o processo de lagos - ordemdosmedicos.pt

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Revista ORDEM DOS MÉDICOS . Maio 2004 3 J. Germano de Sousa E D I T O R I A L rês meses depois, o veredicto: culpa para o Director Clínico e para a anestesista do Hospital de Lagos. A notícia acabou por não surpreender ninguém. Os visados, postos sob suspeita logo no primeiro dia por responsáveis do Ministério da Saúde, viram os serviços da Tutela «confirmar» o diagnóstico. O caso do Hospital de Lagos – que se junta a muitos outros – é emblemático do estado em que está a Justiça em Portugal. E num período em que todos – começando pelo mais alto magistrado da Nação – pedem uma profunda reflexão sobre a Justiça e sobre os direitos dos cidadãos, parece-me oportuna uma reflexão. Morreram duas pessoas e há que apurar responsabilidades. As vítimas, as suas famílias e a garantia de eficácia e de confiança no sistema de saúde tornam elementar a necessidade de uma investigação séria para se apurar responsabilidades. Mas, se em todos os processos, a presunção é de inocência, porque motivo devem ser os médicos sempre acusados ou colocados sob suspeita? Que alguma comunicação social sensacionalista o faça entende-se. Que a dor inerente à perda de um ente querido leve, por vezes, a afirmações menos correctas pode também compreender-se. Mas que serviços com responsabilidade deixem sair tantas informações para a opinião pública não se compreende. A menos que alguém queira culpar na praça pública, antes de ouvir e julgar nos locais próprios. Uma vez mais, jornais e televisões continuam a ter acesso a relatórios e informações sobre inquéritos antes dos próprios visados ou da Ordem dos Médicos. Depois de tudo o que se passou, alguém acredita que os dois médicos em causa, se forem ilibados pelos Tribunais, poderão ser ressarcidos pelos danos que já lhes causaram? É óbvio que não. Por isso quero que os colegas entendam o apoio que a Ordem dos Médicos dispensou, e vai continuar a dispensar, a estes colegas. Ao contrário de outros, não condenamos antecipadamente, mas também não ilibamos. Queremos a verdade e vamos dar, sempre que necessário, a defesa a quem é acusado. Esse é um direito de todo o cidadão. É essa a nossa forma de ver a Justiça. Justiça significa encontrar a verdade, doa a quem doer. Justiça significa a presunção de inocência. Justiça não é encontrar «culpados» para tapar falhas e esconder insuficiências. Defender quem é acusado não é corporativismo. Corporativismo é defender, proteger e encobrir os culpados. E isso não se faz na Ordem dos Médicos. O processo de Lagos T

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Revista ORDEM DOS MÉDICOS . Maio 2004 3

J. Germano de SousaE D I T O R I A L

rês meses depois, o veredicto: culpa para o Director Clínico epara a anestesista do Hospital de Lagos. A notícia acabou pornão surpreender ninguém. Os visados, postos sob suspeita logo

no primeiro dia por responsáveis do Ministério da Saúde, viram osserviços da Tutela «confirmar» o diagnóstico.O caso do Hospital de Lagos – que se junta a muitos outros – éemblemático do estado em que está a Justiça em Portugal. E num períodoem que todos – começando pelo mais alto magistrado da Nação –pedem uma profunda reflexão sobre a Justiça e sobre os direitos doscidadãos, parece-me oportuna uma reflexão.Morreram duas pessoas e há que apurar responsabilidades. As vítimas,as suas famílias e a garantia de eficácia e de confiança no sistema desaúde tornam elementar a necessidade de uma investigação séria parase apurar responsabilidades.Mas, se em todos os processos, a presunção é de inocência, porquemotivo devem ser os médicos sempre acusados ou colocados sobsuspeita? Que alguma comunicação social sensacionalista o façaentende-se. Que a dor inerente à perda de um ente querido leve, porvezes, a afirmações menos correctas pode também compreender-se.Mas que serviços com responsabilidade deixem sair tantas informaçõespara a opinião pública não se compreende. A menos que alguém queiraculpar na praça pública, antes de ouvir e julgar nos locais próprios.Uma vez mais, jornais e televisões continuam a ter acesso a relatóriose informações sobre inquéritos antes dos próprios visados ou da Ordemdos Médicos.Depois de tudo o que se passou, alguém acredita que os dois médicosem causa, se forem ilibados pelos Tribunais, poderão ser ressarcidospelos danos que já lhes causaram? É óbvio que não.Por isso quero que os colegas entendam o apoio que a Ordem dosMédicos dispensou, e vai continuar a dispensar, a estes colegas. Aocontrário de outros, não condenamos antecipadamente, mas tambémnão ilibamos. Queremos a verdade e vamos dar, sempre que necessário,a defesa a quem é acusado. Esse é um direito de todo o cidadão.É essa a nossa forma de ver a Justiça. Justiça significa encontrar a verdade,doa a quem doer. Justiça significa a presunção de inocência. Justiça nãoé encontrar «culpados» para tapar falhas e esconder insuficiências.Defender quem é acusado não é corporativismo. Corporativismo édefender, proteger e encobrir os culpados. E isso não se faz na Ordemdos Médicos.

O processo de Lagos

T

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4 Revista ORDEM DOS MÉDICOS . Maio 2004

Ficha Técnica

Ano 20 - N.º 46 - Maio 2004

PROPRIEDADE:

Centro Editor Livreiro da Ordemdos Médicos, Sociedade Unipessoal, Lda.

SEDE: Av. Almirante Gago Coutinho, 1511749-084 Lisboa • Tel.: 218 427 100

Redacção, Produçãoe Serviços de Publicidade:

Av. Almirante Reis, 242 - 2.º Esq.º1000-057 LISBOATel. 218 437 750Fax. 218 437 751

Director:J. Germano de Sousa

Directores-Adjuntos:Miguel Leão

António Reis MarquesPedro Nunes

Redactores Principais:Miguel Guimarães,

Rui Nogueira, J. Gil de Morais

Directora Executiva: Paula Fortunato

Dep. Editorial:Paula Fortunato

Miguel Reis

Dep. Comercial:Helena Pereira

Dep. Financeiro:Maria João Pacheco

Dep. Gráfico:CELOM

Capa de: Carlos Rodrigues

Impressão: SOGAPAL, Sociedade Gráfica da Paiã, SAAv.ª dos Cavaleiros 35-35A – Carnaxide

Inscrição no ICS: 108374Depósito Legal: 7421/85Preço Avulso: 1,6 EurosPeriodicidade: Mensal

Tiragem: 32.000 exemplares(11 números anuais)

Ficha TécnicaS U M Á R I O

Ordem dosMédicos

REV

ISTA

37 Factos da vida privadanão constituem ilícitodisciplinar

38 OPINIÃOOPINIÃOOPINIÃOOPINIÃOOPINIÃO

Que modelo para oshospitais: SA ou SPA?,por Manuel J. Antunes

40 Inquietações, por JoséFernandes e Fernandes

48 CONTCONTCONTCONTCONTOSOSOSOSOS

A merenda pequena, porRaul de Amaral-Marques

50 NONONONONOTÍCIASTÍCIASTÍCIASTÍCIASTÍCIAS

51 LEGISLAÇÃOLEGISLAÇÃOLEGISLAÇÃOLEGISLAÇÃOLEGISLAÇÃO

Resumos da legislaçãopublicada nas 1.ª e 2.ªséries do Diário daRepública em Abril de2004.

53 CULCULCULCULCULTURATURATURATURATURA

Informação relativa aexposições de pintura eescultura a decorrer emvários locais e novoslançamentos de livros.

3 EDITEDITEDITEDITEDITORIALORIALORIALORIALORIAL

6 INFORMAÇÃOINFORMAÇÃOINFORMAÇÃOINFORMAÇÃOINFORMAÇÃO

Inclui comunicados doConselho NacionalExecutivo e do ConselhoRegional do Sul daOrdem dos Médicos.

12 ACTUACTUACTUACTUACTUALIDALIDALIDALIDALIDADEADEADEADEADE

OM passou a sermembro efectivo daIAMRA

14 Trauma: como melhorara capacidade deresposta?

22 Qual o grau desatisfação dos médicosdos Centros de Saúde?

28 O apelo da eutanásia

33 Acabar com a violência

34 DISCIPLINADISCIPLINADISCIPLINADISCIPLINADISCIPLINA

Apresentação deprocesso disciplinarrelativo aorelacionamento entremédicos e a necessidadede evitar situações queprejudicam o bem-estardestes profissionais, eque ocupam osConselhos Disciplinares«com processos muitopouco proveitosos paraa comunidade».

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6 Revista ORDEM DOS MÉDICOS . Maio 2004

I N F O R M A Ç Ã O

ORDEM DOS MÉDICOSCONSELHO NACIONAL EXECUTIVO

COMUNICADOO Conselho Nacional Executivo da Ordem dos Médicos reunido em Lisboa no dia 18 de Maio de 2004, vempublicamente denunciar algumas iniciativas do Governo, que a serem consumadas, configuram verdadeirosatentados à racionalidade que deve presidir aos actos dos máximos responsáveis da gestão pública, bemcomo aos direitos dos cidadãos à protecção da saúde sem discriminação, assim:

O Conselho Nacional Executivo lamenta as intenções do Governo em persistir na ideia de estender o ensinoda Medicina a instituições sem as mínimas condições para uma formação de qualidade.Estão neste caso os pólos de ensino da Medicina dos Açores e da Madeira, bem como alguns projectos deinstalação de novas Faculdades de Medicina. É conhecida a necessidade de aumentar a formação de médicos.Será suficiente o número de faculdades existentes, bastando o aumento do número de vagas em cada umadestas instituições, para se atingir tal desiderato. Nada justifica também que médicos dentistas passem aocupar vagas nas Faculdades de Medicina, por não ser um critério justo, nem a preparação destes profissio-nais poder ser equiparada à formação dos médicos.

A Ordem dos Médicos repudia o projecto de Decreto Lei que pretende atribuir a podologistas, funções ecapacidades próprias dos médicos, para as quais aqueles profissionais não possuem qualquer competência. OConselho Nacional Executivo espera apenas, que o Ministro da Saúde retire este projecto da sua agendapolítica, honrando o compromisso verbal assumido com o Senhor Bastonário da Ordem dos Médicos.

A Ordem dos Médicos tem a vindo a registar notícias preocupantes que dão conta de práticas assistênciasdiscriminatórias, de acordo com a entidade pagadora, em doentes que necessitam de cuidados nos hospitaisSA.Não se aceitam também decisões unilaterais de C.A. de hospitais que limitem o acesso de cidadãos aoscuidados de saúde, baseado em critérios meramente geográficos, deixando os doentes sem qualquer respos-ta às suas necessidades.Há notória tentativa nestes hospitais de privilegiar tudo o que leve a uma diminuição de gastos, pondo muitasvezes em causa uma correcta e qualificada prestação de cuidadas de saúde.

A Ordem dos Médicos continuará atenta a todos os problemas que dizem respeito à saúde dos portuguesese tudo fará para garantir o acesso sem discriminação e a melhor qualidade da prática médica.

Pel’O Conselho Nacional Executivo da Ordem dos Médicos

Conselho Nacional Executivo da Ordem dos Médicos

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8 Revista ORDEM DOS MÉDICOS . Maio 2004

I N F O R M A Ç Ã O

Ordem dos MédicosSecção Regional do Sul

COMUNICADO

Alertado pelo Semanário Expresso, o Conselho Regional do Sul da Ordem dos Médicos teve acesso aodocumento com origem numa suposta Unidade de Missão para os Hospitais SPA em que se preconizamalgumas medidas tendentes à redução de custos nos serviços de Urgência.

Entre elas a utilização preferencial de médicos em horário de trabalho de 35 horas sem dedicaçãoexclusiva para, aproveitando a continuada violação da Lei, pagar um menor preço por hora de trabalho.Tal medida que dá nota da ética e método dos seus autores é, no entanto do âmbito sindical, pelo quea Ordem, apesar de solicitada pelos Colegas não emite parecer.

É também do âmbito sindical a «ideia» veiculada pelo documento de usar internos em trabalho voluntário,seguramente nova semântica para designar escravatura (trabalho não remunerado) dos médicos emperíodo de formação.

O que é do âmbito da Ordem e suscita este comunicado é a natural desarticulação dos já precários esobrecarregados serviços de urgência que deve funcionar com equipas estáveis e motivadas, comconsequências irremediáveis na saúde de inúmeros portugueses. A agitação que seguramente não deixaráde existir consequência da tomada de medidas inflectidas e reveladoras do maior desprezo pelosprofissionais é um risco desnecessário que preocupa o Conselho Regional do Sul da Ordem dos Médicos.

Assim, de forma pública, solicita-se ao Senhor Ministro que ponha cobro, demarcando-se, de tão irracionalacção.

Lisboa, 07 de Maio de 2004

Pel’O Conselho Regional do SulO Presidente

Dr. Pedro M. H. Nunes

Conselho Regional do Sul da Ordem dos Médicos

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10 Revista ORDEM DOS MÉDICOS . Maio 2004

I N F O R M A Ç Ã OConselho Regional do Sul da Ordem dos Médicos

Oriana Ensemble interpreta obrasescritas especificamente para vozesfemininas ou adaptadas para esta for-mação. O seu repertório abrange vá-rios séculos de música, desde a ida-de média até aos nossos dias, e exe-cuta obras quer a capella quer comacompanhamento de órgão ou or-questra. No espectáculo que tevelugar na SRS da OM, Rui Pinheirodirigiu as sopranos Carla Aires, Isa-bel Mendes, Mónica Santos, AndreaLupi, Catarina Vaz e Maria PedroSilveira (médic a) e as contraltosCatarina Cavaco, Michelle Rolin ePatrícia Mendes na interpretação deobras como Hymn to the Virgin, deGiuseppe Verdi, e Regina Caeli deJohannes Brahms.

O projecto AtéJazz possui um repor-tório de Jazz de raízes eruditas comalgumas incursões pela Bossa Nova.A composição deste grupo inclui mé-dicos mas também membros com for-mações perfeitamente díspares mascom um gosto comum: a música. InêsSoares (médica, solista na Tuna Mé-

Ao ritmo das Noites de Primavera

dica de Lisboa e vocalista dos Atéjazz),César Filipe Cordeiro (frequentou oConservatório de Toronto onde con-cluiu o 8.º grau de violino), João Mon-teiro (licenciado em matemáticas apli-cadas, frequenta o 7.º grau de guitar-ra clássica na Escola de Música Nos-sa Senhora do Cabo), Nelson Mila-gre (médico, toca contrabaixo na TunaMédica de Lisboa), Tomás Baêna (li-cenciado em psicologia clínica, estu-dou em várias escolas de música etem aulas particulares de bateria des-de os 16 anos) e Diogo Leonardo(médico, frequentou a Escola de Mú-sica Nossa Senhora do Cabo, ondeconcluiu o 4º grau de guitarra clássi-ca) interpretaram durante o espec-táculo na SRS temas de Tom Jobim,Herbie Hancock, Elis Regina, DaveBrubeck, Dizzie Gillespie e Celso Ma-chado, entre outros.

Para quem perdeu estes dois magní-ficos momentos, há ainda, dia 19 deJunho, pelas 22 horas, a possibilida-de de assistir ao espectáculo dosSweet Lovers.

Começaram as Noites de Primavera na SecçãoRegional do Sul da Ordem dos Médicos e com elas amúsica e o ritmo voltam a encher o auditório. OrianaEnsemble e AtéJazz preencheram as primeiras noites,dia 15 e 21 de Maio, respectivamente.

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12 Revista ORDEM DOS MÉDICOS . Maio 2004

A C T U A L I D A D E

OM passou a ser membro efectivo da IAMRA

A Ordem dos Médicos (OM) viu reconhecido internacio-nalmente o seu papel enquanto entidade que regula emPortugal a prática médica e que garante a qualidade doexercício dos profissionais médicos, tendo sido aceite comomembro efectivo pela InternationalAssociation of Medical Regulatory Au-thorities (IAMRA). A primeira participa-ção oficial da Ordem dos Médicos nestaorganização ocorreu no âmbito da 6.ªConferência Internacional de RegulaçãoMédica (6th International Conference onMedical Regulation), que teve lugar entreos dias 21 e 24 de Abril em Dublin, naIrlanda. A 6ª Conferência Internacionalde Regulação Médica contou com a presença de delegadosem representação de mais de 100 países, os quais foramrecebidos numa recepção formal dada pela Presidente daRepública da Irlanda, Mary McAleese, no Palácio presiden-

A Ordem dos Médicos foi reconhecida a nível mundialcomo a entidade reguladora para a área do exercício téc-nico e da qualidade da medicina em Portugal, ao ser acei-te como membro efectivo da International Association ofMedical Regulatory Authorities. Numa primeira participa-ção, no âmbito da 6ª Conferência Internacional de Regu-lação Médica, muitas foram os temas debatidos com gran-de relevância para a prática médica.

cial, que contou com a presença da Procuradora dos Do-entes irlandesa e o embaixador australiano na Irlanda. En-tre os participantes desta conferência encontrava-se tam-bém o Presidente da Ordem dos Médicos de Cabo Verde, aconvite da Ordem dos Médicos portuguesa. «A Ordem dosMédicos considerou fundamental que os países africanosde expressão portuguesa que já têm Ordens constituídastambém estivessem representados a nível internacional. Porisso, convidámos o dr. Luís Leite, o Presidente da Ordemdos Médicos de Cabo Verde, a estar presente, tendo estepaís sido também integrado na IAMRA como membro efec-tivo», explicou-nos Isabel Caixeiro, membro do ConselhoRegional do Sul da O.M. e representante portuguesa nesta

reunião da IAMRA. Sobre a importânciada entrada de Portugal para a IAMRA,Isabel Caixeiro salienta: «a Ordem dosMédicos já tinha uma representação anível europeu muito significativa, mas ofacto de sermos agora membros efecti-vos, com direito a voto, da IAMRA, umaassociação mundial, implica a represen-tação de Portugal a um nível inter-nacional mais abrangente. Por outro lado,

esta adesão traz também um reconhecimento, que ultra-passa as fronteiras da Europa, da Ordem dos Médicos comoa entidade reguladora nacional para a área do exercíciotécnico e da qualidade da medicina» - vidé caixa. Um facto

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A C T U A L I D A D E

de grande relevância especialmente se tivermos em contaque a Ordem dos Médicos portuguesa reúne competênci-as na representação e defesa dos médicos e da medicinaque noutros países estão dispersas por várias entidades.Os principais temas debatidos na 6.ª Conferência Internacio-nal de Regulação Médica foram a mobilidade dos médicos (exis-tindo neste momento no âmbito do IAMRA um grupo detrabalho sobre o desenvolvimento de um ‘passaporte médicointernacional’ com vista a facilitar a migração de médicos e aincentivar a cooperação internacional) e a troca internacionalde informação (nomeadamente no âmbito disciplinar, área emque se está a estudar a constituição de uma rede internacionalque permita saber se um determinado médico já teve proble-mas de actuação ou incorrecções de prática no seu país deorigem ou se está a cumprir algum tipo de pena disciplinar,como seja a proibição de exercer a profissão), trabalho deequipa e papéis interdisciplinares, formação e avaliação de de-sempenho, acreditação e garantias de competência, questõeséticas e as novas abordagens terapêuticas.A IAMRA nasceu formalmente em Setembro de 2000 (sendoque as reuniões deste grupo já ocorriam desde 1994, dedois em dois anos) e os países fundadores foram os EUA, oCanadá, a Austrália, a Nova Zelândia, o Reino Unido, a Ir-landa e a África do Sul. Os objectivos desta organizaçãosão apoiar a nível mundial as entidades reguladoras da prá-tica médica na protecção do interesse público através dapromoção de elevados standards de formação pré e pós--graduada para os médicos, defesa da excelência da práticamédica e da conduta ética dos profissionais, e da fomentaçãoda troca de informação e conhecimentos entre essas mes-mas entidades. A IAMRA visa igualmente promover e apoi-ar a investigação e a análise e desenvolvimento de novasabordagens ao registo de médicos.

Além de estar agora representada a nível mundial naIAMRA, a Ordem dos Médicos detém neste momentovice-presidências nos quatro organismos internacionaisde maior relevância no âmbito europeu: Pedro Nunes,coordenador do Departamento de Relações Internaci-onais da Ordem dos Médicos e presidente do Conse-lho Regional do Sul (CRS) da OM, é vice-presidente doComité Permanente dos Médicos Europeus (CPME),Ciro Costa, vogal do Conselho Regional do Centro daOM, detém a vice-presidência da União Europeia dosMédicos Especialistas, Isabel Caixeiro, do CRS, foi elei-ta para a vice-presidência da União Europeia dos Médi-cos de Clínica Geral (UEMO) - e para a vice-presidên-cia do sub-comité de medicina preventiva e ambientedo CPME, e, mais recentemente, a delegação portugue-sa, através de João de Deus, secretário do CRS, foi tam-bém eleito para a vice-presidência da Associação Euro-peia dos Médicos Hospitalares (AEMH).

Representação internacional da OM

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A sessão oficial de abertura do encon-tro «Trauma um flagelo do séculoXXI» contou com a presença de Ger-mano de Sousa, Bastonário da O.M.,Luís Filipe Pereira, Ministro da Saúde,Pedro Nunes, Presidente da S.R.S. daO.M., Luís Manuel Cunha Ribeiro, Pre-sidente do INEM, Jorge Santos Bessa,Presidente da Sociedade Portuguesa deCirurgia e H. Bicha Castelo, Presiden-te do Conselho Científico da Faculda-de de Medicina de Lisboa.Germano de Sousa salientou na aber-tura deste encontro a importância quetem para os médicos poder colaborarcom o país na resolução de um proble-ma tão grave como é o trauma. Lem-brando que os acidentes são uma dasprincipais causas de morte no nossopaís e a ameaça terrorista que pairasobre o Mundo, o Bastonário referiu

Trauma:como melhorar a capacidade de resposta?A Secção Regional do Sul da Ordem dos Médicos organizou nos dias 6 e 7 de Maio o encontro «Trauma umflagelo do século XXI». Médicos, profissionais de saúde não médicos e sociedade civil, nomeadamente acomunicação social, debateram durante estes dois dias a necessidade de criar um sistema integrado de traumaque responda de forma sistemática e optimizada a este flagelo. O momento da triagem, da referenciação, dotransporte, acompanhamento e tratamento dos doentes traumatizados, bem como o momento da reabilitação,foram analisados ao pormenor, tendo-se concluído pela existência de muitas lacunas nos mais diversos níveis.

que é essencial ter capacidade de res-posta para atender a estas situações.«Estamos especialmente preocupadoscom a forma de organização de todo osistema de trauma, por isso em boahora a Secção Regional do Sul resolveulevar a cabo esta reflexão conjunta comas pessoas que mais se defrontam como problema do trauma».Luís Filipe Pereira, Ministro da Saúde,referiu igualmente a oportunidade daescolha deste tema, especialmente setivermos em conta que, como referiu,os acidentes são a principal causa demorte até aos 14 anos e que as suasconsequências são muito graves querpara a vítima quer para a sociedade.Com especial relevo para a preven-ção, o Ministro da Saúde falou do quese tem feito a nível institucional masreconheceu que é necessário «privi-

legiar o adequado apetrechamentohospitalar e de recursos humanos,definir uma rede de referenciação paraacidentados que inclua mecanismos detriagem contemplando traumatismos,ferimentos e lesões». «Ao Estado com-pete um conjunto de acções que temque desenvolver, mas também é im-portante relembrar que a prevençãoé algo que cabe a todos nós», concluiureferindo-se à necessidade dos médi-cos também estarem envolvidos nes-sa ‘fase do tratamento’.

O papel dos médicos notrauma

Um sistema integrado de trauma é umsistema de saúde organizado e coor-denado numa determinada área geo-gráfica onde todos os doentes comtrauma recebem um tratamentooptimizado e padronizado, com ges-tos simples, desde o local onde sofre-ram o acidente até onde recebem otratamento. Sendo sistemas que ine-quivocamente baixam os custos emelhoram o atendimento clínico parao trauma, é, contudo, impensável do-tar todos os serviços de urgência deum sistema destes. Como explicouSalvador Massada, do Hospital S. Joãodo Porto, que fez a introdução domódulo moderado por Pedro MonizPereira, «Qual deve ser o papel dosmédicos no tratamento do trauma nosdias de hoje?», uma tal disseminaçãodos centros de trauma seria contra-

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producente «pois temos muitos ser-viços de urgência a funcionar e issoiria diminuir a experiência e a especi-alização. Cada vez os acidentes sãomais graves e, portanto, o tratamentomais complexo. É importante especi-alizar para melhorar o tratamento».O essencial será criar uma rede deurgência, escolhendo alguns centrospara os preparar no sentido de teruma uniformidade de tratamento, comrecursos técnicos e recursos huma-nos adequados. Um processo de tria-gem adequado e rapidez de encami-nhamento, com um fluxo de doentespor gravidade, são também factoresessenciais no tratamento dos politrau-matizados. Para tal, como se pode in-ferir das palavras de Salvador Massada,é preciso ter protocolos muito bemdefinidos, nomeadamente no que dizrespeito a responsabilidade e limitesde actuação, envolvendo centros desaúde, bombeiros, INEM e centros detrauma em estreita colaboração. Já nafase de reabilitação, se houver umaresposta tardia, o esforço que foi fei-to acaba por se perder. Para que o sis-tema integrado funcione tem que afec-tar novos recursos financeiros e temque haver organização administrativa,eventualmente através de uma comis-são técnica central «que defina clara-mente quais são os objectivos quequeremos atingir e que funcione apoi-ada por algumas comissões técnicasregionais».A formação foi outro factor realçadopor este interlocutor: «temos que darformação a quem vai trabalhar nessaárea, desde médicos, bombeiros, téc-nicos do INEM, e também a membrosda sociedade civil, em áreas de risco,como sejam as siderurgias e os aero-portos, para estas pessoas terem co-nhecimentos mínimos de procedimen-to com o traumatizado.Paulo Telles de Freitas, da SociedadePortuguesa de Trauma, falou sobre oscritérios mínimos de avaliação de poli-traumatizados. Por referência ao resu-mo de um trabalho apresentado naAssembleia da República em Fevereirodeste ano, este interlocutor apresen-tou algumas estatísticas internacionais

que suportam a ideia de que um siste-ma integrado de trauma seria um factode poupança do erário público: é quepor cada morte por acidente devemser contabilizadas duas ou três pesso-as com incapacidade permanente. Em1999 os custos hospitalares avaliadospelo Departamento de Estudos e Pla-neamento da Saúde ascendiam a quase10 milhões de contos. Das mortes queocorrem, algumas são evitáveis e têmessencialmente uma de duas causas: nãoidentificação do problema e não inter-venção cirúrgica atempada. O papeldeterminante da prevenção foi realça-do através do exemplo britânico: a redeinglesa de registo uniforme de traumafez um estudo em 2002 e conclui quenão é possível melhorar a taxa de mor-talidade por trauma em Inglaterra nosúltimos cinco anos. Isto significa quetodo o sistema de trauma está a funci-onar a favor do doente e que é precisovoltar à prevenção e evitar o acidente.Já não é possível melhorar mais o tra-tamento e encaminhamento dos doen-tes. Existem de facto poucos estudosmas sabemos, através de um estudodatado de 1996 do Hospital de SantaMaria, que se trata de um problemaessencialmente do sexo masculino, quetemos uma idade média de trauma iguala qualquer outro país da Europa, que aprincipal causa de acidente são os aci-dentes de viação e que a maioria dosacidentes acontece em circuito urba-no. 45% dos doentes morre nas pri-meiras 6 horas, sendo que a passagemdo tempo funciona contra a vítima, e

40% dos doentes que falecia no hospi-tal provinha de outros hospitais (pri-meiras e segundas transferências). Da-qui se conclui que uma parte significa-tiva dos doentes não deveria termorrido. De realçar, pela negativa, quea mortalidade, para índices de gravida-de iguais, isto é, para uma mesma lesão,observada em Santa Maria era o do-bro da observada num hospital inglês.Em Portugal a probabilidade de mor-rer é, portanto, o dobro.Outro problema é a não existência deauditorias sistemáticas e o facto de nãoestarem elaborados critérios de trans-ferência hospitalar («trabalho que temque ser feito pelas autoridades da saú-de»). Mais uma vez foi realçado que«além da organização hospitalar, temque se fazer um esforço de preven-ção pois, caso contrário, vamos conti-nuar a ter uma mortalidade elevada».«Nós médicos não temos muita en-volvência na prevenção mas é um eixofundamental. A maioria das causas deacidente são factores humanos é aquique temos que actuar.No final da sua intervenção, este ora-dor deixou algumas propostas, nomea-damente: efectuar uma campanha amédio e longo prazo de prevenção eum plano integrado de segurança eassistência ao acidentado, efectuar umafolha de registo única, criar centros dereferenciação e, a nível distrital, fazeruma integração das infraestruturas quejá existem (para isso é necessárioinventariar as infraestruturas hospita-lares existentes, efectuar estudos de

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fluxos de referenciação), melhorar atriagem mas também o encaminha-mento para o local certo onde a equi-pa já deve estar à espera (o tempo detransporte é extremamente importan-te), monitorizar o sistema (o que é fácildesde que exista um registo nacionalúnico e pormenorizado), efectuar au-ditorias sistemáticas para a qualidadee melhorar a fase da reabilitação ondetemos grandes lacunas.Francisco Oliveira Martins, do progra-ma ATLS, Hospital dos Capuchos, fa-lou sobre standards e recomendaçõesno tratamento dos doentes politrau-matizados e do papel . dos médicos,no qual realçou que não se deve limi-tar à avaliação e tratamento dos do-entes. Segundo este interveniente, osmédicos também têm uma palavra adizer na prevenção da doença trau-mática, na parte organizativa dos sis-temas integrados de assistência aodoente traumático, no incentivo dofuncionamento multidisciplinar e no in-cremento da comunicação. Se ao ana-lisar a situação actual verifica que há«cuidados de excelência e cuidadosmenos bons», Francisco OliveiraMartins conclui pela necessidade decriar protocolos para uniformizaçãodos cuidados e pela importância deavaliar a qualidade, e de eventualmen-te fazer correcções em relação à defi-nição dos standards adequados «aonosso universo». A credenciação, a for-mação e os standards mínimos e ade-quados em relação aos médicos quetrabalham nos centros de trauma sãoduas áreas em que estes profissionaistêm, através da Ordem dos Médicos,e dos colégios da especialidade e dassociedades cientificas, um papel a de-sempenhar nestas áreas.José Manuel Novo de Matos, doHospital de São José, partiu da ex-periência da sala de emergência dohospital onde presta serviço, apre-sentando alguns dados estatísticos,para depois deixar propostas dereflexão sobre quantos centros detrauma devem ser criados e ondese devem localizar. O orador con-sidera que, «pela dimensão e vo-lume de acidentes, pelos recursos

humanos existentes e pelo número dehospitais diferenciados que temos», de-veriam ser criados ‘três mais um’ cen-tros de trauma que se localizariam emPorto, Coimbra e Lisboa, sendo o maisum uma unidade no Algarve (não tan-to por razões técnico-científicas, masmais por causa do crescimento e dascaracterísticas específicas da popula-ção algarvia). Os hospitais a escolherpara esses centros devem ser, natural-mente, os que têm os recursos huma-nos adequados, meios técnicos sufici-entes e necessários para a abordagemdos politraumatizados e os que já te-nham uma experiência formada naabordagem destas situações, além deque devem ter uma localização geo-gráfica estratégica pois a questão dofácil acesso (e correspondente rapi-dez de transporte) é fundamental. NosEUA, por exemplo, há centros de trau-ma junto das auto-estradas com maiorsinistralidade. Em Portugal esta ques-tão tem que ser muito bem equacio-nada pois para ter um centro juntodo IP 5 seria necessário aí concentrarmuitos outros recursos. «Dentro deLisboa, eu diria que, com todas estascondições, há o Hospital de Santa Ma-ria ou o Hospital São Francisco Xa-vier». Mas mais do que centros de trau-ma, este orador defende a criação detrês regiões de trauma com centrosde triagem e encaminhamento dosdoentes. Se para José Novo de Matosa criação de uma especialidade em ci-rurgia do trauma não é um factor aponderar, o mesmo já não se pode di-zer da criação de uma competência emtrauma, transversal às várias especiali-dades, que permita uma formação maisespecífica em trauma. Muito importan-te é ter recursos humanos específicos

para esta área, motivados e com forteespírito de grupo, equipas coesas,auditar e avaliar os progressos e o de-sempenho, promover a qualidade dasinstituições, e ter em linha de conta asassimetrias do país, concluiu.

Trauma, formaçãoe educação

Moderado por Patrícia Rosado Pinto,da Faculdade de Ciências Médicas deLisboa, o módulo sobre formação prée pós-graduada em trauma contou coma participação de Paulo Costa da Fa-culdade de Medicina de Lisboa (que fa-lou sobre o ensino e a aprendizagemde gestos profissionais), Jorge SantosBessa da Faculdade de Ciências Médi-cas de Lisboa (que falou sobre a intro-dução de programas de formação nocurrículo pré-graduado) e Carlos Mes-quita da Faculdade de Medicina deCoimbra (que falou sobre o programaTEAM – planificação, desenvolvimentoe resultados). Patrícia Rosado Pinto nasua intervenção final referiu o progra-ma ATLS e os princípios pedagógicosque lhe estão subjacentes.Se em termos teóricos os estudantesse consideram preparados para exe-cutar determinados gestos, quando sefala da prática as certezas já não sãoas mesmas. E quais são as vantagensde um ‘laboratório de gestos’? A repe-tição de um determinado gesto e oganhar de automatismo ao praticá-loleva à perícia e à competência. É ne-cessário saber a teoria com detalhe eganhar capacidade de execução autó-noma. A aprendizagem de desempe-nhos faz-se, assim, em três fases: deconhecimento teórico, de aquisição depadrões correctos de execução de

comportamento e fase automáti-ca. O laboratório ao permitir queem tempo real o aluno execute ogesto em vez de apenas ver exe-cutar, permite avaliar a sua des-treza psíquica e manual e quebrainibições, o que é fundamental naaprendizagem dos gestos. O simu-lador é o modelo ideal no trauma.É importante treinar os docentespara um modelo de ensino práti-

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co, informal, intensivo, centrado no in-divíduo e interactivo.Mas como é que se poderá incluir istonum currículo da pré-graduação? Aresposta surge-nos ao analisarmos oTEAM – Trauma Evaluation AndManagement for medical students, umcurso do American College ofSurgeons (representado em Portugalpela Sociedade Portuguesa de Cirur-gia) saído do ATLS – Advanced Traumalife Support. Trata-se de um curso te-órico-prático de actualização periódi-ca que inclui conceitos de tratamentoimediato do doente politraumatizado,isto é, a avaliação rápida e adequadada situação do doente, reanimação,estabilização e monitorização do do-ente em função das respectivas prio-ridades, a preparação do doente paraa transferência hospitalar quando assuas necessidades excedem as com-petências existentes naquele hospital,etc. Após a frequência do curso TEAMo aluno do 5º ano de medicina estaráapto a identificar a sequência correc-ta das prioridades utilizadas na avalia-ção do politraumatizado, a descreveras orientações e técnicas utilizadas nareanimação inicial, bem como nas fa-ses de tratamento definitivo e a iden-tificar o contributo prestado pela his-tória e pelo mecanismo lesional naidentificação das lesões e finalmentedemonstrar e exercitar na prática al-gumas competências necessárias aoexercício da reanimação do doente.Praticar repetir sob orientação até àaquisição da destreza de execução au-tónoma em situações reais é o objec-tivo deste curso, o que inclui o treinomental com visualização dos procedi-mentos e dos gestos correctos.O ATLS (suporte avançado de vida emtrauma)é um programa da SociedadePortuguesa de Cirurgia que se traduznum curso intensivo de três dias para16 médicos. Existe em Lisboa, Coimbra,Viseu, Aveiro, Porto, Braga e Évora.Também existem cursos semelhantesao ATLS mas especificamente para ci-rurgiões para abordagem no contex-to do trauma. O TEAM é uma versãoreduzida do ATLS para estudantes emque as estações práticas são exclusi-

vamente treino de técnicas. O interes-se do ATLS e do TEAM, segundo seconclui das apresentações que tiveramlugar neste Encontro, prende-se coma sistematização, algo fundamental parauma optimização do desempenho,muito mais do que com qualquer gran-de inovação. O ATLS está em Portugalhá cerca de cinco anos e neste mo-mento mais de 800 profissionais fize-ram esse curso. As fases por que pas-sa quem faz estes cursos são: ver fa-zer, fazer com apoio, e alcançar auto-nomia no que se faz.

Trauma e sociedade

Cláudia Borges, jornalista da SIC emoderadora do módulo referente aopapel da sociedade no problema dotrauma, fez uma apresentação basea-da na experiência de um país que temum sistema integrado de trauma: Isra-el. Curiosamente, como referiu, emIsrael a principal causa de mortalida-de são os acidentes de viação. Em facede uma situação catastrófica, com ta-xas de mortalidade muito elevadas, Is-rael repensou o seu sistema tradicio-nal com vista a poupar minutos quesão preciosos para a vida. Todos os por-menores foram estudados, como ex-plicou a jornalista, desde a acessibili-dade dos medicamentos na sala deurgência, à posição em que se deveencontrar cada elemento da equipaclínica. As mortes na estrada são pre-cisamente o ponto de contacto entreIsrael e Portugal, e também aqui é im-portante pensar e criar um sistemaintegrado de trauma, para o qual «hámuitos elementos e instituições dasociedade civil que devem ser chama-dos a esse processo», para que real-mente se pôr um ponto final nesteestado de coisas catastrófico. PedroMoniz Pereira fez uma breve resenhahistórica sobre a evolução do traumasituando, do ponto de vista nacional, omomento mais marcante como sendoas guerras coloniais que tiveram gran-de influência na forma de tratar o trau-ma. Nas campanhas africanas, que de-finiu como sendo «a escola da guer-ra», foram implementados os princí-

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pios de tratamento dos politraumati-zados. Como explicou, foram precisa-mente os textos escritos pelos médi-cos que estiveram na guerra que per-mitiram uma evolução na abordagemdo trauma. No problema do trauma,realçou quer factores extra-médicos,quer factores médicos, com especialreferência para a rapidez de evacua-ção e a melhoria dos cuidados hospi-talares.Maria João Ruela, jornalista da SIC, re-latou aos presentes a experiência queviveu no Iraque, após ser alvejada, sali-entando a importância, em termos psi-cológicos, de ser assistida por profis-sionais médicos aos quais reconheciacompetência e destreza: «os cirurgi-ões militares foram muito profissio-nais e simpáticos e o facto de me ex-plicarem tudo o que me estavam a fa-zer deu-me uma confiança e um con-forto muito grandes que me permiti-ram enfrentar aquele momento». Dereferir ainda que esta jornalista se sen-tiu envolvida no seu próprio tratamen-to, pois foi-lhe dado um doseador deanalgésicos, o que considerou igual-mente positivo.Manuel João Ramos, da Associação Ci-dadãos Auto-mobilizados, numa abor-dagem antropológica, definiu a organi-zação de um sistema de trauma comouma forma de «ritualizar e prevenirum acontecimento futuro». Mas estaabordagem não se remete apenas paraa aprendizagem de gestos profissionais,pois também se pode aplicar à pre-venção: «os rituais são um aspecto im-portante na tomada de consciência dorisco e para que as pessoas constru-am mentalmente uma forma de lidarcom o problema», e referindo-se es-pecificamente à sinistralidade nas es-tradas acrescentou: «a noção de peri-go das consequências possíveis que operigo na estrada pode trazer, não estámuito presente nas pessoas». Confron-tado na sua vida pessoal com o dramade perder uma filha num acidente deviação, Manuel João Ramos percebeunesse momento dramático que haviagrandes lacunas na assistência a poli-traumatizados. A associação de que fazparte surgiu «como um grito de re-

volta» e tem como principal funçãoalertar para a prevenção. E como «épreciso saber que as palavras fazemcoisas», este interveniente salientou aimportância do encontro «Trauma umflagelo do século XXI» e de tudo oque se debateu nestes dois dias.Margarida Martins, da associação Abra-ço, referiu exemplos do trabalho de-senvolvido pela associação que repre-senta, aproveitando para salientar anecessidade de efectuar campanhas deprevenção e criar redes de apoio, tan-to para a SIDA como para o trauma,e, acima de tudo, não quis deixar deacentuar a importância de tratar to-das as pessoas com dignidade.Viviane Tavares, da APOROS, começoupor referir o peso do trauma resul-tante do pequeno acidente domésti-co, nomeadamente do ponto de vistados doentes com osteoporose, paradepois introduzir a questão do papelda publicidade para se atingir os ob-jectivos pretendidos: através dosexemplos fornecidos pelas campanhasde prevenção da APOROS foi possívelaferir o impacto de uma boa publici-dade, quer se trate da venda de umproduto, quer se trate da venda de umaideia. Os passos são simples e resu-mem-se a apresentar um conceito,atrair uma resposta, oferecer algo queseja visto como uma mais valia e de-sencadear uma acção. Mais do queconsciencialização é importante criaratitudes mais activas. Mas se o proces-so é aparentemente fácil, o mesmo nãose pode dizer do seu desenvolvimen-to: manter a isenção, a independênciae a credibilidade é fundamental.Terminadas as intervenções deste mó-dulo foi apresentado o projecto da LigaPortuguesa Contra o Trauma, ao qualtodos os presentes quiseram aderir.

Papel dos não-médicos notrauma

Na fase final deste encontro, que foimoderada por António Marques doHospital de Santo António, reflectiu-sesobre o papel dos não-médicos no trau-ma, numa abordagem que passou pelaanálise do programa ‘Choque para a

Vida’ – apresentado por Daniel Ferrei-ra cardiologista responsável pela UCICdo Hospital Fernando da Fonseca – edo programa PHTLS (versão do pro-grama ATLS que se destina ao comple-mento da formação de todos os inter-venientes do socorro pré-hospitalar),aqui apresentado pelo enfermeiro Ar-mando Almeida, coordenador do PréHospital Life Support em Portugal. Uma

palavra de destaque também para o de-bate sobre os técnicos de emergênciamédica e o seu desempenho no con-texto do trauma e para o papel dosmédicos no acompanhamento dos nãomédicos no socorro, debate que teve aparticipação de Humberto Machado, doHospital Geral de Santo António,Romero Bandeira, que apresentou oponto de vista dos bombeiros, e João

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Paulo Almeida e Sousa dos Hospitaisda Universidade de Coimbra e coor-denador da Comissão da Nacional daCompetência de Emergência Médica daOrdem dos Médicos.Durante este módulo foram apresen-tados exemplos organizativos em queo papel dos não médicos no socorro éfundamental. Foram realçados aspectosessenciais para o socorro como o rá-pido reconhecimento da situação deemergência, o rápido suporte básico devida, a rápida desfibrilhação e um rápi-do transporte do doente. Apesar daquestão temporal ser apresentadacomo fundamental parece consensualque um desfibrilhador automático ex-terno deve estar acessível em locais pú-blicos mas que não deve estar acessívelao público (especialmente se tivermosem conta que a maior parte da nossapopulação nem sequer sabe fazer su-porte básico de vida, algo que, comofoi aqui referido, deveria fazer parte doensino escolar). Conforme foi referido,a utilização de desfibrilhação automáti-ca externa sem garantia de controlode qualidade é perigosa, desaconselhávele susceptível de contestação médico--legal e pode desacreditar um avançotécnico que é susceptível de salvar vi-das. Em face de estatísticas que apon-tam que em 97% das vezes o primeirosocorro é prestado pelos bombeiros eque em 49% dos casos não há viaturamédica disponível, naturalmente quenão se discute a intervenção de não

médicos neste processo. Mas os nãomédicos só poderão utilizar desfibri-lhadores automáticos externos se es-tiverem inseridos num sistema organi-zativo legalmente reconhecido e auto-rizado e com controlo médico qualifi-cado. Nesse sistema organizado é es-sencial a existência de registos porme-norizados desde o primeiro momentodo socorro, comunicação entre os vá-rios intervenientes e controlo de qua-lidade.Outra conclusão que se pode retirardeste módulo é que o sistema de so-corro deve basear-se sempre num mé-dico e que na adaptação de modelos desistema de trauma se devem ter emconta as características do nosso país:os factores culturais e de tradição (no-meadamente no que se refere à aceita-ção das hierarquias técnico-científicas),o factor geográfico (dimensão do país,dispersão geográfica da população, etc.),os recursos humanos e os meios técni-cos disponíveis, etc.. Também devemoster em conta os factores económicos,com avaliação real dos custos e benefí-cios, mas não efectuando uma mera ava-liação economicista. Os intervenientesconcordaram ainda que a formação dosnão médicos deve ser da responsabili-dade e supervisão de médicos e que aOrdem dos Médicos deve ser ouvida emrelação aos programas de formação eauditar essa formação. Reconheceu-sea importância de valorizar e melhorar aactuação dos bombeiros que têm um

No final deste encontro, a comissão organizadora compostapor Pedro Moniz Pereira e João de Deus, secretário do Conse-lho Regional do Sul (C.R.S.) da O.M. e Manuela Santos, Tesou-reira do C.R.S. da O.M., não hesitou em considerar que estesforam «dois dias de um trabalho muito positivo» e que irão,com certeza, contribuir para a definição do futuro sistema detrauma, especialmente no que se refere à forma de organiza-ção e coordenação de recursos técnicos e humanos, algo emque, como nos referiu Pedro Moniz Pereira, «médicos, técnicosnão médicos e sociedade civil têm um importante papel a de-sempenhar». João de Deus referiu à Revista da Ordem dosMédicos que a criação da Liga Contra o Trauma é «um passoimportante no sentido de chamar à atenção das pessoas para aimportância deste flagelo», mas também do Governo: «é im-

«Dois dias de um trabalho muito positivo»portante que o Governo saiba que se temos técnicos suficien-temente dotados e que nos hospitais existem meios técnicoscapazes de dar uma boa resposta ao problema do trauma des-de que sejam bem organizados». Colocada a questão se serianecessária uma grande catástrofe para que se organizasse umsistema integrado de trauma, João de Deus não hesita: «Nãoprecisamos de nenhum desastre maior do que o que acontecetodos os dias nas nossas estradas para despertar para essasquestões. Se temos pessoas competentes para actuar não sejustifica que não o façamos da melhor maneira. É dramáticosaber que em Portugal, para um mesmo traumatismo, a proba-bilidade de morrer é duas vezes superior à de outros países. Sóé necessário que a organização dos cuidados esteja bem feitapara que possamos responder muito melhor ao trauma».

papel fundamental como complementoda rede do INEM. Assim, «os não mé-dicos podem ter um papel importanteno socorro desde que enquadrados emorganização que responda habitualmenteà emergência; deve haver acompanha-mento da actividade dos não médicospor médicos (um acompanhamentoque deve incluir formação, existênciade um médico responsável das unida-des da prestação de socorro com com-petência em emergência médica, veri-ficação das competências técnicas econtrolo de qualidade daquilo que sefaz, etc.). Em poucas palavras, podemosresumir as conclusões deste módulopor uma necessidade de qualificar aresposta à emergência.

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Na apresentação do Relatório da Comissão de Avaliaçãodas Condições Técnicas para o Exercício da Actividade dosMédicos dos Centros de Saúde da ARSLVT estiveram Ger-mano de Sousa, bastonário da OM, Pedro Nunes, presiden-te do Conselho Regional do Sul da OM, Ana Borja Santos,presidente do Conselho de Administração da Administra-ção Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo (ARSLVT),Luís Pisco, presidente da Associação Portuguesa de Médi-cos de Clínica Geral (APMCG), e Maria José Colaço e AndréBiscaia, membros da equipa que encetou este estudo e que

Qual o grau de satisfação dos médicosdos Centros de Saúde?Teve lugar no dia 10 de Maio de 2004 aapresentação do Relatório da Comissão deAvaliação das Condições Técnicas para oExercício da Actividade dos Médicos dosCentros de Saúde da ARSLVT, resultado deuma iniciativa levada a cabo pelo ConselhoRegional do Sul da Ordem dos Médicos, quedimana de um estudo efectuado ao longo detrês anos, incidindo sobre 24 Centros de Saúdee 149 Extensões dos Distritos de Lisboa,Santarém e Setúbal e que avalia as condiçõesem que são prestados os Cuidados de Saúde àpopulação bem como o grau de satisfação dosmédicos que aí exercem a sua actividade.

foi coordenada por José Luís Gomes Vice-Presidente doConselho Regional do Sul, também presente nesta confe-rência.Depois de Germano de Sousa ter realçado a importânciadeste estudo e dos contributos que dele se podem extrair,Pedro Nunes explicou que esta iniciativa da Secção Regio-nal do Sul da Ordem dos Médicos teve, desde o início, oapoio da APMCG e da ARSLVT, e que se enquadra numavisão de «uma Ordem dos Médicos tecnicamente apoiada,em que se pretende mobilizar os médicos para reflectirsobre as condições em que prestam os cuidados de saúdeaos portugueses, corrigindo eventuais erros que existampor parte destes profissionais, mas também ajudando a Ad-ministração a corrigir os erros organizacionais que são deextrema importância e que muitas vezes são o problemacentral da prestação de cuidados de saúde no nosso país»,não deixando de salientar que quando, em oposição a estacolaboração, se tenta utilizar os médicos como «meros bo-des expiatórios das insuficiências dos sistemas e se procu-ra encontrar nestes profissionais as culpas para o que even-tualmente não está bem», isso provoca necessariamente a«deterioração das boas relações entre a Ordem e a Tutela,nomeadamente com o Ministério», e que quando isso acon-tece «o prejuízo maior começa por ser dos doentes e emsegundo lugar o prejuízo será obviamente das administra-ções que deixam de contar com esta potencialidade de co-nhecimento técnico e empenhamento dos médicos».Ana Borja Santos considerou o relatório apresentado como

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«uma excelente base de tra-balho para todos, nomeada-mente para a aplicação danova lei dos cuidados primá-rios», acrescentando que«há um caminho a percor-rer» mas que se está a fa-zer um esforço de financia-mento para melhorar osCentros de Saúde (CS), ci-tando como exemplo o pro-jecto existente para ainformatização dos mesmos.Mas «nada será exequível senão tivermos profissionaissuficientes, habilitados e mo-tivados», concluiu. E é precisamente neste ponto que sur-gem os problemas como se pode concluir pela análise dorelatório apresentado e pelas intervenções de Maria JoséColaço e André Biscaia que referiram os principais pontosdesta avaliação. Se não vejamos: os Médicos de Família têmem média 48 anos de idade, com apenas 2,8% a apresentarmenos de 40 anos, sendo certo que este será um problemade enormes dimensões dentro de poucos anos; nos 24 Cen-tros de Saúde visitados (seleccionados aleatoriamente deentre um total de 87), existem 108.109 utentes inscritossem Médico de Família atribuído (13% do total de inscri-tos) e a maioria dos Médicos de Família tem já uma lista aseu cargo superior a 1.500 utentes, sendo a média das lis-tas de 1.671 utentes e, nalguns casos, ascendendo a 2.205utentes. Os Médicos de Família realizam em média 20 con-sultas por dia, tendo sido encontrados gabinetes partilha-dos por três médicos e em 25% das unidades o gabineteera ocupado por dois médicos durante o dia de trabalho.Foi ainda detectado que há falta de acessibilidades parautentes com mobilidade diminuída (como os deficientes mo-tores e idosos) e que existem em cerca de 30% dos CSbarreiras arquitectónicas que dificultam ou impossibilitamo acesso aos mesmos. 32% das unidades visitadas possuía

estruturas degradadas e60% dos edifícios onde es-tão hoje situados os CS fo-ram construídos para ou-tros fins(habitação, por ex.).No que diz respeito aoequipamento técnico exis-tente, a maioria dos gabi-netes de consulta possuiequipamento mínimo masfrequentemente inadequa-do e em mau estado deconservação, criando situa-ções comprometedoras dadignidade do exercício damedicina e da prestação de

cuidados de saúde à população. As salas de tratamento, nasua maioria, funcionam em espaços exíguos, sem o equipa-mento necessário e sem separação efectiva entre zonaslimpas e zonas contaminadas (por exemplo, foram detecta-dos CS em que a vacinação dos recém nascidos é efectuadaem áreas eventualmente contaminadas, como salas de tra-tamentos) e faltam contentores de lixo contaminado emgrande número de gabinetes médicos. Metade dos CS nãopossui nenhum computador para apoio ou utilização pelosmédicos e em nenhum existe um sistema informatizadopara a área clínica. Nenhuma das unidades visitadas possuitodo o equipamento básico de urgência.Por tudo isto, quando passamos a analisar a satisfação pro-fissional (factor que tem efeitos sobre a qualidadeassistencial, o «clima laboral», o moral da classe profissio-nal, a produtividade e a taxa de absentismo) verificamosque o nível de satisfação profissional dos Médicos de Famí-lia está no ponto neutro (nem satisfeitos, nem insatisfei-tos). No entanto, devemos ter em conta que este resultadoneutro engloba respostas positivas no que se refere a inte-resse pelo e do trabalho e adequação para o trabalho, oque contrabalança as respostas muito menos satisfatóriasno que se refere aos factores relacionados com as condi-

Aspectos positivos a salientarEsta comissão de avaliação encontrou, naturalmente, as-pectos positivos que merecem ser salientados. Assim: atotalidade das unidades possui um sistema organizadode marcação de consultas programadas e um sistema deatendimento a situações urgentes; a maioria dos CS pres-ta cuidados globais, integrados e continuados a famílias eindivíduos de todas as idades. Em mais de 80% dos casosexiste prestação efectiva de cuidados nas áreas de saúdeinfantil (86%), saúde materna (84%) e planeamento fami-liar (81%). Praticamente a globalidade das unidades prestacuidados continuados (98%) e assegura a visitaçãodomiciliária (95%).

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ções proporcionadas para o exer-cício profissional, a recompensapelo trabalho efectuado e, princi-palmente, a pressão e exigência notrabalho. Somos assim levados aconcluir que os factores de moti-vação internos do médico mantêm--se (os médicos continuam a gos-tar da sua profissão, a relacionar--se bem com os colegas e conti-nuam empenhados e interessadose só uma baixa percentagem – me-nos de 9% - afirma que não volta-ria a optar pela carreira médica),mas que tudo o que diz respeito amotivações externas (boas condi-ções de trabalho, vencimentos ade-quados, incentivos, reconhecimen-to do trabalho efectuado, etc.) re-cebe dos médicos uma avaliaçãonegativa que prejudica necessaria-mente o seu desempenho e que leva 33,1% a responderque não voltariam a escolher o Centro de Saúde comolocal de trabalho principal. As condições de exercício deactividade que implicam maior insatisfação profissional são:ter de partilhar o gabinete de consulta com outro médico,a existência de um baixo rácio de enfermeiros por Médicode Família, o elevado número de utentes atribuído a cadamédico, o elevado número de utentes sem médico e a máorganização dos espaços nas instalações dos CS.Se as expectativas iniciais em relação à carreira eram boas oumuito boas em 87,9% dos inquiridos, actualmente a desilusãoé um ponto marcante: 55,1% dos médicos classificam as suasexpectativas em relação à carreira como más ou muito más.Esta queda vertiginosa das expectativas é especialmente acen-tuada nos profissionais com mais de 10 anos de actividadeprofissional, o que parece indicar que quanto maior é a per-manência na carreira, piores são as expectativas quanto a esta.Neste quadro factual, e voltando um pouco atrás, como é que

é possível ter um número deprofissionais suficiente e fazercom que estejam motivados?

«Em alguns CS nãohá condições para omédico trabalhar»

José Luís Gomes, coordena-dor do grupo de trabalho quedesenvolveu este que é o pri-meiro grande estudo feito emPortugal que analisa as con-dições técnicas para o exer-cício da Medicina Geral e Fa-miliar nos Centros de Saúde

e, simultaneamente, a satisfaçãoprofissional dos Médicos de Fa-mília que aí trabalham, salientouna sua intervenção a colaboraçãoda ARSLVT e não quis deixar tam-bém de dirigir uma palavra deagradecimento e apreço àqueleque considerou como um dosprecursores deste estudo, «o Dr.Carlos Mendes Leal, que era opresidente do Colégio de Medi-cina Geral e Familiar, que deu umimportante contributo para estetrabalho e que infelizmente fale-ceu o ano passado». Sobre algunsdos problemas apresentados, ex-plicou à Revista da Ordem dosMédicos a sua posição: «daquiloque conheço dos Centros de Saú-de da Secção Regional do Sul émuito difícil resolver estas ques-

tões com base em boas vontades. Não sei sequer se aARSLVT poderá resolvê-los pois penso que o que estáaqui em causa são questões de certa forma políticas: domeu ponto de vista há extensões que não têm razão deexistir. Por exemplo, uma extensão que tem 42 doentese em que o médico vai lá de 15 em 15 dias não faz senti-do existir. Tem que haver vontade política para resolveressa questão e fechar a extensão». Questionado se sóassim se poderá melhorar as condições das restantes ex-tensões, José Luís Gomes considerou que essa seria apedra de toque para resolver vários problemas... «É pre-cisamente isso: é preciso racionalizar o número de ex-tensões. Não é admissível que certos CS como por exem-plo o CS de Abrantes e o de Santarém tenham mais ex-tensões do que médicos de família. Assim é claro que nãoé possível funcionar bem e ter capacidade de resposta.Nesta avaliação, vi inclusivamente extensões já construídasmas à espera que o CS consiga lá colocar um médico. Se,

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Algumas extensões poderão fecharNa sequência da apresentação deste estudo e de al-guns dados referidos – nomeadamente que os de CSde Santarém, Abrantes e Torres Vedras possuem, res-pectivamente, 24, 21 e 20 extensões, o que «colocaproblemas de gestão difíceis de ultrapassar» e queinúmeras extensões de CS servem um número re-duzido de utentes e aos quais o médico se deslocauma ou duas vezes por mês – a presidente da Admi-nistração Regional de Lisboa e Vale do Tejo admitiu aalguns meios de comunicação que algumas extensõespoderão vir a ser encerradas. Ana Borja Santos re-conheceu que «há extensões sem o mínimo de con-dições para funcionar».

por um lado, há falta de médicos de família, por outro, hádecididamente extensões que não se justificam. Terá tudoque passar por uma melhor organização e pela não ce-dência à solução populista de se criar extensões sem queexistam médicos para as mesmas». No que se refere àfalta de condições técnicas e logísticas de alguns CS, sali-entou as consequências desse estado de coisas no binómiomédico-doente: «em alguns CS não há condições para omédico trabalhar, nem para os doentes serem assistidoscom dignidade». José Luís Gomes referiu que existemextensões muito boas mas que outras «são uma verda-deira catástrofe» e acrescentou: «não percebo como éque os meus colegas podem trabalhar nessas condições».Reproduzimos aqui algumas fotografias que são exem-plos da deterioração e falta de condições de alguns CS eda excelência de condições de outros.

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Os organizadores deste ciclo de con-versas, a Associação de Estudantes e oDepartamento de Deontologia, Bioé-tica e Direito Médico ambos da Facul-dade de Ciências Médicas de Lisboa,neste evento representados por Espe-rança Pina, director do Departamen-to de Deontologia, Bioética e DireitoMédico, e Alexandre Santos, da associa-ção, agradecerem a presença de FeytorPinto, a quem definiram como um hu-manista e alguém que já teve contactodirecto com pessoas para quem o ape-lo da eutanásia foi, a dado momentodas suas vidas, uma realidade.Numa intervenção que prendeu aatenção da assistência, não apenas pelaactualidade do tema mas também pelointeresse da exposição e pela facilida-de de comunicação deste orador,Feytor Pinto pôs o acento tónico dasua apresentação na necessidade dedar qualidade e dignidade a todas asfases da vida, nomeadamente, ao mo-mento da morte. Salientando que«numa fase terminal da vida as pesso-as podem ter qualidade» e que «valesempre a pena uma vida à qual nósdêmos qualidade», alertou para a ne-cessidade de «redescobrir a dimensãodo próprio sofrimento», isto é, de per-ceber alguns factores positivos queestão subjacentes até à dor («a dorpermite o despiste de doenças»).Quando se fala em eutanásia associa-da a questões económicas, Feytor Pin-to não hesita em afirmar que issocorresponde a uma visão deturpadada dignidade do ser humano, algo que,para o presidente da Comissão de Éti-

O apelo da eutanásiaO Ciclo de Conversas de Bioética da Faculdade de Ciências Médicas teve em Maiocomo interlocutor principal o padre Feytor Pinto, presidente da Comissão de Ética doHospital de Alcoitão. «O apelo da eutanásia» foi o tema sobre o qual Feytor Pintoconversou com uma assistência, maioritariamente, constituída por estudantes de medicina.

ca do Hospital de Alcoitão, deve estarem primeiro lugar. Em seu entendimen-to o papel dos médicos nas situaçõesde proximidade da morte reconduz--se a uma expressão simples: «a suafunção é sempre o serviço à vida». Foineste contexto que o padre FeytorPinto introduziu nesta conversa umareflexão sobre aqueles que definecomo «os grandes princípios éticosque quer estejamos a falar do proble-ma da eutanásia quer de outros, de-vemos ter sempre em atenção»: «Oprimeiro princípio é que a vida é

inviolável, inalienável e indisponível».O segundo princípio enunciado foi que«há cultura da morte que hoje é tãoconstante devemos sempre contrapora cultura da vida», pois a defesa da vidahumana é, naturalmente, um valor es-sencial e os exemplos de desrespeitoradical pela vida humana são constan-tes, todos os dias, um pouco por todoo mundo. No mesmo sentido, refereoutro princípio: «considero tambémfundamental que a vida humana de umser humano não possa nunca ser usa-da para tratar outros seres humanoscom compromisso da própria vida».Outro principio ético que referiu foi

que «a vida é sempre um dom», masnão sem explicar que não se referianecessariamente a questões religiosas:«ninguém tem a vida por si próprio:pode ser um dom de Deus, dos paisou da natureza, conforme se quiserentender». Outro princípio muito im-portante, nomeadamente no contex-to desta conversa, isto é quando fala-mos de eutanásia, é «evitar o excessoterapêutico». «Posso salvar a vida porisso mantenho os cuidados, mantendouma vida que não é vida?» «A pessoatem o direito a adormecer...», foi a res-posta apresentada por Feytor Pinto aeste dilema do prolongamento da vida.«Acreditem que uma certa obstinaçãoterapêutica é tão negativa como a pró-pria eutanásia». No que se refere aosprincípios, o interlocutor deixou umalerta: «na nossa maneira de reflectir,por vezes, somos levados a atenuarcom razões várias aquilo que são prin-cípios indiscutíveis e que temos o de-ver de assumir sem reservas».Sobre a morte, campo em que neces-sariamente nos movemos quando fa-lamos de eutanásia, tem havido umaevolução histórica curiosa: «no séculoXVIII colocava-se muito a questão damorte do ‘tu’, no século XIX coloca-va-se a questão da morte do ‘eu’, noséculo XX coloca-se sobretudo emquestão a morte enquanto morte... Nomundo de hoje, a morte tornou-se oúltimo tabu. No universo do agnosti-cismo chegamos ao ponto de despre-zar tanto a morte que até a menos-prezamos. A morte é proporcional aosentido que eu possa dar à vida: se ti-

Uma certa obstinaçãoterapêutica é tãonegativa como a

própria eutanásia.

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ver encontrado um sentido para a vida,encontro um sentido para a morte»,concluiu. Considerando a morte comosendo «o último estadio da vida» - in-fância, adolescência, idade adulta, ve-lhice, morte – Feytor Pinto defendeuque, para que um médico faça um ca-paz acompanhamento de um doenteem fase terminal, terá sempre primei-ro que «fazer uma análise concreta domomento da sua própria morte».«Cada um de nós tem que ter a cora-gem de, de vez em quando, parar econseguir imaginar a sua própria mor-te e não ter medo de pensar nisso».Se uma pessoa em fase terminal está afazer uma síntese da sua vida, «está aatingir o estadio da plenitude», comopoderá alguém ser capaz de a acom-panhar se não se tiver preparado paraisso? «É extremamente importantesabermos que um dia teremos que vi-ver essa síntese da vida», realçou.Mas será a eutanásia uma ‘invenção’moderna? Não, conforme referiu oorador, já na tradição portuguesa sepraticava eutanásia, sem, obviamente,lhe atribuir esse nome: Miguel Torga, eeste é apenas um dos vários exem-plos existentes na nossa história e aténa nossa tradição oral, refere em No-vos Contos da Montanha a figura do‘abafador’ ou o ‘pai da morte’ que nasaldeias abreviava a vida do moribundo.O ‘abafador’ ficava a sós com o mori-bundo e, com uma almofada, abafava avida dessa pessoa.

Eutanásia social

Considerando que «vivemos um mo-mento de des-socialização da morte»,Feytor Pinto explica esta circunstân-cia através do medo da morte: «Derepente as pessoas começaram a as-sustar-se tanto com a questão da mor-te que, ou a precipitavam, ou a adia-vam indeterminadamente ou, simples-mente, deixavam de falar dela». A au-sência da morte da nossa linguagemcomum exacerbou-se de tal forma que,a dado momento, «a morte física é pre-cedida pela morte social e a pessoaacaba por ficar sozinha. As pessoas têmmedo de analisar a sua própria situa-

ção por isso rompem os laços», algoque foi designado pelo orador comouma forma de «eutanásia social».O doente terminal, ou na terminolo-gia mais adequada segundo o padreFeytor Pinto, o homem terminal, tam-bém tem direitos e deve ser encaradocom respeito. «Tem o direito a ser tra-tado até ao fim, o direito a manter umsentimento de esperança, o direito aparticipar nas decisões sobre os cui-dados a prestar-lhe, o direito a mor-rer em paz e com dignidade. O direitoa não ter dor (cuidados paliativos) e ater os cuidados adequados, o direito anão morrer só e a receber a ajuda dafamília, o direito à privacidade e a nãoser mal julgado pelas opções que ve-nha a fazer: tudo isto são direitos hu-manos inalienáveis a aplicar a um do-ente na fase terminal». Como a umdireito contrapõe-se sempre um de-ver, o homem terminal não é excep-ção e a ele compete assumir os deve-res dos doentes hospitalizados: zelarpelos seus cuidados de saúde, deverde fornecer aos profissionais de saú-de todas as informações necessáriasao seu adequado tratamento, o deverde respeitar os direitos dos outrosdoentes que estão ao seu lado, e, fi-nalmente, o dever de colaborar com

os profissionais de saúde respeitandoas recomendações que lhe são dadase por si livremente aceites. «Todo ohomem é terminal num momento de-terminado e não apenas doente ter-minal».Enquanto o doente passa por fasescomo estado de surpresa, choque, re-volta, negação, negociação e depres-são até atingir a aceitação, os médicos,perante o homem terminal, podem,segundo a Organização Mundial deSaúde, viver quatro situações «quenormalmente os levam à fuga e queos levam a recusar a terapia de acom-panhamento que é indispensável». Asaber: o sentimento de fracasso («euesperava salvar este doente fracassei,não volto lá»), a situação de espelho(«daqui a alguns anos eu vou estar as-sim mais vale não pensar nisso por issoafasto-me»), a ‘tentação’ do mistério(«não sou capaz de entender o pro-blema da vida e da morte») e a ‘tenta-ção’ do intimismo («o doente precisade estar só a pensar na sua vida, pre-cisa de um momento de intimidade queeu não vou perturbar»). Formas defuga a situações em que «muitas ve-zes, dar a mão, fazer uma festa, dar umbeijo bastava. Mas que difícil que é...»Sobre o conflito inerente à tentação

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da eutanásia ou mesmo da obstinaçãoterapêutica, Feytor Pinto considera queesse é um desafio permanente: «Umamãe uma vez disse-me ‘o meu filhomorreu há seis anos num acidente eeu fui ontem enterrá-lo’», depois doseu filho ter estado ligado a um ventila-dor durante esse período. «Mas tenhooutras situações como a de um rapazque há 37 anos teve um acidente bru-tal. A mãe não aceitou. Cinco anos de-pois do acidente ele recuperou a vidae 37 anos depois tem a sua vida nor-mal», conta, para a seguir concluir:«não tenham medo de ter este confli-to no coração. É um desafio perma-nente».

Dignidade na morte

Salientando a importância de morrercom dignidade, Feytor Pinto explica oque seria uma morte indigna: «umamorte com falta de respeito pelo do-ente terminal, com falta dos cuidadosde higiene e terapêuticos indispensá-veis, com ausência dos técnicos quese recusam à terapia de acompanha-mento, com o silêncio da família, quenão foi integrada no processo deacompanhamento ou que se demitiuda assistência que lhe competia, no

esquecimento ou na recusa explícitada assistência espiritual ou religiosa aque o doente tem direito, no isolamen-to do doente que provoca a des-soci-alização total da morte ou a barreiraque técnicos ou familiares fazem àaproximação de amigos ou pessoasque lhes levariam um apoio espiritualurgente... Apoio espiritual não é ape-nas apoio religioso, é muito mais doque isso: é o apoio da simples presen-ça, da ternura».

Um outro ponto referido durante aintervenção deste orador foi «a ten-tação do ser humano se tornar, emabsoluto, o senhor da vida». É tambémneste âmbito que se enquadra o pro-blema da eutanásia («que não é umamorte boa, é a precipitação da mor-te») e da obsessão terapêutica («com

prolongamento exagerado da vidaatravés de cuidados fúteis, inúteis»),ambas eticamente reprováveis e ambastendencialmente manipuladoras do serhumano. «É preciso respeitar que apessoa é mortal».Em relação aos cuidados paliativos, ointerlocutor tem uma posição bemdefinida: «o simples acompanhamentoé paliativo, ajuda a pessoa, dá dignida-de», e acrescenta «todos os hospitaisdeviam ter uma unidade de cuidadospaliativos».E enquanto as pessoas esperam queos médicos sejam ‘deuses’ ou «os se-nhores da vida», o que é que se espe-ra neste campo em termos éticos deum clínico? «Aos médicos pede-se umacompetência clínica para o conheci-mento específico do doente na sua faseterminal e das dificuldades que é pre-ciso enfrentar, a actualização nas ciên-cias psicossociais com os vários de-senvolvimentos que uma doença ter-minal pode provocar no doente e nasua família e até na sociedade, uma pre-paração psicológica dos membros daequipa clínica, a consciência da reali-dade das terapêuticas destinadas aprolongar a vida, de tal modo que sesaiba parar em tempo os mecanismosde reanimação quando são já comple-tamente desnecessários, e finalmentea atenção às condições somáticas ge-rais, bem como à crise que a famíliado doente está a viver para que pos-samos ser terapeutas não apenas dodoente terminal, mas também da suafamília». E quais são os objectivos quese visam atingir? «Diminuir a dor e odesconforto do doente, prolongar avida com qualidade suficiente, respei-tar quando essa qualidade já não exis-te, tratar o doente segundo os seuspróprios desejos e a sua cultura, eenquadrá-lo no seu modo de vida se-gundo os seus afectos e a sua vonta-de, porque até ao último momento eletem o direito de amar e ser amado».«Sempre que a equipa clínica tenhacoragem de fazer isto, admitindo queàs vezes pode errar, estará a cumpriro seu papel». E acima de tudo deveestar a dignidade do homem em faseterminal.

Aos médicos pede-seuma competência

clínica para oconhecimento

específico do doentena sua fase terminal edas dificuldades que épreciso enfrentar, (...)

a consciência darealidade dasterapêuticas

destinadas a prolongara vida, de tal modo

que se saiba parar emtempo os mecanismos

de reanimaçãoquando são já

completamentedesnecessários.

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Realizou-se recentemente uma reuniãodo II Plano Nacional Contra a ViolênciaDoméstica, plano a ser desenvolvido pelaComissão para a Igualdade e para osDireitos das Mulheres, com oenvolvimento do Observatório sobre aViolência Doméstica, e que conta com oapoio de diversas entidades,nomeadamente da Ordem dos Médicos.

Em representação da Ordem dos Médicos, Isabel Caixeiroesteve presente nesta reunião em que se debateram asestratégias, as prioridades e os contributos que cada insti-tuição poderá dar para a divulgação e desenvolvimento doII Plano Nacional Contra a Violência Doméstica (2003-2006).Este plano do Governo, focalizado princi-palmente na violênciadoméstica exercidasobre as mulheres,contempla equipasmultidisciplinares, no-meadamente na área dasaúde, na área jurídica,etc.Considerando que a vio-lência doméstica assumiu«dimensões alarmantes nasociedade portuguesa», eque «as mulheres são, ainda,a enormíssima maioria das ví-timas mais frequentes da vi-olência praticada no espaço fa-miliar», este plano «tem como objectivo primordial de in-tervenção, o combate à violência exercida sobre as mulhe-res no espaço doméstico» embora se reconheça a existên-cia de violência doméstica sobre homens, crianças e idosos.Em relação a este projecto, a Comissão para a Igualdade epara os Direitos das Mulheres tem como função adinamização, o acompanhamento e a execução de todas asmedidas constantes do plano, que também conta com oenvolvimento do Observatório sobre a Violência Domésti-ca. O plano inclui acções de informação, sensibilização eprevenção, formação dos profissionais das diversas áreas eelementos da sociedade civil que lidam com as situaçõesconcretas de violência, medidas legislativas, promoção deestudos sectoriais sobre este ‘flagelo mundial’ com vista àobtenção de dados concretos que permitam tirar conclu-sões e fazer projecções objectivas, etc.

Acabar com a violência

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Conselho Disciplinar Regional do Norte da Ordem dos Médicos

D I S C I P L I N A

Maria José CardosoPresidente do Conselho Disciplinar SRN

Proposta de arquivamento1. O presente processo foi instaurado na sequência dorecebimento de ofício, datado de ..., subscrito peloEx.mo Senhor ... o qual, por sua vez, anexava cópia deuma exposição que o Senhor Dr. ... lhe endereçara, nasua qualidade de Director do Serviço de Urgência domesmo Hospital.2. Na exposição em causa, o Senhor Dr. ... alega o se-guinte:2.1. No domingo dia ... esteve a trabalhar na urgênciado Hospital de ... quando, por volta das 21,50 horas,solicitou à Senhora Dra. ..., que era a chefe da equipamédica da Urgência, auto-rização para jantar no ho-rário que lhe fosse maisconveniente.2.2. Perante o senhor En-fermeiro ..., que se encon-trava a realizar um pensonum paciente, a SenhoraDra. ... respondeu-lhe daseguinte forma: «Vá á horaque quiser... pois eu detes-to pessoas ordinárias defala mansa».2.3. Disse-lhe que não es-tava a compreender e elavoltou-me a responder emtom autoritário: «Tu pode-rias ter ido às 21,00 horas ou não teres vindo que eraa mesma coisa!!». Bateu as mãos, fechou a porta e saiu.Não lhe disse mais nada.2.4. A chefe da equipa médica da urgência desrespei-tou-o e humilhou-o, com o agravo de o ter feito peran-te um enfermeiro e a um paciente do hospital, o quecaracteriza falta de ética e de decoro por parte da Se-nhora Dra. ....2.5. Espera que sejam tomadas as devidas providências

O relacionamento entremédicosSe o relacionamento entre os cidadãos em geral deve ser cordato, aosmédicos é exigível que se relacionem com civismo, evitando situações queprejudicam não só o seu bem-estar pessoal, como o funcionamento dosServiços e a ocupação dos Conselhos Disciplinares em processos muito poucoproveitosos para a comunidade.Por favor, entendam-se!

a nível hospitalar para que o serviço de urgência ... apre-sente sempre equipas chefiadas por pessoas equilibra-das e de boa educação.3. Instada a pronunciar-se sobre o teor da participação,a Ex.ma Senhora Dra. ..., através de carta datada de ...,refere, nomeadamente, o seguinte:3.1. Exprime a sua mais completa indignação pelo factode o Senhor Dr. ... lhe ter sonegado o direito funda-mental a ser ouvida, no âmbito da Instituição, peranteuma acusação presumindo-a, de imediato, como culpa-da e fazendo a mesma seguir para o Conselho Discipli-nar da Ordem dos Médicos.

3.2. Esta atitude parece-- lhe tanto mais gravequanto essa acusação éfeita por um colega queserve, em regime de con-trato, o Hospital há me-nos de seis meses contraum elemento do Quadro,que serve o Hospital hádezasseis anos, na quali-dade de Chefe de Equipalegítima representante doEx.mo Senhor DirectorClínico/Director do Ser-viço de Urgência.3.3. Apesar da indignação,esta atitude, contudo, não

lhe causa estranheza «dado que o Senhor Dr. ... já noshabituou à prática de ‘denúncia’, para instâncias superi-ores, de problemas que deveriam ser esclarecidos e even-tualmente resolvidos internamente».3.4. Quanto à queixa propriamente dita, nega veemen-temente as afirmações que lhe são atribuídas pelo Co-lega, sendo com total incredulidade que vê que toda asua conversa foi completamente desvirtuada e inverti-da.

«A paz não se faz com guerras esim com o diálogo para o bom

entendimento entre as pessoas».(...) Antes de enviar a sua exposição

para a Ordem dos Médicos, oSenhor Director do Hospital de ...,deveria ter-se certificado se esse

era efectivamente o seu propósito,bem como o do Senhor Dr. ...

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D I S C I P L I N A

3.5. De seguida informa sobre os antecedentes que con-sidera importantes para a compreensão desta ocorrên-cia e que se relacionaram com a composição e modode funcionamento das equipas de urgência. Na sua nar-rativa, informa ainda que o Senhor Dr. ... estava coloca-do naquela equipa a desempenhar funções de ajudantede cirurgia, embora, por não ter ainda a sua especiali-zação reconhecida pela Ordem dos Médicos, estivessereferenciado como internista, o que, aliás, já motivaraproblemas, nesse mesmo dia, ao funcionamento do Ser-viço de Urgência.3.6. Cerca das 22,00 horas, na sala de Cirurgia e com apresença das pessoas que tão bem fixou, local e con-texto escolhidos pelo Colega para abordar a Chefe deEquipa, foi confrontada com a seguinte declaração: «Sea Dra. . . . não se importa vou sair às 22,30 horas, por-que ainda não jantei». ...e porque a área cirúrgica dei-xaria também de ter cobertura por este elemento, res-pondeu «É claro que me importo. A hora de jantar de-veria ter sido programada com o cirurgião de serviço edeveria ter sido praticada antes das 21,00. horas, horade saída do Dr. ...».«... não sou meiga, sou acusada frequentemente de termau feitio mas não sou ordinária porque se o fosseresponder-lhe-ia de outra forma».3.8. Termina narrando o modo como a participação se-guiu os trâmites no Hospital e informa que pediu a suasuspensão de chefe de equipa até ao esclarecimento dasituação.3.9. Não lhe parece de todo causal a não abertura deum inquérito interno para averiguar a verdade dos fac-tos.4. Por oficio datado de ..., foi solicitada ao Senhor Di-rector Clínico do Hospital de ... a indicação do nomedas testemunhas dos factos narrados na exposição doSenhor Dr. ....5. No dia ... foi recebido um oficio do Senhor DirectorClínico do Hospital de ..., do qual consta: «Venho poreste meio comunicar a V.Ex.ª que o Exmº Senhor Dr. ...,me enviou uma carta na qual explicita a pretensão daresolução do problema não passar pela Ordem dos Mé-dicos. Mais afirma que, da sua parte, o problema se en-contra solucionado».6. O ofício em causa anexava carta do Senhor Dr. ..., daqual consta: «Após ser informado pelo digníssimo di-rector que a Secção Norte da Ordem dos Médicos équem irá resolver o problema exposto em carta redigidapor mim e remetida para a Direcção Clínica do hospi-tal em que questionava a falta de ética e decoro da Dra...., como chefe de equipa perante mim, o enfermeiro eum paciente, fui obrigado a reflectir e expor o seguin-te:1 - Não vejo o porquê do problema vir a ser soluciona-

do pela Ordem dos Médicos uma vez que este se re-solveu quando a Dra. ..., por iniciativa própria, abdicoudo comando da chefia de equipa da urgência após oacontecido.2 - Além disso, acredito que devo colaborar com o bomambiente do hospital que certamente seria atingido poruma solução que passasse pelas mãos da Ordem dosMédicos. Pelo acima exposto e por acreditar que a paznão se faz com guerras e sim com o diálogo para obom entendimento entre as pessoas, afirmo que daminha parte o problema com a Dra. ..., se encontraencerrado, perdendo qualquer sentido tentar manteruma resolução pela Ordem dos Médicos».7. Mediante ofício datado de ..., o Director Clínico doHospital de ..., Ex.mo Senhor Dr. ..., comunicou desistirda queixa apresentada, «dado o facto do Dr. ... ter ma-nifestado a vontade expressa de que a resolução doproblema não passasse pela Ordem dos Médicos».8. Em face da desistência da queixa. proponho o arqui-vamento do presente processo, nos termos do artº 10.ºdo Estatuto Disciplinar dos Médicos.9. Entendo, no entanto, que o Conselho Disciplinar nãopode deixar de fazer os seguintes reparos:9.1. Antes de enviar a sua exposição para a Ordem dosMédicos, o Senhor Director do Hospital de ..., deveriater-se certificado se esse era efectivamente o seu pro-pósito, bem como o do Senhor Dr. ....9.2. Ao responder que o problema estava resolvidoquando lhe foi solicitada a identificação das testemu-nhas da ocorrência, originou um trabalho inútil a esteConselho Disciplinar.Porto, . . .

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A c t a M é d i c a P o r t u g u e s a , u m a e d i ç ã o O N L I N E

ACTA MÉDICAPORTUGUESA

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D I S C I P L I N AConselho Disciplinar Regional do Sul da Ordem dos Médicos

Freire de AndradePresidente do Conselho Disciplinar SRSFactos da vida privadaFactos da vida privadaFactos da vida privadaFactos da vida privadaFactos da vida privada

não constituem ilícito disciplinarnão constituem ilícito disciplinarnão constituem ilícito disciplinarnão constituem ilícito disciplinarnão constituem ilícito disciplinarProcesso Disciplinar n.º 29/99

PARECER

1. Neste processo o Sr. S. queixa-se damédica psiquiatra Dra. M.2. Na sua participação o queixoso diz,resumidamente, o seguinte: a) Que a par-ticipada o seduziu durante as consultasno seu consultório no Centro de Saúdede F. e que iniciou com ele um relacio-namento sexual; b) Que a participadapassou a interferir na vida privada doparticipante, semeando inseguranças edesconfianças neste, face ao médico queele passou entretanto a consultar, e in-

trometendo-se em dois processos judi-ciais de natureza patrimonial em que oqueixoso era parte, dando palpites so-bre os processos e tentando levar o par-ticipante a desconfiar do seu próprioadvogado, seu amigo de infância; c) Quea participada, a partir da ruptura do seurelacionamento sexual, acentuou a de-sestabilização emocional sistemática doparticipante, lamentando-se, ameaçando-o e perseguindo-o telefonicamente, paraalém de ter telefonado para o advogadodo participante tentando criar inimiza-de entre eles.(estivemos a resumir a participação doqueixoso)

3. Para além de entendermos que osfactos descritos dificilmente constituirãoilícito disciplinar – opinião essa tambémperfilhada no parecer do Contenciosoda Ordem dos Médicos – já que dizemrespeito à vida privada da participada, éainda de notar que qualquer eventualinfracção terá sido amnistiada pela Leinº 29/99 de 12.05.4. Assim sendo, propomos ao ConselhoDisciplinar Regional do Sul o arquiva-mento do presente processo.

Parecer aprovado por acórdão do CDRSde 16 Setembro de 2003. Processo ar-quivado. Transitou em julgado.

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O P I N I Ã O

Que modelo para oshospitais: SA ou SPA? Manuel J. Antunes

Professor Catedrático da Faculdade de Medicina edirector do Centro de Cirurgia Cardiotorácica dos

Hospitais da Universidade de Coimbra

Eu tenho sido muito crítico da incapa-cidade do SNS em prestar ao cidadãoos cuidados de saúde de que necessi-ta e a que, por força da nossa consti-tuição, tem direito, apesar de, em mi-nha opinião, dispor de recursos huma-nos e materiais adequados. Penso queé consensual que este estado de coi-sas se deve, essencialmente, a umadeficiente gestão que, por sua vez, re-sulta da utilização do conjunto de re-gras arcaicas e desadequadas do actu-al estadio de desenvolvimento da eco-nomia e, admito-o, à generalizada faltade cultura empresarial dos nossos ges-tores.Daí que eu tenha sugerido, há algumtempo, e apoiado, recentemente, as al-terações estruturais que permitirama implementação de modelos alterna-tivos de gestão, como os estatutosespeciais dos Hospitais de Amadora--Sintra e da Vila da Feira, os Centrosde Responsabilidade Integrados, osHospitais SA, etc. Embora o tempo sejaescasso para experimentar, todosconstituiriam, a meu ver, experiênciasválidas, que importaria avaliar e com-parar no nosso contexto.Necessitamos, acima de tudo, de cor-rigir as deficiências de gestão, o quepassa, em minha opinião, pela imple-

mentação mais generalizada, dentro doSector Público, de métodos de gestãoempresarial. Como se subentende,admito, até, a inovação dos HospitaisSA, posta em prática por este Gover-no, embora não esteja inteiramente deacordo com a metodologia seguida e,sobretudo, com a velocidade da imple-mentação que não permite aos res-ponsáveis pela sua gestão o tempo deque necessitam para se adaptar aosnovos métodos. Por isso penso que é,simultaneamente, necessário envidartodos os esforços no sentido de re--educar todos os profissionais, mas es-pecialmente os dirigentes, para estasnovas filosofias de gestão; e nada foiainda feito nesse sentido. De qualquermodo, o SNS tem-se esforçado porcumprir a sua obrigação e se mais nãopôde fazer muitas vezes foi por faltados instrumentos necessários que,mesmo nas aludidas experiências re-centes, têm sido dados com muitasreticências e praticamente sem ne-nhum apoio.O balanço positivo que o Senhor Mi-nistro da Saúde fez recentemente dodesempenho dos Hospitais SA é, a meuver, excessivamente optimista, por de-masiado precoce, decorridos apenas12 meses da experiência, sobretudo

porque baseado em números que re-sultam de uma alteração dos métodosestatísticos anteriormente utilizados.Isto é, o proclamado aumento dosnúmeros de cirurgias e consultas po-derá ser, essencialmente, o resultadode uma contabilidade mais apurada,nalguns casos indisfarçavelmente cria-tiva. Por outro lado, os números assimexpressos não são suficientementequalitativos no que diz respeito à mag-nitude dos actos, que uma adequadadefinição do case-mix melhor poderiaesclarecer.Mas, mesmo admitindo a bondade dosnúmeros e a melhoria da performancedestes hospitais, a comparação com ados Hospitais SPA é altamentepenalizadora e injusta para estes. Pri-meiro, porque se trata, em muitos ca-sos, de hospitais de características di-ferentes (quase todos os hospitais cen-trais estão englobados neste grupo) eos dois de Coimbra, que recentemen-te classificou negativamente, são-nocertamente. Depois, porque ametodologia de gestão utilizada é di-ferente. Não se compreende, pois, queo Senhor Ministro da Saúde se permi-ta fazer estas comparações, porquesabe que não são comparáveis. Dequalquer modo, fica no ar a questão:porque razão teriam os Hospitais SPAuma performance tão claramente infe-rior à dos Hospitais SA? Serão os seusadministradores mais ineficientes oumesmo incompetentes? Neste caso,porque não são substituídos? Ou nãodisporão eles dos mesmos instrumen-tos de gestão? Se assim for, porque nãolhos disponibilizam? Em qualquer doscasos, e a fazer fé nas comparaçõesdo Senhor Ministro, haveria um gran-de número de hospitais (mais de me-tade) obviamente a desperdiçar o di-

Nos últimos tempos, a discussão à volta do nosso ServiçoNacional de Saúde (SNS) tem-se centrado nos hospitaisSA e nas suas eficácias assistencial e económica, e nacomparação óbvia que se faz com os outros hospitais, osdo Sistema Público Administrativo (SPA). Os custos doshospitais SA terão aumentado menos em 2003 (ainda háuns meses se afirmava que tinham diminuído) e a suaprodutividade terá sido mais elevada.

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nheiro dos contribuintes. Como podetolerar-se esta situação?Não é esta, contudo, a minha inter-pretação, O que se está já a obser-var é uma competição desigual en-tre dois modelos gestionários muitodiversos. Os hospitais SPA, mais fre-quentemente de natureza terciária,estão obrigados a prestar os cuida-dos de saúde de última linha, inde-pendentemente da sua complexida-de e do seu impacto orçamental, oque não é o caso da maior parte dosHospitais SA. É voz corrente que al-guns destes hospitais praticam a cha-mada selecção adversa. E se nemtudo o que se diz seja, porventura,verdadeiro, nem tudo pode ser falsoe a afluência aos hospitais centraisparece confirmar essa selecção. Daíque ou se lhes dão as mesmas possi-bilidades ou deixe-se de os tratarcomo as ovelhas negras do rebanhoContinuo a pensar que tanto uns hos-pitais como outros podem melhorara sua prestação. E isso ficou abundan-temente demonstrado neste últimoano. Mas, embora se tenha (re)afirma-do o conceito de autoridade dos Di-rectores de Serviço, pouco ou nada sefez para a reforçar, na prática. Comoo tenho feito tantas vezes, lembro queé a nível dos Serviços que a produtivi-dade e a qualidade são geradas, domesmo modo que é somente a estenível que se podem controlar os cus-tos. Daí que me tenha custado muitoconstatar que o conceito dos centrosde responsabilidade nem sequer tives-se sido considerado nos Hospitais SAe, pelo contrário, tenha sido pratica-mente arquivado com o recente de-creto-lei do regime jurídico dos Hos-pitais SPA.Algumas das reformas implementadasnos últimos dois anos têm sidojustificadas pelo «facto de o Estado nãoser um bom gestor». Devo dizer queme sinto frustrado, e estou certo deque muitos outros dentro do SNS sen-tirão do mesmo modo. Quem não sesente... Colocada assim, a afirmaçãodos nossos responsáveis constitui umanátema aos gestores do Estado.Como muitos outros, tenho contribu-

ído, ainda que modestamente, para umamelhor gestão do Serviço, mesmo semacesso a muitos dos tais instrumentosde gestão.Por outro lado, sinto-me confundidoao constatar que os responsáveis pelagestão pública do nosso país venham,em público, reconhecer a incapacida-de de a melhorar e considerem, porisso, que nada podem fazer, excepto,talvez, entregá-la ao sector privado, aquem, aliás, também reconheço uma

maior eficiência neste campo. E ques-tiono-me porque razão, pensando des-te modo, não se deveria então entre-gar a administração pública, toda e nãoapenas da saúde, imediatamente, aosector privado. Nesse caso, não con-tem com o meu apoio.Durante o lançamento da nossa pri-meira experiência de uma ParceriaPúblico-Privado (PPP), o novo Hospi-tal de Loures, o Senhor Primeiro-Mi-nistro terá afirmado que «num siste-ma público-privado podemos ir bus-car ao público o que temos de bom,

que são os médicos e os enfermeiros,e ao privado vamos buscar a gestãoque é muito melhor que uma gestãoestatal». Não esqueçamos que nestecaso os profissionais deixam de per-tencer ao sector público, que assimserá também espoliado dos seus me-lhores elementos. De facto, neste nos-so modelo de «sistema público-priva-do» do público ficam apenas os doen-tes; tudo o resto passa a ser privado.Só mais tarde se ficará a saber se osdoentes sairão beneficiados.Talvez por deficiência profissional, es-tou habituado a diagnosticar a doençae tratá-la nas suas consequências esobretudo nas suas causas, mas nuncamatando o doente. Por vezes, seránecessário trocar-lhe um ou outroórgão, mas não é possível substituir--lhe o corpo inteiro. Nesta linha derumo corre-se o risco de, lentamente,matar o Serviço Nacional de Saúde quetemos, talvez substituindo-o por ou-tro de que desconheço as caracterís-ticas. Mas será que terá as mesmasboas qualidades do actual, incluindo auniversalidade de acesso?Já agora, no que respeita às PPP, nopaís onde elas já têm alguma tradição,o Reino Unido, nunca houve coragemde ir tão longe e tão depressa. Sobre-tudo, a prestação de cuidados nuncadeixou de estar nas mãos do respec-tivo SNS. Um dos responsáveis poresta experiência naquele país, que re-centemente esteve entre nós, mos-trou-se interessado em acompanhar anossa mas, nas entrelinhas, não deixoude sublinhar o seu cepticismo.Em conclusão, penso que as novas ex-periências de gestão empresarial sãopositivas e a única forma de transfor-mar o nosso SNS num sistema maiseficiente e capaz de corresponder in-tegralmente às expectativas dos cida-dãos. Mas, em minha opinião, tal trans-formação não subentende, necessari-amente, a transformação dos hospitaisem Sociedades Anónimas. Aos hospi-tais SPA podem ser atribuídos os mes-mos instrumentos de gestão que lhespermitam as mesmas performances.Assim haja vontade política.Coimbra, 28 de Abril de 2004

Nesta linha de rumocorre-se o risco de,

lentamente, matar oServiço Nacional deSaúde que temos,

talvez substituindo-opor outro de que

desconheço ascaracterísticas. Mas

será que terá asmesmas boas

qualidades do actual,incluindo a

universalidade deacesso?

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«To have shown what ought to bedone is not enough; the mainproblem is to show how it can bedone»

Espinosa

A arrumação de «papéis» é um ritualnecessário; proporcionou reencontraro documento que o Dr. Medina Car-reira, amavelmente me enviara emMaio de 94, sobre «A encruzilhada doEstado-Providência», texto duma suaconferência e que tinha como perdi-do, algures na minha biblioteca. Reli-oe não pude deixar de concordar coma tese defendida. Cito do texto: «…asorientações podem ser traçadas àmargem de considerações de eficiên-cia, de racionalidade e de conjunturaeconómica, para se basearem nas con-veniências eleitorais».Mas verdadeiramente inquietante, foicomprovar a justeza da previsão. Pas-saram anos preciosos, suscitaram-seexpectativas não concretizadas sobrea reforma do Sistema de Saúde em Por-tugal, as medidas reformadoras essen-ciais não foram tomadas, e a razão ésimples: são impopulares, por isso, po-liticamente indesejáveis. O Serviço Na-cional de Saúde é ineficiente, cronica-mente deficitário e os recursos finan-ceiros insuficientes. A viabilidade domodelo vigente e o seu desenvolvi-mento indispensável requerem aumen-to do financiamento, independente-mente da necessária racionalização ad-ministrativa, e para esse objectivo sóhá duas possibilidades: ou o Estadoaumenta a dotação orçamental, isto é,maior percentagem do PIB atribuídoà Saúde e, no contexto das necessida-des do País, aumenta a despesa públi-ca e os impostos, ou então, obriga ocidadão a maior contribuição pessoalna utilização dos serviços. Nenhumadestas medidas será facilmente aceite,pois são obviamente impopulares.Não é um problema exclusivamente

InquietaçõesJosé Fernandes e Fernandes

Prof. Catedrático da FML, Chefe de Serviço deCirurgia Vascular

português, nem a crítica do serviço deSaúde, é uma moda. Ineficácia, insatis-fação pública, listas de espera, desâni-mo dos seus profissionais, défices pro-gressivamente maiores, são sintomasde disfunção grave do sistema, quetambém se verificam noutros países. Éuma espiral progressiva, porque as ne-cessidades em Saúde são crescentes, acapacidade de actuação e a exigênciasocial cada vez maiores.Não existe, infelizmente, nenhum mo-delo de Serviço de Saúde perfeito; to-dos têm problemas, por isso são ob-jecto de controvérsia e debate.Há um ano, a revista «Prospect» pu-blicou estudo interessante sobre dife-rentes sistemas de saúde, desde osEUA, Austrália, Japão a vários paíseseuropeus. Conduzido com apreciávelrigor, analisava parâmetros económi-cos e financeiros, a relação entre ossectores público e privado e a sua efi-cácia, medida por índices biomédicos,desde a mortalidade infantil à esperan-ça de vida, satisfação das populações,listas de espera etc., identificando paracada sistema os seus pontos fortes eas suas fraquezas. Três modelos fun-damentais, mereceram análise, pois afalência do sistema colectivista puronão oferece contestação, nem em par-te alguma tem servido de modeloinspirador.Primeiro, sistemas tipo empresarial depredominância privada, como nos Esta-dos-Unidos, onde, não obstante, existemseguros de saúde públicos, para os re-formados, maiores de 65 anos –Medicare - e para os pobres e desem-pregados – Medicaid -, o que permitiureduzir substancialmente o número deamericanos sem protecção na doença.Em segundo lugar, o modelo concebidosob a inspiração do serviço público doReino-Unido, como na Suécia e em vári-os países europeus, Portugal incluído,com financiamento pelo Orçamento doEstado e teoricamente gratuito para o

utente. O terceiro modelo é caracteri-zado por sistema misto, público e priva-do, com seguro social compulsivo, o quepossibilita cobertura da população, com-plementado quer com seguros privadoscomo na Alemanha, Holanda, Austrália eJapão, ou com sistemas de apoio especí-fico les mutuelles, como em França. Nes-te país, na Medicina ambulatória, vigorasistema de reembolso imediato e umapolítica de preços controlados, previa-mente convencionados com os profis-sionais.A validade desta investigação jornalísti-ca assentou na lógica de que, nãoobstante a diversidade cultural e étnica,as expectativas e as necessidades daspopulações em Saúde são comparáveis,neste mundo global do século XXI.Os modelos com melhores índices desucesso biomédico, eficácia do sistemae maior satisfação dos «consumidores»eram os que privilegiavam livre-escolhapelo doente, oferta diversificada de op-ções, e não um sistema único, fechado,dependente do Estado. Observava a au-tora do estudo, que a competitividade naoferta e capacidade de escolha do doen-te fomentavam a proximidade do cida-dão com o sistema e, desse modo, a suaeficácia. Por outro lado, ressaltava nestainvestigação, a impossibilidade de man-ter a gratuidade dos serviços, o que erauma das suas bandeiras políticas: na Su-écia, pagamento nas consultas no médi-co generalista (equivalente ao nossomédico de família) foi introduzido em1970, e noutros países, houve necessi-dade de introduzir factores de correc-ção financeira: foram as taxas modera-doras, progressivamente mais elevadas,na utilização dos serviços de Saúde e aredução na comparticipação nos medi-camentos. O objectivo destas medidasfoi duplo: complementar o financiamen-to do sistema público e desencorajarabusos eventuais.

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A conclusão do estudo é interessante:para assegurar a sobrevivência destessistemas públicos, e perante o incremen-to de necessidades em Saúde, o cidadãoutente teve que pagar cada vez maiorpercentagem do valor dos serviços uti-lizados, o que é uma contradição essen-cial com os princípios e filosofia subja-centes à sua constituição.Num artigo, publicado em Abril de 2000,defendi que medidas exclusivas de con-trolo financeiro, ainda que urgentes enecessárias, seriam insuficientes parapromover eficácia e credibilidade do sis-tema de saúde, e que se impunha umanova política. Os alicerces dessa políticadeveriam ser redução do papel directodo Estado como patrão e empregador,financiador e prestador de serviços,competitividade entre sectores, públicoe privado, e seguro nacional de saúdecom liberdade de escolha do doente. Es-crevi, então, que um sistema burocrati-zado, nacionalizado, não seria o meiomais eficaz, económico e dinâmico paraassegurar o exercício efectivo de soli-dariedade, apoio na doença e respostaaos desafios actuais da Medicina Clínica.De facto, parece que alguns desses as-pectos que mencionei, vigoram nosmodelos de serviços de saúde, commelhores indicadores de eficácia e satis-fação dos cidadãos, analisados no artigomencionado. Também é linear que oscustos da Saúde são elevados, «não sefazem omoletas sem ovos», mas a ques-tão crucial é a rentabilidade do sistema,isto é, o emprego judicioso dos recur-sos disponíveis. É claro que se for redu-zida a oferta de serviços - as listas deespera não são mais que uma formasubtil de racionamento -, se os déficesde exploração puderem ser pagos a lon-go prazo, o que requer a conivência doscredores (a que preço?), se a qualidadedas instalações e dos serviços for miti-gada, e se sobretudo isto cair a indife-rença das pessoas e o manto diáfano doOrçamento público, nada de essencialserá preciso mudar. Porquê arriscar des-contentamento e mal-estar?Nesse artigo mencionei a necessidadede aplicar ao serviço de saúde as regrasda boa economia – verdade económica –foi a expressão que utilizei, e que isso

seria o grande agente para a mudança.Não vigoravam ainda as directivaseuropeias sobre a obrigatoriedade delimitar o défice público, facto novo, quenos obrigou a outras regras de rigoreconómico e financeiro, nomeadamen-te para os serviços públicos.Por outro lado, o custo dos serviços deSaúde é complexo e multifactorial; ins-talações adequadas, recursos humanosespecializados, médicos e para-médicos,sistemas de controlo sofisticados e isen-tos, burocracia instalada, ineficiente, edespesa com as terapêuticas, nomeada-mente com os medicamentos. E é curi-

oso notar a discrepância: a coexistênciadum serviço público de cuidados clíni-cos, com um serviço privado, dominan-te, para a prestação medicamentosa!Como será óbvio, a possibilidade dedescontrolo e consequente despesismoé múltipla, e surpreende-me que o sec-tor médico seja sempre o mais respon-sabilizado pela ineficiência do sistema. Osexemplos de disfunção são múltiplos eencheriam várias páginas; desarticulaçãoentre serviços, irresponsabilidade colec-tiva de vários sectores, são realidadesque não devem ser escamoteadas e queconfiguram interesses estabelecidos di-fíceis de ultrapassar, um verdadeiro nógórdio.Em Portugal, durante anos, porque setemeram medidas impopulares, adopta-ram-se soluções parcelares de discutí-vel eficácia e perdeu-se tempo. No com-bate às listas de espera, para citar umaquestão mediática, houve um resultado

perverso: em vez de se fomentar o au-mento de produtividade indispensável dosserviços públicos, o que obrigava a mo-dificações estruturais difíceis e eventu-ais melhorias salariais, criou-se um «mer-cado» específico que tenderá a autoperpetuar-se, pois é, também, um com-plemento salarial. Criaram-se mesmoempresas para exploração deste mer-cado, desde associações de médicos, aparcerias com instituições nacionais eestrangeiras, públicas e privadas, paraquem esta solução foi uma benesse fi-nanceira (?). Não foi só em Portugal: aslistas de espera dos doentes do serviçonacional de saúde britânico foram dis-putadas pela Alemanha e França, cujosserviços são baseados num modelo di-ferente, e uma empresa estrangeira teráassinado um contrato de cinco anos paraas operações às cataratas, que serão fei-tas em unidades móveis circulando en-tre as diferentes cidades do Reino-Uni-do. Ao observador menos atento pou-co importará o modelo, se o problemafor resolvido; pragmatismo, meu caro, dir--me-ia um amigo ilustre, e não é esseum componente essencial da arte polí-tica? No entanto há questões essenciaisque devem ser analisadas neste tipo desolução pragmática: a qualidade dos ser-viços, a despersonalização dos cuidadosmédicos, transformados em pura indús-tria – linha de montagem – o cuidadodas complicações eventuais, e, não me-nos importante, a destruição da relaçãomédico-doente, um valor intangível, per-dido algures numa cadeia «produtiva» edesumanizada. Segundo a nossa impren-sa, os resultados obtidos pelo programanacional de combate às listas de esperaterá ficado aquém das necessidades pre-viamente definidas, e, como se esperava,um novo contingente deste ano irá au-mentar a lista de espera do próximo ano.Fala-se agora em «tempo clinicamenteaceitável» a definir para cada patologia;para o doente que ultrapassar esse pe-ríodo será emitido um «termo de res-ponsabilidade» que lhe permitirá recor-rer a outras instituições, públicas,mutualistas ou privadas, para tratamen-to. «O dinheiro segue o doente» ou li-berdade do doente administrar o seu direi-to à Saúde, um princípio saudável, como

Em Portugal, duranteanos, porque se

temeram medidasimpopulares,adoptaram-se

soluções parcelaresde discutível eficáciae perdeu-se tempo.

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defendi há quatro anos. Um passo naboa direcção? Sem dúvida, eventualmentemelhor que a distribuição burocráticade doentes que vigorou na experiênciaem curso; mas demonstração cabal dainsuficiência do serviço nacional de Saú-de tal qual existe, onde as listas de espe-ra são inevitáveis, porque o sistema nãoprevê incentivos para o necessário in-cremento de produtividade que as re-duziria, e essa simples decisão e suas con-sequências, seriam uma contradição comos seus pressupostos organizacionais elógica fundacional.Um outro aspecto interessante, foi o re-conhecimento da ineficácia da gestãopública, centralizada, politicamente de-pendente (o que não se menciona!) nacontenção de custos e racionalização derecursos. A resposta foi a adopção deoutra filosofia de actuação mais próxi-ma da administração privada. A novapolítica foi designada porempresarialização, a qual se generalizou,de uma só penada a trinta e um hospi-tais. Ora o que caracteriza a boa gestãoprivada são os seguintes atributos: au-tonomia, competência, independência eresponsabilidade. Não escondo inquie-tação: de quem é a responsabilidade fi-nanceira? Do Ministério da Saúde? DasAdministrações Regiões de Saúde? Dosgestores? Terão autonomia para ultra-passar os constrangimentos administra-tivos da função pública, até na selecçãodos recursos humanos e fomentar no-vos hábitos e regras de trabalho? Para oconseguirem, de facto e não simbolicamen-te, toda a arquitectura do sistema públi-co actual, nos seus pressupostosorganizativos e esquemas retributivos,deverá ser modificada, o que logicamen-te será uma mudança total, comdescaracterização completa da filosofiavigente de serviço público, ou então, seráa quadratura do círculo! Ou será, comoalguns insinuaram, que toda esta altera-ção não passará de operação de «cos-mética» para subtrair os prejuízos aodéfice do orçamento de Estado? Porven-tura, uma boa decisão política, e aindabem que há tantos quadros «politica-mente independentes» preparados emgestão hospitalar para conduzir a «es-quadra» a bom porto!

A questão da produtividade nos servi-ços de Saúde é complexa: nenhum sis-tema é produtivo senão souber ou pu-der premiar o mérito e a competêncianos seus recursos humanos. A desmo-ralização profissional em vários secto-res dos serviços de Saúde, em Portugalcomo noutros países, resultou essenci-almente deste facto. Alterar a estruturadas carreiras médicas é uma necessida-de, mas simultaneamente há que asse-gurar um sistema adequado e credívelde formação dos recursos humanos,médicos e para-médicos, com meios deformação pós-graduada e educação con-tinuada, sérios e rigorosos e que fomen-tem uma cultura de meritocracia. Masesta é incompatível com a politização dasnomeações dos dirigentes, em todos ossectores, da medicina à gestão. A legisla-

ção actual para a carreira médica hospi-talar é obsoleta, não privilegia o mérito,mas o situacionismo «na casa, para osda casa», uma mocquerie dos processosde selecção que vigoram nos países maisevoluídos do espaço europeu onde nosintegramos. Não me detenho sobre asgrelhas classificativas, verdadeira mons-truosidade burocrática, iguais para todoo sistema, como se as necessidades e osrequisitos fossem iguais em todas as ins-tituições. Como foi possível manter nalei, até agora (Abril de 2004), que numconcurso para um lugar dum hospitalterciário, ou de ensino, como é modoagora designar os hospitais universitári-os, a contribuição de investigação valeaté 2 valores, e que a actividade docen-te 0.5 valores? O que se pode esperarem valorização e diferenciação das car-reiras profissionais? Nada, o triunfo domenor dominador comum, o que é pró-

prio dum sistema colectivista, e um obs-táculo ao fomento duma verdadeirameritocracia profissional. As instituiçõesnecessitam de liberdade de escolha e dedefinição dos requisitos desejáveis paraos profissionais que contratam; mas paraque disso não resulte aviltamento pro-fissional, é indispensável que os Médicose as suas organizações representativasadoptem critérios e prática de exigên-cia profissional, não só na educação pós--graduada, como na necessidade de as-segurar programas eficazes e realistasde educação permanente e desenvolvi-mento profissional continuado. A garan-tia da qualidade profissional, e da pro-moção da competência profissional, sãouma necessidade e um dever, mas sãotambém um direito dos Médicos, o qualtem que ser reconhecido pelas entida-des empregadoras. Na minha opinião,este é o único meio eficaz de impedirque a capacidade de contratação indivi-dual, fora das Carreiras Médicas, nãocomprometa a qualidade do exercíciomédico, sacrificada a uma pretensa ren-tabilidade e à tentação de redução decustos. É que em Medicina Clínica, eco-nomia depende directamente da quali-dade e da competência dos seus profis-sionais!O modelo hospitais-empresa (SA) pode-rá constituir uma etapa para aracionalidade administrativa e rigor eco-nómico, e o embrião dum novo modeloorganizativo. As vantagens são óbvias:autonomia, descentralização, melhorsintonia com o meio envolvente. As des-vantagens, ou melhor, os perigos são tam-bém claros. Sacrifício da equidade noacesso aos serviços para todos os cida-dãos, com tendência a privilegiar os maisrentáveis economicamente; os ecos re-centes confirmam a justeza da preocu-pação. Atropelo das regras de competi-tividade com os outros sectores, que atradicional falta de transparência noexercício económico e financeiro, e omanto protector do Orçamento do Es-tado, possibilitam. Ausência de um siste-ma isento, independente e competenteque permita a avaliação objectiva do seufuncionamento. A outra inquietação é omodo como irá ser assegurado o direi-to à formação dos recursos humanos,

Nenhum sistemaé produtivo senãosouber ou puder

premiar o mérito e acompetência nos seus

recursos humanos.

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tão importante em todos os grupos pro-fissionais mas sobretudo nos médicos, eo risco real de tudo sacrificar a uma ló-gica puramente economicista. E finalmen-te uma outra preocupação: haverá avali-ação rigorosa e autónoma desta expe-riência? As contradições detectadas nosrelatórios de gestão apresentados e asdiferentes leituras possíveis, não são umbom sinal!Outra questão suscitou interessemediático, ilustrando a ineficiência dosistema e o custo de decisões erradas,parcelares, aparentemente pontuais, semvisão prospectiva. Refiro-me às urgênci-as, nomeadamente ao estadio de pré--rotura que se vislumbra nas instituiçõeshospitalares dos principais centros ur-banos, e de que o caso da Pediatria, emLisboa, foi a ponta do iceberg.Há anos, vozes lúcidas e experientesavisaram para o risco de se condicionaro planeamento hospitalar à resoluçãopontual da urgência. «Aceitar o proble-ma da urgência como fulcro da organi-zação hospitalar é um erro monstruo-so. Por isso cada Banco novo que se abreou se amplia agrava a situação, num ci-clo vicioso que aumenta a afluência dedoentes, a desordem na cidade e nostransportes e acelera a destruição daorgânica interna hospitalar» escreveu oProf. Jaime Celestino da Costa em Maiode 1988, num período de crispação en-tre os Médicos e o Ministério da Saúde.Impunham-se decisões perante as difi-culdades já evidentes do serviço nacio-nal de Saúde, mas a opção tomada foi aditada pelas conveniências eleitorais.Uma oportunidade perdida!O problema persiste, e a solução ne-cessária é cada vez mais difícil; passa pelacriação de estruturas intermédias capa-zes de responder adequadamente àsnecessidades de Medicina Clínica dapopulação, e de realizar triagem efectivada patologia que necessita actuação hos-pitalar. Sem essa «rede protectora», nãohaverá outra alternativa que a pletoraactual dos serviços de urgência, ondemais de 60% das solicitações não sãosituações verdadeiramente urgentes,como a situação actual exemplifica cla-ramente. O problema nunca se irá re-solver com mais serviços de urgência,

ou com famigeradas equipas de «emer-gencistas», designação que suscita con-fusão semântica com os profissionaisadstritos aos Centros de Trauma e degrande urgência clínica. Corre-se o ris-co que este novo grupo «salvador» daurgência, seja essencialmente constituí-do por profissionais fora das carreirasmédicas, ou na situação de pluri-empre-go, desdobrando-se em vários serviços,num exercício profissional limitado – aUrgência é apenas um componente daMedicina Clínica, e como ela, sofreu o

impacto da especialização –, sem conti-nuidade e dificilmente incorporáveisnuma filosofia de responsabilizaçãoinstitucional. Conheci as suas consequên-cias durante o meu estágio em Londreshá quase 30 anos: os hospitaissubcontratavam, a agências de empregomédico, os profissionais necessários,«locums», para colmatar as necessida-des, nomeadamente, nos serviços deurgência; não foi uma experiência bemsucedida, pela difícil integração no espí-rito e actuação da instituição e pela des-continuidade do serviço. É óbvio que estemodelo, de que tanto se falou há meses,e que oportunamente critiquei, se forimplementado, será mais um falhanço,

com custos bem elevados para o futuroe para a educação dos médicos.A solução passa pelo desenvolvimentode sinergias, de protocolos de coopera-ção com os diferentes componentes dosistema, nomeadamente com Centros deSaúde dotados de capacidade de actua-ção efectiva, para além do horário tradi-cional, de modo a que possam ser úteise credíveis perante a população e actu-ar como um filtro efectivo para os pro-blemas que efectivamente necessitarãode observação e/ou tratamento hospi-talar. Depois, é necessário que os hospi-tais funcionem mais tempo, com horári-os diversificados, de modo a que os ser-viços se mantenham activos e produti-vos, capazes de resposta imediata e di-ferenciada aos problemas urgentes. Du-rante o meu périplo profissional por essemundo, devo reconhecer que os nossosserviços hospitalares têm, na generali-dade, um staff médico mais numerosodo que encontrei em unidades análogas,em hospitais públicos com e sem ensi-no universitário, e com produtividade clí-nica idêntica ou superior, com urgênciase referenciação de outros hospitais me-nos diferenciados. É uma questão deorganização.Um outro aspecto merece discussão.Reconheceu-se a necessidade de redu-zir o peso excessivo do Estado na pres-tação dos cuidados de Saúde, como emoutros domínios da vida pública, comona Economia e na Educação, facto quevem suscitando debate e controvérsiaem vários países europeus.Havia vários caminhos possíveis; na Ale-manha e Holanda, as instituiçõesprestadoras de cuidados médicos sãopúblicas, privadas ou pertencem a orga-nizações mutualistas, ordens religiosas ououtras. Os cidadãos têm um seguro so-cial obrigatório e/ou seguros privados,válidos para qualquer dos sectores, e asinstituições negoceiam entre si os cus-tos e honorários respectivos. Na Fran-ça, o cidadão tem acesso total aos sec-tores público e privado mediante umseguro nacional que reembolsa de ime-diato as despesas, dentro de parâmetrosdefinidos; a maioria dos médicos e hos-pitais estão convencionados com o sis-tema e existem outros seguros comple-

O modelo hospitais--empresa (SA) poderáconstituir uma etapapara a racionalidade

administrativa e rigoreconómico, e o

embrião dum novomodelo organizativo.

As vantagens sãoóbvias (...). As

desvantagens, oumelhor, os perigos são

também claros.

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mentares ou mútuas que complemen-tam o pagamento, quando necessário.Estes sistemas têm duas vantagens im-portantes. A primeira, ao privilegiar a li-vre-escolha reforça a ligação médico-do-ente, a confiança mútua e o sentimentode responsabilidade personalizada nosserviços; a segunda, confere ao cidadãoautonomia, capacidade de gerir o seudireito à Saúde e exigência. A contrapar-tida, é que impõe a necessidade de sis-temas de controlo rigoroso, o que im-plica custos adicionais.No Reino-Unido e em Portugal, a solu-ção que se prefigura são as parceriaspúblico-privado, tipo de empresa mista,análoga a outras grandes empresas queoperam no tecido económico. A vanta-gem potencial é suscitar competitivida-de, o que não está mal, mas que, paraser efectiva e real, tem que ser acompa-nhada do direito de liberdade de escolhado doente, nos diferentes componen-tes do sistema: estatal, público-privadoe privado. Haverá coragem para reco-nhecer esse direito fundamental do ci-dadão? Ou persistirão os circuitos obri-gatórios, que no novo sistema terão avantagem única de assegurar mercadopara as novas empresas?Existem outras questões que é funda-mental analisar, nomeadamente, o riscode monopolização privada e a formaçãodos recursos humanos. A primeira, exi-girá, também na Saúde, a aplicação delegislação anti-monopolista, um alicercefundamental das sociedades livres e de-mocráticas. Em relação ao segundo as-pecto, e limitando-me ao meu grupoprofissional, o sistema vigente das Car-reiras Médicas tem constituído o alicer-ce da formação profissional pós-gradu-ada. Necessita mudança e actualização,e perder algum cunho demasiado«corporativista e carreirista» actuais.Essa é uma área da responsabilidade dosmédicos que não deve ser transferidapara o poder político. A este pedir-se-áque actue como um regulador eficaz dosistema, garante das condições essenci-ais ao fomento e emergência da quali-dade; o resto, formação científica e pro-fissional, avaliação da competência, é do-mínio específico dos médicos e das suasorganizações, desde a Ordem, às socie-

dades científicas e às escolas médicas,que não podem ignorar esta nova di-mensão de educação pós-graduação. Mastambém é indispensável que as institui-ções assumam o dever de proporcionaras oportunidades para o desenvolvimen-to profissional continuado daqueles que asservem, e reconheçam esse direito aosseus profissionais. Conceitos comocreditação das acções de formação, se-parando o trigo do joio nas múltiplasiniciativas de educação médica, desen-

volvimento profissional continuado eeducação médica permanente erecertificação periódica da qualidade ecompetência profissional, diferente dumexame, o qual a meu ver seria totalmen-te absurdo, são expressão de empenha-mento e responsabilidade colectiva queé importante passarem a integrar o lé-xico e a preocupação dos responsáveis.Finalmente, anuncia-se obra: novos hos-pitais por todo o país, em especial naárea da grande Lisboa; é uma tentação

de todos os governos, a de sufragar asua política pela área construída, hábitoantigo. Reconhece-se que há unidadeshospitalares velhas e inadequadas paraas necessidades da medicina moderna,que devem ser substituídas, onde doen-tes têm que se deslocar em condiçõestotalmente deprimentes: não é raro,doentes serem transportados em ma-cas, à chuva, protegidos por guarda-chu-va de familiar solícito!Não tenho números exactos que per-mitam ajuizar da disponibilidade hospi-talar em relação à população portugue-sa, mas o que sei é que em vários paíseshá programas de redução efectiva donúmero de camas hospitalares, porquea medicina evoluiu, os internamentoshospitalares são cada vez mais curtos eum hospital é um local demasiado caropara convalescenças prolongadas. Queaconteceu ao plano do Dr. Paulo Mendodos «hospitel», um destino possível paraalgumas unidades obsoletas, se houvercoragem suficiente para resistir à pres-são da construção civil? Qual será a pro-porção de recursos hospitalares que nãosão plenamente utilizados, ou têm utili-zação inferior à desejável e aconselhá-vel, e que foram criadas para satisfaçãode interesses políticos?O que me surpreende e inquieta é queeste espantoso plano de novas constru-ções hospitalares não seja acompanha-do de outro similar sobre a desactivaçãodas unidades antigas, cujas adaptaçõespermanentes desafiam a imaginação ecustam uma fortuna.O desafio da Saúde é muito complexo,com múltiplos aspectos controversos ecausa de profunda inquietação. As deci-sões nunca são fáceis, mas o que meparece fundamental é que exista umapolítica clara que se sustente numa es-tratégia coerente para os diversos as-pectos do problema. Participar nessedebate é um dever e um direito dosmédicos e dos cidadãos. Por isso, a citação inicial de Espinosame pareceu apropriada, assim como,participar e discutir ideias é, na sua es-sência, um exercício de cidadania que sóa «sociedade aberta» sabe apreciar eprivilegiar.Lisboa, 20/4/2004

Há questões essenciaisque devem ser

analisadas neste tipode solução

pragmática: aqualidade dos serviços,

a despersonalizaçãodos cuidados médicos

(...), e, não menosimportante, a

destruição da relaçãomédico-doente, um

valor intangível,perdido algures numa

cadeia «produtiva»e desumanizada.

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48 Revista ORDEM DOS MÉDICOS . Maio 2004

C O N T O S

Com a regularidade de um relógio –uma das minhas paixões – tenho vindo,desde o longínquo ano de 1973, até estaCapital de Distrito, fazer consultas daminha especialidade médica. De início, nasantigas Caixas de Previdência, depois, noHospital e, a partir do momento em queuma ministra da saúde, de discutível be-leza, decidiu que não havia necessidadede os especialistas dos hospitais centraisse deslocarem aos distritais, mudei-mepara um consultório da cidade – umaquase exigência dos muitos doentes queacompanhei durante mais de uma déca-da e que se viam na obrigação de sedeslocarem a Lisboa para serem assisti-dos pelo “seu” especialista.Nessa altura não havia auto-estradaspara o Alentejo. O trajecto fazia-se, quaseobrigatoriamente por Vila Franca, pelaponte Marechal Carmona, recta doCabo, onde ainda existia a estalagem doGado Bravo e, logo depois, as casas deenguias do Porto Alto, que se enchiamde apreciadores na época apropriada.Depois, Pegões e a inflexão paraMontemor na estrada que ruma aBadajoz. Atravessavam-se as Vendas No-vas, onde era obrigatória a paragem paraa quente e suculenta bifana, depois asSilveiras, o restaurante Chaparral, do qual

De vez em quando... eu conto uma história!

A merenda pequena Raul de Amaral-MarquesMédico Pneumologista e Imuno-Alergologista

contarei uma história numa próxima vez,Montemor o Novo, a subida para Arrai-olos e, lá mais adiante, Estremoz. Novovirar de rumo até Portalegre. Finalmen-te! As chaminés da Robinson, uma delasa anunciar constantemente o “habemusPapa” e a outra sempre em contradição,a Casa Amarela, a encosta da serra den-samente arborizada e ponteada de al-gumas casas bem alentejanas, ao con-trário do que agora vemos: no meio dascasas de gosto ecléctico e duvidoso –uma até tem uma açoteia algarvia,imagine-se! –, um pouco da serra verde.Duzentos e quarenta quilómetros, numaDyane carregada de histórias de viagenspor Portugal e Espanha.Foi numa destas vindas, já lá vão 12 ou13 anos, num ano em que a Primaveratardava em despertar de um Invernoparticularmente chuvoso e longo, queobrigou os rios a saírem dos seus cami-nhos e a, inclusive, fazer trajecto por al-gumas estradas principais, deixando asterras de tal modos empapadas que asmáquinas agrícolas se atolavam logo àprimeira tentativa. Inverno que parecianão querer ceder espaço à Estação se-guinte. Uma Primavera apenas anuncia-da pela teimosia persistente dos amare-los das mimosas e pelo brilhar tímidodo sol. Dizia... que foi numa destas vin-das que resolvi trazer, como companhia,a minha neta, na altura com quase doisanos. Um avô estreante, entusiasmado,jovem de 42 anos, orgulhoso daquele serque viu nascer sob os seus olhos e que,como quase uma filha, sempre viveu nasua casa. Aconchegada na sua alcofa, nobanco de trás, lá ia, ora dormitando oragalreando, e, outras vezes, manifestandoo seu desagrado por um choro de iníciotímido e depois mais sonoro. Uma via-gem com interrupções mais frequentesporque, ou se tinha destapado, ou por-

que precisava de água, ou porque a chu-peta tinha caído...Tínhamos já passado Arraiolos, a manhãestava fresca e húmida, a terra aindaorvalhava e o bafo dos animais no cam-po libertava um vapor irisdicente, devi-do à baixa altura dos raios solares vin-dos do lado de Espanha. O cansaço deme ter levantado cedo e o sol de frentepediam uma paragem, uma bica e umdesentorpecer de pernas. Um oásis nomeio da estrada deserta! Uma bombade gasolina com um café! A bicaapetecida, uma sanduíche de presuntoacabado de fatiar e a neta ao colo, a sor-rir para quem lhe sorria ou fazia ummimo... Encostado ao balcão, um homem,velho, com a idade sulcada no rosto, otrabalho marcado nas mãos calosas dededos grossos e tortuosos, os olhos can-sados de olhar o além do Alentejo, abarba esquecida de três ou quatros diase a fome anteriormente passada, bemgravada naquele corpo magro e seco.Uma graça da neta virou as atençõesdaquela assistência escassa, desencantousorrisos em rostos sérios. E o velho,desencostando-se do balcão, trôpego noseu andar, aproximou-se com o vagarque o Alentejo, felizmente ainda, permi-te, e chegou-se junto a nós... o cajadoamparava-lhe o tronco que se inclinavasobre a criança e, depois de um mimo,de um blábláblá intraduzível, voltou, noseu vagar, para o balcão e para o seumata-bicho.Hora de regressar à estrada, pagar adespesa e, na saída, ao passar junto aovelho homem, este volta-se para mim,olha para a criança que transporto nocolo, fixa-me o olhar e diz-me: tudo oque é pequenino tem graça! Menos amerenda!Apertei-lhe a mão, com a força que adignidade daquele homem merecia!

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50 Revista ORDEM DOS MÉDICOS . Maio 2004

N O T Í C I A S

Tratamento mais rápido a doentes comEAMNuma reunião interdisciplinar realizada em Espanha,cardiologistas e médicos de serviços de urgência de váriospaíses europeus decidiram que devem colaborar no senti-do de administrar um tratamento mais rápido a doentescom enfarte agudo do miocárdio (EAM), pois quanto maiscedo os doentes receberem tratamento, mais cedo se poderestabelecer o fluxo sanguíneo, salvando-se frequentemen-te uma vida ou diminuindo significativamente lesões irre-versíveis. Um dos oradores da conferência, Frans Van deWerf, que liderou os ensaios clínicos ASSENT, sublinhouque o ensaio ASSENT-3 PLUS, de trombólise pré-hospita-lar, permitiu reduzir em 47 minutos o período de trata-mento típico, tendo sido possível tratar 53 por cento dosdoentes em menos de duas horas. Este resultado baseou--se na utilização de tenecteplase, um agente trombolíticode bólus único que pode ser administrado em segundos.

Médicos debatem a gestãoda osteoporoseNo âmbito do XXI Congresso Português de Reumatologia,especialistas médicos debateram o impacto da osteoporo-se na população portuguesa com especial enfoque na for-mação de osso novo e nas medidas de prevenção. Numsimpósio subordinado ao tema «A Gestão da Osteoporo-se no Dealbar do Século XXI», moderado por Viviana Tavares(Reumatologista, Presidente da APOROS), e que teve comooradores Paulo Coelho (Reumatologista, médico especia-lista do Instituto Português de Reumatologia) e NathalieFranchimont (reumatologista, Directora Clínica na Univer-sidade Liège, Bélgica). Durante o simpósio foram referidosnovos tratamentos da osteoporose grave, nomeadamenteo formador de osso teriparatida, aplicável na osteoformação.

Eficácia de tratamento no combateà enxaquecaSegundo a Organização Mundial de Saúde a enxaqueca éuma das doenças mais comuns no sistema de nervoso cen-tral. Segundo dois estudos apresentados no decorrer doCongresso da Academia Americana de Neurologia, há umnovo tratamento que permite controlar a enxaqueca, pro-porcionando um alívio rápido dos seus sintomas: o trata-mento com ZomigÒ Nasal (zolmitriptano) manifesta bonsníveis de eficácia e tolerabilidade, e os estudos apresenta-dos demonstraram uma resposta positiva desta terapêuti-ca no combate às cefaleias após 10-15 minutos da adminis-tração. Os estudos farmacocinéticos demonstram que ozolmitriptano é detectado no plasma dois minutos após aadministração.

Tratamento anticoagulanteOs dados apresentados a 14 de Maio, no Congresso Euro-peu dos Acidentes Vasculares Cerebrais, em Heidelberg, naAlemanha, demonstram que apenas metade dos doentes com

fibrilhação auricular recebem o tratamento anticoagulanterecomendado pelas guidelines internacionais para protecçãode acidentes vasculares cerebrais (AVC) apesar dos AVC’sneste tipo de doentes ter maior probabilidade de se tornarfatal do que em doentes com um ritmo cardíaco normal.Dados resultantes do programa SPORTIF demonstram queExanta® (ximelagatran), o primeiro tratamento oral de umanova classe terapêutica - os inibidores directos da trombinaé pelo menos tão eficaz quanto a varfarina com INR contro-lado na prevenção de AVC’s e embolias sistémicas em doen-tes com fibrilhação auricular, causando menos hemorragias,sem necessidade de monitorização da coagulação ou de ajus-tamento da dose individual.

Tratamento personalizado para VIHA avaliação da contribuição dos vários genes e variantesgenéticas para a resposta ao tratamento dos doentes in-fectados pelo vírus da SIDA pode contribuir para umamelhor resposta do doente à terapêutica, personalizandoo tratamento anti-retrovírico. Esta é a conclusão dos resul-tados preliminares de um estudo que está a ser efectuadopor uma equipa de investigadores portugueses liderada porMota Miranda e Fernando Araújo, do Hospital de S. João,no Porto. O estudo clínico intitulado «Farmocogenética –Abordagem Laboratorial para Optimizar a Eficácia da Tera-pêutica no Contexto das Resistências aos Fármacos Anti--retrovíricos» foi o vencedor da 1ª bolsa «Bristol-MyersSquibb de Investigação pelo Vírus da Imunodeficiência Hu-mana», atribuída pela APECS em 2001.

Redução do colesterol-LDLem doentes com diabetes tipo 2Os indivíduos com diabetes do tipo 2 encontram-se trêsvezes mais predispostos a morrer devido a um evento car-diovascular do que os indivíduos não-diabéticos que apre-sentam o mesmo nível de colesterol, sendo que em 80%desta população se verifica o óbito provocado por doençacardioascular. Novos dados científicos apresentados de-monstram que a rosuvastatina permite reduções superio-res num dos factores de risco cardiovasculares de maiorpreponderância, o colesterol-LDL, em doentes com diabe-tes tipo 2 e dislipidemia, por comparação com a atorvasta-tina. Os resultados do estudo CORALL demonstraram quepara cada dose de rosuvastatina as LDL-C foram significa-tivamente mais reduzidas do que com a utilização de umadose duplicada de atorvastatina.

Inovação ao Serviço da SociedadePor iniciativa do Diário Económico e da Merck Sharp &Dohme realizou-se no dia 13 de Maio a conferência «In-dústria Farmacêutica – Inovação ao Serviço da Sociedade».Neste encontro foram debatidos temas como o custo dainovação e a sustentabilidade dos sistemas de saúde, a in-dústria farmacêutica de base nacional e a sua evolução re-cente e a saúde na Europa, nomeadamente na perspectivados doentes/consumidores.

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Revista ORDEM DOS MÉDICOS . Maio 2004 51

L E G I S L A Ç Ã OPUBLICADA EM ABRIL DE 2004Vasco Coelho – Consultor Jurídico S. R. S.

1.ª Série

Decreto-Lei n.º 81/2004. DR 85SÉRIE I-A de 2004-04-10Ministério da SaúdeAltera o Decreto-Lei n.º 270/2002, de2 de Dezembro, que estabelece o sis-tema de preços de referência para efei-tos de comparticipação pelo Estado nopreço dos medicamentos, o Decreto--Lei n.º 101/94, de 19 de Abril, que es-tabelece as regras a que devem obe-decer a rotulagem e o folheto infor-mativo que acompanham os medica-mentos para uso humano, e o Decre-to-Lei n.º 118/92, de 25 de Junho, queestabelece o regime de comparticipa-ção do Estado no preço dos medica-mentos

Decreto-Lei n.º 85/2004. DR 89SÉRIE I-A de 2004-04-15Ministério da SaúdeAprova o regime jurídico aplicável àsalterações dos termos das autoriza-ções de introdução no mercado demedicamentos de uso humano conce-didas ao abrigo de procedimentos nãoabrangidos pelo ordenamento jurídi-co comunitário e a sua tipologia, bemcomo os pressupostos necessários àsua autorização

Decreto-Lei n.º 90/2004. DR 93SÉRIE I-A de 2004-04-20Ministério da SaúdeAltera os Decretos-Leis n.os 72/91, de8 de Fevereiro, que regula a autoriza-ção de introdução no mercado, o fa-brico, a comercialização e a comparti-cipação de medicamentos de uso hu-mano, e 118/92, de 25 de Junho, queestabelece o regime de comparticipa-ção no preço dos medicamentos

Decreto-Lei n.º 91/2004. DR 93SÉRIE I-A de 2004-04-20Ministério da SaúdeTransfere para o Hospital de São Fran-cisco Xavier, S. A., os projectos deobras e equipamentos contratados

pelo Estado, actualmente a cargo daDirecção-Geral das Instalações e Equi-pamentos da Saúde, relativos às suasinstalações

Decreto-Lei n.º 95/2004. DR 95SÉRIE I-A de 2004-04-22Ministério da SaúdeRegula a prescrição e a preparação demedicamentos manipulados

Decreto-Lei n.º 97/2004. DR 96SÉRIE I-A de 2004-04-23Ministério da SaúdeTranspõe para a ordem jurídica nacio-nal a Directiva n.º 2003/63/CE, da Co-missão, de 25 de Junho, que altera aDirectiva n.º 2001/83/CE, do Parla-mento Europeu e do Conselho, queestabelece um código comunitário re-lativo aos medicamentos para uso hu-mano, e altera o Decreto-Lei n.º 72/91, de 8 de Fevereiro, que regula a au-torização de introdução no mercado,o fabrico, a comercialização e a com-participação dos medicamentos de usohumano Portaria n.º 428/2004. DR 98 SÉ-RIE I-B de 2004-04-26Ministérios das Finanças e da SaúdeAltera o quadro de pessoal do Insti-tuto Nacional de Saúde Dr. RicardoJorge

2.ª Série

Despacho n.º 6818/2004, de2004.04.03Alarga o espectro dos medicamentosDCI abrangidos pela legislação relati-va ao acesso aos medicamentos naprofilaxia da rejeição aguda em trans-plantação, consagrado no despacho n.º22 116/99 (2.ª série), de 22 de Outu-bro. Despacho n.º 6951/2004 (2.ª sé-rie), de 2004.04.06Delegação de competências do Minis-tro da Saúde no Director-Geral da

Saúde, relativamente ao licenciamen-to de unidade privadas de saúdeDespacho n.º 6960/2004,2004.04.06Cria o Programa de Tratamento Do-miciliário dos Doentes com Coagulo-patias Congénitas. Despacho n.º 6961/2004, de2004.04.06Esclarece e normaliza todos os pro-cedimentos sobre a isenção de paga-mento de taxas moderadoras dentrodo SNS, a usufruir pelos dadores be-névolos de sangue, de acordo com oactual quadro legislativo. Despacho n.º 8231/2004, de2004.04.24Para efeitos de aplicação do dispostona alínea b) do n.º 1 do artigo 9.º doDecreto-Lei n.º 112/98, de 24 de Abril,publica a lista dos estabelecimentos desaúde e especialidades carenciados Portaria n.º 458-A/2004, de2004.04.23Homologa o regulamento interno doInstituto Nacional de EmergênciaMédica

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C U L T U R A

Espiga PintoAté dia 6 de Junho, Espiga Pinto ex-põe algumas das suas obras na galeriada sede da Secção Regional do Sul daOrdem dos Médicos. Este artista foipor diversas vezes galardoado a nívelinternacional, destacando-se o prémiointernacional consagrado pela «WorldCoins News» dos Estados Unidos eainda o galardão «Moeda do Ano»,para a moeda portuguesa em prataalusiva ao Ano Internacional dos Oce-anos - Expo 98. Nesta exposição quedecorre na sede da SRS da OM, es-culturas e quadros dividem o espaçoda galeria numa harmonia perfeita, evi-

denciando o acentuado bom-gosto artístico do seu autor.

O Silêncio da Memória«O Silêncio da Memória - o(des)conhecimento da Doença deAlzheimer em Portugal» é umaobra que aborda que apresentade forma sistematizada um vastoconjunto de conhecimentos sobrea doença de Alzheimer, desde umacompleta caracterização da pato-logia até aos efeitos mais nefastospara o doente, respectiva famíliae comunidade. O lançamento deste livro foi efectuado no âmbi-to da comemoração do Dia Internacional da Família, que secelebrou no dia 15 de Maio. A Associação Portuguesa de Fami-liares e Amigos de Doentes de Alzheimer, juntamente com oslaboratórios Pfizer, foram os promotores desta edição.

Livros

Exposições

Cardiopatia IsquémicaJ. T. S. Soares-Costa e Teresa J. J.

B. Soares-CostaPermanyer Portugal

Memórias de TerritórioAlain JézéquelClimepsi Editores

Goa e o Grão MogolEstá patente ao público, de 9 de Ju-nho a 5 de Setembro de 2004, naGaleria de Exposições Temporáriasda Sede da Fundação Calouste Gul-benkian, a exposição Goa e o GrãoMogol. Goa e o Grão Mogol pre-tende pôr em evidência as diversasfacetas da relação que se estabele-ceu nos séculos XVI e XVII entre aÍndia portuguesa e o império mogol.Uma relação que durou mais de dois

séculos e se corporizou em diversos domínios. Relação comer-cial, relação política e diplomática, religiosa, cultural e artística,assente nas múltiplas contaminações de objectos, ideias, gostose estilos. Comissariada por Jorge Flores e Nuno Vassallo e Silvae apoiada por uma equipa internacional, a exposição será acom-panha por um livro que integra um conjunto de estudos daautoria de reputados especialistas, para além da descrição ebibliografia de todas as peças presentes na exposição.

Ernesto SHIKNANI em retrospectiva

Está a decorrer até dia 17 de Julho a exposição retrospec-tiva de quatro décadas de Ernesto Shiknani. A exposiçãoinclui 72 obras de pintura, desenho e escultura e poderáser visitada entre as 14 e as 20 horas, de segunda a sábado,Perve Galeria (Rua das Escolas Gerais n.os 17 e 19 - emAlfama junto à Igreja de St.º Estêvão).