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JONECIR ALBERTO BORBA O PROCESSO DE TRANSFORMAÇÃO DA CIPLA: UMA EXPERIÊNCIA AUTOGESTIONÁRIA Joinville - SC 2007

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  • 1

    JONECIR ALBERTO BORBA

    O PROCESSO DE TRANSFORMAO DA CIPLA:

    UMA EXPERINCIA AUTOGESTIONRIA

    Joinville - SC

    2007

  • 2

    UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA - UDESC

    CENTRO DE CINCIAS DA ADMINISTRAO - ESAG

    MESTRADO EM ADMINISTRAO

    JONECIR ALBERTO BORBA

    O PROCESSO DE TRANSFORMAO DA CIPLA:

    UMA EXPERINCIA AUTOGESTIONRIA Dissertao apresentada como requisito parcial obteno do grau de Mestre. Curso em Administrao, Centro de Cincias da Administrao ESAG Universidade Estadual de Santa Catarina UDESC.

    Orientadora: Profa. Graziela Dias Alperstedt, Dra.

    Joinville - SC

    2007

  • 3

    JONECIR ALBERTO BORBA

    O PROCESSO DE TRANSFORMAO DA CIPLA: UMA EXPERINCIA AUTOGESTIONRIA

    Esta dissertao foi julgada adequada para a obteno do Ttulo de Mestre em Administrao,

    na rea de concentrao Gesto Estratgica das Organizaes e aprovada em sua forma final

    pelo Curso de Mestrado Acadmico em Administrao da Universidade do Estado de Santa

    Catarina, em 29 de junho de 2007.

    Banca Examinadora:

    Profa. Graziela Dias Alperstedt, Dra. Orientador

    Prof. Jos Luiz Fonseca da Silva Filho, Dr. Membro

    Prof. Luis Gonzaga Mattos Monteiro, Dr. Membro

    Joinville SC 2007

  • 4

    DEDICATRIA

    A todos os meus colegas de trabalho da Cipla, com os quais pude compartilhar e vivenciar as experincias aqui apresentadas.

  • 5

    AGRADECIMENTOS

    A Deus, que me concedeu as condies necessrias para o desenvolvimento deste trabalho;

    A minha amada e estimada esposa Silvia, a qual sempre me motivou e acreditou em meu

    potencial, muitas vezes mais que eu. Companheira, compreensiva e forte para me levantar ao

    longo do caminho;

    Ao abenoado fruto deste relacionamento, nossa filha Isabela, um especial obrigado. Luz e

    inspirao para a minha vida, orgulho e razo maior do meu viver;

    Aos meus pais, Alberto (in memorian) e Dilma, pelo carinho e pelos valores compartilhados

    enquanto estive sob seus cuidados. Especialmente ao meu amigo e querido Pai, a quem Deus

    chamou para a vida eterna;

    Ao meu irmo Jadson, pelo exemplo de perseverana, que me influenciou, mostrando que

    muitas coisas so possveis se tivermos dedicao;

    A toda minha equipe da rea de Recursos Humanos, que participou de forma direta ou

    indireta para realizao deste trabalho. Agradecimento especial Lia pelas contribuies e

    pelo estmulo. Sucesso a todos;

    A minha orientadora Professora Graziela Dias Alperstedt, que apontou caminhos, abriu minha

    mente com seus ensinamentos e acreditou no objeto desta pesquisa. Muito obrigado.

  • 6

    Nem tudo que se enfrenta pode ser modificado. Porm, nada pode ser

    modificado at que se enfrente"

    James Baldwin

  • 7

    RESUMO

    BORBA, Jonecir Alberto. O PROCESSO DE TRANSFORMAO DA CIPLA: UMA EXPERINCIA AUTOGESTIONRIA. 2007. 135f. Dissertao. Programa de Mestrado Acadmico em Administrao, Escola Superior de Administrao e Gerncia, Universidade do Estado de Santa Catarina, UDESC, Santa Catarina, 2007. Esta pesquisa tem como objetivo descrever e analisar as grandes mudanas ocorridas na empresa Cipla, no perodo compreendido entre 1963 e 2007, com nfase na experincia autogestionria vivenciada a partir de 2002. Trata-se de um estudo de caso desenvolvido com base na metodologia de Pettigrew, a qual permite resgatar o processo de transformao, levantar o contexto interno e externo, bem como, identificar o contedo das mudanas ocorridas na organizao. Indstria do segmento de plsticos situada em Joinville/SC, a Cipla foi a primeira subsidiria do Grupo Hansen. Em 1989, por ocasio da partilha dos bens promovida pelo patriarca e fundador Joo Hansen Jnior, a Cipla desvincula-se do grupo e seu controle acionrio transferido para a filha Elizeth Hansen e seu marido Luis Batschauer. Esse processo daria incio a uma grande transformao, com vistas a consolidar a empresa como um dos maiores grupos transformadores de plsticos do Brasil. Contrariando, porm, as expectativas, as medidas econmicas adotadas pelo Governo Collor, em 1990, trouxeram conseqncias graves para sua gesto. Apesar dos esforos, ao longo dos anos acumulou um passivo tributrio e trabalhista expressivo, o qual foi responsvel por inmeros conflitos e principalmente pelo movimento grevista ocorrido em outubro de 2002. Nesta ocasio, por intermdio de representantes do Ministrio Pblico do Trabalho, a gesto da empresa transferida aos trabalhadores, que passam a atuar em forma de autogesto. Polticos de ideologia marxista, responsveis pela organizao dos trabalhadores no momento da greve assumem a responsabilidade de instituir e conduzir o novo modelo de gesto, perpetuando-se nos cargos de direo e gerncia desde 2002 at maio de 2007. Sob a alegao de descumprimento de deciso judicial, aumento do estoque da dvida, entre outros fundamentos, a Justia Federal decreta a interveno Judicial na Cipla a partir de 31.05.07, cujo cumprimento do mandado acompanhado de um forte esquema da polcia federal. Observa-se no decorrer da pesquisa que, apesar das transformaes que se apresentaram a partir de 2002 e de figurar como um modelo autogestionrio, a Cipla preserva caractersticas que no diferem do modelo burocrtico de organizao.

    . Palavras-chave: Cipla; autogesto.

  • 8

    ABSTRACT

    BORBA, Jonecir Alberto. THE PROCESS OF TRANSFORMATION OF THE CIPLA: AN AUTO MANAGEMENT EXPERIENCE. 2007. 135f. Essay. Master Program for Business Administration University of Administration and Management, Universidade do Estado de Santa Catarina, UDESC, Santa Catarina, 2007.

    This research has as objective to describe and to analyze the great occurred changes in

    the Cipla company, the period understood between 1963 and 2007, with emphasis in the lived deeply auto managing experience from 2002. The methodology of Pettigrew is about a study of developed case on the basis of, which allows rescuing the transformation process, to raise the internal and external context, as well as, to identify the content of the occurred changes in the organization. Industry of the plastic segment situated in Joinville/SC, the Cipla was first subsidiary of the Group Hansen. In 1989, for occasion of the allotment of the goods promoted for the patriarch and founder Joo Hansen Jnior, the Cipla is disentailed of the group and its shareholding control is transferred to the Elizeth son Hansen and its husband Luis Batschauer. This process would give beginning to a great transformation, with sights to consolidate the company as one of the biggest transforming groups of plastics of Brazil. Opposing, however, the expectations, the economic measures adopted by the Collor Government in 1990, had brought serious consequences for its management. Despite the efforts, to the long one of the years it accumulated liabilities tributary and expressive member of labor party, which was responsible for innumerable conflicts and mainly for the movement striker occurred in October of 2002. In this occasion, by intermediary of representatives of the Public prosecution service of the Work, the management of the company is transferred to the workers, who start to act in self management form. Politicians of Marxist ideology, responsible for the organization of the workers at the moment of the strike, assume the responsibility to institute and to lead the new model of management, perpetuating themselves in the positions of direction and management since 2002 until May of 2007. Under the allegation of no compliment of sentence, increase of the supply of the debt, among others beddings, Federal Justice decrees the judicial intervention in the Cipla from 31.05.07, whose fulfillment of the errand is followed of a strong project of the federal policy. It is observed in elapsing of the research that, despite the transformations that if had presented from 2002 and to appear as an auto management model, the Cipla preserves characteristics that they do not differ from the bureaucratic model of organization.

    Key-words: Cipla; auto management.

  • 9

    LISTA DE ILUSTRAES

    Quadro 1 Sistema Burocrtico............................................................................................... 21

    Figura 1 - Anlise da mudana organizacional ........................................................................ 65

    Figura 2 - Estrutura empresarial da CHB (1991) .................................................................... 75

  • 10

    SUMRIO 1 INTRODUO ................................................................................................................... 12 1.1 TEMA E PROBLEMATIZAO DE PESQUISA........................................................... 12 1.2 OBJETIVOS....................................................................................................................... 15 1.2.1 Objetivo geral .................................................................................................................. 15 1.2.2 Objetivos especficos....................................................................................................... 15 1.3 JUSTIFICATIVA ............................................................................................................... 15 1.4 ORGANIZAO DO TRABALHO ................................................................................. 16 2 FUNDAMENTAO TERICA - MODELO DE GESTO

    ORGANIZACIONAL ......................................................................................................... 17 2.1 AS ORGANIZAES BUROCRTICAS ....................................................................... 17 2.2 A IDEOLOGIA E A DOMINAO NAS ORGANIZAES........................................ 22 2.3 PROPRIEDADE E CONTROLE NAS ORGANIZAES.............................................. 25 2.4 PODER, CONFLITO E MUDANA NAS ORGANIZAES ....................................... 26 2.5 A ESTRATGIA DE HUMANIZAO .......................................................................... 30 2.6 BUROCRACIA E AUTOGESTO................................................................................... 31 2.7 SOCIALISMO E AUTOGESTO .................................................................................... 48 2.8 AS RELAES TRABALHISTAS NO BRASIL ............................................................ 53 2.9 PROUDHON, UMA CRTICA PROPRIEDADE ......................................................... 54 2.10 A FLEXIBILIZAO E A CRISE SINDICAL .............................................................. 58 3 PROCEDIMENTOS METODOLGICOS ..................................................................... 62 3.1 CARACTERIZAO DA PESQUISA............................................................................. 62 3.2 TCNICAS DE COLETA E ANLISE DOS DADOS .................................................... 63 3.2.1 Coleta de dados................................................................................................................ 63 3.2.2 Anlise dos dados ............................................................................................................ 64 3.3 DESIGN DA PESQUISA................................................................................................... 64 3.4 LIMITAES DA PESQUISA ......................................................................................... 65

    4 APRESENTAO E ANLISE DE DADOS .................................................................. 67 4.1 A HISTRIA DA CIPLA .................................................................................................. 67 4.1.1 Origem............................................................................................................................. 67 4.1.1.1 CIPLA: a primeira subsidiria da Cia. Hansen Industrial .................................... 69 4.2 A PRIMEIRA GRANDE TRANSFORMAO: PARTILHA DA FAMLIA

    HANSEN CONCRETIZA O DESMEMBRAMENTO DA CIPLA.................................. 71 4.2.1 As estratgias do novo acionista...................................................................................... 72 4.2.2 Divisionalizao visa especializao e segmentao ...................................................... 72 4.2.2.1 Surge a Corporao HB ............................................................................................. 74 4.2.2.2 Estratgias para fixao das novas marcas.............................................................. 76 4.2.3 Incio da crise................................................................................................................... 77 4.2.3.1 Reviso das estratgias............................................................................................... 79 4.2.4 Crise se agrava e leva concordata ................................................................................. 80

  • 11

    4.2.5 Profissionalizao da gesto como alternativa ................................................................ 81 4.2.6 As greves histricas de 2002 ........................................................................................... 82 4.3 A SEGUNDA GRANDE TRANSFORMAO: TRANSFERNCIA DA

    GESTO PARA OS FUNCIONRIOS............................................................................ 85 4.3.1 A relao com clientes..................................................................................................... 86 4.3.2 Os primeiros desafios da autogesto ............................................................................... 87 4.3.3 A responsabilidade dos novos dirigentes ........................................................................ 87 4.3.4 Poder e ideologia ............................................................................................................. 89 4.3.5 A luta pela estatizao ..................................................................................................... 90 4.3.6 A posio do Governo ..................................................................................................... 91 4.3.6.1 Execues do Governo ameaam a continuidade da produo.............................. 92 4.3.6.2 Ameaas de priso ...................................................................................................... 92 4.3.6.3 Solidariedade e manifestaes de apoio.................................................................... 93 4.3.7 Apoio a outros movimentos............................................................................................. 93 4.3.8 Ajuda que vem da Venezuela .......................................................................................... 94 4.3.8.1 Burocracia na Venezuela compromete acordo ........................................................ 95 4.3.9 O incio de uma nova transformao: a interveno judicial .......................................... 96 4.4 ANLISE DE DADOS...................................................................................................... 97

    5 CONSIDERAES FINAIS............................................................................................ 100

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ............................................................................... 103

    BIBLIOGRAFIA .................................................................................................................. 108

    APNDICES ......................................................................................................................... 110

  • 12

    1 INTRODUO

    1.1 TEMA E PROBLEMATIZAO DE PESQUISA

    O cenrio econmico e poltico brasileiro do incio da dcada de 90, proporcionou

    uma acentuada crise no parque fabril que, surpreendido pelo confisco da poupana interna

    promovido pelo Governo Collor em Maro de 1990, presenciou a queda vertiginosa do

    consumo e passou a conviver com uma concorrncia internacional sem precedentes.

    Em Santa Catarina, a expectativa de recesso interrompe investimentos. 'A partir desse momento no investirei mais nada', acrescentou Luis Batschauer, presidente da corporao HB, complexo de 23 empresas, com 5 mil funcionrios e faturamento de US$ 200 milhes previstos para este ano. Ele cancelou os investimentos de US$ 5 milhes que pretendia realizar neste ano (RIZZI, 1990, p. 12).

    As turbulncias internas foram tambm responsveis pelas elevadas taxas de

    desemprego que, por sua vez motivaram a organizao e o fortalecimento dos movimentos

    sociais em busca de novas alternativas e modelos de gesto, com vistas manuteno dos

    postos de trabalhos e a conciliao de interesses coletivos e econmicos que pudessem

    sustentar os empreendimentos.

    Como resultado, observou-se a adoo da proposta de autogesto como um modelo

    capaz de evitar o fechamento de muitas empresas em fase falimentar. Tal proposta tem como

    caracterstica a unio de trabalhadores, que passam a gerir os meios de produo,

    desempenhando assim o papel de donos do negcio. Nesse processo, os trabalhadores

    organizados em formas de comits, procuram conduzir o empreendimento a partir da

    instalao de um ambiente democrtico e participativo, de forma que todos possam contribuir

    no processo decisrio, seja na assemblia geral ou nas reunies com representantes das reas.

    Ocorre, no entanto, que tais empreendimentos autogestionrios, via de regra tm sua

    origem em empresas deficitrias, com elevado passivo trabalhista e tributrio, defasagem

    tecnolgica e credibilidade abalada junto comunidade, fornecedores, clientes e instituies

    financeiras, constituindo-se assim, num grande desafio aos novos gestores.

  • 13

    Outro fator relevante nesse processo diz respeito baixa escolaridade e a inexperincia

    dos novos gestores para superar as dificuldades naturais do mundo capitalista, os preconceitos

    em relao ao modelo autogestionrio e a necessidade de desenvolver estratgias capazes de

    prorrogar a existncia da empresa.

    As novas formas de organizao do trabalho enfatizam o desenvolvimento de mltiplas habilidades por parte do empregado que deve ser capaz no apenas de prever problemas e desenvolver solues alternativas, mas tambm de sugerir novas linhas de ao no cho de fbrica (TENRIO (2000) apud TEIXEIRA, 2005, p. 127).

    No menos importante na escala dos desafios est a cultura dos funcionrios que, por

    condicionamento, pensam e agem como se empregados fossem, incapazes de perceber o novo

    contexto em que esto inseridos e a necessidade de cooperar efetivamente e de maneira pr-

    ativa para o sucesso do empreendimento. Tratando-se de mudanas de comportamentos,

    atitudes e valores, certo dizer que tais transformaes demandam um longo perodo de

    adaptao, exigindo um dedicado exerccio de conscientizao e disseminao de

    informaes, com vistas a familiariz-los com a nova postura de comprometimento e

    participao: uma vez que, de acordo com Bressan (2001) a submisso do operrio ao sistema

    existente na fbrica, ao horrio rgido, ao ritmo das mquinas e s demais exigncias da

    produo durante a jornada de trabalho cria uma disciplina benfica ao modelo capitalista de

    produo.

    Muito embora sejam relevantes para a sobrevivncia das organizaes, as mudanas

    promovem diferentes reaes nos atores envolvidos, que variam desde a imediata adeso

    proposta de mudana at a resistncia e a tentativa de obstruo a qualquer tipo de mudana.

    Os fatores que determinam essas diferentes reaes podem variar de acordo com o

    grau de alterao promovida na estrutura de poder, exigncia de novas habilidades e

    competncias, entre outros. A mudana um nus, pois requer que a pessoa reveja sua

    maneira de pensar, agir, comunicar, se inter-relacionar e criar significados para a sua prpria

    vida (BRESSAN, 2001).

    O estudo de caso da indstria de plsticos Cipla, de Joinville (SC), pretende apresentar

    as relevantes transformaes organizacionais ocorridas durante a sua existncia, mais

    especificamente nos perodos que antecederam e sucederam o ano de 2002, ocasio em que a

    gesto da empresa foi transferida aos trabalhadores, com destaque para a experincia

    vivenciada no modelo autogestionrio que persiste at os dias de hoje, com cerca de 700

    funcionrios envolvidos diretamente.

  • 14

    Num contexto conturbado e de grandes conflitos internos, os funcionrios, com o

    apoio de polticos ligados ao Partido dos Trabalhadores (PT), entraram em greve por perodo

    indeterminado em outubro de 2002 e acabaram conquistando o controle e a gesto da

    empresa, at ento sob a responsabilidade dos Srs. Luis e Anselmo Batschauer.

    Ocorre, porm, que a autogesto instalada a partir da, estaria perpetuando-se sob o

    comando dos organizadores da greve, ligados corrente O Trabalho do PT, 4

    Internacional, aos movimentos estudantis, movimento dos sem terras, entre outros tantos

    grupos minoritrios, passando a ocupar cargos de alto escalo na estrutura hierrquica.

    Mais transparncia, menos enganao. Lobos em pele de cordeiros. Comunismo j era. Samos da boca do tigre e camos na boca do hipoptamo. Muitos pra-quedistas na empresa. O pessoal deles que no quer trabalhar (DEPOIMENTO 88 Vide Apndice 2).

    Sob o lema Fbrica quebrada fbrica ocupada; Fbrica ocupada fbrica

    estatizada, passaram os funcionrios a se conduzir em inconseqentes manifestaes

    pblicas, de cunho poltico e ideolgico, expondo-se a confrontos com a lei e a justia, e

    transformando a empresa num verdadeiro palco para promoo de ideologias socialistas e de

    fortalecimento ao movimento denominado Fbricas Ocupadas.

    Ns grevistas contratamos vocs para nos ajudar a tirar a empresa do buraco e no para fazer agito e baderna em outras empresas; deste jeito ns nunca vamos ter dinheiro para fazer pagamento numa parcela s [...] Eu sa da comisso porque no agento mais esta fala de vocs; porque s vale a de vocs; as nossas idias no valem nada. A comunidade de Joinville nem quer ver mais vocs (DEPOIMENTO 88 Vide Apndice 2).

    Num ambiente de caractersticas pouco democrticas, de prticas questionveis e sem

    resultados concretos, acumularam-se os passivos trabalhistas e tributrios. A adoo utpica

    da jornada diria de 6 horas de trabalho a partir de janeiro de 2007, diga-se de passagem, sem

    a respectiva reduo salarial, exigiu a contratao de um contingente complementar de mo-

    de-obra, agravando ainda mais os compromissos com folha de pagamento, gerando um clima

    interno propenso a uma nova revoluo, que viria com a interveno judicial ocorrida em 30

    de maio de 2007. Assim, l-se no (DEPOIMENTO 31 Vide Apndice 2): Colocar salrio

    em dia. Colocar em dia o FGTS. Precisamos colocar uma pessoa responsvel que se preocupe

    com a empresa, no com a poltica. Queremos um interventor como a Profiplast.

    A presente pesquisa foi integralmente desenvolvida no interior da empresa, com

    acesso irrestrito a todo acervo disponvel e mediante a formulao de entrevistas e

    diagnsticos, ora apresentadas.

  • 15

    Considerando tratar-se de um tema relativamente incipiente no Brasil, a proposta deste

    trabalho contribuir para a continuidade e o aprofundamento das pesquisas envolvendo o

    referido assunto. Segundo Peixoto (1999), as experincias com esses empreendimentos vm

    crescendo na ltima dcada, o que pressupe a necessidade e a relevncia de estudos nessa

    rea.

    Assim, o problema de pesquisa desenvolvido consiste em analisar: Como ocorreu a

    transformao da Cipla de uma organizao tradicional para uma organizao autogerida, em

    termos de processo, contexto e contedo das mudanas?

    1.2 OBJETIVOS

    1.2.1 Objetivo geral

    Verificar como ocorreu a transformao da Cipla de uma organizao tradicional para

    uma organizao autogerida, em termos de processo, contexto e contedo das mudanas.

    1.2.2 Objetivos especficos

    a) Resgatar o processo de transformao da organizao em estudo;

    b) Levantar o contexto interno e externo do processo de transformao da

    empresa;

    c) Identificar o contedo das mudanas ocorridas na empresa em anlise.

    1.3 JUSTIFICATIVA

    Como parte integrante da organizao, onde atua h 26 anos, o autor vivencia

    diariamente as supostas transformaes oriundas da mudana no modelo de gesto, os fatores

    determinantes da transformao e o comportamento organizacional, buscando motivao para

    pesquisar, estudar e analisar as faces da autogesto.

    O fato de tratar-se de um tema relativamente novo no Brasil, o modelo autogestionrio

    pretende desafiar o modelo estabelecido, a partir de uma proposta ps-capitalista de

    socializao dos meios de produo, fato que desperta o interesse pela pesquisa. Uma vez que

    a autogesto se pretende inovadora, este trabalho poder contribuir para pesquisas futuras, na

  • 16

    medida em que busca apurar e observar o processo, contexto e contedo envolvidos na

    transio de um modelo para outro.

    1.4 ORGANIZAO DO TRABALHO

    Esta pesquisa est dividida em 5 captulos. O primeiro captulo constitui sua

    introduo. No segundo captulo apresenta-se o referencial bibliogrfico, que expe e analisa

    os modelos de gesto. O terceiro captulo explicita a metodologia utilizada para o

    desenvolvimento do estudo. No quarto captulo relatada e comentada a trajetria da empresa

    CIPLA, alvo deste trabalho. E, por fim, o quinto captulo traz as concluses, as consideraes

    advindas da pesquisa.

  • 17

    2 FUNDAMENTAO TERICA - MODELO DE GESTO ORGANIZACIONAL

    2.1 AS ORGANIZAES BUROCRTICAS

    Objeto de estudos profundos por diversos autores consagrados de todas as cincias

    sociais, seja na Sociologia como na Psicologia ou na Administrao, a teoria das organizaes

    burocrticas est sedimentada em obras clssicas que, minuciosamente, se propuseram a

    definir, conceituar e at criticar o conjunto de elementos que norteiam a sua existncia.

    Segundo Motta e Pereira (1991, p. 16), Willian Whyte define o homem moderno como

    the organization man, numa referncia importncia das organizaes na vida do

    indivduo, em todos os meios em que est inserido, quer seja na famlia, no clube, na escola,

    na igreja, na empresa e assim por diante, cada qual exercendo sua influncia por meio dos

    seus objetivos e valores compartilhados. Para Whyte, o homem da organizao aquele cujo

    comportamento condicionado pela organizao, de forma a tornar mnima, seno

    inexistente, sua rea de autonomia individual (WHYTE apud MOTTA; PEREIRA, 1991, p.

    17).

    Ao referir-se relevncia das organizaes, Richard Hall (1984) prope que:

    Nascemos nelas e, usualmente, morremos nelas. O espao entre esses dois extremos

    preenchido por elas. praticamente impossvel delas escapar. So to inevitveis quanto a

    morte e os impostos (HALL, 1984, p. 2). Hart e Scott (apud HALL, 1984, p. 2) entendem

    que, o que quer que seja, bom ou mau para a humanidade, pode ser obtido por meio das

    organizaes.

    Apesar da proliferao das organizaes no mundo moderno, sua histria remonta

    Antiguidade, com destaque de Max Weber (apud MOTTA; PEREIRA, 1991) para o Imprio

    Novo Egpcio (1580-712 a.C.), o qual considera o modelo das demais. Outras referncias

    esto no Imprio Romano, o Estado Bizantino, o Imprio Chins, estados europeus e na igreja

    catlica, considerada a mais antiga das burocracias.

    Sistemas sociais, ainda que distantes do tipo ideal de organizao, e influenciados por

    diversos fatores, possuem na bem definida diviso do trabalho, quer pela sua formalidade ou

  • 18

    na impessoalidade, fortes caractersticas das organizaes burocrticas (MOTTA; PEREIRA,

    1991).

    , no entanto, no fim da Idade Mdia que aparecem as empresas organizadas,

    administrando receitas e despesas, finanas e patrimnio. Com o advento da Revoluo

    Industrial, ocorrida anos mais tarde, que o sistema de produo complementa o conjunto

    denominado de burocracia.

    A caracterstica principal que distingue uma organizao dos demais sistemas sociais

    a racionalidade, ou seja, a forma com que se apresenta a diviso do trabalho, de acordo com

    seus objetivos: [...] o sistema social em que a diviso do trabalho sistematicamente e

    coerentemente realizada, tendo em vista os fins visados; o sistema social em que h procura

    deliberada de economizar os meios para se atingir os objetivos (MOTTA; PEREIRA, 1991,

    p. 23).

    Sua emergncia justificada pela necessidade da classe capitalista em garantir a

    disciplina dos trabalhadores, medida que as empresas cresciam: [...] no apenas um

    instrumento tcnico, ao nvel do desenvolvimento das foras produtivas, mas tambm um

    instrumento poltico de luta de classes a servio das classes dominantes (MOTTA;

    PEREIRA, 1991, p. 54).

    Segundo Motta e Pereira (Op. cit.), as organizaes tm papel fundamental para o

    desenvolvimento econmico, poltico e social, pelo princpio de eficincia que rege a sua

    existncia. Sem eficincia, sem produtividade, no h organizaes; sem aumento de

    eficincia, no existe desenvolvimento (MOTTA; PEREIRA, Op. cit., p. 17). Sob essa tica,

    acredita-se que o desenvolvimento est relacionado diretamente produtividade, e esta, por

    sua vez, conseqncia de uma combinao entre esforo e resultado.

    Motta e Pereira (1991) complementam, definindo eficincia como uma forma

    especfica de racionalidade, na qual a coerncia dos meios de produo em relao com os

    fins visados se traduz no emprego de um mnimo de esforos (meios) para a obteno de um

    mximo de resultados (fins) (MOTTA; PEREIRA, Op. cit., p. 48).

    Mannhein (apud MOTTA; PEREIRA, 1991) enfatiza que as organizaes constituem

    um tipo de cooperao, nas quais as atividades so criteriosamente pr-ordenadas, de forma

    que seja garantida a sua execuo.

    Visando distinguir as organizaes, ou burocracias, dos demais sistemas sociais, Motta

    e Pereira (Op. cit.) prope uma adaptao de conceitos, classificando-os como: a)

    Inorganizados, sendo aqueles cujo contato entre as pessoas resultado da reao a um

    mesmo estmulo, geralmente representado por uma multido, pblico ou classe social

  • 19

    desorganizada; b) Semi-organizados, aqueles cujas relaes sociais acontecem face-face,

    podendo ser representados pela famlia, tribo ou at por uma pequena empresa familiar, entre

    outros; c) Organizados, que podem ser observados no Estado, na empresa de grande porte,

    igreja, escola, exrcito, entre outros.

    Max Weber (apud MOTTA; PEREIRA, 1991), um dos estudiosos mais expressivos

    das organizaes, tratou de observar e identificar suas caractersticas, a ponto de defini-las

    como organizaes burocrticas, ou simplesmente burocracias. Em sua obra, Wirtschaft und

    Gesellschaft (Economia e Sociedade), considerou burocracia como um tipo de poder ou

    dominao.

    Ainda segundo Motta e Pereira (1991), Weber prope trs tipos fundamentais de

    dominao, cada qual com a sua caracterstica, origem e legitimidade: a) a Carismtica, que

    tem como origem o carisma, encontrado em grandes heris, lderes, polticos e religiosos, que

    exercem sua dominao baseada na crena e devoo pelos seus dotes, suas qualidades e

    foras extraordinrias. Intransfervel, a dominao carismtica essencialmente pessoal, sem

    base racional, com tendncia a romper, seno questionar, a estabilidade e normas legais; b) a

    Tradicional, que norteada pelos costumes, pelas normas de conduta e pela rotina, sendo

    uma dominao conservadora, opondo-se s mudanas sociais. O arbtrio e os paradigmas que

    norteiam suas aes no permitem que desenvolva meios mais eficientes para atingir os fins

    visados. c) a Burocrtica ou Racional-Legal, tem a dominao calcada nas normas legais,

    racionalmente definidas e comumente encontradas nas organizaes burocrticas.

    Sistemas sociais racionais, legitimadas pelo poder racional-legal, as organizaes

    podem ser caracterizadas pelo seu formalismo, fundamentado na autoridade baseada em

    normas racionais, expressas e divulgadas de forma que todos conheam a hierarquia, as

    normas e a diviso do trabalho (MOTTA; PERREIRA, 1991). A previsibilidade um trao

    importante que assegura a sua eficincia. Quando falha provoca disfunes que levam

    ineficincia.

    Essas normas, por sua vez, so dinmicas, escritas exausto e tm como papel

    fundamental amparar o administrador no estabelecimento de um padro de comportamento

    coerente com os valores da organizao, de forma que tanto os funcionrios quanto o prprio

    administrador saibam como agir diante de uma situao atpica, tornando-as mais previsveis

    e controlveis.

    A definio clara de mando e subordinao, estabelecida por meio de um organograma

    que apresenta claramente os nveis hierrquicos, tal qual uma pirmide, tambm fator

  • 20

    comum no formalismo. A departamentalizao complementa a diviso do trabalho,

    apresentando horizontalmente as diversas reas de especializao.

    Outra caracterstica peculiar na organizao burocrtica, segundo Motta e Pereira

    (1991), a impessoalidade, que expressa a sua racionalidade com vistas ao objetivo

    principal. Assim, apresenta-se estruturada de forma a no considerar as pessoas, mas as

    atribuies e responsabilidades, representadas pelos diversos cargos distribudos ao longo do

    organograma, sejam de forma vertical ou horizontal.

    O tipo ideal weberiano prope que a autoridade e responsabilidade so inerentes ao

    cargo, independentemente da pessoa que o est ocupando, assim como a obedincia do

    subordinado est em relao ao cargo imediatamente superior ao seu e no em considerao

    pessoa do ocupante.

    Segundo Weber (apud MOTTA; PEREIRA, 1991, p.33), uma burocracia mais

    plenamente desenvolvida quanto mais se desumaniza. A presena de fatores emocionais e

    sentimentais na administrao pode conduzir as pequenas organizaes ineficincia e a

    resultados medocres.

    A administrao profissional constitui outra caracterstica fundamental na organizao

    burocrtica, que visa contratar profissional especializado, com formao adequada,

    conhecimento tcnico e experincia necessria para ocupar o cargo. Investido de poder e

    autoridade, o administrador profissional apresenta-se com objetividade e imparcialidade para

    atingir os devidos fins. No sendo proprietrio dos meios de produo, via de regra tem no

    cargo que ocupa dentro da organizao a sua principal atividade. Administra, portanto, em

    nome de terceiros, dos quais recebe em contrapartida uma remunerao, de acordo com as

    atribuies e o nvel hierrquico.

    Subordinado quele ou queles que lhe concederam o poder e a autoridade por meio

    da sua contratao, o mandado do administrador profissional se d por prazo indeterminado,

    at que uma das partes resolva rescindir o respectivo contrato.

    Ao longo do desenvolvimento do sistema capitalista e das organizaes burocrticas, a

    figura do administrador ganhou notoriedade e relevncia em funo do seu comprometimento

    com os resultados almejados pelos proprietrios dos meios de produo. Tal fato justifica-se

    pelo surgimento de grandes corporaes monopolistas e pela necessidade de descentralizao

    do controle administrativo, transferidos gradativamente dos proprietrios aos administradores

    profissionais.

  • 21

    O quadro a seguir demonstra o organograma do Sistema Burocrtico.

    Quadro 1 Sistema Burocrtico Fonte: Motta e Pereira (1991, p. 52)

    Tendo sido abordado o sistema capitalista, cabe ressaltar que no sistema comunista,

    onde o Estado apresenta-se como uma grande organizao centralizadora e burocrtica,

    mantendo e coordenando o sistema econmico, os administradores passaram inicialmente a

    assumir papel autnomo e de pequena importncia no contexto, conforme assinalam Motta e

    Pereira (1991).

    No caso da Unio Sovitica, Lnin entendia que os administradores poderiam ser

    facilmente substitudos, visto que os registros e controles haviam sido simplificados ao

    Organizao ou

    Burocracia

    Sistema social racional

    Impessoal Profissional

    Conseqncias

    Desejadas: Previsivibilidade

    do comportamento

    Maior controle

    Maior eficincia

    Indesejadas: Disfunes da

    burocracia

    Ineficincia

    Formal

  • 22

    extremo pelos capitalistas. Ento, numa experincia mal-sucedida, polticos pertencentes ao

    partido comunista passaram a ocupar o lugar dos administradores e empresrios. Porm, ao

    perceber o erro cometido, ao fim do perodo revolucionrio, por volta de 1922, os antigos

    administradores foram novamente contratados para dirigir as empresas. Em alguns casos em

    companhia dos polticos nomeados.

    Posteriormente, quando os esforos de Stalin concentraram-se na industrializao,

    percebeu-se que a administrao das empresas por polticos no se mostrava eficiente diante

    do ritmo necessrio para industrializar rapidamente o pas. Foi quando abandonou de vez as

    teorias de Lnin e passou a demitir os polticos e contratar os administradores profissionais,

    burocratizando assim o topo das organizaes e transformando-os em uma elite bem paga e

    gozando de elevado status na sociedade sovitica.

    Apesar de reconquistar sua posio dentro das empresas, o elevado nvel de exigncia

    da administrao sovitica torna a carreira insegura. Em funo de sistemas de co-gesto e

    participao dos trabalhadores na administrao das fbricas, os administradores possuem

    autonomia reduzida em relao s economias capitalistas e precisam prestar contas

    permanentemente aos conselhos operrios. Sua contratao est geralmente condicionada a

    um curso superior, enquanto sua permanncia est condicionada a sua competncia e aos

    resultados apresentados.

    possvel observar que, independentemente dos regimes e das injunes de ordem

    poltica, as organizaes esto, cada vez mais, sendo controladas por administradores

    profissionais.

    2.2 A IDEOLOGIA E A DOMINAO NAS ORGANIZAES

    As relaes antagnicas entre capital e trabalho so personificadas pela administrao

    e pelos operrios respectivamente, que tornam o ambiente da organizao, palco da oposio

    de classes e cenrio da inculcao ideolgica.

    Considerando as condies favorveis ideologia dominante do capital, suas aes

    esto presentes em publicaes de jornais internos ou externos, programaes de televiso,

    treinamentos por meio de cursos e filmes, acervos disponveis nas bibliotecas internas,

    programas de auto-ajuda e aconselhamento por ela financiados a fim de compartilhar valores

    e conceitos de seu interesse. Da a empresa tornar-se um aparelho ideolgico. Existe

    atualmente a psico-manipulao. Ou seja, no s a mais-valia extrada do trabalho; h a

  • 23

    perda do seu ser em detrimento do bom desempenho profissional, tendo como nica

    finalidade a rentabilidade (TRAGTENBERG, 1989, p. 26).

    Tais prticas tendem a conter o homem poltico em detrimento ao homem psquico,

    visto que os conflitos de ordem poltica pressupem a diviso do poder, representado pela

    hierarquia nas organizaes. Os jogos de empresas, aplicados em treinamentos internos,

    procuram mostrar aos operrios a complexidade dos problemas, conscientizando-os da

    importncia dos tecnocratas.

    No informar suficientemente os subordinados se autoproteger, tolhendo-os de uma

    viso de conjunto que os chefes detm, contrariando assim o princpio da co-gesto, que

    pressupe a co-deciso e deciso compartilhada. Entendida oficialmente como equilbrio de

    poderes, a co-gesto equivale participao do trabalhador nas decises, nos lucros e no

    aumento do patrimnio da empresa.

    Em relao s ideologias polticas, estas so responsveis por indicar valores e sua

    hierarquia e funcionam como identificao individual favorecendo o consenso, na medida em

    que designam posies sociais, ao mesmo tempo em que as justificam, diz Motta (1981).

    Pierre Ansart (apud MOTTA, 1981, p. 28) salienta, no entanto que, Toda ideologia

    constri uma imagem do poder, de sua natureza e das condies de seu exerccio. Segundo

    esse autor, isso no tira o carter revolucionrio de algumas ideologias polticas e pode,

    facilmente, exprimir os conflitos sociais.

    Seja ideologia de manuteno ou contestao, implica em um projeto de sociedade

    futura, podendo caracterizar-se pela socializao do poder. De uma forma ou de outra, a

    ideologia poltica atribui sentido ao poder, ainda que seja contestando e lutando contra ele.

    Para Motta (1981) no h organizao, seja ela qual for, que no necessite organizar uma

    estrutura de sentido para alcanar seus objetivos, da mesma forma que no h organizao ou

    instituio que no produza ou reproduza o poder. O poder sempre se apresenta enquanto

    apropriao ressalta Motta (Op. cit., p. 29).

    Assim como os escravos eram resultado da vitria de adversrios na Antiguidade, a

    sociedade feudal praticava a guerra e a rapina. No caso da Revoluo Industrial, o exerccio

    da apropriao deu-se na medida em que explorava homens, mulheres e crianas em trabalhos

    e condies desumanas. Consolida-se a histria como sendo uma rapina ou uma apropriao

    generalizada.

    O poder no apenas se apropria do tributo humano como do econmico. Assim como

    o pas vencido paga tributos ao pas vencedor, o servo paga ao senhor feudal, o trabalhador

    paga ao patro em forma do valor incorporado no trabalho, o empresrio para aos bancos que

  • 24

    o financia. Lucro, renda, juros so manifestaes diversas da atividade de apropriao ou

    rapto exercido pelo poder, embora no possam ser colocados no mesmo plano da rapina

    (MOTTA, Op. cit., p. 29).

    A diferena est, na medida em que a rapina objetivava mudar a distribuio da

    riqueza, enquanto o lucro, a renda e os juros, alm de um modo de distribuio desigual, so

    conseqncias da criao de novas riquezas e entendidos como retribuio aos fatores de

    produo.

    Max Weber (apud MOTTA, Op. cit., p. 30) esclarece que o estudo das burocracias

    deriva do conceito de poder, que por sua vez est relacionado com dominao. Para ele, a

    dominao pode se apresentar mediante interesses ou em funo do poder de mando e

    subordinao, sendo que um pode facilmente transformar-se no outro. Segundo Motta (1981),

    a partir do pensamento weberiano poder-se-ia deduzir a estrutura de uma forma de

    dominao, como o relacionamento entre o chefe e o seu aparato e entre ambos e os

    dominados.

    A funo diretiva, caracterstica do capitalismo, surge da necessidade do capital em

    controlar e coordenar a mo-de-obra, agora formada por trabalhadores coletivos, visto que o

    processo produtivo transformou-se tambm em processo coletivo. A necessidade de

    habilidades especficas para desenvolver as diferentes operaes na produo de uma

    mercadoria, as quais se complementam no decorrer do processo produtivo, transformaram o

    trabalhador em trabalhador coletivo, formado por diversos trabalhadores parciais, visto que

    operam apenas etapas distintas do processo produtivo.

    Separados e independentes, os trabalhadores so agrupados e classificados de acordo

    com suas qualidades dominantes. Todo um corpo de mestres e supervisores criado para

    garantir essa continuidade. H uma hierarquia cada vez mais clara no interior da prpria fora

    do trabalho, explica Motta (Op. cit., p. 14).

    Karl Marx (apud MOTTA, Op. cit., p. 15) salienta que a diviso do trabalho uma

    forma de produzir a mais-valia, aumentando o rendimento do capital custa do trabalhador e

    garantindo a dominao do capital sobre o trabalho. Esclarece Marx, que se constitui um meio

    requintado de explorao, uma vez que o trabalhador passa a subordinar-se tcnica e

    organizacionalmente. Tcnica, na medida em que perde o controle sobre a operao que fora

    transferida para a mquina. Organizacionalmente, em funo de que a mecanizao impe o

    ritmo de trabalho aos operrios, que passam em ser vigiados e controlados quanto a sua

    cadncia e seu comportamento, alm de fazer surgir uma srie de funes administrativas.

  • 25

    Numa crtica s estruturas hierrquicas e as formas de explorao do homem pelo

    homem, Marx e Engels (1998, p. 20) expressam:

    Como soldados do exrcito industrial, so colocados sob o comando de uma hierarquia perfeita de oficiais e sargentos. No so somente escravos da classe burguesa e do Estado burgus, mas so, a todo dia e a toda hora escravizados pela mquina, pelo supervisor e, acima de todos, pelo prprio indivduo fabricante burgus.

    A concentrao do saber na administrao e a concentrao da ignorncia na produo

    so a lgica que predomina nas organizaes modernas. Para Motta (1981, p. 16) A

    burocracia apresenta-se como aparelho de coordenao autoritria e como agente de

    represso. Essa burocracia tende a representar partes da classe dominante, e com seu trabalho

    administrativo responde pela manuteno das classes sociais, proprietria e no proprietria.

    Trata-se, pois, de uma heterogesto que rompe a unidade do trabalho e separa gerente

    de gerido, dirigente de dirigido, concepo e execuo, e naturaliza a funo diretiva do

    capital sobre o trabalho e do saber sobre o no saber. um aspecto da heteronomia capital-

    trabalho. Reduzido a tarefas parcelares, o trabalho deixou de incorporar um saber, e suas

    finalidades so estranhas ao produtor, que sobre elas exerce cada vez menor condicionamento.

    2.3 PROPRIEDADE E CONTROLE NAS ORGANIZAES

    Teorias clssicas da administrao e seus representantes como Fayol, Taylor, Urwick,

    Mooney e Reilly proporcionam farta prescrio sobre a constituio das organizaes,

    estando embasadas no princpio da especializao, no planejamento hierrquico, na delegao

    de autoridade e responsabilidade e no sistema de controle. Por estarem, segundo Hall (1984),

    interessados em obter o mximo das organizaes e seus empregados, procuraram

    desenvolver teorias aplicveis a todas as organizaes, sugerindo, por exemplo, que: [...]

    cada cinco ou seis operrios [...] necessitam de um supervisor de primeira linha; cada seis

    supervisores de primeira linha e, conseqentemente, cada 40 operrios necessitam de um

    supervisor de segunda linha, e assim por diante (HALL, Op. cit., p. 222).

    Adolf Berle um idelogo das corporaes e faz referncia ao processo de

    profissionalizao, no qual proprietrios e acionistas atuam como meros fornecedores do

    capital e transferem o controle aos seus executivos, criando uma independncia do poder de

    controle em relao estrutura proprietria. Salienta Berle (apud TRAGTENBERG, 1989, p.

    2) que controle significa direcionamento da economia, e isso acabar por provocar, em nvel

  • 26

    cada vez mais elevado, a separao entre controle e estrutura de propriedade e anulao do

    indivduo no mundo da indstria.

    Esse processo to evidente que possvel, inclusive, os controladores operarem

    contrariamente aos interesses da propriedade, visto que internamente o grupo controlador

    quem efetivamente manda, proporcionando permanentes conflitos de interesse.

    De acordo com Rathenau (apud TRAGTENBERG, Op. cit., p. 4), as corporaes

    concentram um poder econmico semelhante ao da igreja catlica no mbito da religio, e de

    um partido, no Estado nacional. Considerando que o maior poder cabe aos controladores, a

    corporao tende a servir sociedade e no apenas a seus donos.

    Peter Drucker entende que o capitalismo dissolve a classe proprietria e proletria,

    criando um povo - classe mdia, composta pela unio de burocratas, tcnicos e gerentes

    vinculados aos proprietrios. Segundo Drucker (apud TRAGTENBERG, 1989, p. 7), o povo

    organizado na sociedade sem classes norte-americana, se constitui numa realidade e

    caracteriza a sociedade industrial pela inexistncia de luta de classes, por existir apenas uma

    classe: o povo-classe mdia, vinculado s grandes corporaes. Drucker prope que uma

    nova sociedade, sem pobres e sob a predominncia da filantropia e do paternalismo

    coorporativo, esteja surgindo de forma pioneira nos EUA, como um socialismo sob o

    capitalismo.

    Marx (1988), em sua obra O Capital, previa que as sociedades por aes e seus

    fundamentos tcnicos formais pudessem fazer emergir um novo modo de produo,

    integrando o trabalhador coletivo e tornando obsoleta a direo do capitalista, o que tambm

    pode ser apresentado na forma de cooperativa. Para Marx, essas sociedades por aes se

    fundamentam no processo de socializao dos capitais e na abolio do capital enquanto

    propriedade privada. Para ele, as grandes corporaes prenunciam a superao do conflito de

    classes, visto que os trabalhadores seriam seus prprios capitalistas.

    Schumpeter (apud TRAGTENBERG, 1989, p. 10) afirma que uma nova ordem ps-

    capitalista surge com os grandes trustes, onde executivos assalariados dirigem as empresas,

    promovendo o desaparecimento da figura do proprietrio. Seria a emergncia de uma

    sociedade ps-capitalista, sem o capitalista individual.

    2.4 PODER, CONFLITO E MUDANA NAS ORGANIZAES

    H muito que as relaes intra-organizacionais, suas hierarquias, modelo de gesto e

    comando motivam discusses da classe trabalhadora e seus representantes, assim como

  • 27

    fomentam linhas de pesquisas de estudiosos da Sociologia, com vistas proposio de um

    modelo mais democrtico, participativo e justo, sob o ponto de vista da explorao do homem

    pelo homem, enquanto representantes do capital e trabalho.

    Discorrendo sobre a questo do poder e do conflito, Hall (1984) expressa seu

    entendimento no sentido de que toda a relao social envolve poder, sendo a obedincia o

    resultado da maioria dos atos do poder, e o conflito, a exceo. Envolve fora ou coero.

    Bacharach e Lawler (apud HALL, 1984, p. 93) salientam que as organizaes so como

    sistemas de barganha poltica.

    O cientista poltico Dahl explicita que o poder pode assim ser definido: A tem poder

    sobre B, na medida em que pode levar B a fazer algo que B de outra maneira no faria.

    (HALL, 1984, p. 93). Para Hall (1984) salienta que essa a essncia do conceito de poder,

    visto que esse apenas pode ser exercido sobre outra pessoa ou grupo de pessoas. Por outro

    lado, a autoridade, mesmo sendo uma forma de poder, no implica em fora. As ordens so

    seguidas por convencimento e no por coero.

    Ainda sobre a questo do poder, ele classificado pela natureza das relaes entre o

    detentor e o receptor do poder, de acordo com French e Raven (apud HALL, 1984, p. 96): a) Por meio da recompensa e sua relevncia para o receptor; b) Por meio da coero e seu poder de distribuir punies; c) Por meio da sua legitimidade e seu direito de influenciar a uma obrigao; d) Por meio da referncia e da identificao com o receptor; e) Por meio da sua especializao e do conhecimento em relao a determinado tema no dominado pelo receptor.

    Esses autores complementam salientando que as bases do poder so aquilo que os

    indivduos ou grupos controlam e que os tornam capazes de manipular o comportamento de

    outrem.

    Para Amitai Etzioni (apud HALL, Op. cit., p. 20), [...] as organizaes so unidades

    sociais (ou grupamentos humanos) deliberadamente construdas e reconstrudas para buscar

    objetivos especficos. Essas organizaes, ressalta esse autor, caracterizam-se pela diviso do

    trabalho, pela presena de um ou mais centros de poder e pela possibilidade de substituio ou

    afastamento das pessoas que no atendem seu interesse. Prope ainda que as organizaes

    sejam entendidas como entidades polticas e seus diversos partidos em luta pelo controle: Os

    autores de perspectiva marxista, tais como Benson (1977) e Heydebrand (1977), alertaram-

    nos para a presena de contradies dentro das organizaes (HALL, Op. cit., p. 23). Os

    autores citados por Hall afirmam que estas foras competem pelo controle e que a natureza

  • 28

    das organizaes de tal ordem que aqueles que esto no poder, tendem a permanecer no

    poder. Todos os estudos descritos mais recentemente compartilham a orientao poltica de

    que h uma elite dominante por trs das empresas, diz Hall (Op. cit.)

    Em relao aos conflitos existentes nas organizaes, Hall (Op. cit.) define como

    herana social aquilo que envolve a fora de trabalho e a administrao.

    Segundo Katz (apud HALL, Op. cit., p. 108) so trs as bases do conflito

    organizacional:

    a) Funcional, fomentado pelos vrios subsistemas dentro das organizaes, suas normas, seus valores e sua dinmica prpria; b) A segunda pode ser identificada pela semelhana nas funes, que facilmente assume a forma de competio benvola ou rivalidade hostil; c) Finalmente o conflito hierrquico, que se origina das lutas dos grupos de interesse pelas recompensas financeiras, de status e prestgio.

    Pondy (apud HALL, 1984, p. 111) entende que todo conflito tem uma conseqncia e

    que a resoluo de um conflito no necessariamente representa uma soluo total. Para ele,

    quando a resoluo do conflito proporciona uma comunicao mais aberta e uma cooperao

    entre as partes, tambm se trata de conseqncia;

    [...] qualquer resoluo bem sucedida de conflito em que os ex-combatentes se transformem em estreitos aliados no estar garantida para sempre. As mudanas no ambiente e a alterao das condies da organizao podem levar a novas situaes de conflito entre as mesmas partes ou outras.

    Em relao s mudanas, estas fazem parte da dinmica e do desenvolvimento das

    organizaes, cujo grau de complexidade e resistncia, depende da sua intensidade. Para

    autores como Kimberly e Miles (apud HALL, 1984, p. 148), as organizaes nascem,

    crescem e declinam; algumas vezes se reanimam, outras vezes desaparecem.

    Hage (apud HALL, 1984, p. 148), por sua vez, entende a mudana organizacional

    como sendo a alterao e a transformao da forma, de modo a sobreviver melhor no

    ambiente. Assim, tanto a sua sobrevivncia quanto o impedimento da morte o desafio

    maior de uma organizao, que necessita mudar para alcanar seus objetivos, seja para

    obteno de maior lucratividade ou para manuteno dos seus membros. Estas mudanas

    ainda encontram resistncias internas.

    Como fatores internos resistentes mudana, Kaufman (apud HALL, 1984, p. 149)

    prope os seguintes:

    [...] os benefcios coletivos ou estabilidade ou familiaridade com os padres existentes -, a oposio calculada mudana por parte de grupos dentro da organizao, que podem ser motivaes altrustas ou egostas, e uma simples incapacidade para a mudana.

  • 29

    A incapacidade para a mudana estaria relacionada aos antolhos mentais que impedem

    a disposio e a capacidade de mudar. Segundo o autor, as mudanas podem ocorrer por meio

    da rotatividade de pessoal, cujo processo faz emergir as diferenas entre as pessoas.

    Katz e Kahn apud Hall (1984) salientam que identificaram seis diferentes fatores que

    contribuem para a resistncia mudana, quais sejam: a) Os mltiplos mecanismos que

    asseguram a estabilidade da organizao, tornando-as sobredeterminadas, desde a seleo de

    pessoal, o treinamento e o sistema de recompensas; b) A crena de que uma mudana pontual

    no poder causar impactos na organizao como um todo; c) A inrcia individual e grupal,

    representada pela fora do hbito; d) A ameaa que representa aos grupos ocupantes, e o risco

    da mudana torn-los dispensveis; e) Ameaa ao poder estabelecido, com a possibilidade de

    transferncia parcial ou total do poder a outros grupos; f) Ameaa ao sistema de recompensa

    vigente e seus beneficirios.

    Referindo-se a estratgia adotada na revoluo bolchevista ocorrida na Rssia,

    Selznick (apud HALL, 1984) destaca a necessidade de manter um quadro de membros

    dedicado e a preocupao pelo poder, como centrais para o processo de mudana. Assim

    tambm, o apoio da sociedade que est se tentando mudar importante para o xito da

    mudana, visto que as organizaes so conservadoras por natureza e tendem a resistir s

    mudanas, principalmente quando introduzidas de fora pra dentro.

    Quadros de homens dedicados so um componente fundamental [...] Essa dedicao exige que os indivduos sejam totalmente devotados causa, isolados de outras preocupaes e absortos do movimento. Desde que um ncleo de pessoal dedicado esteja disponvel, o partido deve proteger-se da dissenso interna, banindo os centros de poder que possam ameaar a liderana oficial. O partido deve ser capaz de mobilizao e manipulao: deve proteger-se de um possvel isolamento das pessoas que ele espera converte e tambm de uma possvel liquidao nas mos das autoridades existentes e deve lutar pelo poder em todas as reas de ao possveis [...] e todo o tempo a ideologia bsica deve ser mantida em primeiro plano na mente dos membros (Selznick apud HALL, 1984, p. 10).

    Outro fator relevante o fato de que o processo de mudana sucedido tambm por

    um processo de adaptao entre os diversos atores da organizao e seus respectivos papis

    no contexto em transformao. Sobre o processo de adaptao entre a ideologia do

    movimento bolchevista e a burocracia existente, Hall (1984, p. 14) destaca,

    [...] o fator crucial que os novos lderes no compreendiam as organizaes que deviam chefiar. A prpria organizao continha normas e procedimentos que tinham de ser aprendidos ao longo do caminho, de modo que a organizao se tornou o instrumento que desviou o partido no poder de suas metas.

  • 30

    A alternativa de substituir os membros originrios por outros de ideologia apropriada,

    segundo Hall (1984) implicaria em recomear a organizao, sendo que nada poderia ser

    realizado at que os papeis fossem aprendidos e as relaes com a sociedade restabelecidas.

    2.5 A ESTRATGIA DE HUMANIZAO

    O processo que as organizaes esto vivenciando, est distante de um ideal socialista

    pleno, em funo da cultura dominante e seus entraves no processo de democratizao.

    Para Tragtenberg (1989) a grande barreira a ser superada em relao empresa-

    comunidade, ainda a participao operria nas decises da empresa: A estrutura hierrquica

    da empresa est marcada pelo carter sagrado do chefe, impessoalidade organizacional e uma

    concepo individualista subentendida (TRAGTENBERG, 1989, p. 16). O autor

    complementa que a empresa cultiva uma liturgia onde os signos so vesturio, moblia e o

    subordinado vive na dependncia do saber e do poder Mesmo nas empresas com estruturas

    informais, o subordinado cultiva um temor reverencial ante seus superiores.

    Os executivos europeus, procurando se adaptar s novas situaes, utilizam conceitos

    criados pelos novos eventos como dilogo, participao, delegao e relaes humanas. So

    aes que direta ou indiretamente convergem em direo ao aumento da produtividade, visto

    que os profissionais contratados para desenvolver os programas voltados humanizao da

    empresa so pagos por ela e, conseqentemente, seguem a sua ideologia capitalista. Na

    realidade, as tcnicas de relaes humanas surgem como resposta do empresariado

    organizao sindical, que obteve avanos significativos na legislao pertinente.

    Tragtenberg (Op. cit.) salienta que Elton Mayo entendia que no seriam as relaes de

    trabalho as causas de conflitos, mas o desenvolvimento tecnolgico que eliminara a

    solidariedade orgnica. Com relao experincia de Hawthorne, o autor observa que a

    solidariedade desenvolvida no processo de trabalho tornara-se elemento de produo.

    Na dcada de 50, com o avano tecnolgico na indstria e a constatao de um maior

    desgaste nervoso no trabalho, o autoritarismo nas relaes entre patro e empregado cede

    espao para a diplomacia. Na Itlia, a igreja catlica com o lema humanizao na empresa;

    na Frana, a humanizao do trabalho e na Alemanha as tcnicas de co-gesto.

    As boas prticas de relaes humanas ocupam agora, lugar das reivindicaes salariais

    e de reduo de jornada. O homem econmico de Taylor se contrape ao homem

    psicolgico de Mayo (Ibidem). Juntamente com a proposta participacionista da dinmica de

    grupo, observou-se um aumento de produtividade e comprometimento, medida que os

  • 31

    operrios, organizados em comits multidisciplinares, passaram a discutir problemas da

    produo.

    Tragtenberg (Op. cit., p. 22) salienta que estava codificada uma tcnica de

    manipulao da mo-de-obra, que em troca de algo tangvel, como o aumento da produo

    ofereceria, como veremos depois, gratificaes simblicas. Assim, tanto as tcnicas de

    relaes humanas e aconselhamento, dinmicas de grupo e pesquisas de clima e satisfao,

    fazem parte da estratgia controladora patronal.

    Para compensar os baixos salrios e conter os trabalhadores, adota-se recompensas de

    baixo custo como felicitaes pelo aniversrio; elogio em pblico e outras tcnicas

    desenvolvidas. Tragtenberg (Op. cit.) faz meno a socilogos norte-americanos e suas

    crticas em relao estratgia adotada, [...] utilizada para enganar o pblico e dar

    impresso, mo-de-obra, de que ela possui papel importante nas decises

    (TRAGTENBERG, 1989, p. 24).

    Contrrio ao novo papel assumido pelas organizaes no mbito social, T. Levitt

    (apud TRAGTENBERG, 1989, p. 23) entende que a corporao deve preocupar-se em fazer

    dinheiro e no em resolver problemas da sociedade. Na mesma linha, Drucker diz que a

    organizao deve preocupar-se pelas utilidades e produtividade muito mais do que pelo bem

    estar de seus membros.

    2.6 BUROCRACIA E AUTOGESTO

    As organizaes, to presentes na vida do cidado, seja na esfera econmica, poltica,

    religiosa, lazer, entre outras, tm sido alvo de severas crticas em funo das suas

    caractersticas de autoridade, poder e propriedade. Ao analisar a autogesto, Motta (1981)

    reporta-se s propostas de Pierre-Joseph Proudhon, um estudioso que no sculo passado se

    dedicou ao tema.

    importante ressaltar inicialmente, que as relaes sociais e as formas de cooperao,

    esto intimamente relacionadas aos modos de produo e as foras produtivas. Sendo assim,

    as organizaes precisam ser entendidas a partir destas formas de cooperao. Marx (1975, p.

    374) define cooperao como sendo [...] a forma de trabalho em que muitos trabalham

    juntos, de acordo com um plano, no mesmo processo de produo ou em processos de

    produo diferentes, mas conexos.

    A cooperao pode ser simples, manufatureira e industrial, sendo estas ltimas

    correspondentes ao capitalismo. Seja qual for o estgio de desenvolvimento industrial ou

  • 32

    modo de produo, estar relacionado a um modo de cooperao, enquanto fora produtiva,

    que somada aos instrumentos, equipamentos de trabalho e condies materiais, constituem a

    organizao empresarial contempornea.

    A cooperao simples significa a reunio de trabalhadores para a realizao de tarefas

    que no poderiam ser feitas individualmente. Nesse estgio no h diviso do trabalho nem

    mquinas. A cooperao simples esteve presente no modo de produo asitico e caracterizou

    as civilizaes antigas como a China, ndia, Egito, Mesopotmia e Peru.

    Para Makefield (apud MOTTA, 1981, p. 12), [...] h numerosas operaes de natureza to simples que no permitem sua decomposio em partes, mas que no podem ser realizadas sem a cooperao de muitas mos. Est neste caso, carregar um grande tronco de rvore para um vago [...] em suma, tudo o que no pode ser feito se no houver a cooperao simultnea de muitas mos na execuo do mesmo ato indiviso.

    A cooperao da manufatura e posteriormente da indstria, conseqncia do

    surgimento do modo de produo capitalista que nasceu a partir da destruio da produo

    mercantil simples, no antagnica, nem dominante. Fundamentado no trabalhador coletivo, o

    capitalismo estabelece novas formas de cooperao, que constituem a base das formas

    administrativas que o caracterizam.

    Segundo Tragtenberg (1989), a cooperao da manufatura est fundamentada na

    diviso metdica do trabalho, reduzindo o operrio a um trabalhador parcial e separando

    nitidamente funes de direo e funes de execuo, trabalho intelectual e trabalho

    material. a apropriao da mais-valia que orienta a forma de cooperao da manufatura.

    Motta (1981) entende que por meio da separao entre o operrio e os meios de

    produo, a presso para vender a fora de trabalho e a existncia do capitalista como

    proprietrio dos meios de produo que fundamentam a relao autoritria entre capital e

    trabalho.

    justificvel a preferncia dos capitalistas pelo modelo burocrtico, tendo em vista a

    possibilidade de controlar os trabalhadores por meio do salrio pago, estabelecendo uma

    relao de dependncia com a empresa, alm de evitar que estes se desenvolvam

    suficientemente por meio de iniciativas e experincias, de tal forma que possam se organizar e

    construir um modelo alternativo ao sistema capitalista.

    Ora, se elementos como descentralizao, rotatividade de tarefas e participao

    igualitria, fossem praticados efetivamente nas empresas, os trabalhadores, poderiam,

    teoricamente, autogerir os meios de produo.

  • 33

    Assim, o isolamento e a alienao promovida pelo modelo burocrtico traduzem-se em

    impotncia da classe trabalhadora, por estar limitada execuo de partes de um conjunto que

    se apresenta complexo diante da baixa escolaridade e do conformismo, que a torna refm do

    modelo capitalista. Segundo Motta e Pereira (1991, p. 301) Esta posio impotente,

    insignificante e isolada leva-o a tratar o trabalho como um meio para obter segurana material

    e no um fim em si prprio.

    Muito embora a organizao burocrtica se apresente como a mais adequada forma de

    maximizao dos lucros e resultados, alguns setores da sociedade e correntes de estudiosos

    dedicam-se a refletir sobre experincias vividas ao longo da histria da humanidade, de forma

    a analisar diferentes possibilidades de organizao e gesto dos meios de produo, dentre as

    quais, Motta e Pereira (1991, p. 302) destacam a participao, cogesto, controle operrio e

    cooperativa.

    Albuquerque (1995) entende como autogesto o conjunto de prticas sociais

    caracterizadas pela democratizao dos processos decisrios, pelo compartilhamento do poder

    e pela autonomia coletiva, que qualificam as relaes sociais de cooperao entre as pessoas,

    independente das estruturas organizacionais. Segundo o autor, no se trata de um conceito

    novo, visto que pode ser observado ao longo da histria da humanidade, seja nos falanstrios,

    na comuna de Paris, nos sovietes da Revoluo Russa, dentre outros.

    De acordo com Guilherm e Bourdet (1976) a aspirao autogestionria se imps na

    histria depois do nascimento do movimento operrio, e se permitem dizer que a autogesto

    moderna o movimento por excelncia da classe operria.

    Segundo Gutierrez (1997), pode-se dizer que o surgimento da empresa autogerida

    ocorreu no mesmo perodo que a empresa industrial, em conseqncia dos conflitos entre

    capital e trabalho, e com vistas construo de uma sociedade mais justa.

    J Heerdt (2001, p. 95) entende autogesto como sendo um sistema de administrao,

    onde os trabalhadores se transformam em empresrios e passam a dirigir os negcios, de

    forma majoritria ou exclusiva.

    Contribuindo para definir empresa autogestionria, Singer (1997, p. 31) diz:

    empresas cuja estrutura e gesto so pensadas a partir de uma preocupao com o social; sem

    deixar de lado as questes de viabilidade econmica e de insero num mercado cada vez

    mais globalizado. Complementa o autor que importante a socializao do conhecimento a

    partir de debates e trocas de experincias que ocorre no ambiente democrtico da empresa

    autogestionria.

  • 34

    Para Defourny (apud CATTANI, 2003, p. 21), [...] no existe uma definio geral de

    autogesto e a diversidade de concepes sobre a empresa autogerida entre os cientistas

    apenas levemente menos grande que entre a opinio pblica. Observa-se, no entanto, que o

    surgimento e suas experincias sempre estiveram relacionados luta de classes e ao

    movimento operrio.

    Se por um lado a autogesto tem conotao econmica, na medida em que se

    apresenta como alternativa gerencial capaz de salvar empresas da falncia, evitando o

    desemprego em massa (PIRES, 1999, p. 85), por outro lado ressurge, segundo Cattani

    (2003), resgatando as lutas polticas e ideolgicas que originaram o seu conceito: [...]

    associada com um ideal utpico, de transformao e de mudana social.

    Cattani (2003) tambm conceitua uma empresa autogerida como um modelo de

    organizao e de gesto, onde o poder de deciso compartilhado entre seus membros,

    independentemente das suas qualificaes e sua posio hierrquica. Defourny (apud

    CATTANI, 2003, p. 24) complementa esse conceito quando fala em distribuio do lucro

    lquido entre os trabalhadores.

    Em relao aos aspectos econmicos que envolvem os empreendimentos

    autogestionrios, Cattani (2003) ressalta que se apresentam como positivos e negativos. Como

    positivos, o autor cita a ampliao da capacidade dos trabalhadores, proporcionada pelo

    ambiente mais democrtico; a reduo da rotatividade de pessoal - turnover; a elevao do

    nvel de produtividade, qualidade e responsabilidade, em funo de uma percepo mais

    positiva do trabalho e pela expectativa de aumento dos resultados da empresa e

    consequentemente dos seus rendimentos; a vigilncia permanente em relao aos nveis de

    produo, desperdcio e absentesmo dos colegas, outrora exercido pela figura do patro; e,

    finalmente, a facilidade na comunicao e maior flexibilidade, favorecendo a identificao de

    ineficcias e a promoo da reduo de custos. Como aspectos negativos, ressalta a reduo

    da capacidade produtiva, visto que neste modelo no esto presentes a autoridade e o poder

    discrecional dos dirigentes; a possibilidade de adoo de uma poltica de emulao e

    manipulao; a dificuldade de apurao da produtividade individual, no contexto de trabalho

    em equipe; e o ambiente de incertezas gerado pelo modelo autogestionrio.

    Para Rioli (apud HEERDT, 2001, p. 110), a autogesto ocorre quando esto presentes:

    a) Participao na Gesto; b) Participao nos Resultados Financeiros; c) Participao na

    Propriedade; d) Participao nas Decises Estratgicas.

    Favaret Filho (1996) ratifica a posio de Rioli em relao participao dos

    trabalhadores, alm da propriedade:

  • 35

    primeira vista, a definio de autogesto poderia se esgotar no controle do capital por parte dos empregados. No entanto, a participao no capital um meio para obteno de outros objetivos que no apenas a apropriao do lucro pelos trabalhadores. Atravs da democratizao da propriedade, espera-se que a produtividade suba em funo do maior comprometimento dos trabalhadores com os resultados da empresa, pois destes depende sua prpria renda (FAVARET FILHO, 1996, p.11).

    Mance (apud HEERDT, 2001, p. 125), por seu lado, salienta que a empresa autogerida

    encontra seus fundamentos na fora e energia do grupo, no conhecimento coletivo e no

    esprito de cooperao e solidariedade entre seus membros.

    Singer e Souza (2003) entendem que a empresa autogerida no uma empresa

    comum, mas sim uma organizao social e de orientao ideolgica, a qual se assemelha a

    uma famlia, com fortes laos afetivos.

    Ao analisar o contexto das relaes trabalhistas, desenvolvido ora por interesses do

    capital, ora por mobilizao dos trabalhadores, possvel afirmar que houve avanos, ainda

    que distantes do ideal almejado pelos crticos do regime capitalista, visto que se trata de

    mudanas aparentes e no estruturais, mantendo na essncia a explorao do homem pelo

    homem e a preservao da manipulao pela classe dominante.

    Segundo Pignon e Querzola (apud MOTTA; PEREIRA, 1991, p. 304) no h ruptura

    nenhuma com Taylor, mantendo sua racionalidade tcnica, agora estendida gesto dos

    recursos humanos. Entendem ainda que a escolarizao seja responsvel pela manuteno do

    modelo burocrtico, que prepara os estudantes para terem desempenho e comportamento

    adequado dentro destas organizaes.

    Gintis (apud MOTTA, PEREIRA, 1991, p. 304) entende que um modelo alternativo

    que atendesse as necessidades intrnsecas dos trabalhadores e no a lgica do lucro, poderia

    substituir a organizao burocrtica: um sistema de controle operrio, de rotatividade de

    tarefas, de participao equalitria, de descentralizao e ampliao do trabalho no pode ser

    excludo como impraticvel e ineficiente somente porque no aceito pelos patres.

    Ao observar a organizao de alguns trabalhadores em forma cooperativa, produzindo

    para seu prprio sustento, constata-se uma forma de emancipao do trabalho, ainda que

    contemple nmeros irrelevantes comparativamente ao modelo dominante. Mannheim (apud

    MOTTA; PEREIRA, 1991, p. 304) no trata do assunto como utopia, no sentido da fantasia

    irrealizvel, mas como algo que, ao se transformar em ao, abalaria a ordem das coisas que

    prevalecem no momento, tal qual a Comuna de Paris o fez durante a guerra franco-prussiana

    em 1871, depois do aprisionamento do Imperador.

  • 36

    Esse fato fez surgir um novo modelo de organizao, na qual eram os operrios quem

    nomeavam seus gerentes e tambm os demitiam no caso de resultados insatisfatrios.

    Reunidos em comits, definiam salrios, horrios, condies de trabalho e cronogramas de

    atividades. Muito mais que uma autogesto dos trabalhadores, foi um autogoverno, visto que

    se estendeu tambm s instituies pblicas. A experincia que durou 40 dias, aboliu o

    patronato, o trabalho assalariado e o Estado, mas no resistiu s presses das classes

    dominantes do mundo capitalista.

    Experincias do gnero sucederam-se; em 1905 com o Soviete de Petersburgo; na

    Rssia em 1917; na Alemanha e ustria em 1918; todas sufocadas por interesses da

    burocracia, representados por uma classe minoritria que tem a propriedade privada dos meios

    de produo. Apesar disso, estudiosos (MOTTA; PEREIRA, 1991) entendem como

    infundadas as afirmaes de que a autogesto no poder existir, porque no existe, ou pelas

    experincias histricas que no subsistiram as presses.

    Ao contrrio, Guilherm e Bourdet (1976) acreditam que seu regime j est lanado,

    invisvel, e sua presena se faz sentir nas reivindicaes operrias e ainda que

    embrionariamente, dentro das empresas. Dessa forma, os trabalhadores apoderam-se

    gradativamente do conhecimento, desenvolvendo-se e criando as condies necessrias para

    autogerir os meios de produo, dando incio ao modelo que possa vir a ser o substituto do

    capitalismo.

    Carvalho (apud HEERDT, 2001, p. 111) compartilha da importncia do processo de

    aprendizagem e a elevao da capacidade tcnica e gerencial dos trabalhadores na empresa

    autogestionria:

    A autogesto s possvel quando o grupo controla os meios e os produtos da produo. Esse controle torna-se explcito no direito de participar em todas as tomadas de decises, na capacidade de constantemente aumentar o conhecimento tcnico do grupo e na autonomia legtima do grupo para entender os valores e objetivos da organizao.

    fundamental, no entanto, que as iniciativas autogestionrias estejam estruturadas em

    princpios ideolgicos e at polticos, de forma a no serem absorvidas pelo sistema

    dominante, como foi o caso da Cooperativa de Rochdale,

    [...] que aps grande prosperidade acabou sendo transformada numa empresa capitalista, dando novo duro golpe no movimento cooperativista e socialista. Isso ocorre no momento em que se separa o carter poltico da proposta, ou quando este no intimamente assimilado (BERTUCCI, 2005, p. 53).

  • 37

    Objeto de estudos e pesquisas, segundo Motta (1981), a autogesto j possui longa

    tradio na Frana. A Inglaterra vivenciou inmeras intervenes em organizaes,

    orquestradas pelo Tavistok Institute. Na Espanha e Portugal este movimento bastante

    fortalecido e possui vasto acervo bibliogrfico. J os Estados Unidos, sem tradio quase

    alguma sobre autogesto, registra um novo interesse pelo tema. Trata-se de perceber o atual

    interesse pela autogesto e pelo movimento libertrio como diretamente relacionado ao

    enorme desenvolvimento das organizaes burocrticas no mundo contemporneo (MOTTA,

    1981, p. 9).

    Considerado o pai da autogesto, Proudhon manteve uma estreita relao com os

    teceles a partir de 1843, que haviam desenvolvido uma doutrina (mutualismo) que ensinava

    que as fbricas da incipiente era industrial, podem ser operadas por associaes de

    trabalhadores e que esses trabalhadores poderiam transformar a sociedade (HEERDT, 2001,

    p. 117).

    Segundo Heerdt (2001), Souza entende que a autogesto encontra no Brasil um

    cenrio com boas perspectivas de xito junto s empresas deficitrias, de forma a

    potencializar as experincias existentes e difundir novas possibilidades de gesto, onde os

    trabalhadores passam a exercer o papel de empreendedor. E, para Lefbvre (apud

    BERTUCCI, 2005), a autogesto se apresenta como uma soluo original, visando a

    socializao dos meios de produo, conforme proposto por Marx.

    O processo de autogesto deve amadurecer, [...] no apenas como uma soluo de

    uma crise, mas tambm como uma soluo importante do ponto de vista do emprego e do

    ponto de vista empresarial (MNACO, 1998, p. 6).

    Com o propsito de comparar os diversos conceitos que fazem parte do contexto da

    autogesto, Guilherm e Bourdet (1976) propem analisar inicialmente o tema participao.

    Para o autor, participar no autogerir, mas apenas participar juntamente com grupos pr-

    existentes, misturando-se aos outros e colaborando com eles. Faz analogia ao flautista que se

    junta a uma orquestra e com a qual contribui, seguindo uma partitura j existente e sob a

    regncia do maestro que, no necessariamente, precisa conhecer e dominar cada um dos

    instrumentos. Ao contrrio, os tcnicos e engenheiros analisam minuciosamente e definem

    cada uma das operaes do trabalhador no interior da fbrica, de forma que este execute

    apenas gestos repetitivos, privando-os de qualquer iniciativa e de todo o saber.

    Ainda segundo Guilherm e Bourdet (1976), a participao pressupe uma adeso

    voluntria, na qual o trabalhador opta em contribuir com esta ou aquela organizao. Trata-se

    de um processo mais relacionado com a heterogesto, ou seja, ser gerido por outrem, do que

  • 38

    com a autogesto propriamente dita. Por essa anlise, o trabalhador opta em trocar sua fora

    de trabalho pelo salrio que alimenta sua famlia e a si prprio; opta em ser um cidado

    respeitado a ser um delinqente desprezvel.

    Reconhecidamente, a participao nos lucros foi desenvolvida com o objetivo de

    integrar a classe operria ao sistema capitalista, de forma que os trabalhadores, vidos por

    aumentar sua renda, tornassem-se scios e, assim sendo, dedicassem-se cada vez mais a

    alavancar os resultados das empresas, opondo-se ao esquema marxista de lutas de classes:

    [...] o sistema de participao nos lucros, longe de ser um passo para a autogesto, um

    habilidoso agravamento da explorao e da auto-alienao (GUILLERM; BOURDET, 1976,

    p. 22).

    Para Motta e Pereira (1991) a participao se d pela contribuio individual ou

    coletiva em aes j estruturadas e direcionadas pela empresa, gerando a sensao de estar

    desempenhando um papel ativo e original dentro da organizao. Segundo ele, nesses casos,

    muda-se apenas a forma de dominao, visto que a hierarquia e o controle permanecem, ainda

    que seja sob uma roupagem mais democrtica.

    Em relao co-gesto, Guilherm e Bourdet (1976) entendem que no se trata apenas

    de um interesse em participar, mas a possibilidade e a permisso de interferir tanto no nvel da

    organizao tcnica do trabalho, quanto no nvel da poltica geral da fbrica. Consiste na

    reintegrao, ainda que parcial, da iniciativa e da criatividade dos trabalhadores nos processos

    produtivos. Nesse caso, o empresrio permite tanto aos tcnicos quanto ao conjunto de

    trabalhadores, que encontrem alternativas, formas e combinaes que possam resultar na

    melhoria das condies de trabalho, na qualidade dos produtos e na produtividade. As equipes

    autnomas ou autogerenciadas e tambm os grupos de melhoria de contnua podem ser os

    representantes da co-gesto. Por se tratar desse modelo e no da autogesto, as definies dos

    objetivos no esto a cargo dos operrios.

    A experincia da Alemanha, vivenciada por meio da participao efetiva e da

    interveno institucionalizada dos trabalhadores nos conselhos de administrao das

    empresas, pode ser considerada legitimamente de co-gesto, ainda que seja contestada: Aos

    olhos dos revolucionrios (tradicionais), eis a um exemplo tpico da colaborao de classe

    que favorece o inimigo (GUILHERM; BOURDET, 1976, p. 24). Segundo o autor, para estes

    crticos parece que as vitrias operrias necessariamente devem estar associadas ao

    conseqente prejuzo da classe patronal, comumente imposta pela fora.

    Para Silva (1991) a co-gesto ocorre quando h efetivamente na empresa a

    participao do empregado por meio de representao apropriada, que lhe permita influenciar

  • 39

    nas decises. Essa pretenso de tomar parte na conduo e dirigir a empresa juntamente com

    o empregador faz parte da prpria histria do trabalho humano:

    No se trata, portanto, de pretender retirar da organizao empresarial a estrutura hierrquica em que repousam seus fundamentos. Onde quer que se crie uma empresa, haver sempre alguns poucos que mandam e o resto, que obedece (SILVA, 1991, p. 44).

    Motta e Pereira (1991, p. 302) entendem a co-gesto como sendo uma

    semiliberalizao do trabalho, por meio da concesso, aos executantes, de certa dose de auto-

    organizao, onde se permite a escolha do meio de execuo para atingir os objetivos

    estabelecidos pela direo da empresa. A inteno de promover a integrao entre capital e

    trabalho reforada quando o fator distribuio de lucros est presente, encobrindo desta

    forma os efeitos da explorao do homem pelo homem.

    No contexto do controle operrio, a interveno, segundo Guilherm e Bourdet (1976),

    se d pelo conflito, via de regra antecedido por um movimento grevista, que conquista

    melhores condies de trabalho ou segundo ele, uma ligeira atenuao das formas de

    explorao (GUILHERM; BOURDET, 1976, p. 25), pela fora, tal qual ocorreu na fbrica

    da Fiat, na Itlia, quando os trabalhadores paralisaram a produo e exigiram a reformulao

    do ritmo do trabalho, obviamente menos rpidos. Sem sucesso, os prprios trabalhadores

    organizados impuseram seu controle. No foi, portanto, um benefcio ofertado ou negociado

    entre as partes, mas sim tomado da parte patronal e imposto pela vontade da maioria.

    O controle operrio representa um avano considervel rumo autogesto, se

    comparado a co-gesto (GUILHERM; BOURDET, 1976).

    Para Motta e Pereira (1991), o controle operrio estabelecido em acordo coletivo

    resultante de conflitos e greves, onde, as partes, capital e trabalho, impem regras para

    melhorias nas condies de trabalho e atenuar a explorao. Estas imposies no visam

    dirigir a fbrica, nem tampouco questionar o trabalho assalariado ou a funo do capitalista.

    Ao analisar a cooperativa enquanto modo de produo, Guilherm e Bourdet (1976)

    reportam-se a Marx (O Capital), resgatando a observao em relao a uma associao entre

    operrios e capitalistas da empresa Wirework Company, de Manchester, que resultou numa

    imediata reduo de desperdcio, motivada pelo sentimento de responsabilidade de todos em

    relao propriedade. Marx (apud GUILHERM; BOURDET, 1976, p. 26), deslumbrado com

    as experincias que se seguiam conclui: [...] as associaes podem deduzir e administrar com

    sucesso lojas, fbricas em todos os ramos da indstria e, ao mesmo tempo, melhorar

    extraordinariamente a condio dos trabalhadores. Ainda segundo Marx, no modelo

  • 40

    cooperativista de produo o papel de direo deixa de existir, uma vez que este passa a ser

    remunerado pelos trabalhadores, o que representaria a distino definitiva entre a direo e a

    propriedade do capital.

    Guilherm e Bourdet (1976) observam que a expectativa de Marx, no sentido de que o

    modelo cooperativista pudesse ser o remdio para todos os males do capitalismo, foi

    superestimada, e que o controle nas mos dos capitalistas tinha outras razes, que no apenas

    a explorao do homem pelo homem.

    A experincia socialista que se sucedeu durante meio sculo fez emergir, ou no

    mnimo refletir, sobre a necessidade de organizao: Se, dessa maneira, Marx no pde

    prever todas as perverses do sistema (nem antecipar a histria), foi, em troca, testemunha de

    uma empresa de recuperao das cooperativas [...] (GUILHERM; BOURDET, 1976, p. 27).

    Dada as dificuldades que se apresentavam no processo de gesto, o prprio partido

    operrio alemo passou a reivindicar a ajuda do Estado s cooperativas de produo, ao que

    Marx repudiou por entender que as cooperativas no tinham valor, se no fossem criaes

    autnomas dos trabalhadores e no estivessem protegidas pelos burgueses e pelo governo.

    Para ele, tal possibilidade poderia abrir espao ao capitalismo (GUILHERM; BOURDET,

    1976).

    Em Genebra, no ano de 1866, a prpria Associao Internacional de Trabalhadores

    questiona a cooperativa e sua capacidade de transformar a sociedade:

    O sistema cooperativo, restrito s formas minsculas brotadas dos esforos individuais dos escravos assalariados, impotente para transformar por si mesma a sociedade capitalista. Para converter a produo social em largo e harmonioso sistema de trabalho cooperativo, mudanas gerais se fazem indispensveis (GUILHERM; BOURDET, 1976, p. 29).

    Para Motta e Pereira (1991), a cooperativa, diferentemente dos demais formatos,

    uma sociedade composta por voluntrios, com a finalidade de prestar servios aos seus

    associados sem visar lucros. Apesar disso, seu carter autnomo foi desvirtuado ao receber

    subvenes governamentais que reproduziram em sua organizao, os efeitos do capitalismo.

    Observam-se tambm, na histria mais recente das cooperativas, distores em sua

    aplicao por conta da composio dos seus impostos, que motivam os sonegadores a adot-

    las em diversas etapas do processo produtivo, com a finalidade exclusiva de reduzir os

    encargos sociais sobre a folha de pagamento.

    Segundo Singer (2002, p. 98), dentre os casos bem sucedidos de cooperativismo

    encontra-se o complexo de Mondragn, na Espanha, que se tornou paradigma para estudiosos

    e cooperados de todo o m