ambiente como totalmente passivos no processo histórico. Nossa reflexão se orientou

no sentido de pensar e perceber correlações e contradições entre a sociedade, o espaço e as tecnologias

como processos irredutíveis que se retroalimentam.

Na análise concreta do processo sociotécnico de eletrificação na Amazônia, buscamos

identificar as especificidades da relação entre este processo e a produção do espaço, a fim de

compreender o papel da região no sistema nacional de suprimento público de energia elétrica e o papel

da eletricidade no desenvolvimento da região.

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CAPÍTULO 2 – A AMAZÔNIA “ILUMINADA” PELA BORRACHA

“Assim como não temos uma ciência completa da própria basefísica da nossa nacionalidade, não temos ainda uma história.

Não aventuro um paradoxo. Temos anais, como os chineses. Ànossa história, reduzida aos múltiplos sucessos da existênciapolítico-administrativa, falta inteiramente a pintura sugestiva

dos homens e das coisas ou dos travamentos de relações ecostumes que são a imprimadura indispensável ao desenho dosacontecimentos.” (EUCLIDES DA CUNHA apud ROCHA, 1979)

2.1 ESPAÇO E CONSTRUÇÃO DA NAÇÃO

A emancipação do Estado brasileiro em 1822, fez nascer politicamente um Estado cujas

dificuldades para criar uma identidade nacional a partir das relações sociais internas – já que a maior

parte da população era constituída de escravos – levou à assunção do território como base para a

construção da unidade nacional e tornou a ocupação territorial a tarefa primordial da construção da

nação. Desenvolveu-se, assim, uma “concepção espacialista”, que se enraizou na cultura política brasileira

(MORAES, 2002, p. 42-43).

A chamada República Velha (de 1889 a 1930) é um período considerado pelos

historiadores como de redefinição da identidade nacional (MORAES, 2002; e FAUSTO, 2001).

Uma nova ordem política, econômica e social foi erguida sobre o arcabouço espacial, cujo eixo

estruturador herdado do período colonial – a conquista de espaços e a apropriação de novas terras –

se tornou uma marca nas formas posteriores de desenvolvimento da sociedade.

A ação política do Estado no espaço atuou essencialmente viabilizando a conquista e o

acesso às riquezas, mediando as relações entre a sociedade e o meio.

Neste quadro, a natureza brasileira é vista como pura riqueza a ser apropriada, e oespaço e os recursos naturais são tomados como inesgotáveis. Daí a idéia do país-celeiro de riquezas [...]. Uma ótica espoliativa domina a relação da sociedade com o meiono Brasil, a qual se expressa com clareza no ritmo e na forma como avançam as frentespioneiras na história do país, deixando ambientes degradados em suas retaguardas. Obom governo, nesse sentido, é o que propicia, antes de tudo, o acesso aos lugares e aosseus recursos. (MORAES, 2002, p. 178-179)

Esta lógica perdurou não apenas na Primeira República, mas também foi perseguida nos

períodos desenvolvimentistas de Vargas, a partir da década de 1930, por Juscelino, na década de

1950 e pelos governos militares, nas décadas de 1960-80.

O novo país construiu sua identidade nacional republicana num contexto também marcado

por importantes processos técnico-espaciais mundiais: o desenvolvimento da navegação a vapor, a

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construção de estradas de ferro, a evolução das comunicações via telégrafo e cabos submarinos, a

construção e melhoria de grandes portos, o desenvolvimento da eletricidade e da telefonia e a crescente

urbanização. Esses processos, por sua vez, interagiam no movimento de circulação das mercadorias,

intensificando o comércio internacional, impulsionados pelo desenvolvimento industrial. Ao longo do

século XIX a sociedade parecia cada vez mais conformada pelas novas tecnologias que prometiam o

rompimento com o passado e o progresso material. A história parecia ter um novo motor: a tecnologia

exercendo uma força transformadora e inexorável sobre a sociedade1.

2.2 A ECONOMIA DA BORRACHA E O DESENVOLVIMENTO AMAZÔNICO NOPRIMEIRO PERÍODO REPUBLICANO

A transformação da borracha natural em um importante recurso econômico (RAFFESTIN,

1993) ao longo do século XIX e início do século XX é um exemplo de como determinados grupos

sociais se articulam em redes econômicas, políticas, sociais e técnicas para ter acesso e dominar a

exploração dos recursos territorializados no modo de produção capitalista. Já no início do século XIX, a

borracha foi adquirindo crescente importância econômica no mundo que se industrializava. A descoberta

de novos usos e processos de industrialização como a vulcanização2 e a galvanização converteram a

borracha em matéria-prima básica para diversos ramos industriais nascentes.

Em meados dos anos 1850, a borracha começou sua ascensão como produto de

exportação na Amazônia brasileira. Atraiu investimentos e mão-de-obra através de migrações3 intra e

extra-regionais e setoriais, especialmente da agricultura, e se tornou o principal gênero da produção

amazônica, ao final da década de 18704. Por meio da atividade extrativa deste produto, a Amazônia

ingressou no mercado internacional (SANTOS, 1980).

O apogeu da economia gomífera na região amazônica coincide com o que FURTADO

1 Como veremos ao longo da Tese, a visão determinista da tecnologia como uma “força natural” capaz de transformara sociedade se disseminou tanto no pensamento social quanto na sociedade.2 A vulcanização foi um processo pesquisado simultaneamente por Thomas Hancock (Inglaterra) e por CharlesGoodyear (Estados Unidos) e foi patenteada em ambos os países em 1844. A descoberta ensejou novos usos eaumentou a demanda da borracha como matéria-prima para diversos produtos (SANTOS, 1980; MARTIN, 2003).3 De acordo com SANTOS (1980), a arregimentação de nordestinos para trabalharem na exploração da borracharesultou de iniciativas inteiramente a cargo de seringalistas e intermediários.4 Na historiografia regional tradicional, cristalizou-se uma concepção de que a ascensão da borracha fez com que asoutras atividades econômicas, especialmente a agricultura fossem abandonadas, o que tornou necessário aimportação de gêneros básicos de consumo. BATISTA (2004) problematiza a dicotomia entre agricultura eextrativismo, sustentando que a noção de “crise na agricultura” é uma aceitação literal de um certo discurso oficialda época que não condizia com a realidade. De acordo com a autora, uma análise mais profunda das fontes acerca dasexportações e importações de determinados produtos, como cacau, mandioca, arroz, algodão e açúcar mostra queapesar do crescimento vertiginoso da produção gomífera no período 1850-1870 – especialmente no Pará, seu objetode estudo –, a primazia deste produto não teria ocasionado a desestruturação dos outros produtos agrícolas, aocontrário, alguns tiveram sua produção incrementada.

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(1986, p. 130) chamou de primeira fase da expansão da economia mundial da borracha5 (1870-

1910). A produção extrativa se deu por meio do “aviamento” que consistia numa organização de

baixa qualidade técnica (com utilização de meios de produção rudimentares), financiada por um sistema

de crédito sem intermediação da moeda, e estruturada numa “cadeia vertical” de agentes. O topo da

cadeia era ocupado pelos exportadores e importadores que aumentavam seus lucros com o acréscimo

de juros aos adiantamentos feitos às casas aviadoras e pelo rebaixamento do preço local da borracha.

Logo abaixo, se estabeleciam as casas aviadoras que forneciam aos extratores (ou a aviadores

intermediários) bens de consumo e instrumentos rudimentares de trabalho, recebendo em troca a

produção extrativa. O grande número de intermediários fracionava os lucros que, em sua maior parte,

eram incorporados pelos exportadores e importadores. Os pequenos produtores e extratores eram o

elo mais frágil da cadeia e estavam “presos”, sem condições de se reproduzir economicamente fora do

sistema e, ao mesmo tempo, submetidos a uma condição de miséria e servidão eterna. O relato

apresentado por um engenheiro militar ao seu superior em viagem pelas regiões produtoras de borracha,

em 1906, ilustra a situação dos trabalhadores nos seringais:

O commercio continua monopolizado nas mãos de algumas casas aviadoras [...]. A condiçãodo freguez é cada vez mais precaria, foi e será um eterno escravo do patrão, e si um dia,desesperado de ver seus trabalho improficuo, quebra seus grilhões, fugindo a procurad’um Senhor mais humanittario, um grupo de capangas, de rifle em punho vae atraz d’elle[que é] [...] conduzido em condições peiores do que um condenado a galés para o seringalonde os tratamentos mais barbaros lhe são infligidos. O peixe boi é quem ainda administraa justiça, o rifle quem é o supremo juiz (DESTOR, 1906, p. 11, grifo no original).

Furtado também expôs a situação do migrante nordestino nos seringais da Amazônia:

Começa sempre a trabalhar endividado, pois via de regra obrigavam-no a reembolsar osgastos com a totalidade ou parte da viagem, com os instrumentos de trabalho e outrasdespesas de instalação. Para alimentar-se dependia do suprimento que, em regime deestrito monopólio, realizava o mesmo empresário com o qual estava endividado e que lhecomprava o produto. As grandes distâncias e a precariedade de sua situação financeirareduziram-no a um regime de servidão. Entre as longas caminhadas na floresta e a solidãodas cabanas rudimentares onde habitava, esgotava-se a vida, num isolamento que talveznenhum outro sistema econômico haja imposto ao homem (FURTADO, 1986, p. 134).

O sistema de organização da produção através do aviamento se tornou possível graças à

união de interesses do capital mercantil estrangeiro e das elites locais e foi abraçado pelos diversos

agentes envolvidos de tal modo que se naturalizou na economia amazônica. Conforme mostra um

Relatório britânico:

5 De acordo com este autor, a economia mundial da borracha se expandiu em três fases: a primeira desenvolvidainteiramente a partir da produção extrativa amazônica; a segunda desenvolvida no Oriente, através da produçãoorganizada nos moldes da agricultura capitalista; e a terceira fase, com a substituição da borracha natural peloproduto sintético (FURTADO, 1986, p. 130-133).

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Os exportadores de borracha são, em sua maioria, agentes de importadores britânicos edos Estados Unidos. Eles compram a borracha para exportação dos ‘aviadores’.Importadores britânicos têm recebido borracha por mais de 20 anos. Eles sãoespecialistas no comércio e seriam os primeiros a reconhecer as vantagens, se houvessealguma, de comprar seringais e explorá-los diretamente. Nenhum deles jamais tentou.Seus rivais americanos tentaram e o fracasso do empreendimento confirmou a prudênciade seus competidores britânicos (GREAT BRITAIN, 1898, p. 31).

Tanto quanto um sistema de crédito ou de organização da produção, o aviamento se

constituiu igualmente como sistema de hierarquização social e domínio político que extrapolou os limites

da exploração da borracha e alcançou a agricultura e a pesca, se tornando a forma típica de articulação

do sistema social e da economia amazônica (SANTOS, 1980, p. 158). Inicialmente, o exportador

teve um papel essencial na consolidação da economia da borracha. Num momento posterior seu papel

foi questionado e os exportadores foram acusados de serem parasitários, especulativos e de exercerem

uma intermediação desnecessária entre o aviador e os importadores da borracha (SANTOS, 1980, p.

128-129, 153 e 221).

Uma das mais importantes comercializadoras da borracha amazônica foi a americana

United States Rubber Company, criada em 1892, por Charles Ranlett Flint, proveniente da fusão de

várias companhias. De acordo com SANTOS (1980), essa grande corporação de capitais norte-

americanos entrou no mercado visando “livrar-se da especulação [produzida pelos exportadores que

intermediavam as transações e fracionavam os lucros] e garantir aos seus participantes a regularidade

dos suprimentos” (SANTOS, 1980, p. 220).

As ações da corporação, foram conduzidas no sentido de estabelecer o domínio do

suprimento da borracha, pelo controle do transporte – via aquisição de linhas de navegação

subvencionadas com a concessão de seringais – pela tentativa de obter florestas próprias de seringueiras6,

e pela criação de agências, em Belém e Manaus, para a compra direta da borracha aos aviadores, sem

passar pela intermediação dos exportadores. Posteriormente, a US Rubber Co. abriu uma empresa

subsidiária, a General Rubber Company of Brazil (1905), que se consolidou como a maior compradora

individual de borracha do mundo. Esta companhia chegou a ser responsável por cerca de 50% do total

das compras da borracha amazônica.

6 A US Rubber Co. esteve diretamente envolvida no episódio de criação do Bolivian Syndicate, entidade decapitalistas anglo-americanos que pretendia arrendar o Estado do Acre, então pertencente à Bolívia, por vinte anos comamplos poderes militares, alfandegários e territoriais sobre as terras e florestas. A transação foi frustrada pela ação dosbrasileiros, especialmente do Estado do Amazonas, que entraram em conflito com a Bolívia. O conflito foi resolvidocom a assinatura do Tratado de Petrópolis em 17 de novembro de 1903, pelo qual o Brasil anexou o Acre ao seuterritório mediante pagamento de uma indenização à Bolívia, além da obrigação de construir a estrada de ferroMadeira-Mamoré (BRUNO, 1966, p. 139, v.1).

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Box II.1 - Charles Ranlett Flint, “o pai dos trustes”

Charles Ranlett Flint (1850-1934) foi um importante capitalista nãoapenas para a indústria da borracha, mas para o capitalismo industrialamericano. Sua enorme capacidade de articular investidores e estruturararranjos organizacionais pela junção, fusão e incorporação de diferentesempresas de modo a criar poderosas organizações o tornou conhecidonos Estados Unidos como o “pai dos trustes”. Várias companhias criadaspor ele se tornaram grandes conglomerados empresariais: i) a UnitedStates Rubber Company foi organizada em 1892, comprada pela GilletteSafety Tire Company em 1940 e renomeada em 1967 como Uniroyal Inc.que se fundiu com a B.F. Goodrich e se tornou a Uniroyal Goodrich TireCompany, em 1986. Em 1990, foi incorporada pela Michelin; ii) a AmericanChicle foi organizada em 1899, com a junção da Adams Chewing Gum,Chiclets, Dentyne, e Beemans; e a mais famosa; iii) a Computing-Tabulating-Recording (CTR), organizada em 1911, como resultado dafusão de várias empresas, dentre as quais a Tabulating Machine Company (criada por Herman Hollerith). Estaveio a se tornar uma das maiores companhias de computadores dos Estados Unidos, após mudar oficialmente onome para International Business Machines, ou IBM, em 1924. Flint também esteve envolvido no projeto deconstrução do aeroplano dos irmãos Wright, através da empresa Flint & Company.

Na maioria das vezes, Flint não administrava diretamente as empresas que criava ou organizava, mastinha uma capacidade especial de encontrar a pessoa certa para dirigi-las. Junto com outros investidoresamericanos, Flint foi responsável pela criação da primeira companhia a operar um sistema de trens urbanoselétricos em Manaus: a Manaós Railway Company, em 24 de fevereiro de 1898. Parte da história dosconglomerados criados por Flint pode ser vista em PUGH (1995) e HONIOUS (2003).

Sobre a persistência de Flint e os perigos para o Brasil da aquisição de um território próprio para aobtenção da borracha, o engenheiro Júlio Destor afirmou em seu relatório: “[...] Creio que o ex- Presidente doSyndicate arrendatario do Acre não abandonou sua primitiva ideia, o Snr. Carlos Flint7 é teimoso como todos desua raça [...]. É inútil demonstrar a V. Exc. o perigo que há da introducção d’esses syndicatarios na vidaeconomica d’aquela região da qual graças a enormidade das distancias seriam em breve os senhores absolutos.A venda de propriedades a esses trustemen devia ser o objecto d’uma legislação especial afim de evitar queesses reis do dollar se tornem um perigo para a entegridade do paiz, creando um ESTADO no ESTADO.”(DESTOR, 1906, p. 11-12)

Figura 7 – Charles Flint. Picture History: The Primary Souce for History Online. Disponível em: http://www.picturehistory.com.

No período de 1870 a 1910, a demanda crescente pela borracha e uma oferta limitada

pelas condições da produção extrativa levaram os preços a uma tendência crescente, alcançando os

maiores picos no triênio 1909-1911. Durante a ascensão econômica, a borracha teve uma participação

significativa nas exportações brasileiras, chegando a alcançar o segundo lugar8.

Fortunas foram acumuladas e o excedente gerado foi aplicado principalmente em melhorias

urbanas nas capitais Belém e Manaus, na construção de prédios públicos e privados e na criação de

equipamentos e serviços urbanos. Pouco foi investido na construção de um parque industrial ou mesmo

no beneficiamento da principal fonte de riqueza, a borracha. Até entrar em decadência, a estrutura da

produção e suas condições técnicas permaneceram as mesmas.

7 Em seu relatório o engenheiro “aportuguesou” o nome do americano.8 Entre 1906 e 1910 a exportação da borracha correspondeu a 60% dos valores exportados em café. Em 1910,enquanto o café respondeu por 42,31% das exportações nacionais, a borracha alcançou 39,99% (BRASIL, 1911, p.156).

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Experimentos realizados com sementes da hevea brasilienses, enviadas por Henry

Wickham em 1876 para o jardim botânico de Kew, Inglaterra, e depois transplantadas para o Ceilão,

resultaram na estruturação de uma nova fase da produção mundial da borracha. A produção no Oriente,

organizada nos moldes de uma agricultura capitalista (intensiva em capital, com mão-de-obra barata e

com produtividade fundada no uso de tecnologias agrícolas avançadas), provocou uma queda súbita

dos preços da borracha entre 1911 e 1914 e assinalou o colapso da economia amazônica, cuja produção

extrativa não tinha condições de competitividade (SANTOS, 1980, p. 208).

Em 1910, a US Rubber Co. abandonou a política de exploração da borracha silvestre

e investiu nas plantações no Oriente, passando a controlar milhares de hectares de plantações de

seringueiras. Mesmo assim, com a crise da borracha amazônica, a General Rubber Company of

Brazil obteve, em 1912, autorização especial de funcionamento a fim de obter vantagens do governo

brasileiro que, tendo percebido o desastre que a queda nas exportações da borracha amazônica

representava para a economia nacional e os cofres públicos, buscou, pela primeira vez, defender a

economia regional (SANTOS, 1980, p. 137).

Não é coincidência o fato de a mudança na organização da produção da borracha pela

plantação dos seringais ocorrer simultaneamente à experimentação do veículo terrestre a motor de

combustão interna e ao aprimoramento do processo de produção de automóveis. A indústria automobilística

se tornou a principal atividade produtiva das economias industrializadas entre 1890 e 1930 (FURTADO,

1986, p. 130) e este desenvolvimento seria totalmente inviável sem uma produção em larga escala da

borracha para os arcos pneumáticos. Por sua vez, as transformações na base técnica da produção da

borracha jamais teriam ocorrido sem que a demanda gerada pela indústria tivesse viabilizado uma produção

cuja escala garantisse o suprimento na quantidade, qualidade e custo desejados pela indústria.

Os efeitos da queda dos preços da borracha foram catastróficos para a economia

amazônica, com inúmeras falências e concordatas nas praças comerciais de Belém e Manaus e o

crescimento das dívidas interna e externa dos estados amazônicos. De 1910 a 1920, houve, inclusive,

redução dos efetivos populacionais na região (SANTOS, 1980, p. 261).

Numa tentativa de recuperar a economia regional, o governo federal promulgou em 05 de

janeiro de 1912 o Plano de Defesa da Borracha (Lei no 2.543-A e Decreto no 9.521), que se constituía

num conjunto amplo de medidas, incluindo a criação da Superintendência de Defesa da Borracha. Este

plano previa a execução de projetos para a recuperação da heveicultura e extração da borracha, com

incentivos para melhorar tecnicamente a produção pelo uso de máquinas e implementos e plantio de

espécies gomíferas. Além disso, o plano contemplava aspectos importantes da economia regional como

industrialização (relacionada ao beneficiamento da borracha e fabricação de artefatos), migração e

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colonização, saúde, transportes, produção agrícola e alimentar e pesca (SANTOS, 1980, p. 247-248).

Havia medidas institucionais relacionadas ao estabelecimento de prêmios pecuniários para a melhoria da

produção e em relação à política fiscal, já que o governo reconhecia que os altos tributos eram um dos

principais fatores de encarecimento e falta de competitividade da borracha nacional (BRASIL, 1911).

Esta foi a primeira iniciativa do governo federal no sentido de defender e promover a

economia regional amazônica. O ambicioso plano, contudo, tinha recursos financeiros insuficientes

para sua envergadura e baixa capacidade de execução, resultando, após 17 meses, em enorme fracasso.

O americano W. L. Schurz, chefe de uma missão encarregada de estudar as possibilidades de

soerguimento da indústria da borracha amazônica, escreveu em 1926:

O Governo Federal brasileiro tratou de salvar a indústria mediante o grandioso projetoconhecido sob o nome de ‘Defesa da Borracha’; infelizmente porém os milhões gastosem sua execução produziram resultados quase nulos (BRUNO, 1966, p. 148, v.1).

2.2.1 Rios amazônicos: estradas que se movem

No delineamento das condições históricas de ocupação e apropriação do espaço

amazônico, se observa um longo processo de identificação de riquezas apropriáveis e descoberta de

novos caminhos e obstáculos à penetração capitalista. Em alguns momentos, determinados eventos

naturais, como as cachoeiras, por exemplo, foram representadas como obstáculos ao pleno

desenvolvimento do potencial humano, já que se antepunham a navegação dos rios e, por conseguinte,

à circulação de mercadorias, essência mesma da economia aviadora que estruturou o espaço amazônico

como espaço da borracha. A medida que novas invenções e tecnologias tornaram possível a exploração

da energia hidráulica, os trechos encachoeirados dos rios, antes vistos como obstáculos ao

desenvolvimento, passaram a ter outra significação.

Em meados da década de 1890, a visão corrente percebia como necessário e fundamental

aproveitar os cursos dos rios para penetrar nos territórios férteis, a fim de alcançar as riquezas apropriáveis

disponíveis. Os rios eram as únicas vias de acesso e de escoamento viáveis para a exploração da

região amazônica. MARAJÓ (1895), autor e importante político paraense9, exaltou a “inteligência

humana” a aproveitar esta dádiva divina para alcançar o desenvolvimento:

9 José Coelho da Gama e Abreu, o 1o Barão de Marajó (1832-1906), foi um personagem importante da história econômicae política da Amazônia. Ao longo de sua vida ocupou importantes cargos executivos e político-administrativos: noperíodo imperial foi diretor de Obras Públicas e do Tesouro Público Provincial no Pará, no início da década de 1860;presidente da Província do Amazonas entre 1867 e 1869; deputado provincial e geral entre 1867 e 1870; e presidente daProvíncia do Pará de 1879 a 1881. No período republicano foi intendente municipal de Belém entre 1891 e 1893 e depoissenador da República. Além disso, sua família ocupava uma posição de destaque na hierarquia social regional (BATISTA,2004). O Barão também era um estudioso, formado em matemática na Universidade de Coimbra e sua reflexão sobre aregião Amazônica resultou em algumas monografias, tais como “A Amazonia: as provincias do Pará e Amazonas e ogoverno central do Brazil” (MARAJÓ, 1883) e “As Regiões Amazônicas: estudos corographicos dos estados do GramPará e Amazonas” (MARAJÓ, 1895).

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Aonde se encontrará um trato de terras de todas as composições com um declive tãosuave, com tantas e tão abundantes riquezas naturaes, que como este offereça umasuperficie computada em cerca de 4.000:000 de milhas quadradas [...] concorrendo todoscom suas aguas a formar um canal gigantesco, essa comunicação internacional destinadaa transportar quase de um a outro oceano as producções da Europa assim como a levara esta as producções inumeras e immensas de todos os pontos da America Central e doBrazil [...]?[...] A facilidade de communicações fluviais ainda vem robustecer mais a these queenunciei, assim tanto nos territorios das nações visinhas como no do Brazil, estasestradas que se movem, cortam vastas extensões [...].[...] Esta disposição unica, singular no mundo inteiro, devia assegurar a imigração,a facil colonisação, a união politica, e estreitar as relações sociaes, facilitar oconhecimento, estudo e união, este desenvolvimento commercial, esta fraternidadeamericana. Não passa de um sonho, e de tudo isto nada existe senão os elementosdados por Deus, que tanto deviam surgir se a intelligencia humana viesse fecundar estemundo morto e inerte (MARAJÓ, 1895, p. 67-69, grifos nossos).

Ao mesmo tempo em que os rios eram um meio de acesso às riquezas, as cachoeiras

eram obstáculos ao desenvolvimento comercial, por impedirem a livre navegação e interromperem o

fluxo dos recursos e mercadorias. As cachoeiras nos rios Tocantins, Xingu, Tapajós e Madeira eram

consideradas o principal inimigo da civilização amazônica, o marco da oposição entre o homem civilizado

e a natureza selvagem, fronteira entre o homem e a natureza:

A cachoeira é como que o obstáculo oposto pela natureza ao poder humano naapropriação de suas forças vivas, é a resistencia bruta do mundo inorganico a incitara manifestação do esforço intelligente capaz de vencel-a á fim de conquistar as quantasriquezas guarda a natureza em seu seio alem d’essa barreira.A cachoeira é o marco milliario, que a civilisação não consegue transpôr e de ondecomeça o livre imperio da vida selvagem em toda a singeleza dos seus costumes [...](SANTA ROSA, c.1900, p. 32, grifos nossos).

As expedições e estudos da época buscavam detalhar a qualidade e quantidade desses

obstáculos, a fim de estabelecer os trechos navegáveis. Marajó incluiu em seu livro uma descrição

bastante significativa dos principais afluentes do rio Amazonas suas cachoeiras, lagos e ilhas10. Ao

descrever a bacia do rio Madeira, este autor mencionou também a existência de uma população de

cerca de 70 mil pessoas que vivia em povoados às margens do rio e espalhadas em grupos isolados,

destacando-se, entre as principais, Borba, Manicoré e o povoado de Santo Antonio, logo abaixo da

cachoeira do mesmo nome, junto à foz do rio Jamary11. No Tocantins, o autor citou a existência de 27

10 MARAJÓ (1895) relatou expedições em 1716, 1725, 1737, 1743 e 1748 que subiram o Madeira, bem como a exploraçãoentre 1780 e 1790, feita por uma comissão científica composta por engenheiros e astrônomos enviados pelo governoportuguês, dentre os quais os abalizados matemáticos José Joaquim Victorio da Costa e José Simões de Carvalho.11 Marajó incluiu em sua obra (a partir do levantamento feito pelo coronel Church, primeiro empreendedor daestrada de ferro Madeira-Mamoré, em 1872), além dos nomes, a altura da queda e extensão (de água quebrada) dasseguintes cachoeiras no rio Madeira: 1a. Guajará-mirim, 2a. Guajará-assu, 3a. Bananeiras, 4a. Páo-grande, 5a. Lages,6a. Madeira, 7a. Misericordia, 8a. Ribeirão, 9a. Periquitos, 10a. Araras, 11a. Pederneiras, 12a. Paredão, 13a. Tres irmãos,14a. Girão (Gião), 15a. Caldeirão do inferno, 16a. Morrinhos, 17a. Salto do Thotonio e 18a . Santo Antonio (MARAJÓ,1895, p. 130-140).

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cachoeiras identificadas por Baena dentro dos limites do Estado do Pará12. Destacou que logo na divisa

entre o Pará e Goiás encontrava-se a cachoeira de Três Barras e mais adiante as cachoeiras do Lageado

e dos Pilões (MARAJÓ, 1895, p. 200). Esse conhecimento era fundamental para estabelecer as rotas de

navegação e determinar a capacidade de penetração no território amazônico e de comunicação com o

mundo exterior. Como se pode ler no trecho abaixo, a navegação nesta região tinha importância fundamental

para o desenvolvimento:

Esta navegação do Tocantins, assim como a do Araguaya, tem uma importancia extremapara a Republica, e obedecendo ás mesmas razões que me fizeram pronunciar pelautilidade da linha férrea Madeira-Mamoré, também sou favorável á construção de umalinha ferrea que pelo menos annule as dificuldades de transito na parte encachoeiradadesde o travessão dos Patos até onde há navegação a vapor em Santo Anastacio.(MARAJÓ, 1895, p. 201).

Era, portanto, necessário vencer as forças da natureza empregando todos os recursos

disponíveis. Neste caso, a construção de uma linha férrea poderia contornar os obstáculos impostos

ao aproveitamento dos caminhos naturais representados pelos rios.

Em meados do século XIX, a navegação no rio Amazonas interessava aos países da Europa

e Estados Unidos, motivados pela possibilidade de acesso à borracha. A polêmica em torno da abertura

da navegação no Amazonas às nações, especialmente animada pelas pretensões americanas que

reivindicavam “aos cidadãos dos Estados Unidos o livre uso do rio Amazonas” (CALDEIRA, 1995, p.

249), deu ao Barão de Mauá (Irineu Evangelista de Souza) a oportunidade de estabelecer a Companhia

de Navegação e Comércio do Amazonas (Decreto no 1.037, de 30/09/1852) com grandes vantagens:

monopólio da navegação no rio por trinta anos e um subsídio no valor de 120 contos de réis.

Uma vez estabelecida, a casa bancária do Barão de Mauá em Belém “funcionava como

centro financeiro de toda a região amazônica” (CALDEIRA, 1995, p. 27). O primeiro vapor da

Companhia de Navegação e Comércio do Amazonas ancorou no porto de Manaus, vindo do Pará,

em 11 de janeiro de 1853 (PROVÍNCIA DO AMAZONAS, 1853a). O regime de monopólio logo

foi perdido e outras companhias começaram a navegar na região. Linhas de vapores regulares se

firmaram no transporte intra-regional. O Decreto no 3.920, de 31 de julho de 1867, finalmente abriu o

rio Amazonas ao comércio de todas as nações. Com a autorização de novas linhas, o comércio com o

Peru foi incrementado. Depois, o desenvolvimento da navegação se aprofundou pelo interior através

12 As 27 cachoeiras no território paraense consignadas no mapa elaborado em 1893, a partir dos levantamentosfeitos em 1864 pelo capitão-tenente Paraybuna dos Reis são: 1a. Tapaiuna-quara, 2a. Guariba, 3a. Vita-eterna, 4a.Tucumanduba, 5a. Uerapépoaquina, 6a. Cunauá, 7a. Pitaoca, 8a. Chiqueiro, 9a. Inferno, 10a. Furo de Itaboca, 11a.Tortinho, 12a. José Correia, 13a. Cachoeira-grande, 14a. Apinagé. 15a. Cajueiro, 16a. Capellinha, 17a. Valentim, 18a.Mandupixuna, 19a. Pinaquequará, 20a. Praia Alta, 21a. Boqueirão do Tauiri, 22a. Sêcco Grande, 23a. Defuntinho, 24a.Tauirisinho, 25a. Mãe Maria, 26a. Serra Quebrada e 27a. Sêcco do Curuá (MARAJÓ, 1895, p. 200).

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dos rios Madeira, Purús e Negro. Em 28 de outubro de 1869, foi criada, com subvenção do governo,

a Companhia Fluvial do Alto Amazonas, ligando Belém e Manaus. Em 1872, Mauá pôs sua companhia

à venda no mercado londrino. Foi, então, constituída com capitais ingleses, a Amazon Steam Navigation

Company, Limited, registrada em Londres, em 12 de maio de 1872. O subsídio do governo brasileiro,

originalmente dado ao Barão de Mauá, foi repassado à nova empresa (WILEMAN, 1909, p. 785).

Apesar da importância do desenvolvimento da navegação fluvial, SANTOS (1980) atribui

à introdução do navio a vapor, uma mudança técnica no sistema de transporte, a primazia no

desenvolvimento da capacidade de atendimento à demanda mundial de borracha pela Amazônia.

Segundo ele, a navegação a vapor foi uma “condicionante técnica da mais alta significação” (SANTOS,

1980, p. 57) para o desenvolvimento amazônico, visto que influenciou não apenas a economia, mas

também o comportamento social da população. Essa mudança comportamental foi descrita por Bates

em seu relato de viagem: “[...] Os costumes mudaram rapidamente nesse particular, quando os vapores

começaram a navegar no Amazonas (1853) trazendo uma onda de novas idéias e modas para a

região” (BATES, 1863, p. 5, v.2). A introdução dos vapores influenciou também a mecanização das

usinas de açúcar pertencentes a pequenos industriais, bem como a construção de novos estaleiros em

Óbidos e Santarém e as cidades de Belém e Manaus, centros comerciais de mercadorias de importação

e exportação, “cresciam com a afluência dos vapores estrangeiros” (MARAJÓ, 1895, p. 367).

No levantamento feito por Marajó das condições materiais da cidade de Belém em 1894,

constam, além da Companhia de Navegação do Amazonas, uma companhia de navegação com sede

no Rio de Janeiro (Lloyd Brasileiro), duas linhas de vapores ingleses com 22 vapores ligando Lisboa,

Havre, Liverpool, Nova York, Antuérpia, Maranhão, Ceará, Pernambuco e Manaus de 10 em 10 dias;

uma linha inglesa com vapores semanais para o Rio de Janeiro, Pernambuco, Pará e Nova York; uma

companhia de vapores americana ligando Rio de Janeiro, Pará e Nova York; e uma companhia costeira

para o Maranhão. Além disso, havia dentre os equipamentos portuários três docas, três rampas e duas

pontes para desembarque (MARAJÓ, 1895, p. 389-390).

Com o incremento da navegação a vapor, não apenas aumentaram as rendas aduaneiras,

mas também houve crescimento de centros populacionais como Cametá, Santarém e Óbidos. O efeito

sobre Belém foi que as construções de taipa foram substituídas por construções de pedra, cal e tijolo;

surgiram novos bairros, ruas foram calçadas, foi introduzida a iluminação a gás e o fornecimento de água

potável, o que contribuiu para melhorar “material e moralmente a cidade” (MARAJÓ, 1895, p. 385). As

linhas de vapores naquela época eram o caminho para a modernidade: “Novas linhas de vapores abrem

novos horizontes ao commercio, cada rio explorado é uma nova fonte que brota em favor da producção

e riqueza publica [...]” (MARAJÓ, 1895, p. 388).

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A acessibilidade aos recursos naturais através dos rios e a questão da navegabilidade

continuam a ser importantes na região ainda hoje, visto se tratar de uma das mais extensas redes

hidrográficas do mundo. O aproveitamento da força hidráulica dos rios amazônicos, por outro lado, só

começou a ser pensado, embora de maneira pouco consistente, no início do século XX, com as

discussões sobre a construção da ferrovia Madeira-Mamoré. Em janeiro de 1904, o Clube de

Engenharia, no Rio de Janeiro, promoveu uma discussão sobre a ferrovia, tendo dois engenheiros,

José Agostinho dos Reis e José Matoso Sampaio, defendido a opção pela tração elétrica para a

ferrovia, com o aproveitamento das quedas d’água do rio Madeira. A moção de apoio à construção da

ferrovia aprovada pelo Conselho Diretor do Clube, em 29 de janeiro, endossou a proposta, mas a

idéia não foi levada adiante (CACHAPUZ, 2001, p. 80).

Em 1912, a construção de estradas de ferro e a melhoria das condições de navegabilidade

dos rios constituiu um dos aspectos do Plano de Defesa da Borracha. Para melhorar a comunicação entre

Manaus e Rio Branco foram planejadas a realização de obras para a regularização do rio Branco, com a

construção de algumas barragens e eclusas nos trechos encachoeirados. No trecho do Cujubim estava

sendo projetada uma barragem na qual se poderia estabelecer, quando fosse julgado oportuna, uma usina

para a transformação da força hidráulica de aproximadamente 12.000 cavalos vapor em energia elétrica

(BRASIL, 1913, p. 165). Embora tais obras não se tenham concretizado, as referências são importantes

porque sinalizam uma nova forma de conceber e abordar o aproveitamento desses rios.

2.3 AMAZÔNIA MODERNIZADA: URBANIZAÇÃO E SERVIÇOS PÚBLICOS

Ao final do século XIX, o aproveitamento de novas fontes de energia como o gás e a

eletricidade, viabilizado pelos avanços da tecnologia, se tornou um importante aliado tanto do

desenvolvimento industrial, quanto do comércio e do processo de urbanização em todo o mundo. As

infra-estruturas urbanas de água, esgoto, carris urbanos e iluminação pública passaram a fazer parte da

conformação das cidades e exigiram competências técnicas específicas, com a criação de setores

especializados no serviço público dotados de engenheiros e técnicos para a realização de obras,

instalações e fiscalização de serviços. A implantação das infra-estruturas urbanas se tornou um campo

de inovação tecnológica. Para atender aos diversos problemas associados aos calçamentos e

pavimentações de vias públicas, oriundos das atividades de colocação de trilhos urbanos, encanamentos

subterrâneos para instalações de água e esgotos, gás, telefonia e telégrafo, elementos indispensáveis à

vida urbana moderna, foram adotados vários sistemas.

A notícia publicada em 17 de janeiro de 1900, no jornal “Commércio do Amazonas”, mostra

as dificuldades em conciliar a manutenção das ruas e calçamentos com a inovação do tráfego dos bondes:

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Temos visto o estrago nos calçamentos das ruas por onde passam os trilhos da ‘ManaósRailway Company’ e lamentamos o descuido ou a pouca importância que ligam osfiscaes de obras públicas para esse relaxamento. Ao lado do jardim da Praça da Repúblicaquando chove, é impossível transitar pelo centro da rua, isto é, do lado em que funcionama estação dos bonds. Na avenida Eduardo Ribeiro todo o caminho dos trilhos édefeituoso, de sorte que ontem a tarde, um bond custou muito a sair de um lugar em quese tinha prendido (Jornal “Commércio do Amazonas”, 17 de janeiro de 1900, apudMAGALHÃES, s/d).

Soluções criativas foram adotadas para promover a “variedade nos aspectos urbanos” e

a maior comodidade dos transeuntes. Em Belém, o revestimento das ruas e calçadas passou a ser feito

ora com paralelepípedos de granito (importados), ora por macadam13, ora com pedras irregulares e

outras vezes simplesmente com aterro (MUNICÍPIO DE BELÉM (O), 1902).

As melhorias urbanas realizadas nas principais cidades européias, especialmente Paris,

tiveram grande repercussão nas capitais amazônicas. Os princípios higienistas que marcavam as políticas

urbanísticas européias eram vistos e apreendidos pelas famílias abastadas da região norte, que enviavam

seus jovens para se formarem nas universidades francesas (SARGES, 2002). O contato constante

com empresas, comerciantes e empreendedores ingleses também contribuiu para uma maior divulgação

na Amazônia das idéias que marcaram o urbanismo europeu do final do século XIX.

O desenvolvimento da economia gomífera ao longo do século XIX viabilizou o aumento da

concentração da riqueza e o crescimento populacional, o que intensificou e diversificou a vida social na

região. As capitais Belém e Manaus, além de centros comerciais e políticos, se tornaram núcleos de uma

vida social e cultural intensa, com o surgimento de novos espaços de sociabilidade como cafés, teatros,

parques e passeios públicos. A paisagem urbana se modificou com a construção de imponentes residências

pelas famílias mais ricas, cercadas de todo o conforto citadino que a modernidade podia oferecer, bem

como a opulência que o dinheiro podia comprar, incluindo azulejos portugueses, colunas de mármore e

mobiliário francês (SARGES, 2002). Em 1890, no início da ascensão da borracha, a região Norte

possuía uma população de 479.827 pessoas, sendo 328.455 no Pará, das quais 50.064 em Belém;

147.915 no Amazonas, sendo 38.720 em Manaus e 3.457 em Rio Branco (BRASIL, 1898).

A riqueza pública, oriunda dos tributos, foi também aplicada no reordenamento urbano

com a construção de ricos prédios públicos, abertura e pavimentação de ruas, avenidas, parques,

praças e passeios públicos. As obras de embelezamento das cidades, com a construção de jardins,

alamedas e boulervards, garantiam a higienização e diversificação do espaço, criando novas áreas

urbanas de lazer que se beneficiaram largamente, primeiro com a iluminação a gás e depois a luz

13 Processo de revestimento de ruas e estradas inventado pelo engenheiro inglês John London Mac Adam (1758-1836) que consiste numa mistura de pedras britadas, breu e areia, submetida à forte compressão.

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elétrica, que prolongava o tempo da sociabilidade urbana para além do pôr do sol. O Estado concentrava

as infra-estruturas no centro das cidades e, deste modo, produzia o espaço urbano, atuando na sua

captura e como instrumento de reprodução social diferenciada (OLIVEIRA, 2003, p. 75).

Até o início do século XX, os capitais estrangeiros aplicados no Brasil, em especial os

ingleses14, se concentravam basicamente no comércio e nos serviços públicos. A compensação financeira

que resultava da exploração dos serviços urbanos despertou o interesse de capitalistas estrangeiros,

inicialmente portugueses e depois ingleses e americanos. Além de receberem altos valores sobre os

serviços prestados, os contratos eram feitos com base no pagamento em moeda estrangeira, o que

garantia os fabulosos lucros dos investimentos. As concessionárias de serviços públicos urbanos também

gozavam de amplos privilégios, tais como a exclusividade na prestação do serviço, isenção de tributos,

taxas e impostos (inclusive sobre a importação de materiais e equipamentos dos seus países de origem)

e grandes subsídios governamentais.

Os investimentos privados nos serviços públicos convergiam principalmente para os centros

urbanos e eram empregados na construção e operação de sistemas elétricos para iluminação, força e

tração, sistemas de limpeza, água e esgoto, sistemas de comunicação de telefonia e telégrafo e sistemas

de transportes. Nos estados amazônicos, a primazia dos capitais ingleses se refletia no domínio das

principais empresas prestadoras de serviços públicos, como se pode ver no quadro II.1.

Quadro II.1 - Algumas companhias estrangeiras que atuavam na área de serviços urbanos na Amazônia, fundadasaté a primeira década do século XX

Companhia Nacionalidade Área de atuação Ano de criaçãodos capitais

Pará Gas Company, Limited1 inglesa Serviços de iluminação a gás 1862

Amazon Telegraph Company, Limited inglesa Serviços de telégrafos 1895

Cie D’Entreprises Electriques de Pará belga Fornecimento de eletricidade 1899

Pará Electric Railways and Lighting inglesa Serviços de viação urbana e fornecimento 1905Company, Limited de eletricidade

Manaos Improvements, Limited inglesa Serviços de suprimento de água e drenagem 1906

Pará Improvements Company, Limited2 inglesa Serviços de saneamento 1907

Pará Public Works Company, Limited3 inglesa Serviços de limpeza urbana 1908

Anglo French Public Works Company, anglo-francesa — 1909Limited (em liquidação)

Manaos Tramways and Light Company inglesa Serviços de viação urbana e fornecimento 1909de eletricidade

Pará Thelephone Company, Limited inglesa Serviços de telefonia 1909

Municipality of Pará Improvement Limited inglesa Serviços urbanos 1910

OBS: 1. Esta companhia era parte da organização empresarial inglesa Gaz Light & Coke C. J. O contrato foi assinado em1862 e começou a vigorar a partir da instalação da iluminação em 1864; 2. Empresa organizada pela Amazonia DevelopmentCorporation, Limited; 3. Administrava a usina de cremação de lixo de propriedade da municipalidade. Fontes: Elaboradocom dados de: WILEMAN (1909); SANTOS (1980) e MUNICÍPIO DE BELÉM (1908).

14 Desde a época do domínio português, os ingleses gozavam de privilégios comerciais que lhes foram outorgados pelaCoroa Portuguesa e que foram mantidos mesmo após a independência do Brasil (BAER, 1985, p. 10).

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2.3.1 Iluminação pública: do gás a eletricidade

No Brasil, desde o período colonial até meados do século XIX, já no Império, diversos

tipos de óleos foram usados como fontes energéticas para iluminação, inclusive o óleo de baleia, de

andiroba, de peixe-boi e de manteiga de ovos de tartaruga (PROVÍNCIA DO AMAZONAS, 1853a),

os três últimos, em especial, na região norte. Spix & Martius15, em sua viagem pela região em 1819,

assinalaram a baixa qualidade do óleo de tartaruga utilizado como iluminante em lamparinas

(MESQUITA, 1999, p. 106).

O gás – forma secundária de energia obtida pela destilação do carvão ou da hulha, –

viabilizou o desenvolvimento de um novo ramo industrial: a indústria de iluminação. Desde 1805, os

ingleses produziam gás de carvão mineral para iluminação em escala comercial, com a descoberta de

Philippe Gustave Lebon (BARBALHO E BARBALHO, 1987, p. 73). A necessidade de produzir o

gás num determinado lugar e transportá-lo por canalizações, fez com que se desenvolvesse um sistema

centralizado que permitiu o controle simultâneo da tecnologia e do espaço. Assim, a indústria se organizou

numa “estrutura reticular, ao mesmo tempo técnica, espacial e financeira, no centro da qual localizavam-

se a produção, a regulação e a gestão, cujo objetivo era, além da realização da economia de escala,

maximizar a utilização do capital produtivo” (HÉMERY et alii, 1993, p. 176).

Este modelo técnico, espacial e financeiro serviu, posteriormente, para a estruturação da

indústria de eletricidade. As companhias inglesas de gás se desenvolveram rapidamente e exportaram

seus serviços e tecnologias para todo o mundo. O gás foi introduzido como iluminante no Rio de Janeiro,

em 1854, sendo depois levado a outras cidades brasileiras. Durante quase trinta anos, até os primeiros

experimentos com a luz elétrica ocorridos no Rio de Janeiro, em 1879 e a instalação do primeiro serviço

público de iluminação elétrica na cidade de Campos dos Goytacazes, em 1883, o gás foi considerado a

fonte de energia que produzia o tipo de iluminação tecnicamente mais avançada e eficaz.

2.3.1.1 A iluminação em Belém

Na cidade de Belém, foi celebrado em 04 de julho de 1851, entre o governo provincial e

José da Ponte e Souza, o primeiro contrato para iluminação pública a gás líquido de carvão, a ser

distribuída em 120 candeeiros. Como ensaio do novo serviço, os lampiões a azeite de andiroba do

largo do Palácio foram substituídos pelo gás. A iluminação a azeite, contudo, continuou a ser utilizada

em algumas partes da cidade e acabou sendo assumida pelo mesmo concessionário do gás. Os lampiões

15 O zoólogo Johann Baptist von Spix e o botânico Karl Friedrich Philipp von Martius fizeram uma importante expediçãocientífica ao Brasil no início do século XIX, tendo realizado um dos primeiros levantamentos da fauna e flora amazônica.O relatório da expedição foi publicado com o título “Viagem pelo Brasil, 1817-1820”.

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deveriam ser acesos das sete horas até o romper do dia, em todas as noites “desde a quarta anterior

até a quarta posterior á lua nova”16. Nas noites de lua, os lampiões deveriam ser acesos uma hora

antes e apagados uma hora depois de a lua se levantar. Para ratificar a assunção da iluminação a

azeite pelo titular do contrato de iluminação a gás, o contrato para a iluminação a azeite foi aditado

em 24 de dezembro de 1854, quando o preço dos lampiões foi reduzido de 170 para 159 réis e o

contrato para a iluminação a gás foi aditado em 05 de agosto de 1854. O então presidente da

província, Sebastião do Rego Barros, acreditava que com os novos contratos a iluminação pública

seria melhorada, em virtude de o contratante se encontrar preparado com todo o maquinismo próprio

para o fabrico do gás (PROVÍNCIA DO PARÁ, 1854).

Figura 8 – Assinaturas do cidadão britânico Eduardo Medlicott e do Barão de Itamaracá, na cópia do contrato dailuminação a gás carbônico, assinado na Legação Imperial do Brasil em Lisboa, em 04 de outubro de 1862. Ofícios daLegação Imperial do Brasil em Lisboa. Ofícios da Iluminação Pública, Caixa 158, fundo: Secretaria da Presidência daProvíncia. Arquivo Público do Pará.

No ano seguinte, os serviços foram novamente postos em hasta pública. Desta vez, o

senhor José da Ponte e Souza arrematou apenas a iluminação a gás, a ser feita com 180 lampiões e o

contrato foi assinado em 19 de janeiro de 1855. A iluminação a azeite passou então a ser executada

diretamente pelo inspetor da luz. Posteriormente, apareceram dois concorrentes para fornecer este

serviço: a empresa Pontes & Ca. e Manoel Roque Jorge Ribeiro. Este último, além de comerciante,

16 Cf. Manuscritos Avulsos. Ofícios da Iluminação Pública, Caixa 158, fundo: Secretaria da Presidência da Província.Arquivo Público do Pará (FPM).

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era deputado provincial e ganhou a concorrência. O contrato foi firmado em 10 de agosto 1855, com

a condição de que aos poucos, os 140 lampiões fossem substituídos pelo gás líquido, bem como os

que fossem acrescidos no futuro (PROVÍNCIA DO PARÁ, 1855a e b). Em virtude de se achar

prejudicado pela concorrência, o concessionário do serviço a gás líquido entrou com uma representação

queixando-se da contratação de outro serviço, “visto que a illuminação por este ultimo processo se

achava com elle contractada e lhe era privativa na qualidade de introductor, e que em vista d’isso houvesse

de declarar que a dita illuminação a gaz só a elle competia fazer [...]” (PROVÍNCIA DO PARÁ, 1855a).

O governo provincial, contrariando a política comumente empregada na contratação de serviços públicos

de iluminação, negou o monopólio ao senhor José da Ponte e Souza. O contrato com Manoel Roque

Jorge Ribeiro continuou a vigorar, mas a substituição dos lampiões a azeite não se procedeu de imediato.

Até o fim da década, o sistema de iluminação continuou sendo misto, a azeite e gás líquido de carvão.

Em 1861, na gestão do presidente da província Francisco Carlos de Araújo Brusque,

foram iniciadas as negociações para a contratação dos serviços do inglês Hardy Hislop para instalar

um sistema de iluminação por meio de gás hidrogênio carbonado. O contrato assinado em 27 de

setembro de 1862 acabou cancelado por incapacidade do contratante e a concessão do serviço foi

transferida para a empresa inglesa Pará Gas Company, Limited, mediante novo contrato assinado

pelo britânico Eduardo Medlicott e o Barão de Itamaracá, na Legação Imperial do Brasil em Lisboa,

em 04 de outubro de 186217.

O contrato incluía inicialmente a montagem de 700 lampiões para iluminação de praças,

ruas, arrabaldes e demais lugares designados pelo governo provincial, dentro dos limites do perímetro

urbano da cidade. Este número de combustores poderia ser elevado de acordo com as necessidades

e deliberações da administração pública. O gás deveria ser extraído das substâncias próprias, conforme

os processos recomendados pelo “estado atual da ciência” de maneira a fornecer “uma luz brilhante,

serena e inofensiva”18. O contrato também estabelecia que todos os melhoramentos e aperfeiçoamentos

que fossem introduzidos neste sistema de iluminação na Europa necessariamente deveriam ser

incorporados pela empresa ao serviço prestado em Belém. A iluminação deveria iniciar depois do pôr

do sol e continuar até às cinco da manhã, tanto nas noites de lua quanto nas noites escuras. A intensidade

da luz de cada combustor deveria ser de 10 velas de espermacete de 120 grãos de consumo por hora

e projetada na forma de leque. A concessão incluía como privilégios à concessionária: i) a exploração

exclusiva do serviço por trinta anos a partir da instalação; ii) a isenção de quaisquer taxas e impostos

17 Cf. Ofícios da Legação Imperial do Brasil em Lisboa sobre o contrato da iluminação a gás carbônico. Ofícios daIluminação Pública, op. cit.18 Ofícios da Iluminação Pública, op. cit.

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municipais e provinciais, bem como de direitos alfandegários para a aquisição de máquinas, aparelhos,

tubos, combustores e matérias primas – inclusive o carvão utilizado para produzir gás, tipos Aldevark,

Wigan e Cardiff, importado das regiões carboníferas da Inglaterra; e iii) a concessão gratuita dos

terrenos para a instalação do gasômetro. Os serviços seriam fiscalizados pela polícia, que aplicaria as

multas nos casos em que os combustores apresentassem luz amortecida ou apagada.

A colocação dos encanamentos de gás foi iniciada em 09 de junho de 1863 e o serviço foi

inaugurado em 13 de maio de 1864; as ruas mais iluminadas eram a do Espírito Santo e a do Imperador

(CRUZ, 1973, p. 579, v. 2). A chegada da luz a gás foi celebrada como mais um passo da cidade em

direção à vida moderna. A indústria e o progresso seriam capazes de promover a igualdade liberal no

usufruto dos serviços viabilizados pela contratação pública. Este entusiasmo pode ser percebido no

discursos proferido por Franco de Almeida19, dentre os muitos proferidos no banquete realizado para

a inauguração dos trabalhos da iluminação:

Applicai, senhores; a festa á que assistimos parece mui simples; é com tudo muigrandiosa. O que festejamos? Será algum dom aos favorecidos da fortuna o dar-lhesluz? Não; é offerecer áquelles que são desfavorecidos da fortuna o precioso dom dedizer-lhes: – ahi tendes luz. – Fazemos em relação ao corpo o que a sociedade deve fazerao espirito: lux ex fumo; tirar do fumo, das trevas – a luz.E o que quer dizer offerecer aos pobres, ao maior numero, á sociedade em pezo, a luzcomo um dos elementos de sua existência? Não será estender-lhes o braço, e proclamara realidade da igualdade? A igualdade não quer dizer – nivelamento –; a igualdade dosespiritos seria tão impossivel como a igualdade dos corpos; não podemos sel-o naintelligencia. A igualdade, porém, das aptidões, a igualdade do direito á satisfação,a igualdade aos gozos, aos beneficios é uma igualdade abençoada por Deos, épropriamente a que eu quero, a que quer a sociedade moderna, cuja principalalavanca é a industria com todos os seus progressos. 20(Extraído do folheto do“Banquete na inauguração dos trabalhos para a iluminação a gaz, em 19 de outubro de1863”, grifos simples no original; grifos em negrito nossos)

Além de importante conforto urbano, a iluminação pública também era vista como auxiliar

na manutenção da ordem e segurança públicas, como mostra o relatório do presidente da província

Domingos José da Cunha Júnior, em 1873:

[...] Mandei que desde já fossem collocados 4 [combustores] na Ponte de Pedras depropriedade da provincia, que se tornavam de grande necessidade e urgencia, pois

19 Tito Franco de Almeida foi um destacado político paraense no período imperial, tendo sido membro da AssembléiaProvincial como deputado eleito em diversas ocasiões: 1857 a 1860, 1864 a 1866, 1878 a 1881 e 1889. Não chegou aassumir o último mandato, em função da queda do regime imperial. Acumulou também os cargos de Diretor Geral daSecretaria de Negócios da Justiça e Chefe do Diário Oficial do Império na Corte do Rio de Janeiro de 1864 até 1866(BATISTA, 2004).20 Não custa lembrar, contudo, que se tratava de uma sociedade escravocrata e desigual por definição, fatosutilmente camuflado na concepção da igualdade não como nivelamento – já que “seria impossível” a igualdadedos espíritos, dos corpos e da inteligência – e no entusiasmo quanto ao progresso e o usufruto da luz (pública) por“todos” os cidadãos belenenses.

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que ahi existem constantemente depositado grande numero de mercadorias, e avigilancia sobre estas mercadorias não podia ser bem exercida, tornando-se a pontetheatro de constantes e repetidos roubos e desacatos á moral publica (PROVÍNCIADO PARÁ, 1873a).

A elevação das despesas públicas e os problemas na manutenção da qualidade da

iluminação iriam reduzir o entusiasmo inicial com a luz a gás. Devido ao fato de os serviços de iluminação

serem pagos com base em moeda estrangeira, sempre que o câmbio se tornava desfavorável, as

despesas se elevavam. O número dos combustores a gás instalados era alternadamente aumentado ou

diminuído nas diferentes administrações, em períodos de alta e baixa do câmbio, sem que se chegasse

a um número que satisfizesse às autoridades e à população com a iluminação e com as respectivas

despesas. Belém contava, em 1872, com 9.432 prédios e 9.237 domicílios e a população alcançava

61.997 habitantes (BRASIL. IBGE, 1936).

As reclamações constantes e a insatisfação com a qualidade da luz levaram a administração

pública a montar uma estrutura de fiscalização técnica, que requeria novos e modernos equipamentos,

bem como pessoal especializado. Para isso, um engenheiro fiscal e dois ajudantes foram contratados e o

perímetro urbano dividido em distritos para facilitar a fiscalização. Com a compra de equipamentos em

Paris – compostos por um fotômetro de Bunsen com indicador de pressão e um registro pelo sistema

métrico decimal, um regulador, vários manômetros, uma caixa de reagentes químicos, termômetros e

aparelhos para análise – foi instalada uma sala especialmente preparada no edifício do Liceu, posteriormente

transferida para o subterrâneo do Teatro da Paz21. Com este aparelhamento, o governo se habilitou a

“verificar, por intermedio de seu engenheiro fiscal, a qualidade e pureza do gaz que a Companhia fornece[ia]

ao consummo da cidade e a pressão e intensidade da luz dos combustores da illuminação pública”

(PROVÍNCIA DO PARÁ, 1873a). A sala ficou conhecida como “gabinete do fotômetro” e era lá que o

engenheiro fiscal fazia as experiências para verificar a qualidade e pressão do gás e a intensidade da luz.

Apesar dos esforços do governo em fiscalizar a prestação do serviço de iluminação, ao

longo da década de 1880 as reclamações se intensificaram. Em 1882, o presidente da província

Manuel Pinto de Souza Dantas Filho, afirmava que o serviço de iluminação não era satisfatório e que

a aplicação de multas era constante. O gás era avermelhado e de luz fraca, apesar das experiências

fotométricas realizadas pelo engenheiro fiscal mostrarem a intensidade de dez velas. O engenheiro,

contudo, havia alertado que a experiência no gabinete não reproduzia a chama de um bico de combustor

público (PROVÍNCIA DO PARÁ, 1882). A empresa se desculpava pela baixa intensidade da luz

alegando a formação de naftalina que obstruía os orifícios dos combustores, mas o engenheiro contra-

21 O teatro foi inaugurado em 15 de fevereiro de 1878.

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argumentava, dizendo que tal problema poderia ser solucionado com uma melhor purificação do gás.

A fim de aperfeiçoar o serviço de fiscalização, foi mandado vir da Inglaterra um novo fotômetro do

sistema de Letheby capaz de verificar tanto a intensidade da luz quanto a qualidade do gás.

Os informes e relatórios do fiscal da iluminação, além de fornecer ao presidente da província

o “apoio técnico” para a argumentação sobre a qualidade da luz com a empresa concessionária, servia

como base para a tomada de decisões políticas na alocação espacial dos combustores. Como exemplo

pode-se registrar que a partir das “carências” de iluminação apontadas pelo fiscal, o presidente Manuel

Pinto de Souza Dantas Filho solicitou o aumento do número de combustores para alguns lugares com

funções sociais específicas:

[...] Que seja solicitada autorisação á assembléa, não só para o augmento dos combustoresdo largo da Independencia, cuja área pede o dobro dos que actualmente ahi funcionão,tanto mais quanto o mesmo está destinado a servir de passeio publico, como tambemdos combustores das ruas dos Mercadores, Imperatriz e arraial de Nazareth, por seremmuito frequentadas e mal illuminadas (PROVÍNCIA DO PARÁ, 1882).

Em meados da década de 1880, o número de combustores destinados a iluminação pública

e pagos pelo tesouro provincial tinha subido para 1.234, incluindo o bico do farol do castelo. O

presidente mandou colocar mais 118, de acordo com as autorizações contidas nas leis 948 de 19 de

agosto de 1879; 1.012 de 28 de abril de 1880 e 1.045, de 15 de junho de 1884. A companhia estava

a espera de material da Inglaterra para proceder às instalações.

Apesar do aumento do número de combustores, o custo do serviço seria reduzido, já

que, a condição 6a do contrato determinava que até 1.200 unidades instaladas o custo unitário seria de

250 réis por combustor, daí até 1.500 seria de 230 réis e quando o número ultrapassasse 2000, o

valor seria de 200 réis. Mas o aumento dos combustores não contribuiu muito para a melhoria da

iluminação pública, pois as reclamações continuaram:

É facto incontestavel que a luz desprendida não só dos combustores publicos comodos das casas particulares é tão empalidecida e fraca, que mal allumia um pequenoespaço, tornando-se por isso menos brilhante do que a produzida por qualquer dasoutras substancias proprias para a illuminação (PROVÍNCIA DO PARÁ, 1883).

A irregularidade nas contas de luz, tanto públicas quanto particulares, também era motivo

de descontentamento e alguns domicílios privados, estabelecimentos comerciais e até prédios públicos

estavam voltando a usar o querosene, apesar dos inconvenientes deste combustível. As multas aplicadas

à empresa concessionária já não tinham eficácia para obrigar o prestador do serviço a melhorar a

qualidade da iluminação e as disputas em torno de sua aplicação só prolongavam o conflito entre a

empresa e o governo. As multas sucessivas, que já vinham descontadas nos pagamentos do serviço de

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iluminação pública, comprometeram tanto os rendimentos dos acionistas, pela redução dos lucros

distribuídos, como a situação financeira da empresa, que foi ainda agravada pela adoção do querosene

por particulares (SILVA, 2005, p. 73). De janeiro de 1880 a dezembro de 1885, a companhia de gás

foi multada pelo serviço de fiscalização em mais de 66 contos de réis (PROVÍNCIA DO PARÁ,

1886). Diante de tal situação, o presidente sugeriu à Assembléia Provincial a rescisão do contrato:

Na impossibilidade de compellir a companhia por meio de multas, á fiel execução de seucontrato, só uma providencia extrema, como é a rescisão, porá um paradeiro ao abusoinqualificavel com que a companhia, faltando á fé de seu contracto, vae recebendo doscofres da provincia avultadas sommas por um serviço que é pessivamente [sic] executado(PROVÍNCIA DO PARÁ, 1883).

É importante ressaltar que não havia uma cláusula de rescisão contratual por má qualidade

do serviço prestado, apenas a cláusula de multa relacionada à intensidade da luz. Somente em dois

casos extremos o contrato previa que a decisão de rescisão fosse tomada: se após dois anos de

assinatura do mesmo o serviço não tivesse sido iniciado ou, se por qualquer eventualidade, o serviço

fosse interrompido e não fosse restaurado imediatamente; mas ambas as situações não se verificavam.

A empresa reagiu violentamente contra a possibilidade de rescisão e enfrentou o governo

provincial com a pior das ameaças para um país dependente de moeda estrangeira: o fim dos créditos dos

capitalistas ingleses. As palavras do diretor da companhia em Londres, James Mickwel foram enfáticas

na carta dirigida à presidência da província em 18 de setembro de 1884:

Emquanto á rescisão do contracto [...] a muita importancia de tal medida, que nãosomente abalará os interesses d’esta companhia, mas geralmente influirádesfavoravelmente sobre o credito de semelhantes emprezas no Imperio do Brazil.Os capitaes já empregados e que ainda são precisos para o desenvolvimento dasindustriais de sua grande patria, são immensos, e o credito do Imperio tem e esta sendomantido pela integridade e boa fé que os capitalistas encontram nas autoridades.É claro pois que a recisão de que exc. falla, poria termo a continuação deste credito,e confio que, reconsiderando v. exc. esta questão detalhadamente, virá a reconhecer asincoveniencias que se seguirião [...] (PROVÍNCIA DO PARÁ, 1884a, grifos nossos).

Com este posicionamento que ameaçava de cessamento dos créditos não apenas o governo

provincial, mas o próprio Império, os ingleses puseram fim às pretensões do governo provincial de

cancelamento do contrato22. A Assembléia Provincial chegou a aprovar uma lei autorizando a presidência

da província a rescindir o contrato (Lei no. 1.189 de 3 de novembro de 1884), mas não se fez uso da

autorização. As “falas” pronunciadas na Assembléia, bem como as “exposições”, “relatórios” e

22 Esta forma de pressão de caráter imperialista não foi privilégio exclusivo da Pará Gás Company, anos depois asempresas estrangeiras Light e ANFORP, que passaram a dominar a indústria de energia elétrica no eixo Rio-SãoPaulo, o mais desenvolvido do Brasil, usaram de todos os meios para evitar o aumento das taxas, a redução dasremessas de lucros e o cumprimento da legislação reguladora do setor.

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“mensagens” dos presidentes provinciais, apesar de mencionarem o problema da má iluminação,

procuravam soluções para a continuidade do contrato – inclusive fazendo concessões às demandas da

companhia no que dizia respeito aos prazos para o cumprimentos de melhoramentos e mudanças nos

procedimentos de fiscalização e aplicação das multas – tendo em vista as conseqüências “gravíssimas”

que a rescisão poderia implicar (PROVÍNCIA DO PARÁ, 1885b).

O presidente Tristão de Alencar Araripe, abriu a legislatura de 1886 na Assembléia Provincial,

destacando que o péssimo estado da iluminação pública havia chamado sua atenção. Considerando que

se haviam esgotados os “meios correctivos para compelir a companhia a cumprir o seu contracto, [ocorreu-

lhe] dous alvitres”: “rescisão immediata do contracto” ou a “intimação á companhia para dentro de um

prazo determinado reformar todos os seus aparelhos, de modo a fornecer o gaz de accordo com o seu

contracto” (PROVÍNCIA DO PARÁ, 1886). Segundo o presidente, a primeira hipótese não era viável

porque havia uma dificuldade prática: a administração não tinha “de prompto os elementos necessarios

para substituir a illuminação publica e particular, parecendo mais vantajoso o segundo alvitre”. Nenhum

comentário foi feito a respeito da ameaça dos ingleses. “Desejando ouvir, antes de qualquer procedimento,

a opinião das pessôas mais importantes e competentes d’esta capital sobre a materia [...]” (idem), o

presidente convidou algumas pessoas para uma reunião no palácio em 26 de janeiro, na qual ficou decidido

que a segunda opção – a intimação à companhia – era a melhor. Foi então nomeada uma comissão de

três membros (major Luiz Eduardo de Carvalho, engenheiros Manoel Odorico Nina Ribeiro e capitão

José Freire Bezerril Fontenelle), auxiliados pelo fiscal da iluminação, para realizar estudos no mês de

fevereiro. A comissão examinou o estado do gasômetro, aparelhos e materiais da fábrica, além de

encanamentos e combustores das ruas e praças da cidade. O parecer da comissão concluiu que havia

alguns equipamentos novos no depósito e que os únicos materiais em mal estado eram os dois gasômetros

e alguns encanamentos de diâmetro inferior a duas polegadas e outros assentados em terreno úmido. O

restante, embora bem gasto, ainda estava em condições de prestar o serviço. O parecer destacou ainda

a disposição do gerente da empresa, Frederick J. North, em colaborar com a comissão e que o mesmo

já tinha obtido junto à direção da companhia em Londres, a autorização para proceder os reparos

necessários. Além disso, o novo reservatório de gás (gashalder) já havia sido adquirido e seria instalado

no fim da “estação invernosa”.

Por meio de negociações, o governo provincial conseguiu fazer com que a companhia

melhorasse os equipamentos da fábrica de gás e realizasse algumas obras e reparos para adequar o

serviço prestado ao contrato, sob pena de a administração provincial fazer uso da autorização dada pela

Assembléia para a rescisão. Mas ambos (governo e concessionária) sabiam que não havia condições

políticas para isso.

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Em julho de 1886, o gerente da companhia, Sr. Frederick J. North, encaminhou uma

reclamação ao presidente da província devido a falta de pagamentos das contas de gás da iluminação

pública e estabelecimentos públicos provinciais, alegando que o atraso estava impedindo o progresso

das obras exigidas pelo próprio governo. Na verdade, o gerente já havia solicitado anteriormente e

obtido uma dilatação dos prazos para o atendimento das exigências governamentais. Este atraso de

pagamentos em especial havia ocorrido devido a uma nova interpretação acerca da conversão da

moeda nacional em libra, que variava de acordo com a taxa cambial do último dia do mês em que se

fazia a despesa. O inspetor do tesouro havia ordenado que nos pagamentos em ouro, a taxa cambial

fosse a do dia em que o pagamento se efetuasse, o que modificava a praxe estabelecida. Este novo

modelo poderia favorecer ao governo, caso o câmbio estivesse favorável na data do pagamento. O

novo modelo de pagamento foi contestado pela companhia que temia que se instituísse a prática dos

atrasos, em virtude da “espera” por um câmbio favorável. Após uma discussão entre os técnicos do

tesouro, o novo modelo foi rechaçado e o modelo anterior acabou sendo considerado o mais adequado

para a realização dos pagamentos (PROVÍNCIA DO PARÁ, 1891).

Em 1887, o serviço de iluminação pública a gás contava com 1.621 combustores e o

governo provincial acreditava que o serviço “poderia ser melhorado” com uma reforma geral do material

usado pela empresa e aumento do gasômetro. Por outro lado, a companhia usava a prorrogação do

contrato, que findaria em 1894, como condição para a realização dos reparos e obras necessárias à

manutenção de um bom serviço. As multas continuaram a ser aplicadas e a empresa continuou

contestando sua legitimidade, chegando a encaminhar um protesto formal contra o governo provincial

ao Barão de Penedo, enviado especial do Imperador ao Pará, em 06 de janeiro de 188823. A companhia

acusava os fiscais de incompetência e aplicação indiscriminada das multas e reclamava também do

atraso nos pagamentos do serviço tanto por parte da província, quanto por parte do governo imperial.

Com a perspectiva do fim do contrato em 1894, uma comissão elaborou uma nova minuta,

com base em contrato de serviço de iluminação a gás firmado para a cidade do Rio de Janeiro e

também na proposta apresentada pelo agente da companhia em Belém (PROVÍNCIA DO PARÁ,

1887). A minuta do novo contrato garantiria ao concessionário o privilégio exclusivo da iluminação

pública a gás de hidrogênio carbonado para a cidade de Belém por 29 anos a partir da aprovação.

Deixava, contudo, em aberto a possibilidade de substituição do gás pela luz elétrica (cláusula 25a) ou

outro sistema. Para a mudança, o governo deveria comunicar sua resolução com antecedência à

companhia e a substituição só poderia ser concretizada três anos após o comunicado. A companhia

23 Cf. Ofícios da Iluminação Pública, (FPM), op. cit.

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também poderia participar da concorrência para a substituição do sistema de iluminação. Além disso,

estabelecimentos públicos, particulares e empresas seriam livres para empregar, por meio de aparelhos

portáteis (cláusula 21a), o gás, a luz elétrica ou qualquer processo de iluminação, desde que não

necessitassem de colocação de tubos e encanamentos em ruas e praças públicas. Como de praxe, a

companhia ficaria totalmente isenta de quaisquer taxas e impostos municipais e provinciais, inclusive

sobre a importação de equipamentos. A minuta continuou a carecer de uma cláusula específica de

rescisão pela má qualidade dos serviços e manteve as cláusulas de multas e indicações sobre

especificações técnicas das instalações, intensidade da luz e fiscalização.

Na abertura da legislatura de 1889, o presidente Miguel José d’Almeida Pernambuco

relatou uma situação calamitosa em relação à iluminação pública:

A illuminação d’esta capital quase que rivalisa com a antiga a lluminação a azeitebanida de todas as cidades onde a civilização e progresso se vao introduzindo.O mau estado da canalisação geral do gaz e dos combustores, a insufficiencia dogasometro, que não mantem nos encanamentos a pressão necessaria para fornecerilluminação a uma cidade grande, como esta, e que dia a dia mais se estende, são ascausas principaes da pouca intensidade, que se observa na luz fornecida peloscombustores da illuminação publica.Este grande defeito que importa incontestavel infracção do contracto, onde se marcoua intensidade minima da luz dá lugar a ser a companhia diariamente multada, e só podeser remediado com a reforma de toda a canalisação e combustores estragados e com aconstrucção de novos gasometros.Nas condições precarias em que se acha a companhia, que constantemente allega que,sem o prompto recebimento da importancia que lhe deve ser paga mensalmente pelofornecimento da illuminação publica não pode manter esse serviço, será impossivelconseguir della a realisação daquellas obras dispendiosas, maxime faltando apenas5 annos para a conclusão do seu contracto.É certo que a companhia não fornecendo a luz com a intensidade marcada no contracto,este pode ser rescindido com justo motivo: e pela lei provincial n. 1189 de 3 de Novembrode 1884 acha-se a presidencia autorisada a rescindil-o.Mas nenhum dos dignos e experimentados administradores que presidiram estaprovincia depois da decretação d’aquella lei, julgou prudente usar da autorisaçãopor ella conferida.O illustrado e honradissimo sr. conselheiro João Silveira de Souza, na Falla que vosdirigio em 18 de Abril de 1885, mostrou, com a maior claresa, os graves inconvenientesque poderiam resultar da adopção d’aquella medida, para os cofres provinciaes epara o publico.Sendo muito judiciosas as considerações por ele feitas, devem ter calado no vossoespirito e justificado o procedimento de meus antecessores e o meu, não promovendoa rescisão do contracto [...] (PROVÍNICA DO PARÁ, 1889a, grifos nossos).

Esta fala do presidente provincial mostra que as condições de administração do contrato

da iluminação a gás não se modificaram e que os presidentes da Província do Pará, diante do receio

do cumprimento da ameaça de interrupção do fluxo de capitais ingleses, não dispunham de meios

efetivos para pressionar a companhia, a não ser a negociação. Uma vez que não consideravam

“prudente” a decisão política individual de tomar qualquer iniciativa, mesmo que com respaldo legal,

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no sentido da rescisão contratual, restava aos presidentes solicitar à Assembléia Provincial que

tomasse uma decisão coletiva acerca dos rumos da iluminação pública em Belém, já que formalmente

cabia à instituição a decisão sobre a adoção do sistema de iluminação na cidade. Havia duas propostas

em discussão: i) a renovação do contrato com a Pará Gás Company, mediante “garantia segura”

de seu cumprimento, e com o compromisso da companhia de substituir o material e os equipamentos

desgastados; e ii) a abertura de um novo processo de licitação que envolveria chamar concorrentes

para a prestação do serviço de iluminação, que poderia ser pelo sistema a gás carbônico ou elétrico

(PROVÍNCIA DO PARÁ, 1889a e b).

A pressão dos presidentes provinciais por uma decisão imediata fazia sentido, já que se a

opção fosse pela continuidade, haveria uma margem maior para a negociação e poderia ser feito um

aditamento ao contrato vigente, que anteciparia as mudanças pretendidas. Se, por outro lado, a decisão

fosse por uma nova licitação, envolvendo novos concorrentes e mudança de tecnologia, o processo só

poderia ocorrer após o fim do contrato em 1894, dado o impasse que se abriu diante das ameaças dos

ingleses, mencionadas anteriormente. Neste caso, restaria à administração se preparar para a futura

concorrência pública.

Com a Proclamação da República em 15 de novembro de 1889, a nova estrutura federativa

deu maior autonomia (inclusive financeira) aos municípios e fez com que a municipalidade de Belém

assumisse totalmente os serviços públicos de iluminação na cidade. O Decreto no 168, de 24 de julho

de 1890, transferiu para a municipalidade a administração e fiscalização dos serviços de iluminação

pública da cidade de Belém (SILVA, 2005, p. 73). Os documentos oficiais, relatórios e mensagens

dos governadores do Pará, bem como os discursos proferidos na Assembléia Legislativa, deixaram

completamente de mencionar a questão da iluminação pública a partir de então.

A instalação do serviço de iluminação elétrica, em Belém, se iniciou com a decisão do

Conselho Municipal pela adoção do sistema elétrico, no início de 1893, e com o estabelecimento do

prazo até outubro deste ano, para a apresentação das propostas em concorrência pública de prestação

do serviço. No mesmo ano, a Lei no 115, de 07 de abril, autorizou o governador a adquirir um gerador

elétrico para iluminar o Teatro da Paz. A instalação foi testada em 12 de janeiro de 1894, mas não

atendeu às expectativas (DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 13/01/1894, apud SILVA, 2005:76). O marco da

chegada da energia elétrica no Pará foi a inauguração da iluminação elétrica da casa comercial “Paris

n’América”24, em 13 de abril de 1893 (SILVA, 2005, p. 76). A eletricidade aparecia, então, para o

24 A casa comercial “Paris n’America” foi fundada em 1870 e era uma referência para a sociedade paraense, poisapresentava os últimos lançamentos europeus em roupas, tecidos, aviamentos e novidades em geral. O projeto doedifício em arquitetura art nouveau, fora especialmente encomendado em Paris pelo proprietário português Franciscode Castro.

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público em geral, como uma “curiosidade” investida de um caráter “espetacular” que levava enormes

audiências às “demonstrações” das novas tecnologias (NYE, 1991, p. 58).

Em 26 de maio de 1894, a intendência municipal de Belém, na administração de José

Coelho da Gama e Abreu, o Barão de Marajó, contratou o fornecimento de luz elétrica para iluminação

pública. Os serviços foram contratados junto à Companhia Urbana de Estrada de Ferro Paraense

– que também era concessionária dos serviços de viação urbana – e foram inaugurados em 1o de

fevereiro de 1896. Mesmo se tratando de uma empresa brasileira, a luz era paga em libras esterlinas.

MARAJÓ (1895) atribuía ao principal produto amazônico, a borracha, um importante

papel no desenvolvimento urbano e nas melhorias realizadas na cidade de Belém.

Com singular vantagem para nós, a borracha ou gomma elastica, obtem na industria diaa dia novas aplicações e é o valle amazonico o unico productor da borracha de primeiraqualidade; sobe cada vez mais seu preço, augmentão as fortunas, novas casascommerciais estrangeiras são fundadas no Pará e Amazonas, e esta riqueza se revellaem novas ruas que se edificam; os bairros de Nazareth e Baptista Campos crescemrapidamente, o gosto pela melhor decoração faz-se sentir na jardinagem [...], as casas jánão são tão despidas, e maior conforto se faz sentir.Com a terminação do grande e bello Theatro da Paz começam a affluir auxiliadas pelogoverno provincial companhias dramaticas e de canto que de anno a anno melhoram, aluz electrica completa o embellezamento do theatro, que as toilettes elegantes dassenhoras vem abrilhantar.Novos contractos para iluminação da cidade pela luz electrica, para a tracção naslinhas de tramways ser feita pela eletriccidade asseguram novos melhoramentos.Monumentos aos nossos conterraneos illustres são erigidos em nossas praças arborizadase ajardinadas. A limpeza da cidade melhora com o calçamento, com os canos para esgotose a hygiene das casas melhora com a introducção de agua trazida pela companhia paraeste fim creada. Um codigo de posturas municipaes veio melhorar não só a edificaçãocomo todos os serviços municipaes [...] (MARAJÓ, 1895, p. 389, grifos nossos).

Este autor e político local também fez um importante registro da vida material na cidade de

Belém que, segundo seu levantamento, tinha cerca de 100 mil habitantes no fim do ano de 1894. Estes

números são contestados pelos dados do Censo de 1890 (BRASIL, 1898) que estabeleceu em 50.064

pessoas a população de Belém e 328.455 pessoas o total da população do estado do Pará.

A cidade contava com diversos equipamentos coletivos urbanos, prédios públicos,

fábricas, companhias comerciais, escolas, hospitais, estabelecimentos de lazer etc. Dentre as

companhias de serviços urbanos registradas encontram-se: uma estação telefônica, uma companhia

de tramways, duas companhias de luz elétrica, uma companhia de luz a gás e uma companhia de

água (MARAJÓ, 1895, p. 389-390).

Com a contratação do serviço de iluminação elétrica, a Companhia de Gás Paraense

(Pará Gas Company) ficou apenas com o fornecimento de iluminação a gás para particulares. A

Companhia de Luz Elétrica Paraense e a Companhia Urbana também forneciam luz aos

consumidores privados. Havia três companhias disputando o mercado de força e luz para uso

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doméstico, comercial e industrial, em Belém, no final do século XIX. Para enfrentar a concorrência

e garantir a competitividade do seu produto, a Companhia de Gás Paraense reformou as

canalizações a partir de 1896 e introduziu o gás de cozinha a preços inferiores à iluminação

(MUNICÍPIO DE BELÉM, 1902 e 1904).

Os primeiros prédios públicos dotados de iluminação elétrica em Belém foram o Matadouro

Público, o Necrotério, o Instituto Cívico-Jurídico Paes de Carvalho e o Mercado Público (MUNICÍPIO

DE BELÉM, 1904). Enquanto os serviços de fornecimento de força e luz para particulares se

desenvolviam cada vez mais, o serviço de iluminação pública prestado pela Companhia Urbana era

irregular e ineficiente. Logo que assumiu a intendência, em 1897, Antonio Lemos manifestou desagrado

pelas lâmpadas incandescentes empregadas na iluminação pública. Ele preferia as lâmpadas de arco

voltaico – como as que eram empregadas no serviço de Manaus – que tinham maior poder iluminante.

Em sua opinião, o sistema misto com lâmpadas de arco voltaico nas praças e avenidas e iluminação a

gás com bicos Auer e congêneres nas ruas transversais seria mais eficiente. Para a consecução deste

objetivo, foi nomeada uma comissão para elaborar uma demonstração e um dos locais escolhidos foi

a Praça Batista Campos. A companhia de eletricidade alegava que as falhas no sistema de iluminação

eram oriundas do pioneirismo do serviço e culpavam o monopólio estrangeiro da indústria (de

equipamentos) e dos profissionais (MUNICÍPIO DE BELÉM, 1902).

O serviço se tornou mais regular em 1903, quando cessaram as interrupções constantes,

mas ainda havia o problema da manutenção dos globos, cuja poeira acumulada fazia parecer que as

lâmpadas tinham uma intensidade de luz inferior. O problema só foi resolvido com a consolidação do

sistema elétrico, como será mostrado no próximo capítulo.

2.3.1.2 A iluminação em Manaus

A instalação da iluminação pública a gás, em Manaus, atravessou inúmeros problemas. A

primeira tentativa de substituição da iluminação existente pelo gás líquido de hidrogênio ocorreu pela

Lei no 67, de 2 de setembro de 1856. Com a autorização da Câmara Municipal de Manaus, os

aparelhos e lampiões foram adquiridos, mas não puderam ser instalados porque não havia recursos

suficientes para a aquisição do gás. Em 1858, ainda persistia o problema da falta de recursos e somente

com o aumento da verba seria possível instalar o serviço (PROVÍNCIA DO AMAZONAS, 1858a).

A despeito disso, o número de 25 lampiões contratados era considerado insuficiente. O presidente da

província Angelo Thomaz do Amaral julgava que “seriam necessários mais vinte e cinco para que a

cidade ficasse soffrivelmente illuminada” (PROVÍNCIA DO AMAZONAS, 1858b).

Em 1862, a Lei Provincial no 123, de 21 de junho, converteu o serviço de iluminação

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pública da cidade, antes feito pela municipalidade, em encargo do governo provincial. A direção da

atividade passou a ser feita pelo administrador da fazenda já que, tendo sido posto em hasta pública, não

apareceram concorrentes para a prestação do serviço (PROVÍNCIA DO AMAZONAS, 1864).

Durante alguns anos, a questão da iluminação desapareceu dos relatórios, exposições e

falas dos presidentes da província do Amazonas, ressurgindo em 1869. Mas ao que parece, o

desaparecimento do assunto teve natureza política. De acordo com o então presidente João Wilkens

de Mattos, o serviço fora extinto logo depois de uma eleição (o período exato não foi mencionado)

e havia sido uma punição à “autonomia política dos principais habitantes da cidade” que haviam

optado pelo partido conservador, especialmente porque outrora a cidade já tinha fruído das “vantagens

da illuminação pública á gazogeneo” (PROVÍNCIA DO AMAZONAS, 1870a)25. Ao assumir o

governo provincial, João Wilkens de Mattos não encontrou nenhum dado sobre o estabelecimento

do serviço de iluminação e por isso mandou convidar concorrentes para realizá-lo por contrato.

Findo o prazo, as propostas apresentadas não tinham sido favoráveis, razão pela qual mandou

anunciar novamente “em bases mais econômicas” já que era “um serviço de que não se pode[ria]

prescindir” (PROVÍNCIA DO AMAZONAS, 1869).

O serviço de iluminação pública a petróleo (querosene) foi contratado junto à empresa de

Thury & Irmão, em 05 de junho de 1869. O contrato estabelecia o número de 60 lampiões a serem

distribuídos dentro dos limites urbanos da capital, em colunas de madeira de pelo menos 12 palmos de

altura. A intensidade da luz deveria ser de 5 velas e os lampiões seriam acesos meia hora após ao pôr

do sol, conservando-se até às 5 horas da manhã, exceto em noites de luar, nas quais deveriam ficar

acesos somente até meia hora após a elevação da lua. A inspeção do serviço ficaria ao encargo da

polícia que deveria atestar o serviço e aplicar as multas por lampiões apagados e baixa intensidade da

luz. A duração do contrato era de oito anos, ao fim dos quais a província poderia renová-lo ou adquirir

os materiais pelo preço de fatura. Para o presidente João Wilkens de Mattos, a iluminação era “um

grande passo em favor da commodidade, moralidade e segurança pública” (PROVÍNCIA DO

AMAZONAS, 1870b). O serviço de iluminação a querosene foi inaugurado em 07 de abril de 1870,

mas o presidente da província considerou necessário um acréscimo de 20 candeeiros. Um aditamento ao

contrato elevou o número para 90, ainda insuficientes para iluminar as ruas mais habitadas e freqüentadas.

25 Durante o período Imperial, havia uma definição restritiva de cidadania, isto é, quem podia votar e ser votado. AConstituição de 1824 exigia a idade mínima de 25, excluía os criados, assalariados e estrangeiros e exigia comocritério para os votantes em primeiro grau, a renda mínima de 100 mil réis. O chamado “voto censitário”, cujaexigência mínima foi elevada para 200 mil réis na Lei de 1881, permitiu que apenas 0,8% da população votasse naseleições de 1886. Cf. CARVALHO (1990). Assim, quando o presidente provincial J. W. de Mattos se referiu aos“principais habitantes da cidade” que foram punidos com a eliminação da iluminação pública pela mudança napreferência eleitoral, se referia basicamente aos cidadãos que tinham recursos financeiros para serem eleitoralmenteinscritos e também para se localizarem nos pontos da cidade dotados do serviço de iluminação.

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Em 1872, o presidente José Miranda da Silva Reis relatou que a iluminação da capital

“não marchava bem” devido à má administração do serviço, que tinha sido confiado a um “pessoal

limitado em número e pouco habilitado”, o que resultava em vantagem econômica para o empresário e

prejuízo para a província (PROVÍNCIA DO AMAZONAS, 1872). Por outro lado, o número de 110

lampiões continuava insuficiente, mas o estado financeiro dos cofres públicos não permitia atender

prontamente às necessidades de ampliação, o que deveria ser feito aos poucos, com aumento de 20

lampiões a cada ano. Nesta época, a população da Província do Amazonas era de 57.610 pessoas,

das quais 29.334 localizadas na capital. Manaus contava, então, com 2.913 prédios e 9.955 domicílios

registrados (BRASIL. IBGE, 1936).

O contrato do serviço de iluminação foi rescindido pela Lei no. 244, de 27 de maio de

1872, que também autorizou a substituição da iluminação a querosene pelo gás carbônico. O

comerciante da praça do Rio de Janeiro, Antonio José d’Abreu, encaminhara uma vantajosa proposta

para o provimento do serviço que permitiria à província ampliar a iluminação da cidade com menor

dispêndio de recursos. O entusiasmo com o novo contrato advinha não apenas da mudança do sistema

de iluminação com economia de verbas públicas, mas também porque o governo provincial via nas

obras que a empresa iria executar e no pessoal (local) que seria empregado no serviço, uma oportunidade

de crescimento econômico para o Amazonas (PROVÍNCIA DO AMAZONAS, 1873).

O falecimento do empresário, entretanto, impediu a execução do contrato e a iluminação

continuou a ser feita a querosene, por meio de 122 lampiões. Uma nova contratação para a

iluminação a gás foi autorizada pela Lei no 302, de 13 de maio de 1874, e foi assinado em 02 de

junho de 1874 o contrato com o engenheiro civil Joseph Gaune e os comerciantes Mesquita &

Irmãos, mas até junho do ano seguinte o serviço não havia sido instalado. O prazo foi prorrogado

sucessivas vezes, mas os empresários contratantes da iluminação a gás faliram sem que o serviço

fosse instalado, tendo sido o contrato considerado rescindido. Em 1878 a iluminação ainda era

feita a querosene e de maneira irregular pela firma Machado e Silva & Cª. (PROVÍNCIA DO

AMAZONAS, 1875 e 1878a).

O então presidente da província, Barão de Maracaju, iniciou uma campanha para a

substituição do sistema de iluminação a querosene pelo gás globo (óleo de nafta), que era utilizado

nos subúrbios da capital do Império. De acordo com o Barão, embora o serviço de iluminação a

querosene estivesse “marchando regularmente”, o serviço era “penoso, e mesmo inconveniente” e

acreditava que a substituição pelo gás globo (globe-gaz) seria mais lucrativo para a província. Para

ele, convinha adotar “um systema mais aperfeiçoado de illuminação” para a capital (PROVÍNCIA

DO AMAZONAS, 1878b e 1879a).

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A campanha teve êxito e gerou expectativas quanto à eficiência do novo sistema que foi

autorizado pela Lei provincial no 411, de 07 de abril de 1879. O processo de concorrência para a nova

instalação foi conflituoso e envolveu episódios de boicotes, ações na justiça e destruição do patrimônio.

Os negociantes portugueses da firma Machado e Silva & C.ª que faziam a iluminação a querosene

apresentaram proposta junto com outros concorrentes, mas foi dada preferência à proposta do português

Manoel Joaquim Pereira de Sá, o que levou à rescisão do antigo contrato. Os antigos arrematantes

resistiram à rescisão contratual, apesar da indenização a que tinham direito, e responderam à intimação

do tesouro para a entrega dos materiais da iluminação com um ofício no qual declaravam desobedecer

às ordens da presidência da província por não considerarem válida a rescisão. A presidência ordenou

a apreensão dos materiais para que fossem entregues ao novo contratante sob pena de penhora. Mas

os antigos contratantes continuaram boicotando a entrega e o representante da firma Manoel Joaquim

Machado e Silva mandou arrancar os depósitos, chaminés e vidros dos lampiões, o que chegou a

provocar interrupção total dos serviços na capital por quatro dias. A polícia chegou a prender os

“arrancadores de vidros” que foram soltos com habeas-corpus. Após algumas confusões com a polícia,

a intervenção da justiça e vendo frustradas suas tentativas de manter o contrato, Manoel Joaquim

Machado e Silva publicou artigo no jornal “Commercio do Amazonas”, de 11 de abril de 1879, no

qual declarou estar disposto a reagir contra as ações da presidência por considerar arbitrária a rescisão

do contrato. A reação do governo foi a proibição ao português de entrar nas repartições provinciais e

de realizar contratos com a fazenda pública. Este episódio revela um interessante aspecto sobre a

competição e os conflitos em torno da concessão dos serviços públicos na Amazônia Imperial, que

será comentado mais adiante.

Apesar de todos os contratempos, o contrato para a iluminação a gás globo foi firmado e

foi feita uma primeira experiência bem sucedida com dois lampiões na rua Brasileira, o que comprovou,

para o governo provincial, a superioridade da luz á gás globo em relação à iluminação a querosene

(PROVÍNCIA DO AMAZONAS, 1879b). A contratação da iluminação a gás globo por cinco anos

foi assinada em 24 de outubro de 1879 com Manoel Joaquim Pereira de Sá, mas a anulação litigiosa

do contrato com a firma Machado e Silva & C.ª só foi concretizada pelo ato presidencial de 15 de

março de 1882 (PROVÍNCIA DO AMAZONAS, 1883).

Depois de um período sem notícias sobre a luz na documentação provincial analisada,

surgiu pela primeira vez uma referência à iluminação pelo sistema de energia elétrica. A Lei no 650, de

6 de junho 1884, autorizou a província a rescindir o contrato da iluminação pelo gás globo e sua

substituição pela luz elétrica. Este novo passo no sentido da modernização da iluminação pública foi

inviabilizado em virtude de a indenização autorizada pela Assembléia Provincial (cinqüenta contos de

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réis) ser muito superior ao estabelecido no próprio contrato com o provedor do serviço. A autorização

foi anulada e o contrato da iluminação a gás teve sua vigência prorrogada por mais cinco anos. No

mesmo ato administrativo de anulação26, ficou estabelecido que a indenização pela rescisão unilateral

seria de (trinta contos de réis), tal como constava do contrato original. Caso a província quisesse

mudar o sistema de iluminação antes do fim do contrato, bastava notificar a outra parte oito meses

antes do dia em que a iluminação contratada tivesse de cessar e pagar a indenização no prazo de 90

dias, sob pena de pagar juros de mora (PROVÍNCIA DO AMAZONAS, 1887).

Ao passar a administração da província para o sucessor em 1888, o presidente Coronel

Francisco Antonio Pimenta Bueno ponderou que a iluminação pública não estava estabelecida de

maneira conveniente, pois os combustores eram instalados com grandes intervalos, não propiciando a

intensidade esperada da luz. Não era possível realizar a fiscalização da forma como fora estabelecida

na restauração do contrato27, cabendo a tarefa exclusivamente ao chefe de polícia. Posteriormente, a

redação deste item foi modificada, incluindo os subdelegados e oficiais rodantes da patrulha no processo

de fiscalização, a fim de torná-la factível (PROVÍNCIA DO AMAZONAS, 1888).

No ano seguinte, Manoel Joaquim Pereira de Sá entrou com uma requisição para que a

presidência declarasse se ele continuava ou não em posse do seu contrato do serviço de iluminação,

tendo em vista a notificação que recebera em 26 de novembro de 1888 sobre o fim da iluminação pelo

sistema gás globo no prazo de oito meses, em função do novo contrato para a iluminação a gás

carbônico com o comendador Manoel da Silva Leal Loyo, mandado lavrar pelo Cônego Raymundo

Amancio de Miranda, segundo vice-presidente da província no exercício da presidência. O empresário

requeria uma declaração oficial, a fim de decidir sobre as encomendas a fazer em Nova York da nafta

e dos acessórios necessários à iluminação para o cumprimento do contrato até o fim, ou seja, até

setembro de 1891, ou somente pelos meses restantes, conforme a notificação.

O então presidente provincial Joaquim de Oliveira Machado considerou que a rescisão

naquele momento era contrária aos interesses da província porque além de forçar a indenização a que

faria jus o prestador do serviço, não havia incompatibilidade entre o fim do contrato da iluminação pelo

gás globo em setembro de 1891 e a entrada em execução do contrato da iluminação a gás carbônico

em maio de 1892, oito meses após expirado o contrato anterior. A rescisão era desnecessária, onerosa

e danosa ao interesse público, uma vez que a cidade corria o risco de ficar sem iluminação alguma

entre o fim de um contrato e o início do outro. Por esta razão, o contrato da província com Manoel

26 A Lei Permanente no 739, de 11/05/1887, autorizava o Presidente da Província e proceder alterações e rescisõescontratuais.27 Em 16 de setembro de 1886 foi estabelecida a restauração do contrato original com Manoel Joaquim Pereira de Sáe uma nova redação foi dada ao item sobre fiscalização.

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Joaquim Pereira de Sá foi considerado válido até o fim. Por outro lado, embora fosse legítimo e se

tivesse baseado na lei, conforme as palavras do presidente, houve “protestos, os mais energicos da

população desta capital contra o contracto do gaz corrente celebrado com o comendador Leal Loyo”.

E continuou sua crítica sutil às ações do vice-presidente e sua aparente inabilidade política na condução

dos negócios públicos:

Apesar do pronunciamento tão significativo por parte de todas as classes sociaes foi aProvincia sacrificada com o mais odioso de todos os seus encargos.É certo que o vice-presidente estava autorisado pela lei permanente no 739 de 11 de maiode 1887 para este acto da mais elevada responsabilidade.Mas o conhecimento que devia ter das forças da sua Provincia natal, aconselhal-o-ia anão fazer uso de tão larga faculdade legislativa (PROVÍNCIA DO AMAZONAS, 1889).

Para ele, “as companhias de illuminação, bem como as de viação urbana e dramaticas, só

da[vam] resultados apreciaveis nas grandes e populosas cidades”28. Em relação à iluminação pública

pela nafta, a solução proposta foi “retocar o contrato” no que dizia respeito à “intensidade da luz e à

fiscalização regular”, deixando a iluminação a gás carbônico para “tempos mais folgados”. A vantagem

deste arranjo seria que

[...] nem sobrecarregaria o futuro com o funesto desequilibrio de grossos milhares decontos, como também abria aso a que se firmassem em solidas provas as experienciasainda resultantes da luz electrica, já posta em execução em varias cidades da Europa,America e até na de Campos no Rio de Janeiro.

Em sua opinião, fora

[...]uma temeridade vincular a Provincia a um contracto de gaz carbonico por 30 longosannos com mordentes prestaçoes, quando tudo indica[va] que, antes do fim do seculo,estar[ia] solvido o problema, ainda não desvendado de todo, mas de algum modoaclarado, da luz pela electricidade fixa (PROVÍNCIA DO AMAZONAS, 1889).

Com estas afirmações, o presidente demonstrava uma clara fé nos avanços tecnológicos

relacionados à eletricidade. No caso apresentado, a substituição do sistema de iluminação esbarrou

na rejeição popular ao novo sistema, nas condições econômicas objetivas da província, bem

como na existência de um contrato prévio legitimamente estabelecido entre as partes que tinha o

apoio do presidente provincial e cuja rescisão implicaria em maiores gastos públicos. A própria

solução encontrada – a alteração das condições do contrato no que dizia respeito à qualidade e

à fiscalização da luz – mostra que o sistema vigente funcionava e era capaz, dentro de determinadas

circunstâncias, de atender as necessidade da sociedade.

28 É interessante a associação que o presidente provincial fazia entre o que seria um divertimento ou luxo, ascompanhias dramáticas, com as companhias de iluminação e viação pública, que constituíam serviços públicos, decerta maneira também relacionadas ao conforto.

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A polêmica e as disputas entre empresários e administradores públicos em torno da

contratação dos serviços de iluminação mostram “o interesse que despertava a especulação comercial

em torno da prestação dos serviços públicos, que foi uma das características que marcaram as reformas

urbanas” (MESQUITA, 1999, p. 110) nas capitais amazônicas no final do século XIX e início do

século XX.

O período imperial findou sem que a questão da iluminação pública na capital amazonense

tivesse uma solução, tornando-se um dos principais problemas a serem enfrentados nos primeiros

anos da República. Na mensagem enviada à Assembléia Legislativa do Estado do Amazonas em

setembro de 1891, o governador Gregório Thaumaturgo de Azevedo pediu autorização para solucionar

o problema da iluminação que era “deficiente e defeituosa” por um sistema mais adequado através do

“hidrogênio carburetado” ou pela luz elétrica, como nas grandes cidades brasileiras (ESTADO DO

AMAZONAS, 1891). Fica patente o desejo governamental de não perder a corrida pela modernização

tecnológica do sistema de iluminação pública.

Em 10 de julho 1893, na administração de Eduardo Ribeiro29, foi contratado o serviço de

iluminação pública por meio da eletricidade. Tal como ocorreu com a instalação da iluminação a gás

em meados do século, sua instalação também sofreu muitos transtornos e atrasos, conforme mostra o

relatório do inspetor de higiene do estado, em 23 de junho de 1894:

É por demais doloroso ter de citar verdade dessa natureza, mas a verdade que deve sera alma dos documentos officiaes para estes merecerem fé publica obriga aofunccionario ao uso da franqueza. Exgottos, calçamentos de ruas, arborisaçãosystematica d’estas, illuminação, acceio da cidade, etc., etc., são medidas que tomei aliberdade de lembrar em meu ultimo relatorio e d’ellas apenas a que se refere a calçamentofoi iniciado [...].O proprio acceio da cidade e illuminação publica que há muito poderiam ser postosem practica continuam a ser feitos como ainda se faziam no anno passado sem queforneçam a compatibilidade exigida pela collectividade.Os contractos de serviços publicos firmados com pessôas que só sonham com altosinteresses pecuniários sem que a seu favor militem elementos que attestem idoneidadepara o fiel cumprimento dos encargos que assumem, trazem de ordinario prejuízos enormesas massas populares, conduzindo a um atraso de centenas de annos povos que poderiammarchar na vanguarda da civilisação com seus companheiros de além mar.[...] Também a illuminação publica que ainda obedece anachronico systema de naphtatalvez dos tempos primitivos, quando já poderiamos ter regularisado tal serviço.[...] Presos ao obscurantismo, ainda suportamos uma defficiente illuminação, parca,ministrada por pouco mais de uma centena de lampeões que durante algumas horasda noite inundão o ar que respiramos com uma quantidade incrível de oxido e acidocarbonico (ESTADO DO AMAZONAS, 1894, grifos nossos).

29 Eduardo Ribeiro chefiou o Poder Executivo do Estado do Amazonas em três períodos: 1890-1891, na transição doregime monárquico para o republicano, em 1892 (de março a julho) e no período 1892-1896. Sua administração foiduramente criticada pelos opositores nos jornais da época, em virtude dos surtos epidêmicos de febre que dizimavam apopulação. Os oponentes atribuíam as febres às escavações e aterros que aconteciam por toda cidade para levar adianteos planos urbanísticos do governador (MONTEIRO, 1965, p. 165-166).

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Duas observações podem ser ressaltadas da exposição no relatório. A primeira é a

transformação do sistema de iluminação a gás globo – anteriormente considerado elemento de avanço no

progresso material e defendido quinze anos antes como o “sistema mais aperfeiçoado de iluminação”

que, por sua vez desqualificava tecnicamente o sistema anterior a querosene (PROVÍNCIA DO

AMAZONAS, 1878b e 1879a e b) – em um sistema anacrônico, deficiente, danoso à saúde por poluir

o ar com emissão de gases e incompatível com as demandas da coletividade. Esta rápida mudança na

visão sobre as tecnologias empregadas na iluminação demonstram, na verdade, um processo de escolha

que, como veremos ao longo deste trabalho, não tem necessariamente relação com a tecnologia em si.

O segundo aspecto a observar é o fato de a “culpa” da demora na implantação do serviço

pelo sistema elétrico ser totalmente atribuída ao contratado. O Estado, através de seus representantes

e quadros técnicos, verdadeiros responsáveis pela contratação e, portanto, pela escolha das melhores

propostas, condições de prestação do serviço e fiscalização, se colocava numa posição totalmente

passiva e à mercê das disposições e condições do contratado.

Finalmente, o serviço de iluminação pública pela luz elétrica foi inaugurado em 22 de

outubro de 1896. Excepcionalmente, em virtude de a intendência municipal não possuir recursos

pecuniários, o custeio do serviço foi feito pelo governo do estado, mas esta era considerada uma

“situação anormal”, visto ser um serviço “que por sua natureza pertence[ria] ao Município” (ESTADO

DO AMAZONAS, 1897b). Na mensagem à Assembléia Legislativa de 06 de janeiro de 1898,

publicada no jornal “O Rio Negro” do dia 18, o governador Fileto Pires mais uma vez chamou a

atenção para o fato de o estado ter assumido a luz elétrica do município, serviço que constituía um gasto

excessivo para os cofres estaduais. Mas graças a este esforço, Manaus entrou para o rol das primeiras

cidades brasileiras a contar com um moderno serviço de iluminação pública elétrica, cujo sistema baseado

em lâmpadas de arco voltaico foi o primeiro no gênero inaugurado no Brasil (MONTEIRO, 1965, p. 133).

A luz fornecida pela ‘Manaus Tramways’ até o tempo do governador Dorval Porto30, eraproclamada das melhores que havia em todo o Brasil. Tal sua intensidade, que o clarãorefletido no céu, todas as noites, era visto de vários pontos do município (CASTRO,1948, p. 171).

Alguns autores como CASTRO (1948), bem como textos de divulgação na internet31,

costumam afirmar que Manaus foi a segunda cidade do Brasil a ter iluminação elétrica. Para isso, seria

necessário que a iluminação tivesse sido inaugurada na cidade entre 1883, data do primeiro serviço de

30 Dorval Porto foi eleito governador para o quatriênio 1929-1933, mas não terminou seu mandato, pois foi despostocom a eclosão da Revolução de 3 de outubro de 1930.31 Portal Brasil (http://www.portalbrasil.eti.br/estados_am.htm); Brasil Site (http://www.brazilsite.com.br/brasil/estados/amazonas.htm); Pro Brasil.Com (http://www.am.probrasil.com.br/).

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iluminação elétrica do país, instalado em Campos dos Goytacazes (RJ) e 1885, data da inauguração

do serviço em Rio Claro (SP). Outras instalações que propiciaram o estabelecimento de serviços de

iluminação elétrica, ainda na década de 1880, ocorreram também em Porto Alegre (RS) em 1887 e

Juiz de Fora (MG) em 1889. A luz elétrica em Manaus só foi contratada em 1893 e, embora algumas

experiências tenham sido realizadas anteriormente em instalações privativas de determinados edifícios,

como o Teatro Amazonas, o serviço de iluminação na cidade de Manaus só foi inaugurado em outubro

de 1896, oito meses após a inauguração do sistema elétrico de iluminação de Belém, o que a coloca

em segundo lugar na região. Nenhuma evidência histórica foi encontrada no sentido de apoiar a

reivindicação da colocação da cidade em segundo lugar no ranking das cidades iluminadas à energia

elétrica no Brasil. Por sua vez, a complexidade do sistema de iluminação de Manaus, com 327 lâmpadas

de arco voltaico com poder iluminativo de 2000 velas, a coloca numa posição de destaque dentre as

primeiras cidades iluminadas do país. A reivindicação pode estar associada, no plano simbólico, ao

que NYE (1991, p. 18) chama de “orgulho cívico” associado à eletrificação.

Como é comum em casos de adoção de novas tecnologias, a eletricidade não se tornou

imediatamente o sistema dominante de iluminação. As lojas continuaram a anunciar nos jornais e revistas

da época a venda de candeeiros para iluminação a querosene ou outros iluminantes e serviços de

instalação de iluminação a gás acetileno (hidrocarboneto insaturado - C2H

2) para residências e casas

comerciais, como o anúncio publicado no jornal “O Rio Negro”, em 1898, reproduzido a seguir:

‘Iluminação á gaz’

Leonidas Benicio de Mello encarrega-se da acquisição einstallação da luz pelo systema de gaz acetyleno em casasparticulares. Já montou dois aparelhos deste genero nestacidade, sendo um na sua residencia a Rua dos Remedios n. 45e o outro no armazem de ferragem dos Srs. Julio Seixas & Ca,a Rua Marquez de Santa Cruz n. 17 onde podem ser examinadosa qualquer hora do dia e apreciada a maravilhosa luz das 7 ás9 horas da noite.

É uma luz aceiada, bella e economica.

Informação e ajuste em dito armazem de ferragens, com o Sr.Eurico A. Raiol.

Figura 9 – Anúcio comercial de iluminação a gaz. O Rio Negro. Notas urbanas. Manaós, 21 de janeiro de 1898

Casas particulares e comerciais, assim como a catedral e a igreja de São Sebastião,

possuíam gasômetros próprios para iluminação a acetileno. Quanto aos particulares, “os abastados

usavam o vistoso candieiro [sic] com a esguia e quebradiça manga de vidro e os pobres recorriam à

infalíveis lamparinas de fôlha de flandres com pavios de algodão torcido” (CASTRO, 1948, p. 169).

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Alguns estabelecimentos comerciais e pequenas fábricas usavam o vapor como força

motriz. A exemplo das fábricas à vapor “Vitória” e “Confiança” de torrefação e moagem de café, refino

de açúcar e fabricação mecânica de bolachas, pães e biscoitos que vendiam por atacado e a retalho.

Nos anúncios comerciais de seus produtos, publicados em 1899, no jornal “O Papagaio”, folha literária

e recreativa, as duas fábricas ressaltavam a mecanização com o uso do vapor como uma forma superior

do processo empregado na produção.

O poder público também continuou a contratar serviços de iluminação a nafta conforme a

Lei no 61, de 06 de maio de 1897, que autorizou o superintendente a mandar iluminar os bairros da

cidade onde não existia iluminação elétrica.

Assim como a iluminação a gás foi se instalando aos poucos em estruturas

individualizadas de igrejas, prédios públicos, residências e unidades para iluminação pública, a

eletricidade também progrediu a partir de instalações elétricas exclusivas de edifícios e instituições

públicas. No Diário Oficial de 02 de julho de 1895, foi anunciado o início da ornamentação

externa do Teatro Amazonas e a montagem de “poderosos focos de luz elétrica” para que as

obras pudessem continuar dia e noite, a fim de que o serviço fosse concluído ainda no mandato de

Eduardo Ribeiro que findaria em 23 de julho de 1896 (MONTEIRO, 1965, p. 132-133). A

instalação elétrica do teatro foi contratada em 03 de março de 1896 junto ao engenheiro eletricista

Vicente José de Miranda, sendo inaugurada em 10 de dezembro de 1896. MONTEIRO (1965)

destacou que o auto da inauguração descreve uma cerimônia grandiosa, onde estariam presentes,

além do então governador do estado Fileto Pires Ferreira e seu antecessor Eduardo Ribeiro,

representantes de órgãos públicos dos diversos níveis, além de “senhoras da sociedade

amazonense, médicos, engenheiros, cônsules de diversas nações, negociantes, oficiais da Guarda

Nacional, operários, artistas, industriais, grande número de nacionais e estrangeiros [...]”

(MONTEIRO, 1965, p. 251). Mas as assinaturas no auto, que provavelmente foi elaborado com

antecedência, não condizem com a grandiosidade descrita no documento. De acordo com o

autor, não houve registro, na imprensa, do acontecido e a inauguração da iluminação do teatro

passou desapercebida pelo público. Embora sempre seja elogiada como um grande feito na época,

a luz do teatro, inicialmente, deixou a desejar. Segundo este autor “o serviço de luz elétrica foi dos

piores que o teatro já teve. Talvez devido a escassez de tempo, mas o certo é que teve de ser

reparado quase completamente anos depois” (MONTEIRO, 1965, p. 217).

Logo, a luz no teatro passou a ser utilizada não apenas para embelezamento e iluminação,

mas também para a realização de efeitos especiais que aumentavam o “glamour” dos espetáculos. O

jornal “Amazonas” de 03 de julho de 1897, mencionou que no espetáculo oferecido pelo maestro

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Oreste Lambiase, “ao fim do primeiro ato apareceu uma deslumbrante lira formada por focos elétricos,

suspensa no fundo da cena, devido ao trabalho de um dos empregados da luz elétrica do teatro”

(MONTEIRO, 1965, p. 354).

Surgiram novos serviços e produtos associados ao sistema elétrico como os de eletricista e

os ventiladores, anunciados pela “Empresa de Ventiladores Eléctricos de Abbraham & Cª”, cuja usina

era instalada na rua da Independência, números 28 a 30. A empresa fornecia e instalava ventiladores de

pé e de teto que funcionavam com pilhas secas para estabelecimentos residenciais e comerciais e motores

elétricos e energia para o seu funcionamento para pequenas indústrias. Os anúncios publicados pela

empresa no jornal “Moniteur”, em 1901, diziam que este melhoramento poderia ser aproveitado com

vantagens por tipografias, torrefações e moagem de café e fábricas de macarrão, além do uso doméstico

em máquinas de costura, ferros de engomar etc. Aos poucos a eletricidade passou a ser utilizada, em

Manaus, em diversas atividades públicas e privadas.

Quanto à iluminação elétrica pública, hora era elogiada, hora criticada na imprensa local.

As críticas diziam respeito principalmente às irregularidades no serviço. O jornal “O Imparcial”, de 20

de abril de 1897, publicou anúncio se desculpando pela nota divulgada dois dias antes, baseada nas

informações dos encarregados da fiscalização, de que a luz vinha funcionando bem nos últimos dias. A

notícia foi criticamente retificada com as seguintes palavras: “os encarregados da fiscalização da

illuminação ficam certamente offuscados com o brilhantismo da luz de forma a não verem as constantes

irregularidades que ela apresenta”. Outra reclamação foi publicada no mesmo jornal, em 31 de julho

de 1897, sobre um fio condutor de energia elétrica que se encontrava caído, ameaçando transeuntes.

O relato denotava a preocupação com uma das inquietações comuns da época, que era a possibilidade

de acidentes envolvendo choques elétricos. A mesma notícia informava a falta dos globos que guarneciam

as lâmpadas nas ruas Ramos Ferreira e Benjamin Silva e ironicamente perguntava se seria alguma

medida de economia. A ironia fazia sentido, pois outro grande motivo de reclamação era o custo da

luz. Um longo artigo publicado no jornal “O Rio Negro”, de 21 de fevereiro de 1898, foi bastante

esclarecedor a esse respeito. O artigo condenava a forma como fora estabelecido, no contrato, o

cálculo do custo da luz com câmbio fixo (no caso, 27 dinheiros por mil réis), o que significava um alto

preço para o serviço, mesmo quando o câmbio era favorável à moeda nacional:

[...] É ou não caro o preço actual?Si é, deve-se barateal-o por todos os modos legaes no intuito de salvaguardar osinteresses do Estado.[...] O que urge é baratear a luz, pois, explendida ella é. Permitta-nos o colega estaopinião franca a respeito da qualidade da luz pois só absoluta injustiça, que não se deveabroquelar nos corações dos ilustres redactores, poderia contrariar esta apreciação geral.

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Quanto ao material empregado não conhecemos melhor no Brazil e nem há outraopinião a respeito.No Pará, em Campos, Campinas, Alagôas, etc. não se vê melhor material nem maiselegante.[...] Como dissemos não nos cumpre analysar a antiga concorrencia nem tão poucodizer mal da empreza actual, pois tem cumprido o seu contracto do melhor modo possivel.Se faltas têm havido são naturaes em serviço de tal ordem e manda a justiça que sejãodesculpadas deante da explendida installação que fizerão e da bôa luz que distribuem.Com a lógica irrefutavel dos algarismos com o contracto em punho é que se deveprocurar o caminho para resolver o problema (“Luz electrica”, jornal O RIO NEGRO,21 de fevereiro de 1898, grifos nossos).

Para o autor do artigo (não assinado), a luz elétrica era um grande melhoramento e da

melhor qualidade, mesmo com eventuais deficiências, o único problema era a necessidade de o governo

ajustar o preço pago por ela que era muito alto.

As irregularidades continuaram. Em 6 de abril de 1900, o jornal “A Federação” publicou

que o serviço de iluminação era péssimo e que a cidade tinha ficado completamente às escuras por três

ou quatro noites seguidas depois de determinada hora (MESQUITA, 1999, p. 177). No ano seguinte,

em 14 de setembro, o jornal “Moniteur” publicou uma única frase: “a luz electrica hontem estava brincando

com a população”. Para MESQUITA (1999), os altos e baixos, críticas e elogios aos serviços significavam

que as inovações como a iluminação pública elétrica desempenhavam o papel de estabelecer uma “vitrine”,

ocupando uma função mais cenográfica do que efetiva na paisagem urbana da época.

Figura 10 – Postes na Praça da República. CACCAVONI, A. Album descrittivo del Pará, 1898.

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2.3.1.3 A expansão da luz e da eletricidade nas capitais e cidades do interior

Os procedimentos de implantação das redes urbanas de eletricidade na Amazônia,

especialmente nas cidades do interior, são pouco conhecidos e claros, assim como as razões

subjacentes que se fizeram presentes nos diferentes casos. Procuramos levantar o máximo de

informações que pudessem dar um panorama da situação da eletrificação nos primeiros cinqüenta

anos do século XX na região.

Das localidades na região amazônica, o levantamento do Censo econômico de 1920 constatou

que de um total de 85 cidades ou vilas, 68 possuíam algum tipo de iluminação pública, sendo 48 no Pará,

16 no Amazonas e 4 no Território do Acre. Deste total, o Pará possuía 35 localidades iluminadas pelo

serviço municipal a querosene, 6 iluminadas pelo serviço municipal a acetileno e 2 pelo serviço municipal

misto (acetileno e querosene). Das cidades iluminadas pelo sistema elétrico, 2 eram abastecidas pelo

serviço municipal e 3 por serviços privados. Além disso, foram encontradas 5 cidades e/ou vilas sem

sistema de iluminação. No Estado do Amazonas, 11 localidades eram iluminadas pelo serviço municipal

a querosene, 2 pelo serviço municipal a acetileno, 3 cidades eram iluminadas pelo serviço privado elétrico

e 12 cidades e/ou vilas não possuíam iluminação. Finalmente, no Território do Acre havia 2 cidades

iluminadas pelo serviço municipal elétrico e 2 iluminadas pelo serviço privado elétrico32. A população total

da região era de 1.439.052, dos quais 983.507 no Pará, sendo 236.402 em Belém; 363.166 no Amazonas,

sendo 75.704 em Manaus e 92.379 no Acre, sendo 19.930 em Rio Branco.

O quadro II.2 apresenta as cidades e vilas da região Norte que possuíam algum tipo de

iluminação no período de 1872 a 1920, segundo o tipo de fonte e a propriedade. Algumas discrepâncias

apresentadas no quadro são, provavelmente, originárias da descontinuidade dos serviços e da conjuntura

da época em que foram coletados os dados. O quadro não inclui a Vila de Espírito Santo do Oiapoque,

então no Estado do Pará, que tinha uma pequena instalação elétrica em 1920, e as cidades de Teffé e

a Vila de Serpa, no Amazonas, que possuíam iluminação pública em 1874, provavelmente a querosene

(PROVÍNCIA DO AMAZONAS, 1874).

No caso de Cametá (PA), o levantamento do Censo registrou a instalação do serviço

municipal a querosene em 1919; este serviço, contudo, já estava implantado em 1904, conforme mostra

o relatório do intendente municipal José Heitor de Mendonça (MUNICÍPIO DE CAMETÁ, 1906). De

acordo com o mencionado relatório, em 1904 uma reforma realizada pela intendência municipal mudou

o sistema de iluminação da querosene para o gás acetileno, usando uma rede de 12 km de tubo, servindo

32 É importante lembrar, que nesta época, o Amazonas incluía os atuais estados de Roraima e Rondônia e o Paráenglobava o Amapá e parte do Tocantins.

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a 176 bicos de 15 velas cada um. O intendente municipal reconheceu que se houvesse uma arrecadação

municipal maior seria preferível o sistema elétrico, que era incomparavelmente superior, embora, o conjunto

instalado tivesse grande capacidade e a luz, beleza, fixidez e intensidade. O “Album do Estado do Pará,

1908” (MONTENEGRO c.1909, p. 139-141), também menciona e expõe uma fotografia da instalação,

em Cametá, do “moderno sistema Fichet de iluminação” com camisas incandescentes, mas atribui o

combustível iluminante ao gás benzol (hidrocarboneto aromático - C6H

6).

Em Santarém, embora o levantamento date o serviço elétrico municipal em 1920, estes

foram contratados muito antes (ALMEIDA et alii, 1948). A primeira experiência da cidade com a luz

elétrica ocorreu no dia 07 de setembro de 1908 no Teatro Vitória, quando o Sr. Antonio Dias Vieira

empregou um pequeno motor de 18 cavalos-vapor para acionar um cinematógrafo. Este comerciante

da cidade mantinha a luz apenas em sua residência, em sua casa comercial e em algumas poucas

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habitações às quais cobrava Cr$ 3,00 (valores de 1948) por lâmpadas de 25 velas. A novidade foi

instalada depois na praça Monsenhor José Gregório (praça da Matriz), onde se fazia a festa de Nossa

Senhora da Conceição, padroeira da cidade. O Sr. Vieira se tornou concessionário e fornecedor dos

serviços públicos de iluminação em 1915, utilizando um motor Remington de 30 cavalos-vapor que

fornecia corrente contínua em 110 volts. Em 1917 uma nova caldeira de 40 cavalos-vapor foi acrescida

e a luz se tornou mais regular. A concessão passou para a firma Franklin & Gonçalves em 1922 e

posteriormente o serviço foi municipalizado. Foram adquiridas novas máquinas Siemens e Schukert S/A

com capacidade de 160 cavalos-vapor e a prefeitura mandou construir um prédio para a instalação da

usina. O novo serviço público municipal só foi inaugurado em 1937.

Figura 11 – Cametá. Aparelhos da Luz Fichet. MONTENEGRO, A. Album do Estado Pará 1908.

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A iniciativa privada, por meio de empreendimentos específicos, foi responsável por

levar a energia elétrica a algumas localidades no interior da região amazônica. A construção da

Estrada de Ferro Madeira-Mamoré33 resultou na edificação de Porto Velho, uma das primeiras

cidades empresariais34 da Amazônia, a partir das instalações para o pessoal técnico e administrativo

da empresa construtora (VICENTINI, 2004, p. 133). Porto Velho marcava o ponto de partida da

linha férrea, mas a condição de cidade não estava definida desde o início, “pois permanecia, nesse

momento, a rigor, como núcleo isolado sob o controle e jurisdição de uma empresa privada, algo

distante do conceito formal de espaço público” (FOOT, 1988, p. 139, apud VICENTINI, 2004,

p. 133). A condição política de município foi estabelecida em 1914, mas o status de cidade só foi

obtido em 1919. A fim de prover a cidade de serviços de eletricidade, a empresa Madeira-Mamoré

Railway Company, Limited instalou, em 1918, um sistema gerador térmico de 370 cavalos-vapor

de potência, composto por uma máquina a vapor e uma linha de distribuição de 13 km em corrente

alternada. Mas já havia uma unidade térmica que funcionava desde 1908, no núcleo que deu origem

a Porto Velho, provavelmente proveniente da instalação da empresa35. Quando foi criado o Serviço

de Abastecimento de Água, Luz e Força do Território (SAALFT) pelo Decreto no 283, de 31 de

março de 1954, para suprir com serviços públicos de água e energia elétrica as cidades de Porto

Velho, Guajará-Mirim e localidades do interior do Território do Guaporé, a pequena usina de Porto

Velho foi incorporada, juntamente com a unidade que pertencia à estrada de ferro e os serviços

elétricos de Guajará-Mirim que eram mantidos pela prefeitura municipal (TERRITÓRIO FEDERAL

DE RONDÔNIA, 1962).

Outra iniciativa empresarial que resultou na instalação de uma moderna infra-estrutura

urbana no interior da Amazônia foi o empreendimento de Henry Ford. A fim de garantir a auto-suficiência

33 A estrada começou a ser construída em 1872 pela Public Works Construction Company do coronel George Churchque logo depois pediu rescisão do contrato, sob a alegação de que este omitia as reais condições e extensão daregião. Outras empresas tentaram dar prosseguimento à empreitada sem sucesso. Somente com a inclusão daconstrução da ferrovia no Tratado de Petrópolis, em 1903, foi possível continuar a construção (VICENTINI, 2004).34 As Company Towns ou cidades fechadas, vinculadas a empreendimentos com vista à exploração de recursosminerais, se tornaram parte de uma nova e dominante forma de apropriação territorial na Amazônia, a partir dadécada de 1970 (VICENTINI, 2004, p. 150). Algumas experiências anteriores, no entanto, anteciparam este processo,como os casos de Porto Velho, Fordlândia e Belterra.35 Em 02/08/1907, Percival Farquhar, um importante capitalista norte-americano, constituiu a Madeira-MamoréRailway Co., para concluir a estrada de ferro que começou a ser construída em 1872. A companhia era composta porduas empresas, Brazil Railway Co. e a Port of Pará. O primeiro trecho de 90 km da estrada de ferro Madeira-Mamoréfoi inaugurado em 1910, partindo do cais de Porto Velho em direção à fronteira boliviana. Em 1º de agosto de 1912,com 366 km completados, finalmente a inauguraram, encerrando, assim um dos maiores feitos da engenharia doinício do século XX. A ferrovia custou aos cofres brasileiros 62 mil contos de réis, mas com a decadência daeconomia da borracha, a estrada foi abandonada logo após sua inauguração. Com suas inúmeras empresas, comoa Rio de Janeiro Light & Power Co. e a Brazil Railway Co., Farquhar controlou vários ramos de serviços no Brasil:transportes (ferrovias e trens urbanos), portos, navegação, força e luz e telefonia. Investiu, ainda, na exploraçãomadeireira, mineração, criação de gado, frigoríficos etc.

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no suprimento de borracha para sua indústria automobilística, o capitalista americano comprou, em

1927, uma concessão de um milhão de hectares por US$ 127 mil às margens do rio Tapajós. O

empreendimento resultou na construção de duas modernas cidades empresariais na selva: Fordlândia,

em 1928, e Belterra (no distrito de Alter do Chão em Santarém), em 1934. Para os serviços de energia

elétrica, as cidades possuíam duas casas de força. DEAN (1989), descreveu a implantação das cidades:

Em dezembro de 1928 um cargueiro de propriedade da Companhia depositou emFordlândia os componentes de um núcleo inteiro de plantação, de motores diesel apregos e parafusos. A direção americana e os operários brasileiros puseram-seimediatamente a trabalhar na construção de uma pequena cidade que logo viria a ser aterceira maior da Amazônia – uma cidade completa, com hospital, escola, cinema, água,luz, porto, oficinas mecânicas e depósitos. Os visitantes ficavam pasmos com aquelasoberba infra-estrutura, sem rival em milhares de quilômetros em qualquer direção [...](DEAN, 1989, p. 144).

Gastão Cruls visitou as instalações da Companhia Ford Industrial do Brasil e fez a seguinte

descrição da usina elétrica de Belterra:

A usina elétrica, com uma força de 20.00 volts e 80.000 kilowatts, dada a modernidade dasua aparelhagem, ocupa apenas o trabalho de dois homens. É ela que aciona a magníficaserraria, onde os grossos toros de itaúba, pau-d’arco, maçaranduba, louro e tantasoutras madeiras preciosas, sob maquinaria aperfeiçoada, vão sendo rapidamenteconvertidos no mais variado material de construção (CRULS, 1944, p. 273).

Apesar do investimento moderno, as experiências não tiveram êxito e o empreendimento

foi encerrado em 1945 e transferido para a União, a cargo do Ministério da Agricultura, em troca de

um pagamento de cerca de US$ 244 mil. De acordo com VICENTINI (2004, p. 144), essas primeiras

experiências com cidades empresariais, se por um lado anteciparam a modernidade na Amazônia, por

outro já nasceram socialmente fracassadas36.

Em Mazagão, município pertencente ao Pará até a criação do Território do Amapá em

1948, havia um serviço privado elétrico (1914), que foi municipalizado em 1938, com a instalação de

um gerador com capacidade de alimentar 5.500 velas. Em Santana, também no Amapá, o historiador

Estácio Vidal Picanço (1937-2004)37 relatou a instalação de um motor com capacidade para 4.000

velas na década de 1940, pelos técnicos da ICOMI38, usado durante a realização dos estudos para a

implantação da empresa na região.

36 VICENTINI (2004), argumenta que o fracasso desses empreendimentos se deveu, entre outros aspectos, ao fato de nãoterem conseguido superar as relações sociais de produção extrativistas, com a introdução da relação de trabalho assalariada,bem como as formas de domínio territorial empreendidas pelas oligarquias locais.37 Este respeitado historiador publicou apenas uma obra: PICANÇO, Estácio Vidal. Informações sobe história doAmapá. Macapá: Imprensa Oficial, 1983.38 A Indústria e Comércio de Minério S.A começou a explorar as jazidas de manganês da Serra do Navio no Territóriodo Amapá, na década de 1940.

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Durante a Segunda Guerra Mundial, os norte-americanos instalaram um grupo gerador de

122,5 KVA na base aérea que serviu de apoio ao Exército e à Marinha Americana, no município de

Amapá. A energia era distribuída para o povoado durante cinco horas por dia. Antes da chegada dos

americanos, já havia um motor que fornecia energia para a Vila. Somente em 1958, foi inaugurada a

usina de luz e força municipal, equipada com um grupo gerador de 25 KW.

Iniciativas municipais e estaduais também contribuíram para a interiorização da energia elétrica.

No território que hoje pertence ao Amapá, foi construída uma pequena usina de força no início da década

de 1920 para atender à Colônia de Clevelândia39, na Vila de Espírito Santo do Oiapoque. Em 1944, a

usina foi reestruturada e, em 1949, foi equipada com um grupo gerador Caterpillar, de 32 KVA. Em

Macapá, a primeira usina elétrica foi instalada em 1937, por iniciativa do prefeito Francisco Alves Soares.

Posteriormente, com a criação do Território do Amapá em 1948, a usina foi ampliada com a instalação

de 04 motores Caterpillar, tipo D-1700, com uma capacidade total de 300 KW. Com o crescimento da

população, o primeiro governador do território, Janary Nunes, solicitou ao governo federal a ampliação

da área edificada da usina e a instalação de mais 02 grupos geradores de grande porte.

O relatório do interventor federal do Pará José Carneiro da Gama Malcher, ao presidente

da República, sobre o período 1937-1939 (ESTADO DO PARÁ, 1940), incluiu a instalação (ou

reforma) de serviços de água e energia elétrica nos municípios de Santarém, Óbidos, Mocajuba,

Gurupá, Bragança, Faro, Santa Isabel, Oriximiná e Curuçá, no valor total aproximado de 537.569

contos de réis40. No “Álbum do Pará, 1939” (RODRIGUES, 1939), organizado sob os auspícios do

governo estadual e com o apoio da Associação Comercial do Pará, constam fotografias das usinas

elétricas dos municípios de Mocajuba, São Miguel Guamá, Igarapé-Assu, Óbidos, Afuá e Capanema.

Em Itaituba, o interventor federal do Pará, Coronel Joaquim de Magalhães Cardoso Barata, encontrou

instalações elétricas dignas de nota e escreveu em seu Relatório ao Presidente da República:

Em Itaituba ficámos surpreendidos com a excelência da luz elétrica. Clara e perfeita,sem oscilação, francamente nos admirou. Estivemos na Usina, cujas máquinasapreciámos e constatámos, que estas, bem como o respectivo gerador, instalações edemais acessórios, são de ótima qualidade, estando a indicar que excelente utilidadeterão em Itaituba, quer pela instalação de novas residências, quer por indústrias queaí se radicaram (BARATA, 1944).

39 A Colônia Agrícola de Clevelândia foi inaugurada em 5 de maio de 1922, sob o pretexto de nacionalizar e defender afronteira brasileira com a Guiana Francesa, contendo as pretensões da França na área, e de produzir o desenvolvimentoagrícola. No final de 1924, começou a se transformar em campo de prisioneiros, especialmente políticos, que eramtorturados, maltratados, submetidos ao trabalho compulsório e às doenças tropicais. Apesar das inúmeras mortesproduzidas, este episódio continua obscuro, desconhecido da maioria dos brasileiros e ausente das páginas da históriaoficial. Um estudo pioneiro foi feito por SAMIS (2002).40 O cruzeiro só entrou em circulação, tornando-se definitivamente o novo padrão monetário nacional em 1942 e a primeiraemissão da nova moeda começou em 1943.

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No final da década de 1940, em função da criação do Território do Amapá, outras localidades

se beneficiaram da eletrificação. Foi o caso das vilas de Porto Grande, com pouco mais de 2.000 habitantes

que recebeu uma usina de força inaugurada em 1949 e Calçoene, com 2.200 habitantes que teve sua

usina composta por um motor Caterpillar de 31 KW, inaugurada em 1950.

A Lei no 1.247, de 20 de fevereiro de 1926, autorizou o governo do Estado do Amazonas

a entrar em acordo com os municípios para dotá-los de serviços elétricos. Foram realizados “estudos

para a instalação da luz em algumas cidades que, por suas indústrias novas e população crescente,

mais estavam a clamar por esse factor moderno de desenvolvimento” (ESTADO DO AMAZONAS,

1928). Os trabalhos de instalação iniciaram em Itacoatiara e Parintins, sob a coordenação do engenheiro

Deodoro Freire. Prosseguiram em Coary – já que o material necessário havia sido adquirido – e Vila

de São Felippe, sendo que os custos de instalação da eletricidade nesta última seria bastante elevado

devido ao alto preço do frete. A instalação da luz elétrica em Parintins foi feita a partir da instalação de

um grupo motor gerador de 30 KW em corrente contínua de 110 volts, com transmissão direta,

alimentada por uma caldeira de 60 cavalos-vapor. Em Itacoatiara, foi instalado um motor-gerador de

30 KW diretamente a uma caldeira água-tubular Babcock & Wilcox de 60 cavalos-vapor.

Em Humaythá, a usina de luz elétrica inaugurada em 1905, havia sido abandonada durante

algum tempo pelo desgaste dos materiais, o que tornou inviável seu funcionamento. Em 1928, foram

feitos reparos nos dínamos e o motor voltou a funcionar, resultando em “completa iluminação da

cidade” (ESTADO DO AMAZONAS, 1928). Neste mesmo ano, foram embarcados os aparelhos

para Borba e São Felippe, assim como os mecânicos encarregados de sua instalação. O governo

esperava logo poder estender o benefício à Teffé, cujo material também estava sendo aguardado.

Para o governo estadual, a extensão do benefício da luz e força elétricas aos municípios

do interior iria incrementar as indústrias, auxiliar o progresso e abrir novas possibilidades de trabalho

e desenvolvimento, visto que industriais e capitalistas aguardavam este melhoramento para empregarem

seus capitais a fim de aproveitar produtos naturais para a manufatura de óleos e conservas e instalação

de máquinas para o beneficiamento de madeiras, cereais etc. (ESTADO DO AMAZONAS, 1926

e 1927) Foi a primeira vez em que, nos documentos oficiais analisados, a eletrificação apareceu

como questão de política governamental, fora dos marcos do conforto urbano, e associada a

perspectivas de desenvolvimento.

Como resultado das iniciativas públicas e privadas no estabelecimento de serviços de

iluminação pública, havia 63 serviços elétricos em funcionamento na região amazônica no início da

década de 1940 e 34.120 ligações domiciliárias (tabela II.1). Apenas 87 localidades (vilas e cidades)

eram servidas pela energia elétrica, produzida em 84 unidades geradoras. Destas, apenas uma pequena

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unidade de 15 KW no Pará era de fonte hídrica. Havia cerca de 1,25 unidades geradoras para cada

uma das 67 empresas existentes (BRASIL, Recenseamento 1940, v. III, pp. 194-195). A população

regional chegava a 1.462.420 pessoas das quais 944.644 no Pará, sendo 206.331 em Belém; 438.008

no Amazonas, sendo 106.399 em Manaus e 79.768 no Acre, sendo 16.038 em Rio Branco.

Tabela II.1 – Melhoramentos Urbanos: serviços de iluminação pública e domiciliária nos estados da região

Norte e capitais, Brasil e capitais (1943)

Fonte: BRASIL. IBGE. Anuário Estatístico 1941-45, p. 347

Em 1945, o fornecimento de eletricidade para iluminação nas capitais da região Norte era

feito por empresas particulares em Manaus e Belém, por entidades municipais em Porto Velho, Rio

Branco e Boa Vista e por entidade federal em Macapá (BRASIL, IBGE. 1948, p. 371). A tabela II.2

mostra que no período de 1948 a 1951, o consumo de energia elétrica para iluminação pública em

Manaus decresceu, provavelmente em função da crise de energia que vivia a cidade, o mesmo tendo

ocorrido em Belém entre 1950 e 195141. Nas demais capitais, o nível de consumo de energia para a

41 A crise de energia em Belém e Manaus será explorada nos dois próximos capítulos.

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iluminação pública se manteve num ritmo fraco de crescimento em todos os anos. Quanto à iluminação

particular (domiciliária), oscilou de maneira decrescente, no período 1948-1951, em Porto Velho,

entre 1948 e 1949, em Boa Vista e se manteve crescente nas demais capitais.

Tabela II.2 – Consumo de energia elétrica para iluminação nos municípios das capitais (1948-1951)

Fonte: Secretaria Geral do Conselho Nacional de Estatística. BRASIL. IBGE. Anuário Estatístico Ano XIII, p. 331e 354.

No início da década de 1950, o número de sistemas de iluminação elétricos na região

Norte subiu para 159 e o número de localidades servidas chegou a 188, sendo que 29 localidades

ainda possuíam sistemas de iluminação a querosene (BRASIL. IBGE. Anuário Estatístico, 1948).

2.4 SÍNTESE E REFLEXÕES

O boom da borracha na Amazônia, no final do século XIX e início do século XX, não

propiciou uma via de desenvolvimento que pudesse sustentar a longo prazo um processo de

industrialização consistente, como ocorreu com o café no sul do país. Alguns autores como FURTADO

(1986) e CANO (1981), atribuem o declínio da economia amazônica da borracha basicamente a dois

fatores: i) a incapacidade do capital mercantil de transformar a produção baseada no aviamento numa

estrutura produtiva fundada em relações propriamente capitalistas de produção; e ii) o desvio dos

excedentes da exploração e exportação da borracha, que poderiam ser investidos em atividades

produtivas, para atividades tipicamente urbanas como serviços de água, esgoto, energia elétrica,

telégrafos e viação urbana.

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Por outro lado, SANTOS (1980) advoga que embora as poupanças cambiais geradas

pela economia da borracha não tenham sido aplicadas de forma produtiva na região, tiveram um papel

importante na formação dos capitais que viabilizaram o primeiro surto industrial no sul do Brasil, no

período 1903-1913, visto que “os saldos do comércio amazônico [...] representam parcela substancial

do superávit brasileiro no período” (SANTOS, 1980, p. 291).

De qualquer forma, foi justamente o investimento dos excedentes da borracha nas atividades

não produtivas que viabilizou um significativo desenvolvimento urbano, com o crescimento dos serviços

públicos e a instalação, de maneira irreversível, dos mais modernos serviços urbanos nas capitais

amazônicas. Assim, tanto Manaus e Belém, quanto outras cidades que floresceram com a economia da

borracha, se beneficiaram com os sistemas de iluminação a gás e elétricos, sistemas de comunicação

via telégrafos, telefone, entre outros.

Inicialmente, o azeite (óleo de andiroba) e o petróleo (querosene) foram os principais

iluminantes utilizados como combustível para iluminação pública nas capitais amazônicas, sendo

posteriormente substituídos pelo gás líquido de carvão, gás globo (óleo de nafta) e o gás carbônico (ou

hidrogênio carbonado), os dois últimos experimentados também na cidade do Rio de Janeiro. No

interior, continuou a predominar a iluminação a querosene e outros iluminantes como óleo de andiroba,

manteiga de tartaruga e de peixe-boi. Em alguns casos, o benzeno e o acetileno também foram utilizados

como iluminantes em serviços públicos e instalações privadas.

A instalação dos serviços de iluminação a gás e, posteriormente os de eletricidade,

implicaram significativas mudanças na paisagem urbana, a partir de novas soluções de engenharia para

a implantação de infra-estruturas como instalação de postes, encanamentos de gás, redes aéreas elétricas,

calçamentos e assentamento de trilhos para os bondes. Além disso, novos profissionais, como engenheiros

e técnicos, e novas unidades administrativas para a fiscalização dos serviços, foram incorporados à

administração pública.

A instalação de redes de gás e de eletricidade necessitava de grandes inversões de

capital, mas quando as infra-estruturas estavam instaladas, os investimentos se tornavam

compensadores no curto prazo. As empresas concessionárias, atraídas pelas perspectivas de lucro,

procuravam garantir, em seus contratos, a compra dos serviços pelos governos municipais ou estaduais

para a instalação em logradouros e prédios públicos, o que assegurava um consumo fixo e, ao

mesmo tempo, servia como chamariz para atrair consumidores privados. Mesmo em se tratando de

novas tecnologias, as empresas concessionárias não tiveram dificuldades em convencer seu principal

consumidor/comprador, já que as vantagens econômicas e sociais da introdução de melhorias

materiais, como a iluminação a gás ou a eletricidade, foram logo percebidas pelos governantes que

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buscavam adotar sempre os mais modernos sistemas disponíveis no mercado. A procura pelos

serviços de iluminação partiu do setor público e, conforme foi mostrado ao longo do capítulo, em

alguns momentos, não houve oferentes para os serviços demandados.

Os princípios em que se basearam as concessões para a exploração dos serviços de luz e

força, nos primeiros anos do Regime Republicano, foram praticamente os mesmos que orientaram a

concessão dos serviços de iluminação a gás no Império: longo tempo de concessão; pagamentos em

moeda estrangeira; usufruto gratuito de terrenos e edifícios; subsídios governamentais; isenção de

taxas e impostos etc. A despeito da concorrência por um mercado relativamente restrito (famílias

abastadas e serviço público), a eletricidade e o gás conviveram, por algum tempo, nas cidades

amazônicas sem maiores conflitos, diferentemente do que aconteceu em cidades como Londres, onde

a concorrência foi um obstáculo ao pleno desenvolvimento dos sistemas elétricos (HUGHES, 1993).

Nos vários conflitos envolvendo os sistemas de iluminação pública na Amazônia Imperial, é

possível identificar três aspectos indissociáveis: i) a competição entre oferentes; ii) as disputas pela mudança

da tecnologia empregada nos serviços, que implicavam a condenação de um tipo de tecnologia e defesa

de outro tipo; e iii) as mudanças nas titularidades dos cargos executivos provinciais. Todos os conflitos

descritos envolveram o imbricamento destes três aspectos.

A reflexão sobre a tecnologia aparecia no processo de “condenação” de um sistema e

defesa de outro que, em geral, ocorria simultaneamente com a mudança do titular do executivo provincial.

A condenação da tecnologia anterior e a defesa de um novo sistema de iluminação, mais eficiente e

moderno, servia como justificativa para a cancelamento de contratos, a mudança em cláusulas contratuais

e a substituição de fornecedores de serviços. Como apontam NYE (1991 e 2006) e CARLSON

(1992), não é a “necessidade” que inventa a tecnologia – neste caso, demanda a mudança da tecnologia

– ao contrário, freqüentemente é a tecnologia que “inventa” a necessidade. “Quando seres humanos

possuem uma ferramenta, se superam para encontrar novos usos para ela. A ferramenta freqüentemente

existe antes do problema a ser resolvido. Latente em cada ferramenta, há transformações imprevistas”

(NYE, 2006:2). Para BRÜSEKE, “a técnica moderna transcende a racionalidade de fins” (2002, p.

139) e existe antes mesmo de ter uma finalidade específica.

A existência de uma nova tecnologia ou processo “excitava” a imaginação e o desejo dos

administradores públicos que buscavam, através da modernização dos sistemas de serviços, construir

elementos de distinção urbana que colocassem a sociedade local em evidência42. Era uma forma de

42 A distinção é relativa às transfigurações de diferenças inscritas na própria estrutura do espaço social e diz respeito àpessoas e relações entre pessoas (BOURDIEU, 1989). A distinção urbana seria uma construção simbólica que se faz apartir da manipulação, por determinados agentes sociais, de diferentes capitais, constituindo-se como um tipo decapital simbólico que criaria lugares distintos e distintivos na cidade, relativamente a outros lugares e outras cidades.

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construir um estilo de vida urbano que traduzisse e expressasse a afinidade da sociedade amazônica,

especialmente sua elite, com o progresso e a modernidade. Por outro lado, as novas tecnologias

serviam como justificativa para a substituição de prestadores de serviços, de acordo com a

conveniência política dos presidentes provinciais. Neste caso, o argumento técnico servia como

fundamento para a ação política.

A resistência dos fornecedores de serviços, inclusive com uma possível adesão à nova

tecnologia demandada, mostra a tentativa dos comerciantes de se manterem no mercado. No caso

dos “arrancadores de vidros” no final da década de 1870, o empresário chegou a apresentar proposta

para a substituição do sistema, mas sua tentativa era inútil diante da decisão (e opção) do governo

provincial favorável a outro fornecedor. A saída encontrada foi uma ação de resistência física à

substituição, através da não entrega do material, pelo ato de arrancar vidros, chaminés e depósitos de

combustível, além de publicação de artigo no jornal como forma de chamar a atenção para o que ele

considerava arbitrariedade na rescisão contratual.

A associação de interesses entre as atividades econômicas e a ação política se tornou

evidente em diversos casos. Alguns exemplos podem ser citados. Em 1855, um político e comerciante,

em Belém, obteve o contrato de um tipo de serviço (iluminação a azeite) com a incumbência de mudar

o sistema para o gás, contrariando o direito de monopólio (que normalmente era concedido) do outro

contratante. Em outro caso, na década de 1860, quando toda a população manauara capaz de votar

e usufruir da iluminação foi “punida” com o cancelamento do serviço de iluminação porque mudou de

lado político. O mesmo aconteceu no episódio dos “arrancadores de vidros”, que envolveu a troca do

sistema de iluminação a querosene pelo gás globo. Finalmente, em 1889, quando uma tentativa de

substituir o sistema de iluminação a gás globo pelo gás carbônico, envolvendo também uma mudança

temporária da presidência da província do Amazonas pelo vice-presidente, acabou resultando em

protesto popular e fortalecimento político do titular da presidência.

De acordo com SARGES (2002, p. 86), a associação entre o Estado e comerciantes/

políticos para a obtenção de contratos para a realização de obras e/ou concessão de serviços

públicos era uma maneira comum deles recuperarem parte dos recursos transferidos ao Estado sob

a forma de taxas e impostos. Freqüentemente, estes agentes sociais se alternavam nas posições

entre as atividades empresariais e políticas para obter e conceder favores governamentais para suas

empresas. Durante seu mandato como presidente da Província do Pará, José Coelho da Gama e

Abreu, o Barão de Marajó, concedeu o monopólio do serviço de água ao capitalista americano

Edmund Crompton que o transferiu para a Companhia de Águas do Gram-Pará, cujo principal

acionista era o próprio Barão. Esta negociata foi denunciada como uma forma ilícita de contratação

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por Bento Tenreiro Aranha II, no “Correio do Pará”, mas apesar de verdadeira a acusação, o

denunciante acabou sendo processado e condenado por “crime de injúria impressa” (PINTO, 2006).

Outro caso, ocorrido na década de 1860, envolveu o mesmo Barão de Marajó: a Lei no 356, de

1860, da Província do Pará concedeu à firma José Coelho da Gama e Abreu & Companhia, destinada

à extração de óleos vegetais e preparação de chocolates através de máquinas a vapor, a isenção de

impostos por dez anos. Neste período, o Barão exerceu os cargos públicos de diretor de Obras

Públicas e do Tesouro Público na administração provincial (BATISTA, 2004, p. 206). Este segundo

exemplo, mostra que as relações e articulação de interesses entre políticos no exercício de atividades

comerciais e políticos no exercício da política não aconteciam apenas no campo da contratação de

serviços públicos, mas se generalizavam nas atividades políticas e econômicas amazônicas.

É possível especular que parte da insatisfação relatada nos vários documentos oficiais do

governo provincial do Pará com o serviço de iluminação a gás fornecido pela Pará Gás Company

estivesse relacionada com a impossibilidade/ incapacidade dos presidentes provinciais de interferir no

contrato, podendo chamar novos “concorrentes” que lhes agradassem mais. O fato de lidar com uma

corporação de capital estrangeiro, bem preparada juridicamente, no que diz respeito à realização de

contratos internacionais, tornou muito mais difícil para o governo provincial interferir no desenvolvimento

e na gestão política do contrato. Foi necessário recorrer a outros meios, como o uso da estrutura

técnico-administrativa montada para fiscalizar o serviço, para tentar provar “com certeza” que a luz

fornecida não atendia aos parâmetros estabelecidos no contrato. As experiências fotométricas realizadas

pelo engenheiro fiscal não provaram que a luz era realmente ruim e que o sistema deveria ser substituído.

A Província chegou a importar novos equipamentos de aferição da Inglaterra, a fim de comprovar,

simultaneamente, a baixa qualidade da luz e do gás empregado na iluminação. Ao mesmo tempo em

que o governo fazia de tudo para provar que a qualidade da luz era ruim, o número de combustores

continuou subindo, por solicitação do próprio governo, e a demanda por novas instalações continuou

crescendo (PROVÍNCIA DO PARÁ, 1882). Isso mostra que o que estava realmente em jogo na

disputa entre a empresa e o governo provincial não era a qualidade do serviço fornecido (que realmente

poderia ter deficiências, que necessitassem de ajustes), mas a possibilidade de mudança dos agentes

fornecedores e a alteração nos instrumentos contratuais que regiam o fornecimento. A guerra de multas

e reclamações culminou na aprovação de uma lei autorizativa de rescisão contratual, tornada sem

efeito pela ameaça da empresa de interrupção no fluxo de capitais britânicos para o país. A estratégia

da empresa acabou neutralizando qualquer iniciativa provincial no sentido do cancelamento do contrato.

Além disso, teve o efeito de “fomentar” a busca de mecanismos de viabilização, não apenas da execução

do contrato vigente, mas também da renovação contratual, que garantiu a participação da Pará Gás

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Company nos sistemas públicos de iluminação no Pará, nos primeiros anos republicanos. Tal participação

se deu como empresa coadjuvante, após a contratação do sistema de iluminação elétrico, que se

tomou o principal objetivo dos governantes em termos de fonte e tecnologia de iluminação pública

para as capitais amazônicas, no início dos anos 1890.

Há muito mais informações sobre as formas de execução e a participação de empresas e

governos nos processos de eletrificação nas capitais amazônicas do que sobre as localidades no interior.

Em alguns casos, foi possível encontrar apenas a data da instalação de uma máquina numa localidade

ou a década de sua realização. Com estas informações, buscamos elaborar um quadro do processo de

eletrificação das localidades e cidades do interior que mostra os caminhos de penetração desta nova

tecnologia na região.

A iniciativa privada, algumas vezes instada pelos governos locais, foi responsável por

experiências pioneiras como as de Manaus (1896), no Amazonas e Belém do Pará (1896). Outras

iniciativas foram estabelecidas em Cruzeiro do Sul (1904), posteriormente transferida para o governo

territorial e Xapury (1914), no Território do Acre. No Amazonas, a experiência de Humaitá (1905)

foi municipalizada, em meados da década de 1920, com a ajuda do governo estadual. No Amapá,

o serviço privado elétrico, em Mazagão (1914), foi municipalizado em 1948; a instalação feita pelos

funcionários da ICOMI, em Santana, na década de 1940, durou até a década seguinte e a luz

instalada pelos americanos no município de Amapá, durante a Segunda Guerra só foi municipalizada

em 1958. Bragança (1911) e Santarém (1915) no Pará, tiveram instalações inicialmente privadas

que foram posteriormente municipalizadas, da mesma forma que Porto Velho (1918), no atual Estado

de Rondônia. Também foram instaladas casas de força nas cidades empresariais de Fordlândia

(1928) e Belterra (1934), no Pará.

Dentre os esforços pioneiros de eletrificação empreendidos pela ação governamental direta

se encontram, no Pará: as iniciativas municipais de Cachoeiras e Chaves (1914); a participação conjunta

do estado e municípios na instalação e/ou reforma dos serviços elétricos em Santarém, Óbidos,

Mocajuba, Gurupá, Bragança, Faro, Santa Isabel, Oriximiná, São Miguel Guamá, Igarapé-Assu,

Curuçá, Afuá e Capanema, entre 1937 e 1939; e a instalação municipal de Itaituba (anterior a 1944).

Em Boa Vista, no atual Estado de Roraima, a eletrificação ocorreu antes de 194543.

O governo do Território do Acre foi responsável pela eletrificação em Rio Branco (1916)

e Vila Seabra (1920) e o governo do Amazonas iniciou o processo de eletrificação de algumas cidades,

em 1926 (Itacoatiara, Parintins e Coary) e 1928 (Borba, São Felipe e Teffé). Macapá teve a primeira

43 A eletrificação possivelmente ocorreu quando o município de Boa Vista se desmembrou do Estado do Amazonase passou a ser Território Federal do Rio Branco pelo decreto no 5.812 de 13 de setembro de 1943.

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usina municipal instalada em 1937, enquanto a criação do Território do Amapá favoreceu a eletrificação

das vilas de Porto Grande (1949) e Calçoene (1950). A Vila de Espírito Santo do Oiapoque teve sua

eletrificação iniciada no início da década de 1920, provavelmente por iniciativa do governo federal,

quando da instalação da Colônia de Clevelândia.

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CAPÍTULO 3 – O DESENVOLVIMENTO DA INDÚSTRIA DEENERGIA ELÉTRICA NA AMAZÔNIA: DA INSTALAÇÃO AOSANOS 1950

“[...] We are saying that all technologies are shaped by and mirrorthe complex trade-offs that make up our societies; technologies

that work well are not different in this respect from those that fail.The idea of a ‘pure’ technology is nonsense. Technologies always

embody compromise. Politics, economics, theories of the strengthof materials, notions about what is beautiful or worthwhile,

professional preferences, prejudices and skills, design tool,available raw materials, theories about the behavior of the natural

environment – all of these are thrown into the melting potwhenever an artifact is design or built.”

(BIJKER & LAW, 1992)

3.1 BREVE PANORAMA DA INDÚSTRIA DE ENERGIA ELÉTRICA NO BRASIL NOSPRIMEIROS 50 ANOS E A AÇÃO DO GOVERNO FEDERAL

O incremento da indústria de energia elétrica no Brasil, especialmente no ramo hidrelétrico,

ocorreu com a instalação de empresas de capital estrangeiro no país, no início do século XX. Desde

então, o número de empresas, de usinas de energia elétrica e a capacidade instalada não parou de

crescer, como mostra a tabela III.1.

Tabela III.1 - Desenvolvimento da indústria de eletricidade no Brasil no período 1883 – 1940 (em KW)

OBS: inclui 64 usinas hidrelétricas de uso privativo. Fonte: Baseado em: Divisão de Águas, In: BRASIL. Ministérioda Agricultura, 1939 e 1941.

A entrada da companhia canadense Light (The São Paulo Railway, Light and Power Co.

Ltd.), no Brasil, propiciou a construção das primeiras usinas geradoras de maior porte. Após conquistar

o mercado de eletricidade em São Paulo, a Light avançou para o Rio de Janeiro, onde iniciou suas

atividades em 19051. Por meios econômicos e alianças políticas, a Light conseguiu a supremacia no

fornecimento de energia elétrica, no país, nos primeiros anos do século XX.

1 A empresa The Rio de Janeiro Tramway, Light and Power Co. Ltd. foi criada em 1904, começando a atuar no ano seguinte.

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Nos anos 1910, a consolidação do setor de energia elétrica e a criação dos sistemas

regionais pela interligação de sistemas locais (PEITER, 1994, p. 09) ocorreram em processo simultâneo

à transformação da São Paulo Light em empresa de âmbito regional, ao início da concentração das

indústrias de energia elétrica e à formação dos monopólios no Brasil.

Em fins da década de 1920, a AMFORP (American & Foreign Power Co.) começou

suas atividades no Setor Elétrico brasileiro. Como a Light dominava completamente o mercado nas

capitais do Rio de Janeiro e de São Paulo, a AMFORP se concentrou nos mercados do interior do

Estado de São Paulo e nas principais capitais do Nordeste e do Sul.

Com incorporação de diversas firmas menores, as multinacionais aumentaram a produção

e seu poder de mercado, por meio do domínio dos segmentos de geração, transmissão e distribuição

de energia elétrica. O controle da maior parte das empresas de energia elétrica deu aos grupos Light e

AMFORP a hegemonia sobre o setor. Este processo implicou numa “rápida e profunda alteração nos

regimes de propriedade e de funcionamento das empresas nacionais” (DIAS, 1988, p. 62), bem

como “uma quase completa desnacionalização do setor, com o conseqüente controle da produção e

distribuição do pólo industrial do país (Rio e São Paulo)” (PIRES, 1993, p. 69).

BRANCO (1975), argumenta que o controle absoluto do capital estrangeiro sobre a

indústria de energia elétrica no Brasil obstaculizou seu desenvolvimento. O controle das condições dos

contratos, em especial o estabelecimento das tarifas (e revisões tarifárias), a remuneração do capital e

o controle do desenvolvimento tecnológico, impediram tanto o pleno desenvolvimento da indústria de

energia elétrica brasileira, como o aproveitamento adequado das fontes energéticas disponíveis, afetando,

ainda, o desenvolvimento industrial pelas crises de abastecimento e racionamentos constantes na primeira

metade do século XX (BRANCO, 1975, p. 46).

O domínio do Setor Elétrico se fez por meio de companhias holdings que se constituíram

como verdadeiros gigantes monopolistas. A Light se tornou a maior empresa estrangeira que atuava no

Brasil e, junto com a AMFORP, dominavam o maior mercado consumidor nacional: o eixo Rio-São

Paulo. O Setor Elétrico, no Brasil, se caracterizou até a Segunda Guerra Mundial pela existência de

mais de 1500 empresas dispersas que atendiam a pequenas localidades, e duas grandes empresas

multinacionais que dividiam o principal filão do mercado, possuindo cerca de 66% do parque gerador

de energia elétrica, no país.

Toda a tecnologia da indústria de energia elétrica era gerada no exterior e difundida através

da importação de equipamentos e técnicas de montagem. Os eletrodomésticos eram importados e a

compra era estimulada por financiamentos diretos ao consumidor, o que, por sua vez, estimulava o

aumento da demanda por energia (TENDLER, 1968).

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Segundo LIMA (1984), o Setor Elétrico brasileiro, no início do século XX, se dividia em

dois setores. O “setor moderno”, composto por empresas estrangeiras que geravam, transmitiam e

distribuíam energia em maior escala, com processos mais dinâmicos e tecnologicamente mais avançados

e atendiam aos centros mais ativos da economia brasileira. O “setor arcaico”, formado pelas empresas

nacionais, artesanalmente organizado, que utilizava tecnologias ultrapassadas e atendia a pequenas

localidades, com termelétricas ou usinas hidrelétricas de pequeno porte.

Esses dois setores acabaram entrando em conflito por áreas de influência, principalmente

após a edição do Decreto no 20.395, de 15 de setembro de 1931, que impedia as empresas estrangeiras

de obterem novas concessões. Estas empresas, melhor equipadas e capitalizadas, procuraram aumentar

suas áreas de atuação com a aquisição de concessionárias já existentes. Este processo de concentração

foi consolidado ao longo dos anos 1930, quando “[...] praticamente todas as áreas mais desenvolvidas

do país e também aquelas que apresentavam maiores possibilidades de desenvolvimento, caíram sob

o virtual monopólio das duas grandes empresas estrangeiras” (DIAS, 1988, p. 65).

Somente os estados economicamente menos desenvolvidos – das regiões Centro-Oeste

e Norte do país – escaparam à incorporação. Neles continuou predominando a pulverização em

inúmeras pequenas empresas, muitas vezes mantidas por prefeituras e cujo alcance e capacidade se

limitava ao fornecimento de eletricidade à sede municipal.

Desde o período imperial, as empresas estrangeiras dominaram as áreas de infra-

estruturas e serviços de utilidade pública. Com a Proclamação da República, em 1889, essas

empresas se beneficiaram da maior autonomia administrativa e financeira dos municípios que se

tornaram, durante o primeiro período republicano, o verdadeiro poder concedente dos serviços

públicos, especialmente iluminação e energia elétrica. Os serviços eram negociados diretamente

entre o poder local e os concessionários, segundo regras contratuais estabelecidas entre as partes.

A indústria de energia elétrica se desenvolveu livremente e sem barreiras estatais até os anos

1930 (DIAS, 1988, p. 72).

No Brasil, o sistema de concessões de serviços públicos durante o Império e os primeiros

anos da República era tipicamente contratual, apoiado em um regime de privilégios e garantias de

juros que buscavam viabilizar a entrada de investimentos estrangeiros para a implantação de serviços

públicos essenciais no país. Os contratos de longo prazo estabeleciam os direitos e deveres dos

concepcionários e as normas legais relativas à estrutura econômico-financeira do serviço, tendo em

vista garantir as inversões de capital. A taxa-ouro assegurava a estabilidade financeira dos

concessionários “com a participação do Estado no risco da exploração do serviço” (CAVALCANTI,

1943, p. 421). O Decreto no 1.245, de 13 de outubro de 1853, estabelecia que a importância paga

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pelo Estado a título de garantia de juros, seria restituída quando a taxa ultrapassasse 7% (SENADO

FEDERAL. Diretoria de Informação Legislativa, 1968, p. 145). A garantia de juros constituía uma

subvenção ou empréstimo estatal às concessionárias de serviços públicos. Esta garantia de juros só

foi extinta pelo art. 142, da Constituição de 1934.

Os contratos de serviços públicos eram “contratos de direito privado, com todas as suas

conseqüências” (CAVALCANTI, 1943), o que significava que o Estado contratava como ente privado

e não como ente público. De acordo com CAVALCANTI (1943), o caráter contratual das concessões

era um aspecto inquestionável, uma vez que o contrato de direito privado gozava de grande prestígio

no direito e na prática administrativa brasileira (doutrina herdada do Império).

Como vimos no capítulo anterior, as empresas estrangeiras concessionárias de serviços

públicos urbanos (de gás, luz, tração, água e esgoto etc.), conseguiam firmar contratos altamente

vantajosos que incluíam a garantia do pagamento das tarifas em ouro e/ou moeda estrangeira. Com o

preceito de que as tarifas deveriam ser pagas “metade em papel e metade em ouro” – a chamada

“cláusula ouro”2 incluída em todos os contratos – as empresas concessionárias obtinham reajustes

mensais nas tarifas, visto que as flutuações cambiais eram constantes (BRANCO, 1975). Comentando

o processo de multiplicação do capital estrangeiro e o que considerava espoliação produzida pelas

empresas concessionárias de serviços públicos de energia elétrica, Barbosa Lima Sobrinho reproduziu,

no Prefácio ao livro de Catullo Branco, a seguinte observação extraída do seu livro “Máquinas para

transformar cruzeiros em dólares”:

É cousa curiosa: o dinheiro que entrava na moenda dessas usinas era o mil reis brasileiro,através da contribuição de milhares e milhares de usuários dos seus serviços. Mas essemil reis brasileiro, nas turbinas e vácuos das usinas, o que vale dizer na contabilidadedas companhias estrangeiras, transformava-se rapidamente em dólares, porque emdólares passavam a ser avaliados o capital e o patrimônio das empresas, o capitalsuplementar formado com as contribuições dos acionistas através de tarifas exorbitantes.A concessão do serviço público passava a ser, assim, uma máquina poderosa, paratransformar, em dólares de gente rica, o miserável mil reis de um povo pobre [...](SOBRINHO, 1975, p. 39, grifos nossos).

Além dos vultosos ganhos obtidos pelas empresas com a diferença cambial, não havia

qualquer mecanismo que as obrigasse a repassarem as reduções de custos oriundas da melhoria da

produtividade para as tarifas, reduzindo os preços. Todos os ganhos de produtividade, obtidos pelos

avanços tecnológicos, eram incorporados aos lucros.

2 Pela “cláusula ouro” as tarifas dos serviços de eletricidade, que a ela estavam vinculadas, eram reajustadas em funçãodas desvalorizações cambiais, pela valorização do ouro. Este sistema favorecia a remessa de lucros ao exterior pelasempresas concessionárias (LIMA, 1984).

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No início do século, algumas leis e decretos foram promulgados para regular a

exploração da energia hidráulica: A Lei no 1.145, de 31 de dezembro de 1903, autorizou o governo

a promover o aproveitamento das forças hidráulicas para transformação em energia elétrica aplicada

aos serviços federais, podendo autorizar o emprego da energia excedente para outros fins

(BRASIL, 1906). O Decreto no 5.407, de 27 de dezembro de 1904, regulou esta lei e estabeleceu

as condições para a concessão de “favores” às empresas. A Lei no 1.316, de 31 de dezembro de

1904, concedeu às empresas de eletricidade isenção de direitos aduaneiros sobre o material

importado. Elas também poderiam desapropriar prédios e benfeitorias indispensáveis às instalações

elétricas e colocação dos cabos e execução dos respectivos serviços, bem como indenizar os

indivíduos que ficassem prejudicados com a mudança de regime dos cursos de água. Esta lei foi

regulada pelo Decreto no 5.646, de 22 de agosto de 1905. A primeira empresa a se beneficiar dos

favores constantes neste decreto foi a sociedade canadense The Rio de Janeiro Tramway, Light

and Power, Company Limited (BRASIL, 1905).

A Revolução de 1930, ofereceu a conjuntura e as condições políticas para a

regulamentação dos serviços públicos em bases nacionais. Importantes medidas foram tomadas

neste sentido, dentre elas a promulgação do Decreto no 23.501, de 27 de novembro de 1933,

conhecido como Decreto Osvaldo Aranha e a promulgação do Código de Águas pelo Decreto no

24.643, de 19 de julho de 1934.

O primeiro proibiu a estipulação de pagamento em ouro (art. 1o) e em moedas

estrangeiras (art. 2o), nos contratos feitos no Brasil ou aqui executados e revogou todas as

disposições contrárias, inclusive de caráter constitucional (art. 3o) (SOBRINHO, 1975, p. 22 e

BRANCO, 1975, p. 96). Com a extinção da “cláusula ouro”, as tarifas dos serviços de eletricidade,

tanto de origem térmica quanto hídrica, passaram a ser regidas pelo custo do serviço e as revisões

tarifárias passaram a ser trienais.

O novo Código de Águas3 estabeleceu a utilidade pública da água, separando a

propriedade da terra da propriedade e uso dos recursos hídricos. A lei transferiu para a esfera

federal a outorga de autorizações e concessões de aproveitamentos hidráulicos para a exploração

de energia elétrica, tendo ficado a competência dos estados e municípios condicionada à criação de

um serviço técnico-administrativo (para a aplicação da legislação), cuja organização deveria ser

3 A primeira tentativa de disciplinar o aproveitamento das forças hidráulicas para a produção de eletricidade ocorreuno início do século XX. Pela Lei no 1.617, de 30/12/1906, o Congresso Nacional autorizou o governo federal a organizaras bases para o Código de Águas da República. Coube ao Dr. Alfredo Valladão a tarefa de elaborar o projeto quepassou mais de duas décadas tramitando pelas Comissões da Câmara dos Deputados e nunca foi aprovado.

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aprovada pelo governo federal. O controle sobre as principais fontes hidráulicas do país, pelo governo

central, foi colocado como uma questão de soberania nacional. Paralelamente, o art. 119 da

Constituição Federal de 1934, conferiu ao governo federal o poder sobre as minas, jazidas e cursos

d’água públicos e privados e estabeleceu sua nacionalização progressiva, bem como de quaisquer

fontes de energia essenciais à defesa econômica ou militar do país (IANNI, 1971, p. 45-46).

O custo do serviço se tornou o critério para o estabelecimento das tarifas dos serviços de

eletricidade e deveria considerar: as despesas com a operação dos sistemas, as reservas de depreciação

e a remuneração justa do capital de acordo com o “custo histórico”4. Foram também estabelecidas as

bases para a contabilidade e fiscalização do setor, por meio da definição das competências das esferas

governamentais na execução do próprio código e da determinação da revisão dos antigos contratos de

concessão. A concessão de autorização para novos aproveitamentos foi reservada para brasileiros natos

e/ou empresas constituídas no Brasil vedando, deste modo, a participação do setor privado estrangeiro

na expansão da exploração do Setor Elétrico.

O Código de Águas estabeleceu um complexo aparato legal para regulamentar as ações

da exploração da energia elétrica e, neste sentido, foi uma tentativa de promover uma ruptura definitiva

com uma estrutura da indústria de energia elétrica que desde o início propiciou e deu enorme liberdade

ao monopólio das empresas privadas estrangeiras.

O regime de serviço pelo custo e o custo histórico para a avaliação do capital a remunerar

foram os aspectos mais polêmicos e criticados do Código de Águas, embora o que realmente

preocupasse as concessionárias fosse a fiscalização das contabilidades das empresas (BRANCO,

1975). As empresas monopolistas estrangeiras investiram pesadamente contra o Código a partir de

sua publicação5, alegando sua inconstitucionalidade e a responsabilização pela crise energética no eixo

Rio-São Paulo no imediato pós-guerra.

O Código de Águas concretizou a intervenção do Estado na normatização do uso da

água, suas formas de apropriação e seus múltiplos aproveitamentos/explorações (indústria, agricultura,

navegação, energia), assegurando a gestão estatal deste recurso. Por outro lado, embora tenha se

constituído num complexo instrumento legal da energia elétrica e um dos mais completos instrumentos

de regulamentação da propriedade e usos dos cursos d’água, por centrar-se na hidreletricidade

4 O custo histórico era o custo original das instalações, menos a depreciação do capital e era utilizado em vários países.O que pleiteavam as empresas era a avaliação do capital inicial pelos valores monetários atualizados, isto é, com umacorreção monetária, sendo essa a base para a remessa de lucros e fixação de dividendos (BRANCO, 1975).5 Muitas foram as tentativas das concessionárias estrangeiras para inviabilizar a aplicação do Código, dentre elasa resistência passiva, o boicote e a desmoralização dos seus resultados (ROCHA, 1950, p. 10).

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excluiu as usinas termelétricas da regulação estatal do Setor Elétrico e não chegou a ser integral e

adequadamente aplicado6.

Como a construção do aparato jurídico-institucional do Setor Elétrico era praticamente

indiferente à geração térmica, a nova legislação setorial teve pouca repercussão nos rumos das

empresas elétricas do Norte do país. Em Manaus, os efeitos do Decreto no 23.501 – que

estabeleceu a nulidade dos contratos com pagamentos em ouro – foram sentidos por meio da

instituição do Ato no 4.294, de 06 de dezembro de 1934, do interventor federal que fixou, em 56

mil réis, o valor da libra esterlina nos processos de pagamento do preço da iluminação pública da

cidade, a partir de novembro de 1933 (SERVIÇOS ELÉTRICOS DO ESTADO, s/d). Já em

Belém, a questão do pagamento em moeda nacional havia sido resolvida em 26 de fevereiro de

1926, quando o intendente municipal, Manoel Valdomiro Rodrigues dos Santos, firmou com a

Pará Electric novas cláusulas contratuais em virtude das quais, a iluminação pública passou a ser

paga pelo preço fixo de 25.500 réis, com desconto de 20% para os pagamentos efetuados até o

dia 15 do mês seguinte ao do consumo, correspondente ao dispêndio de 113.876 watts, em

corrente alternada (MUNICÍPIO DE BELÉM, 1930).

Figura 12 – Manaus: Fábrica da Luz Elétrica na Cachoeira Grande. CACCAVONI, A. Album descrittivoAmazonico, 1898.

6 O custo histórico não foi usado senão no caso de pequenas empresas (TENDLER, 1966 e BRANCO, 1975). Algunsdispositivos que o tornariam mais operativo e eficaz nunca foram regulamentados, o que facilitou seu descumprimentoem vários momentos da história econômica do país. Além disso, a pretexto de solucionar a crise energética, foram abertasinúmeras exceções para a ampliação de instalações e realização de novas concessões para as empresas monopolistas.

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3.2 TRAÇÃO, LUZ E FORÇA: AS PRIMEIRAS EMPRESAS DE ENERGIA ELÉTRICA EMMANAUS E BELÉM

Embora haja registros bem antigos da precocidade da luz elétrica em Manaus e Belém, as

referências nem sempre são precisas quanto às empresas, às datas e respectivos contratos. Sobre a luz

em Manaus, o Álbum do Amazonas 1901-1902, assinala o seguinte:

É a cidade illuminada toda á luz electrica, com excepção de pequenos bairrosexcentricos onde o kerozene, ou petroleo, é ainda empregado. Cerca de mil postessupportando outros tantos arcos voltaicos, espalham luz desde as seis horas da tardeaté ás cinco da madrugada seguinte, com um consumo aproximado de 1000 vélas porperíodo de 11 horas7. A maior parte das casas particulares e quase todos osestabelecimentos são egualmente illuminados pela electricidade.Existem para este effeito, duas fabricas, uma que fornece cummulativamente ailluminação publica e grande parte da particular, e outra, de recente fundação, poisdata de mezes, e que, principalmente destinada a acionar ventiladores, tambémfornece luz. (NERY, 1901-1902, p. 66-67, grifos nossos)

A contratação da luz elétrica, em 1893, foi bem documentada, bem como sua inauguração,

em outubro de 18968, mas o indivíduo (ou empresa) contratado não foi mencionado em nenhum

documento oficial. Em 1898, o nome da empresa Manaós Railway Company apareceu associado

aos serviços elétricos na cidade de Manaus, mas é certo que o sistema de iluminação instalado por

ordem de Charles Flint começou a funcionar em 1896, antes da constituição da companhia. Quanto

à empresa de ventiladores citada acima, pode ser a americana de Nova York “Empresa de Ventiladores

Eléctricos de Abbraham & Cª”, cujos anúncios comerciais eram publicados nos jornais em 1901,

especialmente no jornal “Moniteur”.

A contratação da Companhia Urbana de Estrada de Ferro Paraense para o

fornecimento de serviços de iluminação pública e tração para as linhas de carris urbanos pelo sistema

de eletricidade para a cidade de Belém em 1894, também foi bem documentada9. Vimos no capítulo

anterior referências à Companhia de Luz Elétrica Paraense, que dividia o fornecimento de luz para

consumidores particulares com a Companhia Urbana e com a Companhia de Gás Paraense. No

livro The Brazilian Year Book, 1909 (WILEMAN, 1909, p. 777), encontramos o registro da Cie

D’Entreprises Electriques de Pará, empresa de capital belga, criada em 10 de maio de 1899, na

7 O número de postes e lâmpadas de arco voltaico foi superestimado, embora a capacidade iluminativa das lâmpadastenha sido subestimada. Havia, na época, 327 lâmpadas em funcionamento no sistema de iluminação pública comcapacidade iluminativa de 2.000 velas.8 Cf. ESTADO DO AMAZONAS, 1893, 1894, 1896, 1897a e 1897b.9 Cf MUNICÍPIO DE BELÉM, 1902 e 1904, MARAJÓ (1895) COMPANHIA URBANA DE ESTRADA DE FERROPARAENSE (1900).

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Antuérpia10. A empresa fora adquirida do engenheiro M. Otto Fuerth, possuía uma usina, 64 km de

cabos elétricos e tinha como objetivo o fornecimento de energia elétrica para a iluminação da cidade

do Pará (como era chamada a cidade de Belém, naquela época).

Em busca da reconstituição da história das primeiras empresas de energia elétrica a atuarem

na região Norte, as sub-sessões seguintes analisam as trajetórias de duas companhias: a Manaós

Tramways & Light Company, no Amazonas e a Pará Electric Railways and Lighting Company,

Limited, no Pará. A importância dessas companhias reside principalmente no fato de que ambas

atuaram por longo período, sobreviveram por meio de empresas sucessoras e suas trajetórias podem

ser traçadas praticamente até os dias atuais.

Antes, merece destaque a criação da Companhia de Luz Elétrica Paraense. De acordo

com SILVA (2005, p. 76), esta empresa foi um marco histórico na estruturação do sistema elétrico do

Pará, por ser a primeira empresa estabelecida especificamente para a exploração de serviços de

eletricidade no estado. Constituída provavelmente no segundo semestre de 1893, seus principais

acionistas eram Heleodoro Jaramillo11 e Francisco Antonio Pereira Junior. A Companhia de Luz

Elétrica Paraense participou da concorrência para a iluminação pública das principais ruas e

logradouros públicos de Belém, apresentando uma proposta para um sistema misto, parte elétrico e

parte a gás (SILVA, 2005, p. 77). Tendo sido escolhida a proposta da Companhia Urbana de

Estrada de Ferro Paraense, aquela companhia obteve apenas a concessão para o fornecimento de

serviços de iluminação aos consumidores particulares.

A planta de geração e a rede de distribuição da companhia começou a ser montada em

maio de 1894 e a prestação do serviço de iluminação elétrica aos consumidores foi inaugurado em 31

de março de 1895, onze meses antes da inauguração do serviço público pela Companhia Urbana

(SILVA, 2005, p. 78). A Companhia de Luz Elétrica Paraense fornecia energia elétrica por um

período de 6 horas, das 18 às 24 horas, mas o serviço poderia ser prolongado de acordo com o

interesse dos consumidores (DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 16 de março de 1895, apud SILVA, 2005, p.

78). O intendente Antonio Lemos acreditava que o fato de a companhia não fornecer eletricidade após

a meia noite tinha limitado seu desenvolvimento como empresa prestadora de serviços (MUNICÍPIO

DE BELÉM (O), 1903). O mal estado de conservação da usina e o serviço irregular fizeram com

10 A empresa aparece também em STOLS, E. “Les investissements Belges au Brésil (1830-1914)” In: Histoire Quantitativedu Brésil de 1800 à 1930. Colloques Internationaux du Centre National de la Recherche Scientifique. Paris: CentreNational de la Recherche Scientifique, 1973, p. 259 e seguintes, apud SANTOS, 1980, p. 136 – mas não consta dolevantamento feito pelo Censo de 1920, o que significa que provavelmente deixou de existir antes disso.11 O artigo “Luz electrica” publicado no jornal “O Rio Negro” de Manaus de 21/02/1898, menciona a participação de“Jaramillo” na concorrência para os serviços de iluminação elétrica da cidade, que foi vencida pela companhia deCharles Flint.

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que o contrato de concessão fosse transferido para outra empresa12, mas a comissão que avaliou a

situação da planta constatou que a mesma não tinha condições de funcionamento e o Ato Executivo,

de 06 de março de 1906, determinou seu fechamento (SILVA, 2005, p. 79).

Figura 13 – Belém: Doca do Reduto. SECURT. Belém da Saudade, 1996.

3.2.1 Manaós Tramways & Light Company

Desde o início da década de 1880, havia planos para a construção de um sistema mais

moderno de trens urbanos em Manaus. O governador Eduardo Ribeiro insistiu inúmeras vezes sobre a

importância de estabelecer o transporte urbano rápido e barato para os arrabaldes da cidade, mas ele

antevia a necessidade de instituir um subsídio para o empreendimento (ESTADO DO AMAZONAS,

1894). O projeto de Lei no 28 de autoria do deputado Antônio Clemente Ribeiro Bittencourt autorizou

o governo estadual a contratar linhas de bondes à tração animal ou elétrica para a cidade de Manaus,

em 06 de agosto de 1894. Após a realização de concorrência pública, a firma do engenheiro inglês

Frank Hebblethwaite obteve a concessão, em 1895, por trinta anos, com uma subvenção anual do

12 SILVA (2005, p. 78) obteve na biblioteca Rede-CELPA a informação de que a transferência para as Emprezas deElectricidade Paraense ocorreu em 1900, embora outros documentos situem a transferência no ano de 1903.

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governo do estado durante 15 anos, assim distribuídos: 200 contos de réis, da inauguração do serviço

até o fim do primeiro qüinqüênio, 160 contos durante o segundo qüinqüênio e 120 contos, no terceiros

qüinqüênio13 (ESTADO DO AMAZONAS, 1896).

Foram adquiridas três locomotivas a vapor de Hudswell, Clarke & Company, em Leeds,

que passaram a trafegar por 16 km nas avenidas da cidade (MORRISON, 1989, parte 6). Com o

nome de Viação Suburbana, o sistema a vapor começou a operar, em 24 de fevereiro de 1896, mas

logo foi suspenso pelo governo, devido à má qualidade do material empregado e às constantes

reclamações. Em virtude disso, a empresa iniciou melhorias nos equipamentos, prosseguindo no

assentamento de trilhos, para que o serviço fosse recomeçado. De acordo com o governador Fileto

Pires Ferreira, “o material fixo precisa[va] de substituição e a mudança no sistema de tração trar[ia]

grandes vantagens ao serviço” (ESTADO DO AMAZONAS, 1897).

Figura 14 – Certificado de incorporação da Manaós Railway Company. MORRISON, A. The Tramways of Brazil:a 130 years survey, 1989. Disponível em: http://www.tramz.com/br/tto/01.html.

Em 1896, Charles Ranlett Flint, um dos criadores da United States Rubber Company, mandou

instalar um sistema de iluminação elétrica e, em 1898, iniciou a construção de um sistema de carris

urbanos para instalação de linhas de bondes elétricos. Hebblethwaite se associou a Flint e mais 13 capitalistas

13 A Lei estadual no 124, de 26/08/1894, havia estabelecido que a subvenção ao concessionário seria de 7% sobre o capitalde 2.000 contos de réis por trinta anos, o que acarretaria a despesa de 4.200 contos aos cofres públicos. Com a novadistribuição da subvenção concentrada nos anos de implantação do sistema, período em que a necessidade deinvestimentos seria maior, seriam gastos apenas 2.400 contos.

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americanos e fundaram em Nova York, a Manaós Railway Company, em 24 de fevereiro de 1898

(MORRISON, 1989, parte 6). Esta companhia incorporou a Viação Suburbana, cujo contrato havia

sido revisto em 24 de setembro de 1898 e incluía a obrigação de instalar 5 km de linhas com tração elétrica,

no prazo de um ano. O novo sistema de bondes elétricos começou a operar em 1o de agosto de 1899, após

ato solene de inauguração, pelo então governador Ramalho Júnior.

Manaus se tornou a terceira cidade brasileira a ter bondes elétricos. Naquela época,

somente o Rio de Janeiro, capital da República, e Salvador14 possuíam trens elétricos. Nas demais

cidades da América Latina, somente em Buenos Aires, Argentina, havia bondes elétricos circulando

(MORRISON, 1989, parte 6).

As linhas inicialmente trafegadas pela Manaós Railway Company eram as de Flores,

Cachoeirinha, Avenida Circular, Plano Inclinado, Circular Cachoeirinha e Saudade, num percurso de

aproximadamente 18 km (os trilhos tinham 19.700m). Pelo contrato, a empresa deveria estabelecer

linhas de bondes elétricos na cidade e subúrbios até o limite de 20km. A empresa possuía onze carros

motores de passageiros, três reboques puxados por locomotivas e o carro Amazonas, destinado ao

governo estadual. O serviço começava às 5h30 e ia até às 22h30. A usina de geração de energia instalada

na praça Benjamin Constant, na Cachoeirinha, fornecia parte da energia elétrica para o bombeamento

d’água da cidade (ESTADO DO AMAZONAS, 1902).

Figura 15 – Manaus: Bondes. Coleção Allen Morrison.

14 O sistema de bondes elétricos foi instalado pela Siemens & Halske em Salvador e inaugurado em 1897, mas as linhaspioneiras foram inauguradas em 1892 no Rio de Janeiro (MORRISON, 1989, parte 4).

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O serviço de bondes era considerado de boa qualidade, mas as viagens eram esparsas e

as passagens caras, apesar do subsídio do Estado. Já os serviços de iluminação elétrica pública e

particular, que tinham sido inicialmente contratados à Manaós Railway Company, foram entregues

em 29 de abril de 1898 à Empresa de Luz Electrica de Redman & Brown, por contrato assinado

com John C. Redman. Os serviços eram considerados “a melhor instalação do Estado” (ESTADO

DO AMAZONAS, 1898), em comparação com outros serviços urbanos. Entretanto, apresentava

falhas técnicas, como interrupções atribuídas à necessidade de aperfeiçoamento do sistema, o que

ocasionava descontos (por multas) à dívida mensal do Estado para com a empresa. O contrato da

iluminação foi posteriormente considerado muito oneroso, mas impossível de rescindir, dada a

necessidade de vultosa indenização em dólares:

Esse contracto é dos que mereciam ser modificados no sentido de tornar menos inferiora situação do Estado, inteiramente entregue de mãos atadas, em pacto valido e legalde todo o ponto, posto que oneroso e desigual. Para isso, entretanto, seria precisoaccôrdo que parece de diffícil obtenção: de tal fórma foi arranjado esse contracto que,além da rescisão não poder mais ter logar hoje como pena, uma vez que completou-se oprazo cuja falta foi o único motivo estipulado como rescisorio, na hypothese do governoprecisar de libertar-se desse gravame teria de pagar 33.333 dollares á razão de 7$000,seja qual for o cambio! (ESTADO DO AMAZONAS, 1903a, grifos nossos).

Diante de tal impedimento, restava ao poder público buscar soluções que pudessem maximizar

o gasto realizado15. A iluminação pública elétrica era então feita com 327 lâmpadas de arco voltaico com

capacidade de irradiação de luz de 2.000 velas cada (o contrato estabeleceu o número mínimo de 325)

e que ficavam acesas 11 horas por noite. O sistema funcionava bem, mas a distribuição não uniforme das

lâmpadas pela cidade, tornava a iluminação irregular, com algumas áreas parcamente e outras

adequadamente iluminadas. Para melhorar a distribuição, algumas lâmpadas foram deslocadas de áreas

pouco habitadas, onde havia desperdício de luz, para iluminar a parte mais edificada da cidade. É importante

lembrar que a cidade de Manaus tinha uma população de 38.720 em 1890 e 61.211 em 1900.

As lâmpadas incandescentes eram destinadas a iluminação dos edifícios públicos e

particulares e possuíam capacidade de 16 velas. O número mínimo contratual era de 1.500, sendo que

o Estado tinha a obrigação de utilizar um mínimo de 600. Os primeiros prédios públicos iluminados

foram: o Palácio do Governo, o Quartel do Regimento, a Catedral, o Coreto do Jardim, a Imprensa

Oficial e o Asilo Benjamin Constant. Posteriormente, a sala do Tribunal do Júri no Palácio da Justiça,

também foi iluminada. O Estado também fornecia iluminação gratuita para a Santa Casa.

15 Novamente, o Estado como poder concedente e contratador, se colocava numa posição de inferioridade epassividade em relação ao serviço contratado e à própria urdidura do contrato do qual era participante.

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Devido à ampliação e complexificação dos serviços elétricos que vinham sendo largamente

aplicados nos melhoramentos urbanos feitos na cidade de Manaus, pelo governo do Estado, foi criada,

em 15 de novembro de 1900, a Superintendência Geral de Fiscalização dos Serviços por Eletricidade.

O objetivo era normatizar e fiscalizar a qualidade e regularidade dos serviços que alcançavam diversas

atividades: instalação da viação elétrica, bombeamento d’água, iluminação urbana e domiciliar, telégrafo

terrestre16, iluminação do Teatro Amazonas e fornecimento de energia elétrica às lanchas para o serviço

de policiamento do porto17 (ESTADO DO AMAZONAS, 1902). O Estado executava diretamente

os serviços de iluminação do Teatro Amazonas e o fornecimento de força para as lanchas do policiamento

portuário. Posteriormente, a Imprensa Oficial foi equipada com motores elétricos encomendados pela

casa Abraham & C.ª nos Estados Unidos, para movimentar os prelos da tipografia do Diário Official

(ESTADO DO AMAZONAS, 1903a).

Figura 16 – Manaus: Represa das águas e casa das máquinas elétricas e bombas elétricas das águas que abasteciama cidade. NERY, S. Album do Amazonas, 1901-1902.

O serviço de bombeamento d’água, também executado pela Manaós Railway Company,

contava com três bombas elétricas e consistia na elevação das águas do depósito da Cachoeira Grande

para os reservatórios de Castelhana e Mocó, para serem distribuídas pela cidade. Todos os

equipamentos e materiais para a elevação das águas, incluindo casas e terrenos, com exceção das

máquinas produtoras de eletricidade, eram propriedade estatal, tendo sido entregues à administração

16 O serviço de telégrafos foi contratado com The Amazon Telegraph Company, Limited em, 4 de setembro de 1899,e inaugurado em 4 de novembro de 1900, ligando inicialmente as cidade de Itacoatiara a Manaus. Apesar de osserviços serem de má qualidade, o contrato com a empresa tinha como base um outro assinado em 1895 com ogoverno federal, “com as maiores vantagens e garantias para o contractante, não armando o governo da União, queo superintende, de meios próprios para evitar ou punir o máo cumprimento das obrigações contractuaes” (ESTADODO AMAZONAS, 1903a), deixando o governo estadual sem qualquer poder para interferir no contrato.17 Não é provável que as lanchas fossem movidas pela energia elétrica, esta energia devia ser utilizadas em focos eholofotes, auxiliando, desta forma, no serviço de fiscalização.

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da empresa em contrato lavrado em 20 de julho de 1898. O serviço era considerado de boa qualidade,

mas oneroso. Para a elevação da água, havia uma combinação da força gerada pelas bombas, turbinas

e materiais acessórios existentes na casa de máquinas da Cachoeira Grande e a energia produzida na

usina da Cachoeirinha, a mesma que produzia a força de tração para a viação pública. Além de utilizar

gratuitamente os equipamentos e materiais de propriedade estatal, havia ainda uma “subvenção cruzada”,

pois a energia para a tração dos bondes já recebia uma polpuda subvenção governamental.

Considerando os subsídios à viação urbana e ao bombeamento d’água, os valores alcançavam a soma

de 550 contos de réis anuais (ESTADO DO AMAZONAS, 1903a).

Diante dos pesados compromissos financeiros que representavam os contratos de

concessão de serviços elétricos, o governador Silverio José Nery considerou:

Resta que, estudando hoje a situação como se apresenta e attendendo a consideraçõesque não podem permitir mais regimen de trabalhos quasi privilegiados, curemos de ir,como legalmenmte nos fôr possivel, providenciando em ordem a estabelecer um regimennormal, resgatados compromissos onerosos e preparada uma situação de mais folgapara os nossos recursos orçamentarios e sem perturbação dos serviços de utilidadeincontestavel que temos (ESTADO DO AMAZONAS, 1903a; grifos nossos).

Para o governador, a Manaós Railway Company era uma “das emprezas que obtiveram

largos e imponderados favores para vir trabalhar entre nós, e que firmaram contractos habilmente

feitos do ponto de vista jurídico” (ESTADO DO AMAZONAS, 1903a, grifos nossos). Isto fazia do

Estado um mau comprador de serviços, já que aceitava contratar em condições desfavoráveis, e

significava que tal contrato não poderia ser anulado ou revisto senão em comum acordo, o que era

praticamente impossível, uma vez que implicaria a redução voluntária dos lucros por parte da empresa.

O Estado do Amazonas estava de mãos atadas e qualquer atitude unilateral, por parte do governo,

poderia ser contestada em juízo.

Em 24 de julho de 1902, a Lei no 378 permitiu a aquisição, pelo Estado, das empresas

Manaós Railway Company e respectiva usina Eletric Lighting Plant que exploravam os serviços de

viação urbana, bombeamento d’água e iluminação pública e particular. Para a realização da operação,

o Estado contraiu empréstimos na praça comercial de Nova York. Os serviços passaram às mãos do

poder público, em 15 de novembro de 1902. A fim de dar conta da gestão das usinas e serviços

relacionados, foi criada uma divisão para a direção dos serviços de iluminação pública e particular,

ficando a superintendência, anteriormente criada, responsável pelos demais serviços de eletricidade.

Para o governador Silverio José Nery, o governo do Estado tinha feito um ótimo negócio ao adquirir as

empresas que subvencionava; ao invés de representar verbas de despesa, passariam, a partir de então,

a aumentar as fontes de receita do tesouro estadual (ESTADO DO AMAZONAS, 1903b).

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Box III.1 – A Represa da Cachoeira Grande

No final do século XIX, o abastecimento de água potável constituía um grave problema na cidade deManaus. A Lei no 503, de 3 de novembro de 1880, autorizou a presidência a construir um reservatório para oabastecimento de água da cidade (PROVÍNCIA DO AMAZONAS, 1881). O sítio escolhido para a instalação darepresa, depois da realização de vários estudos, foi um dos braços do Igarapé da Cachoeira Grande, que possuía umavazão de 8 milhões de litros na seca e 17 milhões de litros no inverno. O local possuía uma pequena queda d’águacom cerca de três metros de altura e pouco mais de cem metros de comprimento. Em junho de 1883, a Lei no 615autorizou o início das obras, de acordo com as plantas e orçamentos elaborados pelo engenheiro encarregadodos estudos (PROVÍNCIA DO AMAZONAS, 1884).

A obra foi arrematada pelos engenheiros João Carlos Antony18 (amazonense) e John Moreton (cidadãobritânico) que criaram a empresa Antony, Moreton & Cia. O contrato para a execução da obra foi assinado em8 de outubro de 1883, mas os arrematantes não conseguiram levar a obra a cabo. O contrato foi transferido paraTaciano Maurillo Torres, em 30 de janeiro de 1886, e logo após, para o Comendador José Teixeira de Souza, em22 de julho de 1886 (PROVÍNCIA DO AMAZONAS, 1888).

As obras civis da barragem da Cachoeira Grande, iniciadas em 1883 e concluídas em 1888, foram projetadaspelo engenheiro Lauro Baptista Bittencourt que, por muitos anos, foi Diretor de Obras Públicas da Província. Arepresa era constituída de barragem de pedras e alvenaria, duas turbinas fabricadas sob encomenda, na Inglaterra,de 64 cavalos-vapor e conjuntos de bombas elétricas, além das construções e aparelhagens acessórias. As bombasserviam para elevar as águas que eram armazenadas no lago formado pela barragem e se destinavam aoreservatório, na praça dos Remédios.

Em 2 de junho de 1889, o presidente provincial, Joaquim de Oliveira Machado, relatou que, emboracontinuassem as obras de encanamentos, a população já usufruía do abastecimento de água potável portorneiras públicas instaladas em ruas e praças da cidade (PROVÍNCIA DO AMAZONAS, 1889).

A represa da Cachoeira Grande constituiu a primeira instalação hidráulica de uso múltiplo na região,aproveitando a água acumulada para o abastecimento d’água e, ao mesmo tempo, por meio da instalação demáquinas elétricas, gerando sua própria força para elevação das águas até o reservatório e posterior distribuição.

Figura 17 – Manaus: Máquina d’água da Cachoeira Grande. CACCAVONI, A. Album descrittivo Amazonico. 1898.

18 O engenheiro foi parlamentar na Assembléia Legislativa Provincial, no biênio de 1874 a 1876 e depois ocupouo cargo de engenheiro chefe da prefeitura de Manaus.

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Após a incorporação das empresas ao patrimônio do Estado, foi feita uma avaliação das

condições dos equipamentos e materiais, por Jeronymo Furtado de Mendonça, nomeado para este

fim. Os dez circuitos aéreos que irradiavam pela cidade e arrabaldes, oito, responsáveis pela iluminação

pública e dois, para alimentar as lâmpadas incandescentes, estavam em bom estado, os postes, ao

contrário, se encontravam enferrujados e carecendo de reparos. As lâmpadas de arco voltaico estavam

em más condições e, por serem de modelo antigo, a oficina de reparação não dispunha de peças para

substituições. O transformador também estava em mal estado, o que contribuía para as perdas de

energia. Quanto à usina, já estava operando no limite de capacidade, não sendo possível ampliar a

iluminação pública ou privada, pois qualquer desarranjo, num dos grupos de caldeiras, poderia paralisar

o serviço por meses (ESTADO DO AMAZONAS, 1903b).

Apesar disso, a empresa era lucrativa e rendia 47% depois de descontadas as despesas de

manutenção. A fim de incrementar os serviços, foi elaborado um “Projeto de Melhoramento” da empresa

que incluía: i) ampliar o suprimento de luz para os consumidores particulares, aumentando de 1.680 para

3.680 o número de lâmpadas incandescentes; ii) melhorar a qualidade e reduzir o custo da iluminação

pública das ruas; iii) diminuir o número de horas de iluminação, reduzindo os custos da usina; iv) expandir

a empresa quando todas as 3.680 lâmpadas estivessem sendo utilizadas; v) garantir a remuneração de

toda luz consumida, eliminando o fornecimento gratuito de luz a qualquer título (as repartições públicas

deveriam utilizar suas dotações orçamentárias para iluminação, que seriam repassadas à empresa de luz

elétrica), recebendo adiantado o pagamento das instalações, cortando o fornecimento de contas não

quitadas, estabelecendo preços diferenciados para diferentes horas e circuitos; e, ainda, vi) evitar os

desperdícios pela redistribuição da iluminação pública e reduzir o consumo de carvão. Tudo isso com

vistas a reduzir os encargos do Estado com os sistemas elétricos e aumentar as receitas (ESTADO DO

AMAZONAS, 1903b). Não há notícias de que o plano tenha sido efetivamente implementado.

A companhia estatal passou a se chamar Serviços Electricos do Estado e recebeu algumas

melhorias, como a aquisição da usina B, antiga Bytton, incorporada aos serviços elétricos em 14 de

outubro de 1904. O serviço passou a contar com as usinas geradoras A e B e novos equipamentos

foram encomendados nos Estado Unidos (ESTADO DO AMAZONAS, 1906b).

Em viagem de pesquisa pela região Norte, os doutores Victor Godinho e Adolpho

Lindenberg narraram um episódio pitoresco envolvendo a luz elétrica em Manaus que, segundo eles,

era de muito boa qualidade:

Procurámos com grande interesse os anopheles transmissores do impaludismo não sóno centro da cidade como em seus arredores [...] Estavamos mesmo desanimados decolher alguns exemplares, quando uma circumstancia fortuita nol-os fez encontrar emgrande numero. Foi no theatro. A illuminação electrica dos poderosos fócos dispostos

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na fachada do edificio tinham attraido uma myriade de pequenos insectos que vinhampousar na parede do vestibulo; pois bem – lá estavam entre elles os anopheles. Fizemos,pois uma grande colheita.Eis ahi como um elemento de progresso, a luz electrica, se transforma em chamariz deelementos perigosos. O que se viu no theatro, collocado no centro da cidade deve servisto por toda ella, profusamente illuminada a arco voltaico.

Mas ressaltaram os viajantes:

Longe de nós o pensamento de condemnar, por isso a luz electrica; esse facto nosconvence, porém, e cada vez mais que é urgente destruir em Manáus todos osesconderijos em que são creados aquelles damninhos insectos (GODINHO eLINDENBERG, 1906, grifos nossos).

A administração estatal dos serviços elétricos se revelou bastante complexa já que exigia

conhecimentos técnicos, pessoal especializado e materiais específicos, além de supervisão constante.

Foi então cogitada a entrega dos serviços novamente à iniciativa privada. Em 12 de janeiro de 1904

a Lei no. 431 permitiu a colocação dos serviços elétricos de viação e luz do Estado em concorrência

pública para arrendamento por 60 anos. Os editais foram publicados por longo prazo sem o

aparecimento de concorrentes e somente em 8 de novembro de 1906 foi lavrado o contrato com

Luiz Travassos da Rosa, cuja proposta foi escolhida como a mais favorável. As usinas A e B estavam

em carga máxima e não tinham condições de atender aos inúmeros pedidos de instalação de luz em

casas particulares. Tão logo foram transferidos os serviços, a firma Travassos & Maranhão começou

a melhorar o material fixo e rodante do serviço de viação. Com pouco mais de um ano, o contrato

foi suspenso. A fiscalização chegou à conclusão de que o modo como estava sendo executado o

serviço gerava prejuízos para a fazenda pública e danos à população. Havia inúmeras ocorrências

de acidentes com os carros da viação pública, sobrecarga das máquinas, estragos em fios e lâmpadas

etc., o que colocava em risco a vida dos trabalhadores da empresa e dos usuários dos serviços. O

arrendatário também não havia quitado as parcelas devidas pelo arrendamento, optando por renunciar

à execução do contrato.

Os serviços foram postos em hasta pública e se apresentaram dois concorrentes: o

engenheiro Frank Hebblethwaite, que tinha sido concessionário dos serviços de viação, à frente da

Viação Suburbana e depois, como sócio da Manaós Railway Company, e o engenheiro Antonio de

Lavandeyra, concessionário do serviço de abastecimento de água e consumidor de energia elétrica

produzida pela usina do Estado (ESTADO DO AMAZONAS, 1906a). Este último ganhou a

concorrência e, como novo contratante, quitou as dívidas do concessionário anterior iniciando os

reparos necessários para fazer os serviços de viação, luz e bombeamento d’água retornarem à

normalidade (ESTADO DO AMAZONAS, 1908).

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Figura 18 – Manaus: Traçado das linhas de bonde, 1906. Base Cartográfica do Lab. Cartografia - DEGEO/Ufam.Organização: Geraldo Alves de Souza, apud OLIVEIRA, 2003.

O contrato de concessão por 60 anos foi assinado em 27 de abril de 1908, para os

serviços de tramways e iluminação. Lavandeyra transferiu a concessão19 para capitalistas ingleses que

criaram a Manaós Tramways & Light Company com registro em Londres, em 12 de janeiro de

1909. A nova firma assumiu a tarefa de reconstruir as linhas e ampliar os serviços, além de apresentar

um plano no prazo de oito meses, para reunir as usinas em um só lugar, onde seriam instalados os

geradores destinados à tração, luz e força motriz. O usufruto dos edifícios e terrenos necessários à

nova usina, bem como os terrenos desapropriados da extinta Manaós Railway Company, foram

concedidos gratuitamente ao arrendatário que passou também a usufruir do “direito de desapropriação

por utilidade pública” para a instalação da rede elétrica. Foi concedida isenção de impostos estaduais

e municipais e garantia do empenho do governo estadual para a obtenção de isenção de direitos do

governo federal sobre a importação do material necessário à instalação e funcionamento do sistema

elétrico (SERVIÇOS ELÉTRICOS DO ESTADO, s/d).

O Estado do Amazonas se comprometeu com o pagamento anual de 12.500 libras pelos

serviços de viação urbana, nos primeiros cinco anos, e com a manutenção de um mínimo de 320

19 O contrato de arrendamento garantia ao arrendatário o direito de executar o contrato por si, ou por empresa oucompanhia que organizasse (SERVIÇOS ELÉTRICOS DO ESTADO, s/d).

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136

lâmpadas de arco voltaico para a iluminação, pública ao custo de 9.000 libras (à taxa cambial do

último dia do mês anterior). O arrendatário deveria prover 100 lâmpadas incandescentes para os

edifícios públicos e o fornecimento da energia custaria 50% do preço da luz paga pelos particulares. A

Santa Casa de Misericórdia, o Hospício de alienados e o Instituto Benjamin Constant teriam iluminação

gratuita. A iluminação privada seria distribuída em corrente contínua de 220 volts ao preço inicialmente

fixado em 700 réis por KW/h, segundo a marcação dos contadores, enquanto o preço dos bilhetes

dos bondes foi fixado em 200 réis para cada sessão de aproximadamente 18 milhas (SERVIÇOS

ELÉTRICOS DO ESTADO, s/d). Com esses valores, o lucro líquido da companhia para o ano de

1911 era estimado em 45.900 libras (WILEMAN, 1909).

Em 27 de dezembro de 1909, houve um acidente na usina geradora de energia para a

viação pública que interrompeu o serviço de bondes por dois meses. Em função dos danos, a antiga

usina da viação foi fechada, ficando o fornecimento de energia a cargo da nova usina que estava sendo

construída pela Manaós Tramways & Light Company no Plano Inclinado, de acordo com projetos

aprovados pelo governo. Nas antigas dependências da usina desativada, nas oficinas e depósitos,

foram iniciados os trabalhos da construção do hangar para 60 carros, com diques para consertos e

limpeza. A barragem que represava a águas da Cachoeirinha também foi demolida. As linhas de viação

foram quase todas duplicadas e as antigas substituídas em grandes trechos.

A rede aérea também foi substituída, tanto as da viação quanto a rede de iluminação. A

cidade foi dividida em seis seções com um feeder correspondendo a cada uma, partindo da usina

central. Foram instaladas 64 chaves interruptoras em diferentes pontos, para garantir a segurança e

evitar embaraços ao serviço, caso houvesse um acidente em algum trecho da rede. As instalações

domiciliares também foram adaptadas aos novos circuitos.

A iluminação pública continuou a ser feita pela antiga usina de luz, o que contribuiu para que

o serviço não tivesse alcançado um nível adequado, merecendo atenção da fiscalização. As lâmpadas,

que não funcionavam, continuaram a ser descontadas nas contas mensais da iluminação pública. Em

1912, foi inaugurada a iluminação da Vila Municipal com 20 lâmpadas de arco voltaico e as despesas

ficaram a cargo da municipalidade. A iluminação particular também tinha crescido com a instalação de

dois novos condutores adicionais com 500 metros, além de 9.550 metros de fios novos em ruas e

avenidas. O número de lâmpadas incandescentes empregadas em meados de 1912 era de 16 mil,

distribuídas entre 1.650 consumidores (ESTADO DO AMAZONAS, 1912). O levantamento estatístico

da rede de tráfego registrou, em 1912, a existência de 30.616 km de extensão de linhas de carris, bem

como o emprego de 244 pessoas, das quais 18 em atividades administrativas na empresa. No mesmo

período, a população de Manaus era de 80.931 habitantes (BRASIL. MAIC. DGE, 1916).

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Em 1915, em virtude do atraso nos pagamentos pelo tesouro público, a empresa solicitou a

suspensão das prestações semestrais de arrendamento, enquanto o Estado não quitasse suas dívidas.

Embora a demanda fosse considerada legítima, o pedido foi indeferido, visto que o pagamento estava

apenhado às prestações à Societé Marseillaise, devido a um contrato de empréstimo ouro contraído pelo

governo amazonense (ESTADO DO AMAZONAS, 1915). No ano seguinte, o número de lâmpadas da

iluminação pública foi diminuído para reduzir os encargos do Estado, que passava por uma crise financeira.

Com o início da Primeira Guerra Mundial, as encomendas de carros novos e outros materiais

do estrangeiro, necessários a conservação do serviço de viação, ficaram retidas ou atrasadas em

função da ocupação das fábricas no preparo de material bélico (ESTADO DO AMAZONAS, 1916).

Por esta razão, foi concedido novo prazo para que a empresa ampliasse as linhas urbanas. Das duas

novas linhas, uma deveria partir da avenida Joaquim Nabuco, passar pelas ruas Leonardo Malcher,

Emilio Moreira, Ramos Ferreira e Visconde de Porto Alegre, até a linha da Cachoeirinha e a outra da

rua Leonardo Malcher, passar pela Emilio Moreira até a Vila Municipal. Posteriormente, a empresa foi

isentada da construção daquelas linhas20, em virtude das dificuldades econômicas do município que

não poderia preparar as ruas para receber os trilhos. Em substituição, a empresa se comprometeu a

construir uma linha no bairro da Vila Municipal, mais populoso do que a área anteriormente definida,

partindo acima do Reservatório e percorrendo as ruas Maceió, Recife e Teresina, terminando na praça

Silverio Nery (ESTADO DO AMAZONAS, 1918).

Em 22 de dezembro de 1918, foi inaugurada a linha de Adrianópolis com grande festa

popular organizada pela Comissão de Moradores do bairro e celebração de missa especial pelo

melhoramento urbano. No início dos anos 1920, havia oito linhas de bondes funcionando regularmente,

inclusive a linha da Vila Municipal. A iluminação pública era feita por meio de oito circuitos que ligavam

358 lâmpadas de arco voltaico, das quais o município continuava responsável pelo pagamento de 20.

O número de edificações particulares que utilizavam luz fornecida pela empresa por meio de outros

oito circuitos era de 3.463, de um total de 11.709 prédios e 11.444 domicílios registrados (BRASIL.

MAIC. DGE, 1916), com um consumo anual de 1.688.636 KW/h. A população de Manaus chegava

a 75.704 habitantes. Havia, ainda, 16 repartições públicas servidas de iluminação elétrica. Alguns

estabelecimentos particulares de utilidade pública também recebiam iluminação subvencionada pelo

Estado: Hospital da Sociedade Portuguesa Beneficente, Tiro no 10, Tiro Naval, Associação dos

Empregados do Comércio, Parque Amazonense e Conservatório Carlos Gomes (ESTADO DO

AMAZONAS, 1919, 1920 e 1921).

20 Lei estadual no 64, de 27/08/1918 (SERVIÇOS ELÉTRICOS DO ESTADO, s/d).

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Em meados dos anos 1920, a empresa passou por uma crise financeira, mas os serviços

de iluminação continuaram a ser prestados de maneira satisfatória. Os serviços de viação, por outro

lado, atravessaram uma fase de desastres devidos aos estragos no material rodante e imperícia de

condutores (ESTADO DO AMAZONAS, 1924 e 1926).

De acordo com STIEL (1984, p. 198), a introdução do auto-ônibus em Manaus, já no

início dos anos 1920, fez com que os bondes perdessem em competitividade para este novo tipo de

transporte urbano, o que contribuiu para agravar a crise. Esta informação, contudo, é contestada por

MELLO (1983) e por CASTRO (1948). De acordo com o último:

Até 1939, não possuía a cidade outro meio de transporte coletivo além dos carroselétricos. Surgiu a iniciativa de um particular pondo em circulação quatro ônibus, osquais depois de rodarem pouco mais de um ano, foram comprados pela ‘ManausTramways’ que os encostou na usina da Cachoeirinha onde não tardaram a transformar-se em sucata (CASTRO, 1948, p. 172-173).

Em meados dos anos 1920, o Estado começou uma reforma na centralização dos focos

luminosos nas vias públicas, objetivando melhorar a iluminação e reduzir os custos. A proposta era

reformar toda a cidade, inclusive a decoração das fachadas dos prédios públicos, bem como realizar

uma reforma total nos serviços elétricos da Vila Municipal.

Em 1928, a população de Manaus chegava a 82.836 habitantes. O aumento na demanda

de energia levou a empresa a ampliar a usina central, por meio da instalação de mais dois conjuntos

geradores de 200 KW cada e a construção de uma nova chaminé. O número de lâmpadas de arco

voltaico para os serviços de iluminação pública tinha se elevado para 391 e a empresa começava a

importar material para instalar a iluminação na Vila Belisario Penna, construída para o isolamento

dos doentes do mal de Hansen. Alguns prédios públicos receberam instalações elétricas novas21,

outros tiveram suas instalações reformadas22 e outros receberam instalações elétricas festivas

(temporárias)23 (ESTADO DO AMAZONAS, 1928 e 1929). Foi inaugurada a iluminação no bairro

dos Educandos e os bairros São Raymundo e Vila Municipal tiveram a iluminação ampliada. A

Hospedaria de Imigrantes também recebeu equipamentos (máquinas, dínamos e geradores) para a

instalação de uma usina elétrica própria.

21 Asilo de Mendicidade, Diretoria de Águas e Esgotos, Sanatório Ephigenio de Salles, Hospício Eduardo Ribeiro,Chefatura de Polícia e Delegacia Auxiliar, grupo escolar Guerreiro Antony, Diretoria de Estatística, Museu e Numismática,Capela do Instituto Benjamin Constant, Quartel do Pelotão de Cavalaria, pavimento térreo do grupo escolar ArthurBernardes, Broadcasting, grupo Escolar Carvalho Leal e Creche Alice de Salles.22 Palácio do Rio Negro, Penitenciária do Estado, Instituto Benjamin Constant e Secretaria Geral do Estado.23 Chefatura de Polícia, grupos escolares Guerreiro Antony, Silverio Nery e Marechal Hermes, Hospício Eduardo Ribeiro,Broadcasting e Creche Alice de Salles.

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Todas essas ampliações nos serviços públicos de iluminação tinham como conseqüência

imediata a elevação das despesas públicas, especialmente devido a baixa do câmbio. Logo, o governo

teria de reduzir, novamente, o número de lâmpadas para cortar gastos, medida que, conforme

mencionado anteriormente, fora aplicada inúmeras vezes ao longo do tempo.

Durante as décadas de 1930 e 1940, a questão das tarifas dos serviços elétricos se

tornou central em todo o país e a revisão dos preços um ponto de disputa entre as empresas

concessionárias e os governos. A situação não foi diferente no caso da Manaós Tramways & Light

Company que algumas vezes teve negado pelo Estado seus pedidos de aumento das tarifas (ESTADO

DO AMAZONAS, 1930).

Figura 19 – Manaos Tramways. Anúcio comercial e Cartaz informativo. FREITAS, Edezio de (org.). Guia Turístico eComercial da Cidade de Manaus e seus Arredores, 1932; Revista Syntonia dos Telegraphistas do Amazonas, Ano I,junho, 1940.

Em 1932, Manaus possuía 35 km de linhas de carris urbanos eletrificados e transportava

cerca de 7.902.000 pessoas por mês. Dez anos depois, a cidade possuía 38 km de linhas de carris

urbanos e transportava mensalmente 17.983.000 passageiros. A empresa empregava 641 trabalhadores,

sendo 9 no setor administrativo (BRASIL, 1936, v.2, p. 145 e BRASIL. IBGE, 1947, p. 161).

Em 07 de março de 1939 uma alteração no contrato fixou o custo da iluminação pública

em 504 contos de réis por ano em prestações mensais, correspondentes a 320 lâmpadas de magnetite

de 4 ampéres cada, com poder iluminativo de 0,27 foot-candle por noite de 11 horas. O preço da luz

particular foi fixado em 1000 réis por KW/h e foi estabelecida uma tabela especial para o consumo

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elétrico para fins industriais. Por sua vez, a empresa ficava obrigada a ampliar a capacidade da recém-

inaugurada subestação da Cachoeirinha para 800 KW no prazo de um ano, além de revisar as máquinas

e caldeiras da usina principal no Plano Inclinado (SERVIÇOS ELÉTRICOS DO ESTADO, s/d).

Ao longo da Segunda Guerra Mundial os serviços elétricos começaram a decair. As

caldeiras das usinas consumiam 140 toneladas de lenha diariamente e os fornecedores de lenha exigiam

a elevação do preço da tonelada. A empresa não cedeu, resultando no desabastecimento e agravando

a crise de energia elétrica. A cidade, com freqüência, ficava às escuras e sem transporte, a não ser os

carros de praça (MELLO, 1983, p. 91). Esta situação revoltava a população: “Certa manhã os

estudantes da Faculdade de Direito incendiaram um bonde de Nazareth em plena praça dos Remédios.

Botaram logo a culpa nos comunas.” (MELLO, 1983, p. 92) Para complicar a situação da empresa,

em 1943, surgiram linhas de ônibus para fazer os trajetos para os bairros de Educandos e Cachoeirinha

e logo apareceram outros para Adrianópolis, Praça 14 e Aparecida. Conforme surgiam, o povo ia

apelidando os coletivos com nomes oriundos das canções populares como “pirata”, “periquito da

madame” etc (CASTRO, 1948, p. 172-173).

Em 1946, começou a discussão sobre a nacionalização dos bondes, já sob intervenção

federal. Em junho, o jornal “A Crítica” noticiou que havia um plano continental de nacionalização

das empresas estrangeiras na América Latina, com vantagens para os “capitalistas adventícios”

(MELLO, 1983, p. 91).

A decadência dos serviços fez com que o Presidente da República decretasse uma

intervenção federal na empresa em setembro de 1946, a fim de assegurar sua normalidade. A intervenção

durou até junho de 1947, mas as condições de funcionamento da empresa continuaram críticas, o que

levou o Estado do Amazonas a encampá-la, incorporando-a aos Serviços Elétricos do Estado, em 11

de fevereiro de 1950.

A gravidade da situação da empresa era de tal ordem que a produção de energia foi

paralisada. A cidade ficou totalmente às escuras por vários meses (STIEL, 1984, p. 198). A falta de

energia fez com que os serviços de trens elétricos urbanos fossem suspensos. A Companhia de

Eletricidade de Manaus tentou reorganizar os serviços de bondes que foram restabelecidos por curto

período em 1956, enquanto a antiga concessionária inglesa lutava pela manutenção da posse de sua

concessão. Finalmente, em 28 de fevereiro de 1957, o serviço de passageiros foi encerrado em definitivo.

A Companhia de Eletricidade de Manaus encampou todas as instalações em 1962 e desativou o

serviço de bondes elétricos em Manaus (MORRISON, 1989, parte 6).

Apesar do ônus que representou para os cofres públicos, a implantação do serviço de

eletricidade para a iluminação, tração e força, na cidade de Manaus, teve amplas repercussões no

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cotidiano da cidade. De acordo com NERY (1901-1902), a Avenida Eduardo Ribeiro se tornara a

principal artéria de Manaus, onde se localizavam os principais estabelecimentos da capital, como

ateliês de modistas, hotéis e restaurantes. O Teatro Amazonas, de frente para a praça São Sebastião,

com sua abundante iluminação à luz elétrica privativa do edifício, causava um grande efeito arquitetônico

e cenográfico no palco. Os novos aparelhos elétricos e os ventiladores que foram introduzidos nas

casas e estabelecimentos, elevavam o conforto dos citadinos a um novo patamar:

Os ventiladores electricos, pelas vantagens de comodidade que offerecem, não só ásfamilias como a grande numero de estabelecimentos, taes como hoteis, ‘restaurants’,cervejarias, barbearias, etc., conquanto de há pouco installados, merecem desde jáfigurar no rol dos melhoramentos materiais a que mais largo futuro estará, certamente,reservado (NERY, 1901-1902, p. 66-67).

Anos mais tarde, Lloyd iria corroborar esta visão ao afirmar que a vida na cidade não

estava “sujeita ao clima”, devido às comodidades modernas como os ventiladores elétricos nas

repartições públicas e casas particulares e a produção ilimitada de gelo (LLOYD, 1913, p. 980).

Manaus seria um exemplo do admirável e rápido progresso do Estado do Amazonas:

As ruas são largas e bem calçadas, as principais asphaltadas e as outras a parallelipipedos.É illuminada a electricidade, havendo tambem centenas de casas particulares cominstalações electricas. [...] As ruas mais importantes são servidas por tracção electricacom um percurso de 16 milhas, havendo uma linha circular que passa pelos pitorescossuburbios da Cachoeirinha, Flores e outros pontos frequentados que apresentam aospassageiros lindas paisagens formadas por densas capoeiras da mais rica vegetaçãotropical e esplendidas avenidas de palmeiras (LLOYD, 1913, p. 979).

Os bondes elétricos se tornaram “traços típicos da vida manauense” (NERY, 1901-1902, p.

67), circulando das cinco e meia da manhã à meia-noite, sendo utilizados tanto para o trabalho, quanto para

o lazer. Os bondes eram mais do que um meio de transporte. Faziam parte da vida cotidiana e da sociabilidade

da população de Manaus. Eram uma forma de vivenciar a experiência sócio-espacial da cidade que envolvia

movimento, velocidade, novidades visuais e contatos sociais. Conforme aponta NYE (1991):

Andar de bonde não era uma experiência passiva, mas oferecia um complexo conjuntode perspectivas. Trafegar criava uma nova experiência do espaço urbano e uma novaidéia de comunidade e o bonde redefinia os arredores tanto para passageiros, quantopara espectadores. Era um texto móvel que entrelaçava encontros casuais entre estranhos,novas visões da cidade e diversos tipos de propagandas. Era um estágio para osrelacionamentos.[...] O interior do carro era a região de possíveis flertes, demonstrações de urbanidade,encontros fortuitos, perigos e inconveniências; era menos previsível do que a experiênciade trafegar no trem numa estrada de ferro ou automóvel (NYE, 1991, p. 104-105).

Em Manaus, andar de bonde era uma atividade social, cuja importância foi descrita pelo

poeta amazonense Thiago de Mello através de suas reminiscências:

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Passear de bonde, dar uma volta no Saudade, fazer o Circular era mais que umdivertimento domingueiro: era o costume, virou moda. As famílias tradicionais nãotransigiam: primeiro era a missa na Matriz, a das dez, que era a mais elegante; depois opasseio pelo Rodoway; e para fechar a manhã, uma volta na linha dos Remédios, que aoseu retorno à estação da Manaus Tramways mudava a placa para Saudade, muitospassageiros nem desciam. Ou então aproveitavam a parada para tomar um refresco deguaraná gasoso, servido no quiosque sempre muito limpo, montado por um francês,onde também se podia tomar um excelente pega-pinto, também chamado pela criançadade rala-rala (MELLO, 1983, p. 86, grifos nossos).

A importância dos bondes para a vida social e festividades da cidade apareceu também

em nota no Jornal “O Tempo”, em 1913:

A Manaós Tramways... tem a honra de avisar ao respeitável público que nas noites davéspera e dia de São João, 23 e 24 de junho, haverá bondes para todas as linhas durantetodas as noites e será aumentado o número das mesmas para a linha de Flores (Jornal“O Tempo”, Janeiro de 1913, apud MAGALHÃES, s/d).

Os bondes também tinham um papel na aproximação dos enamorados e na concretização

dos romances:

Posso garantir que, da minha geração, nenhum namoro chegou a noivado, nenhumnoivado deu em casamento, sem a ajuda do bonde. Boa fase do namoro consistiasimplesmente em (o rapaz) passar de bonde em frente a casa da namorada, que najanela esperava: era um aceno de mão, um adeusinho, como então se dizia e que eradado só com dois dedos, e estávamos namorados. Quando se chegava a fase do‘compromisso’, quer dizer, o rapaz pedia aos pais permissão para namorar a filha, duascoisas lhe eram permitidas: conversar no portão (mas com a mãe na janela) e dar umavolta de bonde com a moça, desde que em companhia de irmãs, de irmãos, de tiasenchapeladas. De mão na mão nem esperanças; só quando o bonde ajudava com umacurva fechada, e almejada (como aquela da descida da rampa dos Remédios paradobrar pelas Barés ou a dos Andradas para a Joaquim Nabuco) – é que os noivosexperimentavam a delícia do aconchego fugaz (MELLO, 1983, p. 88, grifos nossos).

Os trilhos também eram usados pela garotada para fazer cerol de vidro para as pipas e era

nos bondes que a rapaziada mostrava valentia, desafiando a morte para praticar o esporte de “morcegar”:

Morcegar consistia em tomar o bonde em movimento e logo em seguida saltar [...].Rapaz que se prezasse só saltava de costas, principalmente se a namorada andassepor perto: corria dois ou três passos na plataforma e se lançava ao ar na direçãooposta ao bonde; mal tocava o chão, o corpo iniciava a corrida, também de costas,amortecendo o impulso em sentido inverso (MELLO, 1983, p. 87).

Os condutores, freqüentemente, se queixavam do comportamento de passageiros,

especialmente os estudantes, que faziam algazarras nos bondes. No KCT, “Órgão Independente,

defensor do direito e da verdade”, periódico local, de 03 de março de 1927, um condutor reclamou

das discussões e gritos promovidos por estudantes, um dos quais não quis pagar a passagem, e que ao

descerem cuspiram e tiraram a capa do motorista.

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Figura 20 – Escritórios e bondes da Manaós Tramways. Coleção Allen Morrison.

Os bondes elétricos faziam parte da vida social, mediando relações e maneiras de vivência

dos espaços na cidade. Embora sua contribuição efetiva para a expansão da malha urbana de Manaus

tenha sido marginal – houve uma certa expansão em direção à parte leste e arrabaldes – os bondes

participaram do processo social de construção do urbano, consolidando o sistema existente e as

formas de circulação na cidade (OLIVEIRA, 2003, p. 112-113).

3.2.2 Pará Electric Railways and Lighting Company, Limited

Em 23 de outubro de 1868, foi concedido pela Carta de Lei no 585 a James B. Bond,

cônsul dos Estados Unidos e empreendedor capitalista, o privilégio exclusivo de exploração, por trinta

anos, dos serviços de transporte coletivo de Belém (CRUZ, 1973, p. 573, v. 2).

Em 1871, a concessão foi passada para a firma Bueno & Cia., do Comendador Manoel

Antônio Pimenta Bueno24, que a repassou para a sociedade anônima Companhia Urbana da Estrada

de Ferro Paraense.

24 Manoel Antônio Pimenta Bueno era filho de José Antônio Pimenta Bueno, o Marquês de São Vicente, e chegou ao Parápara dirigir a Companhia de Navegação do Amazonas, pertencente ao Barão de Mauá. Manoel Bueno foi Presidente daAssociação Comercial do Pará e possuía importantes relações sociais e políticas com famílias distintas da elite paraense,onde se destacavam alguns dos maiores exportadores de borracha. Fazendo uso de sua rede de relações sociais efamiliares, e também da posição que ocupava à frente da prestigiosa companhia, Bueno soube construir “uma relação defavores entre ele e a administração provincial” (BATISTA, 2004, p. 220) que lhe rendeu mais prestígio político, reforçandosua posição na sociedade local.

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A Companhia Urbana de Estrada de Ferro Paraense foi incorporada, em Belém, em 05

de outubro de 1870 e autorizada a funcionar em 22 de abril de 1871 pelo Decreto no 4.719, quando a

firma de Bueno e Cia deixou de existir. A empresa tinha o objetivo de construir e explorar linhas de carris

movidos a vapor e tração animal para o transporte de passageiros e de cargas. Em 1883, a companhia

possuía 35 km de linha, funcionando com tração animal. Posteriormente, o objetivo da companhia passou

a ser construir e custear linhas de carris urbanos e respectivos veículos movidos por tração animal, vapor,

eletricidade ou qualquer meio que pudesse ser mais vantajoso e econômico, além de montar oficinas de

eletricidade para fornecer luz contratada pela intendência municipal de Belém e por particulares.

(COMPANHIA URBANA DE ESTRADA DE FERRO PARAENSE, 1871 e 1900).

Figura 21 – Belém: Bonde de tração animal na Avenida Independência. Album de Belém, Pará, 1902.

Em janeiro de 1893, a municipalidade de Belém realizou a concorrência pública para o

serviço de iluminação pública e recebeu quatro propostas, das quais duas eram de iluminação a gás e

duas pelo sistema elétrico. Em fevereiro, o Conselho Municipal decidiu pela adoção do sistema elétrico.

Somente duas propostas se enquadravam: a da Companhia Urbana de Estrada de Ferro Paraense,

e a da Companhia de Luz Electrica Paraense. A proposta escolhida foi a da Companhia Urbana,

que, em 26 de maio e 12 de novembro de 1894, assinou os contratos com a municipalidade de Belém,

se comprometendo a passar os sistemas de iluminação e de bondes para a energia elétrica.

Na época, houve um debate na imprensa porque o jornal Diário de Notícias levantou

suspeitas sobre a concorrência e um possível privilégio que teria sido dado à Companhia Urbana,

visto que a proposta desta empresa era mais onerosa do que a apresentada pela Companhia de Luz

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Electrica Paraense (DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 27/05/1894, apud SILVA, 2005, p. 77). A justificativa

da contratação era que a Companhia Urbana propusera um sistema totalmente elétrico, enquanto a

concorrente apresentara a proposta de um sistema misto elétrico e a gás.

O contrato tinha vigência de 25 anos e o prazo de três anos para a implantação, mas logo a

empresa pediu uma prorrogação do prazo de implantação dos bondes para 8 anos e da vigência para 50

anos, o que dava à companhia o privilégio de exploração do serviço até 194425. Existia uma outra

empresa de carris urbanos, a Companhia de Bondes Paraense, concessionária do governo do Estado,

com quem a Companhia Urbana freqüentemente entrava em conflito por áreas de concessão e pelo

assentamento dos trilhos nas ruas e praças da cidade (PROVÍNCIA DO PARÁ, 1887). Para a eletrificação

dos bondes as duas empresas se fundiram em 1894. O serviço de iluminação pública foi inaugurado em

1o de fevereiro de 1896, mas até o início de 1903, havia constantes interrupções. Como vimos no

capítulo anterior, o sistema de iluminação baseado em lâmpadas incandescentes de 16 velas mereceu

severas críticas do intendente municipal Antonio Lemos – responsável político pela realização de importantes

transformações urbanas, em Belém, no início do século XX –, que via mais vantagens nas lâmpadas de

arco voltaico, utilizadas com sucesso no sistema de Manaus, e no sistema misto, a gás e elétrico26.

A deficiência dos serviços de viação urbana e o não cumprimento das mudanças

demandadas pela municipalidade gerou grande insatisfação. A adoção do bonde elétrico era

imprescindível para a nova imagem da cidade e o fato de ainda depender da tração animal, quando

outras cidades como Salvador (1897) e Manaus (1899) já usufruíam do serviço elétrico era motivo de

grande desgosto na moderna cidade de Belém. O intendente municipal Antônio Lemos esperava que a

empresa repassasse o contrato, já que não tinha mais expectativas de que ela viesse a implantar o novo

sistema de transporte urbano:

Tenho ouvido dizer que a diretoria da Urbana mais uma vez entabolára negociaçõespara realizar a transferência de seu contracto a empresa extrangeira que se incumbissede installar a tracção electrica. Mas também sou informado que, ao incitar as negociações,tamanhas são as exigencias d’aquella companhia, que põem fóra do mercado ospretendentes. E assim, de dilação em dilação, tem vindo ella, a Urbana, a adiar de annopara anno um trabalho que reputo imprescindível n’uma capital como a nossa. Tudo meleva a crer que a citada Companhia absolutamente não pensa em levar a effeito ocontracto, porventura esperançada em nova prorogação [sic], que não deveis conceder,senhores Vogaes, ou n’uma incuria que é, só em lembrança, uma dolorosa offensa ánossa solicitude pelos interesses comunaes.

25 Lei municipal no 133, de 08/04/1897.26 Pode-se especular que as críticas do intendente Antonio Lemos ao sistema de iluminação construído pelaCompanhia Urbana – cuja contratação ocorrera na gestão do Barão de Marajó – tenham também alguma relaçãocom uma disputa entre o legado político do Barão, assentado nas relações sociais, familiares, comerciais e políticasdo Império – base social compartilhada com Pimenta Bueno, idealizador da Companhia Urbana – e a construção denovas relações e influências políticas republicanas.

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O systema de tracção electrica para os bonds é, hoje em dia, o systema triumphante.[...] Nem mesmo é necessario estudar tal systema, porque sua divulgação tornou-oconhecidissimo. Basta aplical-o e exploral-o, - uma vez que a Urbana possue até avantagem de contar já com os postes da illuminação pública, os quaes são elementosganhos para o assentamento dos troleys aéreos (MUNICÍPIO DE BELÉM, 1902, p. 269-270, grifos nossos).

Como mostram as palavras do intendente, o sistema de tração elétrica para os bondes

havia se tornado um processo técnico assimilado e popularizado nos primeiros anos do século XX e

era inconcebível que Belém, uma cidade vista como das mais progressistas no aspecto urbano, tivesse

dificuldades para alcançar este patamar de progresso.

Em 09 de dezembro de 1904, a Lei no 391 autorizou a transferência dos contratos entre

a Companhia Urbana de Estrada de Ferro Paraense e a municipalidade para o Senhor C. H.

Christopher Moller, ou firma por ele constituída, em Londres, para este fim27. A concessão tinha a

finalidade de explorar, com o uso da eletricidade, os seguintes serviços: i) transporte de passageiros,

cargas e mercadorias; ii) iluminação pública com lâmpadas incandescentes ou de arco voltaico nas

ruas, travessas, praças, passeios, jardins, cais, avenidas, edifícios municipais e estaduais, exceto naquelas

vias públicas em que a intendência municipal determinasse o uso de outro sistema de iluminação; e iii)

iluminação privada, sem prejuízo de concessões anteriores e sem embaraços para a livre concorrência

para o serviço das casas comerciais e particulares.

Desta forma, ficava assegurada a opção pela iluminação a gás, que continuou a existir. De

acordo com o intendente Antonio Lemos, esta medida tinha como benefício a comparação prática

pelos usuários dos dois sistemas de iluminação e a adoção, segundo sua conveniência. Como os

serviços de iluminação pública existentes eram deficientes em relação às necessidades da cidade, ele

acreditava que o estabelecimento do sistema misto, parte elétrico e parte a gás carbônico, resolveria o

problema (MUNICÍPIO DE BELÉM, 1908). A competição entre o gás e a eletricidade fez com que

a companhia de gás reduzisse os preços e concedesse um desconto de 7,5% para os pagamentos

realizados antes do dia 20 do mês seguinte ao do consumo para o gás que era utilizado na iluminação,

cocção (em fogões domésticos) e acionamento de motores (MUNICÍPIO DE BELÉM, 1907).

A Companhia Urbana tentou boicotar a transação, atrapalhando as negociações e

dificultando a passagem dos bens e concessões para C. H. Christopher Moller. Por meio de manobras

27 Um cidadão americano com o mesmo nome (C.H. Cristopher Moller) aparece nos documentos históricos daMarinha norte-americana, em 1900, acerca da Rebelião dos Boxers na China (NAVAL HISTORICAL CENTER, 2000).De acordo com os documentos, Moller seria agente financeiro em Tientsin da J. P. Morgan & Co., uma das maisantigas e prestigiosas firmas de serviços financeiros, operações bancárias de investimentos e gerência de recursosprivados. Se fosse possível descartar com certeza a possibilidade de homônimo, a confirmação deste agente nosdois lugares (na China em 1900 e no Brasil em 1904) poderia fornecer uma preciosa indicação acerca do modusoperandi das companhias internacionais que atuavam nas bordas do capitalismo mundial, no início do século XX.

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jurídicas, a Companhia Urbana obteve durante pouco tempo o seqüestro dos bens da Para Electric

por uma dívida hipotecária que logo foi resolvida. Para o intendente Antonio Lemos, a antiga companhia

tentava inutilmente “deter o progresso” (MUNICÍPIO DE BELÉM, 1907). As manobras da empresa

não conseguiram impedir a assinatura do contrato provisório que ocorreu em 27 de janeiro de 1905.

Em 25 de em julho deste mesmo ano, foi organizada em Londres a empresa Pará Electric Railways

and Lighting Company, Limited28.

A Lei no 391 assegurou que no contrato definitivo, assinado em 16 de dezembro de 1905,

fosse garantida: i) a vigência dos contratos anteriores firmados com a Companhia Urbana de Estrada

de Ferro Paraense de modo a proteger o interesse da municipalidade sem prejuízos à empresa; ii) a

reforma ou substituição do sistema de iluminação vigente pelo misto (elétrico e de gás carbônico), mas

a nova empresa só poderia tomar para si a tarefa de instalar o sistema elétrico; e, finalmente, iii) a

instalação do mais moderno serviço de tração elétrica, sem prejuízo dos melhoramentos que a indústria

pudesse oferecer no futuro.

Pelo contrato, a empresa comprometeu-se a dotar a cidade de Belém de um sistema sólido e

seguro de tração elétrica para os bondes e iluminação29 (MUNICÍPIO DE BELÉM, 1908). O contrato

tinha a vigência de 99 anos, ao fim dos quais os bens da companhia reverteriam sem ônus para a municipalidade.

O intendente Antonio Lemos anotou em seu relatório o alívio com a assinatura do novo contrato:

Aspiração há muito acariciada pela população paraense, a assignatura d’esse contractomotivou sincero jubilo, pois ella importa na promessa de que, dentro de alguns mezes,estaremos por fim libertados dos seculares, desconjunctados bondes que fizeram osupplicio dos nossos avós e continuam a torturarnos, tão inserviveis, como há vinteannos atraz, graças ao espirito de rotina, de retrogramento alliado à mais desbragadaambição, que empolgara, há decennios, como insaciavel polvo, a administração daantiga Companhia Urbana de Estrada de Ferro Paraense, reduzindo-a a uma miseravelfeitoria, onde apenas predominava uma vontade doentia de pyrhonica, cujo exclusivomotor eram os lucros exagerados (MUNICÍPIO DE BELEM, 1906, p. 247).

Segundo SILVA (2005, p. 81), o contrato com a Pará Electric tinha três aspectos

questionáveis: i) determinava a reversão do material em perfeito estado após o término da concessão,

28 SILVA (2005) acredita que Moller perdeu a preferência da concessão dos serviços de distribuição de energia elétricadevido a divergências em relação ao preço da venda dos ativos da empresa, definido pela Companhia Urbana e queoutro grupo empresarial teria organizado a Pará Electric Railways and Lighting Company, Limited. Além disso, afirmaque a Companhia Urbana teria sugerido a transferência do contrato de Moller para a companhia inglesa J.G. White& Co. Esta companhia, no entanto, era parte de uma grande corporação americana, construtora de sistemas detramways urbanos (montagem e equipamentos) e não de serviços de transporte. De acordo com MORRISON(1989), esta firma foi contratada para reconstruir as linhas de bonde em Manaus, em 1909. Por outro lado, existe apossibilidade de Moller ter sido apenas o agente financeiro e operador da transação. Ver nota anterior.29 A Lei no 478, de 18 de março de 1907, aprovou o termo de obrigação assinado pela Pará Electric Railway and LightingCompany, Limited, para a substituição dos serviços de viação urbana de tração animal e iluminação pública pelo sistemaelétrico e estabeleceu um sistema de fiscalização noturna da luz, dividindo a cidade em sete sessões de áreas iluminadas(MUNICÍPIO DE BELÉM, 1908).

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mas não garantia que não estivessem obsoletos; ii) o alto custo do serviço, que era de 27 dinheiros por

mil réis; e iii) o monopólio, por longo período de tempo, que constituía um obstáculo à competição e

impedia a redução dos custos do serviço para o Estado e a população.

Em relação ao problema da defasagem tecnológica levantado por Silva, o contrato

estabelecia que o serviço contratado deveria ser executado com os elementos mais modernos

existentes e ir se aperfeiçoando à medida que a indústria (e a tecnologia) avançassem. Para que isso

ocorresse, era necessário que a fiscalização do serviço estivesse atenta aos avanços tecnológicos,

ao desgaste dos materiais e equipamentos e fosse capaz de cobrar, da companhia, o cumprimento

da cláusula contratual.

A nova companhia apresentou outros problemas, especialmente nos quesitos

regularidade dos serviços e mudança no sistema de tração. Em relatório de 3 de junho de 1907,

o intendente Antonio Lemos, mais uma vez, narrou as dificuldades da empresa, reclamando da má

qualidade dos serviços de iluminação prestados e da lentidão na mudança do sistema de tração

animal para tração elétrica.

Não tem conseguido a Pará Electric Railway and Lighting Company, Limited, regularizar,de acordo com o termo de obrigação que assinou para manter o serviço provisório, nãosó de illuminação da cidade como de viação urbana por bonds movidos á tracçãoanimal; não tem, como dizia a citada companhia, conseguido regularizar ou normalizaresse serviço quer no que concerne á luz das vias públicas e dos estabelecimentos ecasas particulares, quer no referente ao transporte de passageiros. Ou porque a companhiasuppuzesse substituir com presteza o antigo systema, deixando assim, de tomar medidasindispensáveis para mantel-o de accordo com as conveniencias publicas, ou por malentendida economia, ou finalmente, por má direcção, a verdade, incontestável, é queBelém nunca esteve, como agora, em tão pessimas condições na parte relativa áilluminação e viação urbanas. A luz nocturnamente fornecida pela Pará Electric émá, incerta e, portanto, sem garantia ao público e ao particular (MUNICÍPIO DEBELÉM, 1908, p. 111, grifos nossos).

A situação acima descrita foi amenizada com a instalação de novos aparelhos e

equipamentos e ampliação da capacidade de produção de energia da usina que melhorou o fornecimento

de eletricidade para a iluminação e permitiu a instalação da tração para os bondes. O sistema de trens

urbanos elétricos começou a ser construído em 15 de agosto de 1906 e, exatamente um ano depois

(em 15 de agosto de 1907), superadas algumas dificuldades, a primeira linha de bondes elétricos de

Belém foi inaugurada, em atividade solene30, com a presença de autoridades e populares.

Um mês após a inauguração da linha de São Jeronymo, foi inaugurada a de Nazareth

(MUNICÍPIO DE BELÉM, 1908). O sistema de viação urbana da cidade continuou a crescer. Foram

30 O ato de inauguração que deu início ao serviço de bondes pela tração elétrica em Belém foi lavrado e arquivadona sede da companhia, em Londres (MUNICÍPIO DE BELÉM, 1908).

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inauguradas novas linhas definitivas e provisórias e novos horários de tráfego das linhas existentes,

substituindo cada vez mais a tração animal. Era esperada a transformação de todo o sistema de viação

da cidade para a tração elétrica até 30 de junho de 1908.

Figura 22 – Bondes em Belém: Rua Conselheiro João Alfredo e Calçada do Colégio. SECURT. Belém da Saudade, 1996.

Ao final de dezembro de 1907, a companhia possuía 1.570 registros de luz elétrica ligados

à usina, fornecendo luz para 44.582 lâmpadas em casas particulares e 9.154, de iluminação pública

distribuídas pela cidade. A população da cidade de Belém em 1907 era de 259.751 habitantes

(BRASIL. MAIC.DGE, 1916).

Os ganhos auferidos com o tráfego dos bondes (cerca de 730.000 passageiros/mês) e

com a iluminação pública tornaram a empresa Pará Electric uma das mais lucrativas da época. A

renda bruta da Companhia até 30 de novembro de 1907, foi de aproximadamente 3.272 contos de

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réis, dos quais 2.194 em passagens de bondes, 498 em iluminação pública e 580 em iluminação

particular (MONTENEGRO, 1908, p. 48).

Além de viabilizar novas formas de relações e encontros entre as pessoas, os bondes

permitiam algumas “transgressões” já mencionadas, como viajar sem pagar, usar o trem para praticar

atividades perigosas, como “morcegar”, fazer cerol de pipas colocando vidro nos trilhos, orquestrar

“badernas de estudantes”, o que levou o Estado, em Belém, a reagir e estabelecer normas de

comportamento nos trens urbanos.

O regulamento para o funcionamento e fiscalização dos bondes elétricos foi publicado

em 06 de agosto de 1907. Os carros de 1a e 2a classes serviam ao transporte de passageiros, os de

2a classe, para passageiros e bagagens. Carros especiais faziam o transporte de cargas e materiais.

Havia carros especiais para o transporte de pessoas com doenças infecciosas, doentes mentais e

feridos e espaço especial para os fumantes. Os motorneiros, condutores e fiscais deveriam ser

inspecionados e julgados aptos pelo departamento de higiene municipal e matriculados na intendência.

Não eram permitidas vozerias e cantorias, que deviam ser controlados pelos condutores. Era proibido

o embarque de pessoas embriagadas ou maltrapilhas e as pessoas idosos e crianças deviam ser

favorecidas no embarque e desembarque. Motorneiros e condutores deviam tratar os passageiros e

autoridades públicas com a “máxima urbanidade”. Os empregados da companhia poderiam sofrer

multas pela transgressão nos deveres do seu cargo e os passageiros poderiam ser multados por má

conduta, destruição de propriedade, ou por tocar indevidamente em aparelhos, equipamentos etc.

(MUNICÍPIO DE BELÉM (O), 1908)

Com a intensificação do tráfego dos bondes em todo o país, os desastres envolvendo

trens, animais, carroças e pedestres passaram a fazer parte do noticiário31 e motivavam, não apenas

reclamações, mas constantes multas aos condutores. Em 10 de agosto 1908, os motorneiros e

condutores em Belém entraram em greve, constando na pauta de reivindicações, além do aumento

dos salários, a exigência da redução das horas de trabalho e a extinção das multas repetidas. Com

a greve, o serviço se tornou irregular e os poucos carros que trafegavam eram guiados por funcionários

administrativos ou policiais. A greve foi encerrada com a promessa do gerente local da empresa de

atender às reivindicações, exceto quanto à questão salarial, que “dependia da diretoria em Londres”

(STIEL, 1984, p. 28). Para solucionar o problema dos acidentes foi apresentado um projeto ao

Conselho Municipal regularizando a profissão de motorneiro ou chaufeur, que passou a exigir

habilidades especiais e licença.

31 Cf. Jornal O Estado de São Paulo, em 08 de maio de 1908.

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As reclamações da população serviam para melhorar os serviços de bondes. Em 14 de

junho de 1908, um grupo de moradores e comerciantes da Avenida Generalíssmo Deodoro e ruas

Dom Romualdo e Seixas e 14 de Março enviou abaixo-assinado à municipalidade para reivindicar

uma partição mais justa da divisão dos pontos e trechos das passagens, já que a divisão vigente

permitia à empresa cobrar várias passagens num pequeno trecho. A reclamação foi analisada e uma

nova divisão foi feita (MUNICÍPIO DE BELÉM, 1909).

Figura 23 – Belém: Colocação de trilhos na Rua Conselheiro João Alfredo. Coleção Allen Morrison.

No livro “Impressões do Brazil no Século Vinte”, LLOYD (1913) fez as seguintes

observações sobre os serviços de bondes e iluminação elétrica da cidade:

Belém é dotada de um magnífico serviço de tramways, feito pela ‘The Pará Electric Co.,’ quetem mais de 55 kilômetros de linhas servidas por meio de 100 tramways, de luxuosa disposiçãointerna. A cidade é illluminada á electricidade, fornecida por duas companhias. Há tambémilluminação particular á gaz, fornecida pela ‘Pará Gaz Co.’ (LLOYD, 1913, p. 901).

A empresa se tornava cada vez mais lucrativa. Sua renda em 30 de novembro de 1911,

em moeda britânica, foi de cerca de 190.166 libras esterlinas para os serviços de tramways e 89.540

libras esterlinas para os serviços de iluminação. Deduzindo todas as despesas da companhia com

amortizações, juros e despesas com o escritório em Londres, o saldo para distribuição de dividendos

em 1911 foi de 58.843 libras e os lucros totais da companhia, neste ano, foram calculados em 1.587.555

libras (LLOYD, 1913, p. 911). O levantamento estatístico da rede de tráfego constatou, em 1912, a

existência de 34.796 m de extensão de linhas de carris urbanos e mais alguns em construção. A empresa

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empregava 810 trabalhadores, dos quais 10, em atividades administrativas (BRASIL. MAIC. DGE,

1916, v. I, p. 54-55).

A crise na economia da borracha foi sentida no setor de serviços elétricos. Em ofício dirigido

à intendência municipal, de 11 de setembro de 191332, a Pará Electric relatou as medidas tomadas para

auxiliar o governo local na crise. Para incentivar o consumo, a empresa colocou à disposição dos

consumidores um mostruário com os mais modernos aparelhos em que a eletricidade tinha aplicação,

tanto para o serviço doméstico, quanto para a indústria. Concedeu 50% de desconto para o preço da luz

pública municipal e mais 20% para os “prontos pagamentos” e pretendia oferecer o mesmo desconto aos

departamentos públicos federais, estaduais e institutos de caridade da cidade. Para impulsionar

comerciantes, fábricas e empresas, reduziu o preço da corrente para motores elétricos, ventiladores etc.,

e passou a vender “motores pelo custo nett” e alugar e financiar outros com “prestações fáceis” para os

que não podiam pagar prontamente. A companhia também começou a construir carros (oito já tinham

sido construídos em suas dependências) e com isso se esforçava por “criar uma nova indústria em Belém”

usando mão-de-obra local. Todo este esforço tinha uma razão, ela queria garantir junto à intendência

[...] a continuação de sua coadjuvação e influencia na obtenção da isenção de direitossobre 8% para todos os materiais por ella importados, para a conservação do seusystema; isenção essa [...] que lhe foi concedida sempre nos tempos passados, e aindanão [...] [tinha sido concedida] no anno corrente (MUNICÍPIO DE BELÉM, 1913).

Os “benefícios” que a Pará Electric havia concedido eram, na verdade, uma antecipação

(e também uma forma de pressão ao governo) baseada na convicção de que a isenção de direitos seria

obtida junto ao governo federal, como o fora em anos anteriores e se esperava que continuaria no

futuro. Caso contrário, afirmava ela, seria obrigada a revisar seu sistema, cuja redução de preços tinha

sido concedida para “beneficiar e ajudar a Municipalidade e aos cidadãos do Pará na presente crise”

(MUNICÍPIO DE BELÉM, 1913). A intendência, envolvida nos problemas que a crise da borracha

tinha gerado, louvou a atitude a empresa – que, na verdade, visava manter o apoio da prefeitura para

garantir a obtenção da isenção fiscal – e prometeu se empenhar na reivindicação, já que não tinha

condições de sofrer mais perdas.

A população enfrentava a crise de outras formas. Os cortiços se multiplicavam pela cidade

e os consumidores de energia burlavam as instalações elétricas viciando-as “augmentando-as a seu talante,

introduzindo motores, inutilizando contadores” (MUNICÍPIO DE BELÉM, 1913), “democratizando” o

serviço ao seu modo, quebrando as medidas de controle social e disciplinares incluídas nos objetos

32 Officio no 2 – The Pará Electric Railways and Lighting Company, Limited – Escritório Central, Belém – 11 desetembro de 1913. Assinado por W. Binns, Gerente Geral. Reproduzido em MUNICÍPIO DE BELÉM, 1913, p. 8-9.

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técnicos (AKRICH, 1992). Embora a fiscalização tivesse a obrigação de coibir estas práticas e aplicar

multas em função do contrato com a Pará Electric, não havia uma regulação específica que determinasse

o valor das penas. Para resolver o problema a inspeção propôs a instituição de uma taxa para a aferição

técnica dos contadores e a instituição de um selo de inspeção municipal que, através da mediação estatal,

restabeleceria o controle da relação contratual entre prestadores de serviços e consumidores.

A iluminação pública, em 1913, era feita por 2.162 lâmpadas incandescentes e 181 de

arco voltaico de 25 ampéres e 11 de 7,5 ampéres, distribuídas por cinco distritos. A população da

cidade, por sua vez, chegava a mais de 275.167 habitantes (valores de 1912; BRASIL. MAIC. DGE,

1916). Na Vila Mosqueiro, uma pequena usina pública municipal foi inaugurada em 07 de setembro de

191333. A instalação esteve a cargo da firma Frank & Ca. que montou na sala de máquinas um motor

diesel tipo horizontal com 40 cavalos-vapor e 225 rotações por minuto, fabricado na Alemanha. A

rede de distribuição atendia a 329 focos de luz pública espalhados pela zona urbana da vila, além de

36 consumidores privados, inclusive o Cinema Mosqueirense. Mas, de acordo com o supervisor do

serviço, já não havia mais energia disponível para atender aos requerentes e a usina necessitava de

mais um motor e um dínamo para prevenir desarranjos.

Apesar da crise que se abateu sobre a região, durante vários anos a Pará Electric teve

um bom desempenho. Em 1928 uma nova unidade geradora foi montada com uma moderna turbina

a vapor e foram importados cinco novos bondes, além da reconstrução de mais 50, nas oficinas da

empresa. A unificação das passagens contribuiu para o aumento do número de passageiros e para o

descongestionamento do tráfego. Ao mesmo tempo, a energia elétrica tinha passado a ser paga por

um preço fixo em moeda nacional34. A Pará Electric começou a fornecer energia para a localidade

de Pinheiro, ligada a Belém pela Rodovia Presidente Bernardes e a localidade de Santa Izabel havia

sido eletrificada com a instalação de uma usina composta de uma máquina a vapor e um dínamo. O

Orfanato Antonio Lemos também contava com equipamentos próprios para geração elétrica

(MUNICÍPIO DE BELÉM, 1930).

Em 1931, um novo modelo de bonde foi construído nas oficinas da companhia, utilizando

madeiras paraenses e mão-de-obra local. Era o tipo RF-37 de 44 lugares com gabarito aerodinâmico

(de lados oblíquos) e 8 rodas, que melhorou o tipo de carro empregado na viação urbana. Até então,

41 carros tinham sido construídos nas oficinas da companhia. Em 1932, a extensão das linhas chegava

a 61 km e os bondes transportavam cerca de 24.595.000 passageiros por mês.

33 Em 1928 a usina do Mosqueiro foi remontada com equipamentos da Sul Americana de Electricidade SiemensSchukert (MUNICÍPIO DE BELÉM, 1928).34 Alteração contratual produzida em 26 de fevereiro de 1926, na gestão do intendente Manoel Valdomiro Rodriguesdos Santos.

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Em agosto de 1937, foi acrescentado à usina de eletricidade um turbo-alternador de

1500 KVA Beliss & Morcom e uma nova caldeira Babcock & Wilcox de 35,000 libras de vapor por

hora. A caldeira à lenha em construção era a maior do Brasil. O fortalecimento da usina visava suportar

cargas industriais e havia 16.527 consumidores ligados à rede. A população da capital era, então, de

303.740 pessoas (BRASIL. IBGE, 1938).

Figura 24 – Pará Electric: Turbo-alternador Belliss & Morcom de 1500 KVA e caldeira a lenha Babcock & Wilcox emconstrução – Agosto de 1937. Álbum do Pará, 1939.

Duas linhas de transmissão em alta tensão ligavam a usina à povoação de Val-de-Cães

(2.000 volts) e à Vila de Pinheiro (6.000 volts), esta última com 24 km de extensão. Nas principais

festas da cidade – o Círio de Nazareth (em outubro) e a festa de finados (em novembro) – o

consumo de energia se elevava, chegando a demandar a instalação, em cada festa, de 12 e 17 mil

lâmpadas, respectivamente.

Em 1937, foi fundada a Companhia Paraense de Viação Geral Ltda, uma companhia de

auto-ônibus subsidiária da Companhia de Eletricidade Paraense (como passou a ser chamada a Pará

Electric), que iniciou suas operações em outubro com 7 carros e um socorro (carro reboque)35. Em

1939, ainda havia 15 linhas de bondes com 64 km de extensão, mas logo este número e quilometragem

seriam reduzidos. No início dos anos 1940, a companhia entrou em decadência, chegando em 1942 a

possuir apenas 16 km de linhas (BRASIL. IBGE, 1936, v.2, p. 145 e Brasil. IBGE, 1947, p. 161).

35 Desde 1913 o intendente Dionysio Auzier Bentes mencionara que os veículos auto-motores estavam alcançando asupremacia sobre os tramways elétricos (MUNICÍPIO DE BELÉM, 1913). Aos poucos os auto-ônibus tomaram cada vezmais espaço no mercado de transportes urbanos de Belém.

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Os inconvenientes da falta de luz já se faziam sentir e as falhas no fornecimento da

companhia levaram o interventor do Estado, José Carneiro da Gama Malcher, a mandar instalar

uma central elétrica na estação de tratamento de água para evitar problemas com o abastecimento

(ESTADO DO PARÁ, 1940).

De acordo com SILVA (2005, p. 89), a nomeação do coronel Joaquim de Magalhães

Couto Barata como interventor federal no Pará, em 08 de fevereiro de 1943, deu início ao processo que

culminou na estatização da companhia de eletricidade. O interventor deflagrou uma campanha nacionalista

e de desmoralização da Pará Electric com a publicação do Ofício no 1.638, de 23 de fevereiro de 1943.

No ofício publicado no jornal “O Estado do Pará”, o interventor contestava a justificativa da empresa de

que as dificuldades de importação de material, durante a Segunda Guerra Mundial teriam sido responsáveis

pelos problemas no fornecimento de energia elétrica e nos bondes.

Em 1944, a companhia se encontrava em estado lastimável. Os bondes trafegavam com

irregularidade, havia falta de higiene nas instalações e os usuários, especialmente os trabalhadores

moradores dos subúrbios, eram os mais prejudicados. A iluminação era de má qualidade, insuficiente

e irregular. Havia falhas em períodos noturnos e a voltagem era baixa e incerta. A dívida acumulada da

prefeitura com a empresa, no período de 1920 a 1942 chegou a Cr$ 1.680.000. A companhia justificava

o mal estado da empresa com base nas dificuldades geradas durante a Segunda Guerra. Mas para o

interventor, a situação era anterior ao conflito mundial e havia soluções as quais a companhia poderia

recorrer, como o uso de similares nacionais para substituir os fios, aparelhos elétricos e lâmpadas,

assim como o aproveitamento da lenha disponível nas florestas como combustível. Segundo ele, a

empresa estava reticente em produzir as melhorias, apesar das facilidades que lhe foram outorgadas

como o aumento das passagens dos bondes e a permissão do Conselho Nacional de Petróleo para o

fornecimento de óleo cru para usina (BARATA, 1944).

Na verdade, o problema da reposição de peças e equipamentos durante a Guerra afetou

a indústria de energia elétrica em todo o país (SILVA, 2005, p. 89). O parque industrial nacional não

estava capacitado para a tarefa e a questão da instalação da indústria elétrica de material pesado se

tornou uma questão crucial do governo, no pós-Guerra.

Com o apoio do jornal “O Estado do Pará”, o interventor conseguiu fomentar um clima de

animosidade da população em relação à Pará Electric e aos serviços por ela prestados. Os ataques pelo

jornal só foram minorados em 1947 quando o ex-secretário da administração municipal Ricardo Borges

publicou um artigo classificando como “ ‘imbecilidade’ o fato de o governo permitir que o vultoso acervo

dessa companhia fosse destruído. Para ele, o Estado deveria encampar esta empresa, caso houvesse

recursos disponíveis para isso, preservando o seu patrimônio” (SILVA, 2005, p. 90, aspas no original).

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Devido às más condições do material rodante e à debilidade da empresa, o governo

federal decidiu intervir por meio do Decreto no 9.860, de 13 de setembro de 1946, para normalizar os

serviços. O jornal “Folha Vespertina” publicou em 17 de setembro de 1946 uma notícia sobre os

transtornos que a falta de energia elétrica causara à população ao longo da semana. As indústrias

ficaram horas paradas em virtude dos “pregos” (gíria da época para os apagões) da empresa, os

jornais tiveram edições atrasadas, cafés e bares tiveram de vender seus produtos sem refrigeração e

cirurgias deixaram de ser feitas nos hospitais. Todas as atividades dependentes de eletricidade se

encontravam prejudicadas. De acordo com o chefe da usina, Frans Van Hombeck, o problema era

que as nove caldeiras eram velhas, mas mesmo se fossem novas não seriam capazes de atender à

demanda da cidade. A situação era crítica porque a tubulação estava arrebentada em três caldeiras e

mais uma estava prestes a colapsar. O principal problema da empresa era a falta de recursos financeiros.

A companhia não tinha condições de realizar as obras necessárias e estava esperando um empréstimo

de Cr$ 3 milhões do governo federal, enquanto a prefeitura devia Cr$ 2 milhões em contas de energia

atrasadas e não tinha dinheiro para liquidar o débito.

A empresa culpava a prefeitura pela iluminação pública deficiente, já que esta colocava

pequenos focos de luz de 5 velas nos postes para conter os gastos. Das cinco mil lâmpadas da cidade,

cerca de 3 mil eram de 5 velas. Por outro lado, se a prefeitura aumentasse a capacidade das lâmpadas,

a empresa não teria energia suficiente para fornecer. O interventor federal na empresa, Belino Lameira

Bittencourt, engenheiro do DNOCS36 designado para solucionar o problema da energia em Belém,

chegou a sugerir que Cr$ 5 milhões dos 50 destinados ao financiamento da Amazônia, referentes ao

Plano de Valorização, fossem desviados para a companhia de eletricidade, visto dela depender a

indústria de Belém (FOLHA VESPERTINA, 17/09/1946).

Os bondes se encontravam em situação precária e os serviços foram suspensos,

principalmente por causa da crise do suprimento de força e luz de Belém. Era necessário reduzir o

consumo de energia para atender à indústria e ao consumo domiciliar. O serviço de bondes utilizava

então 500 KW diários durante o dia e mais 300 KW à noite e foi suspenso até que a usina geradora da

companhia fosse reequipada. Na ocasião, a ampliação das instalações e reequipamento da Usina

Elétrica de Belém estava sendo objeto de discussão pelo governo federal no Rio de Janeiro.

Outras medidas emergenciais foram adotadas para superar a crise energética da cidade,

dentre elas a instalação de um conjunto diesel para iluminação pública e particular no bairro de

Itacoaracy, aliviando a usina de Belém em 100 KW (CRUZ, 1973, p. 659, v. 2). Foram adquiridos

36 Departamento Nacional de Obras Contra as Secas.

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dois conjugados que somavam mais 600 KW para reforçar a usina, junto ao Serviço de Navegação e

Portos da Amazônia (SNAPP). As providências tomadas acrescentaram 1.200 KW para iluminação

pública e mais 1.000 KW para iluminação particular, possibilitando o desafogo do sistema. Mas, não

houve como salvar a empresa. Por decreto federal, foi declarada a caducidade do contrato de concessão

e o serviço de bondes foi extinto em 27 de abril de 1947, com a dispensa de todos os empregados do

Departamento de Tráfego. A administração da companhia foi passada para o Estado, a cargo da

municipalidade de Belém, incorporada ao Departamento Municipal de Força e Luz, que explorou

diretamente os serviços de 1947 a 1952. Esta mudança, contudo, não solucionou o problema pois, em

1951, o Jornal “A Crítica” descrevia a situação dos serviços elétricos do Estado como “verdadeira

calamidade, nem luz, nem bonde, nem força” (MAGALHÃES, s/d).

3.2.3 Tecnologias e empresas fornecedoras de equipamentos

Quando a Companhia Urbana de Estrada de Ferro Paraense obteve a concessão dos

serviços elétricos em Belém em 1894, contratou a empresa alemã Siemens & Halske para instalar o

sistema elétrico de iluminação e construir o sistema de bondes elétricos. Apesar da ampliação dos

prazos pela intendência municipal à Companhia Urbana, esta tarefa só foi parcialmente cumprida,

com a instalação da usina para a produção de eletricidade.

Figura 25 – Belém: Vapores de navegação e fábrica da luz elétrica. Album do Pará, 1899.

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A usina de força que se situava à margem da baía de Guarajá, no bairro do Reduto37,

possuía uma casa de máquinas e caldeiras para oito baterias, além de laboratórios com fotômetros

para a realização de experiências com lâmpadas e medição da intensidade da luz. Havia quatro

máquinas a vapor, sendo três com caldeira vertical de tríplice expansão e força de 300 cavalos-

vapor efetivos, produzidas na Alemanha (Chermnitz) pela Sachische Machinen e com três dínamos

Siemens & Halske e uma máquina vertical compound francesa produzida pela Societé Alsaciènne,

cada uma com potência de 366 cavalos-vapor. Havia ainda três caldeiras multitubulares a vapor

alemãs com capacidade de produção de 1.200 cavalos-vapor, fornecidas por Steimmüller de

Grumnesberg. As bombas de alimentação das caldeiras com funcionamento automático pelo sistema

Belleville e Steimmüller completavam a instalação das baterias de caldeiras. A rede de iluminação

possuía postes, fios e transformadores para alimentação de 2.250 lâmpadas de 25 ampéres. A rede

particular tinha capacidade para 11.000 lâmpadas incandescentes e mais os acessórios. A rede de

iluminação pública era composta por quatro circuitos completos e a particular por sete circuitos

distribuídos pela cidade (MUNICÍPIO DE BELÉM, 1902b).

Além dos equipamentos e materiais obtidos junto com a concessão da Companhia Urbana,

a Pará Electric adquiriu três novas máquinas, fabricadas pela companhia inglesa de Birmingham,

Beliss & Morcom, com potência total de 600 cavalos-vapor que, com a movimentação de um dínamo

de corrente alternada, funcionava em 333 rotações por minuto. O dínamo, de fabricação da Electric

Construction Company, de Leeds, na Inglaterra, podia produzir 2.200 volts, com corrente de 180

amperes e uma força de 400 KW em 50 ciclos por segundo, fornecendo corrente monofásica ou

trifásica. Duas outras máquinas, também construídas pela Electric Construction Company, eram

destinadas à tração elétrica e possuíam motores a vapor com força de 500 cavalos-vapor em 333

rotações por minuto. Os dínamos foram construídos pela Dick, Kerr & Company e produziam corrente

contínua de 500 volts e 800 ampéres, totalizando 400 KW (MUNICÍPIO DE BELÉM, 1908). A

empresa J. G. White & Company de Londres38, foi contratada para construir o novo sistema de tração

elétrica dos trens urbanos. O engenheiro Frank Hebblethwaite, personagem da história dos bondes

elétricos em Manaus, era um dos representantes desta companhia.

A preferência pela tecnologia e pelos fornecedores de equipamentos e aparelhos elétricos

alemães e franceses foi substituída pela tecnologia americana e pelos fornecedores ingleses quando a

37 Próximo à usina de eletricidade havia outras fábricas: gelo, cordas, pregos, construção de móveis e um grandearmazém de ferragens.38 Esta companhia era subsidiária da americana J. G. White Engineering Corporation, que além de ser uma dasmaiores companhias de engenharia dos Estados Unidos, possuía em sua estrutura organizacional uma firma deoperação bancária.

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Pará Electric assumiu o suprimento dos serviços elétricos em Belém. Os quadros III.1 e III.2 mostram

características das instalações da companhia, após alguns anos de investimento.

Figura 26– Belém: Máquinas e caldeiras da usina de energia elétrica. Album do Pará, 1899 e Album do Amazonas,1901-1902.

Quadro III.1 - Características das instalações da Pará Electric Railways and Lighting Company, Limited,destinadas ao serviço de tração no início do século XX

Equipamentos Descrição

Caldeiras 5 caldeiras Babcock & Wilcox, com 180 libras de pressão e superfície de aquecimento de 200 m2,dotadas de super aquecedores

2 caldeiras Babcock & Wilcox, com 180 libras de pressão e superfície de aquecimento de 500 m2,dotadas de super aquecedores

1 caldeira Babcock & Wilcox, com superfície de aquecimento de 800 m2, dotada de super aquecedores

Condensadores 2 condensadores de superfície Bellis & Morcom

Bombas 1 bomba de ar Edwards

2 bombas de circulação Rees Roturbo

Motores 3 motores de tríplice expansão, tipo Bellis & Morcom, com geradores tipo Dick, Kerr & Co. de550 volts, em corrente contínua

1 motor de tríplice expansão, tipo Bellis & Morcom, com gerador da Electric Construction Co., de550 volts, em corrente contínua

Fonte: Elaborado com dados de: LLOYD, 1913, p. 910

Os equipamentos e maquinaria destinados à geração de energia elétrica para a tração e

iluminação eram, em sua maioria, fabricados por Babcock & Wilcox, Bellis & Morcom, Electrical

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Construction Company e British Westinghouse. Havia alguns componentes de tecnologia alemã,

provavelmente fabricados na Inglaterra, por Siemens & Halske.

Quadro III.2 - Características das instalações da Pará Electric Railways and Lighting Company, Limited,destinadas ao serviço de iluminação no início do século XX

Unidades Descrição

Duas unidades de 400 KW motores de tríplice expansão, tipo Bellis & Morcom, com geradores da ElectricalConstruction Co e alternador com 2.200 volts e 50 ciclos

Uma unidade com 600 KW um motor de tríplice expansão, tipo Bellis & Morcom, alternadores de British Westinghouse,2.200 volts e 50 ciclos

Duas unidades Sachsiche motores de tríplice expansão, de Siemens & Halske; alternadores de 2.200 volts e 50 ciclosMaschinenfabrik, com 240 KW

Quadro de distribuição dos Srs Ferranti & Company

Fonte: Elaborado com dados de: LLOYD, 1913, p. 910

Ao longo dos anos, a Pará Electric fez vários acréscimos em suas usinas e os geradores

Bellis & Morcom e as caldeiras Babcock & Wilcox continuaram a fazer parte do equipamento

básico da empresa.

Quando a americana Manaós Railway Company se estabeleceu em 1898, os

equipamentos, aparelhos e materiais da companhia empregados para o fornecimento de eletricidade

para os sistemas de tração da viação urbana, luz elétrica e bombeamento d’água em Manaus eram

principalmente de tecnologia americana (Babcock & Wilcox e McIntosh & Seymour) e alemã (Siemens

& Halske). Os quadros III.3 e III.4 mostram os equipamentos da companhia, um ano antes de ser

adquirida pelo Estado do Amazonas.

Figura 27 – Manaus: Interior da usina de energia elétrica/tração. Album do Amazonas, 1901-1902.

Após um período de administração pública estadual dos serviços elétricos, a inglesa Manaós

Tramways & Light Company assumiu e manteve a linha de preferência por equipamentos de tecnologia

americana (com exceção do sistema belga Carels Frères de motores compound) na nova usina instalada

no Plano Inclinado.

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Quadro III.3 - Equipamentos e materiais da empresa Manaós Railway Company em 1901, empregados nosserviços de viação urbana e bombeamento d’água

Material fixo Quantidade

Máquinas a vapor componna com condensadores horizontais, 225 rpm força de 225 cavalos 3

Geradores Walker, com capacidade de 150 KW, 550 volts, 237 ampéres e 225 rpm 3

Condensador com capacidade para 900 cavalos 1

Caldeiras tubulares 200 cavalos, tipo Babcock & Wilcox 3

Bombas duplas com capacidade para alimentar três caldeiras 2

Material rodante Quantidade

Carros pequenos para passageiros com 2 motores de 35 cavalos 10

Ditos grandes com 2 jogos de rodas e 2 motores de 35 cavalos 4

Locomotivas para carga com 4 motores de 35 cavalos 3

Carro salão com 2 jogos de rodas e um motor de 35 cavalos em cada jogo 1

Wagons de ferro para carga de 10 toneladas 14

Carros em boas condições usados na antiga empresa 4

Carros sem motor para consertos na linha 1

Guindaste de 4 toneladas para puxar carros no Plano Inclinado 1

Guindaste rotativo de 4 toneladas para descarga de alvarengas 1

Material para bombeamento d’água Quantidade

Bombas duplex hidro-elétricas, tipo Siemens & Halske, 150 cavalos, 500 volts e 300m3/h 3

Turbinas de força horizontal para 120 m3/h 2

Fonte: Elaborado com dados de: ESTADO DO AMAZONAS, 1901: anexos, quadro no 2.

De acordo com o contrato, a nova usina deveria ter geradores capazes de sustentar uma

rede com 20 mil lâmpadas de 16 velas para iluminação particular e 400 lâmpadas de arco voltaico de

2000 velas de 500 watts para a luz pública. Todo o circuito deveria ser aperfeiçoado ou substituído e

os nam feeders passariam a ser subterrâneos até os postes de ramificação da rede. Apenas as linhas

secundárias seriam aéreas. Os geradores do sistema de tração deveriam fazer face ao tráfego mais

intenso das linhas existentes e das que seriam construídas.

Com relação ao maquinário, a cláusula 23a do contrato de concessão estabelecia que:

As machinas motrizes installadas serão de modelo mais aperfeiçoado, com uma bateriade caldeiras Babcock-Wilcox ou modelo similar, munidas dos aparelhos necessarios atornar o seu uso effectivo e economico, bem como os aparelhos destinados á parte dadistribuição electrica (SERVIÇOS ELÉTRICOS DO ESTADO, s.d).

Esta exigência contratual mostra que o poder público estava ciente dos avanços

tecnológicos produzidos neste ramo industrial e conhecia as empresas que se destacavam no cenário

internacional e, portanto, esperava contar com os equipamentos mais modernos que a indústria de

eletricidade podia oferecer.

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Quadro III.4 - Equipamentos e materiais da empresa Manaós Railway Company em 1901, empregados nosserviços de luz elétrica

Materiais e equipamentos Quantidade

Caldeiras “Rauton” com 800 cavalos 3

Ditos tubulares Babcock & Wilcox de 120 cavalos 2

Bombas alimentadoras Blake para as caldeiras 3

Bomba elevadora d’água Worthington 1

Aquecedor d’água para as caldeiras 1

Máquinas a vapor McIntosh & Seymour de 200 cavalos 2

Condensador 1

Dínamos n. 11 de 60 KW 2

Dito n. 9 de 40 KW 1

Placas de mármore para distribuição de corrente 3

Alternador para 100 KW na luz incandescente 1

Excitador para alternador 1

Lâmpadas de arco voltaico de 2000 velas 327

Postes 327

Ditos para suspender os cabos 1.000

Cabos de cobre e aparelhos transformadores (em metros) 80.000

Fonte: Elaborado com dados de: ESTADO DO AMAZONAS, 1901: anexos, quadro no 6.

O projeto da usina seguiu as orientações contratuais e o edifício foi dividido em três

partes: casa de máquinas, casa de caldeiras e uma seção no subsolo para os aparelhos de condensação,

encanamentos de vapor, condutores elétricos etc. Na sala de máquinas foram instalados três unidades de

400 KW cada, com geradores elétricos de corrente contínua de 550 volts, tipo General Electric (inglesa),

conjugados a motores a vapor tipo compound, fabricados por Carels Frères, de Gand, na Bélgica. Uma

quarta máquina de 400 KW, originária da antiga usina (que fora desativada), não havia sido instalada e

uma nova unidade seria estudada para substituí-la. Na casa das caldeiras, foram instaladas quatro unidades

tipo Babcock & Wilcox, com ressecadores e superfície de aquecimento de 2.500 pés quadrados cada e

150 libras de pressão por polegada quadrada. Havia espaço para mais uma caldeira e a chaminé no

lado sul, que media 125 pés de altura, fora calculada de modo a sustentar futuras ampliações. No lado

norte, foram construídos os escritórios, situados sobre o tanque de abastecimento de água para alimentar

as caldeiras, abastecido, por sua vez, por uma bomba centrífuga, acionada por motor elétrico. Estas

instalações exigiram obras especiais como a construção de um poço de doze metros blindado com

chapas de aço. No fundo deste foi colocada a bomba voltada para uma galeria de trinta e oito metros de

comprimento, pela qual o encanamento de sucção corria até o rio. Na superfície foi instalado o motor

elétrico movido com energia da usina, assentado sobre vigamento de ferro. Essas instalações exigiram

escavamento de 1956 m3. A rampa do Plano Inclinado também foi melhorada para facilitar o desembarque

do carvão que alimentava a usina (ESTADO DO AMAZONAS, 1911a).

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Como expôs NYE (1990) em seu livro “Electrifying America”, os empresários e investidores,

diferentemente de outros agentes sociais, foram os primeiros a perceber a eletrificação nos anos iniciais

de sua exploração, como instrumento para obtenção de lucros. Para além das infinitas possibilidades

de aplicação na vida cotidiana das pessoas, nos serviços públicos, no comércio e na indústria, os

capitalistas conceberam a eletricidade como uma commodity. Empresários e investidores perceberam

logo de início a potencialidade da eletricidade como novo ramo industrial e comercial:

De 1900 a 1930 equipamentos elétricos, incluindo centrais geradoras, iluminação urbanae suburbana e comunicação elétrica, absorveram mais capital do que qualquer outrotipo de indústria e rivalizaram, em relação ao Produto Interno Bruto, com os investimentosem estradas de ferro no século XIX. [...] Desde o começo, o grande [aporte de] capitalnecessário às instalações elétricas e a estabilidade relativa das ações destas empresasde serviços públicos, atraíram para este campo os investimentos das maiores casasbancárias (Thomas C. Cochran. American Business in the Twentieth Century. Cambridge,MA: Harvard University Press, p. 82; apud NYE, 1990, p. 169).

Este novo ramo industrial foi constituído a partir de novas formas de financiamento e

arranjos institucionais e comerciais que, por sua vez, viabilizaram a organização da indústria de energia

elétrica em grandes companhias. As indústrias de manufatura de equipamentos e componentes elétricos

no período 1890 – 1920, se tornaram cada vez maiores em escala de produção, abandonando

rapidamente a estrutura baseada no invento-patente-oficina-empreendimento familiar, para se estruturar

numa forma organizacional densamente integrada pela junção, fusão, compra e participação de várias

empresas e respectivas patentes num arranjo corporativo, capaz de controlar a configuração das usinas

para o provimento dos serviços pelo mercado de equipamentos, componentes e aparelhos elétricos

em toda a cadeia produtiva.

O desenvolvimento das companhias se deu concomitantemente com a própria evolução

da tecnologia e dos usos da eletricidade, especialmente dos meios de comunicação elétricos (telégrafos e

telefones) que permitiram o controle de empreendimentos nacionais e a formação das corporações que

deram origem às holding companies. O melhor exemplo desse processo de transformação foi a constituição

das duas gigantes americanas General Electric e Westinghouse, que “exemplificam o triunfo do capitalismo

gerencial sobre as velhas formas de parcerias e capitalismo familiar” (NYE, 1991, p. 170).

Curiosamente, no final do século XIX e início do século XX não havia na Inglaterra e

especialmente em Londres, coração financeiro do mundo, uma acentuada relação entre industrialização

e eletrificação em comparação com outras cidades como Berlim ou Chicago. A indústria local usava

pouca energia elétrica em seu funcionamento e a maioria das fábricas era de pequeno porte, o que

atrasou a eletrificação da mecanização. Os transportes eram pouco eletrificados e, em muitos casos,

eram supridos na forma de autoprodução (HUGHES, 1993, p. 231-232).

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164

A maioria das grandes companhias de manufatura de maquinaria elétrica em Londres, era

composta por subsidiárias de empresas estrangeiras (Siemens & Halske, British Westinghouse, General

Electric). Mesmo assim, algumas empresas floresceram em solo britânico com o desenvolvimento de

componentes, equipamentos e aparelhos para a instalação de sistemas elétricos e se expandiram,

seguindo o padrão de evolução corporativa que se tornou dominante na indústria de energia elétrica.

Figura 28 – Produtos e instalações de empresas estrangeiras fornecedoras de equipamentos, aparelhos e componenteselétricos.

Fábricas da Whestinghouse Electric Company

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165

3.2.3.1 Perfil de algumas empresas fornecedoras de equipamentos, aparelhos e componenteselétricos para a indústria de energia elétrica das capitais amazônicas, no século XIX e início doséculo XX.

Babcock & Wilcox Company

A empresa americana Babcock & Wilcox Company (B&W) começou com uma parceria

entre Stephen Wilcox e George Babcock para manufaturar e comercializar uma caldeira a vapor d’água

patenteada pelo primeiro em 1856. Os parceiros receberam uma medalha de ouro pela caldeira na

Exposição Centenária da Filadélfia e, em 1878, Thomas Edison adquiriu um modelo B&W de 75

cavalos-vapor que foi instalado no laboratório Menlo Park, onde experiências com eletricidade

progrediam. Em 1881, com a evolução da parceria, houve a incorporação da Babcock & Wilcox

Company (B&W) em Nova Jersey. Neste ano, foi instalada a primeira estação geradora de eletricidade

dos Estados Unidos, operada pela Brush Electric Light Company na Filadélfia, com uma caldeira

B&W de 73 cavalos-vapor.

A estação geradora de Pearl Street, instalada em 1882 por Thomas Edison em Nova York

– da qual derivou a conceituação de empresa de serviço público (public utility) –, bem como o metrô de

Nova York, instalado em 1902, operavam a partir de caldeiras B&W. A expansão da empresa em

direção ao mercado internacional se fez em 1882 e a companhia se consolidou como corporação

internacional com a fundação da Babcock & Wilcox Limited, com sede em Londres. A empresa continuou

a desenvolver novos produtos, como grandes caldeiras (inclusive para navios) e componentes para plantas

hidro-térmicas e nucleares, contribuindo para o desenvolvimento da indústria da geração de energia em

todo o mundo. Atualmente a companhia mantém operações internacionais em diversos países, inclusive

na China, Índia, Indonésia, México, Turquia e Egito (BABCOCK & WILCOX, 1992).

Electric Construction Company (ECC)

Em outubro de 1882 Thomas Parker e Paul Bedford Elwell se juntaram para produzir um

dos primeiros acumuladores e o primeiro dínamo feito em Wolverhampton, Inglaterra, o qual foi vendido

por 40 libras para uma firma em Manchester. O novo produto teve grande aceitação e se tornou o

centro do negócio na empresa Elwell-Parker Limited (também conhecida como Wolverhampton Electric

Light, Power, Storage and Engineering Company). A empresa desenvolvia transformadores, dínamos,

reguladores, geradores para tramways e motores para locomotivas elétricas. Em 1889, houve uma

associação de empresas capitalistas (syndicate) para produzir equipamentos elétricos e foi fundada a

Electric Construction Corporation Limited. A nova companhia incorporou várias outras pequenas

companhias e suas patentes, inclusive a Elwell-Parker Limited e produzia quase todo tipo de

equipamentos e componentes elétricos para sistemas de força e luz: alternadores, dínamos, baterias,

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transformadores, resistências, voltímetros, amperômetros, quadros de distribuição, comutadores,

lâmpadas de arco voltaico, carros de bonde, locomotivas elétricas, motores para tramways etc.

A companhia continuou a crescer nas décadas de 1950 e 60 e passou a produzir

equipamentos de telecomunicações. Foram criadas operações na África do Sul, Canadá e Austrália.

Na década de 1970, a empresa entrou em crise e depois de incorporada pelo grupo Hawker Siddeley

foi fechada em 1985 (The Electric Construction Company, <http://www.localhistory.scit.wlv.ac.uk>).

Beliss & Morcom

Willans, and Bellis & Morcom, anteriormente G.E. Belliss, de Birmingham, Inglaterra, se

tornaram os mais conhecidos fabricantes de motores a vapor de sua época. Com a expansão da indústria

de eletricidade, houve a necessidade de um motor a vapor de alta velocidade que pudesse ser diretamente

acoplado a um gerador. O problema foi resolvido por Belliss e Morcom que construíram motores de

dupla expansão com lubrificação forçada. Esses motores alimentavam os rolamentos com uma fonte

contínua de óleo sob uma pressão entre 10 e 30 libras por polegada quadrada. Uma película contínua de

óleo nos rolamentos impedia o choque e, consequentemente, o desgaste do suporte dos rolamentos que

eram ajustados muito próximos. A idéia foi patenteada em 1890 e 1892 pelo Sr. Albert Charles Pain, um

desenhista da empresa. O princípio foi descrito em um paper apresentado ao Institute of Mechanical

Engineers por Alfred Morcom, em 1897 e continuou sendo usado em motores por muitos anos.

A Hamworthy Belliss & Morcom do Brasil Ltda, subsidiária da Hamworthy Engeneering

Limited, pertencente ao conglomerado inglês Powel Duffryn, atua na indústria mecânica nos setores de

bombas e compressores e fabrica e comercializa sistemas de compressores de ar recíprocos não

lubrificados para inúmeras aplicações. Em agosto de 2001, foi anunciado um acordo para a aquisição

da HBM pela Gardner Denver, Inc americana (<http://www.gardnerdenver.com>), corporação global

produtora de equipamentos para exploração de petróleo, bombas d’água, compressores etc.

British Westinghouse

A British Westinhouse foi criada em 1899, como subsidiária da americana Westinghouse

Electric and Manufacturing Company e era uma das maiores empresas manufatureiras de maquinaria

elétrica pesada na Inglaterra (HUGHES, 1993, p. 232). A empresa foi criada para vender e instalar

equipamentos da matriz (geradores, transformadores, motores, lâmpadas etc.), mas em 1902, começou

a manufaturar, a fim de aproveitar o mercado inglês onde a eletrificação industrial e a tração elétrica

ainda não se encontravam tão desenvolvidas quanto nos Estados Unidos e na Alemanha. Sua gigantesca

planta industrial foi instalada em Tradfford Park, perto de Manchester. Durante a Primeira Guerra

Mundial a empresa transitou da propriedade americana para a inglesa. Tornou-se Metropolitan Vickers

em 1919 e fundiu-se com a British Thomson-Houston, sua antiga rival, em 1929.

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Siemens & Halske

A alemã Siemens & Halske Telegraph Construction Company foi fundada por Werner

von Siemens e Johann Georg Halske, em 1º de outubro de 1847. Em pouco tempo a empresa se

tornou uma corporação internacional, com a construção de linhas telegráficas em várias partes do

mundo, além de instalar empresas subsidiárias e estabelecer parcerias em vários países. Em março de

1883, a German Edison Company negociou um acordo com Siemens & Halske pelo qual esta passou

a fabricar as lâmpadas de Edison mediante licença e pagamento de royalty e a German Edison passou

a adquirir alguns tipos de geradores e outros equipamentos da Siemens & Halske. Houve uma associação

e um intercâmbio de tecnologias entre as duas empresas.

A companhia instalou, em 1867, a primeira linha telegráfica no Brasil, entre a residência

do imperador no Rio de Janeiro e a província de São Pedro, atual Estado do Rio Grande do Sul. Em

1894, por solicitação da Companhia Urbana de Estrada de Ferro Paraense, instalou a primeira usina

a vapor para a geração de eletricidade da região Norte, em Belém, no Pará.

A partir de 1895, com a instalação de uma representação no Rio de Janeiro e,

posteriormente, com a fundação da Cia. Brazileira de Electricidade Siemens-Schuckertwerke, a atuação

da companhia no Brasil cresceu. Além de instalar usinas elétricas, telégrafos, telefones, iniciou no país

a manufatura de componentes e equipamentos elétricos, depois eletrônicos e de telecomunicações. O

primeiro gerador para a Usina Hidrelétrica de Itaipu, com potência de 823,6 MVA, foi fabricado pela

Siemens, em 1983, ano em que foi inaugurada a Fábrica em Manaus, com a produção de capacitores

e LED. Atualmente, a Siemens é uma das maiores corporações globais nos ramos de telecomunicações

e componentes elétricos (<http://www.siemens.com.br>).

Dick, Kerr & Company

A Dick, Kerr & Company, empresa britânica de Preston, era a líder mundial na manufatura

de maquinaria elétrica para os serviços de tração antes da Primeira Guerra Mundial (HUGHES, 1993,

p. 232). No início do século XX, a empresa forneceu equipamentos, materiais e projetou sistemas de

tramways para diversas cidades em todo o mundo, dentre elas Dover, Liverpool, Hong Kong, Singapura.

Em 1910, a firma foi contratada para executar a eletrificação da ferrovia da Companhia

Estrada de Ferro Vitória Minas, projeto orçado em 3,64 milhões de libras esterlinas, que foi cancelado

devido a problemas nas negociações da exploração do minério de ferro em Minas Gerais. Em 1919,

a Dick, Kerr & Company se juntou a outras empresas que formaram a English Electric Company

(<http://www.whr.co.uk/journal/125/ic.html>). Em 1930 a manufatura de equipamentos elétricos foi

transferida para Bradford, mas a produção dos bondes, vagões e trilhos continuou em Preston. Uma

reorganização financeira, que envolvia interesses da American Westinghouse, levou George Nelson à

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direção da empresa. Durante os anos 1930 a companhia esteve envolvida na eletrificação do sistema

English Southern Railway, o que lhe deu novamente uma forte posição no mercado de tração (<http:/

/en.wikipedia.org/wiki/English_Electric>)39.

Ferranti & Company

A companhia Ferranti & Company era centrada na figura de seu criador Sebastian Z.

de Ferranti, um jovem engenheiro e inventor que chegou a ser chamado o “Edison” inglês. Ferranti

foi responsável pela reorganização do sistema da estação elétrica Grosvenor Gallery, no qual instalou

um gerador em corrente alternada de 700 cavalos-vapor, transmitindo em 2.500 volts, justamente

no período da “batalha das correntes”. Ele também foi responsável pela primeira tentativa de

construção de uma grande estação geradora de 10.000 cavalos-vapor, transmitindo em 10.000

volts em Deptford, região sudeste de Londres. Esta era uma incrível ousadia no final dos anos 1880,

cuja escala desafiava a engenharia tradicional e que foi alcançada com a instalação do metrô de

Nova York, em 1902. Apesar de não ter sido bem sucedida, a experiência serviu para que a tecnologia

da produção em maior escala e transmissão em alta voltagem avançasse. Ferranti costumava

especificar ou desenhar a maioria dos componentes dos seus sistemas e planejar o layout de suas

plantas (HUGHES, 1993, p. 238-239).

McIntosh & Seymour

A McIntosh & Seymour Diesel Engine Company, foi fundada em 1885, em Auburn no

Estado de Nova York. Sua especialidade eram os motores para locomotivas. Em 1929, a companhia

foi comprada pela American Locomotive Company – ALCO. Esta empresa continuou produzindo até

ter a maioria dos seus bens adquiridos em 1965 pela Worthington Corp., mais tarde Studebaker-

Worthington. Apesar de não existir mais como empresa individual, muitos dos seus produtos, como

motores diesel para termelétricas e turbinas geradoras continuam sendo produzidas (<http://

tardis.union.edu/community/project95/ALCO/index.html>).

***

A análise das trajetórias das empresas fornecedoras de equipamentos e sistemas para

a instalação das usinas elétricas e equipamentos de tração em Belém e Manaus, mostra que sua

sobrevivência no tempo esteve relacionada à capacidade de superar a estrutura baseada no modelo

invento-patente-oficina-empreendimento familiar e crescer no espaço, como conglomerado de

atuação mundial.

39 Uma curiosidade sobre a empresa é que em 1917, durante a Primeira Guerra Mundial, formou-se um time de futebolfeminino com trabalhadoras da empresa para arrecadar dinheiro para caridade. O time “Dick, Kerr Ladies Football”durou cerca de 40 anos, alcançou popularidade mundial e influenciou o futebol feminino em vários países.

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3.3 O DESENVOLVIMENTO DA INDÚSTRIA DE ELETRICIDADE NA AMAZÔNIA

O progresso material alcançado na região amazônica no final do século XIX e começo do

século XX, como já vimos, não foi animado pelo desenvolvimento industrial, mas pelo comércio da

borracha. Este foi responsável pelo crescimento econômico, crescimento demográfico e grande

desenvolvimento urbano correlato.

O levantamento realizado por Marajó em Belém, no ano de 1894, mostra que os

estabelecimentos industriais eram muito pouco expressivos se comparados às companhias de transporte,

equipamentos urbanos, serviços públicos urbanos ou edificações públicas e privadas (ver quadro III.5).

Quadro III.5 - Aspectos da vida material em Belém, em 1894

Tipos de equipamento, serviço Descrição e quantitativoe/ou instalações

Equipamentos urbanos 8 avenidas, 87 ruas, 64 travessas, 17 praças edificadas, 1 depósito de água potável,1 forno crematório para detritos da cidade, 3 cemitérios

Equipamentos de lazer 2 circos, 1 grande teatro (“o melhor do Brasil”), 1 campo para corridas de cavalo,1 Jockey Clube com campo de corridas

Edificações 28 edifício públicos, 8 edifícios privados (companhias ou associações), 11 igrejas,1 arsenal de marinha, 1 arsenal de guerra, 1 prisão pública, 1 estabelecimentopenitenciário em construção

Equipamentos portuários 3 docas, 3 rampas, 2 pontes para desembarque

Estabelecimentos industriais 3 fundições, 3 serrarias a vapor, 1 estabelecimento de artefatos metálicos e construçãoe comerciais naval, 1 fábrica de gelo, 1 fábrica de cerveja, 2 cordoarias, 1 fábrica de pólvora,

1 fábrica de papel, 4 saboarias, 8 bancos de desconto

Companhias e serviços urbanos 1 estação telefônica, 1 companhia de tramways, 2 companhias de luz elétrica,1 companhia de luz a gás, 1 companhia de água

Companhias de serviços (outros) 1 Companhia de navegação do Amazonas, 1 companhia de navegação com sede noRio de Janeiro (Lloyd Brasileiro), 6 companhias de seguros, 4 filiais de companhias deseguros estrangeiras, 2 linhas de vapores ingleses com vapores 22 vapores ligandoLisboa, Havre, Liverpool, Nova York, Antuérpia, Maranhão, Ceará, Pernambuco eManaus de 10 em 10 dias, 1 linha inglesa com vapores semanais para o Rio de Janeiro,Pernambuco, Pará e Nova York, 1 companhia de vapores americana ligando Rio deJaneiro, Pará e Nova York, 1 companhia costeira para o Maranhão

Estabelecimentos escolares 1 escola normal, 1 liceu de cursos preparatórios e agrimensura, 1 liceu de artes e ofícios,1 escola de aprendizes de marinheiros, 1 instituto de educandos artistas, 1 colégio decaridade para meninas até 18 anos com dote para o casamento, 1 colégio dirigido por irmãs de caridade, 2 seminários

Estabelecimentos hospitalares 1 hospital de caridade, 1 hospital de Beneficencia Portuguesa, 1 hospital da Ordem 3ade S. Francisco, 1 hospital para loucos

Sociedades, associações e jornais 5 sociedades maçônicas beneficentes, 3 sociedades recreativas, 2 sociedades literárias com publicação mensal, 5 jornais diários, 2 jornais hebdomedários, 1 sociedadevelocipedista, 1 sociedade tauromachica

Fonte: Elaborado a partir de: MARAJÓ, 1895, p. 389-390.

Quando o Centro de Desenvolvimento Industrial do Brasil – CDI elaborou o primeiro

levantamento industrial do país, em 1907 (CDI, 1909), o Pará possuía 92 indústrias, sendo as principais

dos ramos de bebidas, fundições, serrarias e carpintarias. O Amazonas possuía 54 indústrias dos

ramos das cerâmicas, produtos químicos, alimentos, bebidas, malas e bolsas, serrarias e carpintarias.

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Deste total, apenas 42 indústrias, nos dois estados (1,8% do total do país), empregavam qualquer

força motriz (que não a humana) em seus estabelecimentos, sendo que destas 42, mais de 90%

empregavam o vapor. Não havia registro de utilização de força elétrica nas indústrias locais, conforme

mostra a tabela III.2.

Tabela III.2 – Estabelecimentos que empregavam força motriz, nos estados do Pará, Amazonas e Brasil em 1907

Estados no de vapor % querosene energia gás % eletricidade Totalestabeleci- uti l izada % utilizada hidráulica uti l izada % utilizada %

mentos % utilizada

Pará 36 99,5 0,5 - - - 1,6

Amazonas 06 93,9 6,1 - - - 0,2

BRASIL 1.609 73,2 0,1 21,9 0,5 4,3 100

Fonte: Elaborado a partir de: Centro Industrial do Brasil, 1909, p. 148.

No ano de 1920, subiu para 103 o número de estabelecimentos nos estados do Pará,

Amazonas e Território do Acre que empregavam força motriz (de qualquer fonte) em suas instalações,

dos quais 57 empregavam energia elétrica fornecida por terceiros. O principal ramo de atividade,

conforme se pode ver na tabela III.3, era a indústria de alimentos.

Tabela III.3 – Estabelecimentos industriais servidos por energia elétrica fornecida por terceiros, em 1920, nosestados da região Norte

OBS: 1- uma empresa gerava também 50 CV no próprio estabelecimento; 2- cada empresa produzia 15 HP, sendouma com motores a combustão e outra com máquinas a vapor; 3- Existiam outros 20 estabelecimentos no Estadodo Amazonas e 26 no Estado do Pará possuidores de motores mecânicos não elétricos; 4- Em todo o país 6.750estabelecimentos possuíam motores mecânicos em 1920; 5- CV = cavalos-vapor. Fonte: BRASIL. Censo 1920, v. 5,1a parte, 1927.

Segundo o Censo de 1940, elevou-se para 538 o número de empresas e 666 o número de

estabelecimentos industriais no Pará, sendo os principais distribuídos nas seguintes classes de indústria:

produtos alimentícios (144), madeira e produtos afins (68), vestuário, calçados e toucador (51), serviços

urbanos de distribuição de eletricidade, gás e frio e abastecimento d’água e esgoto (42), transformação

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de minérios não metálicos (39), química e farmacêutica (39), óleos e graxas vegetais (27), couro e peles

(24), editoriais e gráficas (22) e bebidas e estimulantes (19). O Estado do Amazonas possuía um total de

176 empresas e 212 estabelecimentos industriais, com destaque para os produtos alimentícios (21),

madeira e produtos afins (21), vestuário, calçados e toucador (15) e bebidas e estimulantes (13) e o Acre

possuía 28 empresas e 34 estabelecimentos industriais sendo os principais ramos os produtos alimentícios

(12) e serviços urbanos de distribuição de eletricidade, gás e frio e abastecimento d’água e esgoto (8).

A tabela III.4 mostra que em 1940, 407 estabelecimentos industriais empregavam em

força motriz um total de 16.931 cavalos-vapor, ou seja, 1,4% da força total empregada no país,

superior apenas ao Centro-oeste, região menos desenvolvida.

Tabela III.4 - Potência disponível nos estabelecimentos com força motriz instalada, distribuída por tipo deunidade, segundo as regiões fisiográficas (1940)

OBS: 1- Inclui Maranhão; 2- Sergipe, Bahia, Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro e Distrito Federal; 3- SãoPaulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul; 4- Mato Grosso e Goiás; 5- CV = cavalos-vapor Fonte: BRASIL.IBGE. Recenseamento 1940, v. III, 1950, p. 188.

O Censo de 1920, arrolou 306 empresas de eletricidade em todo o país, as quais possuíam

356 unidades geradoras, sendo 147 instalações termelétricas, das quais 103 máquinas a vapor e 44 máquinas

de combustão interna e 209 instalações hidrelétricas, das quais 186 turbinas e 23 rodas d’água. Estas

instalações tinham capacidade total de 475.652 cavalos-vapor. Além disso, levantou as aplicações industriais

da eletricidade e os serviços de iluminação. O quadro III.6 mostra as principais condições técnicas de

11 empresas existentes, das quais 6 eram privadas e 5 empresas públicas municipais ou estaduais40.

40 É importante ressaltar que estas empresas deviam estar funcionando regularmente desde a fundação até olevantamento feito pelo Censo em 1920. Por esta razão, as estações geradoras de eletricidade instaladas no Cruzeirodo Sul, em 1904, e em Belém do Pará, em 1905, foram consideradas como as mais antigas no norte do Brasil. Osserviços elétricos instalados nas cidades de Cachoeira (municipal) e Mazagão (privado), em 1914, e em Santarém(privado), em 1920, no Pará, apesar de identificados pelo próprio Censo de 1920, não constam no quadro (Verreferências a estes serviços no quadro II.2, no capítulo 2). A empresa identificada como “Municipalidade de Belém”provavelmente era a responsável pela usina municipal da localidade de Mosqueiro.

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Quadro III.6 – Empresas fornecedoras de energia elétrica da região Norte e principais condições técnicas em1920

OBS: As instalações do Governo do Território do Acre nos três municípios (Cruzeiro do Sul, Rio Branco e Vila Seabra)foram contabilizadas como três diferentes empresas. * CV = cavalo-vapor. Fonte: Elaborado a partir de: BRASIL.Censo, 1920, v. 5, 3a parte, 1929, p. 4,5,16,17, 34 e 35.

O Pará possuía quatro empresas e respectivas usinas, com potência de 6.800 cavalos-

vapor. No Estado do Amazonas havia três empresas atuando, com três usinas térmicas e potência total

de 2.382 cavalos-vapor. O Território do Acre possuía quatro empresas e quatro usinas, com potência

de 195 cavalos-vapor. Todas as 11 empresas fornecedoras de luz e força, que atuavam nos estados da

região Norte, empregavam em suas usinas motores térmicos para a produção de energia elétrica,

constituídos por dois tipos de aparelhos geradores: máquinas a vapor e motores de combustão interna.

A potência total dos equipamentos instalados em 1920 era de 9.377 cavalos-vapor. Somente a Empresa

de Melhoramentos Públicos de Bragança, no Pará, possuía uma linha de transmissão de 3 km em

2000 volts. As demais possuíam apenas 75 km em linhas de distribuição, caracterizando a proximidade

das usinas em relação aos consumidores. As empresas atendiam a 10 municípios, principalmente as

capitais dos estados.

As instalações termelétricas da Pará Electric Railway and Lighting Company, Limited

e da Manaós Tramway and Light Company, Limited figuravam em 1920, respectivamente, como a

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segunda e a décima em ordem de força motriz do país, com potência de 6.590 e 2.000 em cavalos-

vapor (BRASIL. Censo 1920, v. 5, 3a parte, 1929, p. XIII). Em 1937, a usina de Belém ainda era

considerada a quinta maior usina térmica e a décima maior usina geradora existente no país, com

potência de 10.400 cavalos-vapor (cerca de 7.647 KW) (BRASIL. IBGE, 1938).

Enquanto a capacidade instalada cresceu em todo o país, na última década do período

aqui examinado (1940-1950), a região Norte, em especial o Estado do Pará, perdeu capacidade

instalada (tabela III.5).

Tabela III.5 - Brasil: crescimento da capacidade instalada por região (em mil KW)

região 1920 1930 1940 1945 1951

Norte 5.7 10.0 15.7 16.0 12.6

Nordeste 39.3 82.8 123.6 133.3 152.4

Sudeste 297.6 623.8 997.6 1.062.1 1579.6

Sul 23.9 62.2 100.2 120.8 182.1

Centro-Oeste 0.7 2.6 7.4 8.7 12.9

BRASIL 367.2 778.8 1.243.8 1.341.6 1.939.6

Fonte: Conselho Nacional de Águas e Energia, apud LIMA, 1984

O quadro III.7 mostra que de 1920 a 1940, a potência mais do que dobrou, enquanto o

número de usinas foi multiplicado oito vezes. O número de empresas acompanhou de perto a proliferação

das usinas, não obstante, a capacidade instalada na região permaneceu baixa em relação ao resto do

país (Tabela III.5) e decresceu ainda mais no início dos anos 1950.

Este quadro mostra, principalmente, que a indústria de energia elétrica na região Norte

evoluiu de forma bastante lenta até os anos 1950, consoante com um baixo desenvolvimento

industrial e uma economia pouco dinâmica, após o período de efervescência comercial da borracha,

entre 1890 e 1910.

A pulverização das empresas e o predomínio da geração em pequenas unidades térmicas

compostas por máquinas a vapor, turbinas ou motores de combustão interna foram suas principais

características. Este tipo de arranjo espacial das unidades produtoras de energia acabou se tornando

a forma típica dos chamados “sistemas isolados” predominantes na Amazônia. Estes sistemas se

caracterizam por possuírem apenas uma fonte geradora de porte variado, que pode ser uma unidade

térmica dieselelétrica, a óleo combustível, carvão, biomassa etc., bem como uma pequena central

hidrelétrica. Os sistemas isolados, freqüentemente, necessitam manter uma unidade reserva, o que

encarece o custo de manutenção, ou têm de arcar com o ônus de um eventual desligamento total.

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Seu custo operacional é alto e a receita freqüentemente é negativa, incapaz de cobrir até mesmo os

custos operacionais. Funcionam em regimes diversificados de horário de suprimento, nem sempre

chegando ao fornecimento nas 24 horas do dia (IBGE, 1977, p. 331)41.

Quadro III.7 - Evolução da indústria de eletricidade na região Norte (1920 – 1930 – 1940 – 1950)

Fonte: Baseado em: Divisão de Águas. BRASIL. IBGE. Anuários Estatísticos XI, p. 159; XII, p. 158-159 e XIII, p. 205

3.4 SÍNTESE E REFLEXÕES

Apesar das restrições ao desenvolvimento resultantes da decadência econômica, que

sucedeu a queda dos preços da borracha no mercado internacional, na primeira década do século XX,

os sistemas elétricos foram, pouco a pouco, se consolidando nas capitais e se instalando no interior.

A conjugação dos serviços elétricos, especialmente iluminação pública e particular (luz) e

viação urbana (força) viabilizou o desenvolvimento da indústria de eletricidade nas duas maiores capitais

amazônicas. Esta combinação de serviços garantia a otimização no uso da energia elétrica produzida e

tinha a vantagem de produzir diferentes fontes de lucros para as empresas: o consumo da energia

41 Em alguns casos, o número de postes da linhas de distribuição pode ser superior ao número de consumidores, oque significa uma alta taxa de investimento.

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propriamente dito e as passagens dos bondes. Empresas estrangeiras fornecedoras de equipamentos

e tecnologias, especialmente a Siemens, Whestinghouse, Babcock & Wilcox, Beliss & Morcom etc.,

responsáveis pela maior parte das máquinas e equipamentos instalados nas usinas elétricas e sistemas

de bondes, também obtiveram grandes lucros com a instalação dos sistemas elétricos amazônicos.

Um aspecto interessante da associação entre os trens elétricos urbanos e a indústria de

energia elétrica para o fornecimento de luz é que os picos de carga desses usos são diferentes (NYE,

1991, p. 92-93). Samuel Insull42, na cidade de Chicago, foi um dos pioneiros na exploração das

diferenças de perfil de consumo e gestão dos fatores de carga43 para maximizar a utilização da capacidade

de geração (HUGHES, 1993, p. 225). Com isso, foi possível fornecer energia às companhias de

tração a preços mais baixos do que elas poderiam produzir autonomamente. No caso das companhias

de eletricidade na Amazônia, a diferença nos fatores de carga acabou sendo incorporada aos lucros

das empresas. Como os subsídios governamentais uniformizavam os preços da energia consumida em

horários de pico e fora dele, os ganhos de produtividade obtidos com a maximização dos fatores de

carga podiam ser incorporados como lucros adicionais.

Em Manaus, a companhia americana Manaós Railway Company assumiu, em 1898, os

contratos para os serviços elétricos que, àquela época, compreendiam: o sistema de transporte urbano;

o bombeamento d’água; a iluminação pública de ruas, avenidas, praças e logradouros públicos; a

iluminação de edifícios e serviços de utilidade pública; e a iluminação privada44. O Estado também

mantinha iluminação privativa no Teatro Amazonas, na Imprensa Oficial e o fornecimento de energia

para as lanchas do porto. Logo foi necessário criar uma repartição pública especialmente para cuidar

da fiscalização e normalização desses serviços. Os altos custos dos serviços elétricos contratados que,

além de tudo, eram subvencionados pelo Estado, bem como a manutenção daqueles já administrados

por ele, levaram-no a decidir pela gestão direta de todos os serviços elétricos em Manaus. A primeira

experiência de estatização dos serviços elétricos, em 1902, revelou, contudo, a complexidade da

administração de um tipo de atividade que envolvia não apenas grandes investimentos, mas também o

domínio de novas tecnologias, a necessidade de manutenção constante e especializada e a gestão de

42 Insull foi um dos pioneiros do desenvolvimento da indústria de energia elétrica nos Estados Unidos e umpersonagem central na Commonwealth Edison Company. Sua visão global permitiu que o sistema de Chicago,construído antes da Primeira Guerra Mundial, combinasse tecnologias na estruturação de um sistema compostopor uma central e várias subestações com transformadores, capazes de atender a diversos tipos de consumidorescom diferentes freqüências e cargas: iluminação, trens urbanos, pequenos motores, grandes motores industriaisetc (HUGHES, 1993, p. 212-214).43 O termo “fator de carga”, que traduz em termos técnicos a diferença entre os picos nos perfis de consumo, foiintroduzido por R. E. B. Crompton, um pioneiro da engenharia britânica em 1891 (HUGHES, 1993, p. 219).44 Os serviços de iluminação pública e privada foram posteriormente entregues a uma empresa subcontratada(Empresa de Luz Electrica de Redman & Brown).

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uma demanda crescente. Os serviços foram novamente concedidos em 1908, passando, desta vez, às

mãos de capitalistas ingleses que criaram a Manaós Tramways & Light Company. A empresa foi a

principal fornecedora de serviços elétricos na cidade de Manaus entre 1908 e 1950, quando foi

novamente encampada pelo Estado. No momento da estatização dos serviços de eletricidade, Manaus

tinha uma população de cerca de 142 mil habitantes. A rede elétrica possuía cerca de 11 mil ligações

domiciliares, 720 pontos de iluminação pública em 198 logradouros dotados de luz elétrica.

Em Belém, os serviços elétricos foram entregues à Companhia Urbana de Estrada de

Ferro Paraense em 1894, mas esta não conseguiu dotar a cidade de serviços adequados de iluminação

e viação pública, razão pela qual foram transferidos em 1905 – depois de algumas disputas com o

poder local e também com a nova concessionária – para a empresa de capital inglês Pará Electric

Railways and Lighting Company, Limited.

Durante muitos anos a empresa foi lucrativa e conseguiu ampliar os serviços, incentivando

o consumo através da venda de máquinas, motores e aparelhos elétricos para uso doméstico e comercial/

industrial. O sistema foi expandido com linhas de transmissão para atender a localidades como Val-de-

Cães e Vila Pinheiro. A principal usina termelétrica, instalada no bairro do Reduto, dispunha de

equipamentos modernos (geradores Beliss & Morcom e caldeiras Babcock & Wilcox) e até 1937

estava entre as maiores centrais geradoras do país. Apesar disso, a oferta de energia parecia estar

sempre muito próxima da demanda e logo a usina à lenha estaria tecnologicamente superada e operando

no limite da capacidade. Ao mesmo tempo, ao longo dos anos, unidades isoladas continuaram a ser

instaladas fora do sistema da Pará Electric em alguns logradouros, como a usina municipal da Vila

Mosqueiro, inaugurada em 1913, a instalação de uma pequena central, na localidade de Santa Izabel

e a unidade do Orfanato Antonio Lemos, no final dos anos 1920.

No início dos anos 1940, o fornecimento de energia da companhia começou a falhar e

novamente a solução começou a ser buscada fora do sistema da Pará Electric. Para atender a estação

de tratamento d’água foi instalada uma central elétrica própria. O sistema de iluminação pública foi se

tornando precário, assim como o serviço de bondes elétricos. A dívida da prefeitura com a companhia

agravava o problema e os “apagões” ou “pregos” se tornaram cada vez mais freqüentes. Finalmente,

após 41 anos (de 1905 a 1946) e com a situação absolutamente crítica, a intervenção federal determinou

a encampação da empresa pelo Estado e sua administração passou para a municipalidade de Belém.

Enquanto o Setor Elétrico no Centro-Sul se solidificava numa estrutura concentrada,

estreitamente vinculada ao desenvolvimento industrial, na Amazônia a indústria se desenvolveu

basicamente dependente dos serviços e da demanda pública. Nas cidades e vilas, os sistemas elétricos

de pequeno porte permaneceram isolados nas sedes municipais, servindo ao suprimento local. As

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unidades produtoras, essencialmente térmicas, contrastavam com o desenvolvimento da indústria de

energia elétrica no resto do país, que associava o crescimento das ma(qui)nufaturas ao aproveitamento

das forças hidráulicas (TENDLER, 1968). Seria necessário mais alguns anos, alguns estudos e muitos

interesses envolvidos para começar o primeiro experimento hidroelétrico associado a um projeto de

desenvolvimento na região: a usina hidrelétrica Coaracy Nunes na Cachoeira do Paredão, no Amapá.

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CAPÍTULO 4 – SPVEA: A INFRA-ESTRUTURA ENERGÉTICA PARAO DESENVOLVIMENTO REGIONAL

“O desenvolvimento é um processo global e não exclusivamente econômico, a despeito da

opinião dos economistas.” (MYRDAL, 1967)

4.1 OS PADRÕES DE INTERVENÇÃO ESTATAL1 E O DESENVOLVIMENTO REGIONAL

A intervenção direta do Estado na sociedade e no mercado se generalizou no período pós

Segunda Guerra Mundial. Segundo DINIZ (1987), o planejamento se tornou um consenso no mundo

capitalista com a constatação de que o desenvolvimento impulsionado pelas livres forças do mercado,

ao invés de produzir o equilíbrio espacial pelo melhor aproveitamento das vantagens comparativas dos

países (e regiões) fomentava, ao contrário, desigualdades econômico-espaciais. Assim, diversos países

buscaram formular estratégias, metodologias, teorias e políticas, a fim de superar o problema do

desenvolvimento desigual em seus territórios2.

Os Estados Unidos desenvolveram a experiência de planejamento integrado para o Vale do

Tennessee, com a criação da Tennessee Valley Authority (TVA)3, que serviu como inspiração para a

criação da Comissão do Vale do São Francisco (CVSF) em 1948 e a Superintendência do Plano de

Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA) em 19534. Para aqueles que eram favoráveis à intervenção

do Estado, a TVA representou o triunfo do planejamento governamental em economias liberais.

1 Os padrões de intervenção constituem modos de ação governamental, fundados na autoridade estatal, queconformam modelos de interferência do poder central e estruturam as práticas sobre “pessoas e coisas” no território.Os padrões traduzem, na prática, a transformação das formas espaciais do desenvolvimento em “questões deEstado” (VAINER e ARAÚJO, 1992, p. 20).2 Na França foi criado, em 1950, o “Plano Nacional de Distribuição Regional”; na Itália, no mesmo ano, a “Cassa delMezzogiorno”. Na Inglaterra a questão do desenvolvimento regional se voltou para a desconcentração industrial,enquanto na Alemanha para a redução do congestionamento industrial da zona do Ruhr e o desenvolvimento dasáreas fronteiriças com países socialistas. A Rússia buscou a desconcentração industrial e populacional da parteeuropéia, a criação dos Complexos Territoriais Produtivos e o aproveitamento dos recursos naturais à oeste dosUrais e da Sibéria, como o carvão, o gás natural e os recursos hídricos (DINIZ, 1987, p. 04).3 A Tennessee Valley Authority foi criada em 1933 pelo presidente Roosevelt (EUA 1933-1945). A experiência eracentrada no vale como unidade territorial e objeto de um “planejamento integrado” visando promover o desenvolvimentoda região. Na prática, a experiência privilegiou interesses ligados a um tipo de uso dos recursos hídricos – a geração deenergia – em detrimento dos objetivos mais gerais do planejamento regional (MATTOS, 1986).4 Araújo Cavalcante, no prefácio ao livro “Introdução ao Estudo da Amazônia Brasileira”, de Osório Nunes, aponta osequívocos de pensar a valorização da Amazônia a partir da TVA. Segundo ele, a comparação entre o vale amazônico eo vale do Tenessee eqüivaleria reduzir o rio Amazonas a um igarapé. Por outro lado, a experiência da TVA era relevantenos seguintes aspectos: planejamento integral, rápida execução dos projetos, concentração dos recursos em projetosbásicos, publicidade das contas através da prestação de contas ao Congresso, integração das comunidades beneficiadasna empresa, espírito pioneiro e missionário e a aplicação científica da técnica (NUNES, 1951, p. 11-12).

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O período 1930-1950, no Brasil, marcou a formação de uma base institucional, técnica e

financeira para a industrialização, com a criação de órgãos voltados para o planejamento econômico e

para a formulação de políticas de desenvolvimento como o Conselho Federal de Comércio Exterior

(1934), o Conselho Técnico de Economia e Finanças (1937) e o Conselho Nacional de Economia

(1946); para a regulamentação da exploração de recursos naturais, como os códigos de águas (1934)

e de minas (1940), bem como para o financiamento e a fiscalização da atividade econômica5.

A passagem pelo país de três missões técnico-econômicas americanas – Missão Cooke,

em 1942; Missão Abbink, em 1948 e a Comissão Mista Brasil-Estados Unidos para o Desenvolvimento

Econômico/CMBEU, em 1951 – junto com a CEPAL (Comissão de Estudos para a América Latina),

contribuíram para: i) formar uma mentalidade técnica planejadora no Brasil; ii) formular e desenvolver

os conceitos relativos ao planejamento, além de promover a legitimação do discurso técnico, através

do estabelecimento de critérios de “neutralidade”, “objetividade” e “imparcialidade” do planejamento

científico, a fim de obter a adesão dos setores sociais ao planejamento; e iii) formar uma massa de

experiência acumulada em termos de estudos, projeções, diagnósticos e proposições para o

desenvolvimento da economia brasileira (LEMOS, 1996).

Em 1939 ocorreu a experiência pioneira de planejamento governamental com a criação

do Plano Especial de Obras Públicas e Aparelhamento da Defesa Nacional (1939-1943), voltado

para a mobilização para a guerra, complementado em 1942 pela Comissão de Mobilização Econômica.

O Plano de Obras e Equipamentos (1944-1948) deu continuidade a estas ações.

A Constituição de 1946 estabeleceu a obrigação governamental de planejar (direta

ou indiretamente) e orientou sua aplicação nos níveis regionais. Noções como valorização

econômica, plano e aproveitamento de possibilidades econômicas passaram a figurar nos

discursos políticos e documentos públicos6. A carta constitucional também instituiu meios financeiros

para a realização do planejamento regional, ao estabelecer cotas das receitas tributárias a serem

aplicadas nas áreas menos desenvolvidas, que se tornaram regiões-alvo7 de políticas, como a

Amazônia e o Nordeste.

5 Para uma análise dos órgãos pioneiros de planejamento governamental, ver IANNI (1991) e DRAIBE (1984).6 A noção de valorização foi objeto de discussão na palestra do Prof. Everardo Backheuser sobre a “Função Geopolíticado Engenheiro”, proferida no Clube de Engenharia em 03/07/1944. De acordo com o Professor, a valorização implicavaa construção de um conhecimento sobre o espaço e suas riquezas, para a elaboração e execução de planos quetransformassem o espaço físico em espaço político, pela ocupação e uso do território (BACKHEUSER, 1944).7 A partir do texto constitucional foram criados vários órgãos de planejamento regional: a CVSF (1948) que produziuo Plano Geral para o Aproveitamento Econômico do Vale do São Francisco (Planos qüinqüenais 1951-1955 e 1956-1960; a SPVEA (1953) e posteriormente a SUDAM (1966) que produziram vários planos qüinqüenais; e a SUDENE(Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (1959), precedida pela Grupo de Trabalho para oDesenvolvimento do Nordeste (GTDN).

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O governo Dutra (1946-1950) de orientação liberal, manteve a recém iniciada tradição

planejadora com o Plano SALTE (Saúde, Alimentação, Transporte e Energia) elaborado em 1948

para o período 1949-1953, destinado a coordenar investimentos públicos em áreas prioritárias. O

plano era definido como “a chave político-econômico-financeira do governo” e foi utilizado como base

para o plano de investimentos da Missão Abbink, mas na prática tornou-se uma fracassada “tentativa

de coordenação de investimentos públicos” (BRASIL, 1953) tendo sido abandonado em 1952.

No segundo governo Vargas (1951-1954) o planejamento teve uma grande arrancada.

Por meio da realização de um “plano de desenvolvimento econômico e social de grande envergadura,

apoiado em um diagnóstico profundo da economia e da sociedade brasileiras”, (DRAIBE, 1984, p.

182) foram retomadas as rédeas do desenvolvimento nacional sob os auspícios do Estado. As Mensagens

Presidenciais enviadas anualmente ao Congresso Nacional explicitavam as diretrizes para um complexo

programa que incluía vários planos interligados.

Dois importantes órgãos de tendências políticas diferentes e opostas coordenavam os

projetos de industrialização e desenvolvimento: a Assessoria Econômica do Gabinete Civil da

Presidência da República, que se identificava com os princípios nacionalistas e o Ministério da

Fazenda, alinhado aos interesses do grande capital internacional, particularmente o norte-americano8.

O caráter contraditório das relações de Vargas com esses órgãos de planejamento, conferiu ao seu

governo uma certa ambigüidade9.

Dentre as ações que consolidaram o planejamento governamental neste período encontram-

se: i) a elaboração, em 1951, do Plano Nacional de Reaparelhamento Econômico (conhecido como

Plano Lafer), centrado numa política de investimentos na indústria de base, infra-estrutura e modernização

da agricultura e no âmbito do qual foi criado o BNDE (Banco Nacional de Desenvolvimento)10 e o

Fundo de Reaparelhamento Econômico a ser administrado pelo BNDE; ii) os planos setoriais de

energia: Plano do Carvão Nacional (1951), Plano Nacional do Petróleo (1953) e Plano Nacional de

Eletrificação e Centrais Elétricas Brasileiras (1954), além da criação do Fundo Federal de Eletrificação

8 Segundo MARTINS (1976, p. 373), uma parte importante das iniciativas do programa econômico, do segundogoverno Vargas, foram submetidas a um sistema de decisões estrangeiras. Todo o financiamento que estava sendoacordado, a partir da Comissão Mista, fazia parte do processo de institucionalização da participação norte-americanana elaboração das políticas econômicas do país.9 Segundo D’ARAÚJO (1982, p. 132), tanto o nacional desenvolvimentismo quanto o “entreguismo” – ou a políticade conciliação com o capital internacional – representados respectivamente pela Assessoria Econômica e peloMinistério da Fazenda, constituem duas faces da mesma moeda, resultantes de posições contraditórias que conviviame tinham influência no governo. Vargas teria oscilado entre essas posições adotando a ambigüidade como princípio;hora aliando-se ao nacional desenvolvimentismo, hora às soluções conciliatórias e tradicionais, sendo “coerente emsua ambigüidade”.10 O BNDE foi criado pela Lei o 1.628, de 20.06.1952 e começou a operar efetivamente no fim deste ano, a partir doestudo dos projetos recomendados pela Comissão Mista.

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(FFE) e do Imposto Único sobre Energia Elétrica (IUEE)11 (1953), que se converteram nas primeiras

fontes fiscais de recursos, em âmbito nacional, para o Setor Elétrico (PEITER, 1994, p. 23); e iii) a

formação e realização dos estudos da Comissão Mista Brasil-Estados Unidos (1951-1953) e Grupo

Misto CEPAL/BNDE (1953-1955).

A visão industrializante construída ao longo do segundo governo Vargas, encontrou sua

expressão máxima no Plano de Metas (1956-1960) de Juscelino Kubitschek. Este plano, contudo,

deixou inteiramente nas mãos da SPVEA qualquer iniciativa relativa ao planejamento e desenvolvimento

de ações na Amazônia. O texto reproduziu o dispositivo constitucional de 1946 ao afirmar que “os

Estados da bacia amazônica e respectivos Municípios dev[iam] aplicar 3% das respectivas rendas

tributárias à valorização econômica do Vale [...]” (BRASIL, 1957, p. 193, v. II). No caso específico

da eletrificação, os estados amazônicos ainda não tinham criado fundos especiais, nem elaborado os

planos estaduais de eletrificação, habilitando-se a fazer uso de recursos do FEE e do IUEE. A SPVEA,

portanto, seria responsável pela destinação de parte dos recursos constitucionais para a eletrificação

da região. Mas o capítulo do Plano de Metas que analisa regionalmente o suprimento energético,

sequer menciona a região Norte12. No mapa demonstrativo do plano, estão assinaladas como “obras

em curso” a construção da usina termelétrica em Manaus (15.000 KW), a ampliação da usina

termelétrica de Belém (15.000 KW), a ser concluída em 1956, e a construção da hidrelétrica no

Estado do Amapá. Esta, contudo, não tinha data definida para término, nem aparecia no cronograma

de “entrada em operação” apresentado para o período (1956-1966).

4.1.1 As missões técnico-econômicas americanas e a questão regional

Do ponto de vista da questão regional (especialmente da Amazônia), foi pequena a

contribuição das missões americanas. Ainda assim é possível destacar alguns aspectos relevantes da

análise das potencialidades da economia brasileira e das formas de diagnosticar seus problemas, que

influenciaram o desenvolvimento do planejamento regional.

A Missão Cooke (1942) foi a mais “industrializante” (DRAIBE, 1984, p. 110) e tinha como

objetivo “adaptar o parque industrial e a infra-estrutura da economia brasileira às condições adversas da

guerra” (LIMA, 1984, p. 66), contribuindo para aumentar a participação do Brasil através do fornecimento

de matérias primas (A MISSÃO COOKE, c. 1949, p. 67). Foi realizado um minucioso estudo a respeito

11 Com a Constituição de 1988, o IUEE foi substituído pelo Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços –ICMS, incidindo sobre as faturas de consumo.12 A preocupação central do plano era com os seguintes sistemas: Light – São Paulo; Light – Rio de Janeiro; regiãocentral de Minas Gerais; Cia Paulista de Força e Luz (MG – região central e São Paulo); Cia Brasileira da EnergiaElétrica de São Paulo; região Centro-Sul e Nordeste (zona de influência da CHESF) (BRASIL, 1957, v. II).

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dos problemas econômicos nacionais que resultaram em monografias setoriais13, dentre as quais a questão

energética, que tratou separadamente o petróleo, combustíveis, carvão e a eletricidade.

Embora a ênfase fosse sobre o eixo mais desenvolvido do país (Rio e São Paulo), a

proposta de associação entre energia elétrica e exploração mineral para exportação influenciou,

posteriormente, o planejamento e o desenvolvimento da Amazônia. A Declaração Conjunta dos chefes

da missão de 01 de dezembro de 1942, apontava a necessidade de mudar a estrutura do balanço

energético brasileiro, com opção pelo uso mais intensivo da energia elétrica para impulsionar o

desenvolvimento. Os chefes consideravam que o futuro pertencia “à eletricidade e não ao vapor, ao

alumínio e não ao aço, ao transporte aéreo e não às linhas férreas” (A MISSÃO COOKE, c. 1949, p.

63) e o Brasil se encontrava em posição privilegiada em relação à exploração destes recursos.

O novo rumo na modernização e desenvolvimento industrial do país dependia do

aproveitamento do grande potencial hidrelétrico que, por sua vez, possibilitaria a utilização da

energia elétrica a baixo custo numa escala jamais vista em outra nação. O aumento progressivo

da demanda poderia ser suprido por meio da construção de inúmeras usinas ao longo de milhares

de quilômetros do interior para a costa e pela interligação dessas usinas que beneficiariam tanto

o desenvolvimento da indústria no interior, quanto a agricultura. A energia barata poderia ser

utilizada na exploração das reservas de bauxita e magnésio para a fabricação de ligas leves, as

quais seriam aplicadas na manufaturas de aviões e peças. Com o desenvolvimento do transporte

aéreo de carga, o interior seria totalmente desbravado, facilitando o transporte de matérias

primas para a costa e/ou para o exterior. O uso intensivo da energia elétrica poderia trazer

amplas possibilidades de crescimento para a economia brasileira mas, principalmente, forneceria

a chave para o acesso dos países industrializados, especialmente os EUA, às matérias primas

(como os minérios) necessárias à alimentação do capitalismo avançado. De acordo com a

Missão, “o Brasil e o resto do mundo ganharão muito com os magníficos resultados

consubstanciados na trilogia da eletricidade, dos metais leves e dos aviões cargueiros” (A

MISSÃO COOKE, c. 1949, p. 63, grifos nossos).

O conteúdo do relatório da Missão Cooke permaneceu oficialmente sigiloso no Brasil até

1948, mas pode ter influenciado o planejamento do desenvolvimento amazônico, no que diz respeito à

exploração dos recursos minerais e perspectivas de aproveitamento da energia hidráulica, especialmente

13 Também foram objeto de monografias: o quadro econômico geral, os transportes, as diversas indústrias existentes(têxtil, polpa e papel, metalurgia e mineração, química e desidratação de alimentos); a planificação industrial; osequipamentos elétricos; o aproveitamento do Vale do São Francisco; a educação; e o financiamento dosempreendimentos industriais.

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no Amapá, onde logo ficaram conhecidas as jazidas de manganês14 e começaram os estudos de

aproveitamento da Cachoeira do Paredão.

Com o fim da guerra, os interesses americanos se voltaram para a reconstrução da Europa

e o empenho inicial pela industrialização brasileira desapareceu juntamente com a necessidade que o

gerava. A Missão Abbink (Comissão Mista Brasileiro - Americana de Estudos Econômicos, 1948) se

encarregou de promover uma nova visão baseada no ajuste e equilíbrio interno das contas e de “divulgar”

a ideologia liberal, a fim de ampliar o espaço de atuação do setor privado na economia brasileira e

abrir frentes para a penetração do capital privado americano, resguardando ainda sua remuneração e

livre atuação (LEMOS, 1996).

A Missão Abbink considerava que o processo de transição, no Brasil, de uma economia

de base agrária, fortemente dependente do comércio externo, para uma economia industrializada e

diversificada, estava dominado pelos desequilíbrios setoriais (agrícola e industrial), os quais poderiam

comprometer ainda mais o ritmo do desenvolvimento econômico no país. As sugestões da missão se

concentraram na adoção de medidas financeiras e fiscais de caráter ortodoxo, para viabilizar o equilíbrio

das contas do país e evitar a inadimplência no cumprimento de compromissos internacionais. Apenas

a agricultura fugiu à política restritiva, posto que o equilíbrio entre os setores industrial e agrícola era

considerado fundamental para o desenvolvimento.

Esta análise da economia brasileira foi bastante questionada e logo se levantaram vozes

contrárias à missão. As Classes Produtoras propuseram ao final da Conferência de Araxá (1949/SP)

uma “moção de veto” ao seu relatório, condenando a posição conservadora e desfavorável ao acelerado

desenvolvimento da indústria pleiteado pela burguesia industrial (LEMOS, 1996). Apesar dos protestos

em relação às conclusões da missão, destaca-se entre suas recomendações a exploração do minério

do Amapá e o “equipamento” da região com a infra-estrutura necessária (BULHÕES, 1950, p. 178).

Em 1951, o interesse dos EUA pelas matérias primas estratégicas brasileiras (especialmente

minerais) trouxe ao Brasil a Comissão Mista Brasil-Estados Unidos para o Desenvolvimento Econômico,

com o objetivo de elaborar um programa de investimentos capaz de eliminar os entraves mais graves

ao desenvolvimento econômico do país15.

A Comissão Mista realizou uma profunda análise da economia brasileira, produzindo o

14 O minério de manganês é matéria prima para obtenção de aço comum. É usado na siderurgia como desoxidante eneutralizador do enxofre e fósforo (impurezas) e também empregado em aços-liga e aços especiais, contribuindo parao aumento da resistência mecânica, dureza etc.; na indústria eletrolítica é usado como agente de endurecimento doalumínio; também usado na indústria química, na produção de cerâmicas e fertilizantes.15 Em troca dos minerais estratégicos, os americanos “doariam” equipamentos, materiais e orientação técnica, alémabrir linhas de financiamentos para promover o desenvolvimento industrial brasileiro.

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mais abrangente diagnóstico até então, mas restringiu seu escopo a três setores: agricultura, transporte

e energia, especialmente os dois últimos. Os resultados desse trabalho foram utilizados no Plano de

Reaparelhamento Econômico de Vargas, bem como serviram de inspiração, junto com os estudos da

CEPAL, para a elaboração do Plano de Metas.

A Comissão Mista apontou o padrão espacial de disparidade nas taxas de desenvolvimento

como um dos principais traços da economia brasileira no período entre 1939 e 1952. O crescimento

do produto real per capita chegava a ser duas vezes mais elevado em São Paulo e no Distrito Federal

do que no resto do país, e na região amazônica quase não havia crescimento. Este desequilíbrio tenderia

a aumentar porque o crescimento da indústria seria cumulativo nas áreas em que a expansão industrial

já existia, devido a disponibilidade de recursos humanos e materiais, além de mercados consumidores

e rendas mais elevadas. A explicação para os desequilíbrios regionais era fundamentada na assimetria

das relações de troca entre as regiões e entre estas e a economia mundial (CMBEU, Relatório Geral,

1954, v.I, p. 42-44). Mas a despeito da percepção sobre as disparidades regionais, a Comissão

optou pela formulação “de um programa de investimento capaz de propiciar o máximo incremento

possível da produção, ou da produtividade potencial das áreas ou regiões que melhores condições

oferec[iam] para o rápido progresso” (CMBEU, Relatório Geral, 1954, v.I, p. 143).

Essa definição norteou a distribuição dos recursos no espaço nacional16, reforçada pela

metodologia de análise de projetos, que privilegiou aqueles cuja elaboração técnica estava avançada e

pareciam estar em condições de obter financiamento externo17.

Embora tivesse proposto uma alocação concentrada de recursos que reproduzia a divisão

inter-regional do trabalho à época, a Comissão Mista postulava que o programa poderia suscitar

indiretamente um efeito descentralizador pelos investimentos em energia e transportes que gerariam

uma integração do mercado nacional pela expansão do mercado interno18.

16 Foram elaborados 41 projetos nos setores de transporte, energia, equipamentos agrícolas, armazenamento, etc.Os investimentos previstos chegavam a US$ 387,3 milhões em moeda estrangeira (dos quais apenas US$ 63milhões foram efetivamente concedidos pelo Banco Mundial entre janeiro de 1952 e fevereiro de 1954) e Cr$ 14bilhões em moeda nacional. Do total dos investimentos, 33,1% foi aplicado no setor de energia elétrica. “A regiãoSul ficou com 68,8% dos recursos, a Leste com 3%. A mesma ordem relativa seguiram os recursos em cruzeiros.Para as companhias localizadas em São Paulo foram alocados 42% do total, 21% para o Rio Grande do Sul e 25%para Minas. Os demais ficaram somente com 12%” (SKALETSKY, 1988, p. 98).17 A propósito da questão da participação do Nordeste na distribuição de financiamentos de projetos, Robockchama a atenção para a existência de “[...] um círculo vicioso e um problema de desequilíbrio cumulativo. Naprática, o teste para a concessão de prioridades não é o potencial de desenvolvimento, mas a disponibilidade deprojetos específicos prontos para financiamento. Como as áreas adiantadas se acham mais bem preparadas, estão,conseqüentemente, capacitadas a desenvolver-se cada vez mais” (ROBOCK, 1954, p. 138).18 A questão do desenvolvimento do mercado interno foi objeto de intenso debate à época protagonizado por RobertoSimonsen – para quem o Estado deveria empregar todos os meios para corrigir as distorções e injustiças que poderiamprovocar a “desunião nacional” – e por Eugênio Gudin e Horácio Láfer – para quem o Estado deveria concentrar-se emaumentar as taxas de capitalização nas áreas desenvolvidas do país. Sobre este debate ver SIMONSEN e GUDIN (1977).

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4.1.2 A construção do Setor Elétrico: estrutura institucional, planejamento e realização dosprimeiros estudos do potencial hidrelétrico nacional

Em 1933 foi criado o Departamento Nacional de Produção Mineral – DNPM (Decreto

no 23.016 de 28/09/1933), em cuja estrutura foi incluída a Diretoria de Águas, com a finalidade

desenvolver os trabalhos de avaliação e estudo dos recursos hidroelétricos do país, iniciados em 1920

pelo antigo Serviço Geológico e Mineralógico do Brasil (BRASIL. Ministério da Agricultura, 1939).

Dentre as atribuições da diretoria, constavam: realização dos levantamentos de recursos para

aproveitamento da energia hidráulica na produção hidrelétrica; estudos dos regimes dos cursos d’água

e inundações; análise das concessões requeridas pelas empresas; bem como a fiscalização da aplicação

do Código de Águas e do funcionamento das empresas concessionárias.

Do ponto de vista político, esta repartição pública incorporava novos interesses econômicos

às “estruturas materiais do Estado”, tendo em vista o novo padrão de acumulação baseado na dinâmica

industrial (LIMA, 1984, p. 33). O processo de concentração decisória sobre o setor de energia

elétrica nas mãos do governo federal culminou na criação pelo Decreto-Lei no 1.285, de 18 de maio

de 1939, do Conselho Nacional de Águas e Energia Elétrica (CNAEE), cuja criação já estava prevista

no Código de Águas, diretamente ligado à Presidência da República. A criação deste órgão consolidou

as iniciativas no sentido de lançar o planejamento do Setor Elétrico por parte do Estado, uma vez que

o CNAEE assumiu a responsabilidade de elaborar a política setorial no país. Seu objetivo inicial era a

regulamentação do Código de Águas para adaptá-lo às necessidades do setor, tornando-o mais

operativo e eficiente. A administração de questões ligadas à interligação dos sistemas elétricos e à

resolução da crise energética que abalava o país, o desviou do cumprimento desta tarefa ficando o

planejamento do setor em segundo plano.

Os primeiros estudos realizados pela Divisão de Águas em 1938, analisaram 244 quedas

d’água em todo o país e revelaram um potencial hidráulico de 19.519.000 cavalos-vapor

(aproximadamente 14.356.165 KW ), dos quais 22,52% ou 4.395.900 (aproximadamente 3.233.171

KW) na Bacia Amazônica.

O quadro IV.1 mostra a distribuição pelas bacias hidrográficas do país do potencial avaliado.

Como a análise não abrangeu todas as quedas passíveis de exploração, o potencial levantado não

cobria todos os recursos hidráulicos existentes. Foram criados seis distritos, com postos hidrométricos,

a fim de sistematizar o conhecimento sobre as variações do volume de águas (descargas) – que influenciam

a variação da potência das quedas d’água – e o regime dos cursos dos rios para a utilização nacional

da energia hidráulica. O objetivo desses estudos era conhecer as variações mensais e estabelecer que

equipamentos seriam mais adequados ao melhor aproveitamento dos excessos nos períodos de

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abundância. No distrito da Bacia Amazônica, os levantamentos se concentravam no regime dos cursos

d’água e estudo básico para realizações econômicas e serem efetivadas no futuro.

Quadro IV.1 - Avaliação do Potencial Hidráulico do Brasil (em cavalos-vapor) – 1938

Estados BACIAS HIDROGRÁFICAS

Amazônica Nordeste S. Fran- Leste Paraguai Paraná Uruguai S u l e s t e Total porcisco Estado

Amazonas 660.000 - - - - - - - 660.000

Pará 1.838.800 35.800 - - - - - - 1.874.600

Maranhão 19.000 26.700 - - - - - - 45.700

Piauí - 11.500 - - - - - - 11.500

Ceará - 500 - - - - - - 500

R. Grande - - - - - - - - -do Norte

Paraíba - 1.600 - - - - - - 1.600

Pernambuco - 11.000 35.000 - - - - - 46.000

Alagoas - 1.300 235.000 - - - - - 236.300

Sergipe - - - 800 - - - - 800

Bahia - - 1.049.600 173.600 - - - - 1.223.200

Espírito Santo - - - 99.300 - - - - 99.300

Rio de Janeiro - - - 548.100 - - - - 543.100

Distrito Federal - - - 400 - - - - 400

São Paulo - - - 238.400 - 1.936.800 - 426.400 2.601.600

Paraná - - - - - 2.503.200 - 89.300 2.592.500

Santa Catarina - - - - — - 82.900 113.700 196.600

R. Grande do Sul - - - - - - 116.000 129.300 245.300

Minas Gerais - - 253.700 1.637.900 - 3.936.000 - - 5.827.600

Goiás 765.300 - - - - 344.900 - - 1.110.200

Mato Grosso 1.112.800 - - - 89.500 1.000.000 - - 2.202.300

Total por BaciaAbsoluto 4.395.900 88.400 1.573.300 2.693.500 89.500 9.720.900 198.900 758.700 19.519.100

% 22,52 0,45 8,06 13,80 0,46 49,80 1,02 3,89 100,00

OBS: O total geral corresponde a aproximadamente 14.356.165 KW. Fonte: Divisão de Águas In: BRASIL. Ministérioda Agricultura, 1939, p. 494.

Este conhecimento, em todo o país, seria importante para o estabelecimento de indústrias

eletroquímicas, eletrometalúrgicas, de transportes e agrícolas que permitiriam a total utilização da energia

disponível. Por outro lado, o conhecimento do volume de descarga seria importante também para a

interligação dos sistemas elétricos que permitiria que uma usina instalada num curso d’água suprisse as

deficiências de outra, que não tivesse as mesmas reservas ou estivesse em outro regime, em relação à

época da estiagem (BRASIL. Ministério da Agricultura, 1939).

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Em fins de 1943, o Conselho Federal de Comércio Exterior organizou a Comissão Técnica

Especial do Plano Nacional de Suprimento Público de Eletricidade19, apontando a urgência do planejamento

do setor de energia elétrica para dar suporte ao desenvolvimento econômico do país, que estava diretamente

ligado à solução dos problemas de infra-estrutura de energia e transportes para a indústria.

O pioneiro Plano Nacional de Eletrificação de 1943, abordou pela primeira vez questões

relativas a: constituição de sistemas interligados regionais, construção de extensas linhas de transmissão,

divisão do país em regiões energéticas auto-suficientes e criação de um único órgão que centralizaria,

no âmbito federal, o planejamento e fiscalização das unidades regionais (REVISTA DO CLUBE DE

ENGENHARIA, 1950, p. 353-356). Apesar disso, o plano não formulou um cronograma de obras e

investimentos e estabeleceu apenas as diretrizes estruturais para a elaboração de um plano de eletrificação

propriamente dito.

4.1.2.1 O Plano Nacional de Eletrificação de 1954

Considerando as demandas que seriam geradas pelo desenvolvimento industrial projetado,

o déficit energético do país na década de 1950 era estimado em meio milhão de KW. A fim de

solucioná-lo, foi estabelecida a meta de aumento da oferta de eletricidade em 200 mil KW por ano, a

ser alcançada pelo Plano Nacional de Eletrificação elaborado pela Assessoria Econômica e enviado

ao Congresso Nacional em 1954. Os princípios que iriam reger o plano foram estabelecidos pelo

presidente, na Mensagem da sessão inaugural da legislatura de 1951:

Para que a eletricidade seja um elemento de progresso e permita o desenvolvimentoindustrial não é meramente necessário que seja barata, é indispensável, sobretudo, queseja abundante. A oferta de energia deve preceder e estimular a demanda. A falta dereserva de capacidade e as crises de eletricidade são processos de asfixia econômica deconseqüências funestas. É indispensável, por isso, que o Poder Público assuma aresponsabilidade de construir sistemas elétricos, onde sua falta representa maioresdeficiências (VARGAS, 1952, p. 222, grifos nossos).

Desta maneira, a eletricidade se tornaria o fator dinâmico da economia e o Estado passaria a

controlar o ritmo, a direção e a implantação do desenvolvimento no território nacional. O plano

estabeleceu as principais diretrizes para o suprimento público de energia elétrica, através de um “amplo

e coordenado programa de obras e serviços destinado a ampliar em grande escala a capacidade de

geração de energia, sua transmissão e distribuição” (BRASIL. P. G. Vargas, 1954, p. 4) e assegurar a

continuidade da ação do poder público no Setor Elétrico.

19Fizeram parte desta Comissão Especial técnicos da Divisão de Águas do DNPM e do CNAEE. Os trabalhos seiniciaram em 1944 e foram concluídos em 1946, sendo publicados no ano seguinte.

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O plano visava duplicar a capacidade de geração de energia elétrica num período de 10

anos, pleiteava a implantação da indústria de material pesado do Setor Elétrico e a melhoria na qualidade

da energia produzida e distribuída por meio da padronização da tensão das transmissões, aperfeiçoamento

dos equipamentos e, principalmente, interligação de usinas e interconexão dos sistemas20.

A “interconectividade” dos sistemas e a interligação efetiva das usinas foram os principais

critérios adotados no desenho do plano para o equacionamento dos problemas nacionais da eletrificação.

Estes critérios permitiram avançar os sistemas elétricos e serviços de um âmbito local (municipal) para

o escopo nacional, de modo que a estrutura material das usinas e linhas de transmissão permitisse uma

associação permanente das empresas produtoras num parque elétrico interligado, capaz de suprir o

parque industrial brasileiro em crescimento. A mudança tecnológica no sistema, implicava também uma

mudança na conceituação jurídico-administrativa, que orientava a divisão de trabalho entre esferas

governamentais. O serviço estritamente municipal passaria a ser responsabilidade da administração

local, os serviços de significação inter-municipal seriam de responsabilidade dos estados e os serviços

que ultrapassassem os quadros estaduais seriam administrados diretamente pelo governo federal

(PEREIRA, 1954, p. 59). O governo central iria apoiar (técnica e financeiramente) as iniciativas estaduais

e municipais no processo de eletrificação, especialmente os empreendimentos menores dos sistemas

isolados e serviços locais, enquanto se encarregaria dos grandes projetos de projeção nacional, como

o aproveitamento de Paulo Afonso (VARGAS, 1952, p. 223).

Com os critérios da “interconectividade” e interligação foram estabelecidas duas grandes

áreas, cujos serviços e programas deveriam ser conduzidos distintamente: a área Centro-Sul, que seria

suprida através dos grandes sistemas elétricos interligados e a área das usinas isoladas não-

interconectáveis, em que o suprimento só seria possível por meio de pequenos sistemas isolados e

serviços locais. Esta estrutura assinalou uma nova configuração do Setor Elétrico brasileiro, baseada

em duas linhas mestras: a emergência de um novo “mapa” de configuração do setor, onde se destacavam

os conjuntos de sistemas interligados nas regiões mais dinâmicas do país, ou seja, a região Centro-Sul

– em especial o Rio de Janeiro e São Paulo – e a região Nordeste; e o surgimento do Estado empresário

como grande produtor de energia, através da associação com as iniciativas pública e privada (nacionais)

no nível regional e local e com as iniciativas privadas nacional e estrangeira, no nível nacional (LIMA,

20 A preocupação com as questões relativas ao estabelecimento de sistemas interligados regionais, construção deextensas linhas de transmissão e a criação de um grande sistema interligado foi sistematizada pela primeira vezatravés do Conselho Federal de Comércio Exterior – CFCE, que foi “primeiro órgão brasileiro de planejamentogovernamental” (IANNI, 1991). Em 1943, esta entidade organizou uma comissão técnica para elaborar um PlanoNacional de suprimento público de eletricidade. Esse plano, que só foi divulgado em 1947, embora não tenhaatingido seus objetivos, estabeleceu importantes parâmetros técnico-políticos para o planejamento da expansão dosetor (PEITER, 1994).

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1984, p. 84). A criação do Ministério das Minas e Energia (MME) em 1960 (Lei no 3.782, de 22/07/

1960) e a instalação oficial das Centrais Elétricas Brasileiras (Eletrobrás), em 11 de junho de 1962,

representaram a consolidação deste modelo, que buscava dotar o Setor Elétrico de uma sólida estrutura

legal, institucional, técnica e financeira.

O Plano também estabeleceu uma forma de lidar técnica e politicamente com o suprimento

público de energia elétrica nas áreas de população menos densa, como a região Norte. Para as regiões

em que as condições de consumo, as grandes distâncias e as condições econômicas locais não favoreciam

a instalação de grandes centrais elétricas foi definida a instalação de pequenas unidades isoladas que

serviriam a uma localidade ou um pequeno conjunto de centros urbanos. Os serviços locais seriam

coordenados pelos governos estaduais em empresas mistas que poderiam operar várias pequenas

usinas, administrando de forma centralizada a gestão financeira para reduzir os custos com a

administração, aquisição de materiais e equipamentos e possibilitar a manutenção por pessoal técnico

especializado. Com a ajuda técnica e financeira do governo central, a cada governo estadual caberia

[...] a importante tarefa de expandir o abastecimento de energia, primeiro como iniciadore criador de mercado individualizado nas zonas mais atrasadas; segundo comoorganizador de pequenos agrupamentos e pequenos sistemas; e, finalmente, comocoordenador de sistemas de vulto maior, tanto quanto compor[tasse] sua economia eseu âmbito territorial (PEREIRA, 1954, p. 83).

O Plano Nacional de Eletrificação nunca chegou a ser aprovado oficialmente21 e suas metas

só foram parcialmente alcançadas dez anos depois, através do Plano de Metas. Apesar disso, o programa

de Vargas para o Setor Elétrico pode ser considerado como extremamente avançado, já que propunha

um projeto de desenvolvimento da infra-estrutura bastante superior à demanda existente, como elemento

dinamizador para a instalação de indústrias e continuidade do processo de desenvolvimento.

4.2 A SPVEA E A AÇÃO PLANEJADA DO ESTADO

[...] O capitalismo, diferentemente de outras formas históricas de organização ereprodução sociais, caracteriza-se por uma morfologia social marcada não apenas peladesigualdade na forma de alocação territorial de recursos produtivos e de população,mas também por um dinamismo que impulsiona permanentemente à desestruturação e àreestruturação de sua própria territorialidade (VAINER, 1995, p. 450-451).

21 Houve quem “respirasse aliviado” por isso. De acordo com Lucas Lopes, o Plano continha uma listagem deprojetos dos quais uma boa parte carecia de realismo, de estudos e de projeto de engenharia. Nas suas palavras:“Esse plano, como destino da Eletrobrás, nos deixava apavorados. Se a Eletrobrás tivesse sido aprovada paraexecutá-lo, teria se esfacelado entre uma multidão de pequenos projetos e haveria uma briga de faca para conseguirverbas” (MEMÓRIA DA ELETRICIDADE, 1991, p. 155).

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190

Este modo específico de expansão do capitalismo particulariza a produção de desigualdades

regionais como elemento essencial da integração nacional (VAINER e ARAÚJO, 1992, p. 18). De

acordo com OLIVEIRA (1987), o conceito de divisão regional do trabalho se opõe à noção de

“desequilíbrio regional” – que é apenas descritiva e essencialmente econômica – e se orienta para a

análise das contradições produzidas pelas diferentes formas de reprodução do capital e das relações

de produção no processo global de acumulação capitalista. Tendencialmente, o espaço econômico na

produção capitalista se uniformizaria pela homogeneização das relações de produção em escala nacional.

Esta homogeneização, contudo, não se concretiza porque, por definição, o processo de reprodução

do capital é desigual e combinado. Em função disso, a intervenção do Estado, sob a forma do

planejamento, atua

sobre as contradições entre a reprodução do capital em escala nacional e regional, e quetomam a aparência de conflitos inter-regionais: o planejamento não é, portanto, apresença de um estado mediador, mas ao contrário, a presença de um estado capturadoou não pelas formas mais adiantadas da reprodução do capital para forçar a passagemno rumo de uma homogeneização, ou conforme é comumente descrito pela literaturasobre planejamento regional, no rumo da ‘integração nacional’ (OLIVEIRA, 1987, p. 29-30, grifos no original).

A ação planejada do Estado, no sentido proposto por Oliveira, ocorre quando há uma

séria ameaça às condições de reprodução do capital, explicitada na emergência de oposição política

por novos agentes sociais que se contrapõem às classes hegemônicas no poder. A região é um elemento

fundamental no esquema teórico deste autor posto que é

[...] o espaço onde se imbricam dialeticamente uma forma especial de reprodução docapital e, por conseqüência, uma forma especial de luta de classes, onde o econômico eo político se fusionam e assumem uma forma especial de aparecer no produto social enos pressupostos da reposição (OLIVEIRA, 1987, p. 29).

Neste conceito, as regiões existentes têm correspondência nos diferentes estágios da

reprodução do capital coexistentes em um mesmo território nacional. Em outras palavras, as

contradições geradas pelas diferentes formas de reprodução do capital conformariam econômica e

politicamente as diferentes regiões. Ao introduzir no debate e na teorização sobre região a dimensão

política, Oliveira identificou seu papel na reprodução do capital, ao mesmo tempo em que associou a

este processo uma forma específica de luta social e estrutura de classe. Em sua análise crítica da ação

interventora estatal, o autor percebeu que com a transformação do Estado em produtor de mais-valia,

seu caráter opressor e repressor não pôde mais ser mascarado. Da mesma forma, a ambigüidade em

relação às classes dominantes se desfaz, uma vez que ele se torna elemento da centralização do capital

e expansão do sistema, ou seja, o Estado se torna “parte ativa da reprodução do capital”:

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191

A profunda imbricação do Estado com as grandes corporações que é a característicamais saliente do capitalismo monopolista e simultaneamente do estado moderno, colocaem primeiro plano a necessidade do estabelecimento ou da fixação da taxa de lucrospara o capital monopolista, e nisto reside a característica política mais saliente do Estado[...]. O caráter anárquico do capitalismo permanece, mas et pour cause amplia-seextraordinariamente: daí qualquer crise na economia capitalista de hoje ser também esimultaneamente uma crise do Estado (OLIVEIRA, 1987, p. 105-106, grifos no original).

O Discurso do Rio Amazonas, proferido pelo Presidente Getúlio Vargas em outubro de

1940, é considerado um marco na construção da preocupação do governo central com o

desenvolvimento da Amazônia e com sua “integração” na economia nacional:

Nada nos deterá nesta arrancada que é, no século XX, a mais alta tarefa do homemcivilizado: conquistar e dominar os vales das grandes torrentes equatoriais,transformando a sua força cega e sua fertilidade extraordinária em energia disciplinada.O Amazonas, sob impulso fecundo de nossa vontade e de nosso trabalho, deixa deser, afinal um simples capítulo da história da terra e, equiparando aos outros grandesrios, torna-se um capítulo da história da civilização (VARGAS, 1944, grifos nossos).

A partir de então, a região passou a ser objeto da intervenção planejada do Estado em

inúmeros experimentos de desenvolvimento. No início da década de 1940, o interesse norte-americano

em garantir o suprimento de borracha natural, interrompido pela impossibilidade de suprimento do

produto asiático durante a Segunda Guerra Mundial, viabilizou a realização de um esforço para aumentar

a produção amazônica e normalizar o fornecimento internacional. Este esforço ficou conhecido como

“Batalha da Borracha” e acabou envolvendo muito mais do que apenas um incremento na produção.

Os “Acordos de Washington”, assinados em 03 de março de 1942, formalizaram a participação dos

Estados Unidos e do Brasil no plano de recuperação da produção gomífera. Pelo acordo, foi fixado o

preço de 39 centavos de dólar por libra-peso de borracha por dois anos, para entregas acima de

10.000 toneladas22. Os brasileiros receberiam como contrapartida da exportação exclusiva para os

Estados Unidos, recursos e material para fomentar a produção e comercialização. Estes recursos

seriam aplicados especialmente em transporte, saúde, deslocamento e alocação de mão-de-obra nos

seringais e suprimentos (alimentos e ferramentas de trabalho).

De acordo com Benchimol, “A Batalha da Borracha, a segunda23, foi estrategicamente

armada nos altos escalões ministeriais dos dois governos, que fixaram a sua política e sua ação mediante

a montagem de um dispositivo logístico-institucional de grande envergadura para a época.”

(BENCHIMOL, 1992, p. 73) Para este autor, os objetivos de cada governo em relação ao acordo

22 As classes empresariais seringalistas, que esperavam recuperar seus lucros com a volta da posição monopolística,revoltou-se contra a fixação do preço (BENCHIMOL, 1992, p. 71).23 Para este autor, a primeira “Batalha da Borracha” ocorrera no período de ascensão da economia gomífera, entre1850 e 1915.

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192

eram diferentes: enquanto os americanos buscavam o rápido acesso ao suprimento de borracha, os

brasileiros buscavam crédito para o desenvolvimento.

Uma complexa estrutura institucional, administrativa e de serviços foi criada, apoiada nos

capitais norte-americanos, como base para as frentes de trabalho que deveriam reativar os seringais

silvestres para abastecer com borracha as forças aliadas. Foi criado o Banco da Borracha, que monopolizaria

as operações de financiamento e crédito da borracha; houve o fortalecimento e expansão do Instituto

Agronômico do Norte, a quem foi destinado inicialmente a dotação de cinco milhões de dólares do

governo americano para pesquisa para a melhoria da produção; foi criado um plano de saneamento e o

Serviço Especial de Saúde Pública; foi criada uma estrutura de transporte e suprimento, envolvendo a

construção de aeroportos, suprimento de combustíveis para barcos e aviões, transporte de víveres,

medicamentos, ferramentas e pessoas; foi criada a Superintendência de Abastecimento do Vale Amazônico

(SAVA); e foi criado o Serviço Especial de Mobilização de Trabalhadores (SMTA), sucedido pela

Comissão Administrativa do Encaminhamento de Trabalhadores para a Amazônia (CAETA) para a

mobilização de trabalhadores (os “soldados da borracha”) para a produção nos seringais (DEAN, 1989).

Também foram criados os territórios federais de Guaporé (atual Rondônia), Rio Branco (atual Roraima)

e Amapá, em 1943, reorganizando o espaço político amazônico (BENCHIMOL, 1992).

O recrutamento de trabalhadores de fora da região, especialmente nordestinos, se tornou

uma operação quase militar. Os trabalhadores eram contratados pelo governo por dois anos, recebiam

adiantamentos e promessas de salário-família, além de transporte, que eram descontados posteriormente

(DEAN, 1989, p. 141-142). As condições de trabalho, contudo, eram as mesmas do século XIX.

Embora não haja um registro oficial, DEAN (1989), estima em 32.000 o número de pessoas deslocadas

para a Amazônia neste período24, enquanto BENCHIMOL (1992) calcula que mais de 75.000 pessoas,

oriundas de outras regiões do país, entraram no Estado do Amazonas entre 1941 e 1945.

Apesar de viabilizar o aumento da produção e a elevação dos preços, ao fim da vigência dos

acordos de cooperação entre Brasil e Estados Unidos, em 30 de junho de 1947, os serviços e incentivos

criados foram desativados e o esforço emergencial não resultou numa política duradoura com resultados

de longo prazo (BRASIL. SPVEA, 1960, p. 21, v.1). As bases técnicas e sociais da produção da

borracha silvestre também não foram mudadas e continuaram baseadas no “desumano sistema extrativo”

(DEAN, 1989, p. 154). Estima-se que milhares vidas tenham se perdido na floresta neste período.

24 Em 1942, uma severa seca ajudou os planos de atrair nordestinos para os seringais amazônicos, e até fevereiro de1943 quase 15.000 foram levados em grupos familiares para a região, mas ainda não era suficiente. Um convênioassinado entre a Rubber Reserve Company – empresa responsável pela compra da borracha e manutenção dosestoques para os Estados Unidos – e a SEMTA previa o pagamento de US$ 100 por cada homem colocado na região(CORRÊA, 1967, p. 91).

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Embora a economia da borracha não se tenha reorganizado com a experiência da “Batalha

da Borracha”, parte da estrutura institucional criada permaneceu e foi incorporada à base dos

programas governamentais de desenvolvimento posteriores, como o Banco da Borracha, que foi

transformado em Banco de Crédito da Amazônia. Por outro lado, a valorização econômica da

região entrou definitivamente na pauta do planejamento governamental. A deposição de Vargas em

1945 atrasou o processo, mas a idéia de um plano para soerguer a economia amazônica perdurou.

Na Constituição de 1946, uma emenda do deputado Leopoldo Peres (PSD/AM) deu origem ao

artigo 199, que estabeleceu a aplicação, por vinte anos, pelo governo federal, de 3% da renda

tributária da União, dos estados, territórios e municípios, no planejamento da região. Este dispositivo

constitucional proveu os meios financeiros essenciais para viabilizar o Plano de Valorização Econômica

da Amazônia, mas decorreu quase uma década para que fosse colocado em prática.

Em outubro de 1950, a eleição de Vargas pelo voto popular reacendeu as discussões

sobre a Amazônia. Na primeira Mensagem ao Congresso Nacional, em 1951, o presidente ressaltou

a necessidade de um plano de desenvolvimento regional consistente, fundado em análise técnica,

mobilização de equipes de especialistas e utilização da logística dos serviços federais existentes

(VARGAS, 1952). Como resultado, foi criada a Superintendência do Plano de Valorização Econômica

da Amazônia (SPVEA), a primeira agência brasileira de desenvolvimento25 especificamente para pôr

em prática o planejamento da região26.

Instituída pela Lei no 1.806, de 06 de janeiro de 1953, a SPVEA seria o órgão planejador

e executor do Plano de Valorização Econômica da Amazônia. O Plano estabelecia objetivos como

desenvolvimento industrial, aproveitamento de recursos naturais, desenvolvimento agrícola e a criação

de uma infra-estrutura em termos de transportes, comunicações e energia. Fixava também objetivos

não econômicos, de natureza geopolítica, relacionados à ocupação nacional na região (afirmação da

posse brasileira); e social, como melhorias nos setores de educação, cultura e saúde.

REIS (2001, p. 156-157) explica a intervenção federal na Amazônia por múltiplos fatores:

por se tratar da região mais subdesenvolvida do país; pela extensão da área a ser valorizada; pela

complexidade dos problemas da região; pelo tempo, já que o planejamento do desenvolvimento só

25 A Companhia Vale do São Francisco criada em 1948 para o aproveitamento do rio São Francisco, também incluía noseu projeto a exploração das margens para a agricultura e a navegação fluvial. Apesar disso, o fato de ter comounidade territorial o vale do rio, limitou seu alcance da como agência de desenvolvimento regional.26 Para organizar a intervenção do Estado, o Banco de Crédito da Borracha foi transformado em Banco de Crédito daAmazônia em 1951 e passou a administrar o Fundo de Fomento a Produção (Lei no 1.184 de 30/081950), criadoinicialmente para atender às operações de sustentação da borracha. Posteriormente, o fundo passou a ser administradopela SPVEA. O Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), criado em 1952, também foi incorporado àarticulação institucional da valorização da Amazônia.

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poderia ser realizado a longo prazo; e pelo volume de recursos necessários que não poderiam ser

arcados nem pelo poder público regional, nem pela iniciativa privada.

De acordo com a Comissão de Planejamento da SPVEA, a “crise amazônica” era

decorrente “da sobrevivência de hábitos e concepções de trabalho e da organização social do ciclo

extrativista, cuja produtividade econômica tornou-se insuficiente para sua manutenção como sistema

econômico” (BRASIL. SPVEA, 1954, p. 06). Cabia então ao governo produzir, por meio da técnica

de planejamento, a transformação que adaptaria a realidade social local às novas condições da economia

mundial. Em outras palavras, caberia à SPVEA a tarefa de inserir a Amazônia nas formas mais avançadas

de organização da produção social capitalista, “superando a velha estrutura produtiva e as relações

sociais pré-capitalistas que a sustenta[va]m” (BRASIL. SPVEA, 1960, p. 14, v.1). Isto se daria por

meio de dois processos correlatos: a transformação das condições materiais da produção e a “integração

territorial, econômica e social da região amazônica na unidade nacional” pela “ocupação e

desenvolvimento da Amazônia como um todo” e não apenas nas áreas mais acessíveis e economicamente

produtivas (BRASIL. SPVEA, 1954, p. 07). Vigorava a concepção geral de que a técnica era capaz

de transformar a realidade da Amazônia, “uma região geologicamente definida à espera da técnica [...]

[para ser convertida] em imenso celeiro” (FGV – Curso de Planejamento Regional. SPVEA. Rio de

janeiro: FGV, 1955, p. 07; apud D’ARAÚJO, 1992, p. 45, grifo da autora). A técnica seria o instrumento

capaz de domesticar uma natureza pródiga, mas hostil e viabilizar o acesso às riquezas e ao espaço.

Em discurso no senado federal, o senador Alvaro Adolfo (PSD/PA) afirmou:

O aproveitamento do Vale Amazônico, Sr. Presidente, é um imperativo da economia nacionale da nossa própria segurança. Ou recuperamos, pela penetração colonizadora e por umatécnica apropriada às suas condições peculiares, ou nos confessamos incapazes deconservá-lo em nosso poder, num mundo ávido de espaço para conter os excedentes depopulações que se multiplicam em progressão crescente. O espaço é um dos elementosessenciais da geopolítica de todos os continentes, assim também o acervo de recursosnaturais [...]. Tudo o que se fizer na Amazônia sem planificação e sem técnica peculiarestá destinado ao fracasso, tais são as influências que o meio geográfico pode exercerpara contrariar as previsões mais otimistas. Ali o esforço do homem para a criação do meioeconômico exige uma vigilância permanente contra a ação desagregadora dos fatoresnaturais (ADOLFO, 1946, grifos nossos).

A SPVEA tinha sob sua jurisdição a Amazônia Legal, criada em 1953 especificamente

como área-objeto de intervenção governamental27. Considerando a extensão territorial (5.057.490

km2, correspondente a 59,38% do território nacional), a baixa densidade demográfica (cerca de 0,7

27 Atualmente a abrangência da Amazônia Legal inclui os estados do Acre, Amazonas, Amapá, Pará, Rondônia,Roraima, Tocantins, Mato Grosso e parte do Estado do Maranhão (oeste do meridiano 44o W).

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hab/km2 na década de 1950), a estagnação econômica dos últimos 40 anos, a dispersão das atividades

basicamente extrativas, a falta de infra-estrutura e de conhecimentos técnicos e científicos específicos

sobre a região, o desafio era gigantesco.

O relatório da Conferência Técnico-Administrativa sobre Valorização Econômica da

Amazônia (BRASIL, 1954), reunida no Rio de Janeiro em 1951 por determinação do Presidente

Getúlio Vargas, tinha uma visão otimista da “valorização da Amazônia” e acreditava nas “potencialidades”

da região que, uma vez aproveitadas, poderiam propiciar a prosperidade desejada para a região e

para o país. Para isso, era necessário transformar a sociedade local, mudar sua base econômica

extrativista para uma base agrícola, mas também explorar recursos florestais como as madeiras que

poderiam se transformar (imediatamente) em “dinheiro” (BRASIL, 1954, p. 219 e 312). Havia também

fortes expectativas quanto à exploração dos recursos minerais, hídricos e petróleo:

[...] Se a natureza responder às esperanças e puser à disposição do homem brasileiro aquantidade de óleo indispensável às necessidades de uma economia moderna e se aohomem amazônico for dada a possibilidade de fornecer esse óleo ao resto de país.(BRASIL, 1954, p. 369)[...] O referido vale pode vir a ser uma fonte de suprimento de petróleo no país[...](BRASIL, 1954, p. 320).

O elemento humano local era considerado um dos problemas do baixo grau de

desenvolvimento, pois além de escasso, não possuía a capacidade e o “manancial civilizatório” capaz

de se desenvolver e alcançar o mesmo nível do resto do país. Por esta razão a ocupação seria feita

com elementos imigrantes nacionais e estrangeiros.

A Lei no 1.806 estabeleceu como instrumento de planejamento e execução da ação

governamental na região os planos qüinqüenais sucessivos, precedidos por um primeiro programa de

emergência a ser elaborado pela Comissão de Planejamento. O programa emergencial, a ser executado

no ano de 1954 e o I Plano Qüinqüenal (1955-1959) foram elaborados com as informações existentes

e seriam reajustados a medida que novas informações fossem incorporadas ao corpo de conhecimentos

sobre a região. Dentre os objetivos do I Plano Qüinqüenal constava a atração do capital privado nacional,

a ser mobilizado por meio de incentivos fiscais e creditícios, para viabilizar a valorização econômica da

Amazônia. Esta perspectiva já estava presente na Mensagem Presidencial de Vargas de 1952:

A valorização da Amazônia é óbvio, não pode ser um empreendimento em que apenas opoder público seja chamado a atuar. A iniciativa privada, que tem sido até o presentea força mais viva na movimentação econômica da região, por isso mesmo deve tersua participação ativa estimulada pelo Governo. A instituição do crédito, emconseqüência, há de ser uma das facilidades a lhes ser assegurada com aquele objetivo(BRASIL, 1954, Mensagem Presidencial de 1952, grifos nossos).

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Para facilitar o planejamento, o Plano estabeleceu critérios de zoneamento da região

conjugando dois tipos de fatores, que permitiram o estabelecimento de 28 zonas prioritárias: i) fatores

econômico-sociais: densidade populacional, nucleação urbana, facilidade de transporte, qualidade dos

solos agrícolas, condições de industrialização, presença de estradas de ferro e condições favoráveis à

criação de gado; e ii) fatores políticos: zonas de fronteira, zonas limites de navegação com população

à montante, zonas limítrofes com outras regiões do Brasil e com penetração pioneira (BRASIL, 1955).

A realização do processo de desenvolvimento se ancorava principalmente em dois aspectos:

a concentração em pequenos núcleos urbanos interligados por uma rede de transportes e a irradiação

do desenvolvimento cultural e industrial das cidades de Belém, Manaus, São Luís e Cuiabá, que seriam

os “centros naturais de elaboração das idéias científicas e técnicas na região” (BRASIL. SPVEA,

1954, p. 09) e para onde convergia a vida social, política e econômica da Amazônia.

De acordo com o Plano de Emergência, o desenvolvimento da Amazônia era “uma

sorte do destino nacional [...] cuja permanente proximidade do litoral constituí[a] uma limitação às

possibilidades de desenvolvimento do país e uma ameaça à sua segurança e unidade” (BRASIL.

SPVEA, 1954, p. 5). Para levar o progresso à região era necessário ocupar e povoar as fronteiras,

a fim de produzir uma “sociedade estável e progressista e que [pudesse] vir a realizar-se e aperfeiçoar-

se com seus próprios recursos” (BRASIL. SPVEA, 1954, p. 14). Foram estabelecidas sete linhas

prioritárias de ação: i) produção local de alimentos; ii) produção de matérias-primas e produtos

alimentares; iii) exploração das riquezas energéticas – com redução dos custos e preservação das

fontes – e minerais; iv) exportação de matérias-primas regionais (os três últimos para o mercado

nacional); v) conversão gradual da economia extrativista em agrícola, pastoril e industrial; vi)

aperfeiçoamento dos transportes (especialmente fluvial); e vii) elevação do nível cultural, político e

técnico da população.

4.2.1 Energia elétrica para o desenvolvimento regional

No final da década de 1940 e início da década de 1950, a energia elétrica na Amazônia era

privilégio das capitais e algumas cidades do interior, usada basicamente para a iluminação pública e

domiciliar. Além disso, Manaus (AM), Belém (PA) e São Luís (MA) passavam por graves crises energéticas.

A capacidade instalada de energia elétrica na região Norte em 1955 era de 17.814 KW,

para o atendimento de uma população total de 2.091.275 habitantes. Apesar da crise que atravessavam,

o estados do Amazonas com 6.331 KW e o Pará, com 9.795 KW eram os mais dotados, enquanto os

territórios federais do Acre, Guaporé, Rio Branco e Amapá possuíam respectivamente 725 KW, 699

KW, 58 KW e 206 KW (CNAEE, apud BERENHAUSER JUNIOR, 1956).

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Na “Exposição em torno do problema da valorização econômica da Amazônia”, lida na

sessão especial de 29 de janeiro de 1947 da Comissão Especial do Plano de Valorização Econômica

da Amazônia, o Dr. Walraiki Ramayana de Chevalier chamou a atenção para a necessidade de atualizar

o sistema elétrico das principais capitais amazônicas, a fim de transformá-las em núcleos de sólido

desenvolvimento industrial:

Manaus e Belém terão que ser, forçosamente, centros de transformação industrial [...]Não se compreende mais que estejamos a desperdiçar cascas, resinas, óleos fibras,sementes, raízes, folhas, ficando numa posição atrasada de meros exportadores dematérias primas quando é possível, dentro de vinte anos, converter a Amazônia numformidável parque de expansão continental (Exposição lida pelo Dr. Walraiki Ramayanade Chevalier, na sessão especial de 29 de janeiro de 1947. BRASIL. CÂMARA DOSDEPUTADOS, 1948, p. 148).

Na concepção vigente, para que isso se concretizasse era necessário vencer a tecnologia

ultrapassada, cristalizada na geração termelétrica a vapor, alimentada com a lenha extraída da floresta.

Além de arrasar as margens do rio Negro, esta tecnologia tinha custos crescentes, já que o manancial

se distanciava cada vez mais. O sistema ainda fornecia uma energia escassa, de má qualidade e cara,

o que inviabilizava a industrialização. Por outro lado, a rede de iluminação baseada no arco voltaico

era um dos testemunhos de um passado glorioso, mas que agora representava o atraso e a impossibilidade

alcançar o desenvolvimento econômico e social desejado:

Os rádios, os aparelhos elétricos fabricados para o resto do mundo não servem paraManaus. E o amazonense está lendo com dificuldade, locomovendo-se comdificuldade preso a um passado que o inibe e inibirá de grandes esforços em favorde sua libertação econômica. Não deixamos de louvar o esforço do capital quedesbravou tecnicamente a planície. Mas sua época passou. O arco voltaico é umdocumento do pretérito. Só a energia hidráulica poderá fazer de Manaus esse centrode transformação, sem o qual nada é viável para o futuro (Exposição lida pelo Dr.Walraiki Ramayana de Chevalier, na sessão especial de 29 de janeiro de 1947. BRASIL.CÂMARA DOS DEPUTADOS, 1948, p. 148-149).

A superação do atraso viria, portanto, com a exploração da energia hidráulica. Esta

reivindicação era mais do que a busca de uma solução alternativa para um problema, cuja gravidade,

ameaçava o bem-estar de milhares de pessoas. A questão não era apenas regularizar e melhorar o

suprimento energético, mas alcançar este objetivo com a utilização de fontes mais modernas e

tecnologias mais avançadas. Esta era a razão dos discursos inflamados contra as ultrapassadas

termelétricas a vapor e a multiplicidade de pequenas unidades existentes nas capitais amazônicas. O

desenvolvimento, neste caso, passava pela modernização dos equipamentos e pelo emprego das

novas tecnologias. O país vivia a época da discussão das grandes centrais elétricas, da supremacia

da hidreletricidade sobre a termeletricidade e da precedência da oferta energética sobre a demanda

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(AMARAL, 1949). Era natural que esta visão fosse incorporada às reivindicações de modernização

do parque elétrico amazônico.

No momento em que se planejavam e implantavam empreendimentos como Paulo Afonso,

com grandes expectativas sobre as transformações na economia nordestina, a construção de grandes

centrais hidrelétricas aparecia como de grande significação para o desenvolvimento da região. Na

prática, contudo, apesar de a Amazônia possuir uma das mais extensas redes hidrográficas do mundo,

havia pouco conhecimento sobre quedas d’água passíveis de exploração para geração de energia

elétrica. Era, pois, necessário, convencer aos formuladores das políticas públicas de que havia

aproveitamentos hidrelétricos viáveis, merecedores da realização de estudos e capazes de introduzir a

região numa nova era da exploração da eletricidade, tal qual ocorria no Centro-Sul e Nordeste do

país. Os aproveitamentos dos rios Urubu no Amazonas e Gurupi no Pará eram os mais reivindicados:

Onde buscar a energia hidráulica? De que forma? Entra em cena o rio Urubu, com suahistória que vem desde 1691, quando foi ele assinalado, embora com rumo diferente, nomapa antigo de Samuel Fritz.[...] Essas terrasses formadas pela escadaria que vem da mesêta riobranquense, sãocorredeiras, saltos, cachoeiras úteis, duas das quais, a de Iracema e a de Natal, possuemvários milhares de cavalos de força. Especialmente a última, de altura perfeitamenteaproveitável. A de Iracema com um pequeno reparo nos rebordos de despejo, servirámagnificamente à instalação de uma central de fornecimento de energia hidráulica,capaz de manter Manaus sob outro regime de iluminação e de força propulsora. Ésabido que 80 quilômetros de distância não representariam nada para o fornecimento deenergia hidráulica, já que o limite máximo conseguido hoje é de 500 km.O Urubu está, pois, à mão, para qualquer transformação energética da capitalamazonense. Uma reta, acompanhando o meridiano, unirá Manaus ao Urubu sem grandesesforços e sem obras darte urgentes ou impossíveis. O kilowatt-hora poderia ser fornecidoa 50 centavos, o que promoveria o entusiasmo em todas as iniciativas barés. E não umcruzeiro e 50 centavos, como se cobra hoje, com uma corrente contínua, instável, fracae perigosa. [...] Com essa transformação de energia a vapor em energia hidráulica, mercêdas cachoeiras do Urubu, Manaus entraria em nova fase e seria o centro transformadorde todas as matérias primas, da castanha à juta, do pau rosa às cascas, às folhas, àssementes. Exportaria o Amazonas, além da melhor borracha maquinofaturada do mundo,outros sub-produtos que atrairiam fatalmente a atenção dos grandes capitais nacionaise estrangeiros honestos (Exposição lida na sessão especial de 29 de janeiro de 1947,pelo Dr. Walraiki Ramayana de Chevalier BRASIL.CÂMARA DOS DEPUTADOS, 1948,p. 149-151, v.1, grifos nossos).

O governador do Território do Rio Branco28 Clóvis Nova da Costa, também propôs o

planejamento regional numa perspectiva de aproveitamento das cachoeiras do alto rio Branco e de

outras fontes regionais de energia:

28 O Território Federal do Rio Branco foi criado pela Constituição de 1937 e legalmente instituído pelos Decretos-Leinos 5.812, de 13/09/1943 e 5.839, de 21/09/1943. Tornou-se Território Federal de Roraima pela Lei no 4.182 de 13/12/1962e foi transformado no estado federativo pela Constituição de 1988 (art. 14 §§ 1o e 3o das disposições constitucionaistransitórias).

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Estude e aproveite-se o potencial hidráulico do Uraricoera; explorem-se os lençóis depetróleo, a ser lançado por oleodutos na costa do atlântico; aproveitem-se as jazidasde carvão e variados minerais; introduza-se a pecuária racional nos campos – que oacesso ao Rio Branco se fará fácil e naturalmente (Clóvis Nova da Costa , apudNUNES, 1951, p. 162).

Nunes, em apoio ao projeto deste governador, propôs que “o planejamento dos

investimentos nacionais na Amazônia come[çasse] pelo estudo separado das bacias hidrográficas e

das zonas geoeconômicas, com ampla consideração dos planos regionais [...]” (NUNES, 1951, p.

163). A valorização da Amazônia, no aspecto energia, deveria objetivar “a utilização do potencial

hidrelétrico, inclusive através de barragens, e a instituição de uma siderurgia nacional com o

aproveitamento das reservas de energia hidrelétrica existentes nos territórios do Amapá, Rio Branco e

Guaporé, e prover de força barata aos centros de Manaus, Belém e Rio Branco” (NUNES, 1951, p.

171), cujas indústrias manufatureiras não podiam se manter. No campo siderúrgico, a sugestão era de

desenvolver “uma siderurgia regional e viável com o emprego das apreciáveis jazidas de minério existentes

no rio Vila Nova, no Amapá, à pequena distância da margem esquerda do rio Amazonas.” (NUNES,

1951, p. 172). Em sua concepção, o desenvolvimento da indústria de hidreletricidade na Amazônia

estava intimamente associada à exploração de jazidas minerais, especialmente ferro e manganês, que

possibilitaria a criação de uma siderurgia nacional. O projeto de exploração da hidreletricidade com

projetos mínero-metalúrgicos só foi efetivamente concretizado no início dos anos 1980, com a construção

de Tucuruí e a criação do Projeto Carajás, mas o sentido foi totalmente modificado, já que o objetivo

não era o desenvolvimento da siderurgia nacional, mas a exportação de produtos minerais.

A mobilização em torno da questão energética serviu para que a energia elétrica fosse incluída

como uma das bases da infra-estrutura regional amazônica, a ser implantada pela SPVEA. A lei que criou

a superintendência determinou, como uma de suas principais funções, o estabelecimento de uma política

de energia em bases econômicas, como suporte para o abastecimento dos centros de consumo e da

indústria e para o aproveitamento racional dos recursos naturais (art. 7o da Lei no 1.806).

O Programa de Emergência destinou Cr$ 55.170 milhões29 para atender às necessidades

mais urgentes de energia elétrica: i) melhoramentos no sistema elétrico de Manaus: aquisição de novos

motores e cobertura do déficit de exploração dos Serviços Elétricos do Estado; e ii) melhoria do

fornecimento de energia em Belém: aquisição de painéis e transformadores, levantamento e ampliação

da rede de distribuição e auxílio para a manutenção dos serviços em 1954; e contribuição para a

29 Este valor correspondia a mais de 64% do valor destinado ao setor de Transportes, Comunicações e Energia ecerca de 16,7% do total do Programa de Emergência que era de Cr$ 300 milhões e mais Cr$ 30 milhões oriundos dosestados e municípios da região.

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instalação da Cia. Força e Luz do Pará S/A; iii) financiamento para a conclusão do sistema elétrico de

Cuiabá (MT) e melhoramento do sistema de São Luís (MA) ambos ameaçados de colapso; iv) iluminação

elétrica em Curupurú (MA) e Guiratinga (MT); v) inclusão de pequena verba para a manutenção do

sistema de Nova Timboteua (PA); vi) prosseguimento do plano de energia elétrica de Macapá e estudos

para o aproveitamento da Cachoeira do Paredão (AP); e vii) destinação de verba para os serviços de

energia elétrica do Território do Rio Branco.

O I Plano Qüinqüenal, por sua vez, estabeleceu como objetivos na área de infra-estrutura:

recuperar e tornar economicamente aproveitáveis áreas inundáveis através do controle de inundações,

explorar recursos minerais e energéticos, além de implantar uma rede de transporte e comunicação na

região. No programa de eletrificação foram aprofundadas as iniciativas do Programa de Emergência e

estabelecidos os seguintes objetivos:

Dotar as capitais dos Estados e Territórios e sedes municipais de maior importânciaeconômica, de energia elétrica capaz de atender às necessidades presentes e solicitaçõesfuturas, construindo novas usinas ou ampliando as existentes, com melhoramento dasrespectivas redes de distribuição.Prosseguir os estudos de aproveitamentos hidroenergéticos já iniciados [Cachoeirado Paredão (AP), Samuel (RO) e Cachoeira do Palhão (PA)] e atacar as obras jádevidamente projetadas e orçadas que tenham caráter nitidamente econômico(BRASIL. SPVEA, 1955, p. 15 v. 2).

A Comissão de Planejamento da SPVEA desdobrou o art. 7o da Lei no 1.806, definindo

os seguintes pontos centrais para o desenvolvimento da política de energia na região: a) utilização e

conservação das fontes de água; b) utilização racional dos recursos hidroelétricos; c) abastecimento

de combustíveis e d) eletrificação dos principais centros de produção e consumo.

Cerca de 31% dos recursos do I Plano Qüinqüenal relativos ao setor de “Transportes,

Comunicações e Energia” foram destinados ao sub-setor de energia. A falta de estudos e informações

sobre os mananciais hidráulicos – havia apenas uma noção de que a bacia Amazônica tinha um grande

potencial, “calculado em 4,5 milhões de HP”30 (BRASIL. SPVEA, 1955, p. 66, v. 2) – e a distância

dos possíveis aproveitamentos em relação aos centros de consumo fizeram com que a SPVEA optasse

pela utilização de fontes térmicas para o abastecimento elétrico da região, apesar do maior custo de

operação. De acordo com o Plano, a solução “ideal” para resolver o problema da energia na Amazônia

seria a construção de grandes centrais elétricas que alimentassem grandes áreas. Contudo, a extensão

geográfica e a dispersão demográfica tornavam esta solução impraticável “sendo necessária a instalação

de pequenas usinas para atendimento de cada localidade” (BRASIL. SPVEA, 1955, p. 67, v. 2).

30 Baseado nos estudos feitos pela Divisão de Águas no final dos anos 1930. Ver quadro IV.1.

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Devido à escassez de recursos, o plano de eletrificação focalizou as localidades com

maiores possibilidades industriais e de consumo, divididas em duas categorias: as capitais dos estados

e territórios, onde a eletricidade tinha “relevo econômico” e as sedes municipais com população superior

a 20.000 habitantes, que estivessem incluídas no zoneamento econômico-político da Comissão de

Planejamento. Mesmo assim, os recursos não eram suficientes para atender no horizonte do Plano

(1955-1959) a todas as localidade incluídas por este critério. Foi também sugerida a criação de um

órgão regional de pesquisa para estudar as principais quedas d’água da região e analisar a viabilidade

econômica da hidreletricidade:

Não nos cumpre somente examinar esse lado estático da instalação de energia elétrica.Temos o dever de incentivar a criação de um órgão de pesquisas das fontes deenergia hidráulica, todas inteira ou quase desconhecidas. Exceção das quedas doParedão, no Amapá, da cachoeira do Samuel, no Jamari, Território do Guaporé, dacachoeira do Curuá-Una, no Município de Santarém, ignoramos por completo o quea selva ou as grandes caudais amazônicas escondem no seu seio.Essas pesquisas representam uma caçada econômica, para que não continuemos aampliar um parque alimentado por combustível até aqui importado e para o qual diminuemnossas reservas e divisas (BRASIL. SPVEA, 1955, p. 66-67, v.2, grifos nossos).

Os recursos disponíveis para o sub-setor de energia no primeiro qüinqüênio (Cr$ 555.100

milhões) foram destinados principalmente aos seguintes projetos (ver quadro IV.2): i) construção e

ampliação de usinas termoelétricas especialmente a Cia. Força e Luz do Pará S.A. e as usinas de

Manaus e São Luís e respectivas redes de distribuição; ii) ampliação de algumas usinas hidroelétricas

em Goiás e Mato Grosso; iii) construção do aproveitamento hidroelétrico da cachoeira do Paredão

(Território do Amapá); iv) realização de estudos para o aproveitamento das cachoeiras do Palhão no

rio Curuá-Una (PA), Paredão no rio Mucujaí (Território do Rio Branco) e Samuel no rio Jamari

(Território do Guaporé), esta última para abastecer principalmente a cidade de Porto Velho.

O caso do aproveitamento de Samuel no rio Jamari chegou a ser analisado pela Comissão

de Energia Elétrica da Conferência Técnico-Administrativa sobre Valorização Econômica da Amazônia

que fez as seguintes considerações: i) o empreendimento necessitaria de grande bacia de armazenamento

devido à queda reduzida, o que seria anti-econômico; e ii) na estiagem, a redução do desnível poderia

causar problemas no funcionamento das turbinas. E concluiu: “Em face das deficiências de elementos

de ordem técnica, não podemos nos pronunciar sequer sobre a exeqüibilidade econômica do

aproveitamento em questão” (BRASIL, 1954).

A Comissão sugeriu a substituição do aproveitamento hidráulico por uma solução térmica,

com as seguintes justificativas: i) custo inferior, já que a solução hidrelétrica teria um investimento inicial

muito alto; ii) efetividade, em razão de atender às necessidades imediatas de Porto Velho; e iii) tempo

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mais curto de implantação. Apesar deste ponto de vista inicial desfavorável à opção hidrelétrica,

creditado posteriormente à falta de estudos, a SPVEA continuou com os estudos para o

aproveitamento de Samuel, bem como os demais estudos que viriam se concretizar em

empreendimentos efetivos alguns anos depois.

Quadro IV.2 – Projetos de energia elétrica que receberam dotação no I Plano Qüinqüenal da SPVEA (1955-1959)

Fonte: Elaborado a partir de: BRASIL. SPVEA, I Plano Qüinqüenal, 1955.

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203

4.2.1.1 O modelo SPVEA de planejamento e gestão do Setor Elétrico

A partir da avaliação da atuação da superintendência no primeiro qüinqüênio, foi elaborado

o relatório “SPVEA 1954/1960 – Política de Desenvolvimento da Amazônia” (BRASIL. SPVEA,

1960). A SPVEA estava sendo objeto de duras críticas e denúncias (de corrupção, desvio de verbas

e favorecimentos) e o estabelecimento de novas diretrizes, a partir de um plano bem estruturado, era

uma forma de mostrar sua viabilidade como agência de desenvolvimento. Neste documento, além de

fazer um balanço do I Plano Qüinqüenal, a SPVEA estabeleceu uma série de princípios e diretrizes que

deveriam nortear sua política na região. Em relação à energia elétrica, as diretrizes estavam diretamente

relacionadas àquelas estabelecidas no Plano Nacional de Eletrificação, especialmente no que dizia

respeito aos sistemas isolados e às formas de organização dos serviços locais31.

De acordo com o Plano Nacional de Eletrificação, o principal aspecto da política energética

era que a oferta deveria se antecipar à demanda, a fim de estimular o desenvolvimento regional,

especialmente no setor industrial (BRASIL. SPVEA, 1960, p. 256 e 258). Além disso, embora a

política de energia devesse considerar bases tarifárias atrativas à produção, “uma boa política de

energia deve[ria] repudiar, com toda ênfase, qualquer situação tarifária que conduz[isse] ao

subsidiamento”, considerando que “o preço da energia é inexpressivo na composição do preço dos

produtos” (BRASIL. SPVEA, 1960, p. 258). Esta idéia já estava presente no Programa de Emergência:

Nas indústrias a praticar na região é essencial estudar prévia e acuradamente a formaçãodos custos dos produtos finais, evitando indústrias artificiais deficitárias. Uma indústriaque só possa existir subsidiada, não deve continuar e só o interesse nacional poderájustificar sua permanência. O problema de qualidade dos produtos elaborados é básico,pois, mais que a propaganda, os fatores que criam mercados são: qualidade e preçocompetitivo (BRASIL. SPVEA, 1954, p. 10-11, grifos nossos).

Mas a análise não considerou uma possível exploração do ramo eletrointensivo (indústrias

eletroquímicas e eletrometalúrgicas) que duas décadas depois iria marcar o desenvolvimento energético e

industrial da região. Por outro lado, a SPVEA reconhecia que para expandir o parque produtivo, era

necessário estabelecer uma infra-estrutura sólida, com a regularização dos serviços de transporte e energia.

Como tais serviços implicavam a imobilização de vultosos capitais em obras de base, ficavam dependentes

dos investimentos públicos, já que não existiam poupanças privadas na Amazônia que pudessem arcar

com os empreendimentos. Assim, “só a SPVEA, como instrumento da ação estatal para valorização

econômica da Amazônia, poderia efetivamente assumir a responsabilidade, total ou hegemônica da

realização dos empreendimentos de infra-estrutura [...]” (BRASIL. SPVEA, 1960, p. 57, grifo no original).

31 Cf. BRASIL. P. G. Vargas, 1954, p. 7-8; e PEREIRA, 1954, p. 60 e 82-84.

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204

O relatório reafirmava a opção pela termeletricidade, uma vez que as distâncias consistiam

em fator desfavorável à opção hidráulica (BRASIL. SPVEA, 1960, p. 256, 257). Assim, a política de

energia deveria centrar no amplo abastecimento de combustíveis líquidos para emprego em

equipamentos a vapor e máquinas diesel para atender aos maiores sistemas elétricos da região. Havia

também a recomendação de incluir no plano de energia elétrica a realização de estudos hidroenergéticos

que buscassem as possibilidades de aproveitamento dos potenciais técnica e economicamente viáveis,

ou seja, suficientemente próximos dos centros de consumo e cujo custo de instalação compensasse em

relação à opção térmica.

Os serviços de eletricidade deveriam ser estruturados de maneira a atender às características

regionais: extensão geográfica e nucleação demográfica, ou seja, a existência de uma concentração em

torno das capitais e dispersão em núcleos habitacionais com baixa densidade populacional. Considerando

a evolução econômica e social de capitais como Belém, Manaus, São Luís e Cuiabá e a integração no

mercado nacional, a intensificação da industrialização de bens de consumo para a substituição de

importações, bem como a expansão industrial a partir do beneficiamento de matérias-primas regionais

para abastecer os mercados do Centro-Sul, era uma possibilidade bastante exeqüível.

Para viabilizar as perspectivas de crescimento industrial do parque produtivo, as capitais

e maiores centros de consumo deveriam ter um sistema de suprimento de energia com estrutura sólida

de caráter econômico, com possibilidade de expansão autofinanciável e/ou capaz de gerar condições

de crédito para a expansão. Já os pequenos núcleos habitacionais, com baixos padrões de produção

e riqueza social, deveriam ser supridos por empresas de características assistenciais (sistema público

local), uma vez que as possibilidades de surgimento de empreendimentos econômicos de algum relevo

eram baixas, exceto em ocorrências eventuais de pequenas oficinas e o consumo basicamente doméstico

e de iluminação pública (BRASIL. SPVEA, 1960, p. 404 e 405).

Finalmente, após definir os tipos de serviços de energia de acordo com o tipo de

consumidores, o relatório propunha a estruturação das centrais elétricas estaduais, correção de suas

deficiências funcionais (administrativa, técnica, financeira, econômica, jurídica e de controle) e a

constituição de uma estrutura piramidal, com a criação de uma holding estadual, a exemplo da CEMIG

(Companhia de Eletricidade de Minas Gerais), que comandaria pelo menos dois tipos de empresas

subsidiárias: uma que atenderia aos centros populacionais mais densos, através de um serviço autônomo

explorado em bases econômicas e outra que ofereceria serviços cooperados para abastecer conjuntos

de núcleos demográficos isolados e não auto-suficientes economicamente.

Neste novo modelo de planejamento e gestão do Setor Elétrico desenhado para a Amazônia,

a SPVEA ficaria no topo do processo de suprimento público regional, oferecendo às empresas constituídas,

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além de diretrizes políticas, projetos de estruturação, assistência técnica e recursos financeiros. A

participação financeira de agentes privados, apesar do baixo rendimento dos empreendimentos, deveria

ser estimulada e direcionada para o interesse pelo abastecimento adequado de energia para o conforto e

melhoria do trabalho, enquanto a participação dos municípios poderia ser feita por meio das quotas do

imposto único sobre energia elétrica (BRASIL. SPVEA, 1960, p. 406-411).

4.2.2 A solução da crise energética em Belém e Manaus e a criação das empresas deenergia no Pará e Amazonas

Como foi visto no capítulo 3, no início dos anos 1950, as cidades de Belém e Manaus,

com uma população de 254.949 e 139.620 habitantes32, concentrando respectivamente 27,16 e 22,70%

da população dos estados do Pará e Amazonas, viviam uma profunda crise energética, que afetava

tanto a vida cotidiana quanto as atividades comerciais e industriais. A insuficiência e alto custo da

energia dificultavam o desenvolvimento das indústrias nascentes, especialmente as usinas de

beneficiamento de produtos regionais como a juta, como mostram as palavras do senador Alvaro

Adolfo, relator do Plano na Comissão de Finanças:

Já vimos o que tem sido a deficiência da produção da corrente elétrica nas capitais dosEstados amazônicos e a precariedade da vida social desses dois grandes centros urbanos,notadamente quanto ao abastecimento de corrente industrial, determinando a paralisaçãodos estabelecimentos industriais, reduzindo e encarecendo a produção das fábricas eusinas urbanas e causando prejuízos de toda sorte e mal estar à toda a população.Como termo de recuperação da economia regional, a reforma no sistema de abastecimentode corrente elétrica, principalmente dos maiores núcleos de população, como as capitaisdos dois Estados amazônicos, deve receber o influxo da cota constitucional, no sentidode contribuição para o desenvolvimento da produção industrial (SENADOFEDERAL.ADOLPHO, 1952, p. 114-115).

A falta de energia elétrica prejudicava a conservação dos gêneros perecíveis nos armazéns

frigoríficos, dificultava a instalação de novas indústrias e impedia o crescimento das já instaladas,

impulsionadas por energia própria e por isso dispendiosa. Este era visto como o principal óbice para a

afirmação de Belém como um grande centro industrial, além de impedir o aproveitamento da mão-de-

obra e recursos naturais abundantes nas principais cidades amazônicas, como Manaus, Santarém,

Bragança e Cametá (BRASIL. SPVEA, 1954). Considerando a impossibilidade do aproveitamento

hidráulico para atender a estes centros consumidores, já que as principais quedas distavam mais de

200 km, o parecer do senador sugeriu “a instalação de grandes centrais termelétricas, para fornecer

32 Dados do levantamento censitário de 01/07/1950. IBGE (<http://www.ibge.gov.br/seculoxx/estatisticas_populacionais.shtm>).

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corrente suficiente e barata” (SENADO FEDERAL. ADOLPHO, 1952, p. 114) para estimular a

industrialização regional. A orientação para o atendimento a esta demanda foi formalizada no artigo 34

da Lei no 1.806, que estabeleceu como primeira prioridade a ampliação dos serviços de eletricidade

em Manaus e Belém.

As empresas públicas de energia no Pará

A empresa Força e Luz do Pará (FORLUZ) foi constituída em 18 de janeiro de 195233,

por iniciativa do governo estadual, como empresa de economia mista, encarregada dos serviços elétricos

no município de Belém. Em outubro de 1956, foi inaugurada a instalação de dois grupos turbo-geradores

a vapor com 7.500 KW cada na usina de Miramar. A obra foi confiada à Empresa Brasileira de

Engenharia S/A e em doze meses de operação, houve um aumento de 44% no fator de carga da usina.

No início de 1958, a reserva de carga máxima já estava quase totalmente atingida e a operação da

terceira turbina, adquirida à Westinghouse Electric International Company, para ser instalada em 1962,

já se fazia urgente (CAPES, 1959b, p. 83). Os racionamentos logo recomeçaram porque a empresa

Servix Engenharia, contratada para dimensionar a demanda, cometera erros e as redes de transmissão

e distribuição eram velhas e deficientes (SILVA, 2005, p. 91).

O principal problema da empresa para agilizar o aumento da capacidade de produção

residia na falta de recursos financeiros. Praticamente todos os recursos aplicados pela FORLUZ na

resolução do problema energético em Belém eram estatais. Apenas 30% do capital da empresa,

considerados 50 milhões de cruzeiros subscritos pela SPVEA, correspondiam à participação da iniciativa

privada. A empresa operava com um alto dispêndio de óleo combustível (15.000 toneladas em 1958),

com equipamentos de transmissão e distribuição em más condições, registrando perdas de até 50% na

rede que cobria mais da metade da cidade. O baixo valor das tarifas produziu um déficit de 30 milhões

de cruzeiros só no exercício de 1957. Além disso, a prefeitura municipal continuava atrasando o

pagamento dos serviços de iluminação pública e deixava todo o ônus das instalações públicas nas

mãos da empresa. Esperava-se que as obras para reparar os sistemas, de um lado, e a aquisição de

óleo da refinaria de Manaus, de outro, contribuíssem para reduzir os custos e aproximar a empresa do

equilíbrio financeiro no ano de 1958 (CAPES, 1959b, p. 83).

O atraso da entrada em operação da terceira unidade da usina Miramar fez com que a

crise de energia alcançasse um ponto cruciante. Um acidente no transformador 2 agravou a situação,

reduziu a distribuição e exigiu a aquisição de energia da Base Naval34, para evitar maiores danos aos

33 O Decreto Presidencial no 32.041 de 31/08/1952 concedeu à empresa autorização de funcionamento.34 A Base Naval de Val-de-Cães foi criada em 25 de julho de 1949. Ao ser concluída, em 1959, possuía o maior diqueda América Latina e comportava um dos maiores parques industriais da região. A FORLUZ adquiriu junto a Base606.300 kWh de energia em 1959 e 2.654.500 kWh em 1960.

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consumidores. O racionamento foi prolongado com o corte diário do suprimento de energia em

vários trechos da cidade e, com isso, a empresa não podia elevar os preços das tarifas para

acompanhar o aumento dos combustíveis no início dos anos 1960. Em 1961, a SPVEA ainda não

havia repassado os saldos dos recursos consignados em favor da empresa nos exercícios anteriores

(Cr$ 47 milhões em restos a pagar de 1958 e 1959), nem a dotação de 1960 (Cr$ 105 milhões),

num volume de recursos que chegava a mais de Cr$ 152 milhões em 31 de dezembro de 1960

(FORÇA E LUZ, 1961). Para minorar o problema, a empresa contraiu empréstimos junto ao BNDE

para dar conta do aumento do mercado consumidor, que era constituído de cerca de 37.600

consumidores ligados à rede em 31 de dezembro de 1960.

A terceira unidade turbo-geradora – bem como as duas novas subestações, uma para o

bairro do Guamá e outra no Marco – foi montada pela Electric International Company com equipamentos

da Whestinghouse e entrou em funcionamento em 1o de outubro de 1960. As duas primeiras unidades

que tiveram funcionamento forçado durante cinco anos haviam se desgastado e a manutenção geral só

poderia ser feita quando a quarta unidade estivesse instalada em julho de 1961.

Como a energia produzida e mais a adquirida junto à Base Naval não eram suficientes

para atender a todo o consumo, a empresa desligava constantemente alguns circuitos ou trechos,

obedecendo a um rodízio que visava principalmente evitar maiores danos à população, como a

interrupção no abastecimento d’água. Mesmo a operação da quarta unidade seria uma solução transitória

para o problema da energia na cidade de Belém, que necessitava, com urgência, de uma nova central

geradora. Para a empresa, a solução seria a disponibilidade imediata de recursos por parte do governo

federal para a montagem de uma nova usina termelétrica (FORÇA E LUZ, 1961).

O período 1961-65 foi, portanto, marcado por uma política de restrição ao consumo em

Belém, motivada pela insuficiência de capacidade instalada. Em 1963 o Tesouro Nacional deu o aval

para a aquisição de duas novas unidades de 25.000 KW, o que permitiu o início da fabricação do

equipamento nos Estados Unidos. Com os novos equipamentos, que começaram a operar em 1967,

a capacidade da usina se elevou para 80.000 KW, o que possibilitou a eletrificação ao longo da região

Bragantina até Castanhal (ESTADO DO PARÁ, 1964).

Em 1958, foi criada a Comissão Estadual de Energia Elétrica – CEE (Lei estadual no

1.571, de 05/08/1958) para elaborar o primeiro Plano de Eletrificação do Estado, que resultou na

criação das Centrais Elétricas do Pará S/A (CELPA), pela Lei Estadual no 2.033, de 31 de agosto

de 1960. A CELPA foi criada com a finalidade de executar projetos e estudos para a construção e

operação de usinas elétricas e sistemas de transmissão e distribuição no território paraense,

especialmente no interior do estado.

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Desde sua criação, a política da CELPA foi a de “atender as áreas que possu[íam]

potencialidade econômica e maior densidade demográfica, bem como aquelas que apresenta[va]m

certas características especiais, elegidas por estimativas do mercado consumidor, ou por

representarem pólos de desenvolvimento” (PARÁ. IDESP, 1974). Em 1969, a CELPA incorporou

a FORLUZ (Portaria MME no 458 de 19/06/1969) e assumiu todos os encargos, direitos e obrigações

daquela empresa.

Do esforço institucional e de planejamento empreendido pela Comissão Estadual de Energia

Elétrica – CEE e da CELPA, foi gerado o Plano de Eletrificação do Estado do Pará (1970-1975), que

implantou serviços de energia elétrica em boa parte das sedes municipais e cidades mais importantes.

Também foram feitos estudos para o aproveitamento hidroelétrico do rio Gurupi, uma antiga reivindicação

regional, para solucionar o problema do abastecimento de Belém. Logo em seguida, a Comissão de

Energia foi extinta. Em 1970, a CELPA servia a 43 cidades, num total de 102.289 consumidores,

sendo 86.140 na capital e 15.149 no interior, incluindo Bragança, Marabá, Salinópolis, Óbidos e

Alenquer. A população total levantada no estado, segundo o recenseamento realizado no dia 01 de

setembro de 1970, era de 2.197.072 habitantes (BRASIL. IBGE, 1971).

Sob a coordenação da CELPA, as usinas instaladas em Belém (Miramar e Guajará)

tiveram suas unidades termelétricas reformadas. Foi contratada a aquisição junto à Cia. Paranaense de

Energia Elétrica (COPEL) de 3 usinas dieselelétricas GM de 3.400 KW para serem montadas em

Miramar e Coqueiro, com operação prevista para o segundo semestre de 1971. A usina termoelétrica

de Tapanã estava sendo construída à margem da baía de Guajará (Belém) com potência prevista de

50.000 KW, podendo ter sua capacidade elevada para 150.000 KW, o que abriria muitas perspectivas

de desenvolvimento para o Estado do Pará. Os equipamentos desta usina contaram com financiamento

do Banco Interamericano de Desenvolvimento. A firma contratada por concorrência internacional, por

exigência do BID, foi a Acres International Ltd., assistida pela Seltec (Serviços Eletrotécnicos Ltda),

responsável pelos os serviços de engenharia (CELPA, 1970).

Os sistemas isolados CELPA, implantados até 1973, se caracterizavam pela instalação

de pequenas usinas dieselelétricas com a “finalidade precípua de implantar o hábito de consumo de

energia elétrica” (PARÁ. IDESP, 1974) e atendiam 38 localidades35. A maioria das unidades era

composta por grupos geradores “Caterpillar - Irne” e funcionava em períodos que variavam de 5 a 24

35 Alenquer, Santarém, Monte Alegre, Óbidos, Oriximiná, Juriti, Almerim, Prainha, Altamira, Breves, Portel, São Sebastiãoda Boa Vista, Cachoeira do Arari, Ponte de Pedras, Soure, Abaetuba, Barcarena, Cametá, Igarapé-Miri, Marabá,Tucuruí, Conceição do Araguaia, Santana do Araguaia, Tomé-Açu, Capitão Poço, Ourém, Paragominas, Salinópolis,Maracanã, Marapanim, Vigia, Bragança, Capanema, Santa Maria do Pará, São Miguel do Guamá, Nova Timboteua,Igarapé-Açu e Mosqueiro.

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horas. Os demais sistemas operacionais, incluindo o Sistema Interligado de Belém (SIB)36, atendiam

47 cidades, 10 vilas e 2 povoados, num total de 59 localidades atendidas. O sistema “não CELPA” se

caracterizava pelo suprimento precário, realizado em geral pelas prefeituras municipais ou pelos próprios

consumidores. Até agosto de 1974, este sistema era composto por 36 sedes municipais e 69 vilas ou

localidades. Funcionando fora do sistema CELPA, algumas indústrias possuíam unidades geradoras

próprias, como a Cimento do Brasil S/A (CIBRASA), localizada em Capanema, cuja usina tinha

capacidade de 6.500 KW e a Tecelagem de Juta de Santarém (TECEJUTA) em Santarém, com

capacidade de 960 KW, parcialmente atendida pela CELPA (ESTADO DO PARÁ, [1975]).

A Usina Hidrelétrica Curuá-Una

Figura 29 – Cachoeira do Palhão no rio Curuá-Una, antes da construção da usina hidrelétrica (Santarém, PA). IBGE.Arquivo Fotográfico Ilustrativo dos Municípios Brasileiros. Disponível em: http://biblioteca.ibge.gov.br/colecao_digital_fotografias.php.

Ao mesmo tempo em que se constituía a CELPA e em que o Plano de Eletrificação do

Pará estava sendo elaborado, a empresa GRUBIMA S/A estava executando estudos no rio Curuá-

Una, para o aproveitamento da cachoeira do Palhão, como parte do sistema de Santarém (distante

cerca de 70 km). A concorrência para a construção da usina poderia ser aberta no primeiro semestre

de 1964, caso o governo federal disponibilizasse os recursos, já que o governo do estado não podia

arcar com as despesas. Um grupo da SPVEA cuidava do assunto, mas o governador Jarbas Passarinho

não acreditava que a superintendência conseguiria garantir os recursos. Também preocupava o

36 O Sistema Interligado de Belém compreendia as cidades de Belém, Bragantina, Salgado, Icoaraci, Outeiro, Tenoné,Ananindeua, Benfica, Marituba, Benevides, Santa Isabel, Santo Antônio do Tauá, Americano, Apeú, Castanhal,Inhangapi, São Francisco do Pará e Igarapé-Açu. Era prevista a interligação Castanhal-Capanema. Apesar da extensão,nem toda a área de Belém era coberta pela rede de distribuição (ESTADO DO PARÁ, [1975]).

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governador o alto custo da energia. Em sua opinião, as autoridades da SPVEA e do MME deveriam

estudar uma forma de amparar este setor da economia “evitando o mal estar reinante entre os

consumidores residenciais e a inquietação, se não desestímulo, entre as indústrias” (ESTADO DO

PARÁ, 1964). Como os recursos federais não foram suficientes, a CELPA acabou assumindo a

construção da hidrelétrica que começou em 1968, marcando o início da exploração hidrelétrica de

grande porte no Estado do Pará (SILVA, 2005, p. 95).

Para atender à demanda na cidade de Santarém, era necessário um empreendimento

com pouco mais de 5,5 MW, o que aparentemente não justificaria os investimentos numa usina com

capacidade de 20 MW, só na primeira etapa. Acreditava-se, no entanto, que a existência de energia

abundante, resultaria em aumento imediato e acelerado da demanda, graças à instalação de projetos

industriais que iniciariam uma nova era de desenvolvimento (INTERIOR, 1976). A usina iria beneficiar

não apenas a Santarém, mas também a cidade de Aveiro, onde se instalaria uma indústria química.

Curuá-Una é uma usina hidrelétrica de baixa queda com potência de 20 MW (em 2

unidades de 10 MW) na 1a etapa e potência final de 40 MW. A barragem foi a primeira no Brasil a ter

fundações implantadas sobre um leito de areia, o que demandou soluções técnicas originais, como a

construção de um tapete impermeável sob a barragem para captar as águas infiltradas e impedir o

solapamento das fundações. Para a construção da casa de força também foi necessário escavar 44

metros e rebaixar o lençol freático em 18 metros, trabalho que consumiu um ano inteiro, apenas para

a instalação de uma unidade geradora.

Problemas técnicos durante a construção da barragem obrigaram o deplecionamento37

do nível do reservatório de 68 para 64 metros, o que fez com que após a inauguração da usina, as

máquinas operassem com capacidade reduzida (cerca de 8 MW) e exigiu a participação da dieselelétrica

Imperador, no horário de pico do sistema, além dos períodos de manutenção das duas unidades. O

reservatório possui 78 km2 (na cota de 68m) e se caracteriza por uma baixa profundidade média

(cerca de 6m). Várias dificuldades tornaram alto o custo do KW implantado em Curuá-Una: i) mudanças

no projeto inicial, devido às características do solo e subsolo; ii) dificuldades no recebimento de recursos

e conseqüente intermitência na obra; e iii) falta de condições locais (logística).

As obras foram impulsionadas a partir de 1972, com recursos federais, depois que a usina

foi considerada como projeto complementar essencial do PIN (Programa de Integração Nacional)

pela importância na implantação das rodovias Transamazônica e Santarém-Cuiabá, mas o déficit de

37 Curuá-Una apresenta como característica particular o fato de possuir uma variação sazonal de seis metros, entre osníveis operacionais máximo e mínimo. Esta característica afeta profundamente a qualidade da água no reservatório,devido à decomposição das árvores mortas e contribui para a emissão de gases que provocam o efeito estufa(FEARNSIDE, 2004).

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caixa da obra alcançou mais de Cr$ 40 milhões no exercício 1974-75. Foram então carreados recursos

do Proterra (Programa de Redistribuição de Terras e de Estímulos à Agroindústria do Norte e do

Nordeste) nos exercícios de 1975 e 1976 (ESTADO DO PARÁ, [1975]), o que permitiu a conclusão

da usina e sua inauguração em 1977.

As empresas públicas de energia no Amazonas

Conforme apresentado no capítulo anterior, em Manaus a escassez de energia era aguda

desde meados da década de 1940. As cinco usinas dos Serviços Elétricos do Estado do Amazonas,

que possuíam uma capacidade nominal de 5.730 KW em 1955, só podiam atender a uma ponta de

carga de 3.100 KW, pois o material se encontrava desgastado e faltavam peças de reposição para o

aproveitamento integral da capacidade instalada (CAPES, 1959a, p. 70). Graças ao financiamento do

BNDE em 1956, no valor de Cr$ 14 milhões – como resultado da orientação dos trabalhos iniciados

pela Comissão Mista – os Serviços Elétricos do Estado do Amazonas e o governo estadual conseguiram

instalar uma usina de emergência de 1.500 KW, composta de três grupos dieselelétricos. Com o

auxílio financeiro da SPVEA, o governo estadual adquiriu nos Estados Unidos uma usina flutuante de

5.000 KW. Mesmo assim, os serviços continuaram deficientes e operavam com um déficit financeiro

de 1,4 milhões de cruzeiros (CAPES, 1959a, p. 71).

Em 1952 foi criada a Companhia de Eletricidade de Manaus (CEM)38, para pôr fim a

uma situação de “calamidade pública” nos serviços de eletricidade da cidade de Manaus. O plano era

construir uma nova usina a vapor, com três turbinas alimentadas a óleo combustível e com potência

total de 22.500 KW. Mas assim como a FORLUZ em Belém, a empresa enfrentou muitas dificuldades,

especialmente no que diz respeito ao recebimento das verbas federais. Em função desses problemas,

toda a diretoria renunciou em abril de 1957, deixando a empresa acéfala até agosto de 1958. Em

1959, o presidente Juscelino Kubitschek reafirmou a obrigação da SPVEA em dar primazia aos serviços

elétricos de Belém e Manaus (conforme estabelecia o art. 34 da lei do Plano de Valorização) e mandou

executar o pagamento integral e preferencial dos recursos destinados à CEM.

O problema da priorização não era uma simples desobediência por parte da SPVEA,

tratava-se antes de um conjunto de fatores que envolviam desde a forma particular de estabelecer

administrativamente a classificação das verbas orçamentárias pela superintendência, até o constante

retardo na liberação e/ou redução das verbas pelo Ministério da Fazenda. Somava-se a interferência

de parlamentares, que, muitas vezes, pulverizavam o orçamento com emendas que redirecionavam

verbas para outros objetivos.

38 A Lei no 1.654, de 28/07/1952, autorizou a União a constituir a empresa, juntamente com o Estado do Amazonas e omunicípio de Manaus.

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212

Em discurso pronunciado em favor da resolução do problema da energia em Manaus, o

senador Cunha Mello (PTB/AM) afirmou que os serviços elétricos que outrora foram excelentes, de

acordo com a técnica e as necessidades, tinham se tornado tecnicamente obsoletos, convertendo-se em

freios ao progresso. A multiplicação de pequenas usinas, solução encontrada, além de não resolver o

problema, tinham transformado a cidade em um “museu de eletricidade” com “máquinas de todos os

tipos e épocas. Usinas demais; eletricidade de menos – e da pior qualidade” (CUNHA MELLO, 1959).

Após uma viagem à Manaus, o senador Venâncio Igrejas (UDN/GB) também apelou

para a liberação de 200 milhões de cruzeiros para a CEM, além das verbas já votadas, a fim de que ela

pudesse concluir a construção da usina termelétrica. Seu relato pintou um quadro melancólico da

situação da energia elétrica na cidade:

[...] Perdura contudo a tristeza de ter encontrado em Manaus quase 200 mil irmãosbrasileiros sem energia e sem luz, especialmente porque há anos a deixei na ostentaçãoorgulhosa de uma das mais bem iluminadas cidades, para agora a reencontrar [...] namelancolia aflitiva das trevas, com os lares soturnamente na escuridão, apenas as vezeso tênue clarão envolvente e fraterno do luar equatorial sempre um ar fantasmagórico deuma iluminação de pontos esparsos e de candieiros cavernosos, da luz itinerante dosveículos, no contraste gritante com o dia ensolarado que aquece os coraçõesamazonenses robustecendo a esperança de uma solução para a calamidade que osaflige e faz uma população retroceder meio século.No clima tórrido há falta de geladeiras e ventiladores. Onde os alimentos são escassose caros ficam sujeitos à rápida degeneração.Não pode haver progresso sem eletricidade!Só o auxílio federal pode socorrer nossos concidadãos [...] (IGREJAS, 1961, grifos nossos).

Finalmente, a usina termelétrica a vapor no 1, instalada no bairro de Aparecida, foi inaugurada

em 05 de setembro de 1962, ano em que a CEM foi federalizada como subsidiária da Eletrobrás. A

vida útil da usina devia se prolongar por duas décadas, já que os equipamentos eram de boa qualidade

e os serviços de construção civil e montagem eletromecânica tinham sido cuidadosos (CEM, 1972).

Também foram instalados um pequeno gerador para situações emergenciais, com capacidade de 500

KVA, e uma quarta turbina de 7.500 KW, que elevariam a potência para 30.000 KW. A inauguração

da nova térmica, contudo, não permitiu o aumento imediato da oferta de energia porque as redes de

transmissão e distribuição não tinham condições de atender aos requisitos técnicos exigidos pelo

equipamento da usina, o que demonstra a falta de planejamento e coordenação das ações para solucionar

o problema energético na cidade.

Em 1965, o serviço ainda não havia sido completamente regularizado. Algumas indústrias

operavam fora da rede da CEM, faltava ligar boa parte da iluminação pública e não havia ligação nos

bairros de Petrópolis, Raiz, Barro Vermelho, Morro Santo Antônio e parte dos bairros da Liberdade

e São Jorge (GOVERNO DO ESTADO DO AMAZONAS, 1965). A ligação de indústrias deveria

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atingir a carga máxima de 1.000 KW e dependia da aquisição de transformadores pelos interessados.

Os bairros não atendidos deveriam receber redes de distribuição ainda em 1965, graças a recursos

do MME e da SPVEA. Nos serviços de iluminação pública, “onde até meados de 1964 o atendimento

era nulo”, foram feitas obras em cooperação entre a Centrais Elétricas do Estado do Amazonas S/

A - CELETRAMAZON, que forneceu os recursos e colaborou no projeto e especificação do

material e a CEM, que executou as obras. Assim, esperava-se que em 1965 “a cidade Manaus

passasse a contar com luz em todas as ruas centrais e nos bairros mais populosos” (GOVERNO

DO ESTADO DO AMAZONAS, 1965, p. 44), isto depois de ter sido uma cidade cujo brilho da

iluminação pública “ofuscava” e maravilhava os visitantes e viajantes que passaram pela cidade mais

de cinqüenta anos antes.

Durante todo o período de escassez, os consumidores comerciais foram os menos

prejudicados e praticamente toda a atividade era atendida em 1965. Já os consumidores industriais

eram atendidos com restrições, pois nenhuma ligação com carga superior a 10% da capacidade

instalada da usina poderia ser feita, para não comprometer o abastecimento e preservar o direito

dos consumidores residenciais (GOVERNO DO ESTADO DO AMAZONAS, 1965). Isto era um

fator limitador para a atração de investimentos industriais para a região, embora, de acordo com o

governo estadual,

[...] com exceção da solicitação feita pela SIDERAMA – Indústria Siderúrgica doAmazonas, que necessitaria de aproximadamente 7.500 KW (equivalente a umaturbina), nenhum outro grande projeto exist[ia] em estudo no Estado do Amazonasque [viesse] a necessitar mais energia do que pode[ria] a CEM oferecer. Mesmo nocaso da SIDERAMA, o mais provável e lógico [era] que quando o projeto estiv[esse]concluído e a usina funcionando, [dispusesse] esta de geração própria, utilizandopara isso algum subproduto da própria siderúrgica. O que, em termos de custos, seria,inclusive, mais interessante [especialmente considerando os custos da geraçãotérmica] e não tiraria da CEM uma segunda função que lhe cabe, a de ser também umaentidade encarregada de dar a população bem-estar social (GOVERNO DO ESTADODO AMAZONAS, 1965, p. 48).

O governo estadual reconhecia a necessidade de reduzir os custos e as tarifas de energia

elétrica39 para facilitar o acesso dos consumidores e tornar o Estado do Amazonas atrativo para novos

39 As tarifas aplicadas às centrais termelétricas isoladas só poderiam ser reduzidas mediante concessão de subsídiofinanceiro, conforme o art. 22 da Lei no 156 de 28/11/1962, regulamentado pela Portaria no 451 de 08/09/1964 do MME,segundo a qual uma percentagem do IUEE poderia ser aplicada para cobrir parte do custo de produção do KW/h nasempresas cujas tarifas superassem quatro vezes a tarifa fiscal (Cr$ 14,00/KW/h). Em 1966 as tarifas de energia elétricapor KW/h em Manaus eram de Cr$ 83,36 para uso residencial, Cr$ 88,44 para uso comercial e Cr$ 55,69 para usoindustrial. Em Belém Cr$ 124,92 para uso residencial, Cr$ 122,75 para uso comercial e Cr$ 83,49 para uso industrial. EmSão Luís Cr$ 129,24 para uso residencial, Cr$ 127,92 para uso comercial e Cr$ 81,44 para uso industrial. Enquanto isso,a média nacional era de Cr$ 72,3 para uso residencial, Cr$ 76,1 para uso comercial e Cr$ 48,6 para uso industrial(BRASIL.MME, 1966).

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214

investimentos industriais. Não se podia contar com a energia da CEM para grandes projetos industriais,

mas outras atividades de menor porte poderiam ser beneficiadas.

Em 1972, 81,4% das residências na cidade de Manaus dispunham de ligação à rede

elétrica. Neste período, a cidade contava com uma população de cerca de 314.197 habitantes40. O

sistema gerador era comporto por pelas usinas a vapor No 1, com 31.875 KW e No 2 (ainda em

construção), com 40.000 KW de potência e as usinas dieselelétricas Ivo Oliveira, com 7.500 KW,

Aeroporto, com 3.900 KW e Japiim, com 7.500 KW(CEM, 1972).

Tabela IV.1 - Número de consumidores por categoria, atendidos pela CEM no período 1968-1972

ano residencial comercial industrial poder público total

1968 24.019 3.077 55 294 27.445

1969 29.179 3.696 69 317 33.261

1970 32.500 4.056 86 327 36.969

1971 37.453 4.152 105 400 42.110

1972 42.036 4.395 156 389 46.976

Fonte: CEM, Relatório Anual, 1972.

A eletrificação dos municípios do interior, cuja disponibilidade de energia era precária e

insuficiente, tornou-se objetivo do governo estadual, para quem “a energia elétrica e a concentração

de capitais” constituíam pontos de apoio à “política para superar o desnivelamento econômico-social

da região” (ESTADO DO AMAZONAS, 1964) e dotá-la das condições para o desenvolvimento

econômico e social acelerado. Para o governador Arthur Cézar Ferreira Reis, que fora o primeiro

superintendente da SPVEA, “o novo conceito de que a energia gera o progresso” (ESTADO DO

AMANZONAS, 1966) e, por conseguinte, devia precedê-lo, tinha sido internalizado. Para alcançar

este objetivo, a Comissão de Levantamento e Estudos do Plano de Eletrificação dos Municípios do

Amazonas (Lei no 25, de 31/07/1963) projetou e organizou as Centrais Elétricas do Estado do Amazonas

S/A (CELETRAMAZON) com a finalidade de explorar a geração elétrica, bem como os sistemas de

distribuição e transmissão em todo estado.

A CELETRAMAZON foi criada como empresa concessionária de energia em 28 de

janeiro de 1964 e elaborou o Plano Global de Eletrificação do Amazonas, para ser desenvolvido em

três fases: a primeira envolvia a eletrificação de 41 municípios; a segunda contemplaria 65 municípios

e a terceira os núcleos populacionais com menos de 2000 e mais de 200 habitantes. O plano seria

executado com recursos federais da SPVEA e do MME, através do Fundo Federal de Eletrificação e

40 Dados do levantamento censitário de 01/09/1970. IBGE (<http://www.ibge.gov.br/seculoxx/estatisticas_populacionais.shtm>).

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com recursos orçamentários do estado e dos municípios, mediante a assinatura de convênios com as

prefeituras. O plano contemplava soluções tanto térmicas quanto hídricas. A construção de micro-

centrais hidrelétricas havia sido considerada para substituir soluções térmicas, devido ao alto custo

de derivados de petróleo e os custos e deficiência dos transportes na região. Dentre as áreas

selecionadas para aprofundamento dos estudos se encontrava o rio Urubu, próximo à rodovia que

liga Manaus à Itacoatiara. Além disso, outras ações de recuperação dos sistemas termelétricos que

estavam em colapso tinham previsão para o início de 1965. Usinas de médio porte que funcionariam

24 horas por dia seriam instaladas nos municípios maiores: Itacoatiara (3 x 750 KVA), Parintins (3

x 500 KVA), Coari (3 x 250 KVA), Maués (3 x 150 KVA), Eirunepé (3 x 750 KVA) e Benjamin

Constant (3 x 150 KVA). As usinas destinadas a serviços assistenciais em pequenas cidades como

São Paulo de Olivença e Santo Antônio do Içá funcionariam de 18 a 22 horas (GOVERNO DO

ESTADO DO AMAZONAS, 1965, p. 52).

Na mensagem apresentada à Assembléia Legislativa em 15 de março de 1966, o

governador comentou as instalações elétricas de Parintins, bem como as obras que estavam sendo

realizadas nos outros municípios:

A inauguração da nova usina elétrica de Parintins, ocorrida a 23 de dezembro de 1965,constituiu-se em ato festivo para a comunidade local, despertando a consciência doshomens do comércio e da indústria parintinenses, que há quase nove anos lutavamcom a ausência de força energética para novos empreendimentos (ESTADO DOAMAZONAS, 1966).

A maioria das novas instalações eram unidades locomóveis estacionárias41 tipo Mernak a

lenha/vapor, com capacidade unitária de 125 KV em média (a CELETRAMAZON adquirira 15

unidades com recursos federais do MME) e unidades dieselelétricas, além de posteamento para

construção de sistemas de distribuição e, em alguns casos, como em Itacoatiara, construção de um

novo edifício para abrigar a usina. Os postes para o novo sistema de distribuição foram instalados nas

cidades de Barreirinha, Humaitá, Urucará, Codajás, Santo Antônio do Içá, São Paulo de Olivença,

Coari, Lábrea, Eurinepé, Tefé, Maués, Manicorés e Benjamin Constant até 1967. As unidades

locomóveis foram instaladas nas cinco últimas cidades mencionadas, além de Manacapuru, enquanto

os demais municípios receberam unidades dieselelétricas, financiadas com recursos dos fundos federal

e estadual de eletrificação, com exceção de Lábrea onde a CELETRAMAZON instalou, com recursos

41 As instalações geradoras elétricas locomóveis são adaptações de antigas locomotivas para produção de energiaelétrica a partir de biomassa (especialmente lenha, palha, cavacos etc.). Em geral são compostas por uma máquina avapor monocilíndrica vertical, uma caldeira fumotubular, uma câmara de fumaça e um depósito para o vapor comtiragem reforçada (pistão). Estas unidades geradoras usualmente têm baixo desempenho e representam um tipo detecnologia há muito ultrapassada.

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próprios, uma térmica a vapor com máquinas alternativas e caldeiras alimentadas a lenha. As instalações

em Anori, Borba, Envira, Ipixuna, Tapuá e outras localidades ainda dependiam da obtenção de recursos

federais. O plano também previa o início dos estudos do aproveitamento hidrelétrico da cachoeira de

Ituxi, na fronteira com o Acre e da exploração da bacia de linhito na fronteira com o Peru e a Colômbia,

para alimentar as usinas térmicas das cidades situadas nas proximidades (GOVERNO DO ESTADO

DO AMAZONAS, 1965, p. 53).

Figura 30 – Instalações das Centrais Elétricas do Estado do Amazonas S/A em: 1 -Tapauá, 2 - Japurá, 3 - Manacapuru, 4 - Careiro, 5 - Juruá, 6 - Autazes , 7 - Canutamã,8 - Barcelos, 9 - Tefé, 10 - Carauari, 11 - Codajás, 12 - Envira, 13 - Fonte Boa, 14 -Itapiranga, 15 - Lábrea, 16 - Novo Airão, 17 - Urucurituba. IBGE. ArquivoFotográfico Ilustrativo dos Municípios Brasileiros, s/d. Disponível em: http://biblioteca.ibge.gov.br/colecao_digital_fotografias.php.

Até 1974, quando passou por uma reforma administrativa, a CELETRAMAZON

conseguiu eletrificar todas as sedes municipais, além de vilas e povoados e operava 53 usinas em todo

o estado (ESTADO DO AMAZONAS, 1974b). Em 1983, o Decreto Presidencial no 90.695 mudou

a razão social da empresa para Companhia Energética do Amazonas – CEAM. A empresa atendia 76

localidades, em 44 municípios no interior do estado com usinas próprias e duas localidades próximas

à Manaus, com energia da Eletronorte. Os maiores centros consumidores eram Itacoatiara, Parintins,

01 02 03 04

05 06 07 08

09 10 11 12

14 15 1613

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Manacapuru, Tefé, Humaitá, Eurinepé, Borba, Barcelos, Coari e Maués. O sistema era basicamente

mantido com 235 grupos geradores em unidades termelétricas alimentadas com óleo combustível e

óleo diesel, caracterizando a dependência de petróleo e seus derivados. A questão do transporte do

combustível, devido às grandes distâncias, é um fator crucial para os sistemas isolados:

A CEAM constitui-se na primeira concessionária de energia elétrica a possuir um setorfluvial. No médio Amazonas, por exemplo, no transporte de ida e volta levam-se 25 diaspara abastecer as localidades próximas aos rios. No Juruá, são necessários 40 dias duranteo período de vazante (bancos de areia, navegação). Existem localidades em que só épossível o abastecimento nas cheias (rio Negro e rio Japurá). [...] As distâncias para otransporte de diesel são consideráveis: até Ipixuna, por exemplo, a balsa percorre 1.801milhas (3.300 Km). Do ponto de vista econômico, não há retorno. A CEAM, no entanto,considera que essas localidades distantes têm o direito a usufruir o conforto proporcionadopela eletricidade. Além do mais, considera que a energia elétrica incentiva odesenvolvimento e o progresso de uma localidade e/ou região (HANDA, 1990, p. 11-12).

Figura 31 – Instalações de Centrais Elétricas em: 1 - Itacoatiara e 2 - Parintins (AM) 3 - Rio Branco (AC); 4 - Usinade Eletricidade de Afuá (PA); Usinas da Luz em: 5 - Coari 6 - Eirunepé (AM), 7 - Viseu 8 - Cametá (PA), 9 - São Paulode Olivença (AM), 10 - Salinópolis (PA), 11 - Manacapuru 12 - Lábrea (AM), 13 - Maracanã (PA) e 14 - Sena Madureira(AC). IBGE. Arquivo Fotográfico Ilustrativo dos Municípios Brasileiros, s/d. Disponível em: http://biblioteca.ibge.gov.br/colecao_digital_fotografias.php.

A principal classe de consumidores continuava sendo a residencial (cerca de 40% do

consumo total em meados da década de 1980). Havia um número considerável de autoprodutores em

01 02

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11 12 13 14

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áreas não servidas por rede (cerca de 14.934 KW de capacidade instalada em 1983), sendo 31%

destinados à utilização em regime normal e o restante destinado ao uso emergencial. Manaus e Humaitá

concentravam 80% desta capacidade, o que demonstra uma certa desconfiança ou prevenção em

relação ao suprimento do sistema elétrico oficial.

4.2.3 A energia elétrica no Amapá: o ensaio hidrelétrico da Usina Coaracy Nunes

Desde que foi constituído o Território do Amapá em 1943 (Decreto-Lei no 5.812, de 13/

09/1943), seu governo investiu pesadamente na pesquisa de minérios aproveitáveis em escala industrial,

que pudessem servir de base para um programa de desenvolvimento e, ao mesmo tempo, justificassem

política e economicamente a criação de uma nova unidade federada (BRITO, 1994).

A ICOMI (Indústria e Comércio de Minério S.A), empresa mineira de capitais paulistas,

obteve em concorrência pública a concessão para a exploração das jazidas de manganês do governo do

Território do Amapá em 194742. Em 1949, associou-se à empresa americana Bethlem Steel Company43

que passou a importar todo o minério produzido. Para o financiamento do empreendimento foi solicitado

um empréstimo ao Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento, mediante garantia

governamental de US$ 35 milhões (SENADO FEDERAL/ADOLPHO, 1952, p. 58-59). Posteriormente,

a ICOMI negociou um empréstimo com o EXIMBANK- Export Import Bank of The United States,

entidade financeira que não precisava de aval governamental, que abriu um crédito para a companhia no

valor de US$ 67,5 milhões, usando como garantia a exportação para os Estados Unidos. A exploração

do manganês da Serra do Navio pela ICOMI constituiu o maior investimento econômico já realizado no

Amapá e o primeiro empreendimento mineral empresarial de grande escala na Amazônia moderna. Houve,

contudo, forte oposição à concessão daquelas reservas minerais a uma grande empresa44.

[...] Pela irreprocicidade das bases assentadas, pela desigualdade dos compromissosfinalmente assumidos, que a peça legal, o documento cartoriado estava, desde antes de

42 O “mito” da descoberta do manganês da Serra do Navio diz que em 1941 o caboclo Mário Cruz encontrou a jazidaquando procurava ouro e diamantes no rio Amapari, afluente do rio Araguari. Em 1945 o garimpeiro enviou amostrasao então governador Cel. Janary Nunes, pensando se tratar de minério de ferro. As amostras estudadas pelostécnicos do DNPM revelaram ser de minério de manganês de alto teor e em 1946 a região foi declarada como parte dareserva nacional (Decreto-Lei no 9.868, de 13/09/1946).43 A companhia americana ficou com 49% do capital social, enquanto a holding Companhia Auxiliar de Empresa deMineração ficou com 51% numa associação que durou até a década de 1980. A distribuição do capital social entre aempresa americana e a brasileira cumpria uma exigência legal que determinava a maioria do capital nacional.44 Um debate entre os senadores Silvestre Péricles (PST/AL) e Cunha Mello (PTB/AM) em 1960 é ilustrativo. O primeiro,citando o técnico e escritor Pimentel Gomes, afirmou que o contrato com a ICOMI não enriquecia nem honrava o Brasilporque além de todo o minério ser exportado em navios americanos, o que comprometia o futuro do país, abriaprecedentes para a ingerência americana no território nacional. Por sua vez, o senador Cunha Mello defendeu aexploração intensa dos recursos como forma de acumular divisas, já que não era com “riquezas adormecidas no seio daterra” que se defendia uma nação. Cf. Diário do Congresso Nacional, seção II, 11 de fevereiro de 1960, p. 213- 214.

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sua assinatura, técnica e hábil e deliberadamente urdido para proporcionar a uma firmaprivada um dos negócios mais espetaculares e rendosos da nossa história comercial epara retirar, sem contrapartida justa – de uma das mais paupérrimas e desvitalizadasregiões do País – bens valiosos, direitos puros e assim a única perspectiva real,contemporânea e palpável de transfiguração econômica, de sua integração à vidanacional (CUNHA, 1962, p. 10).

O desequilíbrio no contrato assinado entre o território e a empresa em 06 de junho de

1950 aparecia, por exemplo, na cláusula 38a que estabeleceu a obrigação da empresa de fornecer

energia elétrica para o consumo público, mas restringiu a até 30% o fornecimento, o que permitiu um

suprimento inferior a este montante da energia instalada para os serviços de mineração. Já o território

colocaria à disposição da empresas todos os recursos naturais e mais a base para a instalação da infra-

estrutura para a instalação da mina e transporte do minério.

A infra-estrutura para o complexo industrial de exploração do manganês começou a ser

construída em 1953 e era composta por uma estrada de ferro até Santana destinada ao transporte do

minério, um porto de embarque, a base de extração e beneficiamento, e duas vilas residenciais45, uma

em Santana e outra na Serra do Navio, próxima à área de extração (BRITO, 1994, p. 58). As terras

necessárias à construção da estrada de ferro e embarcadouro foram cedidas gratuitamente pelo governo

do território. Além disso, o contrato permitiu à ICOMI o usufruto praticamente irrestrito dos recursos

naturais da região. A cláusula 44a estabelecia a obrigação do Território de amparar a auxiliar a empresa

nas questões que surgi[ssem] contra a sua ação, permitindo-lhe utilizar-se a juízo doTerritório, dos recursos naturais da região, como terras, águas, madeiras, lenha,etc., que constitu[íssem] servidões e utilidades necessárias ao aproveitamento dasjazidas e à exploração das mesmas, da estrada de ferro e das instalações portuáriase que se encontr[assem] em terras devolutas (CUNHA, 1962, p. 52, grifos nossos).

O contrato permitiu ainda que a empresa, “com a devida consideração pelo interesse

público e sob fiscalização das autoridades competentes,” (CUNHA, 1962, p. 52) dragasse rios,

construísse barragens, realizasse cortes e aterros e quaisquer obras a fim de explorar e transportar as

jazidas de minério de manganês.

A lavra mecanizada, apoiada na ciência e técnica modernas e aplicadas em todo o complexo

industrial da ICOMI, inclusive às vilas operárias, além de viabilizar a valorização do manganês no

processo global de acumulação, contribuíram para moldar a visão de progresso e desenvolvimento

pretendido para a região (MONTEIRO, 2002).

45 Além de atenderem aos padrões construtivos mais modernos, as vilas eram dotadas de luz (geradores diesel e linhasde distribuição), esgoto, água, escolas e hospitais. O emprego de modernas soluções técnicas na moldagem de estruturassócio-econômicas, culturais e do ambiente natural, especialmente na edificação do ambiente habitacional dostrabalhadores, tornaram as vilas operárias da ICOMI referência de company town na Amazônia (MONTEIRO, 2002).

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220

A falta de um desenvolvimento econômico anterior à implantação do projeto favorecia o

isolamento do empreendimento e a formação de um enclave, mas o governo territorial “concebeu um

plano, onde a mineração seria a propulsora de um pólo industrial com base na siderurgia” (BRITO,

1994, p. 65). A ambição do governo era que os minérios lavrados no Amapá pudessem também

passar pela cadeia de transformação industrial na região. Os principais aspectos do plano encomendado

ao economista Edouard E. Urech para atrair investimentos privados eram: i) a implantação de unidades

siderúrgicas diretamente ligadas à mineração e ii) a geração de energia com o aproveitamento do

potencial hidráulico dos rios da região.

O Decreto no 35.701, de 23 de junho de 1954, atribuiu ao Território do Amapá a tarefa

de promover o aproveitamento progressivo da energia hidráulica da cachoeira do Paredão46, situada

no rio Araguari a 108 km da cidade de Macapá, na localidade de Ferreira Gomes (hoje município).

Em março de 1956, a Lei no 2.740 autorizou a constituição da Companhia de Eletricidade do Amapá

(CEA) e incumbiu-a de construir o sistema elétrico do Paredão. A companhia, constituída com um

capital de 500 milhões de cruzeiros, majoritariamente subscritos pelo governo territorial e pela SPVEA,

foi encarregada de promover todas as etapas necessárias à realização do aproveitamento, desde o

sistema de produção, transmissão e distribuição de energia, até o desenvolvimento e expansão do

mercado consumidor, incluindo medidas para o estímulo à criação de um parque industrial, pela

participação direta nos empreendimentos que se fizessem necessários. Desta maneira, ficava a cargo

da empresa de energia, não apenas a infra-estrutura energética para o empreendimento de exploração

mineral, mas também parte importante do plano de desenvolvimento do entorno, que seria desencadeado

a partir dos novos investimentos que seriam atraídos pela abundância de suprimento energético.

Para a realização do aproveitamento hidrelétrico no rio Araguari, o governo do território

solicitou empréstimo ao BNDE, que foi recusado. Mesmo assim, o governo resolveu continuar o

empreendimento utilizando os royalties do manganês fixados inicialmente em 5% do valor do minério

embarcado, ou 4% se a empresa investisse no Amapá 20% dos lucros resultantes da exploração do

minério47. A totalidade dos royalties seriam transferidos à CEA até o ano de 1980, através de um fundo

especial48. Desta forma, o governo acreditava estar utilizando recursos oriundos da exploração de recursos

não renováveis (minério de manganês) em um empreendimento de infra-estrutura com elevado efeito

multiplicador na economia – por ser condição para o desenvolvimento de outra atividades – e “capaz de

46 Foram analisadas duas outras alternativas, a cachoeira de Santo Antonio, no rio Jari e a cachoeira de Gran Roche,no Oiapoque, ambas em pontos extremos do Amapá, mas a cachoeira do Paredão ofereceu a melhor opção por serpróxima ao centro geográfico do território.47 Se as exportações ultrapassassem 500.000 ton/ano, seriam pagos royalties adicionais de 5% sobre os excedentes.48 A expectativa era que os royalties recebidos até 1965 seriam suficientes para cobrir metade dos custos previstospara a construção da usina hidrelétrica.

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compensar a região pela extração do minério de seu subsolo” (INTERIOR, 1975, p. 04). Começou

então a ser concebida a UHE Coaracy Nunes, a primeira usina hidrelétrica de grande porte na Amazônia.

Os primeiros estudos do aproveitamento da cachoeira do Paredão, realizados pela

Companhia Brasileira de Engenharia, foram analisados pela Comissão de Energia Elétrica na Conferência

Técnica sobre Valorização Econômica da Amazônia, em 1951. Os comentários da companhia

demonstram um claro desconhecimento das reais condições do mercado consumidor regional:

No caso presente, se o mercado de energia disponível resumir-se à cidade de Macapá,um aproveitamento de 4.500 KW será mais do que razoável considerar, pois sustentaráa demanda por um prazo da ordem de cinco anos. Se, por outro lado, algum consumidorde vulto garantir um mercado para potência da ordem dos 10.000 KW, então será o casode contemplar a primeira etapa do aproveitamento integral.Por outro lado, o pequeno aproveitamento inicial é a única solução utilizável em qualquerhipótese dos acontecimentos futuros: se for viável um grande mercado de energia, elafuncionará como usina piloto para as obras do aproveitamento integral podendo mesmotornar-se o fator decisivo para a construção deste, se o mercado consumidor resumir-seno consumo público será uma usina de tamanho adequado para estabelecer um clima defartura de energia sem ônus desproporcionados (BRASIL, 1954, p. 435).

Como o governo territorial necessitava do aval financeiro do governo federal, garantiu à

Comissão de Energia Elétrica que havia na região uma demanda de 10.000 KW como necessidades

imediatas de energia relacionadas aos serviços de mineração do manganês. Isto representava na época

metade da potência instalada para a primeira unidade do aproveitamento integral (BRASIL, 1954, p.

436). Era indiscutível o intento do governo territorial em estabelecer a infra-estrutura energética necessária

ao complexo industrial.

A CEA realizou estudos aerofotogramétricos, topográficos, hidrológicos e o desmatamento

da área. De posse desses estudos, em 1959, abriu concorrência pública para a realização do projeto,

com uma previsão inicial de 180.000 KW de potência em cinco unidades geradoras de 36.000 KW e

possibilidade de instalação de mais três unidades, dependendo da construção de bacias de regularização

a montante no rio Amapari ou no rio Falsinho, afluente do Araguari.

Apesar de haver destinação de recursos para a construção no orçamento do I Plano

Qüinqüenal da SPVEA (1955-1959), as obras só foram iniciadas em 1960, mas foram interrompidas

diversas vezes por dificuldades tanto financeiras quanto técnicas49.

Em 1966, uma negociação entre a Eletrobrás, o Banco da Amazônia, o MME e a

SUDAM (substituta da SPVEA) garantiram o financiamento e as verbas orçamentárias para a

49 O contrato com a empresa TECHINT que iniciou as obras sob a supervisão da construtora GRUBIMA foi rescindidoem comum acordo após a paralisação total das obras em 1964, quando só tinham sido concluídas a ombreira dovertedouro e as fundações.

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222

continuidade das obras, que foram retomadas com algumas modificações no projeto original. A casa

de força foi mudada do canal principal para a margem esquerda do rio, o vertedouro foi modificado

e as comportas do tipo vagão foram substituídas por comportas de setor. A usina foi replanejada

para ter três conjuntos geradores em duas etapas. A primeira etapa geraria 40.000 KW em duas

unidades de 20.000 KW; na segunda etapa mais um conjunto de 30.000 KW seria acrescentado

totalizando a capacidade final de 70.000 KW, que considerava uma demanda reprimida que viria a

se manifestar a partir da disponibilidade energética.

Figura 32 – Beneficiamento do minério de manganês no Amapá e Usina Hidrelétrica Coaracy Nunes. IBGE. ArquivoFotográfico Ilustrativo dos Trabalhos Geográficos de Campo – Fotografia de: Tibor Jablonsky. Disponível em: http://biblioteca.ibge.gov.br/colecao_digital_fotografias.php; Eletronorte. Disponível em: http://www.eln.gov.br.

As dificuldades técnicas foram inúmeras, já que a construção da hidrelétrica do Amapá, em

meio à floresta na região equatorial, foi uma obra pioneira. Guardadas as devidas proporções, somente a

hidrelétrica de Kariba na África50 poderia se comparar em termos tecnológicos e construtivos ao desafio

representado pela usina do Amapá para a engenharia nacional. Vários fatores contribuíram para dificultar

as obras: clima adverso, desconhecimento do regime pluviométrico da região, dificuldades de transporte

de equipamentos que vinham do sul do país por via fluvial, desgaste dos equipamentos que ficavam

expostos às intempéries durante as paralisações das obras, necessidade constante de recuperar ou substituir

materiais e equipamentos degradados durante as interrupções, por falta de recursos financeiros etc. As

chuvas obrigaram a antecipação do desvio do rio e a instalação de algumas comportas de cima para

baixo. Além disso, outros incidentes afetaram o cronograma do empreendimento: parte das comportas

50 A hidrelétrica de Kariba no rio Zambezi entre o Zimbabwe e a Zâmbia foi construída entre 1955 e 1959 com opropósito único de geração de energia elétrica para os dois países. É uma das maiores usinas do mundo comcapacidade instalada de 1.320 MW. A barragem, com reservatório de 280 km de extensão deslocou compulsoriamente57.000 pessoas (a previsão inicial era de 29.000), inundou uma grande área cultivável e de florestas, prejudicou apesca e a reprodução de espécies de peixes e exigiu o resgate de uma enorme variedade de espécies animais (de 4 a6 mil) na “Operation Noah”. As obras foram atrasadas por problemas geológicos, sismológicos, aumento dos custos,entre outros. Cf. WCD Report 2000a.

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afundaram no Rio de Janeiro com o navio que as transportava, o restante quase foi perdido quando a

embarcação abalroou um petroleiro e um incêndio nos trapiches do Guamá, em Belém, atrasou o transporte

de cimento e outros materiais até o canteiro de obras (INTERIOR, 1975).

Em 1968, foi criado um grupo interministerial para analisar a situação da construção da

hidrelétrica e concluir as obras. O grupo propôs a constituição da Superintendência de Obras da Usina

Hidrelétrica Coaracy Nunes para concluir a primeira etapa. A Eletrobrás assumiu a execução do projeto

partir de 1971, por delegação do MME e o engenheiro general Orígenes da Soledade Lima foi nomeado

superintendente da obra. Além da revisão do projeto, vários aspectos do canteiro de obras tiveram de

ser refeitos ou reformados, como a cantina, os alojamentos dos operários, a vila operária, o hotel, as

oficinas e outros estabelecimentos. Os quatro grupos geradores Skoda tiveram de ser submetidos à

revisão e foi construído um galpão para guardar o equipamento Hitachi.

Quadro IV.3 - Empresas que participaram da construção e equipamento da UHE Coaracy Nunes

empresa origem responsabilidades na obra

Escritório de Construções e São Paulo Assumiu o contrato das obras civis de construção da hidrelétricaEngenharia “ECEL” S.A

ELC Electroconsult do Brasil Ltda São Paulo Fiscalização do projeto (em nome da Superintendência), aquisiçãode materiais, equipamentos e serviços

Techint - Cia Técnica Internacional São Paulo Montagem do vertedouro, turbina, geradores, comportas e stop-logs da casa de máquinas, ponte-rolante, pórticos e subestações

Hitachi Ltd Japão Fabricação dos equipamentos da casa de máquinas (2 turbinas,2 geradores, 3 transformadores e 1 quadro de distribuição)

Badoni - ATB Indústria Metalmecânica São Paulo Fornecimento das 10 comportas de setor e o stop-log S/A. para o vertedouro

Fohlig Heckel do Brasil S/A Minas Gerais Projeto e fabricação da ponte rolante com capacidade de cargade 120 e de 6 toneladas

Ishikawajima do Brasil-Estaleiros S/A Rio de Projeto, fabricação e supervisão da montagem de 4 comportas tipo- Ishibrás Janeiro vagão, 2 stop-logs da tomada de água e 2 de sucção, 4 grades e

4 dispositivos para o acionamento das comportas, além dofornecimento e instalação dos stop-logs de sucção da terceiramáquina

Estacon-Estaleiros, Saneamento e Belém Execução de obras civis da subestação de MacapáConstruções

Bardella S/A São Paulo Fornecimento de três pórticos de 15, 12 e 7 toneladasrespectivamente para o vertedouro, a tomada d’água e para sucção

Civil-Construção Indústria Viação e Rio de Janeiro Fornecimento e montagem das torres de aço galvanizado para osEngenharia S/A circuitos de 138 KV e 69 KV e respectivos cabos e levantamento

topográfico das linhas de transmissão

Anson Ltda - Sondagens e Fundações São Paulo Realização de sondagens de percussão e injeções nas diferentespartes da obra

Fonte: Baseado em: INTERIOR, 1975.

O sistema hidrelétrico do Paredão era considerado um projeto arrojado em face do

nível de demanda existente na época do planejamento e construção e da incerteza quanto à realização

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dos investimentos industriais por grupos privados. Havia uma demanda inicial presumida de 10.000

KW, sendo esperada a duplicação em virtude da instalação de uma usina de ferro-ligas (que só

ocorreu na década de 1980) para o processamento de 20.000 toneladas de minério. Mesmo assim,

parte da potência da usina na primeira etapa ficaria disponível, a menos que outras aplicações

baseadas em outros empreendimentos industriais fossem realizadas.

Um estudo do mercado consumidor da região de Macapá foi elaborado pela empresa

ELC-Electroconsult, no início dos anos 1970 e concluiu pelas seguintes potências máximas: 9.100

KW em 1975, 13.300 KW, em 1980 e 17.900 KW, em 1985. No caso da inclusão do empreendimento

Jari Florestal e Agropecuária, a ser implantado, seria necessário construir a segunda etapa com mais

30.000 KW, já que seria necessário mais 7.520 KW em 1975 e 27.200 KW, em 1978. O

empreendimento já havia pleiteado a instalação da segunda etapa junto à Eletrobrás, bem como a linha

de transmissão da usina até suas instalações.

O sistema de transmissão da usina foi projetado para atender às duas regiões mais

importantes do Amapá: i) o parque industrial composto pela ICOMI, o empreendimento agro-industrial

Baixo Jari, instalações do porto e a criação de uma infra-estrutura energética para a localização de

novas indústrias para a exploração dos recursos naturais (especialmente minérios) da região

(BRASIL.SUDAM, 1975); e ii) as cidades de Macapá, Santana, Serra do Navio e vilas próximas.

Uma linha de transmissão de 138KV com 110 km seria ligada à subestação Santana e outra linha de

69 KV e 20 Km de Santana à subestação de Macapá.

O consumo reduzido do Território do Amapá quando da inauguração – cerca de 8.000

KW, bem abaixo dos 40.000 KW gerados – foi um dos problemas enfrentados na gestão da usina

após sua conclusão. Já que uma redução da potência instalada na primeira etapa tornaria o

empreendimento economicamente inviável, a solução encontrada para a falta de mercado consumidor

foi a construção de uma grande resistência semi-submersa logo abaixo das comportas para dispersar

a sobra de energia elétrica nas águas do rio Araguari. A medida que a demanda por energia fosse

aumentando, menos energia seria “consumida” desta maneira, sendo transferida para a subestação de

Santana. O desperdício ou “dispersão” se tornou a forma de constituir um “mercado” local e garantir

a viabilidade do empreendimento.

Até 31 de dezembro de 1973, a construção da usina já havia consumido Cr$ 433 milhões,

dos quais metade em juros e correção monetária de débitos. Para a conclusão das obras, previa-se o

gasto de mais Cr$ 177 milhões do orçamento de 1974 e 1975. Somente com a criação da Eletronorte

(Centrais Elétricas do Norte do Brasil S.A) os problemas foram solucionados. Pelo Decreto-Lei no

74.303 de 19 de julho de 1974 a nova empresa encampou as instalações e bens da usina e deu

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prosseguimento a sua construção e respectivo sistema de transmissão51.

Finalmente, depois de mais de vinte anos de planejamento e construção, em agosto e

setembro de 1975 ocorreram os primeiros testes e ensaios no grupo gerador no 1 para a energização

das linhas em 69 KV a partir de Coaracy Nunes. Em outubro, foram realizados os testes com o grupo

gerador no 2 e no dia 12 deste mês, iniciou o suprimento da cidade de Macapá em caráter experimental.

A operação comercial teve início em novembro, com o fornecimento de energia para a CEA. Em

dezembro de 1975, a termelétrica Costa e Silva, instalada em Macapá, foi desativada e a energia

elétrica para o suprimento da capital passou a ser fornecida diretamente por Coaracy Nunes

(ELETRONORTE, 1977). A inauguração oficial da usina e o sistema de transmissão associado ocorreu

em 13 de janeiro de 1976, pelo Presidente general Ernesto Geisel. Após a conclusão da usina, foi

necessário construir uma ponte sobre o rio Araguari para garantir a utilização de uma variante da BR-

156 ligando Macapá ao Oiapoque.

Não há registo ou estudos que demonstrem os efeitos produzidos na sociedade e no meio

ambiente, advindos da construção da usina, cujo reservatório com 23 km2 é hoje considerado de

pequeno porte52, mas era visto como de grandes dimensões quando a obra foi planejada e executada,

sendo o primeiro grande empreendimento hidrelétrico na Amazônia e um feito da engenharia nacional.

Durante o planejamento e construção da UHE Coaracy Nunes (1954 a 1975), os conceitos e práticas

relacionados à Avaliação de Impacto Ambiental e respectivos estudos não tinham se desenvolvido e as

preocupações com o meio ambiente e as populações atingidas não faziam parte do rol de questões

relacionadas aos empreendimentos hidrelétricos. A única referência aos possíveis efeitos da construção

da usina sobre o ambiente e a sociedade foi encontrada em KOIFMAN (2001), que analisou o

processo histórico de expansão do Setor Elétrico e as situações de conflitos latentes, ou diretos, com

as diversas comunidades indígenas. Este autor assinalou a presença 366 membros da população indígena

Waiãpi, na área de influência de Coaracy Nunes, mas não caracterizou o tipo de conflito, ou efeitos

sociais e ambientais específicos da relação entre a população indígena e a barragem.

A UHE Coaracy Nunes, além de iniciar a Eletronorte nas atividades de geração de energia

elétrica, inaugurou a associação entre produção energética e a indústria da mineração na Região

Amazônica. A expectativa alimentada pela Eletronorte e outros proponentes do projeto, que se

comprovou bastante exagerada, era que esta usina representaria para a Amazônia o mesmo que Paulo

Afonso representou para o Nordeste, e mudaria a fisionomia econômica e social do território do

51 A Eletronorte investiu Cr$ 2,4 bilhões de seu capital no término da usina.52 Em comparação com grandes barragens como Tucuruí, Balbina e Samuel, cujos reservatórios ocupamrespectivamente, 2.430 Km2, 2.346km2 (na cota de 50m) e 601 km2 (na cota de 87,5m).

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Amapá, a quem se prometia um surto de desenvolvimento econômico, alicerçado na exploração do

manganês. Assim, a estratégia de exploração do minério foi associada a um plano de desenvolvimento

no nível local, de modo que os recursos oriundos de sua exploração financiariam a mudança econômica,

não apenas do entorno do empreendimento, mas do território como um todo.

Utilizando a prerrogativa de investimento dos lucros no Amapá em troca do menor

pagamento de royalties, além dos incentivos fiscais concedidos pelos governos federal, estadual e

municipal, a ICOMI criou, em 1966, dois órgãos de desenvolvimento: o Instituto Regional de

Desenvolvimento do Amapá (IRDA), com objetivo de promover estudos e formular programas utilizando

recursos da região e a Companhia Progresso do Amapá (COPRAM), para promover investimentos

em projetos industriais e agrícolas. Como resultado, foi criada a empresa Amapá Agricultura e Indústria

S/A que tentou investimentos nos plantios de forrageira, avicultura, horticultura, suinocultura, cultivos

de dendê e cana-de-açúcar, mas nenhum dos empreendimentos foi bem sucedido. No mesmo ano, em

associação com empresários holandeses, a ICOMI criou a BRUMASA – Empresa Bruynzeel de

Madeira S/A – para explorar a extração e beneficiamento de madeiras da região.

Em 1973, começou a operar a usina de pelotização instalada pela ICOMI em Santana53,

para aproveitar uma parcela fina do minério de manganês. Embora pudesse processar cerca de 210

mil toneladas/ano, em 1980 a usina ainda não tinha alcançado sua capacidade nominal (MONTEIRO,

2005) e encerrou as atividades em 1985. No período 1980-1984, após a desativação da usina de

pelotização, o consumo de energia no estado decresceu em 21,08% (FREITAS, 1990).

Posteriormente, a ICOMI instalou uma usina de sinterização que começou a operar em

1989, para aproveitar o minério de baixa granulometria. Parte do sínter era destinado à exportação e

parte era convertido em ligas de ferro-manganês nos fornos elétricos da Companhia de Ferro-Ligas do

Amapá (CFA), que também produzia ferro-cromo (aproveitando a cromita do rio Vila Nova). A CFA

iniciou a exploração de minério de cromo em 1988 e a produção de ligas metálicas em 1990, mas esta

atividade teve curta duração, encerrando-se em 1996. A CFA atribuiu a inviabilidade do empreendimento

ao alto custo da energia elétrica, em face aos baixos preços internacionais das ligas (MONTEIRO,

2005). Neste período, a ICOMI e empresas associadas consumiam aproximadamente 15% da energia

gerada pelo sistema hidrotérmico do Amapá, composto basicamente pela UHE Coaracy Nunes (40

MW) e pela Central Termelétrica de Santana (51 MW) no sistema capital54, atendido pela Eletronorte, e

de pequenas unidades dieselelétricas isoladas no interior do estado em áreas atendidas pela CEA55.

53 Foram investidos US$ 15 milhões de incentivos fiscais da SUDAM na usina.54 O sistema capital abrangia os municípios de Serra do Navio, Amapari, Mazagão Santana, Porto Grande, FerreiraGomes, Macapá e Cutias.55 Municípios de Calçoene, Amapá, Pracuuba, Tartarugalzinho, Itaubal, Laranjal do Jari, Vitória e Oiapoque.

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Em 1991, o Amapá atravessou uma grave crise de energia, devido à falta de chuvas que

baixou perigosamente o nível do reservatório da usina hidrelétrica. Houve um rígido controle do consumo

no período 1991-1993 com desligamentos programados de circuitos em Macapá e Santana. Com a

intervenção da Eletronorte, a usina de Araguari foi reformada e a usina termelétrica de Santana recebeu

três unidades de 15 MW cada, adquiridas do fabricante finlandês Wartsila num programa emergencial,

que entraram em operação em 1997. As turbinas operavam com óleo diesel, mas estavam sendo

preparadas para funcionar com óleo combustível, mais barato. A linha de transmissão entre a usina

UHE Coaracy Nunes e Santana foi duplicada e a linha entre Macapá e Calçoene, passando pelos

municípios de Tartarugalzinho e Amapá, foi reformada. Também iniciaram as primeiras reivindicações

e os primeiros estudos para a construção da hidrelétrica de Santo Antonio, no município de Laranjal

do Jari, região sul do Amapá, para atender ao empreendimento Jari – que era abastecido por usina

térmica e operava com óleo combustível e lenha – e as cidade de Vitória e Laranjal do Jari. Também

se iniciaram os estudos para a implantação do terceiro conjunto gerador da UHE Coaracy Nunes56.

Apesar dos investimentos realizados, no final da década de 1990 ainda havia inúmeros

povoados, inclusive sedes municipais e distritais, sem fornecimento de energia elétrica no Amapá,

especialmente nos Municípios de Oiapoque, Calçoene, Amapá e Pracuuba, em áreas em que a densidade

populacional ia de menos de 6 até 9 pessoas por km2 nos municípios de Amapá e Pracuuba, até mais

do que 13 entre Calçoene e Oiapoque (LA ROVERE et alii, 1999).

Ao longo dos anos, diversos governos tentaram implementar um modelo de

desenvolvimento no Amapá, assentado no aproveitamento de recursos minerais. Até 1989, haviam se

instalado 13 empresas de médio e grande porte para explorar algum tipo de recurso mineral, recebendo

incentivos e vantagens governamentais (BRITO, 1994, p. 141). Com a exploração do manganês,

houve um surto migratório que acelerou o crescimento populacional. A população passou de cerca de

20 mil habitantes em 1943, quando o território foi criado, para 37 mil em 1950, cerca de 120 mil na

década de 1970, mais de 267 mil em 1990 e 480 mil no ano 2000. As reservas de manganês da Serra

do Navio representavam 15,4% das reservas nacionais em 1975. Vinte anos depois, representariam

apenas 3,2% (FREITAS, 1990).

Com o esgotamento do manganês, a ICOMI encerrou as atividades em 1997 e as

empresas que foram atraídas para a região se voltaram para outros recursos minerais, especialmente

56 O terceiro conjunto só foi instalado no final da década de 1990 por um consórcio de empresas – Voith/Siemens(turbina, gerador e equipamentos eletromecânicos), Copem (projetos civil e eletromecânico), LCL (obras civis) eCemsa (montagem) – e inaugurado no ano 2000. Em 2005, foram concluídas as obras de recapacitação das duasprimeiras unidades geradoras, utilizando recursos tecnológicos na troca de componentes que elevaram capacidadefinal da usina para 78 MW.

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para a exploração do ouro e caulim, que possuem maiores reservas e mercados consumidores. No

processo de negociação da transferência dos negócios para outras empresas57, a Champion Papel e

Celulose, interessada no domínio útil da área industrial e portuária, solicitou uma auditoria ambiental que

constatou a contaminação das águas superficiais e de lençóis freáticos por arsênio e manganês,

especialmente como resultado dos processos de pelotização e sinterização (MONTEIRO, 2002).

Quando de sua instalação, a usina de pelotização foi apresentada ao governo e à sociedade

como uma forma de modernização tecnológica da Amazônia, resultado de anos pesquisas de base

científica (MONTEIRO, 2005). As práticas industriais “modernas” e tecnologicamente avançadas,

revelaram-se, contudo, portadoras de riscos sanitários e ambientais inerentes, com conseqüente

degradação e contaminação ambientais efetivos58.

Apesar das expectativas quanto à deflagração de um processo de desenvolvimento sólido

a partir da exploração mineral e da abundância de energia, não ocorreram quaisquer efeitos de

encadeamento industrial que poderiam agregar valor às mercadorias minerais e produzir uma

diversificação das atividades. A economia do Amapá continua essencialmente dependente da atividade

extrativa de recursos não renováveis (12% dos tributos recolhidos no estado provêm da mineração).

De acordo com Monteiro:

As dificuldades enfrentadas pela mínero-metalurgia para impulsionar processos dedesenvolvimento de base local, todavia, não residem na limitada capacidade deestabelecer encadeamento produtivo. Uma das razões é o fato de essas atividadesserem profundamente dependentes de dinâmicas extra-regionais que, por sua vez,determinam os padrões tecnológicos, de inovação e de organização dentro dos quaisas empresas mínero-metalúrgicas têm de operar. São lógicas que as distanciam dapossibilidade de estabelecerem redes de relações sociais, econômicas, políticas eambientais que sejam impulsionadoras de um desenvolvimento regional baseado naconstrução de sistemas produtivos locais, capazes de alimentar localmente dinâmicasde inovação que favoreçam o estabelecimento de processos produtivos, cujodiferencial de competitividade não esteja baseado, tão-somente, na utilização, a baixocusto, de recursos e serviços ambientais da região (MONTEIRO, 2005).

Por outro lado, para atuar como incentivo ao desenvolvimento regional, freqüentemente

a energia vendida para a indústria e para a sociedade embutiu algum subsídio, de modo que tanto a

57 A questão da transferência dos negócios da ICOMI ainda não foi resolvida e uma disputa entre a empresa AltoTocantins Mineração, o governo do Estado do Amapá e a União, com a participação do Ministério Público Federal,se desenvolve na Justiça pelo espólio da empresa. Ver notícias na Folha do Amapá em 06/04/2004, 05/11/2004, 27/11/2004, 03/12/2004, 24/12/2004, 27/05/2005, 06/05/2005, 03/06/2005 e 09/06/2006.58 Duas soluções foram propostas – e rejeitadas pela população local – para resolver o problema da contaminaçãodecorrente da deposição inadequada dos resíduos da mineração e transformação do manganês: i) um aterro na Serrado Navio, que foi rejeitado em audiência pública coordenada pela Secretaria de Estadual do Meio Ambiente, em 14 dejunho de 2000 (Cf Folha do Amapá. “Serra do Navio diz não ao lixo contaminado da ICOMI”. 18/06/2000) e ii) umaterro a 30 km de Santana, com fundo e laterais compactados e impermeabilizados por uma manta. A população dasvilas próximas se revoltou contra o aterro e ateou fogo na manta impermeabilizadora (MONTEIRO, 2002, p. 10).

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CEA quanto a Eletronorte se tornaram deficitárias em termos econômico-financeiros59 no Amapá.

4.3 SÍNTESE E REFLEXÕES

Na década de 1950, quando o Estado iniciou o processo de integração da região ao

sistema econômico nacional pelo planejamento governamental, o setor industrial amazônico era incipiente

e artesanal. Os resultados iniciais das ações planejadas, no entanto, foram modestos em relação às

mudanças pretendidas pelo Estado no padrão de desenvolvimento.

A SPVEA reelaborou para a Amazônia a mesma concepção e o mesmo diagnóstico

formulado pelas missões técnico-econômicas americanas – especialmente a Missão Cooke e a

Comissão Mista – e pela CEPAL, acerca dos “gargalos” que impediam o desenvolvimento da

economia do país, ou seja, a deficiência nas infra-estruturas físicas, em particular de transporte e

energia, que foram os setores mais contemplados com recursos da superintendência. Por esta razão,

a construção da rodovia Belém-Brasília foi considerada como um dos maiores feitos da SPVEA

(FERREIRA, 1989, p. 48), já que abriria não apenas um canal de comunicação com o Centro-Sul,

mas também uma frente para os investimentos privados na região. De acordo com LOUREIRO

(1990, p. 8-9), ao invés de induzir o desenvolvimento, a Belém-Brasília se converteu em um canal

de expropriação da região. No Pará, em decorrência da rodovia, houve uma profunda concentração

de terras e recursos florestais nas mãos de grupos econômicos nacionais e estrangeiros entre 1959

e 1963. Cerca de 5,6 milhões de hectares de terras cobertas de castanhais foram transferidos, com

o aval do Estado às mãos de setores privados, que passaram a controlar as terras, os recursos

florestais, a mão-de-obra (apanhadores e quebradores de castanhas) e o comércio exterior sem,

contudo, modernizar a base produtiva, nem dinamizar a economia local.

A SPVEA contribuiu para a realização de algumas pesquisas de exploração do potencial

de recursos naturais da Amazônia, especialmente os minerais, cujas ocorrências eram pouco conhecidas,

com exceção do manganês da Serra do Navio no Amapá. Além disso, financiou empreendimentos

importantes, como a construção da fábrica de cimento para o aproveitamento das jazidas calcáreas de

Capanema (PA), o que concorreu para reduzir a carência deste material para a construção civil. Ao

mesmo tempo, foi instalada em Manaus uma refinaria de petróleo com capacidade para refino de 5000

barris/dia de óleo cru para transformação em gasolina comum e de aviação, querosene, óleo diesel e

outros produtos para abastecer o mercado local, bem como as cidades de São Luís (MA) e Fortaleza

59 Só em 1997, o sistema elétrico do Amapá absorveu um prejuízo de R$ 20.129 milhões (LANDO, 1999).

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(CE) (FERREIRA, 1957, v. I, p. 178). Este era o maior empreendimento industrial de Manaus60. A

partir de então, as principais linhas de transporte fluvial substituíram a lenha, que era usada como

combustível desde a época áurea da exploração da borracha, pelos combustíveis líquidos da refinaria

(CAPES, 1959a, p. 72).

Até dezembro de 1966, a SPVEA tinha aprovado apenas 52 projetos industriais e

agropecuários, incluindo usinas de tecelagem (beneficiamento de juta e malva) em Belém, Santarém e

Manaus; beneficiamento de trigo e refino de óleo comestível (babaçu) em Belém; fabricação de laminados

e compensados de madeira em Manaus e no Amapá; além de outros empreendimentos favorecidos

com os privilégios creditícios e fiscais provenientes das Leis nos 4.216/63 e 4.357/65, que iniciariam

uma nova fase industrial na região (BENCHIMOL, 1966).

No setor de energia elétrica, embora na maioria dos casos as ações tivessem um caráter

emergencial, pode-se dizer que a SPVEA contribuiu para iniciar a construção de um sistema público

de suprimento de energia elétrica, desencadeando um processo que já vinha acontecendo no resto do

país, com a constituição de empresas estatais de energia e elaboração de planos estaduais de eletrificação.

A SPVEA auxiliou a instalação das companhias Força e Luz do Pará e Companhia de Eletricidade de

Manaus e colaborou com os planos de eletrificação do Pará e do Amazonas. Ajudou na ampliação da

usina hidrelétrica do rio da Casca (MT) e da usina térmica das Centrais Elétricas do Maranhão,

acrescentando 15.000 KW à capacidade instalada. Também ajudou na instalação de uma unidade

dieselelétrica de 2.400 KW no Acre e uma outra de 1.200 KW no Amapá61 e contribuiu para o início

da construção da UHE Coaracy Nunes, que iria acrescentar mais 40.000 KW ao sistema do Amapá.

Enquanto na década de 1940 havia na região Norte 407 estabelecimentos industriais que

empregavam 16.931 cavalos-vapor em força motriz, o Censo Industrial de 1960 (BRASIL.IBGE,

1963), identificou 1.795 estabelecimentos que empregavam 49.629 cavalos-vapor. O número de

estabelecimentos foi quadruplicado, enquanto o emprego de força motriz cresceu quase três vezes62.

Na maioria dos casos, contudo, as indústrias dependiam do suprimento energético próprio, pois o

suprimento público estava em colapso e só conseguiu se restabelecer, em fins dos anos 1960. Ao

longo da década de 1950, a demanda pela juta amazônica aumentou muito na indústria paulista. Com

60 A usina foi projetada para processar o óleo oriundo do Peru e transportado até Manaus em barcaças e o petróleodas jazidas de Nova Olinda, no baixo rio Madeira, a 150 km de Manaus, cuja sondagem teve êxito em 1955.61 Até o início da operação da UHE Coaracy Nunes, em 1975, o Amapá era abastecido precariamente pela antiga Usinade Força e Luz da capital, que em 1948 tinha capacidade de 300 KW.62 Apesar do aumento dos estabelecimentos industriais, a participação da região na renda nacional decaiu no períodode 1948-1958 de 4,6 para 4,4%, enquanto a produção agrícola se manteve no mesmo patamar e as ações de fixação doscolonos nas colônias agrícolas praticamente inexistiram (D’ARAÚJO, 1982, p. 52).

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isso, várias usinas foram instaladas aproveitando esta demanda. Em 1954, a Companhia Brasileira de

Fiação e tecelagem instalou uma moderna usina de beneficiamento (fiação e tecelagem) em Manaus. A

Usina Paulista de Aniagem instalou-se em Óbidos e capitais nipo-brasileiros instalaram outra usina em

Santarém, ambas no Pará. Nos três casos, as usinas dependiam de suprimento próprio de energia para

a movimentação das máquinas, por meio de conjuntos dieselelétricos, já que não havia eletricidade

disponível (FERREIRA, 1957, v. I, p. 178, 193 e 233).

Belém só pôde dispor de energia para instalações industriais a partir de 1967, enquanto

Manaus oferecia energia apenas para pequenos empreendimentos, já que não podia aceitar demanda

superior a 10% da potência instalada da principal usina, que era de 22.500 KW. No geral, o consumo

residencial e comercial continuou a absorver a maior parte da eletricidade gerada para consumo público

nas principais cidades amazônicas.

A concentração das ações da SPVEA nas capitais foi muito criticada. O senador Edmundo

Levi (PTB/AM) achava que ao convergir os investimentos, especialmente para Belém e Manaus, além

de produzir um efeito limitado em relação à “promessa” de integração da Amazônia na economia

nacional, a SPVEA acabou contribuindo para o empobrecimento e despovoamento do interior. O

senador reconheceu também a participação do legislativo no desvirtuamento do Plano com a “legislação

de ocasião”, pela inclusão e exclusão de verbas orçamentárias que deterioravam a “valorização da

Amazônia” como um projeto global de desenvolvimento (LEVI, 1964).

Após sete anos de atuação e de um balanço no qual reconheceu seu fraco desempenho e

o fracasso em atingir as metas inicialmente estabelecidas, a SPVEA conseguiu esboçar algumas diretrizes

para a sustentação das políticas de desenvolvimento, que contemplavam um modelo de planejamento

e gestão do setor de energia elétrica na região. Este, contudo, não chegou a se desdobrar em um

programa concreto de ação. Enquanto a SPVEA não conseguia operar como coordenadora e

formuladora da política energética regional, as empresas locais (FORLUZ em Belém e CEM e Manaus)

e estaduais (CEA no Amapá, CELPA no Pará, CELETRAMAZON no Amazonas, CEMAT no Mato

Grosso, CEMAR no Maranhão, CELG em Goiás e ELETROACRE no Acre) foram se constituindo63

e assumindo o planejamento, a condução de projetos de eletrificação e a construção e operação de

sistemas de produção, transmissão e distribuição de energia elétrica em suas áreas de atuação. Como

os recursos da SPVEA eram instáveis e dependiam de liberação e priorização federal, os programas

63 Durante o tempo de atuação da SPVEA foram criadas as empresas estaduais de energia de Goiás (Centrais Elétricasde Goiás S/A – CELG, em 1955) do Mato Grosso (Centrais Elétricas Matogrossenses S/A – CEMAT, em 1956); doMaranhão (Companhia Energética do Maranhão – CEMAR, em 1958; e do Acre (Companhia de Eletricidade do Acre– ELETROACRE, em 1965), além da CEA, CELPA e CELETRAMAZON já mencionadas.

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de eletrificação que necessitavam do suporte financeiro da superintendência ficavam fragilizados, ao

mesmo tempo em que sua posição como agência de desenvolvimento enfraquecia. Depois de algumas

experiências com atrasos e retenção de recursos, as empresas de energia e os governos estaduais

esperavam por seu auxílio financeiro, mas não contavam com ele na formulação e execução de seus

projetos (FORÇA E LUZ, 1961 e ESTADO DO PARÁ, 1964). O senador Vivaldo Lima (PTB/AM)

afirmou em discurso que quando emitia algum expediente informando ter consignado alguma verba

orçamentária da SPVEA para energia, água, saúde etc., em algum município, ninguém acreditava,

porque os municípios sabiam que não receberiam nada (LIMA, 1964).

O otimismo inicial com a valorização da Amazônia e com as pretensões do Estado de

transformar as bases da economia e da sociedade através do planejamento não poupou sua principal

instituição; a SPVEA foi alvo de críticas desde sua constituição. O parecer do senador Álvaro Adolpho,

que examinou o projeto de lei do Plano de Valorização, criticou sua forma genérica que “se limita[va]

a alinhar os problemas, sem defini-los propriamente em termos específicos [...] tendo em vista que as

limitações dos meios de execução imp[unham] uma necessária seleção de programas parciais [...]” e

afirmou a necessidade de hierarquizar os problemas e estabelecer uma estrutura com linhas mestras

para orientar a ação governamental (SENADO FEDERAL. ADOLPHO, 1952, p. 8, 9 e 131). O

Plano Emergencial, contido na própria Lei no 1.806 e, posteriormente, o I Plano Qüinqüenal, deveriam

preencher esta lacuna. A indefinição das prioridades, contudo, foi um problema que persistiu por todo

o tempo de existência da SPVEA.

O I Plano Qüinqüenal tinha pouca base científica, caracterizando-se como uma tentativa

de levantamento dos principais problemas da região. A falta de dados disponíveis que pudessem ser

transformados em informações e diagnósticos para embasar o planejamento das ações e projetos

foi também um problema do plano, nunca plenamente aprovado pelo Congresso Nacional. Com a

crise da SPVEA e o abandono do “Plano de Valorização da Amazônia”, o senador Vivaldo Lima

afirmou em discurso:

O Brasil é realmente, inconseqüente. Precisamos legislar mais uma vez para que secumpra a lei anterior. Vamos votar uma nova lei para que se lembrem de que existe umplano, que não foi aplicado, em conseqüência de lei aprovada pelo Congresso esancionada. Agora, vamos legislar, lembrando que existe um plano e que é precisoestabelecer prioridade produtiva, que não vão dilapidar um patrimônio com verbasapenas superficialmente aplicadas (LIMA, 1964).

Óbices como dificuldades de execução física (atraso na liberação de recursos e inflação) e

orçamentária (fragmentação das iniciativas e pulverização dos recursos) de um lado, clientelismo e falta

de capacidade de entrosamento/ articulação/ coordenação com outros órgãos públicos estaduais e federais

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que atuavam na região, de outro lado, assinalaram o “fracasso” da SPVEA, que não conseguiu se consagrar

como agência de planejamento e execução do desenvolvimento regional no sentido global, o que determinou

sua reestruturação sob novo formato (CARDOSO e MÜLLER, 1977 e MAHAR, 1978).

A Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM), criada pela Lei no

5.173, de 27 de outubro de 1966, sucedeu a SPVEA na tarefa de elaborar e implementar os planos

para o desenvolvimento da região. A combinação da reorientação do Plano de Valorização da

Amazônia, de acordo com os Planos Nacionais de Desenvolvimento (PNDs), ao mesmo tempo em

que foram realizados estudos hidroenergéticos na região e foi criada a Eletronorte, motivou significativas

mudanças na estruturação do suprimento e na exploração da energia elétrica na Amazônia, como

será mostrado no próximo capítulo.

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CAPÍTULO 5 – “BANCANDO O RISCO”: A CONSTRUÇÃO DOMERCADO PARA ENERGIA ELÉTRICA DA AMAZÔNIA

“Valorização é necessariamente a integração da região noespaço funcional do mercado mundial; paradoxalmente a

integração nacional pretendida como valorização estratégica sópode ser atingida através da integração global. Pois com a

transformação dos recursos (matérias-primas minerais,produtos agrícolas, silvícolas e agropecuários) em mercadorias,

os centros de produção da região são incluídos na circulaçãonacional e internacional do capital.” (ALTVATER, 1989)

5.1 ENERGIA ELÉTRICA E INTEGRAÇÃO NACIONAL: UM NOVO ENFOQUE PARA OPLANEJAMENTO E O DESENVOLVIMENTO

Entre as décadas de 1950 e 1970, o Estado brasileiro apreendia o território pela

contraposição entre espaços vazios x espaços com população excedente. O projeto de desenvolvimento

se fundava na ocupação homogênea do espaço, por meio do planejamento regional (VAINER e

ARAÚJO, 1992). A partir de 1964, o governo militar mudou a estratégia de planejamento e as

prioridades do desenvolvimento na Amazônia. Com a criação da SUDAM em 1966, houve a

reestruturação do Plano de Valorização e foi lançada a “Operação Amazônia”, a fim de intensificar os

investimentos na região, com base na concessão de incentivos fiscais. O planejamento para o

desenvolvimento tomou impulso crescente e se consolidou na elaboração de planos nacionais, a cargo

do governo federal, que incorporavam a questão regional como parte do desenvolvimento nacional.

No início da década de 1970, o Estado definiu novas estratégias de desenvolvimento,

baseadas na integração nacional e no planejamento territorial centralizado. Decisões estratégicas

setoriais substituíram o planejamento regional. Surgiu então, um novo padrão de intervenção estatal,

onde todos os espaços passaram a ser incorporados funcionalmente no planejamento nacional:

(...) A totalidade do território não é [mais] vista nem como conjunto de regiõeshierarquicamente articuladas, nem como amálgama de regiões programa, mas como umsomatório de recursos mais ou menos acessíveis. A ação estatal não tem mais em vistaa captura das regiões (na verdade já concluída), mas a viabilização da apropriação derecursos localizados ao largo do território (VAINER e ARAÚJO, 1992, p. 28).

Este modelo produziu “um novo e ordenado devassamento amazônico”, cujo marco passou

a ser a “produção de tecnologia” (BECKER, 1990, p. 12). A fim de alcançar seus objetivos, o Estado

brasileiro estabeleceu uma “malha de duplo controle técnico-político, sobre o espaço preexistente”

(BECKER, 1990, p. 14). Conforme acentua BECKER (1990), esta “malha” concretizou-se através:

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i) da implantação de redes de integração espacial (rodoviária, telecomunicações, urbana e

hidrelétrica);

ii) da superposição de territórios federais sobre os estaduais: criação de territórios por

decreto; federalização de territórios estaduais; criação da Amazônia Legal1, federalização de 100 km

de ambos os lados das estradas federais; instituição de “pólos de desenvolvimento”; instalação de

grandes projetos; e

iii) dos subsídios ao fluxo de capital e indução dos fluxos migratórios.

Ao longo da década de 1970, este processo se materializou através programas e projetos

que implantaram pólos regionais de desenvolvimento e colonização como o Programa de Pólos

Agropecuários e Agrominerais da Amazônia (Polamazônia), o Programa de Integração Nacional (PIN)

e o Programa de Redistribuição de Terras e de Estímulos à Agroindústria do Norte e do Nordeste

(Proterra)2. Enquanto estes programas se tornaram a base de execução dos Planos Nacionais de

Desenvolvimento (PNDs), colocando em prática as idéias de integração, ocupação e segurança, outros

projetos e instituições foram criados para complementar a ação estatal.

O INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), criado pelo Decreto-

Lei no 1.110, de 09 de julho de 1970, centralizou a política fundiária através da colonização oficial; era

a “contra-reforma agrária” dos militares (OLIVEIRA, 1988). O projeto RADAM (Radar da Amazônia),

criado em 1970 pelo MME, utilizando-se de aviões e equipamentos específicos, permitiu o levantamento

detalhado dos recursos do solo (áreas agrícolas), do subsolo (minerais) e hídricos. Com o RADAM,

o Setor Elétrico pode contar com mais recursos em termos de perimetria e as bacias puderam ser

melhor conhecidas, com a definição da extensão dos cursos d’água e áreas de drenagem. O Plano de

Viação Nacional, criado pela Lei no 5.917, de 10 de setembro de 1973, estabeleceu uma estrutura

viária federal na Amazônia.

O formato típico de implantação físico-territorial deste novo padrão de intervenção passou

a ser o grande projeto, caracterizado pela mobilização intensa de capital, força de trabalho, recursos

naturais, energia e território. Os grandes projetos consumaram uma nova regionalização imposta pelos

projetos especiais como grandes usinas hidrelétricas, complexos industriais portuários, complexos

mínero-metalúrgicos etc., que se tornaram os geradores e gestores das novas regiões (VAINER e

1 A Amazônia Legal foi criada numa fase anterior do planejamento governamental, mas o Estado adotou formasespecíficas de apropriação dos seus espaços no projeto integrador.2 O PIN foi criado pelo Decreto-Lei no1.106, de 16/06/1970, o Polamazônia pelo Decreto-Lei no 74.607, de 25/08/1974, e oProterra pelo Decreto-Lei no 1.178, de 06/07/1971. Além de ocupar “espaços vazios” e aumentar a produção agrícola, estesprojetos e programas tinham como objetivo reduzir as tensões nas áreas rurais e urbanas, especialmente no Nordeste,através da migração direcionada para áreas selecionadas (BECKER, 1990).

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ARAÚJO, 1992). Num processo contraditório de nacionalização/ transnacionalização o Estado

brasileiro se associou a corporações transnacionais para intervir no território, excluindo do processo

toda a sociedade, especialmente a sociedade local. O contexto autoritário do regime militar, em que a

oposição às ações e projetos governamentais era sufocada, contribuiu para viabilizar politicamente a

implantação dos grandes projetos, sem que a sociedade pudesse se manifestar.

Para Becker, “a implantação de grandes projetos é parte da construção de uma

economia planetária por corporações transnacionais, mas é também (...) uma forma contemporânea

de afirmação do Estado nacional: a multinacionalização de empresas estatais” (BECKER, 1990,

p. 62). De acordo com a autora, o Estado brasileiro criou condições para a produção de espaços

transnacionais para empresas estatais, a fim de ingressar e competir na era tecnológica com

empresas estrangeiras. A implantação de grandes projetos na Amazônia, com a intensa exploração

dos seus recursos naturais, viabilizou a transnacionalização das empresas nacionais – como a

CVRD no campo da exploração de minérios e a Eletronorte no suporte energético aos projetos

mínero-metalúrgicos – alterando e propiciando novas formas e escalas de organização do espaço

e dos conflitos no espaço.

O controle exercido pelos detentores do poder científico-tecnológico moderno configurao contexto contemporâneo da gestão do território como prática estratégica, científica etecnológica do poder no espaço: ela envolve a formulação de grandes manobras e dastáticas e técnicas, e instrumentaliza o saber de direção política (BECKER, 1990, p. 63).

O grande projeto configurou uma nova forma de organização espacial da produção de

alto conteúdo técnico-político. A Amazônia, neste contexto, “constitui-se como espaço geopolítico

privilegiado para as corporações transnacionais” (BECKER, 1990, p. 64), já que possui grandes

espaços e riquezas em recursos minerais, hídricos e florestais passíveis de apropriação. Na década de

1980, foram implantados o Programa Grande Carajás (PGC)3, no Estado do Pará; o Programa de

Desenvolvimento Integrado para o Noroeste do Brasil (Polonoroeste)4, em Rondônia e no oeste do

3 O Programa Grande Carajás (PGC) tinha como objetivo o desenvolvimento de um complexo mínero-metalúrgico na Serrade Carajás, numa área de 900.000 Km2 (cerca de 10% do território nacional) que incluía partes dos estados do Pará, Goiáse Maranhão. O investimento alcançava a soma de US$ 62 bilhões (provenientes da Comunidade Econômica Européia -CEE, Japão, Banco Mundial, bancos privados americanos e da União Soviética). O projeto envolveu a construção deestradas, novas cidades, usina hidrelétrica, portos e uma ferrovia de 890 km até o porto de São Luís, além de 30 usinas deferro gusa a carvão vegetal, com a capacidade de produção para a exportação de 35 milhões de toneladas por ano(VALVERDE, 1989).4 O Polonoroeste foi lançado em 1981 com recursos em torno de US$ 1,1 bilhão de dólares, dos quais US$ 457milhões provenientes do Banco Mundial. O Polonoroeste tinha como novidade a inclusão formal de objetivosvoltados para a proteção ambiental, além de contemplar questões sociais. Mas ao invés de alcançar objetivossócio-ambientais de desenvolvimento, o Polonoroeste acabou intensificando o desmatamento, a degradaçãoambiental e os problemas sociais (BIZZO, 1999).

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Mato Grosso; o Projeto Calha Norte5, ao norte das calhas dos rios Solimões e Amazonas, junto à

fronteira com a Colômbia, Venezuela, Guiana, Suriname e Guiana Francesa; e já no final da década, o

Plano Agropecuário e Florestal de Rondônia (Planafloro)6.

5.1.1 A SUDAM e os PNDs

A criação da SUDAM determinou uma completa reorientação do Plano de Valorização

da Amazônia: i) a ação planejada a longo prazo passou a fundamentar-se em programas, pesquisas e

no levantamento do potencial econômico da região; ii) foram definidos espaços econômicos

dinamizadores como pólos de crescimento capazes de induzir o desenvolvimento; iii) adotou-se, a

exemplo da SUDENE, uma política intensiva de estímulos fiscais e creditícios para elevar a taxa de

reinversão dos recursos gerados na região e para atrair investimentos nacionais e estrangeiros para o

desenvolvimento da Amazônia; e iv) estabeleceu-se uma divisão de trabalho entre Estado e iniciativa

privada. A ação governamental se concentraria nas atividades de planejamento, pesquisa e implantação

da infra-estrutura econômica e a iniciativa privada se encarregaria das atividades industriais, agrícolas,

pecuárias, comerciais e de serviços rentáveis (EIAP/BID, 1967).

A SUDAM tinha as seguintes atribuições: i) elaborar o plano regional de desenvolvimento

de acordo com o plano nacional de desenvolvimento e as diretrizes que fossem fixadas; ii) aplicar

política fiscal de incentivos ao desenvolvimento industrial e agropecuário da região; iii) propor diretrizes

para o desenvolvimento da região; iv) promover a elaboração e divulgação de estudos, pesquisas e

projetos de interesse para o desenvolvimento setorial ou global da região; vi) executar direta ou

indiretamente tarefas atribuídas pelo governo federal e as que coubessem, de acordo com os planos

setoriais ou globais para o desenvolvimento da região; e vii) prestar assistência técnica a órgãos públicos

e privados, que estivessem realizando pesquisas, estudos ou projetos de desenvolvimento da região

(BRITO, 1994). No que se refere ao âmbito territorial de jurisdição, a SUDAM também compreendia

toda a chamada Amazônia Legal.

O I Plano Qüinqüenal de Desenvolvimento da SUDAM para o período 1967-1971

(Decreto no 60.296, de 03/03/1967) reforçou a política de substituição de importações, além de

5 O Projeto Calha Norte consistiu basicamente na instalação de bases militares com grande aparato tecnológico como objetivo de assegurar a soberania nacional, fiscalizar a circulação e controlar os conflitos na região entre garimpeiros,índios e empresas (BECKER, 1990).6 O Planafloro pretendia promover um modelo de desenvolvimento apropriado para o Estado de Rondônia e aimplementação do Zoneamento Sócio-Econômico-Ecológico como instrumento de controle da ocupação do espaçoe equacionamento dos conflitos sociais gerados pelo Projeto Polonoroeste. Para alguns autores, o Planafloro foi aprimeira experiência financiada pelo Banco Mundial que incorporou uma dimensão de sustentabilidade ambiental.Para uma análise do Planafloro, seus impactos e o discurso ambiental do Banco Mundial ver BIZZO (1999).

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aprofundar objetivos geopolíticos de ocupação, que já estavam presentes na política anterior

implementada pela SPVEA.

Como já dissemos, na década de 1970, os objetivos de ocupação e integração física da

região amazônica se tornaram prioritários, a Amazônia passou a ser reconhecida como uma “fronteira

de recursos” (MAHAR, 1978a) e o desenvolvimento da região passou a ser um capítulo dos Planos

Nacionais de Desenvolvimento (PNDs). O Plano de Desenvolvimento da Amazônia - PDAm

(BRASIL.MINTER. SUDAM, 1971a) detalhou para a região as linhas centrais do I PND para o

período 1972-1974, mas as grandes decisões referentes à Amazônia, inclusive os recursos para os

investimentos, estavam contidas no PIN/Proterra, fora da alçada da SUDAM. De acordo com MAHAR

(1978a, p. 30; 1978b, p. 25), tal como o I Plano Qüinqüenal da SPVEA, o primeiro plano da SUDAM

também tinha objetivos e metas muito amplos e baixa capacidade de implementação, especialmente

devido à dependência financeira e administrativa de entidades fora do controle da SUDAM.

Da mesma forma, o Programa de Ação do Governo para a Amazônia era um detalhamento

do II PND (1975-1979). Este, por sua vez, tinha objetivos claros em relação à manutenção das altas

taxas de crescimento do PIB através do aumento da participação do setor de comércio exterior. O

Modelo Amazônico de Desenvolvimento, estabelecido no II PND, foi definido como de “crescimento

desequilibrado corrigido”. Desequilibrado porque privilegiava setores e produtos (mineração, extração

de madeira, pecuária, pesca empresarial, lavouras selecionadas, indústrias eletrolíticas e eletroquímicas)

dotados de vantagens comparativas; e corrigido, porque nele se inseriam correções e complementações

que visavam permitir que a região usufruísse das vantagens que cederia ao país e ao exterior

(BRASIL.SUDAM, s/d: esquema 5.2).

Já nos primeiros anos da década de 1970, com a criação do criação do PIN e Proterra,

a SUDAM foi perdendo recursos. À medida que os grandes projetos deslancharam e outros

programas de desenvolvimento foram criados7, a superintendência foi perdendo força política e

executiva como agência de desenvolvimento no sentido amplo, já que os novos padrões de

planejamento e regionalização excluíram da pauta do desenvolvimento o planejamento regional

tradicional. Nas décadas de 1980 e 1990, a SUDAM sofreu um longo processo de esvaziamento.

Tal como ocorreu com a SUDENE no Nordeste, e considerando as observações de VAINER e

ARAÚJO (1992), a partir da análise de OLIVEIRA (1987), pode-se dizer que o esvaziamento da

SUDAM ocorreu, porque ela também cumpriu o papel histórico de preparar a região amazônica

7 Programas como o Polamazônia, Polocentro e Polonoroeste que, conforme aponta KOWARICK (1995, p. 54),constituíam os três programas da Amazônia Legal que “abriram mais caminhos para o ‘desenvolvimento’ dolatifúndio e do capital nacional e internacional, à custa de recursos internacionais, através do Banco Interamericanode Desenvolvimento, do Banco Mundial etc.”

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para integração subordinada no processo de valorização internacional do capital. A subordinação

do espaço regional, através do enquadramento na divisão regional do trabalho, significava a

dissolução da região como singularidade no processo hegemônico de acumulação. Como já foi dito,

a valorização do capital no espaço regional passou a se realizar através do enfoque setorial que

buscava a apropriação de recursos específicos ao largo do território.

Envolvida em escândalos de corrupção e desvios de recursos da ordem de mais de R$

1,5 bilhões, a SUDAM foi extinta e substituída, através da Medida Provisória no 2.157-5, de 24 de

agosto de 2001, pela Agência de Desenvolvimento da Amazônia (ADA). Em janeiro de 2007, cumprindo

uma promessa política feita em 2003, o presidente Luís Inácio Lula da Silva sancionou a Lei

Complementar no 124, de 03 de janeiro de 2007, (re)instituindo a superintendência. A eficácia política

e institucional da “nova” agência, bem como sua legitimidade como impulsionadora do desenvolvimento

regional, vai depender dos rumos futuros da política de desenvolvimento do governo e das articulações

políticas regionais que sustentarão a nova SUDAM.

5.1.2 Que energia para qual desenvolvimento?

Em 1968, o Brasil tinha uma capacidade instalada de cerca de 8.800 MW, enquanto

havia inexpressivos 150 MW na região Amazônica, sendo que Belém concentrava 80 MW e Manaus

22.5 MW nominais. O déficit de energia na Amazônia era de 39,7% em relação ao indicador nacional

de 400 kwh/hab (BRASIL/SUDAM, 1972).

Uma reivindicação importante para as regiões Norte e Nordeste era a interligação dos

dois sistemas energéticos, cujo ideal técnico e político poderia se concretizar a partir da localização

estratégica da UHE Boa Esperança no rio Parnaíba, entre o Piauí e o Maranhão – de onde se pretendia

levar a energia até a região Bragantina no Pará – que, conjugado ao aproveitamento de Gurupi (PA),

poderia chegar até Belém, interligando definitivamente as duas regiões:

Boa Esperança, com sua usina situada a meio-norte, e[ra] o centro de dois braços e porisso, reu[nia] condições ideais para conseguir concretizar a meta técnica da interligaçãodos sistemas energéticos do Norte e Nordeste e destes com os do Centro-Sul e, atravésda unificação dos sistemas, dar uma contribuição para a interligação das civilizaçõesdas diferentes regiões (FOLHA DE SÃO PAULO, 1967).

8 Havia também quem defendesse a energia termonuclear como opção à construção das hidrelétricas. Ver intervenção

do deputado Flores Soares ao discurso do deputados Gabriel Hermes, segundo o qual estaríamos “em plena era daenergia nuclear” (CÂMARA DOS DEPUTADOS/ HERMES, 1968). Mais uma vez, a questão central era a“modernidade” da nova tecnologia e nada tinha a ver com as reais perspectivas de exploração de fontes energéticasviáveis econômica e socialmente para a região.

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A interligação poderia representar o rompimento das fronteiras do isolamento e, por

conseguinte, do subdesenvolvimento das duas regiões.

Políticos e industriais locais reclamavam que “a Eletrobrás não tinha chegado à Amazônia”

e que os planos oficiais do governo no campo energético, especialmente a construção de hidrelétricas8,

excluíam a região. De acordo com Hermes9:

Os apelos das entidades de classes amazônicas, da Federação das Indústrias do Pará,do Governo Paraense, para que ou faça ou dê recursos para estudos do Rio Tocantinsque na Cachoeira da Itaboca, oferece de um a três milhões de KW e no Rio Gurupi, cercade 200 mil KW, tudo próximo de Belém, infelizmente não são ouvidos.Não se aproveita o Tocantins, autêntico rio da unidade nacional. (...)Mas não se compreende que, pelo menos para a ponta principal da região amazônica, acidade de Belém, com seus 600 mil habitantes e com suas redondezas numa área deapenas 13 mil quilômetros quadrados até alcançar a cachoeira da Itaboca, no RioTocantins, nesses 13 mil quilômetros quadrados onde estão concentrados grandesmananciais aproveitáveis, não haja recursos para estudar o Tocantins e o Gurupi, nemverbas previstas para dar energia elétrica ao Pará. Sabe-se que a região irá parar dentrode um ano sem nenhuma possibilidade de desenvolvimento. Como então tomar possedessa área? Como então pensar em fazê-la crescer? Como fazê-la integrar-se no Brasil?(CÂMARA DOS DEPUTADOS. HERMES, 1968, grifos no original).

A crítica se dirigia especificamente às idéias que associavam desenvolvimento e energia e

desenvolvimento e integração/posse territorial, presentes nos planos governamentais federais.

Enquanto nos anos 1960 a Amazônia parecia esquecida nos planos de expansão do Setor

Elétrico, a descoberta e confirmação de reservas minerais e a perspectiva de exploração em grande

escala instigou o planejamento de mega-estruturas de transporte e energia. Foram divulgados planos

de represamento do Amazonas e a formação de uma série de Grandes Lagos, defendidos por um

grupo de americanos do Instituto Hudson10, que revelaram o interesse internacional, especialmente

norte-americano, nas riquezas amazônicas. O projeto do instituto previa a construção de várias barragens

nos rios amazônicos, formando lagos artificiais que propiciariam uma vasta rede de navegação fluvial e

energia para a exploração de recursos naturais em toda a região11. De acordo com o geógrafo Orlando

9 Como político paraense, o deputado e depois senador Gabriel Hermes tornou-se porta-voz e veículo das reivindicaçõese encaminhamento de propostas das classes empresariais amazônicas, especialmente as Classes Empresariais Paraenses,como se pode ver nos seus discursos no senado, publicados no DCN2 de 31/03/1979, p. 555, de 27/11/1979, p. 6366, de24/09/1980, p. 4841 e de 05/12/1984, p. 4892.10 A primeira referência a atuação do Instituto Hudson, um escritório privado de planejamento e desenvolvimentode Nova Iorque, apareceu no artigo “Roads start to tame Brazil’s Green Hell” da revista Business Week em setembrode 1966, a partir de então, o instituto começou a divulgar a idéia e se aproximar de técnicos e autoridades brasileiras(LOPES, 1968).11 O sistema de lagos artificiais sul-americanos do Instituto Hudson previa a construção de seis lagos: Chocó naColômbia (energia, navegação interna e inter-oceânica); Caquetá entre a Colômbia e o Brasil (energia, transporte,pesca e exploração de madeira); Cassiquiara para a ligação entre o Orenoco e o Amazonas através do rio Negro;Pucalpa entre o Brasil e o Peru (abertura das terras altas entre os dois países); Mato Grosso entre o Brasil e aBolívia (ligação fluvial desde Belém no Pará até Buenos Aires na Argentina); Amazonas o maior de todos (transporte,energia e exploração de recursos naturais) (PAIVA, 1971).

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Valverde12, o instituto pretendia açambarcar toda a Amazônia (não apenas a parte brasileira) e a

totalidade dos seus recursos, através dos projetos (VALVERDE, 1992). O engenheiro brasileiro Eudes

Prado Lopes reivindicou para si a autoria do projeto de construção da gigantesca barragem em Óbidos

no médio Amazonas13. O projeto foi apresentado em dezembro de 1965, à comissão organizadora da

SUDAM (que estava ainda em formação) e na opinião do engenheiro, poderia ser construída com os

recursos e de acordo com as conveniências do governo brasileiro. O projeto teve como base estudos

de prospecção sísmica realizados para a Petrobrás. A barragem represaria e inundaria todo o médio

Amazonas, formando um lago maior do que o Acre. O custo seria de 1,5 bilhões de dólares, para

gerar 70 milhões de KW. Cidades como Itacoatiara, Maués e Parintins seriam totalmente inundadas

(na cota de 50m), além de parte das cidades de Manaus, Óbidos e Oriximiná, cujas perdas territoriais

dependeriam “de um estudo comparativo entre as vantagens de obter centenas de quilômetros de

estradas líquidas permanentes, acrescidas de milhares de KW de potência, e as desvantagens da

perda de edificações (...)” (LOPES, 1968). Não havia qualquer consideração pelo fato de essas

cidades constituírem núcleos de assentamentos humanos que remontam em alguns casos a datas

anteriores ao século XVIII e que faziam parte da história amazônica. Muito menos em relação à

questão da destruição do meio ambiente e os efeitos sobre as populações indígenas e ribeirinhas, já

que esta não era uma preocupação da época. Ao contrário, o fato de haver baixa densidade demográfica

(especialmente de populações não autóctones) e núcleos pouco populosos era visto como uma vantagem

em favor da construção. Mais uma vez se coloca a questão de perdas puramente materiais e

intercambiáveis entre si, sem qualquer consideração sociocultural, traços típicos do planejamento das

obras de grande porte na época14.

Dentre os benefícios para o desenvolvimento da região advindos da construção da barragem

elencados pelo engenheiro Eudes Prado Lopes, estavam: i) a regularização do rio; ii) a transformação

de áreas de inundação periódica em permanentemente agricultáveis e pastos para o desenvolvimento

da pecuária; iii) energia e transporte abundantes para a exploração de jazidas minerais; iv) criação de

“vias líquidas de penetração” até pontos distantes onde se localizavam as maiores reservas de recursos

12 O geógrafo Orlando Valverde fundou a Campanha Nacional de Defesa e pelo Desenvolvimento da Amazônia (CNDDA)em 1967 para se opor ao projeto dos grandes lagos (que foi considerado técnica e economicamente fraco) e defender aAmazônia de ações predatórias tanto do governo, quanto do capital privado.13 O projeto gerou palestras e entrevistas em jornais e revistas. Em 14/02/1966 foi proferida uma palestra no Clubede Engenharia, que deu origem ao texto publicado na Revista Brasileira de Política Internacional sob o título “Umasolução global para o problema do Amazonas” (LOPES, 1968).14 Apesar de não ser um tema da época, ao analisar o plano de construção do grande lago amazônico, PAIVA (1971),concluiu que os inconvenientes do lago seriam enormes, sendo os mais graves os danos ecológicos que nenhumgoverno seria capaz de assumir, sem contar o deslocamento de populações na área de inundação da represa.

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florestais; v) saneamento da região, com possibilidade de erradicação da malária, tal como teria

acontecido com as barragens da TVA nos Estados Unidos15; e vi) o abastecimento energético da

maioria dos centros mais populosos da Amazônia como Manaus, Macapá, Santarém, Óbidos, Oriximiná

e Alenquer, que estavam situados num raio de transmissão inferior ao transporte máximo da hidrelétrica

do São Francisco, entre Paulo Afonso e Fortaleza. Belém, a 790 Km de distância da barragem,

também poderia ser beneficiada e os dois centros energéticos situados em Óbidos e Paulo Afonso

garantiriam por muitos anos o abastecimento em larga escala das regiões Nordeste e Norte.

Houve muitos protestos de grupos nacionais que encaravam a proposta dos Grandes

Lagos como “entreguista” e voltada para a “internacionalização da Amazônia”16, especialmente quando

foi revelada a aquisição de vastas áreas de terra por grupos estrangeiros (MAHAR, 1978, p. 32;

OLIVEIRA, 1988, p. 41-60). A oposição ao instituto e seus projetos desencadeou uma campanha

nacionalista em defesa da Amazônia e da posse brasileira sobre o território e seus recursos17. O

nacionalismo desenvolvimentista chegou ao planejamento regional sob a tríade segurança, integração e

ocupação, já esboçados na concepção da SPVEA, mas com tintas muito mais fortes tanto na defesa

das fronteiras, quanto na ocupação dos “vazios” da região.

5.1.3 As ações concretas da SUDAM na área de energia elétrica

Para incorporar a Amazônia ao processo de desenvolvimento do país, como propunha o

I PND (1972-1974), a SUDAM priorizou quatro linhas de ação na região: i) a promoção do

conhecimento das potencialidades dos recursos naturais; ii) o desenvolvimento da economia; iii) a

formação de recursos humanos; e iv) o estabelecimento da infra-estrutura sócio-econômica compatível

com as necessidades da região e com as metas governamentais.

A superintendência admitia que o baixo consumo dos centros mais populosos não permitia

o investimento em sistemas hidrelétricos. A despeito disso, estabeleceu como uma de suas principais

diretrizes o prosseguimento dos estudos visando o aproveitamento hidrelétrico dos rios da região e

definiu como prioridade a ampliação dos sistemas de energia elétrica, especialmente o aumento da

15 Não havia a experiência mais recente de propagação dos mosquitos com a construção de barragens em áreastropicais, como nos casos dos reservatórios de Samuel e Tucuruí.16 Ver discursos dos senadores Álvaro Maia (ARENA-AM), Arthur Virgílio (MDB-AM) e Edmundo Levi (MDB-AM), publicados respectivamente no Diário do Congresso Nacional 2, nos dias 06/03/1968 (p. 546), 23/01/1968 (p. 76) e05/03/1968 (p. 364). Todos criticaram os planos do Instituto Hudson e ainda ressaltaram a intenção norte-americana deinternacionalizar a Amazônia, a fim de se apropriar das riquezas da região.17 O livro “A Amazônia e a Cobiça Internacional” de Arthur Cézar Ferreira Reis (primeiro presidente da SPVEA),publicado anos antes, serviu como inspiração para ações nacionalistas. No livro, o autor analisou o processo históricodo interesse internacional pela Amazônia, ao qual chamou de “cobiça” (REIS, 1960).

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capacidade instalada e a ampliação e melhoria da rede de distribuição nas principais capitais e

cidades do interior. Os investimentos de maior vulto nos sistemas isolados só ocorreriam quando

estes estivessem associados a programas específicos ou pólos de desenvolvimento e se o transporte

implicasse em linhas de transmissão relativamente curtas (BRASIL. SUDAM, 1967, p. 241). A

superintendência reconhecia também que a aplicação da política de incentivos fiscais, ao favorecer

a implantação de indústrias, estimularia o crescimento da demanda energética. Por esta razão, os

incentivos foram estendidos ao Setor Elétrico para a implantação de novas usinas e/ou ampliação

das redes de distribuição. O objetivo era melhorar e ampliar os sistemas elétricos na região, com o

estímulo à participação privada no programa energético. A SUDAM também incluiu em seu programa

energético a realização de pesquisas de prospeção de petróleo próximo à foz do Amazonas e em áreas

do médio Amazonas.

O diagnóstico do setor de energia, feito pela SUDAM em 1970 (BRASIL. MINTER.

SUDAM, 1971b), constatou que o Acre atingiria até o fim de 1972, uma potência instalada de

11.100 KW, suficientes para suprir o consumo previsto de 7.000 KW. No Amazonas, a capacidade

instalada deveria chegar a 90.000 KW, mas a cidade de Manaus estava estrangulada, sendo

necessário ampliar seu parque gerador. Em Roraima, a potência instalada de 3.060 KW era suficiente,

pois o consumo era inferior à oferta. No Pará, o maior consumo estava concentrado na região

metropolitana de Belém e até 1974 o estado deveria alcançar uma potência de 200.000 KW. No

Amapá, era necessário assegurar a continuidade das obras para a construção da usina hidrelétrica

de Coaracy Nunes que garantiria energia até 1985.

Efetivamente, a SUDAM deu continuidade às atividades que vinham sendo desenvolvidas

pela SPVEA para a melhoria dos sistemas elétricos: i) ampliação da capacidade de Belém em mais

50.000 KW até 1973 – UTE Tapanã I; ii) instalação de uma termelétrica a vapor de 36.000 KW

em Manaus, inaugurada em 15/11/1973 e uma 2a etapa com mais 25.000 KW para operar em

1975; iii) continuação da construção do aproveitamento da Cachoeira do Paredão no Amapá (UHE

Coaracy Nunes), com previsão de inauguração da 1a etapa em 1976; iv) continuação do

aproveitamento da Cachoeira do Palhão no Pará (UHE Curuá-Una), com previsão da inauguração

da 1a etapa até 1973; e v) conclusão da usina hidrelétrica do rio Casca III no Mato Grosso (8.200

KW), inaugurada em 1971.

A usina diesel de Rio Branco (AC) foi uma das primeiras a receberem recursos da política

de incentivos fiscais da SUDAM na Amazônia (LOPES, 1973) e a Companhia de Eletricidade do

Acre recebeu recursos para instalar unidades geradoras e redes de distribuição nas sedes dos sete

municípios do estado.

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Com a criação da Zona Franca de Manaus (ZFM)18 e a instalação do distrito industrial

para promover o desenvolvimento industrial da Amazônia Ocidental, houve necessidade de aumentar

a capacidade instalada para atender aos novos empreendimentos. Os investimentos feitos para dotar o

distrito industrial de infra-estrutura energética elevaram a capacidade disponível em Manaus, que era

de 22.500 KW em 1962, para 87.993 KW com a inauguração da usina número 2 do Mauazinho, em

31 de dezembro de 1973.

A diversificação da infra-estrutura energética, com a instalação de usinas hidrelétricas,

que era a principal reivindicação regional, dependia, no entanto, do nível do desenvolvimento de cada

área, que permitiria ou não a realização dos investimentos em função do mercado consumidor. Algumas

possibilidades de aproveitamento hidrelétrico estavam colocadas em discussão, no início dos anos

1970, mas não havia comprometimento da SUDAM com nenhum empreendimento, além daqueles já

mencionados. Os aproveitamentos mais “cotados” eram Itaboca no rio Tocantins, Alonsos no rio

Mucajaí e Samuel no rio Jamari (LOPES, 1973).

O II PND (1975-1979) propôs uma configuração definitiva do perfil industrial brasileiro,

centrado nas indústrias de bens de produção que passaram a liderar a expansão industrial e dar sentido

à sua dinâmica (LESSA, 1978). O crescimento acelerado só seria possível com a oferta compatível de

energia. Desta maneira, o II PND reforçou o papel do Setor Elétrico, especialmente de sua empresa

holding (Eletrobrás) e subsidiárias regionais no planejamento e desenvolvimento do país.

Com a crise energética mundial19, a política energética se tornou “peça decisiva da estratégia

nacional”, pois o país importava 2/3 do petróleo consumido, que respondia por 48% da energia

18 A Zona Franca de Manaus foi instalada pelo Decreto-Lei no 288, de 28/02/1967 e teve origem na Lei no 3.173, de 06/06/1957, de autoria do deputado Pereira da Silva. Foi estabelecida uma área de livre comércio de importação e exportaçãoe de incentivos fiscais a fim de criar um centro agro-industrial e comercial que permitisse o desenvolvimento daAmazônia Ocidental. O mesmo decreto-lei criou a SUFRAMA (Superintendência da Zona Franca de Manaus) que seencarregou da instalação do distrito industrial da ZFM com 10.000 km2 de área, dotado de infra-estrutura para asindústrias como energia elétrica, água, esgotos e pavimentação, no setor leste da cidade de Manaus. Posteriormenteos incentivos da ZFM foram estendidos à toda a Amazônia Ocidental (Decreto-Lei no 356, de 15/08/1967).19 Até o início dos anos 1970, a indústria mundial era totalmente baseada no petróleo, que era um combustível barato eprofundamente arraigado no processo tecnológico de produção industrial. A crise energética decorreu basicamente daopção por um modelo de sistema produtivo assentado em um tipo de fonte energética – o petróleo – que se tornarahegemônica no mundo. A primeira crise do petróleo, em 1973 (quando os países árabes embargaram o envio destecombustível aos EUA), modificou profundamente as relações de poder entre os países consumidores e produtores depetróleo e as empresas multinacionais. O aumento brutal no preço do petróleo ocasionou uma transferência imediata derenda dos países consumidores para os países produtores e determinou a necessidade de adotar medidas para alterar amatriz energética nacional. Quando o segundo choque do petróleo aconteceu em 1979, o Brasil estava se preparandopara modificar sua matriz (II PND), mas a crise o afetou profundamente, o que agravou a crise econômica na qual o paísmergulhou na década de 1980.

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utilizada20. Além de reduzir a dependência em relação às fontes externas, através da substituição e/ou

redução do consumo de derivados de petróleo, o país deveria “afirmar o seu poder de competição em

indústrias altamente intensivas em energia elétrica, inclusive para exportação (a exemplo do alumínio),

tendo em vista tirar proveito dos seus amplos recursos em hidroeletricidade” (BRASIL.[II PND],

1974a, p. 17). Com base nestes princípios, foram estabelecidas as seguintes diretrizes para a política

energética: i) redução da dependência das fontes externas; ii) desenvolvimento da hidreletricidade; iii)

aumento da capacidade instalada de energia elétrica; iv) desenvolvimento e exploração do carvão

nacional para o uso na indústria; v) busca de fontes alternativas de energia e; vi) desenvolvimento de

um programa nuclear (BRASIL.[II PND], 1974a, p. 84-85).

As políticas de industrialização e energia tornaram-se, então, o núcleo central da estratégia

governamental, que apontava a construção de novas plantas industriais e energéticas (LESSA, 1978,

p. 8), com importantes implicações espaciais:

Dada a natureza da localização das indústrias básicas – orientada pela presença derecursos naturais e pelos nós de transporte – e dada a localização das fontes energéticasincorporáveis, em sua maioria os projetos vedetes do II PND localizar-se-iam nas regiõesperiféricas da economia brasileira (LESSA, 1978, p. 11).

Desta forma, o Estado intensificou o processo de incorporação dos recursos das regiões

periféricas, focalizando na Amazônia empreendimentos agropecuários, energéticos e mínero-

metalúrgicos. O Estado se responsabilizou por fortalecer a empresa privada nacional (BRASIL.[II

PND], 1974a, p. 37) e, ao mesmo tempo, abrir o mercado nacional ao capital multinacional, em troca

de aporte tecnológico e conexões comerciais externas, já que o fortalecimento tecnológico da empresa

nacional era fundamental para a estratégia da Nação-Potência (LESSA, 1978, p. 23) que projetou a

euforia do “milagre brasileiro”.

Apesar de julgar que a Amazônia tinha um “ilimitado potencial produtivo”, o II PND

também considerava que o mercado interno limitado não comportava uma industrialização voltada

para a própria região. Por esta razão, o desenvolvimento deveria se dar com base no abastecimento

do mercado nacional e internacional, por meio da exploração de vantagens comparativas em custo e

qualidade. A Amazônia passaria, então, a desempenhar um duplo papel na economia nacional: formação

de receita cambial com as exportações provenientes dos complexos mínero-metalúrgicos e fornecimento

de produtos primários para o mercado nacional. A “fronteira tropical”, ou seja, a fronteira de recursos

20 As discussões sobre a crise tomaram conotações geopolíticas no I Congresso Brasileiro de Energia. O discursodo então senador Cesar Cals, presidente de honra do Congresso, enfatizou este aspecto ao afirmar: “(...) Asrelações entre as nações vão fugir do pólo econômico para o pólo energético; vai valer, realmente, no mundo, quemtenha energia e disponha de autonomia energética.” (REVISTA DO CLUBE DE ENGENHARIA, 1979, p. 8)

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amazônicos, contribuiria para gerar divisas através da exportação, além de produzir insumos básicos

para o Centro-Sul na política de substituição de importações. A energia elétrica amazônica, neste

sentido, contribuiria para viabilizar a redução da dependência dos combustíveis fósseis, para propiciar

a instalação de indústrias eletrointensivas e as exportações de seus produtos e para ajudar a alimentar

o sistema elétrico do Nordeste e do Centro-Sul desenvolvido:

O aproveitamento dos recursos hídricos não se dará apenas a nível regional, masdeverá envolver também volumosas exportações de energia para a região Centro-Sul. No âmbito da Amazônia Legal, a hidreletricidade, além de fonte de energia,poderá servir de matéria-prima para uma ampla gama de indústrias eletrotérmicase eletrolíticas, viabilizando a transformação industrial na região de uma série de bensminerais, que, de outra forma (isto é, se não houvesse ampla disponibilidade de energiaelétrica) seriam exportados in natura, ou nem sequer explorados economicamente. Essaagregação de valor é importante do ponto de vista regional, na medida em que gerarenda e empregos, e do ponto de vista nacional, ao elevar substancialmente o quantumda receita cambial (BRASIL. SUDAM, 1976, p. 50, grifos simples no original; grifosnossos em negrito).

Como será mostrado, o conhecimento recém-adquirido com base nos estudos realizados

pelo ENERAM e continuados pela Eletronorte, sobre a abundância de recursos hidroenergéticos e a

efetiva capacidade de explorá-los, permitiu incluir as indústrias eletrointensivas no rol daquelas viáveis

do ponto de vista das vantagens comparativas, entre os setores privilegiados pelo modelo amazônico

de desenvolvimento preconizado no II PND.

O III PND (1980-1985) enfatizou os programas de substituição dos derivados de petróleo

por carvão e álcool, o desenvolvimento da energia nuclear e o desestímulo, via preços, da utilização de

fontes de energia primária importada, assim como a execução de projetos voltados para o aumento da

capacidade de geração hidrelétrica (BRASIL. Presidência da República, [III PND], 1980, p. 62-63).

A política energética do II PND foi aprofundada, na medida em que o governo assumiu a construção

da usina hidrelétrica de Tucuruí, implementou uma política de incentivos tarifários para as indústrias

eletrointensivas, através da concessão da redução de preços da energia elétrica, e assumiu a infra-

estrutura dos projetos mínero-metalúrgicos na Amazônia. A partir de então, o processo de implantação

dos grandes projetos setoriais se intensificou, dentre os quais a UHE Tucuruí, os projeto de produção

de alumina – alumínio e os projetos de exploração do minério de ferro de Carajás.

5.1.4 Do estudo dos mini-aproveitamentos hidrelétricos nos anos 1970 às PCHs dos anos1990

Com a decisão política de aumentar a participação das hidreletricidade na matriz

energética nacional e, por conseguinte, na matriz energética regional, o governo decidiu patrocinar

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estudos visando o aproveitamento de pequenos potenciais de baixa queda, a partir de 500 KW, a

fim de substituir a geração térmica. O II PND destinou CR$ 2.000.000 para a realização de estudos

que visavam o aproveitamento energético dos rios próximos aos mercados isolados e que

apresentavam baixo nível de consumo, especialmente os que eram atendidos por unidades a óleo

diesel, tendo em vista a necessidade de substituir os combustíveis derivados de petróleo devido ao

seu alto preço e dificuldades de abastecimento. A coordenação dos estudos, a serem concluídos até

1977, ficou a cargo da SUDAM e Eletronorte (BRASIL. MINTER. SUDAM, s/d), tendo sido

selecionadas localidades próximas aos pólos da Transamazônica.

Na Amazônia, devido à baixa declividade do relevo regional, tornou-se necessário produzir

estudos que permitissem a realização de aproveitamentos de baixa queda, cujas usinas apresentavam

peculiaridades em relação aos equipamentos eletromecânicos e à tecnologia então dominada no país.

Os aproveitamentos de baixa queda, em geral mais caros21, envolveriam não apenas empreendimentos

de pequeno porte, mas também os de grande porte, devido à topografia e hidrografia locais, com

grandes rios e relevo suave. A Eletrobrás, através da Assessoria para Assuntos de Fontes não

Convencionais de Energia Elétrica e o MME firmaram convênio com a CELETRAMAZON e a CERON

para realização de estudos de usinas de baixa queda e levantamento de pequenos potenciais

aproveitáveis para o suprimento de determinadas localidades. O convênio tinha também o objetivo

de desenvolver uma capacidade técnica regional para a realização de projetos desta natureza, com

aprimoramento de práticas de projeto, construção e operação de pequenas usinas de baixa queda,

localizadas em regiões remotas. Uma das preocupações técnicas era a necessidade de testar materiais

não convencionais que reduzissem os custos de execução das obras civis (barragens e vertedouros),

pois havia escassez de agregados para a produção de concreto (pedras), o que poderia elevar os

custos. Os três tipos de turbinas mais comuns para este tipo de instalação – bulbo, tubular e periférico

– estavam sendo estudados pelos técnicos para determinar quais os que melhor se adaptariam às

condições amazônicas, “com real transferência de tecnologia” (ELETROBRÁS, 1978) para o

desenvolvimento de uma capacidade técnica regional.

No estado do Amazonas, os estudos concluídos em 1978, identificaram 26 localidades,

das quais 16 para estudos mais avançados visando definir aquelas que poderiam ser construídas.

Posteriormente, o número foi reduzido e os estudos avançados foram feitos em 6 localidades e concluídos

em 1979. Foram selecionados os aproveitamentos de Humaitá, de 2.730 KW, e Eirunepé, com 3.528

KW para a instalação de unidades-piloto. O convênio para a construção foi assinado em 01 de fevereiro

21 O encarecimento dos derivados do petróleo, no entanto, havia alterado os critérios de viabilidade dosempreendimentos.

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de 1980 entre Eletrobrás/MME, responsáveis pelo apoio técnico e fornecimento de diretrizes para os

projetos, CELETRAMAZON, responsável pela execução dos projetos, e Companhia Auxiliar de

Empresas Elétricas Brasileiras (CAEEB)22, encarregada da aquisição e transporte dos equipamentos e

apoio técnico. O convênio com a CERON identificou preliminarmente 12 localidades, reduzidas para

6 a fim de que fossem realizados estudos avançados para definir as que poderiam ser construídas.

Apesar dos estudos realizados, nenhum empreendimento foi concretizado.

Em dezembro de 1986, foi inaugurada uma pequena central hidrelétrica (PCH) construída

pela iniciativa privada em Vilhena (RO), no rio Vermelho, com potência de 2.600 KW (DIAS, 1988, p.

277), mas ficou pouco tempo em operação, pois em fevereiro de 1999 o canal de adução rompeu.

Desde o final dos anos 1980, a fim de reduzir os riscos de déficits energéticos, o governo federal vinha

incentivando a participação da iniciativa privada, na produção de energia elétrica através do estímulo à

auto-suficiência energética de grandes consumidores industriais (BRASIL. DNAEE, 1989). Este estímulo

à autoprodução privada acabou contribuindo para a proliferação de PCHs tanto privadas quanto públicas.

Em Rondônia, as unidades se concentraram especialmente no sul do estado. Em maio de 1992, começaram

a operar as PCHs Castaman I, II e III (4.330 KW), no rio Enganado, outorgadas a Adelino Castaman

em 26 de março de 199123. A PCH Cassol começou a operar, em junho de 1993, no município de Alta

Floresta com 3.200 KW. Na segunda metade da década, foram instaladas mais cinco PCHs: Cabixi com

2.400 KW (janeiro/95) no rio Cabixi, Ruttmann com 630 KW (fevereiro/96), Cachoeira com 10.000

KW (março/97) no rio Ávila, Alta Floresta com 5.000 KW (novembro/98) no rio Branco e Altoé com

1.103 KW (Julho/99) no rio São João I.

Com a criação do Estado do Tocantins, em 1988, as atividades de construção civil,

instalação de aparatos de governo (secretarias e instituições públicas), de indústrias e comércio, além

da atração de fluxos populacionais, provocaram importante aumento da demanda energética. No

mesmo ano da criação do estado, foi criada a empresa Concessionária de Energia Elétrica do Estado

do Tocantins - CELTINS, que herdou da CELG, concessionária que atuava na área do novo estado,

a estrutura de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica24. A maior parte do parque gerador

22 Empresa que centralizava a administração das concessionárias do grupo norte-americano Amforp. Com a aquisiçãodos bens da Amforp pela Eletrobrás em 1964, a CAEEB passou à jurisdição do MME e começou a prestar serviçosde contabilidade, auditoria, assistência jurídica e outros às subsidiárias da Eletrobrás (DIAS, 1988, p. 199).23 Com a constituição da Castaman Centrais Elétricas Ltda., o regime de exploração das centrais passou deautoprodução para produção independente (Resolução ANEEL no 371, de 29/07/2003).24 Em setembro de 1989, com cerca de um ano de existência, a CELTINS foi privatizada e o controle acionário passoupara o Grupo Rede, que já era o maior acionista da concessionária Caiuá, que atuava nas cidades de PresidentePrudente e Tupã.

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era composto por nove PCHs localizadas nas regiões sudeste , sudoeste e norte do estado25. “Algumas

estavam praticamente desativadas, outras com seus sistemas de maquinários e de transmissão precários

e com baixa capacidade de geração e transporte de energia elétrica” (ARAÚJO, 2003, p. 18). Mas a

maior parte da energia consumida no estado era oriunda de Tucuruí. Após a entrada em operação da

usina hidrelétrica de Serra da Mesa em 1998, boa parte da energia passou a ser fornecida por esta

usina (ARAÚJO, 2003, p. 133). Nos anos 1990, a CELTINS investiu na construção de novas PCHs,

repotenciação das existentes26 e na ampliação dos sistemas de distribuição.

5.2 O PLANEJAMENTO SETORIAL E AS MUDANÇAS NO PADRÃO DOSEMPREENDIMENTOS HIDRELÉTRICOS

Em 1963, com o suporte financeiro da ONU e do Banco Mundial foi constituído um

consórcio formado pelas empresas canadenses Montreal Engineering Consultant Limited e Crippen

Engineering e a norte-americana Gibbs & Hill, que deu origem à Canambra Engineering Consultant

Limited e iniciou estudos hidroenergéticos para inventariar os aproveitamentos hidrelétricos da região

Centro-Sul do país27. O projeto teve a participação de técnicos do Grupo Eletrobrás e, posteriormente,

os estudos foram ampliados para todas a regiões do país: o Comitê Coordenador dos Estudos

Energéticos da Região Sul – ENERSUL (1969); o Comitê Coordenador dos Estudos Energéticos da

Amazônia – ENERAM (1972); e o Comitê Coordenador dos Estudos Energéticos da Região Nordeste

– ENENORDE (1973). Com a base institucional consolidada pela criação do MME e da Eletrobrás

e a realização dos estudos do potencial hidráulico, o planejamento no nível empresarial ou dos sistemas28

que vinha sendo praticado até a metade do século XX, foi substituído por uma perspectiva de suprimento

regional de energia, por meio do planejamento nacional centralizado. Em 1966, o MME dividiu o país

em quatro regiões eletro-econômicas (BRASIL.MME, 1967):

25 Isamu Ikeda I, no rio das Balsas (19,0 MVA) que atendia às localidades de Monte do Carmo e Ponte Alta.; Lajes,no Ribeirão Corda (2,8 MVA), que atendia à localidade de Xambioá; Lajeadinho no rio Lajeado (2,2 MVA), que atendia àlocalidade de Tocantínia; Taguatinga no rio Abreu (2,1 MVA), que atendia à localidade de Taguatinga; Corujão no rioLontra (0,7 MVA), que atendia à localidade de Araguaína; Ponte Alta do Bom; Jesus no rio Ponte Alta (0,3 MVA), queatendia à localidade de Ponte. Alta do Bom Jesus; Diacal I no rio Palmeira (0,3 MVA), que atendia à localidade deDianópolis; e Bagagem no rio Bagagem (0,2 MVA), que atendia à localidade de Natividade (ARAÚJO, 2003, p. 128).26 Isamu Ikeda II (2X6,25 MVA); Agrotrafo (2X6,34 MVA); Palmeiras (5,6 MVA); Dianópolis (6,4 MVA); Sobrado(6,4 MVA) e Dical II (3X2,1 MVA).27 A CANAMBRA apresentou dois relatórios: o primeiro, entregue em dezembro de 1963, expôs um programa deatendimento à demanda prevista até 1970 e recomendou um programa de construções até 1966, que ficou conhecidocomo Plano 70. O segundo relatório, conhecido como o Plano 80, foi apresentado em dezembro de 1966 e apontoudiretrizes para um programa de longo prazo, considerando estudos de mercado e um inventário do potencial energéticoestimado em 38.000 MW (PEITER, 1994, p. 60).28 Os sistemas elétricos mais importantes eram: Light – São Paulo; Light – Rio de Janeiro; região central de MinasGerais; Cia Paulista de Força e Luz (MG – região central e São Paulo); Cia Brasileira da Energia Elétrica de São Paulo;região Centro-Sul e Nordeste.

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i) Setor Centro-Oeste: Mato Grosso, Goiás, Rondônia e Brasília com 1.879.356 km2 ou

22,22% do território nacional, com uma potência estimada em 34 milhões de KW.

ii) Setor Nordeste: Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Alagoas,

Sergipe e Bahia com 1.540.831 km2 ou 18,25% do território nacional, com uma potência estimada em

13 milhões de KW.

iii) Setor Centro-Sul: Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Paraná com 522.071 km2 ou

6,64% do território nacional, com uma potência estimada em 20 milhões de KW.

iv) Setor Norte: Pará, Amazonas, Acre e territórios federais com 3.554.000 km2 ou 42%

do território nacional, com uma potência estimada em 36 milhões de KW.

O novo tipo de planejamento setorial sistemático, iniciado sob a coordenação da

Eletrobrás na década de 1970, passou a ser feito em três horizontes temporais: o longo, o médio e

o curto prazo, que correspondiam, respectivamente, ao tratamento das principais questões estratégicas

do suprimento de energia, à elaboração dos planos de expansão regionais e, finalmente, ao

detalhamento dos programas e obras dos primeiros cinco anos e estabelecimento dos orçamentos

plurianuais de investimento e definição de fontes de recursos. Os condicionantes do planejamento

eram basicamente a evolução do mercado consumidor, a disponibilidade de fontes energéticas

primárias, a evolução tecnológica e as fontes de recursos para o financiamento dos investimentos

(PIMENTEL, 2002, p. 292). Posteriormente, o setor passou também a considerar as condicionantes

de natureza sócio-ambiental. Foram elaborados seis planos de longo prazo entre as décadas de

1970 e 1990: Plano 90, elaborado em 1973-74; Plano 95, elaborado em 1978-79; Plano 2000, elaborado

em 1981-82; Plano 2010, elaborado em 1986-87; Plano 2015, elaborado em 1991-93, Plano 2020,

elaborado no âmbito do Programa Avança Brasil (1996-1999), e Plano 2030 (2005-2006)29.

O Plano de Expansão de Longo Prazo do Setor Elétrico - Plano 90, estabeleceu um

ambicioso programa de investimentos na expansão da geração de energia elétrica até 1979, tendo

como base projeções e índices de crescimento econômico do II PND, cujo cenário mais pessimista

previa um crescimento de 8%, enquanto o mais otimista projetava 11% ao ano. Não se tratava

apenas do aumento da capacidade instalada dos sistemas elétricos e expansão da oferta. O programa

envolveu principalmente uma mudança na escala técnica e produtiva em que o tamanho das plantas

geradoras ultrapassava os 1000 MW (CARNEIRO, 2000). Das dez maiores usinas hidrelétricas

29 O Plano Nacional de Energia 2030 - PNE 2030 começou a ser discutido em agosto de 2005, quando foi lançado oTermo de Referência pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE) em conjunto com o Ministério de Minas e Energiae a Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento Energético. Após passar por consulta pública, o Plano foi lançadopelo MME em 22/11/2006. Seus pontos mais polêmicos são a construção de usinas hidrelétricas na região Amazônica,especialmente Santo Antônio e Jirau, no rio Madeira, e a retomada do programa nuclear com a construção de Angra 3.

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programadas no período, as de menor capacidade eram Emborcação, a cargo da concessionária

estadual CEMIG, com 1000 MW e Sobradinho, a cargo da regional CHESF, com 1.050 MW. A

maior de todas, excluindo Itaipu bi-nacional (com 12.000 MW), era Tucuruí com 4.000 MW, a

cargo da Eletronorte.

Dos 30.000 MW de aumento na capacidade instalada pretendidos até os anos 1980,

22.440 MW seriam acrescidos por mega-empreendimentos com capacidade acima de 1.000 MW; o

restante basicamente se referia à operação de Itaipu. Importantes reportagens na mídia nacional neste

período30, ressaltavam a importância da “força que vinha dos rios” (MANCHETE, maio/1973) e o

desenvolvimento da engenharia nacional que garantiriam o progresso do país. Com os projetos de

grande porte distribuídos pelas diferentes regiões, as plantas geradoras assumiram uma configuração

regional, tornando-se pólos da imensa malha produtiva do setor.

As mega-hidrelétricas se tornaram o novo padrão produtivo e a base da expansão do

setor, implicando uma grande mobilização de recursos de diversas naturezas. Para a instalação dos

mega-empreendimentos foram mobilizados em todo o país grandes contingentes de mão-de-obra,

recursos logísticos e uma pesada estrutura financeira, constituída de fundos públicos e privados.

A produção em larga escala diz respeito não apenas ao aumento quantitativo da produção,

mas também à redefinição de seus pressupostos espaciais. O aumento na escala da produção,

significou igualmente a concentração espacial de fatores e a ampliação do espaço diretamente ocupado

na produção e circulação (MORAES e COSTA, 1999). Aumentaram os espaços não apenas para

a instalação de canteiros de obras, construção das barragens e respectivos reservatórios, mas também

sistemas de transmissão, subestações e vilas residenciais, tudo sob o domínio exclusivo do setor.

Esta mudança também implicou a mobilização de recursos tecnológicos como máquinas,

equipamentos e soluções técnicas específicas para cada caso. Os contratos com empreiteiras e

construtoras se tornaram os maiores da história, envolvendo cifras astronômicas, e as obras passaram

a ter um longo prazo de maturação. Do ponto de vista da estrutura organizacional do setor, o

universo das empresas geradoras se restringiu às estatais federais (controladas pela holding

Eletrobrás) e algumas poucas concessionárias estaduais, sendo que a liderança dos investimentos

foi assumida pelas federais. Dos dez maiores empreendimentos programados, sete (Tucuruí,

Sobradinho, Itaparica, Paulo Afonso IV, Itumbiara, Salto Santiago, e Ilha Grande) eram de

responsabilidade de empresas regionais federais e apenas três (Emborcação, Porto Primavera e

Foz do Areia) estavam sob a responsabilidade de concessionárias estaduais. Uma “racionalidade

30 As reportagens tinham títulos “chamativos”, como “Bacia do Paraná: os rios da energia nacional” (MANCHETE,maio/1973) e “Energia: o verdadeiro milagre brasileiro” (MANCHETE, outubro/1974).

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sistêmica” atuou no sentido de sancionar a federalização da geração, seguindo o padrão de

centralização que já ocorria no campo institucional (CARNEIRO, 2000, p. 333-334). A atuação da

Eletrobrás como “banco de financiamento setorial” contribuiu ainda mais para este processo, uma

vez que ela não apenas centralizava a captação, como também a priorização das obras e destinação

dos recursos (BURATINI, 2004). O Plano 90 também consolidou a posição da empresa holding

como “agência de planejamento” setorial (CARNEIRO, 2000, p. 331) e concretizou o modelo

centralizado de planejamento e gestão da expansão do suprimento nacional de energia elétrica.

A estratégia de construção de mega-empreendimentos hidrelétricos deu ao Setor

Elétrico amplo acesso aos espaços regionais. Com grande autonomia financeira e respaldo político,

o setor desenvolveu uma enorme capacidade de intervenção no território e nas dinâmicas sócio-

ambientais em todo o país.

Dado o comprometimento de recursos e extensão dos prazos construtivos das obras iniciadas

com o Plano 90, os planos subseqüentes (Plano 95 e Plano 2000) mantiveram as diretrizes do plano

anterior, dando continuidade e priorizando as obras iniciadas. Ao longo dos anos, alguns investimentos

não iniciados foram reprogramados e outros alterados. A despeito dos problemas e dificuldades na

execução e, principalmente, no financiamento do programa do Plano 90, a capacidade instalada nacional

saltou de 12.000 MW no início da década de 1970 para cerca de 34.200 MW no início da década de

1980, sem contar com as hidrelétricas de Itaipu e Tucuruí, ainda em construção (CARNEIRO, 2000).

5.2.1 As fontes de recursos

Para a realização dos projetos energéticos da Amazônia seriam mobilizados recursos de

múltiplas fontes: recursos orçamentários das empresas Eletronorte e Eletrobrás, do MME, das

concessionárias e governos estaduais; recursos de capital consignados nos programas PIN/Proterra31;

recursos da SUDAM; captação de recursos em moeda nacional pelo endividamento interno e oriundos

da participação de empresas industrias no uso intensivo de energia elétrica, de acordo com a Lei no 5.962

de 10/12/197332; e captação de recursos em moeda estrangeira, pelo endividamento externo.

Com o início do regime militar, tanto as fontes de recursos tarifários, como as fontes extra-

tarifárias, foram reforçadas. Foi constituído um suporte financeiro institucionalizado, sob a coordenação

31 No período 1976-78, Cr$ 75 bilhões oriundos dos programas PIN/Proterra foram alocados para o setor de energiaelétrica.32 Esta lei instituiu novas modalidades de financiamento de inversão em instalações de geração e transmissão de energiaelétrica visando: i) assegurar o aporte de capitais às concessionárias de energia elétrica e ii) evitar sobre-investimentospor parte da indústria. A lei permitia a participação financeira de indústrias em concessionárias de serviços públicos deenergia e garantia em troca o fornecimento de energia elétrica.

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da Eletrobrás, que permitiu a expansão do Setor Elétrico nos anos subseqüentes (MEDEIROS, 1993).

Mas como veremos adiante, isso não foi suficiente para sustentar todo o processo de expansão,

especialmente na Amazônia, que foi feito basicamente com endividamento externo.

Em 1967, as alíquotas do IUEE (Imposto Único sobre Energia Elétrica) criado na década

de 195033, foram elevadas e em 1969, foi ampliado o montante do empréstimo compulsório arrecadado

junto às concessionárias. Em 1971, a Lei no 5.655, de 20 de maio de 1971, estabeleceu a remuneração

das concessionárias de energia elétrica entre 10 e 12%, reduziu para 6% a alíquota de imposto de

renda e criou o aporte de recursos através da Reserva Global de Reversão34. O Decreto-Lei no 1.383,

de 26 de dezembro de 1974, instituiu a política de equalização tarifária e criou a Reserva Global de

Garantia (RGG), que visava manter o equilíbrio econômico-financeiro das empresas, cujos custos

superassem as estimativas de receita (DIAS, 1988, p. 224). A combinação da equalização tarifária

com o sistema RGG embutia um princípio de justiça social (redistributivo) ao transferir recursos das

áreas mais desenvolvidas para as menos desenvolvidas, estabelecendo a equalização dos consumidores

em termos de condições de utilização dos serviços. Por meio deste dispositivo, as empresas mais rentáveis

transferiam recursos as menos rentáveis, compensando suas insuficiências de remuneração. De acordo

com o ministro Shigeaki Ueki, a política de equalização tarifária visava também a descentralização industrial,

favorecendo a localização das indústrias (especialmente eletrointensivas) fora do eixo Rio-São Paulo e

contribuindo para reduzir os investimentos em linhas de transmissão (UEKI, 1977).

Foi criada a Conta de Consumo de Combustíveis (CCC), que permitiu às termelétricas

competirem com as hidrelétricas, já que recorrendo a essa conta, as UTEs ficavam desoneradas do

custo do combustível que consumiam35. Este sistema interno de compensações financeiras, se por um

lado serviu à política de integração dos sistemas locais e regionais de energia, por outro também

sustentou as distorções criadas pelo governo com a política de subsídios tarifários aos empreendimentos

eletrointensivos, como será mostrado mais adiante.

33 Ver referência no capítulo anterior.34 A Reserva Global de Reversão foi criada pelo Decreto no 41.019, de 26/02/1957, como fundo composto por contribuiçõesdas empresas concessionárias para a cobertura de gastos da União com reversões de concessões de serviços públicosde energia elétrica. Posteriormente, o fundo passou a ser usado não apenas para a reversão e encampação de empresasprivadas pelo setor público, como também para financiar a expansão dos serviços públicos de energia sob a administraçãoda Eletrobrás. Este fundo deveria ser extinto em 2002, mas foi prorrogado até 2010 pela Lei no 10.438, de 26/04/2002.35 A equalização tarifária foi eliminada com o início do processo de privatização na década de 1990. Já a CCC tem prazodefinido para findar-se em 2022 (Lei no 10.438, de 26/04/2002), o que poderá causar sérios problemas à economiaregional, já que os sistemas isolados de geração da região Norte são baseados e dependentes da CCC, que subsidiacerca de 60% do combustível adquirido. Uma vez findo o subsídio, o custo real do combustível elevará o custo degeração a um nível impossível de ser pago pelos pequenos consumidores. Estes sistemas englobam os estados doAmapá, Amazonas, Rondônia e Acre (no Pará também existem sistemas isolados não computados nesta conta) erespondem por 85% da capacidade total dos sistemas isolados do país BERMANN (2001).

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5.2.2 Os estudos hidroenergéticos do ENERAM e a criação da Eletronorte

Em 1968, sob a coordenação da Eletrobrás, foi criado o Comitê Coordenador dos

Estudos Energéticos da Amazônia – ENERAM (Decreto no 63.952, de 31/12/1968). O comitê

realizou os primeiros estudos hidroenergéticos sistemáticos para o aproveitamento hidrelétrico da

Amazônia. O objetivo dos estudos era investigar as possibilidades de aproveitamento hidrelétrico

para o suprimento dos sistemas existentes e os que viessem a ser criados nas áreas prioritárias e

micro-regiões, que se configurassem como pólos de desenvolvimento regional a serem criados pela

SUDAM (BRASIL.SUDAM, 1975).

Os estudos hidroenergéticos na Amazônia foram bastante limitados em relação aos estudos

semelhantes executados nas regiões Sudeste e Sul, cujos possíveis aproveitamentos eram mais próximos

dos grandes centros consumidores e concentrados nas capitais e próximos às jazidas minerais.

Compreendiam estudos de mercado de energia elétrica e levantamento das possibilidades de

aproveitamento hidrelétrico, que fossem viáveis na Amazônia até 1985, e tivessem como limite a distância

econômica de transmissão36. Foram analisados os seguintes pólos de desenvolvimento da Amazônia

(ELETROBRÁS. ENERAM, 1971, v1, p. I-2 e I-3): i) Pólos Belém e Macapá; ii) Pólos Santarém e

Monte Alegre: iii) Pólos Manaus, Tefé e Boa Vista; e iv) Pólos Porto Velho e Rio Branco.

Os estudos contemplaram projeções de mercado, pré inventários e inventários. Quatro

empresas nacionais de engenharia foram pré selecionadas pela Eletrobrás para realizar os estudos: a

Serete S/A-Engenharia ficou com as áreas de Belém e Macapá; a SPL-Serviços e Planejamento S/A

ficou com Santarém e Monte Alegre; a Hidroservice-Engenharia de Projetos Ltda ficou com Manaus,

Tefé e Boa Vista e a Sondotécnica-Engenharia de Solos S/A, ficou com a responsabilidade sobre os

estudos de Porto Velho e Rio Branco.

Como as projeções de mercado e estudos preliminares não justificavam no médio prazo

o desenvolvimento dos aproveitamentos levantados pelas empresas, o comitê recomendou que os

estudos hidroenergéticos da Amazônia fossem continuados por uma entidade especializada, subsidiária

da Eletrobrás, o que acabou resultando na constituição da Eletronorte. As conclusões do ENERAM

foram apresentadas em 1972 (ELETROBRÁS. ENERAM, 1971) e dentre as revelações contidas

nos estudos realizados se encontrava o descarte do aproveitamento do rio Gurupi, entre o Pará e o

Maranhão para o atendimento de Belém, pela sua dimensão reduzida , alto custo de construção e a

consideração das condições promissoras de aproveitamento de trechos do rio Tocantins, especialmente

36 A distância econômica de transmissão foi definida como “(...) aquela que, combinada com uma usina hidrelétrica decusto mínimo provável, compatível com o vulto máximo do aproveitamento, determinasse um custo total anual igual oumenor do que o de uma usina termelétrica alternativa” (ELETROBRÁS. ENERAM, 1971, p. III-6, v. II).

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nas corredeiras de Itaboca, cujo desnível de 63 metros era bastante favorável, e que resultaram na

realização dos Estudos Tocantins37.

Com base nas recomendações, foi elaborado um programa aprovado, em 1973, com os

recursos provenientes do PIN/Proterra, no valor total de Cr$ 250 milhões, o qual incluía estudos de

viabilidade e projetos básicos para a construção de empreendimentos nos rios Tocantins, Jamari,

Jatapu, Cotingo e Trombetas, estudos hidrológicos nos rios Tapajós e Xingu, além de usinas térmicas

em Rio Branco e Porto Velho (BRASIL. SUDAM, 1975). Em relação à bacia do Tocantins, o

ENERAM apontou a necessidade de aprofundar os estudos para o suprimento da cidade de Belém e

recomendou a construção de usinas de pequeno e médio porte, já que, apesar do potencial identificado,

não havia capacidade econômica mínima para instalar até 1985, porque o mercado consumidor da

cidade era incipiente. Apesar dessas recomendações, tendo em vista o atendimento aos requisitos dos

projetos mínero-metalúrgicos em associação com o capital internacional, o governo federal resolveu

pela implantação de empreendimentos de grande porte, decisão o que iria mudar a escala da exploração

energética e do desenvolvimento dos sistemas elétricos, estabelecendo um novo padrão de exploração

dos recursos hidrelétricos da região e na região (PEITER, 1996, p. 891).

A principal contribuição do ENERAM foi a própria revelação do potencial hidrelétrico e

das condições de realização dos empreendimentos. Um artigo publicado na revista Conjuntura Econômica

em 1972, ressalta a surpresa revelada pelo relatório preliminar do ENERAM, com a superação do

mito da falta de perspectivas hidrelétricas dos rios amazônicos:

Nos altos e médios cursos se sucedem enormes e freqüentes cachoeiras, corredeiras erápidos, dificultando a navegação, mas oferecendo perspectivas excepcionais deaproveitamentos hidrelétricos e de projetos de propósitos múltiplos. Constitui, pois,verdadeira surpresa o fato de a gigantesca bacia acumular as funções de maiorvolume de descarga líquida e sólida, maior extensão total navegável e maiorespossibilidades de aproveitamento hidráulicos integrados de todo o planeta. (...) Aconjugação de tantos e tais empreendimentos, muitos dos quais irão permitir a interligaçãoregional e inter-regional de sistemas elétricos deverá, assim, conduzir em futuro nãoremoto, a um verdadeiro boom energético na Amazônia (...) (CONJUNTURAECONÔMICA, 1972, grifos simples no original, grifos nossos em negrito).

Como foi mostrado no capítulo 2, os trechos encachoeirados dos rios, que eram vistos no

final do século XIX como obstáculos impostos pela natureza ao progresso econômico, ganharam

37 Os Estudos Tocantins foram conduzidos pela Eletrobrás em 1972, como resultado das recomendações doENERAM de prosseguir com os levantamento hidroenergéticos do baixo Tocantins para atender ao mercado deBelém. Posteriormente, a Eletrobrás delegou à recém criada Eletronorte a continuidade dos estudos, inclusive dabacia do Alto Araguaia. Os estudos realizados pelo consórcio Engevix S.A (Estudos e Projetos de Engenharia)– ECOTEC (Economia e Engenharia Industrial S.A) no rio Tocantins definiram a maior empreendimento daEletronorte: a UHE Tucuruí.

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finalmente uma nova interpretação e um novo papel neste mesmo progresso. Conforme ressaltou o

depoimento do presidente do comitê, engenheiro Léo Penna:

O ENERAM surpreendentemente revelou que a Amazônia é um vasto potencialhidrelétrico. Não são aproveitáveis, para fins de geração de energia, os rios situadosnuma distância média de 250 quilômetros de cada margem do Amazonas. A partir daí,contudo, existem rochas nos fundos dos rios, elemento fundamental para a construçãode barragens (ELETRONORTE, 1983, grifos nossos).

Dois aspectos interessantes ressaltam na fala reveladora do presidente do ENERAM.

O primeiro, simbolicamente significativo, na afirmação de que a “Amazônia é um vasto potencial

hidrelétrico” e não que ela “tem um vasto potencial”, como se toda a região pudesse ser reduzida ao

seu valor energético. O segundo aspecto é que a distância dos potenciais aproveitáveis apontavam

a necessidade de pensar uma forma de exploração energética que pudesse alterar o arranjo espacial

dos pólos de desenvolvimento planejados e/ou a geografia dos sistemas de transmissão.

Em 1972, foi criada a Eletronorte (Centrais Elétricas do Norte do Brasil S.A) pela Lei no

5.824, de 14 de novembro de 197238, como empresa regional controlada pela Eletrobrás, o que

viabilizou a continuação dos estudos hidroenergéticos, o planejamento e execução de grandes

empreendimentos hidrelétricos. Sua criação tanto é associada à continuidade dos estudos iniciados

pelo ENERAM e recomendações deste comitê, quanto às negociações para a construção do complexo

mínero-metalúrgico Albrás-Alunorte, para dar suporte energético à produção de alumínio, sob o domínio

de investidores japoneses (TEIXEIRA, 1996, p. 56).

Com a criação da empresa na região Norte do país, foi completado o quadro de domínio

territorial da holding federal (Eletrobrás) que, com suas quatro subsidiárias regionais – CHESF no

Nordeste, Furnas no Sudeste e parte do Centro-oeste, Eletrosul no Sul e Eletronorte na região norte

e parte do Centro-oeste –, passou a atuar em todo o território nacional. Desta forma, a estrutura

setorial foi compatibilizada com a dimensão territorial e as pretensões de rápido crescimento econômico

do país. Como já foi mostrado, a criação da Eletronorte completava a federalização do quadro

organizacional do setor, elemento fundamental para viabilizar o programa de expansão do Setor Elétrico

na região Norte, de acordo com o Plano 90.

5.3 O PROJETO ELETRONORTE: A CONSTRUÇÃO DE UMA VISÃO SOBRE AEXPLORAÇÃO HIDROENERGÉTICA DA AMAZÔNIA

A Eletronorte foi constituída com múltiplos objetivos: coordenar programas de energia elétrica

na Amazônia; apoiar técnica e administrativamente os serviços públicos de energia elétrica através das

38 A constituição oficial da empresa ocorreu somente em 20/06/1973, no Rio de Janeiro, sendo transferida paraBrasília em 1975.

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concessionárias locais; realizar de estudos e projetos hidrelétricos; construir e operar usinas e sistemas de

transmissão, apoiar as ações da Eletrobrás na região etc. Sua área de atuação, que não se confundia

exatamente com a Amazônia Legal, foi definida como a região Norte e uma extensão para o Sul até os

paralelos 15o 30’ em Goiás e 18o no Mato Grosso (Lei no 5.899, de 05/07/1973).

Desde julho de 1974, a empresa havia encampado os bens da usina hidrelétrica Coaracy

Nunes. Com o início da operação comercial da usina em 1976, a companhia finalmente passou à fase

operacional de sua atividade-fim como empresa energética: a geração e comercialização de energia

elétrica39. A empresa assumiu a produção de energia no estado do Amapá e o fornecimento para a

companhia estadual (CEA), além de se responsabilizar pela construção das principais linhas de

transmissão e subestações e pela melhoria dos sistemas de transmissão e distribuição associados do

sistema elétrico de Coaracy Nunes.

Havia, no entanto, um conjunto de empresas concessionárias estaduais trabalhando em

sua área de atuação. A maioria delas existia há vários anos: CEM (1952) na cidade de Manaus; CELG

(1955) em Goiás; CEMAT (1956) no Mato Grosso; CEA (1956) no Amapá; CELPA (1960) na

região metropolitana de Belém e interior do estado do Pará; CELETRAMAZON (1964) no interior

do estado do Amazonas e, finalmente ELETROACRE (1965), no Acre. Outras eram de criação mais

recente: CERON (1969), em Rondônia e CER (1969), em Roraima.

Inicialmente, foi estabelecida uma divisão de trabalho entre as empresas locais e a

Eletronorte: as primeiras atenderiam aos mercados compatíveis com suas dimensões e estruturas, com

a instalação e operação de sistemas termelétricos de pequeno e médio porte, enquanto a Eletronorte

realizaria estudos pioneiros de inventários hidrelétricos e se responsabilizaria pela construção de usinas

hidrelétricas e sistemas de transmissão associados, a fim de dotar a região de uma infra-estrutura

energética indispensável aos pólos de desenvolvimento. No discurso proferido no ato de posse da

diretoria, o primeiro presidente da Eletronorte, Raul G. Llano, afirmou que a constituição da empresa

representava “mais uma contribuição do Governo Federal para a criação da infra-estrutura indispensável

ao desenvolvimento da Amazônia, enquadrando-se no objetivo da integração nacional” (REVISTA

BRASILEIRA DE ENERGIA ELÉTRICA, 1973).

A Eletronorte assumiu a tarefa de apoiar técnica, gerencial e financeiramente as empresas

regionais na realização da melhoria e ampliação dos seus sistemas elétricos e parques geradores térmicos

e na gestão empresarial, tarefas anteriormente executadas pela agência de desenvolvimento (SPVEA e

depois a SUDAM). Havia previsão de instalação de novas unidades termelétricas nos pólos de Belém,

39 A entrada em operação de Coaracy Nunes determinou a criação da Diretoria de Operação da empresa em novembrode 1975, sob a chefia do engenheiro Henrique Couto Ferreira Melo (CABRAL, 1998, p. 49).

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Manaus, Rio Branco e Porto Velho para garantir o suprimento enquanto não fossem construídos

empreendimentos hidrelétricos. Mas a entrada da empresa regional no espaço de atuação das

concessionárias amazônicas revelou a extrema precariedade dessas empresas, que se tornaram cada

vez mais frágeis diante da “gigante” regional40. Aos poucos o apoio técnico e gerencial evoluiu para a

assunção das funções operativas das concessionárias estaduais e a Eletronorte passou a se responsabilizar

pela gestão, operação e expansão dos principais sistemas térmicos da região. Desta forma, a empresa

ampliou sua presença na Amazônia, participando ativamente da ampliação dos parques geradores

térmicos das capitais e “assumindo a condição de agência de desenvolvimento regional no que se

refere à energia elétrica” (CABRAL, 1998, p. 57).

Rondônia, Acre e Roraima

Em 1960, a potência instalada em Porto Velho e Guarajá-Miriam, as principais cidades

de Rondônia, era de 699 KW, inferior ao Território do Amapá com 7.534 KW e próxima ao território

de Rio Branco e estado do Acre com 700 KW cada. As unidades térmicas eram abastecidas pela

Refinaria de Manaus por via fluvial, sendo o combustível distribuído a partir de Porto Velho para

Guarajá-Mirim e para a Bolívia, pela Estrada de Ferro Madeira Mamoré. Como havia pouca oferta de

energia, o consumo crescia lentamente. O potencial hidráulico do território era avaliado em 1.500.000

CV e a cachoeira de Samuel era apontada como principal perspectiva de aproveitamento hidráulico

para a geração de energia elétrica, que constituía um sério entrave ao desenvolvimento regional (TRF,

1972). Em 1969 foi constituída a Centrais Elétricas de Rondônia (CERON), com a incorporação dos

bens do Serviço de Abastecimento de Água, Luz e Força do Território (SAALFT), incluindo uma pequena

central térmica a diesel, que atendia alguns bairros de Porto Velho e Guarajá-Mirim e os serviços existentes

nas prefeituras municipais (DIAS, 1988, p. 276). A potência instalada nas duas principais cidades era

então de 2,8 MW, distribuída em pequenas unidades termelétricas. Com a atuação da CERON, até

1979, somente na capital, a capacidade foi elevada para a 19 MW (CERON, 1981). Os estudos realizados

pelo ENERAM projetaram uma demanda até 1985 de 26,3 MW para o território.

No estado do Acre, no início da década de 1960, as sedes municipais eram dotadas de

pequenas usinas dieselelétricas que forneciam energia de baixa potência para iluminação durante 3

horas por dia em média, com alto custo operacional. Só o município de Rio Branco tinha fornecimento

contínuo. Em 1965 o governo estadual criou a Companhia de Eletricidade do Acre (ELETROACRE)

40 Em 1979, a Eletronorte começou a atuar na área de planejamento das empresas concessionárias locais e realizoudiagnósticos dos principais problemas – dentre os quais o baixo faturamento e a confiabilidade dos sistemas.Depois distribuiu materiais como manuais de rotinas para a construção de sistemas, iluminação pública, sugestãode cadastramento de redes de distribuição, instruções normativas gerais, entre outros (ELETRONORTE, 1980).

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para atender aos serviços elétricos do estado e, principalmente, da capital. No início da década de

1970 a rede elétrica de Rio Branco cobria apenas a parte central da cidade.

A Centrais Elétricas de Roraima (CER) também foi constituída em 1969. O território

possuía seis pequenos sistemas compostos por grupos geradores diesel, mas a operação era

muito onerosa devido à dependência do abastecimento de combustíveis transportados pelo rio

Branco, cuja navegabilidade ficava reduzida no período das secas. O ENERAM realizou estudos

visando o aproveitamento hidrelétrico dos rios Branco, Cotingo e Mucajaí, nas cachoeiras de

Bem Querer, Tamanduá e Paredão respectivamente. Em 1972, enquanto estes estudos não eram

aprofundados e os aproveitamento realizados, o mercado consumidor já havia ultrapassado as

previsões para a década, feitas nos estudos do comitê. Com os programas governamentais de

valorização econômica do território federal era esperado um crescimento ainda maior da demanda.

A capacidade instalada era de 6 MW com previsão de chegar a 8,5 MW em 1975 (BRASIL.

MINTER. Território Federal de Roraima, 1975).

Em fins de 1978, a Eletronorte coordenou entendimento entre a CERON e a

ELETROACRE com órgãos financiadores externos, por meio da Secretaria de Cooperação Econômica

e Técnica Internacional (SUBIN) da Secretaria de Planejamento da Presidência da República (SEPLAN)

para a instalação até 1979 de termelétricas a vapor em Porto Velho (15 MW em 3 unidades diesel na

usina Madeira-Mamoré) e Rio Branco (10 MW).

Autoprodução e ações conjuntas entre Eletronorte e empresas estaduais

Ao mesmo tempo em que várias ações foram implementadas, no sentido de dotar a região

amazônica de uma pesada infra-estrutura de energia elétrica, a realização de grandes empreendimentos

em áreas distantes das redes de transmissão e distribuição fizeram surgir um significativo número de

autoprodutores de grande porte. No estado do Pará, destacam-se a Jari Florestal no município de

Almeirim, cuja termelétrica instalada em 1979 tinha 63,5 MW de potência e a Mineração Rio do

Norte (MRN), no município de Oriximiná, que também instalou neste ano uma termelétrica de 15,8

MW (SILVA, 2005, p. 104). Num certo sentido, a existência de autoprodutores na Amazônia faz

parte de sua “tradição” em termos de suprimento energético. A instalação de unidades autônomas, fora

do(s) sistema(s) principal(is) para atender a uma determinada demanda tem sido uma característica

dos sistemas elétricos amazônicos desde a instalação das primeiras centrais geradoras em Belém e

Manaus, como mostraram vários exemplos nos capítulos precedentes.

Algumas iniciativas realizadas com recursos próprios, com recursos externos, com recursos

da Eletrobrás e com recursos do PIN/Proterra, estavam contribuindo para elevar a capacidade instalada

na região amazônica, que era de cerca de 250 MW em 1973 (sendo 105 MW em Belém e 88 MW

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em Manaus), para 450 MW em 1979. Através de contrato de crédito com o EXIMBANK, a Eletrobrás

assegurou os recursos em moeda estrangeira e nacional para a instalação de duas unidades turbo-

geradoras a vapor de 50 MW cada para a CEM, com previsão de operação comercial para fins de

1977. A CELPA tinha parte dos recursos assegurados pelo governo alemão (KFW) para a execução

da termelétrica Tapanã II (78 MW), com operação prevista para 1978; esperava obter o restante do

financiamento através de crédito junto aos fornecedores, além de empregar recursos próprios e da

Eletrobrás. Em 1976, a Eletronorte promoveu a transferência de duas unidades geradoras a gás (de

10,5 MW cada) de FURNAS que estavam instaladas em Santa Cruz (RJ), para a usina de Miramar

em Belém. A CEMAT estava instalando a terceira unidade de 4.5 MW na UHE Casca III, com

recursos próprios complementados por terceiros (ações) e a CELG estava expandindo a UHE Cachoeira

Dourada e o sistema de transmissão associado. As duas empresas estavam conjugando esforços para

ampliar o sistema de transmissão Cachoeira Dourada - Rio Verde (GO) e Rondonópolis-Cuiabá (MT).

A Eletronorte pretendia construir a linha de transmissão em 345 KV, Brasília - Barro Alto - Niquelândia

e respectivas subestações visando atender ao médio-norte goiano, para operar em 1978, antes da

entrada em operação da UHE São Félix41, a ser construída no rio Tocantins, a montante de Tucuruí,

como parte do elo de ligação entre os sistemas Eletronorte e Furnas. Além disso, para atender ao norte

de Goiás e sudoeste do Maranhão (região de Tocantina), a Eletrobrás coordenou estudos da Eletronorte

com a CHESF para a definição das obras necessárias como parte da solução envolvendo cargas

industriais de grande porte, sobretudo no sudeste do Pará e oeste do Maranhão (Albrás-Alunorte e

Alcoa) e como parte dos sistema associado à UHE de Boa Esperança (CHESF), até a entrada em

operação de Tucuruí.

O aprofundamento da atuação da Eletronorte na região

Em 14 de novembro de 1978, após um rigoroso racionamento de energia, a Eletronorte

assumiu o parque termo-gerador de Belém, por meio de um acordo assinado entre a União e o governo

estadual do Pará. Foi criado o Escritório Regional de Operação de Belém (ORBE) e as máquinas da

usina Tapanã I e Miramar receberam manutenção. Também foram instaladas duas unidades de 26

MW na usina Tapanã II, que logo entrou em operação, recebendo ainda uma 3a unidade de 26 MW.

Um contrato com o Toronto Dominion Bank garantiu o financiamento para o 4o grupo gerador da

usina (CABRAL, 2004, p. 92). Em janeiro de 1980, a operação do parque gerador do sistema

41 Esta usina foi incluída no Plano 90, como reforço para a região Sudeste. A usina permitiria a exploração das jazidasde minério de níquel (lavra e beneficiamento) existente em Niquelândia e Barro Alto e ainda poderia atender a regiãoSudeste via subestação de Furnas em Brasília (LLANO, 1978). A evolução dos estudos do aproveitamento de São Félixacabou descartando este sítio que foi substituído pela usina hidrelétrica de Serra da Mesa no estado de Goiás, quecomeçou a operar em 1998.

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interligado de Belém (SIB)42 passou oficialmente para a Eletronorte, juntamente com seus bens e

instalações, enquanto a CELPA ficou responsável apenas pela distribuição nesta sub-região. A CELPA

continuou responsável pelo abastecimento de 49 municípios por meio de usinas dieselelétricas, com

138 grupos geradores em operação.

Para além da questão da regularização do suprimento energético da região de Belém, o

domínio da geração e transmissão nesta área era estratégico para que a Eletronorte pudesse controlar

o processo de interligação dos sistemas Norte-Nordeste, iniciado em 31/05/1978 com a assinatura do

Protocolo de intenções com a CHESF para o intercâmbio de energia (ELETRONORTE, 1978a).

O sistema elétrico de Manaus contava com o apoio técnico da Eletronorte desde 1978,

por meio de um convênio com CEM. Em 1980, foi instalada a termelétrica flutuante Electron (121

MW), uma barcaça proveniente da CHESF. Também neste ano, foi criada uma comissão para estudar

a transferência dos sistemas de geração e distribuição da CEM para a CELETRAMAZON e para a

Eletronorte. Em 31 de dezembro de 1980, as usinas da CEM foram incorporadas à Eletronorte,

juntamente com os sistemas de sub-transmissão e distribuição de Manaus. Foram criados os Serviços

de Energia Elétrica de Manaus – SEEM, que passaram a responder pelos serviços de distribuição na

cidade, além da geração e operação do parque térmico. A potência instalada era então de 341 MW

nominais e 315 MW efetivos.

Em 1º de janeiro de 1981, data em que o sistema de Manaus foi de fato absorvido pela

Eletronorte, a CELETRAMAZON passou a se chamar CEAM, depois de séria crise da companhia,

que necessitou do auxílio da Eletronorte para se restabelecer como empresa geradora e distribuidora

de energia43. Posteriormente, outros parques térmicos foram absorvidos pela Eletronorte44: Porto Velho

e Rio Branco em 1981, São Luís, em 1984 e Boa Vista, em 1989.

Em 1981, a Eletronorte assumiu a operação dos parques geradores das capitais, pertencentes

à CERON e à ELETROACRE. A usina térmica de Rio Branco I (Costa Cavalcanti I) tinha 26,5 MW

instalados. Porto Velho contava com as usinas Porto Velho I, com 6 MW e Porto Velho II, com 21 MW.

A Eletronorte inaugurou a usina Rio Branco II, com duas máquinas de 2,5 MW, que tinham sido transferidas

42 O parque era composto pela usina a óleo residual Miramar (30 MW em 4 unidades turbo-geradoras de 7.5 MW);a usina Guarajá (50 MW em 2 unidades de 25 MW); as usinas adicionais diesel de Miramar (6,8 MW em 4 unidadede 1,7 MW) e Coqueiro (13,4 MW em 2 unidades de 1,7 MW, 4 unidades de 1,75 MW e 3 unidades de 1 MW); atermelétrica Tapanã I (50 MW em 2 unidades turbo-geradoras de 25 MW a óleo residual) e a termelétrica Tapanã II,então com 78 MW instalados.43 A mudança da razão social, como vimos no capítulo 4, só ocorreu oficialmente em 1983.44 Em outubro de 1980, foi criado o Grupo de Apoio Técnico às Concessionárias da Região Norte (GAT-CRN), formadopela Eletronorte, CEA, CELETRAMAZON, CER, CERON e ELETROACRE, sob a coordenação da Eletrobrás. Oobjetivo era estabelecer diretrizes para a racionalização e manutenção dos sistemas elétricos nas áreas de atuaçãodas empresas (ELETRONORTE, 1980). Neste mesmo ano a Eletronorte foi autorizada a absorver os parques geradoresda ELETROACRE, em Rio Branco, e da CERON, em Porto Velho (CABRAL, 2004, p. 92-93).

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da usina de Miramar em Belém; desativou imediatamente uma máquina de 1,9 MW e instalou outras duas

de 2,5 MW na usina Rio Branco I; no ano seguinte, outra máquina de 1,5 MW foi desativada. A usina de

Porto Velho II foi ampliada com uma unidade de 2,5 MW transferida da termelétrica de Aparecida em

Manaus. Em 1982, foi inaugurada a térmica Porto Velho III, com três máquinas de 5,2 MW. Dois anos

depois, a usina recebeu mais quatro unidades oriundas do canteiro de obras de Tucuruí. Esta reorganização

dos sistemas isolados de Acre e Rondônia pela Eletronorte foi o início do processo de interligação sub-

sistêmico que iria se completar com a construção da usina hidrelétrica de Samuel.

Aos poucos, a Eletronorte foi ampliando sua atuação na região, assumindo a geração e

transmissão nas áreas onde a demanda era mais concentrada e, ao mesmo tempo, foi reafirmando sua

posição como empresa regional de energia.

Em 1980, enquanto a Eletronorte ampliava sua gama de operações, aumentando o alcance

de seu espaço de atuação na Amazônia pela concentração de poder sobre a base material e técnica

dos sistemas nas capitais, as áreas de atuação das subsidiárias regionais da Eletrobrás foram redefinidas.

O território elétrico da Eletronorte (sua área de atuação) foi (re)definido como a totalidade dos estados

do Amazonas, Pará e Acre, os territórios de Rondônia, Roraima e Amapá, o estado de Mato Grosso

(o estado de Mato Grosso do Sul, criado em 1979, passou para a área de Furnas) e parte do estado

de Goiás, ao norte do paralelo 12. Também foi incluído em sua área atuação o estado do Maranhão –

anteriormente pertencente à CHESF –, onde se localizariam indústrias com importantes cargas industriais

– a serem supridas por Tucuruí – mais especificamente, as indústrias eletrointensivas, cuja implantação,

em certa medida, havia deflagrado a própria criação da Eletronorte e a reconfiguração energético-

espacial da Amazônia. Com esta reconfiguração, a Eletronorte ampliou sua atuação em relação ao

Nordeste, mas perdeu espaço para Furnas, ficando no Centro-oeste com a região menos desenvolvida

e o correspondente ao futuro estado do Tocantins (CABRAL, 2004, p. 100).

A Eletronorte recebeu da CHESF a termelétrica de São Luís II com 60 MW de potência,

inaugurada em 1980 e ampliada em 1983 com a entrada em operação da 2a unidade gás-diesel.

Assumiu igualmente a operação das linhas e subestações implantadas pela CHESF no Maranhão,

transferidas definitivamente em 1983, quando passou a fazer o suprimento da Centrais Elétricas do

Maranhão (CEMAR) – empresa constituída em 1959 pelo governo estadual. A Eletronorte, em 1984,

cedeu a Furnas o sistema de transmissão composto pela subestação provisória de Barro Alto e pela

linha de transmissão Brasília – Barro Alto – Niquelândia.

5.3.1 A construção do mercado para a energia da Amazônia

A Eletronorte prosseguiu os estudos iniciados pelo ENERAM e inventariou as bacias dos

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rios Tocantins-Araguaia, Correntes, Jatapu, Uatumã e Erepecuru, Cotingo e Jamari. Em 1973,

começaram os estudos dos rios da margem esquerda do Amazonas para atender tanto Manaus e Boa

Vista, quanto a indústria de alumínio para exploração das jazidas de bauxita do rio Trombetas.

Em 1975, foram programados estudos dos rios Xingu, Tapajós e Madeira, para a construção

de aproveitamentos de grande porte, a fim de atender demandas de outras regiões no início da década

de 1990, bem como as instalações de cargas de intenso uso de energia elétrica (eletrometalurgia/

eletrosiderurgia) na própria Amazônia, para exploração econômica de matérias-primas minerais. Os

estudos de inventário hidrelétrico da Bacia do Tocantins-Araguaia definiram 25 locais aproveitáveis e

uma potência estimada em 18 milhões de KW. Nas bacias dos rios Erepecurú, Trombetas, Jatapú,

Uatumã e Cotingo foram definidos mais 21 aproveitamentos com 5 milhões de KW.

Com os resultados dos estudos do ENERAM/Eletronorte, a Amazônia passou a ser vista

energeticamente como “a solução para muitos problemas brasileiros” (LLANO, 1981), o que ia de

encontro às diretrizes do II e III PNDs que, em relação aos recursos hidroenergéticos da Amazônia,

sugeriam realizar todos os aproveitamentos viáveis economicamente e maximizar a produção energética

pela interligação e coordenação dos sistemas.

O Plano de Investimentos do II PND incluía recursos para realização de projetos

operacionais hidro e termelétricos45, bem como estudos e pesquisas sobre hidrelétricas. Foram alocados

recursos para os projetos operacionais de Tucuruí, realização de aproveitamentos nos rios Trombetas

(PA), Cotingo (RR), Jatapu (AM) e Jamari (RO), Coaracy Nunes (AP) e Curuá-Una (PA), estudos

de ampliação de Coaracy Nunes e Curuá-Una, inventários hidrelétricos das bacias dos rios Xingu,

Tapajós e Maneira e estudos para mini-aproveitamentos (BRASIL. MINTER.SUDAM, s/d).

Como o potencial hidrelétrico existente era muito superior à demanda regional, a questão

central da energia da Amazônia passou a ser o transporte dos excedentes para atender aos

requisitos de suprimentos de outras regiões do país, especialmente o Centro-Sul, cuja concentração

industrial acumulava a demanda energética, e para o Nordeste, que dependia de novas fontes.

Passou-se ao entendimento de que a integração e o desenvolvimento da Amazônia não eram de

interesse exclusivo da região, mas um “imperativo para o desenvolvimento e segurança nacionais” e

suas riquezas deviam ser estudadas e exploradas “com o enfoque amplo de sua possível utilização

em outras regiões” (LLANO, 1974).

Com base nesta visão, foi concebido um novo “mapa” energético nacional. O primeiro

presidente da Eletronorte, Raul Garcia Llano, chamou de exercício de futurologia no mapa do Brasil,

45 Em relação aos projetos termelétricos foi dada prioridade à ampliação da capacidade das usinas termelétricas deBelém e Manaus e construção da usina térmica de Rio Branco.

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na área de atuação da empresa, os fluxos energéticos que poderiam ser estabelecidos com a exploração

da energia da Amazônia:

Então aqui, temos uma visão mais geral, em que consideramos, apenas, o ano de 2010.Apenas levadas em conta as usinas dos maiores rios da Amazônia que são o grandeelenco de usinas na área de atuação da ELETRONORTE, no Madeira, no Tapajóes [sic],nos seus formadores Juruema, no Baixo Xingu, no Alto Xingu, no Baixo Tocantins, e seteria os dois fluxos de energia pelo menos para a região Sudeste.O fluxo Norte-Sul, ao longo da Belém-Brasília ou do Tocantins, se é o caso, e estegrande fluxo do ‘interland’ brasileiro, Tapajós-Madeira, vindo do Oeste para aregião Sudeste.Aí estão os dois grandes elos, então de fluxo de energia dessa região brasileira, paraoutras regiões brasileiras, dadas as suas disponibilidades, descontadas aquelasparcelas de energia que vão ficar para o mercado local. E também os fluxos para oNordeste (LLANO, 1978, grifos nossos).

Considerada uma “energia limpa e renovável”, o aproveitamento do potencial hidrelétrico

amazônico pelo Centro-Sul precisava apenas vencer obstáculos técnicos:

A viabilidade técnico-econômica da transmissão de grandes blocos de energia elétricaa longa distância apresenta grande importância para o aproveitamento integral dopotencial hidrelétrico da Amazônia e para assegurar aos principais centrosconsumidores do país, oferta de energia elétrica de fonte renovável.(...) O nível atual de conhecimento desse assunto indica que, para os próximos 20anos, horizonte dentro do qual será necessário a transferência de grandes blocos deenergia elétrica da Amazônia para o Sudeste e, principalmente, para o Nordeste,essa transferência somente será possível sob a forma de energia elétrica, mediantesistemas de transmissão de longa distância, dimensionados para o transporte de grandesblocos de energia (LLANO, 1981, grifos nossos).

O perfil demográfico e econômico da região e a demanda energética do Nordeste e do

Centro-Sul – cujo esgotamento de suas fontes era previsto para a década de 1990 –, o conhecimento

existente acerca das técnicas de transmissão à grande distância, bem como a expectativa de domínio

de novas técnicas, “autorizavam” a perspectiva da transferência energética, bem como a opção pela

instalação de empreendimentos eletrointensivos que pudessem aproveitar o potencial hidráulico que,

de outra forma, estaria sendo desperdiçado.

A exploração do potencial hidrelétrico amazônico atendia também a outros objetivos setoriais.

De acordo com o ministro das Minas e Energia Shigeaki Ueki46, o Setor Elétrico deveria tomar a frente no

desenvolvimento da Amazônia, adotando uma postura agressiva de marketing na busca dos consumidores

e assumindo os riscos inerentes à criação de um mercado consumidor intensivo ainda não existente:

46 Ueki foi nomeado ministro das Minas e Energia no dia 15 de março de 1974 pelo presidente Ernesto Geisel epermaneceu no cargo até o fim do mandato em 1979. Sobre sua atuação no governo, o ex-presidente afirmou oseguinte: “Ueki tinha sido meu diretor na Petrobrás, eu conhecia sua mentalidade e sua capacidade. Foi eficiente ebom ministro. Criticam-no, dizendo que ele roubou. Eu nunca apurei nada. (...) [Ele] Tem boas relações no exterior, nosEstados Unidos, Japão e outras áreas. Tem empresas aqui no Brasil. Agora, daí a dizer que ele rouba, não tenho qualquerbase para afirmar. Sei que o criticam, mas ele é um homem que venceu na vida. (...)” (D’ARAÚJO e CASTRO, 1997, p. 266)

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(...) Quando se pensa em termos de desenvolvimento da região amazônica. Não temosgrandes consumidores de energia elétrica, porque não há energia elétrica. Não há energiaelétrica, não construímos usinas de grande capacidade, porque não há consumo deenergia elétrica.(...) Vamos construir Tucuruí, custe o que custar, mas em fins de 1981/1982 teremosenergia elétrica de forma abundante na região. (...) Devemos criar, no Setor Elétrico,mentalidade de marketing agressiva. Temos de buscar o consumidor, industrial e induzi-lo a consumir a nossa energia elétrica. Precisamos alterar um pouco a nossa atitude deesperar que o consumidor venha até nós. (...) Nós é que devemos procurar ummilionário ou outro e dizer-lhe: é bom negócio consumir energia elétrica e fabricaralumínio. Nós daremos transformador, puxaremos linha de transmissão até lá, vamosprocurar uma tarifa que lhe dê condições de ser um grande fabricante de alumínio.Nós podemos, inclusive em termos de tarifa, ser bastante flexíveis, coisa que nuncasucedeu (...) Vamos citar o alumínio como exemplo: determinado industrial diz não serpossível montar uma fábrica de alumínio a 15 mils, na cidade de Belém, porque o alumínioestá custanto 800 dólares a tonelada, no mercado mundial (...)Nós pretendemos criar uma política no sentido de que (...) [possamos] responder aoindustrial que venderemos a um preço em que o negócio passe a ser viável. (...) É ummecanismo que em nossa opinião o Brasil deve adotar com a maior urgência possível,para que novas fábricas de níquel, zinco, alumínio, ferro-liga, eletro-siderurgia etc.,possam ser ampliadas com o setor de energia elétrica bancando o risco. Essa palavraé muito perigosa, mas de certa forma assumimos o risco de comportamento domercado.Deveríamos estar, hoje, exportando centenas ou milhões de dólares de alumínio. Eestaríamos exportando energia: cada tonelada de alumínio estaria exportando entre15 e 20 kwh aproximadamente (UEKI, 1975, grifos nossos).

A construção deste mercado consumidor, não apenas viabilizaria a execução dos

aproveitamentos, como também a expansão da atuação do Setor Elétrico nacional na Amazônia.

Desta forma, exportar energia sob a forma de produtos eletrointensivos era apenas mais uma maneira

de viabilizar essa expansão. Uma forma privilegiada, pois tinha o aval do governo federal, uma vez que

ia de encontro a outros objetivos estratégicos governamentais.

O projeto de expansão do Setor Elétrico na região incluía ainda a implantação, a montante

de Tucuruí, das usinas hidrelétricas de São Félix, Peixe, Porto Nacional, Carolina, Santo Antônio e

Santa Isabel, que envolveriam gastos calculados na época, da ordem de um bilhão e 380 milhões de

dólares, dos quais 300 milhões para os sistemas de transmissão e subestações associados. Um volume

de recursos desta ordem necessitava de “um mercado o mais rapidamente possível, para a maturação

daquele investimento maciço” (LLANO, 1975, grifos nossos). O Setor Elétrico estava mesmo disposto

a se implantar na região “custasse o que custasse”47. A eletrometalurgia e a eletroquímica eram vistas

como fontes de oportunidades econômicas para o desenvolvimento do parque gerador elétrico nacional

na Amazônia, uma vez que poderiam constituir um mercado compatível com a escala da produção dos

47 Medeiros afirma que uma conjuntura de interesses envolvendo os profissionais dos quadros técnicos setoriais e ossetores privados ligados ao negócio da energia (empreiteiras, fabricantes de equipamentos, consultorias técnicas,financiadores, consumidores eletrointensivos etc.), associada à constante ameaça de falta de energia apoiada nosargumentos técnicos, sustentou o plano de obras do Setor Elétrico (e, consequentemente, sua expansão) ao longo dadécada de 1980 (MEDEIROS, 1993, p. 86-88).

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aproveitamentos levantados e com o volume de recursos a serem invertidos. Além da produção do

alumínio, outros aproveitamentos eletrointensivos, como a produção de ferro-ligas, cobre e níquel

eletrolítico, silício metálico, ferro gusa em baixo forno elétrico e produtos alcalinos, como a soda

cáustica utilizada na produção de alumina, poderiam consumir parte do grande potencial regional,

participando da construção do mercado consumidor de energia da Amazônia.

Em meados de 1974, o ministro Ueki recomendava aos industriais do setor siderúrgico

que investissem para aumentar a produção e a produtividade já que, apesar da poupança interna do

país ser reduzida, poderia ser bem canalizada e havia ainda a possibilidade de “atrair as poupança de

países amigos” (UEKI, 1974) para ajudar a “queimar etapas” e acelerar o desenvolvimento nacional.

Desta forma, ao se antecipar aos consumidores, assumindo os riscos da construção do mercado na

região, o setor se tornava um agente ativo na estruturação do espaço regional e no processo de

valorização do capital nacional e internacional.

O projeto de expansão do Setor Elétrico também foi impulsionado pelo fato de mineração

e energia estarem conjugadas sob a mesma pasta ministerial. Apesar do ministro Ueki não ter

experiência ou conhecimento na área de mineração e alumínio, pois vinha da área técnica de

comercialização da Petrobrás, a relação pessoal com o presidente Geisel permitiu que os setores

sob sua supervisão (mineração e energia) alcançassem uma posição privilegiada no governo

(SCHNEIDER, 1994). Ueki usou os contatos internacionais no Japão, Estados Unidos e na França,

para viabilizar os projetos de sua pasta. Essa perspectiva foi reforçada quando as decisões-chave

referentes ao Programa de Eletricidade do governo passaram à esfera de influência pessoal do

ministro e sua assessoria, configurando uma nova estrutura de poder intra-setorial em que a Eletrobrás

foi perdendo gradualmente poder decisório, enquanto o ministro o concentrava em suas mãos

(KLEIN, 1986, p. 96, 98 e 100). De acordo com SPEKTOR (2004), embora a política internacional

fosse de responsabilidade do Ministro Azeredo da Silveira, Ueki assumiu pessoalmente todas as

questões internacionais relativas à questão energética, especialmente os assuntos relacionados ao

petróleo e aos “tecnicismos” referentes aos equipamentos de Itaipu e Tucuruí. Esta ação do ministro

das Minas e Energia no campo das relações internacionais rendeu conflitos internos com o titular da

pasta das relações exteriores. As negociações em Paris para o financiamento dos equipamentos

eletromecânicos de Tucuruí por meio de suppliers’ credits48, foram conduzidos diretamente pelo

ministro, com a estrutura de comercialização montada pelo Itamaraty.

48 A negociação de suppliers’ credits institucionalizaram um novo padrão de financiamento que vinculavam a aquisiçãode equipamentos para projetos de grande porte à importação. Este novo padrão feria a política industrial dos governosmilitares baseada na substituição de importações e prejudicou os fornecedores nacionais, desencadeando uma luta pelaparticipação destes nos grandes projetos governamentais (KLEIN, 1986).

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A consagração e consolidação do mercado consumidor intensivo veio com as portarias

ministeriais 1.654/79, 1.655/79 e 1.706/8449 e o Decreto Federal 1.813/8050, que regulamentaram a

política de concessão de subsídios aos preços da energia elétrica para projetos eletrointensivos. Estes

atos administrativos,

(...) deram aos eletrointensivos as adequadas garantias. Além da oferta de energia,vinculou-se, durante 20 (vinte) anos, seus dispêndios em energia elétrica ao preço dosprodutos. Para a redução de alumínio não deveria ultrapassar a 20% do preço do alumíniono mercado internacional, enquanto para a produção de ferro-ligas não deveria sersuperior a 25% do preço do produto (ELETRONORTE, 1993a, p. 4, grifos nossos).

Com o aval das diretrizes governamentais consolidadas nos PNDs, a confirmação dos

estudos hidroenergéticos, o apoio dos programas e instituições de desenvolvimento e o apoio

incondicional do seu ministro, a Eletronorte, sob a direção de seu presidente, se tornou a principal

agente de “divulgação” e “venda” do potencial hidrelétrico da Amazônia, visando “construir” o mercado

para esta energia.

As características sócio-econômicas da região e a disponibilidade de recursos minerais se

tornaram o principal foco de justificativa para a estratégia de atrair indústrias de grande consumo

energético, visto que a “melhor opção” para a exploração do potencial amazônico passou a ser através

da criação de meios para o consumo “no local” da energia, sob a forma de energia incorporada nos

produtos eletrointensivos:

A Amazônia relativamente às demais regiões brasileiras, é pouco povoada eeconomicamente pouco desenvolvida. Em conseqüência, a participação do mercadoregional de energia na totalidade do mercado nacional é pouco significativa. Oapoio governamental aos desenvolvimentos regionais acarreta índices expressivosde crescimento do consumo regional de energia elétrica que, em termos absolutos,permanece pouco significativo e pouco expressivo em relação ao total nacional. Aúnica maneira de se procurar inverter essa situação é criar medidas que possibilitem autilização na região, do potencial hidrelétrico, atraindo atividades de grande consumode energia elétrica.De todas as atividades, a que mais intensamente utiliza energia elétrica é a produção dealumínio. Para seu desenvolvimento a Amazônia apresenta condições singulares nomundo porque, ao lado de um potencial hidrelétrico de vulto a região possui grandesjazidas de bauxita – a terceira maior do mundo – matéria-prima para a produção dealumina, principal insumo da produção de alumínio. O Brasil apresenta condições paraproduzir, na Amazônia, alumínio em quantidade capaz de suprir integralmente o mercadonacional e tornar-se um dos grandes fornecedores do mercado internacional.51 (LLANO,1981, grifos nossos).

É interessante observar que o fracasso das políticas federais de desenvolvimento regional,

implementadas para promover o crescimento econômico e, conseqüentemente, aumentar a participação

49 Ver excertos das Portarias nos anexos.50 Este decreto definiu o regime especial de incentivos para empreendimentos na área do Programa Grande Carajás.51 Este trecho foi reproduzido pelo presidente da Eletronorte em mais de uma oportunidade em que falou sobre odesenvolvimento regional e aproveitamento do potencial hidroenergético da Amazônia. Cf LLANO 1980.

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regional no consumo energético, se tornou justificativa para a atração de atividades eletrointensivas. O

desenvolvimento regional, através do incremento da indústria e comércio local (pela substituição de

importações) e integração à economia nacional via indústria complementar, deixou de ser uma possibilidade

e deu lugar a uma reconfiguração da região, projetando-a como fornecedora de energia para um processo

produtivo articulado a partir de uma associação entre o capital nacional e o capital internacional.

Como se pode ver, no processo de “divulgação” do potencial e construção do mercado

de energia da Amazônia, a transferência de grandes blocos para outras regiões do país – embora

fizesse parte da pauta de questões envolvendo a execução dos grandes aproveitamentos hidrelétricos

na Amazônia e da idéia de Brasil-Potência emergente – deixou de ser a questão central e deu lugar aos

complexos industriais eletrointensivos. Na verdade, enquanto a tecnologia para a transferência de

grandes blocos de energia ainda estava se desenvolvendo52, a tecnologia para a incorporação de

energia elétrica em produtos eletrointensivos em larga escala, como o alumínio, estava dominada desde

o desenvolvimento das turbinas hidráulicas que possibilitaram a construção de grandes plantas

hidrelétricas. A evolução em relação às rodas d’água e o aumento da eficiência, especialmente das

turbinas tipo Francis53, permitiram a diminuição dos custos e a construção de grandes usinas hidrelétricas.

A partir de então, difundiu-se a idéia do desenvolvimento de um novo ramo industrial, as eletrometalúrgicas

e eletroquímicas, caracterizadas pela necessidade de grande quantidade de energia elétrica para o

processo de produção, o que as tornava inteiramente dependentes de energia farta e barata.

Já em 1895, o aproveitamento hidrelétrico de Niagara Falls nos Estados Unidos começou

a fornecer energia para plantas metalúrgicas e eletroquímicas que se localizaram próximas à usina para

aproveitar a energia barata (HUGHES, 1993, p. 265). No Brasil, especialmente em função da

abundância de recursos hídricos e suposição do potencial hidráulico, a idéia da exploração dos recursos

disponíveis neste novo ramo industrial logo apareceram. Em 1942, foram feitos os primeiros estudos

hidroenergéticos para a exploração das jazidas de níquel de São José do Tocantins – uma das maiores

52 Em 1979 a Eletrobrás patrocinou estudos para levantar “o estado da arte” da evolução das técnicas de transmissão alonga distância, tendo em vista os aproveitamentos hidrelétricos da região do baixo Tocantins, Xingu e baixo Tapajós,especialmente para atender às demandas das cidades de Salvador no Nordeste, e Belo Horizonte e São Paulo no Sudeste.A instalação do sistema de transmissão associado da UHE Itaipu binacional forneceu à engenharia nacional a primeiraexperiência com elevada capacidade de transporte de energia elétrica a longa distância (circuitos em ultra-alta-tensão,acima de 700 KV) (PEITER, 1994). Esta questão também foi objeto de discussão no I Congresso Brasileiro de Energia,realizado no Rio de Janeiro em dezembro de 1978. O engenheiro Jerzy Lepecki afirmou em sua palestra que um dosproblemas do transporte de energia sob a forma de eletricidade a longas distâncias era que se tratava de um processocaro. No Brasil, contudo, seria a “única solução tecnicamente viável” devido à distância dos potenciais hidroelétricosdos pontos de consumo. A solução hidroelétrica e seu complemento natural, a linha de transmissão longa deveriam,portanto, ser “aproveitadas ao máximo” nos próximos 20 a 30 anos tendo em vista “a necessidade de transmissão para oSudeste e Nordeste da energia elétrica gerada na Amazônia” (REVISTA DO CLUBE DE ENGENHARIA,1979).53 Nas turbinas hidráulicas tipo Francis a água é conduzida através de conduto forçado até ser sugada através de umredemoinho por entre as aletas e septos do rotor, um tronco de cone de eixo vertical ou horizontal. Este tipo de turbina éum dos mais usados na construção de hidrelétricas até hoje.

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do mundo – e viabilizar o beneficiamento do minério no local. Foram estudadas quatro quedas d’água

(as cachoeiras do Macaco, Quebrada, Ferradura ou Grande e Fundão ou Muralha) no rio Tocantinzinho

e uma no rio Maranhão (cachoeira do Machadinho). Foi constatado que para realizar a eletrometalurgia

do níquel na região seriam necessários 20.000 cavalos-vapor de potência, o que só poderia ser obtido

na cachoeira do Machadinho ou da Ferradura (BRASIL, 1943, p. 234). Esses empreendimentos não

foram adiante na época. A questão tarifária, então reinante, era um obstáculo concreto às pretensões

de exploração deste novo ramo industrial, conforme apontam as observações do engenheiro Plínio

Branco acerca das operações das indústrias eletroquímicas, em seu livro “O Racionamento de Energia

Elétrica”, de 1951, reproduzido por Branco:

Vê-se, pelo que dissemos e pelos quadros transcritos, que com tarifas altas nuncateremos no Brasil indústrias fundamentais, como a dos nitratos, cujo consumo chega aatingir 60.000 kw-horas por tonelada do seu elemento essencial, indispensável aoenriquecimento de terras cansadas e empobrecidas (BRANCO, 1975, p. 48).

Por outro lado, uma discussão sobre os destinos da energia produzida em Paulo Afonso,

envolvendo um empreendimento eletrointensivo, mostra que a instalação desta indústria no país era

polêmica. Em 1951, uma proposta foi encaminhada ao governo pelo representante da empresa

angloamericana Reynolds Metal Company, manifestando o interesse em instalar uma fábrica de alumínio

no Nordeste, para produzir 90 mil toneladas do metal, aproveitando a disponibilidade de energia da

hidrelétrica de Paulo Afonso. A fábrica consumiria aproximadamente 1,8 bilhões de KW/h anualmente.

Vozes contrárias logo se levantaram contra a exploração estrangeira da energia gerada pela usina,

encabeçadas por Clemente Mariani54, que foi um dos mais veementes opositores da proposta. Para

ele, o objetivo da construção da hidrelétrica era o desenvolvimento do Nordeste e a diminuição dos

desequilíbrios regionais, o que representava não somente os interesses da região, mas os interesses

nacionais (TAFAKGI, 1994, p. 59). Desviar a energia destinada ao desenvolvimento do país, em prol

da produção do alumínio que seria exportado para os países industrializados, não cabia, portanto, nos

objetivos e metas daquele aproveitamento hidrelétrico.

Nos anos 1970, contudo, além do inquestionável domínio tecnológico da produção de

eletrointensivos, a proposta de instalação desta indústria na Amazônia prometia um tipo de

desenvolvimento regional. Sua instalação implicaria na implantação local de complexos industriais de

alta tecnologia, envolvendo também uma possível geração de empregos durante a implantação dos

mega-projetos. Na fase operacional, em menor escala, a implantação de infra-estruturas industriais,

54Presidente do Banco da Bahia, ex-ministro da Educação e Saúde do Governo Dutra e um dos articuladores dacampanha para a entrada da Bahia na primeira etapa do projeto de Paulo Afonso.

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equipamentos urbanos e geração de receita, com aumento do PIB regional e participação na pauta

nacional de exportações. O transporte de energia para outras regiões, além do alto custo, teria menos

benefícios “aparentes” para a região, sendo mais difícil de ser “vendido” no “mercado político regional”.

A Eletronorte e o Setor Elétrico como um todo, necessitavam do apoio dos políticos da

região para obter junto ao Orçamento da União e aos projetos e programas de desenvolvimento os

recursos necessários para a execução das obras, além do aval para a contratação de empréstimos em

moeda estrangeira. Para isso era fundamental ressaltar as vantagens regionais da exploração do potencial

hidrelétrico amazônico. No encontro realizado para debater o II PND e os programas de

desenvolvimento regional do Pará, o senador Evandro Carreira (MDB/AM), após ouvir a palestra do

presidente da Eletronorte, que confirmou os investimentos a serem realizados na região, empenhou seu

apoio ao empreendimento de Tucuruí:

Nós precisamos que V.Sa tenha recursos suficientes para concretizar a usina de Tucuruí,que representa autêntico desenvolvimento. O resto é conversa barata. E para que essedesenvolvimento se concretize tem-se que partir da energia, com a regularização doTocantins, pois a grande vocação da Amazônia é hidrográfica. Essa que é a verdade.Não há maior validade na Amazônia, no momento, do que a instalação dessa entidade(Discurso do senador Evandro Carreira, apud LLANO, 1975, grifos nossos).

Este pronunciamento a favor da usina retrata um discurso que se tornou corrente no

Congresso Nacional e que foi reproduzido por inúmeros parlamentares ao longo dos anos55.

5.3.2 A Elaboração de um plano ambicioso

Em 1975, com a conclusão de diversos estudos, a Eletronorte começou um “agressivo”

programa de atividades, com o início das obras civis de Tucuruí (construção da ensecadeira da primeira

fase do desvio do rio), a contratação do projeto básico da usina hidrelétrica de Couto Magalhães (rio

Araguaia)56 e projetos básico e executivo de Balbina e Samuel, para avançar o plano de dotar a região

amazônica de suporte energético, pretextando seu desenvolvimento. Para o início da década seguinte,

o plano de obras incluía a conclusão das usinas hidrelétricas de Tucuruí (1a etapa), Balbina, e Samuel,

55 Vários parlamentares se pronunciaram em defesa da construção da hidrelétrica e para garantir a dotação de recursosnecessários à continuidade das obras. Ver especialmente: discursos do senador Gabriel Hermes (ARENA/PA até1979, PDS/PA a partir de 1980), publicados no DCN de 19/05/1979, p. 866; no DCN2 de 31/03/1979, p. 555; de 13/08/1981, p. 3547; de 22/06/1985, p. 2050, de 05/12/1984, p. 4892; de 05/05/1983, p. 1484; de 25/03/1980, p. 504; no DCNde 19/05/1979, p. 866; e DCN2 de 31/03/1979, p. 555; discurso do senador Gastão Müller (PMDB/MT), publicado noDCN2 de 13/06/1984, p. 1934; e discurso do senador Galvão Modesto (PDT/RO), publicado no DCN2 de 05/12/1985,p. 534. Sobre a importância do empreendimento para a economia nacional, ver discurso do senador Aloysio Chaves(PDS/PA), publicado no DCN2 de 27/11/1984, p. 4538. Em defesa da 2a etapa do empreendimento, ver os discursosdos senadores Jarbas Passarinho (PDS/PA), publicado no DCN2 de 23/09/1989, p. 5071 e Aloysio Chaves (PFL/PA),publicado no DCN2 de 14/08/1986, p. 2718.56 O objetivo da usina era atender ao mercado de Cuiabá, o terceiro da área de atuação da Eletronorte.

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esta última em fase de projeto básico, além de Manso (MT) e Santo Antonio I no rio Cotingo (RR),

Santa Isabel no rio Araguaia para atender ao projeto Carajás e Cachoeira Porteira para atender à

exploração de bauxita no rio Trombetas.

Com a instalação do canteiro de obras de Tucuruí, a Eletronorte passou a se confundir com

a usina, “uma sigla significando a outra” (ELETRONORTE, [1978b]). Além de ser a maior hidrelétrica

100% nacional, como se orgulham de registrar até hoje os engenheiros e dirigentes da empresa, a usina

iria inaugurar a “vocação exportadora de energia da Amazônia” (ELETROBRÁS, 1978), caracterizando

a região como “província energética” (PINTO, 2002 e 2006) a ser explorada através dos seis grandes

aproveitamentos hidrelétricos prioritários, programados pela Eletronorte para a região Norte: Tucuruí e

São Félix no rio Tocantins57, Balbina no rio Uatumã, Katuema na confluência dos rios Capucapu e

Jatapu, Samuel no rio Jamari e Couto Magalhães no rio Araguaia. De acordo com a Eletrobrás,

A análise dos mercados para a energia que será retirada das águas dos rios amazônicos,através de grandes projetos, revela que já está sendo concretizada o que certos setorestécnicos estão chamando de ‘vocação exportadora de energia da Amazônia’. Deladependerá principalmente, a região Sudeste, quando se esgotarem seus aproveitamentoshidráulicos, inclusive médios e pequenos, o que deverá acontecer por volta de 1990(ELETROBRÁS, 1978, grifos nossos, aspas no original).

Ao atribuir a outrem – especialmente um sujeito imbuído da qualidade de “técnico” – a

“vocação” energética exportadora da região, o Setor Elétrico (através da Eletrobrás) transferiu para a

sociedade a responsabilidade pela reconfiguração da Amazônia no cenário da energia elétrica nacional,

definida pelo próprio setor58. A conseqüência disso seria que, ao realizar os aproveitamentos hidrelétricos

da Amazônia, o Setor Elétrico estaria concretizando os anseios de uma parte “qualificada” da sociedade.

Fabiani mostra que ao atuar como árbitro no uso de recursos naturais, o Estado recorre à

ciência e à técnica para legitimar sua representação da natureza. O processo de cientifização da política

é uma forma de despolitização em que os problemas são reduzidos a uma solução técnica, baseada na

verdade científica (FABIANI, 1989, p. 202). A institucionalização da racionalidade técnica é uma

maneira de legitimar a decisão política que delimita direitos de uso, define a propriedade dos espaços,

57 Também já se havia levantado a possibilidade de realizar outros empreendimentos a montante de Tucuruí e SãoFélix, como Peixe, Porto Nacional, Carolina, Santo Antônio e Santa Isabel (LLANO, 1975). Estudos posterioreseliminaram Carolina e Porto Nacional e incluíram outros sítios como Serra Quebrada, Estreito, Tupiratins, Lajeado eIpueiras (ELETRONORTE, 1988, v.1).58 Desde o Plano 90 (elaborado em 1973-74), a Amazônia passou a figurar formalmente no planejamento do suprimentoelétrico nacional como região exportadora de energia. Vários estudos a partir de então, buscaram viabilizar técnicae economicamente esta transformação, utilizando os grandes aproveitamentos planejados para a região. Dentre osestudos destacam-se: as Diretrizes Gerais para o Estudo da Transmissão da Amazônia (1978); os Planos 2000, 2010e; e o Estudo de Transmissão da Amazônia (ETA 2000, iniciado em 1981). Cf PEITER, 1994, p. 152-154. Os “setorestécnicos” aos quais o texto se refere, portanto, incluem principalmente os próprios quadros da Eletrobrás.

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regulamenta e cria espaços específicos para a realização de determinadas atividades, estabelece critérios

de “sustentabilidade” etc., através do argumento da autoridade científica. Este processo de

racionalização/tecnificação viabiliza também a difusão e divulgação dos modelos de gestão do território

e uso dos recursos, orientando o acesso dos grupos sociais aos recursos naturais e, por conseguinte,

às formas de valorização do capital no espaço.

Dos grandes projetos hidrelétricos planejados pela Eletronorte para as décadas de 1970

e 1980, somente Tucuruí, Balbina e Samuel se concretizaram neste período, sob a égide do modelo de

racionalidade técnica descrito. O porte dos empreendimentos, a dimensão dos recursos mobilizados

(humanos, materiais, financeiros, espaciais e ambientais) e as transformações produzidas no meio

ambiente, no espaço e na sociedade confirmam que os grandes projetos e as macro-políticas setoriais,

como as políticas de energia elétrica, “constituem elementos chave dos modos contemporâneos de

estruturação e gestão do território” (VAINER, 2005).

5.3.2.1 A concretização da visão: os grandes projetos hidrelétricos

Os três primeiros mega-empreendimentos hidrelétricos da Amazônia tiveram como

justificativas iniciais o suprimento regional. Tucuruí serviria para suprir a cidade de Belém, cujo

crescimento de 15% ao ano e mais as possibilidades colocadas pelos projetos que seriam aprovados

com os incentivos fiscais da SUDAM, garantiriam um mercado consistente para o empreendimento,

nos moldes originalmente recomendados pelo ENERAM, ou seja, um aproveitamento de médio porte

com cerca de 300 MW de potência (PINTO, 2002). Balbina iria atender às perspectivas de crescimento

econômico da Amazônia ocidental, reforçando o sistema elétrico de Manaus onde o desenvolvimento

da Zona Franca e do distrito industrial (que consumia então 27% do total da energia comercializada

pela CEM) aumentavam a demanda de eletricidade, pressionando o precário e limitado parque gerador

que atendia às indústrias e ao consumo residencial. Balbina também iria contribuir para uma redução

do consumo de óleo combustível que alcançava 400.000 toneladas por ano. Samuel iria complementar

e integrar o sistema térmico Acre-Rondônia, a fim de dotar a região – que era objeto da política oficial

de incentivo à ocupação (Polonoroeste) – de infra-estrutura energética, contribuindo também para a

redução do consumo de derivados do petróleo.

Como o governo pretendia incentivar a indústria eletrointensiva e o mercado de Belém não

era suficiente para um empreendimento de grande porte, uma nova justificativa foi elaborada para a

construção de Tucuruí: a de que não era conveniente “poluir um aproveitamento que a natureza,

generosamente, deu ao Brasil, particularmente ao Pará”, deixando de armazenar uma maior quantidade

de água/energia que poderia “viabilizar a transformação [dos] recursos imensos, sobretudo a bauxita,

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cuja transformação exig[ia] um intenso uso de energia elétrica” (LLANO, 1975). A decisão por um

empreendimento menor inviabilizaria a indústria do alumínio: “Se fosse só para atender o mercado de

Belém, Tucuruí não seria viável, pela escala do aproveitamento e pela escala do mercado de Belém”

(LLANO, 1975). O atendimento aos mercados das empresas Albrás/Alunorte, no Pará, Alcoa/Alumar

no Maranhão e Projeto Grande Carajás foi, portanto, fundamental para a realização do empreendimento.

Assim, na memória do empreendimento elaborada entre outubro de 1986 e dezembro de

1987, a finalidade da usina foi redefinida e passou a compreender:

o atendimento ao mercado de energia elétrica polarizado por Belém e pelas elevadascargas que seriam instaladas, decorrentes de empreendimentos eletrometalúrgicos, tendocomo base o complexo alumínio-alumina, que seria criado pela ALBRÁS, a futurainterligação do sistema CHESF e o suprimento das cidades e vilas servidas pela CELPAe CELG. (ELETRONORTE, 1988).

Nesta definição buscou-se uma conciliação entre os macro-objetivos da política energética

nacional (suprimento energético dos projetos eletrointensivos e interligação inter-regional) e o suprimento

local, numa estratégia de atribuir formalmente, o mesmo peso a diferentes tipos de consumidores e

usos energéticos.

Em setembro de 1974, foi assinado o acordo que criou a empresa Alumínio Brasileiro S/A

(ALBRÁS), consórcio formado por investidores japoneses (49%) e a CVRD (51%) para desenvolver

um complexo industrial produtor de alumina e alumínio. O governo brasileiro tentou convencer os japoneses

a financiarem a construção da usina e algumas negociações foram conduzidas neste sentido59, mas logo

os investidores desistiram de patrocinar a usina e foi criado um impasse: os japoneses também não

queriam investir na Albrás antes que a questão energética estivesse “fisicamente assegurada”, ou seja,

antes que a usina estivesse implantada e o governo brasileiro, por sua vez, não queria investir na usina até

que o mercado consumidor para a energia estivesse garantido. Apesar disso, em 1975 o presidente

Geisel e o ministro Ueki decidiram seguir adiante com a construção, embora tivesse surgido um novo

complicador: a Albrás decidiu reduzir a capacidade da planta industrial de 640 para 320 mil toneladas, o

que limitava a demanda de energia elétrica projetada para a usina (SCHNEIDER, 1994, p. 258).

A decisão de construir Tucuruí foi uma “decisão de governo” que extrapolou o processo

decisório setorial. De acordo com o WCD REPORT (2000b, p. 63) um dos consultores da Albrás –

59 Logo depois da assinatura do acordo com os japoneses, uma grande reportagem publicada na Revista Manchete,noticiou o início das obras para a instalação de Tucuruí, “cujos trabalhos est[avam] sendo executados com recursosdo Brasil e do Japão, porque a energia ali produzida se[ria] consumida principalmente pela Albrás (...)”(MANCHETEoutubro/1974, grifos nossos). A reportagem também anunciou a interligação do sistema Norte/Nordeste através daconstrução da usina hidrelétrica de Boa Esperança no Piauí, para atender às necessidades da Albrás, até que Tucuruíentrasse em operação.

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considerado uma das maiores autoridades brasileiras em alumínio – afirmou que a decisão de construir

Tucuruí antes que fosse assegurado o mercado para a energia gerada, foi a maior decisão governamental

no sentido de viabilizar o desenvolvimento da indústria do alumínio na Amazônia. Foi uma jogada em

que o setor, com o aval do governo federal, realmente assumiu todo o risco do empreendimento. O

ministro das Minas e Energia justificou a assunção da construção da usina pelo governo brasileiro

como uma questão de diferenças no cronograma de implantação dos projetos:

Cheguei a conclusão de que seria muito difícil, quase impossível fazer com que osinvestidores financiassem a construção da hidrelétrica. Os motivos são simples: ossócios tinham interesses quase conflitantes e o prazo de cada um dos empreendimentosera diferente. (...) Decidimos (...) que cada projeto deveria buscar sua própriaeconomicidade enquanto a geração de energia passaria a ser encargo do GovernoFederal (ELETRONORTE, apud KOWARICK, 1995, p. 111, grifos nossos).

Os “interesses conflitantes” não explicitados parecem ter sido as verdadeiras razões de

o Estado ter bancado a construção da usina com recursos públicos60 e endividamento externo61. De

acordo com SCHNEIDER (1994, p. 259), o governo se sentiu pressionado a assumir toda a infra-

estrutura para a instalação da Albrás, “porque os japoneses estavam conseguindo compromissos

governamentais similares em outros países em desenvolvimento”. BERMANN (1996) e SILVA

(2005) afirmam que a desistência dos japoneses em investir na usina hidrelétrica estava relacionada

à queda dos preços internacionais do alumínio. Reduzir os custos do investimento (para os

investidores) era uma forma de o governo brasileiro manter o interesse dos japoneses e garantir a

realização do empreendimento.

Em 1976, foram definidas as participações dos governos japonês e brasileiro no projeto:

ao Japão caberia fornecer a tecnologia e constituir a Nippon Aluminium Company (NALCO), agregando

posteriormente outras empresas. Ao governo brasileiro caberia a construção de Tucuruí, a implantação

da infra-estrutura para a instalação do complexo, inclusive o porto em Ponta Grossa, o núcleo urbano

de apoio, a estação rebaixadora de energia, além de garantir o acesso a empréstimos estrangeiros para

o empreendimento (SAMPAIO, 1997, p. 113).

Para o suprimento de energia elétrica, foram assinados Protocolos de Intenções, em outubro

de 1976, com as empresas e a Secretaria de Planejamento da Presidência da República, o Ministério

60 Um dos meios utilizados para a constituição de fundos públicos para a usina foi o aumento de 32% no preço dagasolina. De acordo com, o ministro das Minas e Energia tratava-se de uma transferência de recursos, já que agasolina era então subsidiada (KOWARICK, 1995).61 Em 1977 o ministro Ueki defendeu o uso de “poupanças externas” na ampliação do parque gerador hidrelétricobrasileiro, afirmando que diante do elevado progresso alcançado nos últimos 10 anos (cujo parque gerador passara de 7para 22.000 MW), valia a pena investir e aumentar a potência instalada e ter a “condição básica de desenvolvimento, queé a Energia”, a fim de acelerar o desenvolvimento nacional (UEKI, 1977).

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das Minas e Energia, o Departamento Nacional de Produção Mineral e o Departamento Nacional de

Águas e Energia Elétrica como intervenientes. Este pool institucional garantia o caráter de “política de

governo” na aplicação dos subsídios tarifários e afiançava a assinatura de contratos futuros para o

fornecimento de energia elétrica pela Eletronorte com os benefícios tarifários assegurados pelas portarias

MME nos 1.654/79 e 1.655/79. Em 1985, reconhecendo o efeito negativo destas portarias, o então

ministro Aureliano Chaves publicou a Portaria MME no 1.538/85, que revogou a autorização para a

celebração de novos contratos de prestação de serviços públicos de energia elétrica com cláusulas de

descontos especiais. Esta portaria, contudo, não alterou a relação com os contratos já assinados que

continuaram vigorando. A manutenção dos subsídios chegou a ser contestada anos depois, com base

na portaria ministerial, mas a Albrás/Alunorte obtiveram liminar na justiça que garantiu a manutenção

do benefício (FOLHA DE SÃO PAULO, 24/04/1995).

Os contratos de fornecimento de energia com a concessão dos descontos especiais62

foram celebrados com a Albrás, em 19 de janeiro de 1980, com duração de 20 anos e vigência de 01

de junho de 1984 a 31 de maio de 200463 e com a Alumar em 09 de setembro de 1980, com duração

de 20 anos e vigência de 01 de julho de 1984 a 30 de junho de 2004.

As negociações para a construção das grandes usinas hidrelétricas, na Amazônia,

transcorreram num quadro de escassez de recursos por parte do governo federal, com importantes

reflexos na política industrial, especialmente em relação à política de substituição de importações. Com

a falta de mecanismos de financiamento interno – pois o BNDE também não tinha recursos para

financiar a construção das usinas64 –, foi negociada a participação de firmas francesas no projeto de

Tucuruí, cujos equipamentos elétricos seriam importados através de suppliers’ credits, com garantia

de um consórcio de bancos europeus, respaldados no Banco Francês de Comércio Exterior65. Em

1977, a Eletrobrás concluiu que os preços fixados pelos fabricantes para os equipamentos a serem

62 Posteriormente, a Eletronorte assinou contrato também com cláusula de redução tarifária com a Camargo CorreiaMetais (CCM), responsável por um projeto integrado no município de Tucuruí, envolvendo a produção de silíciometálico, mineração de quartzo e atividades florestais para a produção de carvão vegetal utilizado como redutor noprocesso industrial. O projeto começou a funcionar em 1988 e o contrato foi celebrado em 06/03/1985 com duração de 30anos e vigência de 01/04/1988 a 31/03/2018.63 Com o fim do contrato em 2004, a Albrás, como grande consumidora individual de energia (cerca de 1,5% do consumonacional), recorreu ao Mercado Atacadista de Energia. Através de um leilão, cujo teto para os lances era de R$ 53 o MW/h, a empresa obteve da Eletronorte – a única com condições reais de fornecer energia a este preço, já que pelos cálculosda Companhia de Eletricidade de São Paulo somente a transmissão de energia até a fábrica em Barcarena custaria um terçodo valor máximo estabelecido pela Albrás – a garantia do fornecimento de energia pelos próximos 20 anos (PINTO, 2004).64 A partir de 1974 o BNDE teve uma ativa participação no financiamento da expansão do Setor Elétrico, especialmente deItaipu, através do fornecimento de créditos subsidiados para investimento, para a compra de equipamentos e máquinas(FINAME) e capital de risco para o parque nacional de bens de capital (EMBRAMEC – Mecânica Brasileira S/A).Ao final da década, no entanto, sua capacidade de financiamento estava esgotada, com sucessivos cortesorçamentários (KLEIN, 1986).65 Os créditos foram obtidos em 1976 durante a visita do presidente Geisel à França. Este foi apenas o início de umasérie negociações e empréstimos.

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fornecidos através de suppliers’ credits eram muito superiores aos do mercado internacional e anulavam

quaisquer benefícios dos créditos privilegiados. Foi solicitada uma redução de 45 milhões de dólares

para saldar os equipamentos já adquiridos e a empresa ameaçou reduzir para 8 o número de turbinas

a serem fabricadas pela subsidiária brasileira do Grupo Empain-Schneider (JORNAL DO BRASIL,

21/07/1977 e 16/09/1977). Na rodada de negociações seguinte, o total de equipamentos sofreu uma

redução de 40% no valor do crédito que tinha sido inicialmente acordado (US$ 460 milhões). Em

março de 1978, face da iminente paralisação das obras de Tucuruí e devido à sua baixa capacidade de

barganha, a Eletrobrás obteve novos créditos no valor de 200 milhões de dólares em Londres (com o

aval do governo brasileiro), junto a um consórcio de bancos liderados pelos Crédit Commercial e

Manufacturers Hanover, com taxas de juros acima dos valores prevalecentes no mercado financeiro

internacional (GAZETA MERCANTIL, 01/03/1978). “Além de ser obrigada a aceitar cláusulas

contratuais claramente desvantajosas, a ELETROBRÁS via-se agora na contingência de importar a

totalidade dos equipamentos elétricos correspondente ao montante de créditos estrangeiros obtidos”

(KLEIN, 1986, p. 98). Isso sem contar que vários dos equipamentos podiam ser fabricados e fornecidos

pela indústria eletromecânica nacional, com custos muitos mais baixos, como apontavam as críticas

das associações dos fabricantes como ABDIB (Associação Brasileira da Infra-Estrutura e Indústrias

de Base), ABIMAQ (Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos) e ABINEE

(Associação Brasileira da Indústria Eletro-Eletrônica).

De acordo com o ex-diretor da Eletronorte, Dário Gomes, a importação dos equipamentos

foi uma imposição do tipo de financiamento obtido na França. O que os brasileiros queriam era o

crédito paralelo de duas vezes o valor da compra dos equipamentos, mas não havia interesse em

comprá-los porque “naquela ocasião a indústria nacional estava muito bem” (ELETROBRÁS, 1992).

Os empréstimos paralelos deveriam se destinar à construção das obras civis, mas acabaram retidos na

SEPLAN e no Branco Central, o que contribuiu para atrasar as obras de Tucuruí.

Ao final do governo Geisel, as dificuldades financeiras da Eletrobrás – cuja dívida externa

aumentava em ritmo acelerado devido aos inúmeros projetos que eram desenvolvidos simultaneamente

– tornavam cada vez mais difícil a obtenção de crédito no exterior, revelando também sua fragilidade

política. A Eletronorte, como coordenadora executiva dos projetos na Amazônia, ficou preservada do

desgaste político ao qual foi submetida a Eletrobrás, embora tenha sido afetada pela crise financeira66

que atingiu o Setor Elétrico como um todo.

66 Dificuldades financeiras e insuficiência dos recursos liberados disponíveis levaram a Eletronorte a contrairempréstimos com financiamento de curto prazo no mercado nacional para cobrir os dispêndios do ano de 1980. A maiorparte dos recursos da empresa eram então empregados no sistema de transmissão para a interligação Norte/Nordeste,que estava vinculado ao contrato de suprimento da Albrás a partir de julho de 1984 (ELETRONORTE, 1980).

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Tucuruí foi construída em duas etapas. As obras iniciaram-se em 24 de novembro de

1975, e em 6 de setembro de 1984 começou o enchimento do reservatório, que viria ocupar uma área

de 243.000 hectares, submergindo 14 povoados e duas reservas indígenas, 160 km de rodovias e

deslocando compulsoriamente cerca de 5.000 famílias67.

O processo de elaboração de estudos e projetos e a construção de Tucuruí foi um laboratório

excepcional para a Eletronorte e para a engenharia nacional. Especialmente no que se refere à experiência

na execução de projetos hidrelétricos em florestas tropicais (TUDISI et alii, 2003).

Os estudos de inventário hidrelétrico da bacia do rio Tocantins e de viabilidade deTucuruí utilizaram o conhecimento mais atualizado disponível no País. Na ocasião,quase não havia experiência de estudos hidroenergéticos em áreas cobertas por densasflorestas, características da Amazônia. (WCD REPORT, 2000b, p. 62).

A pressa com que foram realizados os estudos, contudo “impediu um desejável

amadurecimento das soluções propostas para Tucuruí, o que explica as diferenças de projeto entre as

fases de viabilidade, projeto básico e projeto executivo (...)”(WCD REPORT, 2000b, p. 62). Para

lidar com as questões sociais e ambientais que emergiam no país no início da década de 1980, antevendo

ainda as críticas e problemas sócio-ambientais, a Eletronorte contratou o ecólogo Robert Goodland

para elaborar estudos sobre o meio ambiente e firmou convênios com instituições e centros de pesquisa

de renome, como o INPA (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia), o Museu Paraense Emílio

Goeldi e a Universidade Federal do Pará, entre outras, a fim de respaldar suas ações. O ex-diretor da

Eletronorte Dário Gomes definiu os termos para a realização dos estudos ambientais:

Eu confesso que naquela ocasião disse a ele: ‘Olha Goodland eu quero um relatóriopara fazer a obra. Quero saber quais os problemas que nós vamos poder ter, mas euquero saber como realizar a obra, ignorando o que for possível em relação aosproblemas ambientais. Não me interessa um relatório que diga que vai inundar a florestae não pode fazer a obra.’ Realmente ele fez um relatório interessante para nós queserviu de base para muitas coisas que se fez ao longo da construção da obra. (Entrevistaao Dr. Dário Gomes realizada em 27/02/1992, por Paula Y Stroh e Renato L. Lopes,ELETROBRÁS, 1992, grifos nossos)

A região inundada pelo reservatório compreende áreas nos municípios de Itupiranga,

Jacundá, Tucuruí, Breu Branco, Goianésia do Pará. Nova Ipixuna e Novo Repartimento, os quatro

últimos municípios emancipados após o início da segunda etapa em 1998. Com a conclusão da segunda

67 Para uma visão mais geral sobre as conseqüências sociais e ambientais da construção da usina hidrelétrica deTucuruí ver CASTRO, 1989; MARIN, 1996; BIERY-HAMILTON, 1996; BERMANN, 1996 e WCD Report, 2000c eMAGALHÃES, 2005.

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etapa Tucuruí terá cerca de 2.875 Km2 e 8.370 MW de capacidade total de geração68. A operação

comercial do primeiro grupo gerador só teve início em 10 de novembro de 1984. Quando a 12a

máquina entrou em operação, a Albrás ampliou sua planta de fundição de 160 mil ton/ano para 334 mil

ton/ano de produção de alumínio primário (BERMANN, 1996, p. 19).

Figura 33 – Usina Hidrelétrica de Tucuruí. Eletronorte.

A falta de recursos também afetou os cronogramas de Balbina e Samuel, que só começaram

a ser construídas em 1981 e 1982, respectivamente. Parte dos recursos se originaram de um empréstimo

setorial69 de US$ 500 milhões do Banco Mundial, destinado ao aumento da capacidade energética

(FEARNSIDE, 1988 e 2004b).

As máquinas eletromecânicas de Balbina foram adquiridas junto ao Grupo Creusot-Loire

com financiamento de bancos franceses. Os atrasos nas obras fizeram com que novas unidades térmicas

tivessem de ser instaladas em Manaus, sem contar o sub-dimensionamento do mercado no planejamento

da usina hidrelétrica (MARIN, 1996). Associada à hidrelétrica foi projetada uma termelétrica 50 MW,

com duas unidades de 25 MW para utilizar cavacos de madeira como combustível, obtidos na área do

68 Em 25.01.2006 a usina possuía uma potência disponível de 6.115 MW e as últimas unidades estavam sendo instaladas,com previsão de finalização no segundo semestre. A maior parte energia produzida com a conclusão da segunda etapaserá fornecida para os grandes grupos industriais como a CVRD, CCM, Alcoa, Billiton, Alcan, Albrás e Alunorte, porperíodos variáveis com duração entre 8 a 20 anos. O restante será fornecido para as distribuidoras regionais através decontratos de comercialização de energia, firmados a partir de leilões de energia no ambiente regulado do setor, conformeo Decreto no 5.163, de 30/07/2004.69 A principal característica do empréstimo setorial era que ele não relacionava diretamente o Banco a nenhumempreendimento, deixando a cargo do Setor Elétrico a alocação do recurso, o que, por outro lado, eximia o Banco daresponsabilidade direta pelo financiamento de determinadas obras.

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reservatório. Em 1983, a Eletronorte obteve financiamento japonês e a termelétrica entrou em operação

no início de 1984, para atender à Vila Residencial e ao canteiro de obras (ELETRONORTE, 1984b).

A termelétrica de Balbina se tornou a Manaus III e foi incorporada ao sistema gerador da capital do

estado (CABRAL, 2004, p. 120).

A aprovação presidencial para a construção de Balbina foi dada em 15/06/1978

(ELETRONORTE, 1978a), mas as obras só começaram em 1981, dentre outras razões, pela falta de

recursos70. A construção da usina envolveu uma série de erros técnicos e decisões políticas. De acordo

com Fearnside, “o governo queria dar uma grande obra ao estado do Amazonas, e a alternativa mais

próxima, embora com potencial substancialmente maior, situava-se no Pará (cachoeira Porteira)”

(FEARNSIDE, 1990, p. 36).

Há uma série de especulações a respeito do processo decisório de Balbina. FEARNSIDE

(1988) atribui a decisão a uma relação política/pessoal entre o presidente Geisel e o governador do

Amazonas Henoch Reis: Balbina seria um “presente” ao governador, que demonstraria sua habilidade

na obtenção de favores políticos do poder central71. Anos mais tarde, em depoimento ao CPDOC, o

ex-presidente definiu Henoch Reis como “um pobre de espírito, e [que] por isso não conseguiu fazer

quase nada” (D’ARAÚJO e CASTRO, 1997, p. 386). Ele fora indicado ao governo do estado pelo

general Moraes Rego, que era amigo e íntimo colaborador de Geisel, e é possível que o presidente

quisesse impulsionar a carreira do protegido de seu amigo, ao mesmo tempo em que buscava garantir

o futuro do partido político dos militares no poder, nas eleições de 1982.

Outra possibilidade envolveria a disputa entre “as Amazônias” oriental (região de Belém)

e ocidental (região de Manaus) desde as políticas da SPVEA, consideradas pró-Amazônia oriental72

(MAHAR, 1978b). Com os investimentos programados para o estado do Pará (o complexo mínero-

metalúrgico da Albrás/Alunorte e o PGC, incluindo a construção da UHE Tucuruí), e considerando o

papel que as hidrelétricas representavam em relação ao desenvolvimento como “símbolos do progresso”,

era natural que houvesse pressão por parte do Estado do Amazonas para que tivesse o mesmo

70 A questão do financiamento da obra mobilizou políticos locais no Congresso Nacional em diversas ocasiões. Ver:o discurso do senador Raimundo Parente (PDS/AM), publicado no DCN2 de 04/11/1981, p. 5949; o discurso dasenadora Eunice Michilles (PFL/AM), publicado no DCN2 de 20/06/1985, p. 1918; o discurso do senador EvandroCarreira (MDB/AM), publicação no DCN2 de 30/11/1977, p. 7275;os discursos do senador Gabriel Hermes (PDS/PA),publicados no DCN2 de 17/05/1983, p. 1747 e de 05/05/1983, p. 1472; os discursos do senador José Lindoso (ARENA/AM), publicados no DCN2 de 02/12/1977, p. 7438 e de 27/09/1977, p. 5016; e os discursos do senador Raimundo Parente(PDS/AM), publicados no DCN2 de 23/06/1979, p. 2929, de 04/11/1981, p. 5949 e 20/08/1985, p. 2746.71 De fato, em discurso proferido em 20/08/1978 no Congresso dos Municípios, o governador Henoch Reis anunciou aconquista da construção de Balbina para atender ao mercado de Manaus (REIS, 1979).72 A criação da Zona Franca de Manaus em 1967 foi uma iniciativa para contrabalançar a tendência anterior pró-Amazônia oriental (MAHAR, 1978b).

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tratamento73. É possível, portanto, que a decisão política de descartar o aproveitamento de cachoeira

Porteira, no rio Trobetas, no Pará, pelo sítio de Balbina, no Amazonas, tenha envolvido mais do que

razões eleitorais e buscasse evitar um possível “contra-planejamento” regional que se colocasse em

oposição à política nacional de desenvolvimento na região, caso as elites locais se sentissem alijadas

do processo. Conforme aponta PEREYRA (1978, p. 157), para atender aos objetivos do pólo nacional

desenvolvido, defendidos pelo governo federal, era mais importante manter na região o espírito do

desenvolvimento atrelado de forma subordinada à política nacional, do que propriamente promover o

desenvolvimento regional. Neste sentido, a construção de Balbina no Estado do Amazonas serviria

mais para acalmar possíveis descontentamentos dos grupos dominantes locais, do que para promover

quaisquer iniciativas indutoras do desenvolvimento na região. Daí a decisão política.

Os estudos de Balbina se basearam em dados imprecisos74 que determinaram erros técnicos

na concepção e execução da usina, especialmente relacionados às diferenças nas estimativas entre

capacidade nominal instalada (250 MW, com cinco geradores de 50 MW) e a produção real, que é

reduzida em função da baixa vazão média do rio Uatumã. Com a vazão média real a usina é capaz de

gerar 112,2 MW, considerando as perdas na transmissão, a energia efetivamente entregue em Manaus

está muito abaixo da capacidade nominal projetada.

O fechamento da barragem inundou uma área de 2.360 km2, formando um lago raso

com profundidade média de 7,4 m, composto por um labirinto de ilhas e igarapés e tornou os

afluentes dos rios Uatumã e Abonari inabitáveis. Com um reservatório quase do tamanho de Tucuruí

(que com 2.875 km2 pode produzir até 8.370 MW), o sacrifício em floresta75 e biodiversidade

torna-se injustificável e a usina é considerada um desastre tanto do ponto de vista das perdas sociais

e ambientais, quanto da baixa eficiência energética. Além das perdas em biodiversidade, a construção

da usina inundou parte da reserva indígena Waimiri-Atroari, deslocou compulsoriamente seus

integrantes, alterou significativamente a estrutura e organização social desses grupos indígenas e

subordinou seus territórios aos planos de desenvolvimento do poder central (BAINES, 2000, 1996a

e 1996b e VIVEIROS DE CASTRO e ANDRADE, 1988). De acordo com BAINES (1996a, p.

73 Ver especialmente o registro do apoio da Assembléia Legislativa do Amazonas à construção da obra pelo senadorRaimundo Parente (PDS/AM), publicado no DCN2 de 16/06/1979 p. 2749.74 As descargas médias, mínima e máxima foram definidas a partir da comparação dos dados existentes (de cincoanos) com fotografias aéreas de satélite e correlação com dados dos países vizinhos (LLANO, 1978). Foi realizada uma“operação de guerra” para a realização dos estudos que envolveu helicópteros, hidroaviões e equipes (de empresas, doexército e da FUNAI) no meio de uma selva virgem e inóspita, dominada pela vegetação fechada e um clima desconhecido.O apoio terrestre era feito através de equipes que desciam na floresta em cordas a partir de helicópteros para abrir clareirase instalar os instrumentos (sensores remotos) para definir as coordenadas geodésicas (LLANO, 1979). Para uma descriçãojornalística desta operação ver: MARTINS, 1981.75 Cerca de 40 milhões de árvores foram mortas entre maçaranduba, cedro, pau-rosa, buriti, tucumã, patoá e abacabas(MARTINS, 1981).

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748), a partir do final dos anos 1960 o governo federal iniciou um processo maciço de ocupação do

território Waimiri-Atroari através de grandes projetos de desenvolvimento regional. No período

1972-1977 foi organizada uma “operação de pacificação” dos Waimiri-Atroari pela FUNAI enquanto

era construída a BR-174, ligando Manaus a Boa Vista. No início dos anos 1980 foi criado o Projeto

Pitinga, com a instalação da empresa de Mineração Taboca S.A. (do Grupo Paranapanema) para a

extração de cassiterita, principal minério de estanho. No processo de instalação da mina, o alto rio

Uatumã foi “rebatizado” com o nome de Pitinga, a fim de legalizar o desmembramento de uma

grande área da reserva indígena Waimiri-Atroari76. Aí foi instalada em 1984 a usina hidrelétrica

Pitinga, de uso exclusivo da mineradora77. O processo de subordinação dos territórios indígenas

culminou com a construção da UHE Balbina e a criação do Programa Waimiri-Atroari (PWAIFE).

Com a polêmica criada em torno dos danos sociais e ambientais produzidos pela usina, a

Eletronorte lançou em 1987 o PWAIFE, através do convênio FUNAI/Eletronorte (Termo de

Compromisso no 002/87, de 03.04.1987), “para diminuir os efeitos diretos e indiretos da usina sobre

a comunidade” (CABRAL, 2004, p. 154). VIVEIROS DE CASTRO e ANDRADE (1988) e BAINES

(2000, 1996a e 1996b) destacam, no entanto, o tratamento autoritário, assitencialista e etnocêntrico

dado aos Waimiri-Atroari que não apenas visou convencer as lideranças indígenas da inevitabilidade

da perda dos seus territórios, como passou a orientar “como deveria ser o índio”, determinando a

forma das habitações nas comunidades realocadas, as roças, as atividades comerciais (implantação de

agroindústria para o comércio de frutas e beneficiamento de castanhas), projetos agropecuários e

exploração mineral, constituindo o que este último autor chamou de “indigenismo empresarial”78.

Com a criação do PWAIFE, a Eletronorte começou selecionar as pesquisas antropológicas

a serem realizadas no (seu?) novo território Waimiri-Atroari, em nome da autodeterminação daquele

povo indígena. Posteriormente, a empresa passou a veicular o Programa, utilizando as imagens das

lideranças indígenas – bem como ações ambientais desenvolvidas em Tucuruí e Samuel –, para “vender”

seu programa indigenista como subproduto dos planos de expansão dos projetos hidroelétricos na

Amazônia (BAINES, 2000, p. 145). Se por um lado a Eletronorte até reconhece o “desempenho

ambiental negativo” de Balbina (CASTRO, 2004, p. 82), por outro, busca mostrar que através de sua

ação indigenista e programas ambientais as hidrelétricas na Amazônia podem contribuir não apenas

para desenvolver economicamente a região, mas também para preservar o meio ambiente e suas

76 A reserva indígena foi desfeita pelo Decreto Presidencial no 86.630, de 23/11/1981.77 Em 1984 foram instalados 10 MW e em 1990 mais 23 MW em Pitinga II. O total da área inundada pelos reservatórios dasusinas é de 54 e 81 km2 respectivamente. 100% da energia é usada na mineração e nas instalações da empresa.78 O projeto tem o mérito de contribuir para a sobrevivência física da população Waimiri-Atroari, especialmentedevido às melhorias na saúde (BAINES, 1996 a e 1996b), embora a custa da interferência nos processos socioculturaisdo povo indígena.

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populações indígenas, através de programas assistenciais capazes de reverter em benefícios para essas

populações os efeitos nocivos das usinas (BAINES, 2000, p. 144).

Com a conclusão da hidrelétrica de Balbina em 1989 o sistema elétrico de Manaus passou

a ser hidrotérmico, mas sua contribuição era bem pequena em relação ao parque térmico de Manaus79

que tinha 457,5 MW instalados. A baixa contribuição da usina para o sistema elétrico de Manaus e sua

dependência do parque térmico passou a ser atribuída “às baixas vazões afluentes ao reservatório de

Balbina” (ELETRONORTE, [1995]) como se a natureza fosse “culpada” de não corresponder às

decisões políticas e projeções tecnicamente equivocadas da Eletronorte.

A usina hidrelétrica de Samuel, no rio Jamari (RO), afluente do Madeira, a 96 km da confluência

com este rio e cerca de 52 Km de Porto Velho pela rodovia, começou a ser construída em 1982, dentro

do mesmo contexto de escassez de recursos de Balbina e gerou o mesmo tipo de mobilização política

daquela hidrelétrica80. O projeto básico concluído em 1979, indicou um aproveitamento de 216 MW em

5 máquinas de 43,3 MW. Foi prevista a construção de dois reservatórios, um na cachoeira de Samuel

com nível máximo na cota de 87m e outro na cachoeira de Monte Cristo, a montante, na cota de 120m.

Samuel foi planejada para atender ao território de Rondônia, especialmente Porto Velho e Abunã e

porção oriental do Acre, incluindo sua capital Rio Branco, através de um sistema associado de transmissão

com 450 km. Numa segunda fase, deveria atender a Guarajá-Mirim e as localidades às margens da

rodovia Cuiabá-Porto Velho, especialmente Ariquemes e Ji-Paraná.

A construção da usina estava profundamente associada à política oficial de avanço e

ocupação da fronteira, através de programas como o Polonoroeste81, que pavimentou a BR-36482 e

abriu o território à migração e à penetração do capital. O crescimento populacional (em média 7,6%

ao ano) produziu um aumento na demanda de eletricidade, que passou de 5,8 GWh em 1970 para 145

GWh em 1980 (Machado & Souza, 2003, p. 218, apud FEARNSIDE, 2004b). Além disso, as

próprias análises do Banco Mundial reconheciam no suprimento precário de eletricidade, através de

geradores a diesel, um entrave para o desenvolvimento de Rondônia (WORLD BANK, 1981).

79 O parque era então composto pela usina flutuante (121 MW), as térmicas a óleo combustível Aparecida (32 MW)e Mauá (137,2 MW) conhecidas como Manaus I e II e a usina à gás de Aparecida inaugurada em 1984 com 52 MW, queganhara mais duas unidades de 26 MW em 1986 e mais três de 21,1 MW em 1988. Estas últimas máquinas eramprovenientes de Tapanã II em Belém e foram desativadas em 1987.80 A falta de recursos para a construção desta usina também mobilizou os políticos no Congresso Nacional. Ver osdiscursos dos senadores Jorge Kalume (PDS/AC), publicado no DCN2 de 05/11/1981, p. 5991; Ronaldo Aragão (PMDB/RO), publicado no DCN2 de 23/02/1989, p. 182; Fábio Lucena (PMDB/AM), publicado no DCN2 de 13/06/1985, p. 1766;e Odacir Soares (PFL/RO, publicado no DCN2 de 18/10/1989, p. 5940.81 O Polonoroeste gerou graves problemas sociais e ambientais devido ao crescimento populacional desordenado, oaumento dos desmatamentos, a degradação ambiental e o efeitos desestruturadores sobre as populações indígenas. Osproblemas gerados com o Polonoroeste levaram o Banco a “rever” sua política e criar o Departamento de Meio Ambiente(BIZZO, 1999).82 A extensão total da BR-364 atravessa seis estados – São Paulo, Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso, Rondônia eAcre – e perfaz mais de três mil quilômetros, interligando Porto Velho à rede rodoviária nacional.

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Com a construção da usina hidrelétrica de Samuel foram perdidos 420 km2 floresta e os

ecossistemas aquáticos foram completamente alterados no reservatório e a jusante da barragem. A

construção do reservatório contribuiu para o aumento das emissões de gases do efeito estufa, devido

à decomposição de biomassa no seu interior. Como na região da usina “malária era gripe” (CABRAL,

2004, p. 85), já era previsível o aumento dos mosquitos e, consequentemente dos casos da doença.

Das famílias deslocadas compulsoriamente pela construção da usina, 238 foram reassentadas

pela Eletronorte (Munasinghe, 1988, p. 5, apud FEARNSIDE, 2004b), no entanto, segundo levantamentos

feitos pelo MAB, mais de duas décadas depois do fechamento da barragem 650 famílias ainda aguardam

reparação na região. Apesar de não afetar diretamente nenhuma população indígena, KOIFMAN (2001)

localiza a área indígena Karitiána nas proximidades da hidrelétrica, o que pode constituir uma ameaça à

tribo Karipúna. Também é possível que a tribo Uru-Eu-Uau-Uau, nas cabeceiras do Rio Jamari, tenha

sofrido efeitos negativos devido a interrupção da migração dos peixes.

Samuel estava em construção quando foi regulamentado o licenciamento ambiental no

país (Resolução do CONAMA no 006, de 1986). E embora o processo de licenciamento não tenha

ocorrido no caso específico da usina, em função dos estudos ambientais produzidos pela Sondotécnica,

a Eletronorte costuma divulgar que este foi o primeiro empreendimento hidrelétrico a passar pelo

licenciamento ambiental (CABRAL, 2004, p. 157).

A hidrelétrica de Samuel começou a operar em julho de 1989, com apenas uma unidade

(43,4 MW), sendo finalizada somente em meados de 1996. Com a entrada em operação de Samuel o

sistema Acre-Rondônia também se tornou hidrotérmico. Conforme o previsto, algumas unidades térmicas

foram desativadas (Porto Velho I e II), permanecendo em funcionamento as unidades Porto Velho III

e IV com três unidades de 18,1 MW, totalizando 54,3 MW.

Figura 34 – Árvores inundadas no reservatório de Samuel (março, 2001). FEARNSIDE, 2004c. Usina Hidrelétrica deSamuel. Eletronorte.

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Das três mega-hidrelétricas inauguradas na década de 1980, a despeito dos efeitos negativos

sobre o meio ambiente e a sociedade, Samuel é a única cuja energia é integralmente consumida na região.

Já Tucuruí, além da maior parte ser consumida e apropriada por mercados “externos” à economia regional,

tem como fundamento e resultado uma articulação com o capital internacional que produz uma dinâmica

econômica voltada para fora do território amazônico. Ao analisar os efeitos da hidrelétrica sobre a

estruturação do espaço regional, VALENÇA (1991), constatou que Tucuruí produz uma diferenciação

do espaço, criando um sítio hidroenergético que permite que a valorização do capital internacional passe

pela região sem o “custo” do estabelecimento de relações com o sistema sócio-econômico local. O

espaço de valorização, mediado pela energia elétrica, privilegia o estabelecimento de fluxos que impulsionam

para fora, para os lugares de origem dos capitais, o dinamismo econômico da exploração e uso intensivo

dos recursos naturais amazônicos. Balbina, como vimos, além de ter uma contribuição insignificante (em

relação ao porte do reservatório de 2.346km2 ) para o sistema elétrico de Manaus – que também articula

uma economia voltada para os mercados externos, através da ZFM – mais do que gerar energia,

contribui para produzir e difundir um modelo de gestão das pessoas e coisas no espaço, viabilizando

a apropriação de territórios e recursos territorializados.

5.3.3 A consolidação da base material da Eletronorte

Em 1981, iniciou-se a interligação dos sistemas Norte-Nordeste, concretizada com a

inauguração da primeira etapa de Tucuruí em 1984. O ministro Ueki deu prioridade à interligação, tendo

em vista que o sistema poderia funcionar nos dois sentidos: inicialmente o fluxo Nordeste/Norte atenderia

a Belém e ao início do funcionamento da Albrás; posteriormente, com o funcionamento de Tucuruí, o

fluxo seria invertido83. O início da implantação da interligação permitiu o suprimento de Belém, Marabá e

indústrias no Pará, além de Imperatriz do Norte em Goiás e do canteiro de obras de Tucuruí, com energia

proveniente da CHESF, com a substituição da energia de origem térmica. O primeiro sistema de transmissão

pesado construído na Amazônia era formado por “quase duas mil torres, mais de 12 mil quilômetros de

cabos condutores e cinco subestações” (CASTRO, 2004, p. 101).

Em março de 1985, a Eletronorte começou a fornecer energia par a CVRD, através de

uma linha de transmissão em 230 KV com 179 km construída pela companhia para seu uso exclusivo.

Tucuruí começava a alimentar o Projeto Grande Carajás.

83 Com a interligação, a construção da usina hidrelétrica de Itaparica, que a CHESF lutava para viabilizar, foipostergada (ELETROBRÁS, 1992).

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Em julho de 1986, a interligação Norte/Nordeste começou a operar no limite da

estabilidade estática, devido a piora das condições hidrológicas na bacia do rio São Francisco. No

verão de 1986-1987 uma grande estiagem na bacia do São Francisco reforçou os argumentos em

favor da importância de Tucuruí no intercâmbio energético no sentido Norte-Nordeste para a manutenção

do sistema CHESF. A falta de recursos atrasara o início da duplicação da ligação Tucuruí-Presidente

Dutra, de 500 KV e 780 km, o que acabou comprometendo o atendimento do Nordeste em 1987.

Houve o racionamento que atingiu duramente nove estados no Nordeste e o sul do Pará:

A população do sul do Pará manifestou forte descontentamento com sua inclusão noracionamento. Na verdade, as restrições impostas a essa área deveram-se muito maisà necessidade de manter uma equidade na distribuição do racionamento do que aofato de a economia do consumo revelar-se significativa para o conjunto (CABRAL,1998, p. 148).

O racionamento durou quase doze meses e atingiu cerca de 5,3 milhões de consumidores

(CABRAL, 2004, p. 141). Neste ano, Tucuruí se tornou a solução “salvadora” do Nordeste e

demonstrou a importância da interligação dos sistemas regionais e da “solidariedade federativa” na

constituição do sistema público de suprimento energético nacional.

No fim de 1987, o parque térmico de Belém foi, finalmente, desativado e o fornecimento

passou a ser integralmente feito através da geração hidrelétrica, a partir de Tucuruí.

Em 1988, foram inaugurados o segundo circuito da UTE Barra do Peixe, em Rondonópolis,

e o segundo circuito do sistema interligado Norte-Nordeste. No início de 1990, a Eletronorte contava

com um parque gerador com cerca de 4.219 MW de potência instalada, composto por várias unidades

termelétricas, três usinas hidrelétricas de grande porte (Tucuruí, Balbina e Samuel) e uma de pequeno

porte (Coaracy Nunes). Além disso, detinha 5.494 km de linhas de transmissão e 12.379 MVA de

capacidade de transformação em suas subestações. Estavam em suas mãos os parques termo-geradores

de Manaus, Belém, Porto Velho, Rio Branco, São Luís e Boa Vista, bem como os sistemas de distribuição

de Manaus e Boa Vista (ELETRONORTE, 1993b). Esta base física configurava seis sub-sistemas

isolados: Norte/Nordeste, Manaus, Mato Grosso, Acre-Rondônia, Amapá e Roraima. Embora isolados

entre si, dois dos sub-sistemas se interligavam a outras regiões: o sub-sistema Norte/Nordeste, que já

nasceu interligado, e o sub-sistema Mato Grosso, que se interligava à região sudeste. Estava, portanto,

consolidada a estrutura físico-material da empresa na região. A concretização desta estrutura fortaleceu

o domínio do Setor Elétrico na região, concentrou o poder da Eletronorte sobre a base técnica e

material dos sistemas elétricos amazônicos mais importantes, bem como estabeleceu uma base sólida

para a expansão da indústria de energia elétrica na Amazônia.

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5.4 ALGUNS MOMENTOS DE INCERTEZA NA TRAJETÓRIA DA EMPRESA,NOS ANOS 1990

Desde fins da década de 1970 a trajetória de crescimento equilibrado e auto-sustentado

do Setor Elétrico começou a ficar comprometida, visto que o setor passou a ser utilizado para captar

recursos externos e para controlar o processo inflacionário (que se tornou galopante na década seguinte),

através da contenção tarifária. Ao mesmo tempo, a realização de grandes obras como Paulo Afonso

IV, Tucuruí, Sobradinho e Itumbiara, exigiam grandes investimentos (cerca de 30% do ativo total do

setor). Em 1974 a Eletrobrás e suas controladas tinham em suas carteiras apenas empréstimos com

taxas fixas de juros de cerca de 4% ao ano em dólares. A partir de 1977 as taxas passaram a ser

flutuantes (como no caso dos empréstimos de Tucuruí, já mencionados), o que desequilibrou

completamente a situação financeira das empresas (ALMEIDA, 1993, p. 163). Enquanto em 1973 os

financiamentos externos correspondiam a 18,8% dos recursos do setor, em 1979 correspondiam a

32% e em 1984 a 62,8% (BAER e MACDONALD, 1997).

Com a deterioração das tarifas e o crescimento da dívida, aumentou a insatisfação das

empresas concessionárias com o mecanismo de transferência de recursos intra-setoriais através da

conta RGG. Em 1987, os governadores do Sudeste e Sul decidiram que suas concessionárias não

recolheriam os superávits à conta, pois se consideravam seus credores e não devedores, o que

iniciou um processo generalizado de inadimplência. A RGG acabou sendo substituída pela conta

RENCOR, ou Reserva Nacional de Compensação de Remuneração (Decreto-Lei no 2.432, de 17/

05/1988). Ficou estabelecido que quando a taxa de remuneração da concessionária estivesse entre

10% e 12%, esta não pagaria a RENCOR e a quota de reversão, mas também não receberia

recursos desta conta. Por outro lado, quando a taxa de remuneração fosse inferior a 10%, a empresa

teria um crédito a receber, igual à diferença entre o valor da taxa legal e o valor efetivamente realizado

na operação de empresa. Esta mudança, contudo, não solucionou o endividamento das

concessionárias, que continuou a crescer e culminou num acúmulo de aproximadamente US$ 27

bilhões em dívidas em meados dos anos 1990.

O longo período de crise fez o Estado brasileiro perder sua capacidade e investir e, mesmo,

de planejar. Escapa ao escopo desta tese um exame das origens e desdobramentos da crise financeira do

Estado. Cabe, porém, registrar que esta crise conduziu, progressivamente, a adoção de um reajuste

econômico-institucional conduzido, não obstante importantes contradições e conflitos, sob a égide do

ideário neoliberal. No ideário neoliberal, o Estado deve deixar o papel de planejador do desenvolvimento

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e interventor na economia e assumir exclusivamente o papel de regulador do mercado84.

A crise do Estado afetou particularmente o Setor Elétrico que já vinha sofrendo as pressões

de problemas intra-setoriais como: i) fatores econômico-financeiros (crise no padrão de financiamento

do setor); ii) fatores tecnológicos (perdas energéticas na transmissão e distribuição e redução da

confiabilidade dos sistemas); e iii) fatores sócio-ambientais (pressões dos movimentos sociais, entidades

ambientalistas e agências multilaterais de financiamento quanto aos efeitos sócio-ambientais dos

empreendimentos) (LEMOS, 1999, p. 66-67). A solução encontrada para enfrentar a crise foi a

reestruturação do modelo setorial (ainda em curso)85, baseada na privatização, desverticalização do

setor (geração, transmissão e distribuição) e incentivo à participação da iniciativa privada na produção

e distribuição de energia.

Em 1993, foi sancionada a Lei no 8.631, que instituiu o regime de serviço pelo custo de

cada concessionário – após homologação do poder concedente (art. 1o § 2o) –, extinguiu o regime de

remuneração garantida e promoveu a desequalização tarifária. Esta lei fazia parte de um conjunto de

medidas – iniciada com a Lei no 8.031, de 12 de abril de 1990, que instituiu o Programa Nacional de

Desestatização (PND) e criou o Fundo Nacional de Desestatização, sob a gestão do BNDES. A partir

de então, a trajetória institucional do setor foi completamente alterada, com ênfase cada vez maior na

participação da iniciativa privada. De acordo com PIMENTEL (2002):

As reformas conduzidas desde o início dos anos 90, intensificadas a partir de 1993,como a desequalização tarifária, a legislação de concessões e as medidas de flexibilizaçãoda oferta de energia, aliadas ao processo de privatização imposto pelo governo, sob abandeira da crise do Estado e da necessidade de ganhos de eficiência e de produtividade,conseguiram transformar o Setor Elétrico numa verdadeira arena de desorganização ede fomento aos desequilíbrios regionais, acentuando-os através da espoliação do valordo espaço e no espaço brasileiro (PIMENTEL, 2002, p. 325).

Ao mesmo tempo em que a crise financeira setorial avançava, em meados dos anos 1980

os grandes projetos mínero-metalúrgicos alcançaram a maturidade. O Pará se tornou um estado

84 As teorias econômicas liberais distinguem/admitem três tipos de intervenção do Estado na economia: a redistribuiçãode renda (que inclui principalmente as políticas sociais), a estabilização macroeconômica (que envolve as políticas fiscal,de regulação do mercado de trabalho e industrial) e a regulação dos mercados, que visa especificamente corrigir váriostipos de “falhas de mercado” (poder de monopólio, externalidades negativas como poluição, informação incompleta einsuficiente provisão de bens públicos etc.) Cf. MAJONE (1999).85 Desde 1993 o modelo institucional do setor entrou em processo de reestruturação. A partir do momento em seabriu a possibilidade da participação de agentes privados nos diversos segmentos (geração, transmissão edistribuição), a construção do modelo setorial se tornou um campo de disputas políticas. Cada governo eleitocoloca em discussão uma nova proposta de reestruturação para o setor. O governo empossado em 2003 (LuísInácio Lula da Silva) fez uma revisão do modelo desenhado no governo anterior (Fernando Henrique Cardoso) que,depois de um grande debate no Congresso Nacional, foi instituído pelas Leis no 10.848 (regulamentada peloDecreto no 5.163) e no 10.847 (regulamentada pelo Decreto no 5.184), de 15 de março de 2004. Como o presidente Lulafoi reeleito para mais um mandato, é razoável supor que o modelo atual perdure por mais 4 anos. Uma mudança nacorrelação de forças que sustenta o governo, pode, contudo, levar a disputa política e mais uma revisão. Para umaanálise do modelo setorial no governo Fernando Henrique Cardoso, ver PIMENTEL (2002), cap. 3.

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exportador de minérios: em 1995, estes produtos representavam cerca de 70% das exportações

estaduais, com o minério de ferro encabeçando as exportações, seguido pela bauxita não-calonada e

refratária, caulim lavado e beneficiado, manganês e silício (SAMPAIO, 1997, p. 145). A alteração na

estrutura produtiva do estado também alterou a estrutura das classes de consumidores de energia. A

classe residencial que liderou o consumo por quase cem anos (desde 1896), perdeu importância para

o setor industrial. Antes da entrada em operação de Tucuruí, com exceção da pequena participação da

UHE Curuá-Una, a energia hidrelétrica consumida no estado era adquirida junto ao sistema CHESF.

Depois o quadro se inverteu e o estado passou de importador de energia a exportador para o mercado

extra-regional, fornecendo para o Nordeste (Tabela V.1). Com a geração de Tucuruí, instaurou-se no

Pará uma situação paradoxal em que a abundância de energia elétrica não correspondia ao atendimento

à demanda local. Apesar do incremento da produção, permaneciam no estado 2,05 milhões de pessoas

sem acesso a luz elétrica em 1991 (SILVA, 2005, p.113). Não se tratava, contudo de uma questão

puramente quantitativa. Era também qualitativa, na medida em que comunidades situadas “no caminho”

das linhas de transmissão de Tucuruí não tinham acesso à energia que passava sobre suas cabeças.

Eu queria a distribuição da energia, olhando sobretudo aqueles que se sacrificavampor ela, por exemplo o baixo Tocantins, que tem Baião, Mocajuba, Cametá. Essascidades, são mais de 300 mil pessoas que deram seus rios, que sujaram suas águas,mudaram de vida, que daquela água não podiam mais beber. Se sacrificaram social eaté moralmente. A ELETRONORTE até hoje não resolveu esse problema. (...) Até hojea minha cidade não tem energia e eu lutei tanto por isso. (...) Não podemos implantara média, pequena e micro-empresa nas margens do rio, não podemos fazer as pequenassiderúrgicas de ferro gusa, aproveitando Carajás, porque isso só se faz com energia.Não podemos beber água potável, fazer os poços artesianos, não podia buscar naságuas. Então até nisso eles foram inábeis.(...) O primeiro grande erro da ELETRONORTE e [a razão] de ela ser antipatizada naregião, porque ela não deu energia. (...) Porque eles ficaram preocupados com os custosoperacionais. Queriam logo no começo ressarcimentos imediatos (...) (Entrevista aoDeputado Gerson Peres, realizada em 26/02/1992 por Paulo Yone Stroh e Angela Araújo,ELETROBRÁS, 1992).

Apesar de lamentar o fato de as cidades paraenses não terem sido agraciadas com a energia

produzida na hidrelétrica de Tucuruí, o deputado Gerson Peres (PDS/PA, na legislatura de 1991-1995)

continuou afirmando que a Eletronorte era a “única esperança do norte do Brasil em termos de

desenvolvimento” (Gerson Peres apud ELETROBRÁS, 1992). Ao analisar esta situação paradoxal,

SILVA (2005) concluiu que as dificuldades de acesso da população ao suprimento público de energia

elétrica não têm uma causa única, mas se originam de uma conjugação de fatores sócio-econômicos86

86 SILVA (2005) elencou oito fatores: fisiografia adversa, expansão demográfica acelerada, maximização do lucro naoferta de eletricidade, endividamento excessivo da concessionária estadual (CELPA), preferência pelo modelocentralizado de atendimento elétrico, custos elevados e altas tarifas de energia elétrica, omissão e ineficiência dopoder público e descaso em relação à eletrificação rural. Esse conjunto de fatores potencializariam a dinâmicaexcludente do sistema elétrico paraense.

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que se retroalimentam reproduzindo de forma sistêmica a “dinâmica excludente” do sistema elétrico

paraense.

Os consumidores especiais de Tucuruí (empreendimentos eletrointensivos) absorviam, ao

final dos anos 1980, 52% de toda a produção da usina (ELETRONORTE, 1990a). Em 1990 o

projeto Albrás consumia cerca de 21% de toda a capacidade produtiva da hidrelétrica de Tucuruí,

igualando-se em capacidade de consumo à CELPA que abastecia todo o resto do estado do Pará.

Tabela V.1 - Intercâmbio Eletronorte /Chesf em MW/h

Ano recebimento fornecimento F - R

1981 71.687,10 0 -71.687,10

1982 1.296.638,10 0 -1.296.638,10

1983 2.471.371,40 0 -2.471.371,40

1984 2.952.337,00 0 -2.953.337,00

1985 177.830,00 1.221.631,70 1.043.801,70

1986 150.985,10 986.195,30 835.210,10

1987 113.749,03 3.395.825,90 3.282.076,08

1988 143.434,29 5.299.294,23 5.115.859,94

1999 43.800,00 4.791.720,00 4.747.920,00

1990 2.740,00 2.984.125,00 2.981.385,00

Fonte: ELETRONORTE, 1990a.

Tabela V.2 – Subsídios aos consumidores eletrointensivos

Período 1984-1993 Valores em US$*

empresa faturado bruto Subsídios líquido a receber

Absoluto %

ALCOA 508,344,297 77,196,010 15,2 431,148,287

BILLINGTON 301,959,721 48,392,657 16,0 253,567,064

ALBRAS 647,421,354 273,804,565 42,3 373,616,789

CCM 36,724,389 19,222,413 52,3 17,501,976

TOTAL 1,494,449,761 418,615,645 28,0 1.075.834,116

Fonte: ELETRONORTE, 1993a*Valores até março/1993.

Em 1993, a Albrás, Alumar e CCM consumiam 49% da energia vendida pela Eletronorte

e contribuíam com apenas 33% da receita anual faturada, usufruindo de um desconto de 46% ao ano

(ELETRONORTE, 1993a, p. 7). Até aquele ano, o setor público havia transferido ao setor privado

sob a forma de subsídios US$ 418 milhões87. Em 1992 o déficit do sistema Tucuruí, produzido pela

87 “No período 1984 a 1993 a ELETRONORTE concedeu para as três empresas subsídios em relação à tarifa normalde um consumidor do Grupo A1 – 230 KV, no valor de US$ 273,8 milhões para a ALBRÁS, US$ 125,6 para a ALUMAR eUS$ 19,2 para a Camargo Correia Metais” (ELETRONORTE, 1993a, p. 2).

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defasagem entre o nível tarifário praticado e o custo do serviço, atingiu a cifra de US$ 810,25 milhões,

considerando uma remuneração normal de 10% ao ano (ELETRONORTE, 1993a, p. 37). Este déficit

foi “coberto” e considerado como crédito na Conta de Resultados a Compensar no sistema RGG.

O fornecimento de energia elétrica a preços favorecidos pela Eletronorte tinha como

contrapartida, o ressarcimento dos valores correspondentes ao subsídio pelo sistema RGG/RENCOR.

De acordo com LEITE (1997), a Eletronorte era uma das maiores beneficiárias da equalização tarifária,

e a partir de 1984, recebia mais da metade dos recursos totais da RGG. Com a extinção deste regime,

a concessão dos subsídios às empresas eletrointensivas foi, em princípio, inviabilizada, pois afetaria

diretamente o equilíbrio econômico-financeiro da empresa que, aparentemente, teria de arcar sozinha

com o ônus do subsídio anteriormente atribuído a uma política de governo e mantida com recursos dos

contribuintes. A Lei no 8.631 atacava diretamente a “razão de ser” da empresa na Amazônia, ou seja,

a construção de uma base em infra-estrutura energética através dos preços subsidiados aos

empreendimentos eletrointensivos. Parecia que com a opção pelo mercado como agente coordenador

da dinâmica econômica, as condições políticas para a estrutura de subsídios à indústria eletrointensiva

erguida, na década de 1970, iria ruir, determinando uma mudança na função da Eletronorte, no esquema

de setorial de apropriação de excedentes.

Esta perspectiva gerou “pânico” na empresa que, num momento de incerteza sobre seu

futuro, produziu um documento para analisar o fornecimento de energia elétrica aos consumidores

eletrointensivos respaldada na nova lei (ELETRONORTE, 1993a). Neste documento, chegou a criticar

os subsídios concedidos, ao afirmar que:

Da ótica do Setor Elétrico, é razoável supor alguma forma de benefício tarifário aconsumidores eletrointensivos, em decorrência de suas características operacionais –consumo de grandes blocos de energia, sob elevado fator de carga. Porém, subsídiosde tal magnitude comprometem, além dos programas de investimentos e expansão,a própria saúde financeira do Setor Elétrico e, em particular, da ELETRONORTE(ELETRONORTE, 1993a, p. 42).

No documento, a Eletronorte se eximia da responsabilidade pelos subsídios alegando

“cumprir ordens superiores” do Ministério das Minas e Energia. As projeções da época previam que

até o final dos contratos em 2004, os subsídios às empresas eletrointensivas chegariam a US$ 1,58

bilhões de dólares, mantidas as mesmas condições até então88 (ELETRONORTE, 1993a, p. 46).

O pânico durou algum tempo, mas acabou sendo promovido um “encontro de contas”

88 Segundo BERMANN (2001), a perda anual da Eletronorte em subsídios era de cerca de US$ 200 milhões. Desdesua criação, a Eletronorte acumulou cerca de R$ 5,6 bilhões em dívidas, dos quais cerca de R$ 3,7 bilhões em funçãodos subsídios.

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entre as concessionárias e a União pelo qual US$ 20 bilhões das dívidas setoriais foram assumidas

pelo Tesouro Nacional, ou seja, pelos cidadãos brasileiros. Os créditos acumulados na CRC poderiam

ser usados pelas companhias para compensar os déficits oriundos da inadimplência no pagamento

dos suprimentos de eletricidade. O valor líquido da CRC, à disposição das concessionárias depois de

efetuado o encontro de contas, totalizou cerca de US$ 23,5 bilhões (BURATINI, 2004, p. 80) e o

restante foi renegociado com prazos longos e baixas taxas. Como o processo não se deu de imediato

e não cobriu todas as dívidas, a empresa acabou arcando com sérios prejuízos (FOLHA DE SÃO

PAULO, 24/04/1995).

Com o encontro de contas, foi possível restaurar as transferências intra-setoriais, ou seja,

a RGR (Reserva Global de Reversão) foi reintroduzida, mas como despesa a ser coberta pelas tarifas

e não como parcela a ser abatida da remuneração, visto que deixou de existir a garantia de remuneração

mínima (BURATINI, 2004, p. 78-79). A nova estrutura tarifária do setor possibilitou a criação (ou

manutenção em alguns casos) dos subsídios para certos tipos de consumidores, após a análise do

comportamento de carga nos diversos pontos de entrega da energia (OLIVEIRA et alii, 1997, p. 18).

Estas medidas certamente fizeram a Eletronorte “respirar aliviada”, já que os consumidores

eletrointensivos cada ver mais fazem parte do portfólio de clientes e/ou parceiros das empresas de

energia (BERMANN, 2003; PINTO, 2004; BURATINI, 2004). Isso sem contar que, como o grande

mercado consumidor de energia da Amazônia foi construído tendo como base um plano concreto de

ação voltado para as indústrias eletrointensivas, sua desconstrução necessitaria de uma transformação

radical no projeto de apropriação e uso dos recursos energéticos na Amazônia.

5.4.1 Planos, projetos e resistências

Na década de 1980, após o “sucesso” de Tucuruí em prover energia para a instalação

dos complexos industriais mínero-metalúrgicos, a exploração energética da Amazônia se tornou o

elemento chave para o suprimento do sistema interligado nacional no horizonte até 2010. O Plano

Nacional de Energia Elétrica, 1987/2010 - Plano 2010 (ELETROBRÁS, 1987), previa que, até aquele

ano, mais de 70% do potencial hidrelétrico brasileiro seria aproveitado89. Era prevista a entrada em

funcionamento de 79 usinas, sendo 21 na Amazônia, o que garantiria 90% de energia de fonte hidrelétrica

em relação ao total de energia elétrica gerada no país. O resultado global seria a inundação de 10

milhões de hectares de terras na Amazônia. De acordo com o plano, os custos da inundação não

seriam elevados pela escassez populacional, baixo nível da atividade econômica, pouca infra-estrutura

89 O plano baseou-se em estimativas superestimadas tanto do cenário macro-econômico, quanto das expectativasde crescimento do consumo energético.

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e solos poucos férteis. Quanto aos fatores ligados à valorização dos ecossistemas e a proteção das

populações indígenas, deveriam ser “analisados e equacionados” (ELETROBRÁS, 1987, p. 150).

Para concretizar o plano de expansão, foi dado destaque à importância do esclarecimento

da opinião pública sobre as vantagens e limitações dos empreendimentos hidrelétricos. Havia uma

clara preocupação com a “gestão eficaz do meio ambiente”, associada à “imagem da empresa de

energia elétrica” que conduzia à adoção de uma “estratégia de marketing” para construir uma imagem

pública capaz de vencer os obstáculos à realização dos empreendimentos. De acordo com PINGUELLI

ROSA (1989), faltava ao plano uma proposta efetivamente participativa, que permitisse uma discussão

ampla com a sociedade e as instituições.

A própria Eletronorte criticou a primeira versão divulgada do plano que, no aspecto da

transmissão, caracterizava a Amazônia apenas como região exportadora, sem considerar devidamente

os sistemas de suprimento para a própria região. A conseqüência desta crítica foi que na versão

preliminar evitou-se o detalhamento excessivo do plano, contemplando-se o mercado regional na

versão final (ELETROBRÁS, 1988, p. 6-9). A ordem de grandeza e a natureza do programa de

expansão mostrava uma compreensão de que os problemas sociais e ambientais, apesar de grandes,

poderiam ser contornados. O plano previa que até a construção dos empreendimentos na Amazônia,

as informações a partir das observações dos reservatórios de Tucuruí, Balbina e Samuel – que

serviriam de “laboratório” para a análise dos problemas relacionados à inundação de grandes áreas

de floresta tropical – permitiriam “redimensionar os reservatórios” ou adotar medidas para minimizar

os efeitos90 (ELETROBRÁS, 1987, p. 64).

A bacia do rio Xingu se tornou o foco central de interesse para expansão do setor,

uma vez que as centrais planejadas neste rio (Belo Monte, Babaquara, Ipixuna, Cokraimoro,

Jarina e mais uma usina no rio Iriri, um de seus tributários) iriam iniciar o processo de interligação

e integração da Amazônia ao Sistema Interligado Nacional. Este seria o maior projeto nacional do

fim do século, com previsão de inundar cerca de 18.000 km2 de floresta, além de afetar territórios

de várias etnias indígenas (Juruna, Arara, Kararaô, Xikrin, Asuriní, Araweté e Parakanã). De

acordo com VIVEIROS DE CASTRO e ANDRADE (1988), o complexo hidrelétrico constituiria

uma verdadeira guerra empreendida pelo Estado contra os povos indígenas, devido aos efeitos

desestruturadores que produziriam sobre as formas de organização social, econômica, política e

cultural desses povos.

90 De acordo com FEARNSIDE (2004a, 2004b, 1990 e 1988), foram trágicas as lições da inundação das florestasnestas usinas em termos de perdas em biodiversidade, biomassa, recursos florestais, emissões de gases do efeitoestufa, acidificação e degradação das águas, redução da ictiofauna, reprodução de vetores de doenças etc., semcontar os problemas sociais gerados para as populações locais.

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“Só queria que o governo soubesse que existimos, prestasse atenção na gente. Não ia usar a força, porque não sedeve matar alguém por estar errado. Deve-se ensinar a ele boas coisas.” (Tu-Ira, Revista MANCHETE, 11/03/1989)

Figura 35 – Gesto de advertência de Tu-Ira a Muniz Lopes. I Encontro dos Povos Indígenas do Xingu, 03 de marçode 1989. Instituto Socioambiental. Disponível em: http://www.socioambiental.org/esp/bm/hist.asp

Com isso, uma verdadeira batalha técnica, jurídica, econômica, política, social e ambiental se

desenvolveu em torno do complexo hidrelétrico do Xingu, envolvendo o Estado (nos níveis federal, estadual

e municipal), empresas de energia (Eletronorte e Eletrobrás), empresas de consultoria e de engenharia,

agentes financiadores, engenheiros, ambientalistas, ONGs nacionais e estrangeiras, grupos indígenas e

entidades de defesa dos índios, acadêmicos e pesquisadores e o movimento de atingidos por barragens91.

Em fevereiro de 1989, ocorreu o I Encontro de dos Povos Indígenas em Altamira com

cerca de 3000 pessoas, dentre os quais 600 índios e índias de diversas etnias. O evento organizado

por entidades indígenas e por pesquisadores liderados pela Comissão Pró-Índio de São Paulo, teve

repercussão nacional e internacional. O encontro foi o marco da resistência dos povos indígenas ao

avanço da expansão do Setor Elétrico no território amazônico. Durante o evento, a índia Tu-Ira encostou

seu terçado (tipo de facão) nas faces do engenheiro e diretor da Eletronorte, José Antônio Muniz

Lopes, como ato de protesto. A foto correu o mundo e de acordo com SEVÁ FILHO (2005a), o

91 Em 1989, ocorreu em Goiânia o I Encontro Nacional de Trabalhadores Atingidos por Barragens . Em março de 1991, no ICongresso Nacional de Trabalhadores Atingidos por Barragens em Brasília, representantes dos atingidos de várias partesdo país elegeram uma Coordenação Nacional (MAB Nacional) para o movimento. O movimento nacional constituiu-se como objetivo de organizar as lutas regionais em escala nacional e realizar ações em conjunto com os atingidos de todo o país.O MAB procurou se articular com outros movimentos sociais, entidades da sociedade civil (nacionais e internacionais),sindicatos e com o legislativo, a fim de buscar a adesão política e social à causa dos atingidos. A constituição de ummovimento nacional contribuiu para a consolidação da identidade de atingido como uma identidade positiva, capaz deconstituir uma força política. Em março de 1997 ocorreu o I Encontro Internacional de Atingidos por Barragens, em Curitiba.Deste encontro resultou o documento Declaração de Curitiba, Pelo Direito à Vida e aos Modos de Vida das PopulaçõesAtingidas por Barragens”. Em dezembro de 1990, ocorreu o I Encontro dos Atingidos pela Barragens da Amazônia efoi criada a Coordenação dos Atingidos pelas Barragens da Amazônia (CABA) com sede em Altamira, para articularregionalmente a luta. O movimento busca uma forma de encaminhar suas propostas e reivindicações e de formularestratégias de ação, usando os mecanismos legais e institucionais existentes para pressionar autoridades e reivindicara proteção dos povos indígenas e comunidades tradicionais e dos recursos naturais amazônicos (LEMOS, 1999).

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gesto de Tu-Ira foi “inaugurador”. O barramento do rio foi, pelo menos por um tempo, “barrado”. A

magnitude dos efeitos negativos, a luta das populações locais e povos indígenas, de ambientalistas,

pesquisadores e ONGs e a crise financeira do setor levaram ao cancelamento e adiamento de diversas

centrais programadas no Plano 2010, inclusive o complexo do Xingu92.

Em 1994, a divulgação do Plano 2015 (Eletrobrás, 1994) recolocou na pauta as hidrelétricas

na Amazônia. Foram analisados vários cenários de evolução da matriz energética, incorporando os

conceitos de aproveitamento racional e conservação da energia, atentando para os condicionantes

ambientais impostos pela legislação e aprovados pela sociedade. Os cenários econômicos eram menos

ambiciosos do que os do Plano 2010, projetando aumentos no consumo de energia elétrica em torno

de 4,0 e 5,6% ao ano.

Apesar de enfatizar o discurso ambiental oficial do setor93, na essência o Plano 2015

mantinha a mesma perspectiva do Plano 2010, ao frisar a inevitabilidade do aproveitamento do potencial

hidrelétrico da Amazônia, em razão do esgotamento hidrelétrico das demais regiões, da abundância do

potencial amazônico e da incapacidade da região de consumir a energia que poderia ser gerada em seu

território. O fato de os empreendimentos produzirem radicais transformações no meio ambiente e na

sociedade (SEVÁ FILHO, 2005b) não constituíam impedimento para sua execução, uma vez que tais

problemas poderiam ser equacionados com o uso de conceitos como viabilidade sócio-ambiental (que

incluíam complexidade ambiental e impactos imponderáveis), usos múltiplos e inserção regional94. Usinas

com enorme contingente de população a ser compulsoriamente deslocada e restrições constitucionais

(áreas de grupos indígenas e áreas protegidas) caracterizaram os maiores empreendimentos planejados,

conforme pode ser visto na Tabela V.3.

“Congelada” durante vários anos, a principal usina do complexo ressurgiu no fim da década

de 1990. Já havia mudado o nome de Kararaô95 para Belo Monte. A área a ser inundada foi reduzida de

cerca de 1.200 km2 para 440 km2, para uma potência prevista de mais de 11.000 MW. Seria uma das

92 O setor, contudo, reconhece oficialmente apenas os aspectos da crise financeira como determinantes do cancelamentoe adiamento de projetos93 Ao longo da década de 1980, o Setor Elétrico, diante de constrangimentos institucionais, legais e ambientais foicapaz de “traduzir as demandas e imposições dos agentes financeiros, dos movimentos sociais e da legislação, emrepresentações, categorias e metodologias que pudessem favorecer o desenvolvimento dos projetos”, resguardandoseu domínio sobre o território. “Surgiram então os conceitos de inserção regional e viabilidade sócio-ambiental,desenvolveram-se metodologias de internalização de (alguns) custos sócio-ambientais nos projetos hidrelétricos,formularam-se diretrizes para o tratamento de questões polêmicas como os deslocamentos de população, orelacionamento com as comunidades ‘afetadas’ em geral e com as comunidades indígenas” (LEMOS, 1999, p. 90). Osetor também criou instrumentos, mecanismos organizacionais, órgãos consultivos e coordenadores para atender àsquestões sociais e ambientais associadas aos seus projetos.94 Para uma análise desses conceitos ver LEMOS, 1999, capítulo 2, item 2.3. Estes conceitos já estavam presentes noPlano 2010, mas ganharam destaque no Plano 2015.95 Grito de guerra Kaiapó.

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maiores usina a fio d’água96 já construídas, o que parecia um “milagre da tecnologia”97. Mas não significava

a resolução de todos os problemas, pois persistiam diversas questões: i) técnicas: diferenças sazonais na

vazão do rio, que afetam a potência da usina; dúvidas sobre sustentabilidade energética de um

barramento único; necessidade de barramentos a montante para regularizar a vazão; necessidade de

complementação térmica etc.; ii) financeiras: custos astronômicos, que podem aumentar com os

problemas técnicos e sócio-ambientais; iii) sociais: deslocamentos de populações urbanas, rurais,

ribeirinhas e populações indígenas, cuja reprodução social e modos de vida dependem do rio e da

manutenção de suas condições ecológicas; desorganização social das comunidades; iv) ambientais:

alterações irreversíveis num ecossistema único e preservado; v) econômico-políticas: destinação

final da energia; propriedade do empreendimento (público/privado); uso energético exclusivo ou

prioritário da água; (sub?) desenvolvimento da região; existência de múltiplos interesses econômicos

de corporações multinacionais na região; e vi) territoriais: disputas pela terra e pelos recursos

territorializados entre diversos agentes sociais e institucionais. Essas e outras questões envolvem

ainda o problema central da viabilidade (social, econômica e política) do modelo econômico vigente,

que determina a exploração dos recursos energéticos amazônicos a qualquer custo98.

Tabela V.3 - Grandes empreendimentos hidrelétricos na Amazônia, incluídos no plano 2015, com restriçõesconstitucionais (áreas indígenas e/ou áreas ambientalmente protegidas)

usina rio potência população afetada99, incluindo áreainstalada (MW) populações indígenas inundada (Km2)

Barra do Peixe Araguaia (MT/GO) 450 6.720 1.030

Belo Monte Xingu (PA) 11.000 8.373 1.225

Cachoeira Porteira Trombetas (PA) 700 1.998 912

Cana Brava Tocantins (GO) 450 540 139

Ji-Paraná Ji-Paraná (RO) 512 8.792 955

Serra Quebrada Tocantins (TO/MA) 1.328 8.300 420

Fonte: Plano 2015 (Eletrobrás, 1994).

96 A usina a fio d’água utiliza reservatório de acumulação suficiente apenas para prover regularização diária ousemanal ou utiliza diretamente a vazão afluente do rio. No caso de Belo Monte, a área inundada seria correspondenteàs várzeas que historicamente inundam no período das cheias do rio.97 Diante das mudanças no projeto, PINTO (2002, p. 17) questiona: “Mas seria mesmo o projeto da hidrelétrica deBelo Monte uma maravilha da engenharia, uma atualização da centralizadora, autoritária e arrogante Eletronorte aosnovos tempos (...)?”98 O empreendimento se encontra nas agendas governamentais e discursos políticos sobre a expansão da geraçãode energia elétrica de todos os governos eleitos desde a década de 1990. Além disso, com a crise energética em 2001,o Conselho Nacional de Política Energética atribuiu à hidrelétrica de Belo Monte uma posição “estratégica” no planejamentoda expansão do Setor Elétrico até 2010, para reduzir os riscos de déficit no sistema interligado nacional. Isto sinalizaria afirme disposição governamental de construir a usina (PINTO, 2005, p. 102).99 A adoção da expressão “população afetada” nesta tabela não expressa uma adesão ao conceito, posto que reduza sociedade local e ignora a construção do conceito identitário de atingido por parte dos movimentos organizadoscontra as barragens. A utilização da expressão deve-se somente à fidelidade à forma adotada pela fonte original.Outro aspecto importante sobre a tabela é que ela retrata uma concepção em termos de efeitos sócio-ambientaisdatada, que certamente não corresponde à realidade atual.

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As mudanças no projeto e nas estratégias de divulgação dos empreendimentos ao longo

dos anos (PINTO, 2005) não convenceram a sociedade local e aqueles que defendem a preservação

do Xingu, dos seus povos e modos de vida. Continua a mobilização contra a imposição à Amazônia do

lugar de “província energética” na divisão regional/internacional do trabalho, a custa do desenvolvimento

econômico e social da própria região.

De acordo com BECKER (1990), do confronto entre o projeto integrador e

homogeneizante estatal patrocinado pelo capital e as práticas sócio-espaciais das sociedades locais/

regionais pode emergir uma nova região, com um significado político próprio e um poder territorial

específico, capaz de constituir a base da resistência coletiva. A luta dos povos do Xingu parece

apontar para a (re)construção política de uma nova identidade territorial, fruto das conquistas nos

confrontos entre grupos hegemônicos e contra-hegemônicos no conflito social pela apropriação do

território e seus recursos.

O movimento social contra a construção do complexo hidrelétrico do Xingu não é o único

na Amazônia. Há mobilizações pela reparação do passivo social e ambiental de várias usinas, tanto as

mais antigas (Tucuruí, Samuel e Balbina) como algumas mais recentes (Serra da Mesa, Lajeado e

Cana Brava), as construídas ou planejadas100. Além disso, entidades empresariais101 também reclamam

dos privilégios da indústria eletrointensiva em detrimento do suprimento regional de energia para a

indústria e o comércio local, além de contestar o fato de o Nordeste usufruir a energia de Tucuruí a

preços mais baixos do que a própria região Norte102.

5.5 SÍNTESE E REFLEXÕES

Retomando BECKER (1999), vimos que a política territorial brasileira foi forjada numa

“economia de fronteira”, cujo elemento central tem sido a incorporação de recursos naturais e territórios

na estratégia de crescimento, tendo como fundamento ideológico a integração nacional. Este processo

se deu a partir do desenvolvimento de uma “tecnologia espacial do poder estatal”, que impôs ao

espaço nacional uma “malha de duplo controle” técnico e político, concretizando-se:

100 SEVÁ FILHO (s/d) compilou um total de 46 usinas hidrelétricas em operação e mais 252 inventariadas nas baciasAmazônica, Litorânea, do Amapá e Tocantins-Araguaia, incluindo usinas em obras, em fase de estudos de viabilidade eprojeto básico, aprovados pela ANEEL até junho de 2003. São usinas que variam em tamanho, tecnologia, área deinundação, propriedade (pública/privada) e tipos de uso (suprimento público ou autoprodução).101 Em 1995 um grupo de entidades empresariais e sindicais no Pará assinou um manifesto denominado Alerta aoPovo Paraense, no qual reivindicava o uso da energia produzida na região para o desenvolvimento da Amazônia(MARIN, 1996, p. 952).102 O ex-diretor da Eletronorte Dário Gomes considerou o fato de a empresa vender a energia de Tucuruí mais baratopara a CHESF do que para a CELPA “um negócio complicado” (ELETROBRÁS, 1992).

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a) na extensão de todos os tipos de redes de articulação do território; b) numa estratégiamais seletiva, que atuou não mais na escala macrorregional e sim sub-regional; c) naimplantação de pólos de crescimento, locais privilegiados capazes de interligar oscircuitos nacionais e internacionais de fluxos financeiros e de mercadorias e d) sobretudona Amazônia, na criação de novos territórios diretamente geridos por instituições federaise superpostos à divisão político-administrativa vigente (BECKER, 1999, p. 30).

Os grandes projetos instaurados desde a década de 1970 estruturaram arranjos

produtivos e relações de produção no espaço que favoreceram dois tipos de integração econômico-

industrial inter-regionais: de um lado, um tipo de integração que transformou parcelas do território

(áreas periféricas) em fornecedoras de insumos para a indústria do capitalismo hegemônico nacional

concentradas no Centro-Sul; de outro lado, um tipo de integração que subordinou os territórios e

seus recursos aos desígnios do capital internacional, com empreendimentos voltados quase que

exclusivamente para a exportação (VAINER, 2006). Em ambos os casos, o resultado tem sido103 a

fragmentação territorial ou integração de um espaço nacional profundamente desigual e marcado

por descontinuidades sócio-econômicas .

No início da década de 1970, a SUDAM – atuando como agência governamental encarregada

do desenvolvimento regional – enfatizou a continuidade das ações da SPVEA no campo da energia

elétrica, sem propor um programa energético efetivo para o suprimento regional. Alguns avanços foram

produzidos no aumento da capacidade instalada dos maiores centros urbanos e da ZFM, bem como na

realização de estudos hidroenergéticos, inclusive de mini-aproveitamentos hidrelétricos (que acabaram

não sendo construídos) para o suprimento dos principais pólos de desenvolvimento.

Com os estudos do ENERAM, que efetivamente colocaram o potencial hidrelétrico

amazônico em evidência, foi feita a ponte entre a política energética e os planos governamentais de

desenvolvimento. Na medida em que o Estado decidiu entrar de forma agressiva no mercado

internacional dos produtos eletrointensivos, transformando os rios amazônicos em recursos em

hidroeletricidade, a energia elétrica se tornou elemento-chave da estratégia nacional de desenvolvimento.

Desta forma, o Ministério das Minas e Energia, através de suas empresas energéticas (Eletrobrás e

controladas regionais) e mineradoras (especialmente a CVRD), assumiu um importante papel no

desenvolvimento da região.

A concentração da ação governamental em empreendimentos que envolviam associação

com o capital internacional, elevados investimentos (nacionais e estrangeiros), além de pesada infra-

103 Os grandes projetos continuam sendo hoje uma forma de ordenamento territorial com grande potencial deorganização e transformação dos espaços e um dos vetores da fragmentação territorial. A grande diferença daquelesiniciados na década de 1970 é que, com a participação cada vez maior de grandes empresas e corporações privadas,tanto o planejamento quanto a política territorial implicados na política de implantação dos grandes projetosdeixaram de ser comandados pelo Estado e passaram às mãos da iniciativa privada (VAINER, 2006).

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estrutura, acabou favorecendo o Setor Elétrico. Este, além de uma sólida estrutura organizacional,

possuía articulações institucionais, apoio político, autonomia financeira, capacidade de mobilização de

recursos e uma estrutura centralizada de planejamento e gestão que lhe garantia um foco bem definido

na expansão da geração de energia elétrica, para atender às metas governamentais. A edição do II

PND, por sua vez, foi fundamental para afastar de vez a SUDAM do centro da condução do processo

de desenvolvimento amazônico.

O Plano 90, em conformidade com as metas de crescimento do II PND, fundamentou a

ação do Setor Elétrico e mudou a escala de produção de energia elétrica no país. Conforme apontam

VAINER e ARAÚJO (1992), a multiplicação nos anos 1970 e início dos anos 1980, de grandes hidrelétricas

(...) consolid[ou] uma política nacional de exploração energética de recursos hídricosmarcada por duas características principais: absoluto predomínio do Estado comoagente empreendedor e afirmação das unidades de grande porte como sustentáculoessencial do planejamento e expansão do sistema de geração de eletricidade (VAINERE ARAÚJO, 1992, p. 51, grifos nossos).

Os mega-empreendimentos hidrelétricos se tornaram o novo padrão técnico-econômico,

com amplas repercussões na organização da produção no espaço e profundas transformações na

sociedade e meio ambiente. Estes projetos materializaram, em particular, a relação entre tecnologia e

poder, viabilizando a produção de energia em escala regional e, ao mesmo tempo, impuseram uma

rigidez no uso do território em nome da eficiência energética. VAINER E ARAÚJO (1992) ressaltam

que mesmo quando da adoção de um discurso do uso múltiplo, os grandes projetos hidrelétricos

impõem uma lógica setorial de uso prioritário do território e dos recursos territorializados, no qual a

produção energética se sobrepõe a qualquer outro uso possível. A transmissão a longas distâncias e a

interconexão dos sistemas também contribuíram para o estreitamento da relação tecnologia-poder no

ordenamento espacial do sistema elétrico no território nacional.

Do ponto de vista do planejamento governamental centralizado, verificou-se uma mudança

significativa na passagem do I PND (1972-1974) para o II PND (1975-1979) e o III PND (1980-

1985). No I PND ainda havia uma preocupação regional embutida nos investimentos em energia

elétrica, nas pesquisas em hidreletricidade voltadas para o atendimento às necessidades de consumo

regionais e na dotação de recursos para a instalação dos pólos de desenvolvimento, sob a coordenação

da SUDAM, apesar do enfraquecimento orçamentário desta superintendência e transferência de recursos

para o PIN/Proterra. Já nos II e III PNDs, a política energética transcendeu a região, adquirindo

claramente um sentido trans-regional. Além de gerar divisas para o país e economizar combustíveis

fósseis, a política energética se voltou para a integração da região ao mercado internacional, com o uso

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104 O Complexo Hidrelétrico do Xingu estava entre os projetos estratégicos do governo Fernando Henrique (1996 -2002) (PINTO, 2005, p. 102) e, junto com os projetos do rio Madeira, se encontra entre os projetos prioritários deinfra-estrutura energética do governo Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010).

da energia gerada em grandes plantas hidrelétricas como insumo para os produtos eletrointensivos. O

suprimento energético da própria região ficou, então, em segundo plano.

À medida que se consolidava a articulação entre mineração e hidreletricidade, a

participação da SUDAM no setor de energia elétrica foi-se tornando periférica e restrita a: i) destinação

de recursos, que se tornavam cada vez mais escassos; ii) concessão de incentivos fiscais para implantação

de novas usinas e/ou ampliação das redes de distribuição, e iii) indiretamente, contribuição para elevação

de demanda, através da concessão de incentivos fiscais para a instalação de empreendimentos industriais

e comerciais. Até mesmo a assistência técnica e financeira às concessionárias estaduais, antes era feita

pela SPVEA/SUDAM, passou a ser feita pela Eletronorte.

Na década de 1970, a Eletronorte atuou basicamente para concretizar o projeto de

expansão do Setor Elétrico nacional na região amazônica: realizou importantes estudos hidroenergéticos;

finalizou e passou a operar a primeira usina hidrelétrica da região (Coaracy Nunes) e o sistema de

transmissão associado; iniciou a construção da usina de Tucuruí, a maior usina hidrelétrica da região e

o respectivo sistema de transmissão que, por sua vez, implicava a interligação da região Norte com o

sistema elétrico do Nordeste. Na década seguinte, a Eletronorte buscou fortalecer sua própria posição

na região ao assumir os parques geradores das capitais, o que lhe garantiu o papel de principal agente

institucional do desenvolvimento do parque industrial elétrico na região. Além disso, desenvolveu e

concluiu dois outros grandes projetos hidrelétricos – Balbina e Samuel – e sistemas de transmissão

associados. Assim, consolidou sua estrutura físico-material. Também investiu no desenvolvimento de

projetos para a década seguinte, especialmente o mega-empreendimento do Complexo Hidrelétrico

do Xingu; projetos que elevaram de tal maneira os conflitos em torno dos empreendimentos hidrelétricos

na Amazônia que até o presente momento nenhum governo conseguiu viabilizá-los política, econômica,

social e tecnicamente104.

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300

CAPÍTULO 6 – CONCLUSÃO

“A hidroelétrica está colocada no rio Reno. Demanda-o nadireção de sua pressão hidráulica, que demanda as turbinas na

direção de girar-se, este giro move a máquina, cujamovimentação produz a energia elétrica, para a qual estão

demandadas as centrais e os linhões interestaduais, quegarantem a distribuição. No contexto dessa seqüência

entrelaçada do demandamento da energia elétrica, aparecetambém o rio Reno como algo demandado. A hidroelétrica não

está edificada no rio como a velha ponte de madeira queinterliga há séculos margem com margem. Pelo contrário, é

agora o próprio rio que está encaixado na usina elétrica. Ele éo que é agora, como rio, fornecedor de pressão hidráulica,

intermediado pela essência da usina.”(HEIDEGGER apud BRÜSEKE, 2001)

Conforme afirmamos no início desta Tese, a concepção da Amazônia como “jazida

energética”, “área de monocultura da água”, “hidronegócio”, “província energética” e região

“vocacionada para a exportação de energia” – não apenas pelo Setor Elétrico, mas também por

setores da burocracia estatal e da sociedade – aponta a construção social de seus recursos naturais

exclusivamente como recursos energéticos. Também configura o lugar da região como subordinada

na divisão regional de trabalho no sistema elétrico nacional.

Defendemos que esta concepção traduz uma leitura naturalizada de um processo histórico

de construção de representações sociais, relacionado às formas específicas de construção e apropriação

dos espaços e seus recursos. A análise histórica da eletrificação na Amazônia, desde a implantação dos

primeiros sistemas elétricos na região até os anos 1990, buscou se contrapor ao movimento identificado

por RAFFESTIN (1993) como de subtração da historicidade dos fenômenos que, ao naturalizá-los,

perpetua e reproduz o sistema de dominação.

Partimos da concepção de que as tecnologias são construções sociais e, como tais, fazem

parte das práticas culturais e dos sistemas de significados das sociedades. A eletrificação, portanto, é

compreendida como processo sociotécnico. Isto significa dizer que as possibilidades de transformação

da sociedade e do espaço, com a participação da eletrificação, só existem na medida em que ela

interage com outras instâncias sociais, econômicas, técnicas, políticas e culturais da sociedade,

influenciando-as e sendo por elas influenciada. A adoção de uma abordagem histórica contextualista,

no levantamento e análise dos fatos e eventos narrados na Tese, permitiu desvendar a emergência das

formas de produzir energia elétrica na Amazônia ao longo do tempo, bem como sua interação com

projetos políticos que reconfiguraram o papel e o significado da Amazônia no espaço energético nacional.

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Estas formas envolveram diferentes técnicas e recursos, articuladas a interesses econômicos, políticos

e concepções de apropriação do território e dos recursos territorializados.

Outro aspecto importante da Tese, diz respeito ao recorte espacial. Ao buscar compreender

o processo sociotécnico de eletrificação na Amazônia, mostramos a importância da dimensão espacial

na análise das políticas energéticas. O recorte espacial permitiu identificar e fixar os modos de

apropriação, representação e ordenamento do espaço, bem como dinâmicas sociais e relações inter-

escalares que se projetam espacialmente. O caráter regional do recorte não excluiu um diálogo com a

totalidade em suas múltiplas escalas, o que contribuiu para enriquecer a análise do fenômeno da

eletrificação. Além de permitir a compreensão da manifestação regional de um fenômeno mundial – a

eletrificação – a escala regional permitiu confirmar um pressuposto inicial de que as tecnologias se

desenvolvem de formas diferentes em contextos sócio-culturais e espaciais diversos, influenciadas por

fatores políticos, econômicos, sociais e culturais que lhe dão forma e conteúdo distintivo.

Na história do processo sociotécnico de eletrificação da Amazônia identificamos uma

primeira fase, como prelúdio para a eletrificação propriamente dita, caracterizada pela constituição

dos serviços de iluminação pública nas capitais amazônicas, especialmente Belém e Manaus. A relação

entre a disponibilidade de recursos públicos – advindos da economia da borracha na segunda metade

do século XIX – o crescimento das cidades e o processo de urbanização propiciou o contexto no qual

o capital privado e o setor público interagiram para constituir a iluminação pública como um tipo

específico de serviço urbano. Ao longo do tempo, diferentes sistemas de iluminação se sucederam,

utilizando várias fontes como iluminantes: óleo de andiroba, querosene, benzeno, acetileno, gás globo,

gás líquido de carvão e gás carbônico. Das interações e conflitos entre os agentes sociais envolvidos

nos diferentes sistemas de iluminação e os arranjos políticos, emergiram novas relações contratuais,

formas de gestão dos serviços, estruturas administrativas e aperfeiçoamentos técnicos nos sistemas,

que culminaram na adoção de uma nova tecnologia: a energia elétrica.

A ascensão da borracha viabilizou o investimento maciço dos excedentes da economia no

desenvolvimento urbano, com o estabelecimento dos mais modernos serviços nas capitais amazônicas:

foram instalados serviços de iluminação pública a gás e posteriormente elétricos, de viação urbana,

comunicação, de água e esgoto, além de urbanização e embelezamento. As concessões para a

exploração dos serviços de luz e força, nos primeiros anos do Regime Republicano, seguiram a herança

da doutrina do direito administrativo imperial e de sua prática administrativa na concessão dos serviços

de iluminação a gás: subsídios governamentais, renúncia fiscal de taxas e impostos, contratos de longo

prazo, pagamentos em moeda estrangeira, usufruto gratuito de terrenos, benfeitorias e edifícios etc.

No final do século XIX e início do século XX, a maioria dos cronistas e viajantes da

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época (SANTA-ANNA NERY, 1899; LUCIANI, 1899; MARAJÓ, 1895; PLANE, 1903; LOPES

GONÇALVES, 1903; DIAS, c. 1904; WILEMAN, 1908 e 1909; e LLOYD, 1913) não se furtava

em descrever as belezas das capitais amazônicas iluminadas pela luz elétrica e os confortos urbanos

promovidos pelo uso da eletricidade em prédios públicos e privados. A “propaganda oficial”, feita

através dos álbuns produzidos a mando dos governadores dos estados, como os álbuns do Pará em

1899 e 1908, de Belém em 1902 e do Amazonas 1901-1902, procurava ressaltar os traços mais

modernos das cidades, suas estruturas urbanas e estilos de vida cosmopolitas, de acordo com modelos

europeus. O pioneirismo da adoção da luz elétrica, em Belém e Manaus, as colocava no mesmo

patamar de progresso (e mesmo à frente) de capitais como Paris e Londres. Fotografias de máquinas,

caldeiras e edifícios das usinas geradoras povoavam as páginas dos álbuns oficiais e comerciais,

mostrando a afinidade das cidades com as novas tecnologias de geração de energia elétrica (SANTA

ROSA, 1899, p. 135; MONTENEGRO, c.1909, p. 141; MUNICÍPIO DE BELÉM, 1902, p. 26 e

27; CACCAVONI, 1898b, p. 51 e 67; NERY, 1901-1902, p. 26 a 29 e 114). O caráter “espetacular”

da luz elétrica era explorado inclusive como atrativo turístico das cidades.

Há, contudo, um exagero na afirmação de que estas cidades eram totalmente iluminadas

com luz elétrica, neste período. O centro e as partes mais “nobres” eram servidos por sistemas de gás

e luz elétrica, tanto particular quanto pública, e possuíam os equipamentos urbanos mais modernos. A

população mais pobre da periferia, entretanto, não gozava de tais privilégios. Conforme aponta

VICENTINI (2004), enquanto as áreas centrais adotavam padrões mundiais de urbanização e hábitos

sociais adequados aos estilos metropolitanos, consoantes com seus habitantes burgueses brancos e

estrangeiros, os migrantes, sertanejos, negros e mestiços ficavam à margem. As condições de vida da

população, para além dos centros urbanos, eram miseráveis. A luz elétrica que prolongava o dia e

embelezava a paisagem urbana à noite era mais um privilégio de poucos que um benefício coletivo.

Servia como metáfora da riqueza produzida coletivamente, mas acumulada e consumida apenas por

uma pequena parcela.

A eletricidade não substituiu de imediato a iluminação a gás, posto que a luz elétrica era

apenas uma de suas múltiplas aplicações. Com ela, a sociedade, em particular a elite local, desenvolveu

novas formas de apropriação e vivência das cidades. À medida que os trens elétricos consolidaram os

limites urbanos, incorporaram os subúrbios às atividades cotidianas de lazer e trabalho. A instalação

dos ventiladores deu maior conforto aos cafés, hotéis, restaurantes e prédios públicos, enquanto a

iluminação noturna coroava tudo isso com a ampliação da vivência social, familiar ou pública, da noite.

No momento de sua instalação nas capitais amazônicas, a eletricidade, com todos os usos possíveis,

representava o alcance de um nível de progresso material e simbólico de uma sociedade que se via em

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ascensão. Por meio da ação do Estado, os serviços urbanos, especialmente a iluminação e a viação

urbana elétricas, tiveram um importante papel no processo social de construção e consolidação do

urbano e da vivência social das cidades amazônicas.

A instalação dos primeiros sistemas elétricos, ainda no final do século XIX, e a constituição

das primeiras empresas estrangeiras concessionárias dos serviços públicos de eletricidade – Manaós

Tramways & Light Company em Manaus e a Pará Electric Railways and Lighting Company, Limited,

em Belém – no início do século XX, marcaram uma segunda fase no processo sociotécnico de eletrificação

na Amazônia. A recuperação da trajetória histórica dessas empresas revelou que, embora tenha sido

introduzida precocemente na região amazônica, a energia elétrica estava relacionada quase exclusivamente

às atividades de embelezamento urbano – especificamente iluminação pública e privada – e tração para o

transporte público. A eletricidade era, antes de tudo, uma fonte de energia para o conforto urbano e não

um insumo para impulsionar as atividades produtivas. Os sistemas elétricos das capitais se consolidaram,

especialmente, em função do desenvolvimento associado da eletrificação e viação urbana.

O processo de eletrificação das capitais amazônicas ocorreu baseado no investimento

privado de empresas estrangeiras, associado e dependente da demanda pública. O Estado teve um

papel fundamental para garantir o lucro das empresas, além de direcionar/definir os usos da energia

elétrica: serviços de bombeamento d’água, tração para o transporte urbano, iluminação de logradouros

públicos, iluminação de prédios públicos, ventilação e segurança. Mesmo durante a gestão pública dos

serviços de energia elétrica em Manaus, os objetivos e usos da energia não foram modificados e o foco

da eletrificação continuou a ser o conforto urbano nas áreas mais desenvolvidas e ricas da cidade. O

uso doméstico da energia elétrica, na maioria dos casos, se tornou uma forma de privilégio de uma

classe abastada que não apenas podia pagar pelo serviço, mas se localizava na cidade, em lugares

providos de redes de distribuição. A eletrificação estava relacionada aos padrões de modernidade e

progresso material cristalizados nas opções do Estado, que projetava as escolhas de uma sociedade

hierarquizada e conformada pelas clivagens sócio-econômicas.

Este modelo de eletrificação não encorajava as empresas a buscarem novas fontes de

energia, tecnologias e/ou arranjos produtivos que reduzissem os custos da geração e distribuição em

direção a uma ampliação do mercado consumidor. Como também não havia concorrência, as empresas

não precisavam se preocupar em perder ou ganhar clientes, pois o Estado liberal concessionário1 se

encarregava de determinar o tamanho e a qualidade do mercado consumidor de energia. O mercado,

“comandado” pela demanda pública, crescia ou encolhia de acordo com as conveniências e finanças

1 Expressão do Prof. Carlos Vainer.

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governamentais. As empresas não tinham incentivo para buscar novos mercados, já que crescer significaria

também investir e arriscar. Por outro lado, se o baixo desenvolvimento industrial da região se traduzia

em fracos mercados para a indústria de energia, o contrário também era verdadeiro: a operação, muito

próxima da capacidade das usinas, limitava qualquer ambição industrial que a região pudesse ter. E

isso era verdadeiro tanto para as capitais, quanto para as cidades no interior, já que, aos poucos,

pequenos sistemas elétricos também foram instalados em algumas cidades que passaram a usufruir de

serviços de iluminação no interior dos estados.

Tanto a iniciativa privada, quanto o poder público municipal e estadual foram responsáveis

pela disseminação dos sistemas elétricos no interior dos estados amazônicos. No caso das instalações

privadas, algumas iniciativas estavam relacionadas a empreendimento específicos, como a eletrificação

de Porto Velho (RO), que, desde 1908, possuía instalações elétricas ligadas ao estabelecimento da

Madeira-Mamoré Railway Co., para a construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré. Outros

exemplos seriam as instalações de Fordlândia, em 1928, e Belterra, em 1934, no Pará, ligadas à

exploração da borracha por Henry Ford; e, ainda, instalação em Santana (1940), feita por funcionários

da empresa ICOMI, que iria explorar o manganês na Serra do Navio. Todas as unidades instaladas no

interior, no início do século XX, pela iniciativa privada – Cruzeiro do Sul (1904) e Xapury (1914) no

Acre, Humaitá (1905) no Amazonas, Mazagão (1914) e Amapá (início da década de 1940) no Amapá,

Bragança (1911) e Santarém (1915) no Pará – passaram para a gestão governamental, seja municipal

ou estadual, até a década de 1950, exceto a de Mazagão que só foi municipalizada em 1958.

As iniciativas governamentais de eletrificação nas cidades do interior tinham um caráter

pontual, como em Cachoeira e Chaves (1914) no Pará, Rio Branco (1916) e Vila Seabra (1920) no

Acre, Clevelândia (ca. 1920), em Vila de Espírito Santo do Oiapoque e Macapá (1937) no Amapá.

As atividades de eletrificação mais sistemáticas ocorreram no Amazonas, quando foram eletrificadas

as cidades de Itacoatiara, Parintins, Coary em 1926 e Borba, São Félix e Teffé em 1928, e no Pará

entre 1937 e 1939, quando uma ação conjunta do estado e dos municípios instalou e/ou reformou

os serviços elétricos de Santarém, Óbidos, Mocajuba, Gurupá, Bragança, Faro, Santa Isabel,

Oriximiná, São Miguel Guamá, Igarapé-Assu, Curuçá, Afuá e Capanema. As pequenas unidades

geradoras eram essencialmente térmicas (unidades locomóveis estacionárias, unidades dieselelétricas,

pequenos motores a vapor etc.), impulsionadas a lenha, carvão ou derivados de petróleo, e se

tornaram a base dos sistemas isolados, uma forma típica da organização espacial dos sistemas

elétricos na região amazônica.

Na década de 1920, as centrais termelétricas da Pará Electric Railway and Lighting

Company, Limited e da Manaós Tramway and Light Company, Limited estavam entre as dez

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maiores unidades geradoras do Brasil. Suas instalações possuíam equipamentos e máquinas modernas

(Beliss & Morcom, Babcock & Wilcox, Westinghouse, Siemens etc.). Na década de 1930, a Pará

Electric ainda era considerada uma das maiores do país. Assim, até o início da Segunda Guerra

Mundial, o modelo de eletrificação adotado nas capitais amazônicas, com seus altos e baixos

conjunturais, conseguia atender às demandas, da maneira como eram formuladas pelo poder público.

Ao longo da década de 1940, contudo, os sistemas elétricos de Manaus e Belém entraram

em colapso. Vários fatores contribuíram, de maneira variável no caso de cada empresa, para este

processo: desgaste de alguns equipamentos e obsolescência de outros, interrupção no fornecimento

da lenha para as caldeiras, falta de equipamentos de reposição que não podiam ser importados durante

a Segunda Guerra Mundial, demanda crescente, concorrência do transporte automotivo, endividamento

das empresas, falta de pagamentos de clientes (como a prefeitura de Belém) etc. A má qualidade dos

serviços (interrupções no fornecimento de luz e irregularidade e mal estado dos trens urbanos) gerou a

insatisfação dos usuários e dos governos. A intervenção do governo federal nas empresas de energia

elétrica acabou determinando a estatização dos serviços, que passaram a ser geridos pela municipalidade,

no caso de Belém e pelo governo Estadual, no caso de Manaus.

A crise energética nas capitais amazônicas sensibilizou e mobilizou políticos e

planejadores que, com a criação da SPVEA, como a primeira agência de desenvolvimento regional,

canalizaram para este órgão as perspectivas e expectativas de regularização da situação da energia

elétrica na Amazônia. Com a entrada do planejamento centralizado, a eletrificação na Amazônia

entrou em uma terceira fase. No período pioneiro da eletrificação na Amazônia, esta teve um

caráter localizado, associado a alguns empreendimentos privados e iniciativas pontuais. Com

a SPVEA, pelo menos no nível do “plano”, a questão da eletrificação passou a envolver o

estabelecimento de uma infra-estrutura de suprimento público de energia elétrica, para garantir

o provimento regional e promover o desenvolvimento da região. A SPVEA pretendia comandar

este processo, vinculando a questão energética às demais ações de desenvolvimento regional. A

falta de um modelo de planejamento e gestão do setor de energia elétrica, e de um plano abrangente

e concreto de ação, contudo, acabaram tornando as ações da superintendência também pontuais

em relação às expectativas iniciais. Apesar disso, a SPVEA teve um papel importante na construção

do sistema público de suprimento de energia elétrica na região, ao contribuir para a consolidação

das empresas locais de energia (Força e Luz do Pará – FORLUZ, em Belém e Companhia de

Eletricidade de Manaus – CEM, em Manaus, ambas criadas em 1952) e apoiar as ações das

empresas estaduais recém criadas: Centrais Elétricas de Goiás S/A – CELG em Goiás, em 1955;

Companhia de Eletricidade do Amapá – CEA no Amapá, em 1956; Centrais Elétricas Matogrossenses

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S/A – CEMAT no Mato Grosso, em 1956; Companhia Energética do Maranhão – CEMAR no

Maranhão, em 1958; Centrais Elétricas do Pará S/A – CELPA no Pará, em 1960; Centrais Elétricas

do Estado do Amazonas S/A – CELETRAMAZON no Amazonas, em 1964; e Companhia de

Eletricidade do Acre – ELETROACRE no Acre, em 1965. Aos poucos, estas empresas assumiram

o planejamento da expansão, a realização de projetos de eletrificação e a construção e operação de

sistemas de produção, transmissão e distribuição de energia elétrica nos seus estados, tarefa que a

SPVEA não conseguiu coordenar. A indústria amazônica, contudo, continuou por muito tempo

dependente da autoprodução para se desenvolver, pois a crise energética deflagrada na década de

1940 só foi realmente superada no final da década de 1960.

Dois importantes projetos hidrelétricos, que foram planejados e parcialmente

executados durante a gestão da SPVEA, tiveram pouca participação desta superintendência: A

UHE Coaracy Nunes, no Amapá, que começou a ser planejada no início da década de 1950 e

começou a ser construída em 1960, e a UHE Curuá-Una, que foi planejada no início da década

de 1960 para atender projetos industriais em Santarém e Aveiro, no Pará. Como os recursos da

SPVEA para Curuá-Una não chegaram a ser repassados, a usina começou a ser construída em

1968, sob a responsabilidade da CELPA.

No caso da Usina Hidrelétrica de Coaracy Nunes, a participação da SPVEA se restringiu

à alocação de alguns recursos (para a criação da CEA e para as obras), ficando de fora tanto de

qualquer participação na coordenação do projeto de construção, como da realização do plano de

desenvolvimento associado, que envolvia a exploração da bauxita da Serra do Navio, uma das

maiores reservas do minério do país. Considerado um dos primeiros grandes projetos modernos na

região – envolvendo ainda a primeira usina hidrelétrica de grande porte na Amazônia, no qual a

associação entre hidreletricidade e mineração era a característica principal – é significativo que o

principal órgão de desenvolvimento regional tivesse pouca influência na elaboração e execução do

projeto. Ressalta já, neste caso, uma característica que viria a se tornar típica dos grandes projetos

de investimento na Amazônia: o caráter de enclave territorial (VAINER e ARAÚJO, 1992), com a

constituição de uma dinâmica excludente de apropriação e uso do território e seus recursos. Além

disso, fica patente que tanto a SPVEA, quanto sua sucessora, a SUDAM, desde o início não tinham

capacidade de influir nos espaços de valorização em que participavam o grande capital nacional, em

associação com o capital internacional.

Coaracy Nunes foi uma espécie de “protótipo”, em menor proporção, dos projetos

hidroenergéticos modernos na Amazônia. Uma usina hidrelétrica, associada à exploração de jazidas

minerais e polarizando uma região que cresceu e se urbanizou em torno de um projeto, cujo principal

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recurso explorado era esgotável. O desenvolvimento pretendido com o projeto não foi alcançado,

pois ainda hoje a economia do Amapá depende da exploração de recursos não renováveis. Além

disso, um enorme passivo ambiental, resultante da exploração do manganês, foi deixado como herança.

A conclusão e entrada em operação das usinas hidrelétricas de Coaracy Nunes (1976) e

Curuá-Una (1977), iniciaram a dinamização do parque gerador elétrico da região amazônica, que era

essencialmente térmico, mas foi somente o planejamento e a construção da usina hidrelétrica de Tucuruí,

que efetivamente colocaram a Amazônia no “mapa” da geração de energia elétrica nacional.

A instabilidade no aporte de recursos, a fragmentação das iniciativas, e as ingerências

políticas, associadas à baixa capacidade de coordenação efetiva das ações executadas por outros

órgão públicos, entres outras dificuldades, determinaram o fracasso da SPVEA e sua substituição

pela SUDAM, em 1966.

Esta nova agência de desenvolvimento, deu continuidade a muitas das ações iniciadas

pela SPVEA na área de energia elétrica: apoiou iniciativas das empresas estaduais em projetos específicos

e a realização de estudos hidroenergéticos, concedendo incentivos para a renovação do parque gerador.

Mas logo perdeu espaço para novas articulações institucionais que viriam a comandar o processo de

expansão dos sistemas de energia elétrica na Amazônia.

A partir da década de 1970, a conjugação de múltiplos fatores em âmbito regional, nacional

e internacional contribuiu para uma mudança radical na política energética nacional e para a mudança

no foco do desenvolvimento na Amazônia: crise mundial do petróleo; política de integração nacional

do governo, com sua alta capacidade de mobilização do território e seus recursos; divulgação da

disponibilidade dos recursos hidroenergéticos na região, a partir dos estudos do ENERAM;

comprometimento do governo federal e das empresas estatais com determinados interesses econômicos

(indústria eletrointensiva de capital internacional); mudanças na estrutura organizacional do Setor Elétrico

e seu plano de expansão territorial, com a criação da Eletronorte como subsidiária regional;

disponibilidade de recursos públicos e privados e fontes de financiamento para o investimento em grandes

projetos etc. A estes fatores, somava-se o contexto de um regime político autoritário, que refletia uma

baixa capacidade de organização da sociedade contra as intervenções governamentais no espaço.

Com a oportunidade oferecida pela posição estratégica que a energia passou a ocupar na

política nacional de desenvolvimento, o Setor Elétrico decidiu “bancar o risco” de sua expansão territorial,

em especial, na Amazônia. Este risco representou, na década de 1990, o desembolso de US$ 23,5

bilhões pelo Tesouro Nacional, pagos com recursos dos contribuintes, para cobrir o déficit das empresas

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concessionárias de energia elétrica2. Para expandir sua ação na região, por meio da implantação de

grandes projetos hidrelétricos, o Setor Elétrico investiu na construção e consolidação do mercado

consumidor para a energia da Amazônia e, neste processo, construiu a visão da região como

“vocacionada” para a exportação, reconfigurando seu lugar como subordinada no sistema

produtivo nacional de energia. A construção desta visão – que iniciou a quarta fase no processo de

eletrificação da Amazônia –, envolveu também vários aspectos: divulgação do enorme potencial

hidrelétrico, tendo como em contrapartida a baixa demanda regional; ênfase no esgotamento das fontes

hídricas para produção de energia elétrica em outras regiões; disponibilidade de tecnologia e capacidade

da engenharia nacional para a realização dos grandes empreendimentos hidrelétricos; divulgação dos

empreendimentos como uma forma de desenvolvimento regional; cooptação de políticos e empresários

regionais que viam na implantação de grandes projetos hidrelétricos uma oportunidade de crescimento

econômico; e divulgação, em matérias jornalísticas e propagandas, da associação entre tecnologia e

progresso, tendo a energia como base do “milagre econômico”.

A Eletronorte desempenhou um papel fundamental na expansão territorial do Setor Elétrico

na Amazônia. Sua criação foi determinada por três fatores. O primeiro diz respeito à própria estrutura

organizacional do setor que, com uma empresa holding (Eletrobrás) e empresas subsidiárias regionais

(Chesf no Nordeste, Furnas no Sudeste e parte do Centro-Oeste e Eletrosul no Sul), caminhava, em

termos organizacionais, para a construção de uma territorialidade em nível nacional. O domínio territorial,

contudo, só poderia ser alcançado com a constituição de uma empresa para atuar na região Norte e na

outra parte do Centro-Oeste, completando a estrutura federativa da organização do setor. O segundo,

diz respeito aos desdobramentos dos estudos do ENERAM, que constataram/confirmaram o enorme

potencial hidroenergético amazônico, destacando, por outro lado, a debilidade do mercado consumidor

regional frente ao potencial existente e a necessidade de prosseguimento dos estudos. Finalmente, o

terceiro fator remete à decisão política do governo federal de entrar no mercado de exportação de

produtos eletrointensivos e de prover a infra-estrutura para os investimentos estrangeiros: a Eletronorte

era fundamental para concretizar o suprimento energético às indústrias eletrointensivas.

Uma vez constituída, a Eletronorte passou a atuar no espaço contraditório de duas

concepções de aproveitamento do potencial hidroenergético da Amazônia, cada uma imbuída de um

projeto de desenvolvimento diferente: i) a exploração do potencial na escala técnica e economicamente

compatível com os mercados e o desenvolvimento regionais; e ii) a exploração do mesmo potencial na

escala de produção adequada à fabricação de produtos eletrointensivos para a exportação e transferência

2 É verdade que o déficit não foi provocado apenas pelo subsídio à indústria eletrointensiva, mas como já foi dito,a concessão de preços favorecidos pela Eletronorte tinha como contrapartida o ressarcimento desses valores pelosistema de equalização tarifária.

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dos excedentes de energia para outras regiões, a fim de atender aos objetivos do projeto de

desenvolvimento nacional.

Como os projetos eram claramente irreconciliáveis, a Eletronorte assumiu os parques

geradores das capitais – participando da gestão, operação e expansão dos principais sub-sistemas

elétricos da região – e os inseriu no planejamento centralizado de expansão e desenvolvimento do

Setor Elétrico nacional. Desta forma, o projeto regional foi subordinado ao desenvolvimento nacional.

Neste processo, a empresa expandiu a própria influência na região e consolidou sua posição como

empresa regional. Por outro lado, produziu mais uma fragmentação do território amazônico, na medida

em que introduziu descontinuidades de natureza econômica, técnica e de planejamento que afetariam a

relação dos sistemas elétricos com o espaço regional. Essas descontinuidades aumentaram a distância

sócio-econômica entre os seis “sistemas isolados Eletronorte” e os demais sistemas isolados do interior,

a cargo das empresas concessionárias regionais e de prefeituras municipais.

Ao invés de pensar um projeto de aproveitamento energético e de suprimento regional do

ponto de vista da região, a Eletronorte introduziu uma visão de exploração energética dos recursos

amazônicos e de suprimento a partir do centro hegemônico da economia do país. Assim, a entrada em

cena da empresa federal, ao invés de fortalecer as concessionárias regionais com uma divisão de

trabalho e uma ação mais coordenada no sentido de planejar a expansão e gerir os sistemas elétricos

regionais, ressaltou a fragilidade técnica, gerencial e financeira daquelas empresas.

A crucial participação do Setor Elétrico na política federal de incentivo à instalação no

território nacional de plantas eletrointensivas voltadas para a exportação, por meio de contratos de

tarifas elétricas a preços favorecidos, viabilizou a expansão da ação setorial na região que concentrava,

não apenas o maior potencial hidrelétrico remanescente do país, mas também reservas minerais, cuja

exploração dependia de suprimento abundante e barato de energia. Ao buscar o consumidor, oferecendo

vantagens para a implantação das unidades industriais eletrointensivas, ao invés de esperar a manifestação

da demanda, o Setor Elétrico também assumiu o papel de agência de desenvolvimento. Além

disso, guiou para o seu território específico empreendimentos de maior peso industrial, participando

ativamente da estruturação do espaço nacional de apropriação do território e dos recursos

territorializados pelo capital nacional e internacional.

A expansão dos sistemas elétricos que, durante a atuação da SPVEA e início da atuação

da SUDAM, tivera como eixo a constituição de uma infra-estrutura para a dinamização da

economia regional, mudou radicalmente. Agora, com a atuação da Eletronorte, consoante com os

PNDs e planos setoriais, passou a se concentrar na produção para a exportação indireta de energia

para os países centrais, através do provimento de infra-estrutura energética para a indústria

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exportadora mínero-metalúrgica e, posteriormente, para alimentar o sistema interligado nacional,

com vistas à exportação de energia para outras regiões. Dominante no resto do país, só no início

da década de 1980 a hidreletricidade se tornou o padrão energético na região. Com esta mudança,

os mega-empreendimentos hidrelétricos como Tucuruí, Balbina e Samuel, foram consagrados como

novo modelo de exploração dos recursos hidroenergéticos na Amazônia, tendo como conseqüência

a instauração de uma forma específica de ordenamento, apropriação e gestão do território e seus

recursos. O contexto regional foi totalmente subordinado aos objetivos e interesses nacionais e globais,

tornando-se o suprimento regional de energia elétrica, um mero apêndice na constituição do sistema

centralizado de suprimento nacional.

É importante lembrar que este processo se deu num contexto em que todo o sistema

elétrico nacional, ou seja, os segmentos de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica eram

estatais e serviam à constituição de um sistema público de suprimento nacional. A partir da década de

1990, com o processo de privatização e a abertura do setor à participação da iniciativa privada, o

sentido público do sistema de suprimento nacional de energia elétrica foi substituído por uma estrutura

baseada na exploração competitiva. Essas mudanças, contudo, não alteraram a configuração da

Amazônia como região exportadora de energia e a transformação dos seus rios em recursos em

hidroeletricidade; ao contrário, o novo contexto privatizante reitera os mega-empreendimentos

hidrelétricos como modelo de exploração desses recursos. Esta realidade coloca novos desafios à

reflexão e à ação, já que, conforme ressalta SEVÁ FILHO (2005b), os mega-projetos de engenharia

envolvem, antes de tudo, um “ato político”, uma vez que implicam o suporte a projetos que produzem

uma completa alteração da natureza e transformações radicais na sociedade.

De acordo com CARDOSO (2005), a narrativa é inseparável do plano da ação: antes

de ser cognitiva, é prática, faz parte e é condição das ações sociais organizadas. A presente Tese

buscou dar um passo para desvendar as condições históricas de construção da reconfiguração da

Amazônia como fornecedora de energia para um processo produtivo articulado de fora da região,

tendo como fundamento a associação entre o capital nacional e o capital internacional. Partimos de

uma perspectiva histórica da eletrificação na Amazônia para compreender os processos de

territorialização do espaço nacional e mostramos, por meio de evidências históricas, que o Setor

Elétrico é um importante vetor de estruturação do território, não apenas pela capacidade técnica,

econômica e política de apropriação, criação e transformação do espaço e seus recursos, exercida

na construção de barragens, usinas, linhas de transmissão, interconexão de sistemas etc., mas também

pelo estabelecimento de condições que criam e impõem continuidades e descontinuidades no espaço,

que alteram as relações entre agentes sociais e institucionais.

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1 Apesar de não constituir documento oficial, este artigo foi incluído nesta parte da bibliografia para facilitar aidentificação da referência pelo leitor.2 Apesar de não constituir documento oficial, este artigo foi incluído nesta parte da bibliografia para facilitar aidentificação da referência pelo leitor.

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_________. Mensagem lida perante o Congresso dos Srs. Representantes por occasião daabertura da 2a sessão ordinária da 4a legislatura pelo Exm. Sr. Dr. Governador do EstadoSilverio José Nery em 10 de julho de 1902, acompanha dos relatorios dos chefes dasrepartições. Manáos: Typ. da Livraria Ferreira Penna, volume I, 1903a._________. Mensagem lida perante o Congresso dos Srs. Representantes por occasião daabertura da 3a sessão ordinária da 4a legislatura pelo Exm. Sr. Dr. Governador do EstadoSilverio José Nery em 10 de julho de 1903, acompanhada dos relatorios dos chefes dasrepartições. Manáos: Typ. do “Amazonas”, 1903b._________. Mensagem lida perante o Congresso dos Representantes na abertura da 1a sessãoda 4a legislatura em 10 de julho de 1901 pelo Governador do Estado Silverio José Nery. Riode Janeiro: Typ. do Jornal do Commercio, 1902._________. Mensagem do Exm. Sr. Dr. Fileto Pires Ferreira Governador do Estado lidaperante o Congresso dos Representantes, por occasião da abertura da primeira sessãoextraordinaria da terceira legislatura em 04 de março de 1897. Manáos: Imprensa Official doEstado, 1897a._________. Mensagem do Ex.mo Sr. Dr. Fileto Pires Ferreira Governador do Estado lidaperante o Congresso dos Representantes, por occasião da abertura da terceira sessãoordinaria da segunda legislatura em 06 de janeiro de 1898. Manáos: Imprensa Official, 1897b._________. Mensagem lida perante o Congresso dos Srs. Representantes em 1o de março de1896 pelo Exm. Sr. Dr. Eduardo Gonçalves Ribeiro Governador do Estado. Manáos : ImprensaOfficial do Estado, 1896._________. Mensagem do Exm. Sr. Dr. Eduardo Gonçalves Ribeiro Governador do Estadolida perante o Congresso dos representantes, por occasião da abertura da terceira sessãoordinaria em 10 de julho de 1894. Manáos: Typ. do “Diario Official do Estado do Amazonas”,1894._________. Mensagem do Exm. Sr. Dr. Eduardo Gonçalves Ribeiro Governador do Estadolida perante o Congresso dos Representantes, por occasião da abertura da segunda sessãoordinaria em 10 de julho de 1893. Manáos: Typ. do “Diario Official do Estado do Amazonas”,1893._________. Mensagem do Exm. Sr. Dr. Gregorio Thaumaturgo de Azevedo, presidente doEstado, lida perante o Congresso Amazonense na sessão de 15 de setembro de 1891. Manáos:Impresso na Typographia do “Commercio do Amazonas”, 1891.ESTADO DO AMAZONAS. CODEAMA. Sistema Energético do Estado do Amazonas:articulação socioecômica. Manaus: CEP, 1987.ESTADO DO PARÁ. Governo Aloysio da Costa Chaves. Diretrizes de Ação de Governo 1975-1979. Energia, Transportes, Comunicações. [Belém]: [s.n..], [1975]._________. Mensagem à Assembléia Legislativa apresentada na sessão do dia 15 de julhode 1964. Governo Jarbas Passarinho. Belém: [s.n.], 1964._________. Caravana da Vitória. Relatório apresentado ao Exmo. Sr. Coronel Interventor Federal.Belém: Oficinas Gráficas do Instituto Lauro Sodré, 1944._________. Relatório apresentado ao Exmo Snr. Presidente da República pelo Dr. JoséCarneiro da Gama Malcher, interventor federal do Pará, 1937-1939. Belém: Oficinas Gráficasdo Instituto Lauro Sodré, 1940.FORÇA E LUZ DO PARA S/A. Relatório e Balanço do Exercício de 1960. Belém/Pará: FORLUZ,1961._________. Relatório da Diretoria: exercício de 1967. Belém: FORLUZ, 1967.VASGAS, Getulio. “Discurso do Rio Amazonas, 10 de outubro de 1940”. In: IBGE. AmazôniaBrasileira. Conselho Nacional de Geografia. Rio de Janeiro: IBGE, Artigos extraídos da RevistaBrasileira de Geografia,1944.

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GOVERNO DO ESTADO DO AMAZONAS. Plano de Desenvolvimento do Amazonas.Programa 1975. Manaus: [s.n..], 15/03/1975._________. Plano de Desenvolvimento Econômico e social (1965-1966). [Manaus]: CODEAMA/Ed. Artenova, 1965.HERMES, Gabriel. (Senador) [Discurso]. Diário do Congresso Nacional II, p. 2050, 22/06/1985._________. (Senador). [Discurso]. Diário do Congresso Nacional II, p. 4892, 05/12/1984._________. (Senador). [Discurso]. Diário do Congresso Nacional II, p. 1484, 05/05/1983._________. (Senador). [Discurso]. Diário do Congresso Nacional II, p. 3547, 13/08/1981._________. (Senador). [Discurso]. Diário do Congresso Nacional II, p. 4841, 24/09/1980._________. (Senador). [Discurso]. Diário do Congresso Nacional II, p. 504, 25/03/1980._________. (Senador). [Discurso]. Diário do Congresso Nacional II, p. 6366, 27/11/1979._________. (Senador). [Discurso]. Diário do Congresso Nacional, p. 866, 19/05/1979._________. (Senador). [Discurso]. Diário do Congresso Nacional II, p. 555, 31/03/1979.IGREJAS, Venâncio. (Senador). [Discurso]. Diário do Congresso Nacional, seção II, p. 1245-1247,8/07/1961.LANDO, Amir. (Senador). Necessidade de ampla discussão sobre a privatização da Eletronorte,[Discurso pronunciado em 29/09/1999]. Diário do Senado Federal de 30/09/1999, p. 25.755.LEVI, Edmundo. (Senador). [Discurso]. Diário do Congresso Nacional, p. 485-487, 07/03/1964.LIMA, Vivaldo. (Senador). “[Aparte em discurso]”. In: LEVI, E. (Senador). [Discurso]. Diário doCongresso Nacional, p. 486, 07/03/1964.MODESTO, Galvão. (Senador) [Discurso]. Diário do Congresso Nacional II, p. 534, 05/12/1985.MÜLLER, Gastão. (Senador) [Discurso]. Diário do Congresso Nacional II, p. 1934, 13/06/1984.MUNICÍPIO DE BELÉM. Relatório apresentado ao Conselho Municipal de Belém, em sessãode 20 de maio de 1930, pelo intendente municipal, Senador Antonio de Almeida Facióla. Belém:[s.n.], 1930._________. Mensagem apresentada ao Conselho Municipal, em sessão de 21 de maio de1928, sobre o movimento da Municipalidade, de abril de 1927 a abril de 1928 pelo intendenteEngenheiro Antonio Crespo de Castro. Belém/Pará: Officinas Graficas do Instituto Lauro Sodré,1928._________. Relatório apresentado ao Conselho Municipal de Belém na 1a sessão da 5a reuniãoordinária da 9a legislatura realizada a 2 de dezembro de 1913, pelo Exmo. Sr. Dr. DionysioAuzier Bentes, intendente de Belém. Belém: Imprensa Official do Estado do Para, 1913.MUNICÍPIO DE BELÉM, O (1908). Relatório Apresentado ao Conselho Municipal de Belémcapital do Estado do Pará pelo intendente Senador Antonio José de Lemos. Belém/Pará: Archivoda Intendência Municipal, 1909._________ (1907). Relatório apresentado ao Conselho Municipal de Belém, capital do estadodo Pará pelo Intendente Senador Antonio José de Lemos. Belém: Arquivo da IntendênciaMunicipal, 6o volume, 1908._________ (1906). Relatório apresentado ao Conselho Municipal de Belém pelo IntendenteSenador Antonio José de Lemos. Belém: Arquivo da Intendência Municipal, 1907._________ (1905). Relatório apresentado ao Conselho Municipal de Belém pelo IntendenteSenador Antonio José de Lemos. Belém: Arquivo da Intendência Municipal, 1906._________ (1903). Relatório apresentado ao Conselho Municipal de Belém pelo IntendenteSenador Antonio José de Lemos em 15 de novembro de 1904. Belém: Arquivo da IntendênciaMunicipal, 1904._________ (1897-1902). Relatório apresentado ao Conselho Municipal de Belém na sessãode 15 de novembro de 1902 pelo intendente Senador Antonio José de Lemos. Pará: Typographiade Alfredo Augusto Silva, 1902a.

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MUNICÍPIO DE CAMETÁ. Relatório apresentado ao Conselho Municipal de Cametá em 15de novembro de 1906 pelo intendente José Heitor de Mendonça. Cametá: Typographia ePapelaria “Cametá”, 1906.MUNICÍPIO DE MANAUS. Digesto do Município de Manáos. Leis organicas e communs (1828-1906). Impresso na administração do Coronel Adolpho Lisbôa. Paris: Livraria Ailland, 1907, tomo I.PARÁ. Instituto de Desenvolvimento Econômico-Social do Pará (IDESP). Diagnóstico do SetorEnergético do Estado do Pará. Belém: IDESP (Estudos Paraenses, 44), 1974.PROVÍNCIA DO AMAZONAS. Relatorio com que o Exm. Sr. Dr. Joaquim de OliveiraMachado, presidente da provincia do Amazonas, installou a sessão extraordinaria daAssembléa Legislativa Provincial no dia 2 de junho de 1889. Manáos: Typ. do Commercio doAmazonas, 1889._________. Exposição com que o Exm. Sr. Coronel Conrado Jacob de Niemeyer passou aadministração da provincia do Amazonas ao Exm. Sr. Coronel Francisco Antonio PimentaBueno em 10 de janeiro de 1888. Manáos: Typ. do Commercio do Amazonas, 1888._________. Exposição com que o Exm. Sr. Dr. Ernesto Adolpho de Vasconcellos Chavespassou a administração da provincia do Amazonas ao Exm. Sr. Tenente-coronel ClementinoJosé Pereira Guimarães 1o vice-presidente da mesma em 10 de janeiro de 1887. Manáos: Typ.do Jornal do Amazonas, 1887._________. Falla que o Exmo. Sr. Dr. José Jansen Ferreira Junior, presidente da provinciado Amazonas, dirigiu á Assembléa Legislativa Provincial, por occasião da installação da 2a

sessão da 17a Legislatura, em 25 de março de 1885. Manáos: Typ. do Amazonas, 1885._________. Relatorio apresentado á Assembléa Legislativa Provincial do Amazonas naabertura da Exposição apresentada á Assembléa Legislativa Provincial do Amazonas naabertura da primeira sessão da decima setima legislatura em 25 de março de 1884 pelopresidente, Dr. Theodoreto Carlos de Faria Souto. Manáos, Tip. do “Amazonas”, 1884._________. Relatorio apresentado á Assembléa Legislativa Provincial do Amazonas naabertura da segunda sessão da decima sexta legislatura em 25 de março de 1883 pelopresidente, José Lustosa da Cunha Paranaguá. Manáos: Typ. do Amazonas, 1883._________. Falla com que o Exmo. Sr. Dr. Alarico José Furtado abrio a sessão extraordinariada Assembléa Legislativa Provincial do amazonas em 27 de agosto de 1881. Manáos: Typ. doAmazonas, 1882._________.Falla com que o exm. Sr. Dr. Satyro de Oliveira Dias, presidente da provincia doAmazonas, abrio a 2a sessão da 15a Legislatura da Assembléa Provincial em 4 de abril de1881. Manáos: Typ. do Amazonas, 1881._________. Exposição com que o Exmo. Sr. Barão de Maracajú, presidente da provincia doAmazonas, entregou a administração em 26 de agosto de 1878 ao Exmo. Sr. Dr. Romualdo deSouza Paes d’Andrade. Manáos: Typ. do Amazonas, 1879a._________. Falla com que o Exmo. Sr. Barão de Maracajú, presidente da provincia doAmazonas, no dia 29 de março de 1879 abrio a 2a sessão da 14a legislatura da AssembléaLegislativa Provincial. Manáos: Typ. do Amazonas, 1879b._________. Falla com que abrio no dia 25 de agosto de 1878 a 1a sessão da 14a legislatura daAssembléa Legislativa Provincial do Amazonas o Exmo Sr. Barão de Maracajú, presidente daprovincia. Manáos: Typ. do Amazonas, 1878._________. Falla dirigida á Assembléa Provincial do Amasonas na primeira sessão da 12a

legislatura em 25 de março de 1874 pelo presidente da provincia, bacharel Domingos MonteiroPeixoto. Manáos: Typ. do Commercio do Amasonas, 1874._________. Falla diririgida [sic] á Assembléa Legislativa Provincial do Amasonas na Segundasessão da 11a Legislatura em 25 de março de 1873 pelo presidente da provincia, bacharel

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Domingos Monteiro Peixoto. Manáos: Typ. do Commercio do Amazonas de Gregorio Joze deMoraes, 1873._________. Relatorio lido pelo Exmo Sr. presidente da provincia do Amazonas, Tenente coronelJoão Wilkens de Mattos, na sessão d’abertura da Assembléa Legislativa Provincial á 25 demarço de 1870. Manaos: Typ. do Amazonas de Antonio da Cunha Mendes, 1870._________. Relatorio com que o Exmo Sr. presidente da provincia do Amazonas, Tenentecoronel João Wilkens de Mattos, abrio a Assembléa Legislativa Provincial no dia 4 de abrilde 1869. Manáos: Typ. do Amazonas do Antonio Cunha Mendes, 1868._________. Relatorios com que o Exmo Sr. Dr. Manoel Clementino Carneiro da Cunha,presidente da provincia, passou a administração ao primeiro vice-presidente, exm. snr. dr.Manoel Gomes C. de Miranda, e com que o Exm. Snr. Dr. Sinval Odorico de Moura abrio asegunda sessão da Assemblea Legislativa Provincial do Amazonas. Maranhão: Typ. do Frias,1864._________. Relatorio com que o Exm. Snr. Dr. Manoel C. Carneiro da Cunha passou aadministracção da Provincia do Amazonas ao Exm. Snr. Dr. M. G. Corrêa de Miranda em 19de janeiro de 1863. [Manaus]: [s.n.] [1863]._________. Relatorio que a Assembléa Legislativa Provincial do Amazonas apresentou naabertura da sessão ordinaria em o dia 7 de setembro de 1858 Francisco José Furtado, presidenteda mesma provincia. Manáus: Typ. de Francisco José da Silva Ramos, 1858a._________. Falla dirigida a Assembléa Legislativa Provincial do Amazonas em o 1o de outubrode 1857 pelo presidente da provincia, Angelo Thomaz do Amaral. Rio de Janeiro: Typ. Universalde Laemmert, 1858b._________. Relatorio apresentado ao Illmo e Exmo Sñr. Conselheiro Herculano FerreiraPenna, Presidente da Provincia do Amazonas pelo 1o vice-presidente o Illmo e Exmo Sñr. Dr.Manoel Gomes de Corrêa de Miranda, em virtude do aviso da Secretaria d’Estado dosNegócios do Imperio de 11 de março de 1848. Capital do Amazonas: Typ. de Manoel da SilvaRamos, 1853a._________. Falla dirigida á Assembléa Legislativa Provincial do Amazonas, no dia 1o deoutubro de 1853, em que se abrio a sua 2a sessão ordinaria, pelo presidente da provincia, oconselheiro Herculano Ferreira Penna. Amazonas: Typ. de M.S. Ramos, 1853b.PROVÍNCIA DO PARÁ. Relatorio com que o Exm. Sr. Conselheiro João Antonio d’AraujoFreitas Henriques passou a administração da província do Pará ao Exm. Snr. DesembargadorJoaquim da Costa Barradas em 6 de outubro de 1886. Pará: Typ. da República 1891._________. Falla com que o Exmo Snr. Dr. Miguel José d’Almeida Pernambuco, presidenteda provincia, abrio a 2a sessão da 26a legislatura da Assembléa Legislativa Provincial doPará em 2 de fevereiro de 1889. Pará: Typ. de A.F. da Costa, 1889a._________. Relatorio com que o Exm. Sr. Dr. Antonio José Ferreirta Braga presidente daprovincia abrio a sessão extraordinaria da 26a legislatura da Assembléia Legislativa Provincialdo Pará em 18 de setembro de 1889. Pará: Typ. de A. Fructuoso da Costa, 1889b._________. Falla com que o Exm. Sr. conselheiro Francisco José Cardoso Junior, primeirovice-presidente da provincia do Pará, abrio a 1a sessão da 26a legislatura da AssembléaProvincial no dia 4 de março de 1888. Pará: Typ. do “Diario de Noticias,” 1888._________. Falla com que o Exm. Sr. conselheiro Francisco José Cardoso Junior, 1o vice-presidente da provincia do Pará, abrio a 2a sessão da 25a legislatura da Assembléa Provincialem 20 de outubro de 1887. Pará: Typ. do Diario de Noticias, 1887a._________. Relatorio com que o Exm. Sr. desembargador Joaquim da Costa Barradas passoua administração da provincia ao Exm. Sr. conselheiro coronel Francisco José Cardoso Junior.Pará: Typ. do Diario de Noticias, 1887b.

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_________. Falla com que o Exm. Sr. conselheiro Tristão de Alencar Araripe, presidente daprovincia do Pará, abrio a 1a sessão da 25a legislatura da Assembléa Provincial no dia 25 demarço de 1886. Belem: Typ. do “Diario de Noticias,” 1886._________. Falla com que o Exm. Sr. conselheiro dr. João Silveira de Souza, abrio a 1a sessãoda 25a legislatura da Assembléa Provincial em 15 de outubro de 1884. Pará: Typ. da Gazeta deNoticias, 1885a._________. Falla com que o Exm. Sr. conselheiro dr. João Silveira de Souza, presidente daprovincia do Pará, abrio a 2a sessão da 24a legislatura da Assembléa Provincial em 18 de abrilde 1885. Pará: Typ. da Gazeta de Noticias, 1885b._________. Relatorio que ao Exm. Sr. Dr. João Lourenço Paes de Souza, 1o vice-presidenteda provincia do Gram-Pará, apresentou o Exm. Sr. Dr. Carlos Augusto de Carvalho ao passar-lhe a administração em 16 de setembro de 1885. Pará: Typ. de Francisco de Costa Junior, 1885c._________. Falla com que o Exm. Sr. general visconde de Maracajú presidente da provinciado Pará, pretendia abrir a sessão extraordinaria da respectiva Assembléa no dia 7 de janeirode 1884. Pará: Diario de Noticias, 1884a._________. Relatorio com que o Exmo Snr. general visconde de Maracajú passou aadministração da provincia ao 2o vice-presidente, Exmo Snr. Dr. José de Araujo Roso Danin,no dia 24 de junho de 1884. Pará: Typ. de Francisco da Costa Junior, 1884b._________. Falla com que o Exm. Sr. general barão de Maracajú abrio a 2a sessão da 23a

legislatura da Assembléa Legislativa da provincia do Pará em 15 de fevereiro de 1883. Pará:Typ. do Jornal da Tarde, 1883._________. Relatorio com que o Exm. Sr.presidente, Dr. Manuel Pinto de Souza DantasFilho, passou a administração da provincia ao Exm. Sr. 1o vice-presidente, Dr. José da GamaMalcher. Pará: Typ. do “Liberal do Pará”, 1882._________. Relatorio apresentado á Assembléa Legislativa Provincial na 2a sessão da 22a

legislatura em 15 de fevereiro de 1881 pelo exm. sr. dr. José Coelho da Gama e Abreu. Pará:Typ. do Diario de Noticias de Costa & Campbell, 1881._________. Relatorio apresentado pelo excellentissimo senhor doutor José Coelho da Gamae Abreu, presidente da provincia, á Assembléa Legislativa Provincial do Pará, na sua 1a sessãoda 22a legislatura, em 15 de fevereiro de 1880. Pará: [s.n.], 1880._________. Falla com que o excellentissimo senhor doutor José Coelho da Gama e Abreu,presidente da provincia, abrio a 2a sessão da 21a legislatura da Assembléa Legislativa daprovincia do Gram-Pará, em 16 de junho de 1879. Pará: [s.n.], 1879._________. Relatorio com que ao Exm. Sr. Dr. José da Gama Malcher, 1o vice-presidente,passou a administração da provincia do Pará o Exm. Sr. Dr. João Capistrano Bandeira deMello Filho em 9 de março de 1878. Pará: Typ. Guttemberg, 1878._________. Falla com que o Exm. Sr. Dr. João Capistrano Bandeira de Mello Filho abrio a 2a

sessão da 20a legislatura da Assemblea Legislativa da provincia do Pará em 15 de fevereirode 1877. Pará: Typ. do Livro do Commercio, 1877._________. Relatorio apresentado ao Exm. Sr. Dr. Francisco Maria Corrêa de Sá e Benevidespelo exm. senr. dr. Pedro Vicente de Azevedo, por occasião de passar-lhe a administração daprovincia do Pará, no dia 17 de janeiro de 1875. Pará: [Typ. de F.C. Rhossard], 1875._________. Relatorio apresentado a Assembléa Legislativa Provincial na primeira sessão da19a legislatura pelo presidente da provincia do Pará, o excellentissimo senhor doutor PedroVicente de Azevedo, em 15 de fevereiro de 1874. Pará: Typ. do Diario do Gram-Pará, 1874._________. Relatorio com que o excellentissimo senhor doutor Domingos José da CunhaJunior, presidente da provincia, abrio a 2a sessão da 18a legislatura da Assembléa LegislativaProvincial em 1o de julho de 1873. Pará: Typ. do Diario do Gram-Pará, 1873a.

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_________. Relatorio apresentado pelo Exm. Sr. Barão da Villa da Barra em 5 de novembrode 1872 por occasião de passar a administraçào da província ao 2o vice-presidente o exm. sr.Barão de Santarem. Pará: Typ. do Diario do Gram-Pará, 1872._________. Relatorio com que o excellentissimo senhor cônego Manoel Jose de SiqueiraMendes primeiro vice-presidente da província do Pará passou a asministração da mesma aoexcellentissimo senhor presidente João Alfredo Corrêa de Oliveira. Pará: Typ. do Diario doGram-Pará, 1870a._________. Relatorio do presidente da província do Pará doutor João Alfredo Corrêa deOliveira, passando a administração da mesma ao 4o vice-presidente, doutor Abel Graça. Pará:Typ. do Diario do Gram-Pará, 1870b._________. Relatorio apresentado á Assembléa Legislativa Provincial na primeira sessão da17.a legislatura pelo quarto vice-presidente, dr. Abel Graça. Pará: Typ. do Diario do Gram-Pará, 1870c._________. Relatorio com que o excellentissimo senhor presidente da provincia, Dr. PedroLeão Vellozo passou a administração da mesma ao excellentissimo senhor 1o vice-presidente,Barão do Arary, no dia 9 de abril de 1867. Pará: Typ. de Frederico Rhossard, 1867._________. Relatorio dos negocios da provincia do Pará. Dr. Couto de Magalhães, presidentedo Pará. Pará: Typ. de Frederico Rhossard, 1864._________. Exposição apresentada pelo exm.o senr. conselheiro Sebastião do Rego Barros,presidente da provincia do Gram-Pará, ao exm.o senr tenente coronel d’engenheiros Henriquede Beaurepaire Rohan, no dia 29 de maio de 1856, por occasião de passar-lhe a administraçãoda mesma provincia. [Pará ]: Typ. de Santos e filhos, 1856._________. Relatório do vice-presidente Pinto Guimarães de 15 de outubro de 1855, publicadocomo anexo do Relatório de 16 de outubro de 1855 e da Falla de 26 de outubro de 1855.[Pará]: [s.n.], 1855a._________. Exposição apresentada pelo exm. snr. Dr. João Maria de Moraes, 4o

vicepresidente da provincia do Gram-Pará, por occasião de passar a Administraçào da mesmaprovincia ao 3o vice-presidente o exm. snr. Coronel Miguel Antonio Pinto Guimaraens. [Pará]:Typ. de Santos & Filhos, 1855b._________. Falla que o exm. snr. conselheiro Sebastião do Rego Barros, prezidente destaprovincia, dirigiu á Assemblea Legislativa provincial na abertura da mesma Assemblea nodia 15 de agosto de 1854. Pará: Typ. da Aurora Paraense, 1854._________. Relatorio apresentado ao exm.o snr. dr. José Joaquim da Cunha, presidente daprovincia do Gram Pará, pelo commendador Fausto Augusto d’Aguiar por occasião deentregarlhe a administração da provincia no dia 20 de agosto de 1852. Pará: Typ. de Santos &filhos, 1852.PASSARINHO, Jarbas. (Senador). [Discurso]. Diário do Congresso Nacional II, p. 5071, 23/09/1989.REIS, Henoch da S. Discursos e Metas no Governo do Amazonas, 1977-1978. Manaus: ImprensaOficial, 1979.PEREIRA, Jesus. S. “Memória Justificativa do Plano Nacional de Eletrificação”. In: BRASIL. PresidenteG. VARGAS (1951-1954). Plano Nacional de Eletrificação e Centrais Elétricas Brasileiras,S.A: mensagens e projetos de leis encaminhados ao Congresso Nacional pelo presidente GetúlioVargas propondo a instituição do primeiro plano de eletrificação e a constituição da empresa mistaCentrais Elétricas Brasileiras,S.A – Eletrobrás. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1954.ROCHA, Eusébio. Energia Elétrica: fator de progresso e de bem estar social. Discurso proferido nasessão de 14/04/1950 na Câmara dos Deputados, Rio de Janeiro, 1950.

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SENADO FEDERAL. ADOLPHO, Alvaro. (Relator). Parecer no 433 de 1952 da Comissão deFinanças sobre o Projeto de Lei da Câmara no 73 de 1951 (Plano de Valorização da Amazônia).Rio de Janeiro: Departamento de Imprensa Nacional, 1952.TERRITÓRIO FEDERAL DE RONDÔNIA (TFR). Bases para o Planejamento Econômico doTerritório Federal de Rondônia. Diretrizes gerais. Administração Ênio dos Santos Pinheiro[Governador]. [s.l.]: [s.n.], 1962.

b) Álbuns produzidos a partir dos governos (propaganda oficial)

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c) Dados estatísticos oficiais

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b) Jornais e revistas (notícias, reportagens, anúncios comerciais e propagandas)

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_________. “Sema mandou analisar substância dos tonéis de cianeto enterrados no Vila Nova”, 15/10/2004._________. “Sema não acha o caminho para chegar ao cemitério de cianeto”, 17/09/2004._________. “Um enterro de tonéis de cianeto ao lado do garimpo Vila Nova”, 10/09/2004._________. “STJ manda governo do Amapá assumir ferrovia da Serra do Navio”, 06/04/2004._________. “Serra do Navio diz não ao lixo contaminado da Icomi”, 18/06/2000._________. “Enquête: Nossa cidade não é uma lixeira ambiental”, 18/06/2000.FOLHA VESPERTINA. “Estamos à cabeceira de um doente, o qual socorremos com injeções desoro, a fim de que êle não sucumba de vez”. Pará, Belém, 21/11/1946.FREITAS, Edezio de (org.). Guia Turístico e Comercial da Cidade de Manaus e seus Arredores.Manual sistema “Baedeker”, para uso de turistas, caixeiros viajantes e forasteiros que desejem conhecera cidade de Manaus, contendo ilustrações elucidativas e grande número de informações comerciais eoficiais. Manaus: Officinas Graphicas da Papelaria Velho Lino, [1932].GAZETA MERCANTIL. “Usinas: Brasil terá ampla participação, maio 1976._________. “Pela frente horizontes sombrios”, 19/11/1976._________. “Um “spread” alto (1,875) à Eletrobrás”, 01/03/1978.JORNAL DO BRASIL. “Eletrobrás rejeita proposta de consórcio europeu para usina”, 21/07/1977._________. “Eletrobrás exige redução em Tucuruí”, 16/09/1977.KCT. Orgão Independente, defensor do direito e da verdade. Manáos, anno I, no I, Domingo, 03/03/1927.MONITEUR. Manáos, anno I, 06/09/1901._________. Manáos, anno I, 14/09/1901.O IMPARCIAL. Manáos, anno I, 31/07/1897._________. Manáos, anno I, 29/07/1897._________. Manáos, anno I, 27/06/1897._________. Manáos, anno I, 20/04/1897.O ESTADO DE SÃO PAULO, 08/05/1908.O RIO NEGRO. Manáos, anno II, 21/02/1898._________. Manáos, anno II, 21/01/1898._________. Manáos, anno II, 18/01/1898.REVISTA CÁ E LÁ. Manáos, no 8, 12/05/1917.REVISTA EXAME. “A face econômica das viagens do presidente Geisel”, no. 102, 28/04/1976.REVISTA MANCHETE. “Amazônia: a batalha de Altamira”. Reportagem de Cláudio Accioli, no.1.925, ano 37, p. 106-114, 11/03/1989._________. “Energia: o verdadeiro milagre brasileiro”, v. 21, no. 1.175, p. 68-80, out. 1974._________. “Bacia do Paraná: os rios da energia nacional”. V. 21, no. 1.100, p. 58-72, mai. 1973.REVISTA SINTONIA. Revista dos Telegrafistas do Amazonas. Manáos, I, jun. de 1940._________. Manáos, I, set./out. de 1939.

c) Livros e textos elaborados em/para mídia eletrônica (E-books)

BABCOCK & WILCOX. Blueprints for Success. 125 years. © Wilcox and Company, 1992.Disponível em: <http://www.babcock.com/pgg/ab/history.html>. Acesso em: dezembro de 2004.HONIOUS, A. What Dreams We Have: the Wright brothers and their hometown of Dayton, Ohio.Published by Eastern National, 2003. Disponível em: <http://www.cr.nps.gov/history/online_books/daav>. Acesso em: outubro de 2004.MAGALHÃES, S. “Bondes em Manaus”. Série Memória no 12, Biblioteca Virtual do Amazonas,Governo do Estado do Amazonas. Disponível em: <http://www.bv.am.gov.br/portal/conteudo/serie_memoria/12_bonde.php>. Acesso em: janeiro/2005.

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MARTIN J. (Ed.). The Romance of Rubber. The Project Gutenberg Ebook. United States RubberCompany. EText-No. 4759, 2003. Disponível em: <http://www.gutenberg.org/etext/4759>. Acessoem: novembro de 2004.MORRISON, A. The Tramways of Brazil: a 130 years survey. New York: Ponbe Press, 1989.Disponível em: <http://www.tramz.com/br/tto/01.html>. Acesso em: novembro de 2004.

d) Sítios (URL)

Biblioteca Vitual do Amazonas. Disponível em: <http://www.bv.am.gov.br/portal/conteudo/bibliotecas/publica_amazonas.php>. Acesso em: dezembro/2005.Babcock, Wilcox and Company. Disponível em: <http://www.babcock.com/pgg/ab/history.html>.Acessoem: dezembro/2004.Centrais Elétricas de Rondônia S.A. Disponível em: <http://www.ceron.com.br>. Acesso em: janeiro/2006.Centrais Elétricas do Norte do Brasil (Eletronorte). Disponível em: <http://www.eln.gov.br>. Acessoem: e junho/2005 e julho/2006.Centro de Memória da Eletricidade. Disponível em: <http://www.memoria.eletrobras.gov.br>. Acessoem: maio e junho/2005.Companhia de Eletricidade do Amapá (CEA). Disponível em: <http://www.cea-ap.com.br/historia.htm>.Acesso em: janeiro/2006.Electric Construction Company. Disponível em: <http://www.whr.co.uk/journal/125/ic.html>. Acessoem: dezembro/2004.Gardner Denver, Inc. Disponível em: <http://www.gardnerdenver.com>. Acesso em: dezembro/2004.Governo do Estado do Amazonas. Disponível em: <http://www.amazonas.am.gov.br>. Acesso em:novembro /2004.Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Disponível em: <http://www.ibge.gov.br>. Acessoem: julho/2005 e novembro /2006.Latin American Microform Project (LAMP). Brazilian Government Document Digitization Project.Disponível em: <http://www.crl.edu/areastudies/LAMP/index.htm>. Acesso em: novembro e dezembro/2004, maio e junho/2005 e abril/2006.Luiz Netto – Tributo da Landell de Moura. Disponível em: <http://www.rlandell.hpg.ig.com.br>. Acessoem: janeiro/2006.Naval Historical Center (Official U.S. Navy web site). Disponível em: <http://www.history.navy.mil/index.html>. Acesso em: julho/2005.Prefeitura Municipal de Manaus. Disponível em: <http://www.manaus.am.gov.br>. Acesso em: janeiro/2006.Picture History: The Primary Source for History Online. Disponível em: <http://www.picturehistory.com>.Acesso em: julho/2005.Siemens Brasil. Disponível em: <http://www.siemens.com.br>. Acesso em: dezembro/2004.The Electric Construction Company. Disponível em: <http://www.localhistory.scit.wlv.ac.uk/Museum/Engineering/Electrical/ECC.htm>. Acesso em: dezembro de 2004.Wikipedia – The free encyclopedia. Disponível em: <http://en.wikipedia.org>. Acesso em: julho/2004,e janeiro e fevereiro/2005, maio e junho/2006.World Commission on Dams (WCD). Disponível em: <http://www.dams.org>. Acesso em: novembroe dezembro/2004 e junho/2005.

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ACERVOS HISTÓRICOS CONSULTADOS

Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (Rio de Janeiro)Arquivo Público do Pará (Belém)Biblioteca Arthur Vianna/Fundação Cultural do Pará Tancredo Neves - Centur (Belém)Biblioteca Pública do amazonas (Manaus)Biblioteca Arthur Reis (Manaus)Biblioteca da Câmara dos Deputados (Brasília)Biblioteca do Senado Federal (Brasília)Biblioteca do Itamaraty (Rio de Janeiro)Biblioteca Nacional (Rio de Janeiro)

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ANEXOS

I ANEXOS DO CAPÍTULO 5: Excertos das Portaria MME nos 1.654/79, 1.655/

79, 1.706/84 e 1.538/85 e Portaria DNAEE no 172/89 (grifos nossos)

Portaria MME no 1.654/79

“O Ministro de Estado das Minas e Energia (...) resolve:1. Autorizar a ELETRONORTE a celebrar Contrato de fornecimento de energia elétrica para redução de alumínio comtarifas reduzidas de 15% em relação aos normais do Grupo A1.2. Autorizar a inclusão de cláusulas contratuais que assegurem ao investidor que, durante 20 anos, o dispêndio comenergia elétrica, para redução do alumínio, não será superior a 20% do preço do produto no mercado internacional.3. Autorizar, se necessário para viabilização do empreendimento, mediante análise dos Estudos de viabilidade, a inclusãode cláusulas que permitem reduções tarifárias adicionais, por prazos determinados, desde que reguladas por fórmulasque vinculem o preço da energia aos preços do alumínio praticados no mercado internacional.(...)”

Portaria MME no 1.655/79

“O Ministro de Estado das Minas e Energia, usando de suas atribuições e considerando que as instalações de indústrias dealto consumo junto às futuras centrais hidrelétricas:a) permite a redução dos investimentos nos sistemas de transformação e transmissão;b) reduz as perdas;c) estimula a descentralização do desenvolvimento industrial, resolve:1. Autorizar a celebração de contratos de fornecimento às indústrias que venham a se estabelecer junto aosfuturos aproveitamentos hidrelétricos, com tarifas reduzidas de 15% em relação às normais, desde que os contratospossam ser firmados com a antecedência necessária.(...)”

Portaria MME no 1.706/84

“(...) considerando:- que dispondo de imensas reservas de minerais metálicos na Amazônia e de grandes potenciais hidrelétricos naregião, o País pode tornar-se um dos principais produtores mundiais de ferro-ligas;- que os preços de ferro-ligas estão fortemente vinculados ao preço da energia;- que ao lado das condições de infra-estrutura que estão sendo oferecidas pelo governo, é necessário que oinvestidos tenha garantia de estabilidade de seus dispêndios com energia elétrica, relativamente aos preços praticáveisde ferro-ligas, resolve:Art. 1o – Autorizar a Centrais Elétricas do Norte do Brasil S.A – ELETRONORTE – durante 20 (vinte) anos, a celebrarcontratos de fornecimento de energia elétrica para produção de ferro-ligas de forma a assegurar ao fabricantelocalizado na região do Projeto Carajás, através de cláusulas contratuais, que o dispêndio com energia elétrica nãoserá superior a 25% (vinte e cinco por cento) do preço do produto.Art. 2o – Os preços de referência de ferro-ligas terão os parâmetros para sua determinação e atualização definidos peloDepartamento Nacional de Água e Energia Elétrica – DNAEE.”

Portaria MME no 1.538/85

“O Ministro de Estado das Minas e Energia, no uso de suas atribuições e considerando a necessidade de manter oequilíbrio econômico-financeiro dos concessionários de energia elétrica no País, resolve:I- Revogar a autorização concedida aos concessionários de serviços públicos de energia elétrica para celebrarem contratosde fornecimento, a que se referem as Portaria números 1.654 de 13 de agosto de 1979, 1.655 de 13 de agosto de 1979, 493de 31 de março de 1982 e 1.706, de 13 de dezembro de 1984.(...)”

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Portaria DNAEE no 172/89

“O Diretor do Departamento Nacional de Água e Energia Elétrica – DNAEE, no uso de suas atribuições,RESOLVE:Art. 1o – Fixar, em caráter provisório, como preço de referência de ferro-ligas, para efeito do disposto no art. 2o da Portaria1.706, de 13.12.1984, do Ministério das Minas e Energia, o preço médio ponderado de venda da tonelada de silíciometálico pela empresa interessada, verificado no mês anterior ao de referência, expresso em dólares dos EstadosUnidos da América.Art. 2o – Definir que a tarifa resultante das aplicações desse preço não seja inferior ao equivalente a 16,07 dólaresdos Estados Unidos da América por Megawatt-hora.”

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