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686 O PROCESSO DE INCLUSÃO NO ENSINO MÉDIO: O PROTAGONISMO DOS ALUNOS EM FOCO Mara Lago (LaPEADE – UFRJ) Mylene Santiago (UFF, LaPEADE –UFRJ) Eixo Temático: Formação de professores e processos de inclusão/exclusão em educação Categoria: Comunicação Oral Introdução A pesquisa “Os Transtornos Globais do Desenvolvimento como desencadeadores de possíveis soluções aos transtornos globais da Educação” é realizada em uma escola pública estadual de ensino médio na cidade do Rio de Janeiro e foi proposta a partir de um pedido de auxílio técnico por parte da equipe diretiva para o LaPEADE (Laboratório de Pesquisa, Estudos e Apoio à Participação e à Diversidade em Educação – Faculdade de Educação/UFRJ). A demanda inicial dizia respeito a dificuldade de lidar com a prática de Bullying 114 sofrida por um aluno com síndrome de Asperger 115 . Os pesquisadores se inseriram no contexto da escola e ajudaram professores e alunos a refletir sobre os acontecimentos e construir uma aliança que permitiu melhorar as relações conturbadas e esclarecer dúvidas sobre as possibilidades e limitações da escolarização de alunos com algum tipo de transtorno, deficiência ou altas habilidades. Durante este processo foi possível constatar que a situação refletia um problema maior enfrentado nas Instituições Educacionais, qual seja, as práticas e vivências de exclusão experimentadas por toda comunidade (pais, professores, funcionários e alunos) em algum momento. A partir do referencial conceitual-analítico trabalhado pelo Lapeade, o Índex para a Inclusão, constatamos inúmeras barreiras à aprendizagem e à participação no 114 A expressão bullying corresponde a um conjunto de atitudes de violência física e/ou psicológica, de caráter intencional e repetitivo, praticado por um bully (agressor) contra uma ou mais vítimas que se encontram impossibilitadas de se defender. (Silva, 2010:21) 115 A Síndrome de Asperger é um Transtorno Global do Desenvolvimento e apresenta dentre seus sintomas mais marcantes os seguintes: alteração qualitativa das interações sociais recíprocas, semelhante à observada no Autismo, com um repertório de interesses e atividades restrito, estereotipado e repetitivo. (Código Internacional de Doenças 10, F84.5)

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O PROCESSO DE INCLUSÃO NO ENSINO MÉDIO:

O PROTAGONISMO DOS ALUNOS EM FOCO

Mara Lago (LaPEADE – UFRJ) Mylene Santiago (UFF, LaPEADE –UFRJ)

Eixo Temático: Formação de professores e processos de inclusão/exclusão em educação Categoria: Comunicação Oral

Introdução

A pesquisa “Os Transtornos Globais do Desenvolvimento como desencadeadores de

possíveis soluções aos transtornos globais da Educação” é realizada em uma escola pública

estadual de ensino médio na cidade do Rio de Janeiro e foi proposta a partir de um pedido

de auxílio técnico por parte da equipe diretiva para o LaPEADE (Laboratório de Pesquisa,

Estudos e Apoio à Participação e à Diversidade em Educação – Faculdade de

Educação/UFRJ). A demanda inicial dizia respeito a dificuldade de lidar com a prática de

Bullying114 sofrida por um aluno com síndrome de Asperger115. Os pesquisadores se

inseriram no contexto da escola e ajudaram professores e alunos a refletir sobre os

acontecimentos e construir uma aliança que permitiu melhorar as relações conturbadas e

esclarecer dúvidas sobre as possibilidades e limitações da escolarização de alunos com

algum tipo de transtorno, deficiência ou altas habilidades.

Durante este processo foi possível constatar que a situação refletia um problema maior

enfrentado nas Instituições Educacionais, qual seja, as práticas e vivências de exclusão

experimentadas por toda comunidade (pais, professores, funcionários e alunos) em algum

momento. A partir do referencial conceitual-analítico trabalhado pelo Lapeade, o Índex

para a Inclusão, constatamos inúmeras barreiras à aprendizagem e à participação no

114 A expressão bullying corresponde a um conjunto de atitudes de violência física e/ou psicológica, de caráter intencional e repetitivo, praticado por um bully (agressor) contra uma ou mais vítimas que se encontram impossibilitadas de se defender. (Silva, 2010:21)

115 A Síndrome de Asperger é um Transtorno Global do Desenvolvimento e apresenta dentre seus sintomas mais marcantes os seguintes: alteração qualitativa das interações sociais recíprocas, semelhante à observada no Autismo, com um repertório de interesses e atividades restrito, estereotipado e repetitivo. (Código Internacional de Doenças 10, F84.5)

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contexto escolar que impedem que algumas pessoas sintam-se incluídas no sistema de

ensino. Entendemos a Inclusão em Educação como um processo que deveria envolver toda

a comunidade na criação de um ambiente favorável e criativo capaz de desenvolver as

potencialidades humanas através de interações desafiadoras proporcionadas pelo

reconhecimento e valorização das diferenças.

Com o objetivo de ampliar as discussões e envolver todos os segmentos escolares em uma

autorrevisão capaz de criar culturas, desenvolver políticas e promover práticas mais

inclusivas, propusemos o projeto de pesquisa-ação que foi aceito pela direção da escola no

ano de 2010 com previsão de duração de quatro anos. Seguindo o referencial teórico e

metodológico proposto no “Index para a Inclusão”116 (BOOTH e AINSCOW, 2002),

formamos um grupo coordenador da pesquisa que deveria contemplar a participação por

representação de todos os segmentos escolares: professores, alunos, pais, funcionários e

equipe diretiva, a fim de proceder à análise do contexto institucional, identificando

barreiras, propondo e efetivando ações para minimizá-las.

Para constituir o grupo coordenador realizamos reuniões para apresentar o projeto de

pesquisa, promover uma sensibilização sobre o conceito de inclusão e convidar as pessoas

a participar. Ao final desta etapa inicial contamos com a participação efetiva de quatro

professores, uma coordenadora pedagógica, uma coordenadora de turno e cinco alunos. O

grupo passou a se reunir semanalmente no turno da manhã, em horários alternados para

facilitar a presença de alunos e professores em seu turno de aula, e sempre esteve aberto

para a participação de qualquer pessoa que tivesse interesse. Durante o primeiro ano mais

duas professoras se inseriram no grupo e o número de alunos participantes foi variando ao

longo do tempo.

Tivemos algumas dificuldades em conseguir que representantes dos outros segmentos

participassem dos encontros. Percebemos muita resistência dos funcionários em participar. 116 BOOTH, Tony, e Mel AINSCOW. Index Para a Inclusão: Desenvolvendo a aprendizagem e a participação na escola. 2ª. Edição. Edição: UNESCO/CSIE. Tradução: Mônica Pereira dos Santos. Produzido pelo Laboratório de Pesquisa, Estudos e Apoio à Participação e à Diversidade em Educação – LaPEADE, FE-UFRJ: 2002. Disponível em HTTP://www.lapeade.com.br. Ao longo do texto passaremos a usar a terminologia Index ou Index para a Inclusão nos referindo a esta bibliografia.

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Eles mostravam-se solícitos, porém argumentavam que não poderiam deixar o trabalho

para estar na reunião. Estiveram presentes apenas quando intimados pela direção da escola

a responderem alguma questão específica.

Com relação às famílias dos alunos, não obtivemos acesso a elas no ano de 2010, porque

não presenciamos nenhuma atividade com as famílias na escola, caso tenha ocorrido, não

fomos notificados pela direção, de maneira que pudéssemos nos apresentar ou convidá-las

a fazerem parte do grupo de pesquisa-ação. No ano seguinte aproveitamos as reuniões de

pais no início do ano letivo e conseguimos a adesão de cerca de dez pessoas que variaram a

presença ao longo do ano.

Nas reuniões semanais foram discutidos aspectos relativos à inclusão bem como às

percepções sobre as barreiras à participação da comunidade escolar, procurando

estratégias/ações para diminuí-las. Ao longo do tempo, avaliações constantes permitiram

detectar avanços e retrocessos. Dentre as dificuldades destacam-se as mudanças constantes

dos membros da equipe diretiva e a falta de comprometimento destes para com as ações

propostas no grupo coordenador. Um dos pontos considerados mais gratificantes foi o

próprio processo vivido nos encontros deste grupo.

Os participantes consideravam extremamente relevantes o espaço de troca de opiniões e

considerações, constituindo-se um verdadeiro espaço de aprendizagem onde tiveram a

oportunidade de serem confrontados com visões diferenciadas de acordo com a posição de

cada um na escola. Assim, muitas vezes presenciamos professores surpresos com a visão

dos alunos sobre determinados acontecimentos, bem como alunos e pais mostraram-se

solidários com algumas dificuldades enfrentadas por professores dentro das salas de aula.

Tendo isso em conta, atentamos para a necessidade de aproximar e compartilhar

posicionamentos e percepções entre todos os elementos da comunidade escolar. Como

estratégia, resolvemos aplicar um questionário sugerido no “Index para a Inclusão” para

ser utilizado com alunos de ensino médio e a partir da análise das respostas produzir um

material representativo deste segmento para discutir com os demais.

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As dimensões de inclusão em educação:culturas, políticas e práticas

O Index para a Inclusão foi produzido na Inglaterra por uma equipe composta de

professores, pais, gestores, pesquisadores e representante de organizações de pessoas com

deficiência com experiência prévia no processo de desenvolvimento da inclusão em

escolas. Basicamente o material se propõe a orientar as instituições a promover um

processo de autodiagnóstico para identificar barreiras à aprendizagem e à participação,

decidir prioridades para o desenvolvimento de ações e garantir a sua sustentação, através

da revisão do seu próprio progresso.

Para auxiliar na investigação, o Index contém uma série de indicadores e questões que

propiciam uma exploração consistente e questionadora da posição atual da escola e das

possibilidades de avanço. Para tanto a metodologia proposta é a pesquisa-ação, que deverá

ser liderada por um grupo coordenador representativo de todos os segmentos escolares.

Segundo Thiollent (2008), a pesquisa-ação é um tipo de pesquisa social com base empírica

que é concebida e realizada em estreita associação com uma ação ou com a resolução de

um problema coletivo e na qual os pesquisadores e os participantes representativos da

situação ou do problema estão envolvidos de modo cooperativo ou participativo. Por isso

constitui-se num método de condução de pesquisa aplicada, orientada para elaboração de

diagnósticos, identificação de problemas e busca de soluções.

Convém destacar que a utilização do Index como um referencial conceitual-analítico

permite que cada instituição possa desenvolvê-lo de forma singular de acordo com suas

possibilidades e peculiaridades, permitindo elaborações e adaptações necessárias à

realidade de cada pesquisa. De acordo com Booth & Ainscow (2002, p. 7) “(...) qualquer

uso que promova a reflexão sobre inclusão e leve a uma maior participação de estudantes

nas culturas, nos currículos e nas comunidades de suas escolas é legítimo”.

Os autores entendem o conceito de inclusão vinculado ao ideal de uma Educação que

promova a aprendizagem de todos os alunos, independente de qualquer classificação.

Assim, a inclusão se efetiva à medida que os obstáculos, entendidos como barreiras à

participação e à aprendizagem, são minimizados. A exclusão é pensada de modo amplo.

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Refere-se a todas as intenções e atitudes que de alguma forma impedem ou dificultam a

participação de qualquer integrante da comunidade escolar. Sejam elas relacionadas à

aprendizagem, ao acolhimento e socialização, às decisões políticas e/ou cotidianas da

escola. Dessa forma, a inclusão é um processo infindável que se coloca como uma meta

primordial a ser perseguida.

De acordo com Santos (2003, p. 81):

Inclusão não é a proposta de um estado ao qual se quer chegar. Também não se resume na simples inserção de pessoas deficientes no mundo do qual têm sido geralmente privados. Inclusão é um processo que reitera princípios democráticos de participação social plena. Neste sentido, a inclusão não se resume a uma ou algumas áreas da vida humana, como, por exemplo, saúde, lazer ou educação. Ela é uma luta, um movimento que tem por essência estar presente em todas as áreas da vida humana, inclusive a educacional. Inclusão refere-se, portanto, a todos os esforços no sentido de garantia da participação máxima de qualquer cidadão em qualquer arena da sociedade em que viva, à qual ele tem direito, e sobre a qual ele tem deveres.

Assim, a inclusão não é um fim ao qual se quer chegar, mas um processo em busca da

minimização das exclusões, que como tal, veicula princípios democráticos de participação

social. Para Santos (2009) a Inclusão contempla o incentivo à participação de todo e

qualquer membro da escola que esteja em processo ou em risco de exclusão, envolvendo-

os nas discussões e sugestões de práticas pedagógicas e gestão escolar e, no caso particular

do educando, de participar também na construção do próprio processo educacional.

Nesse sentido, acreditamos que promover a participação de todos os segmentos escolares,

no processo de identificação dos problemas encontrados no cotidiano escolar e propostas

de soluções pertinentes ao contexto vivido é equivalente a reduzir os processos excludentes

que estejam presentes.

Para isso a proposta do Index é analisar a realidade institucional com base em três

dimensões: culturas, políticas e práticas. Segundo Booth & Ainscow (2002) a construção

de culturas inclusivas relaciona-se com os princípios éticos veiculados no cotidiano,

presentes nas políticas e vivenciados nas práticas escolares. São considerados inclusivos os

valores compartilhados no ambiente escolar por todos os seus membros, voltados à criação

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de uma comunidade receptiva, colaboradora, na qual todos são valorizados com o objetivo

de estimular ao máximo o potencial de cada um.

Na perspectiva dos autores, políticas inclusivas são aquelas que asseguram e encorajam a

participação de todos os segmentos escolares (estudantes, professores, funcionários e pais)

nas discussões sobre os problemas enfrentados no cotidiano e na criação de estratégias que

visam minimizar as pressões excludentes. Assim, desenvolver políticas inclusivas é

garantir que a inclusão permeie todos os planos da escola, contendo proposições para

responder à diversidade da comunidade escolar.

Neste contexto a orquestração das práticas reflete as culturas e as políticas inclusivas da

escola. Neste caso a prática pedagógica reflete as diferenças existentes entre os alunos,

aproveitando seus conhecimentos prévios e experiências de vida para engajá-los

ativamente em seu próprio processo de aprendizagem. Os recursos utilizados para apoiar a

aprendizagem e participação de todos são desenvolvidos e compartilhados na/pela

comunidade escolar.

Considerando estas categorias de análise como inseparáveis e interdependentes, Santos

(2013) acrescenta uma dimensão dialética e complexa para compor uma perspectiva

omnilética que torna possível relacionar os processos de inclusão e exclusão a partir do

interjogo das dimensões de culturas, políticas e práticas. Com este conceito a autora

pretende romper com a oposição dual e classificatória operada pelo senso comum que

tende a atribuir um juízo de valor único e irrefutável à inclusão se opondo à exclusão.

Santos (2013) define a omnilética como

“(...) um modo totalizante de se perceber os fenômenos sociais os quais compõem, em si mesmos, possibilidades de variações dialeticamente infinitas e nem sempre imeditamente perceptíveis visíveis ou imagináveis, mas nem por isso ausentes ou impossíveis, pois seu caráter relacional, referencial e participativo (no sentido de ser parte) torna aquilo que se percebe do fenômeno tanto sua parte instituída quanto é, esta mesma, sua instituinte.” (p.23-4).

Seguindo esta orientação, pretendemos analisar as respostas dos questionários aplicados

aos alunos da escola como representativas das culturas, políticas e práticas em que estão

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inseridos. Interessa-nos apontar possibilidades de significação que emergiram dos dados

em conjunto com a percepção proveniente da intensa vivência dos próprios pesquisadores

no campo de pesquisa.

A participação dos alunos: analisando dados

Para aplicação dos questionários selecionamos uma amostra de 20% das turmas existentes

na escola no turno da manhã com representação de todas as séries. Este quantitativo

representa quatro turmas de primeiro ano, uma de segundo e uma de terceiro em um total

de 29 turmas existentes, totalizando 242 questionários respondidos.

A primeira coisa que nos chamou muita atenção é que a escola possui, no turno da manhã,

17 turmas de primeiro ano, 08 turmas de segundo e apenas 04 turmas de terceiro ano. Ao

aplicarmos o questionário nas turmas sempre introduzíamos uma pequena discussão sobre

o conceito de inclusão para inserir o grupo na temática antes do preenchimento do

instrumento. Neste momento perguntamos o que eles achavam desta desproporção tão

grande entre o quantitativo de turmas de primeiro e de terceiro ano, incentivando-os a

elencarem os motivos que podem levar a exclusão de alguns alunos do ensino médio. Os

principais motivos apontados foram a gravidez na adolescência, a falta de recursos

financeiros para a permanência na escola, trabalho, drogas e dificuldades de aprendizagem.

As dificuldades de aprendizagem costumam estar associadas a práticas excludentes

praticadas pelos sistemas de ensino podendo levar ao chamado “fracasso escolar”. Em

geral costumam ser causa de reprovações sucessivas e as escolas ainda demonstram muita

dificuldade em estabelecer políticas que prevejam os recursos de apoio necessários para a

superação das defasagens. Pode-se dizer também que em termos de cultura, as dificuldades

de aprendizagem possuem um valor negativo, provocando rótulos, gerando baixas

expectativas com relação aos alunos que muitas vezes não são incentivados por seus

professores.

Percebemos através das respostas que um número significativo dos alunos que encontram

alguma dificuldade (41,8%) pede ajuda aos seus professores, mas o que chama atenção é

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que 42,7% concorda apenas em parte e 15,5% discorda, donde concluímos que grande

parte dos alunos não se sente a vontade para pedir ajuda para os próprios professores

quando estão em dificuldades.

Isso parece se confirmar através da constatação de que apenas 28,3% dos alunos

concordam que esteja aprendendo muito nesta escola, sendo que 57,8% concordam apenas

em parte. Em contato com os alunos pudemos perceber que isto se deve a dificuldade

encontrada com relação a alguns professores específicos. A maior parte dos relatos diz

respeito a dificuldades de interação e não necessariamente ligados estritamente a matéria

lecionada. Neste caso parece que a alternativa encontrada por grande parte dos alunos

(45,5%) é pedir ajuda dos colegas quando tem dificuldade com os deveres o que nos parece

muito positivo no sentido de revelar a colaboração entre eles. Infelizmente a escola não

conta com professores assistentes ou de apoio, mas 54,8% concordam que este recurso

poderia facilitar a aprendizagem.

Outro fato parece indicar que alguns alunos acusam dificuldade de interação com alguns

professores. O questionário revela isso quando 30,7% dos alunos discordam da afirmação

de que os professores dão atenção às suas ideias em sala de aula. Ainda assim, o mesmo

percentual de alunos concorda que os professores são capazes de relevar os erros

cometidos pelos alunos desde que eles demonstrem terem se esforçado ao máximo na

realização das tarefas. Interpretamos essa situação como possibilidade de um grupo

significativo de alunos sentirem-se desvalorizados por alguns professores que não lhes dão

a atenção devida, mas ainda assim percebem que se demonstrarem esforço em aprender,

parte dos professores será capaz de reconhecer seu empenho.

Essa situação, ao nosso ver, não representa uma cultura de inclusão, ao contrário os alunos

são atendidos em suas dificuldades, não pelo simples fato de sofrerem barreiras à

aprendizagem e à participação, mas se forem capazes de provar que possuem mérito para

serem auxiliados em suas dúvidas e dificuldades, o que mais uma vez nos revela culturas e

práticas de exclusão que criam barreiras à permanência e principalmente, ao sucesso

escolar dos alunos no ensino médio.

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O questionário nos revelou ainda dificuldades nas relações interpessoais, ao revelar que

apenas 15% concordam que os profissionais da escola são atenciosos enquanto 52,9%

concordam em parte. Mais uma vez acreditamos que a concordância parcial permite

ressalvar que nem todos os profissionais agem da mesma maneira, mas que de forma geral

não podem concordar totalmente com a afirmação. Ouvimos muitas queixas com relação

ao modo como são tratados por membros da equipe diretiva e alguns professores, o que

demonstra mais uma barreira enfrentada pelos alunos, pois uma gestão e professores que

expressam valores autoritários não contribuem com a participação dos alunos e da

comunidade nas atividades e no espaço escolar como um todo.

A percepção dos alunos de que os colegas com deficiência são tratados com consideração

nos chamou a atenção, pois 78,5% confirmaram essa tendência, enquanto apenas 2%

discordaram dessa afirmação. Parece que o clima de sensibilidade à deficiência é um valor

que tem sido desenvolvido pela escola, mesmo que não seja ainda compartilhado por todos

os atores escolares. Em relação ao acolhimento, 52,7% dos alunos concordam que qualquer

aluno será bem acolhido na escola, enquanto 40,6% parecem ter dúvidas quanto a isto, ao

concordarem apenas parcialmente com a afirmação. Essa questão está condicionada a um

significativo grau de subjetividade sobre a relação que cada aluno estabelece com o espaço

e o cotidiano escolar, pois certamente as questões serão respondidas com base na

experiência de acolhimento vivenciada por cada aluno, portanto é uma questão relevante,

uma vez que consideramos que um mesmo evento ou situação pode representar inclusão ou

exclusão conforme o sentimento que desperta em cada pessoa.

As regras relativas ao comportamento constituem um relevante parâmetro para percebemos

como a escola procede em relação às distorções comportamentais de seus alunos.

Identificamos 35,3% dos alunos acreditam que serão suspensos se realmente se portarem

mal, enquanto a maioria (53,5%) concorda parcialmente com essa afirmação,

possivelmente, o que pode significar que concordam com essa punição conforme a

situação, pois 54,8% admitem que seja certo suspender um aluno que se comportou mal.

Em uma perspectiva inclusiva, a suspensão das aulas não é uma estratégia para solucionar

problemas comportamentais, pois implicaria em barreiras e discriminação comportamental.

De acordo com Nascimento (2009) a indisciplina pode ser provocada pelos próprios

profissionais da escola, ao manterem uma relação distante com seus alunos, o que inclui

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situações de descaso com a turma, comportamentos agressivos, autoritários e

desrespeitosos. A não participação da formulação das regras pode ser outra hipótese

explicativa do desrespeito às mesmas. Nas palavras da autora:

O autoritarismo ou a rigidez na aplicabilidade de uma norma pode ser arbitrária e irresponsável, pois não adianta sugerir regulamentos que não se enquadram à realidade cultural dos sujeitos que formam uma turma. Partindo desse pressuposto, a indisciplina é gerada muitas vezes pela rigidez e incompreensão por parte da instituição e também dos professores (NASCIMENTO, 2009, p. 216)

Em relação ao bullying, os alunos mostraram-se preocupados (54,1%) com a possibilidade

de ser alvo de intimidações (bullying). Entre os alunos, 47,5% se preocupam com a ideia

de ser alvo de xingamentos, em caso dessa ocorrência 52,7% se queixariam a um

professor. O número de alunos que não se reportaria ao professor para solicitar ajuda nos

chamou a atenção e ao questionarmos em algumas turmas porque não procurariam

professores para pedir ajuda, eles responderam que não acreditavam que os professores ou

a direção resolveriam o problema. Neste caso se queixariam aos pais ou mesmo à polícia,

entretanto, alguns alunos elencaram possíveis professores para ter esta conversa e solicitar

apoio, visto que nem todos os professores são acessíveis.

Nosso objetivo inicial com o questionário foi promover um processo de reflexão entre os

alunos acerca de sua condição de inclusãoexclusão na escola, para isso as questões

versavam sobre as relações colaborativas de aprendizagem entre alunos e professores, o

tratamento à diferença dos alunos, os processos de participação e de decisão no que se

refere às questões disciplinares, entre outras relacionadas ao cotidiano da sala de aula e da

escola com um todo. Em conformidade com nosso referencial, buscamos no primeiro

momento, evidenciar as barreiras existentes e as conquistas já alcançadas pela escola, para

então criarmos situações e soluções coletivas que pudessem reverter barreiras existentes e

desenvolver culturas, políticas e práticas voltadas para a inclusão no universo investigado.

Considerações finais

De modo geral a participação dos alunos através do questionário evidenciou a existências

de grandes barreiras escolares, que em nosso entender, se tratam de processos de exclusão

vivenciados no cotidiano escolar.

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Percebemos que os alunos possuem grande capacidade crítica ao identificar e

problematizar as práticas excludentes, mas não há uma cultura de participação na escola

que lhes possibilite apresentar propostas e sugestões que minimizem as barreiras

identificadas.

Para haver significativas mudanças, seria importante a participação e a colaboração de

todos os atores escolares, todavia encontramos resistência por parte da gestão e da maioria

do corpo docente, que se recusa a assumir e discutir as dificuldades existentes. Sabemos

que o processo de aprendizagem não se limita a aulas e conteúdos, que as barreiras de

aprendizagem e as exclusões persistentes impedem a continuidade, a participação e a

permanência de nossos alunos nos bancos escolares. Diante disso indagamos: o que fazer

para mudar essa dura realidade Como possibilitar experiências enriquecedoras aos nossos

alunos, baseadas nos princípios e valores de inclusão em educação

Mesmo que não tenhamos tais respostas, evidenciamos que a presente pesquisa tem

possibilitado nosso contato com essa realidade que precisa ser mudada e assumindo que o

processo de inclusão é permanente e infindável estamos convictas da necessidade assumir

o diálogo como construção possível e despertar na comunidade escolar a ideia de que um

clima institucional mais inclusivo é benéfico para todos.

Referências bibliográficas:

BOOTH, Tony, e Mel AINSCOW. Index Para a Inclusão: Desenvolvendo a aprendizagem e a participação na escola. 2ª. Edição. Edição: UNESCO/CSIE. Tradução: Mônica Pereira dos Santos. Produzido pelo Laboratório de Pesquisa, Estudos e Apoio à Participação e à Diversidade em Educação – LaPEADE, FE-UFRJ: 2002. Disponível em HTTP://www.lapeade.com.br.

NASCIMENTO, S.D.P. Indisciplina Escolar: o professor pode ser o causador desse problema In: FERREIRA, A.L. (org.). A Escola socializadora: além do currículo tradicional. Natal, RN: EDUFRN, 2009, p. 207-224. SANTOS, Mônica Pereira dos. O Papel do Ensino Superior na Proposta de uma Educação Inclusiva. Movimento, v. 7, n. maio 2003, p. 78-91, 2003. ______. Inclusão. In: SANTOS, Mônica Pereira; FONSECA, Michele P. S. e MELO, Sandra Cordeiro de. (org) Inclusão em Educação: diferentes interfaces. Curitiba: Editora CRV, 2009.

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_____. Dialogando sobre Inclusão em Educação: Contando Casos (e descasos). 1ª Ed. Curitiba, PR: CRV, 2013.

SILVA, Ana Beatriz Barbosa. Bullying: mentes perigosas nas escolas. Rio de Janeiro: Objetiva, 2010.

THIOLLENT, Michel. Metodologia da Pesquisa-Ação. 16 ed. São Paulo: Cortez, 2008.