o processo de contratação pública · maneira integrada, para fazer jus ao título de o processo...

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Renato Geraldo Mendes O PROCESSO DE CONTRATAÇÃO PÚBLICA Fases, Etapas e Atos Curitiba • 2012 O Processo de Contratação Pública Fases, Etapas e Atos Renato Geraldo Mendes

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Renato Geraldo Mendes

O PROCESSO DE CONTRATAÇÃO PÚBLICA

Fases, Etapas e Atos

Curitiba • 2012

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O Processo deContratação Pública

Fases, Etapas e Atos

Sobre o Autor

Renato Geraldo Mendes

Advogado e consultor jurídico na área de contratação pública. Fundador da Zênite S.A., uma das empresas de consultoria, treinamento

e suporte técnico à Administração Pública mais conceituadas do País. Coordenador geral da Revista Zênite – Informativo de Licitações e

Contratos (ILC). Autor das obras O Novo Regime Jurídico das Licitações e Contratos de

Acordo com a Lei nº 9.648/98. Curitiba: Zênite, 1998, O Regime Jurídico da

Contratação Pública. Curitiba: Zênite, 2008 e Lei de Licitações e Contratos Anotada. 8. ed. Curitiba: Zênite, 2011. Autor de inúmeros

artigos publicados sobre o tema.

Foi Chefe da Assessoria Jurídica da Secretaria de Esportes e Turismo do Estado do Paraná e Assessor Jurídico do Tribunal de Contas do

Estado do Paraná. Nos últimos 25 anos, tem se dedicado à formação e capacitação de

profissionais da área da contratação pública, bem como ao desenvolvimento de estudos,

pesquisas e produção técnica com o objetivo de contribuir na estruturação de uma nova

visão e concepção jurídica sobre a gestão e o regime jurídico da contratação pública.

Este trabalho reflete o conjunto de ideias que possibilitou a estruturação de uma nova concepção sobre o fenômeno da contratação pública e seu regime jurídico. As reflexões aqui expostas são fruto do esforço de revelar a lógica dos regimes jurídicos das Leis nºs 8.666/93 e 10.520/02 (pregão), sem a qual a exata compreensão da ordem jurídica ficará ofuscada.

O fenômeno da contratação pública tem sido visto, equivocadamente, como sinônimo de licitação, e não como um processo amplo, harmônico e coerente. A contratação pública possui, além da fase externa (na qual a licitação se realiza), duas outras fases fundamentais: a de planejamento e a contratual, que contam com estrutura, finalidade e lógicas distintas da realidade que se pode qualificar como licitação. O mais difícil não é realizar a licitação, mas sim planejar a contratação e gerir e fiscalizar o contrato.

A obra reúne parte das ideias e informações que o autor tem transmitido em cursos e seminários ministrados na última década, período em que se dedicou a repensar o modelo atual e a estruturar uma nova concepção que permite aos agentes públicos executar, da forma mais eficiente possível, as suas funções.

Fazendo uma comparação com a área tecnológica, é necessário sair da fase analógica da contratação pública, em que nos encontramos, e ingressar na digital. Apenas o fato de realizarmos contratações eletrônicas não significa que evoluímos. O procedimento é eletrônico (virtual), mas a concepção adotada é analógica, pois é exatamente a mesma edificada nos anos 80 com a edição do Decreto-Lei nº 2.300/86; não houve mudança essencial. Ainda estamos no primeiro estágio de evolução, isto é, a versão 1.0, tipo analógica. Assim, precisamos inaugurar a versão 2.0, do tipo digital. Para tanto, é preciso ter uma palavra em mente: PLANEJAMENTO.

Esta obra é um convite formal a iniciarmos essa nova fase evolutiva na contratação pública.

Uma visão integral do processo de contratação pública;

Conhecer as fases, etapas e os atos que constituem o processo;

Entender a estrutura do planejamento;

Avaliar técnicas de tomada de decisão na área da contratação pública;

Conhecer os dois principais atos que disciplinam a contratação (Lei nº 8.666/93 e Lei nº 10.520/02);

Ter uma visão precisa do perfil constitucional da contratação pública;

Compreender quando é cabível a licitação e quando ela não é exigível;

Escolher adequadamente o regime de execução (empreitada por preço global ou por preço unitário);

Conhecer os princípios e valores que orientam a contratação pública;

Entender quando é cabível o pregão e quando ele não deve ser adotado;

Compreender como se forma o contrato;

Obter uma formação sólida como gestor em contratação pública;

Contribuir para a construção de um novo modelo de gestão da contratação no setor público.

Esta obra proporciona ao leitor:

Renato Geraldo Mendes

Copyriht © 2012 Editora Zênite

1ª edição, junho de 2012.

Projeto Gráfico Celso Bock

Revisão Fabia Mariela De Biasi Mariana Bordignon Strachulski de Souza

Finalização Joelma Staviski Sanchez Gomes

ZÊNITE EDITORA

www.zenite.com.br

[email protected]

(41) 2109-8666

MENDES, Renato Geraldo.

O Processo de Contratação Pública – Fases, etapas e atos / Renato Geraldo Mendes. Curitiba: Zênite, 2012.

ISBN: 978-85-99369-18-0

1. Licitação Pública. 2. Contrato Administrativo.

3. Administração Pública. 4. Direito Administrativo. I. Título.

Todos os direitos reservados ao autor. É expressamente proibida a repro-dução total ou parcial desta obra, por qualquer meio ou processo, sem prévia autorização do autor (Lei nº 9.610, de 19.02.98, DOU 20.02.98).

Impresso no Brasil

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À Sinara, amor e companheira de todos os momentos.

Às minhas filhas, Maria Fernanda e Maria Renata.

Ao meu pai, Otacílio, nos seus 93 anos.

À memória de Idalina, a quem devo muito da minha educação.

À memória de minha mãe, Julieta.

À Diretoria da Zênite, Anadricea, Hilda, Ricardo e Regina.

A todos os funcionários da Zênite.

Às pessoas que me ajudaram a chegar até aqui.

Por fim, este trabalho é dedicado ao amigo Fábio Tokars, com quem tenho partilhado importantes momentos de reflexão sobre o Direito e o ensino.

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Apresentação

Sumamente honrado pelo convite para fazer a apresentação desta obra, não posso deixar de registrar a dificuldade em apresentar algo que dispensa qualquer apresentação, pois tanto o autor como a obra são bastante conhecidos por todos quantos, em qualquer condi-ção, militam na área de licitações e contratos administrativos.

Renato Geraldo Mendes é autor consagrado. Sua portentosa obra Lei de Licitações e Contratos Anotada, já em sua 8ª edição, é texto de consulta obrigatória para quem se defronta com a tarefa de interpretar e aplicar qualquer dispositivo do chamado Estatuto de Licitações e Contratos Administrativos.

Da mesma forma, a obra apresentada também não é inédita, pois teve uma primeira edição em 2008, sob a designação de Regime Jurí-dico da Contratação Pública. Nela não se cuida apenas das licitações e contratações feitas no regime da Lei nº 8.666/93, mas também das contratações feitas por meio do pregão, em todas as suas modalida-des e variações. Porém, conforme esclarece o autor, a presente edição foi substancialmente aumentada, atualizada e abordou a matéria de maneira integrada, para fazer jus ao título de O Processo de Contrata-ção Pública, podendo, sim, ser considerada um novo livro.

Com efeito, o grande mérito desta obra é destacar que a execu-ção do contrato e a interpretação de suas cláusulas têm uma íntima e inseparável relação com o procedimento de seleção do contratante, o qual, por sua vez, foi escolhido e talhado em função das necessi-dades a que a Administração Pública visava a atender por meio da celebração de um contrato administrativo.

Inúmeras controvérsias em matéria de execução contratual poderiam ser evitadas se tivesse havido um cuidado maior na fase de seleção da proposta vencedora, com base num adequado plane-jamento, que permitisse a mais correta identificação do objeto do futuro contrato, tendo em vista as finalidades almejadas pela Admi-nistração contratante.

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Essa ideia central está exposta no decálogo que o autor desig-nou como princípios da contratação, o qual pode ser sumariado em poucas palavras: definição do objeto da contratação de maneira a efetivamente atender às necessidades da Administração; preço justo; observância das exigências orçamentárias e financeiras; regras claras e objetivas para o julgamento das propostas; efetiva competição entre os interessados; participação do maior número de interessados, sem exclusões indevidas; decisões efetivamente motivadas e que possam ser sustentadas; escolha do vencedor por critérios objetivos; e neces-sidade de o contrato efetivamente espelhar uma relação de equiva-lência entre os encargos e a remuneração.

Todos esses assuntos são objeto de análise aprofundada ao longo do texto, mas sempre com extraordinária objetividade e cla-reza, sem divagações, com o propósito de apresentar soluções. Para isso, muito contribuiu a larga experiência do autor, lastreada na riquís-sima casuística proporcionada por anos de atividade na presidência da Zênite.

Merece especial destaque o tratamento dado à inexigibilidade de licitação, especialmente para a contratação de serviços técnicos profissionais especializados. Entre todas as tormentosas questões que esse tipo de contratação enseja, o autor enfrenta, com muita firmeza, o tema da confiança no contratado, salientando que “a confiança não é subjetiva, do agente que contrata, mas objetiva, pois decorre do conceito que qualifica o prestador”.

Esse exemplo mostra a relevância da fase preliminar ou prepa-ratória da licitação para a mais perfeita escolha do contratado, seja por meio da licitação ou de sua dispensa ou inexigibilidade. Sem uma definição clara dos objetivos a atingir, é difícil chegar a uma boa contratação. Sem uma definição objetiva dos critérios de escolha do contratado, por meio da motivação, é difícil justificar uma contrata-ção questionada pelos órgãos de controle.

No final do livro, sob a designação de Considerações Finais, estão enumeradas 77 conclusões, abrangendo todo o processo de contratação, desde o planejamento, passando pela licitação e che-gando à execução do contrato, que permitem uma visão de conjunto

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de tudo aquilo que foi objeto de discussão no texto. Nenhuma delas é gratuita, no sentido de ter sido lançada a esmo, sem reflexão. Muito ao contrário, elas são o produto da somatória de conhecimento téc-nico, larga experiência no trato da matéria e invejável competência didática para expor com simplicidade e fácil compreensão as pautas para a realização de contratações bem-sucedidas.

Sem dúvida alguma, a obra oferece um caminho firme, seguro e expedito para quem pretende realizar contratações com o sadio e verdadeiro propósito de atingir plenamente a satisfação do inte-resse público, respeitando a legalidade, buscando a economicidade e, acima de tudo, com inquestionável probidade.

Enfim, o que este livro revela é o amadurecimento tanto do autor quanto do tratamento das questões abordadas, com largo pro-veito para o leitor, que poderá captar de plano, imediatamente, tudo aquilo que demandou muito tempo para ser produzido.

São Paulo, junho de 2012.

Adilson Abreu DallariProf. Titular da PUC/SP

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Nota do autor

Esta obra é a continuidade das reflexões materializadas em estudo anterior, lançado pela Zênite em 2008, sob o título O Regime Jurídico da Contratação Pública. Naquela ocasião, minha intenção já era intitular o trabalho de O Processo de Contratação Pública. No entanto, entendi que a obra precisaria ser mais bem estruturada para merecer um nome tão amplo, o que acontece agora. Assim, além da revisão geral em todos os capítulos anteriores, a nova obra ganhou 8 novos capítulos. Somados aos 7 anteriores, totalizam-se 15 capítulos, mais um capítulo final, que reúne algumas das principais conclusões.

O conjunto da obra registra uma nova concepção, uma nova forma de ver o fenômeno da contratação pública. É preciso evoluir e enxergar outros horizontes, aceitar novas ideias e repensar o que fazemos nessa área. A atividade contratual do Estado é fundamental, pois assegura que os recursos públicos sejam bem empregados e as necessidades públicas relacionadas à contratação de obras, serviços e compras sejam satisfeitas.

Nesses últimos anos, houve algumas conquistas, mas ainda há muito a ser feito. O problema não está na necessidade de mudança legislativa. Aliás, temos um marco regulatório muito satisfatório, muito bom. Precisamos entender o fenômeno na sua integralidade e reconhecer as suas diferentes fases e etapas, bem como saber para que serve cada uma e como interagem entre si. Atingir esse estágio é fundamental para evoluir e obter, cada vez mais, eficiência nas rela-ções contratuais. Esse é um processo dinâmico.

Com esta edição, tenho a impressão de que a obra ganha muito em consistência e em maturidade. Só assim poderá auxiliar os agen-tes públicos na melhor compreensão desse fenômeno, na solução dos problemas e no atingimento das metas de eficiência, indispensáveis à adequada e moderna gestão dos recursos públicos.

No final da obra, há vários ciclos que facilitam a visualização do leitor e constituem fonte importantíssima para a identificação e

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compreensão dos atos que integram as diferentes etapas do processo. Assim, é possível visualizar e conhecer a sequência e o rito do pro-cesso de contratação de forma simples, direta e didática.

É preciso ver o processo de contratação como uma realidade “3D”, formada por três diferentes dimensões: planejamento, seleção da proposta e contrato. É fundamental ter a clareza de que o planeja-mento regula e condiciona o sucesso das fases subsequentes. Lamen-tavelmente, isso ainda não foi reconhecido e incorporado na nossa atividade cotidiana de gestão da contratação pública.

Esta obra é um esforço e uma contribuição para viabilizar um novo modelo de gestão da contratação pública no Brasil. A esse esforço devem se somar outros, pois todos temos a responsabili-dade de contribuir para um País melhor. No entanto, sem uma ges-tão eficiente dos recursos públicos, não conseguiremos atingir esse propósito.

Espero que o leitor encontre aqui orientações e informações que possam ajudá-lo a planejar, conduzir e gerir melhor a contrata-ção pública.

Curitiba, junho de 2012.

Renato Geraldo Mendes

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Sumário

Capítulo 1

O PROCESSO DE CONTRATAÇÃO PÚBLICA E OS REGIMES JURÍDICOS QUE O DISCIPLINAM (LEIS NºS 8.666/93 E 10.520/02)

1. Visão sistêmica do processo da contratação pública ...............................23

2. A contratação é uma realidade inserida na ideia de processo .................25

3. O que é o processo e por que ele existe? ................................................25

4. Validade dos atos do processo ................................................................27

5. Pressuposto e finalidade do processo .....................................................28

6. O processo e suas diferentes fases ..........................................................29

7. O processo e a formação do acordo de vontades ...................................31

8. O processo é regulado por dois regimes jurídicos ..................................32

9. Por que foi editada a Lei nº 10.520/02 (pregão)? .....................................33

10. Por que o pregão não é capaz de resolver o nosso principal pro-blema da contratação? ...........................................................................35

11. As grandes fases do processo de contratação e suas disciplinas legais em cada um dos regi mes jurídicos vigentes (Lei nº 8.666/93 e Lei nº 10.520/02) .................................................................................35

11.1. A fase interna (planejamento e edital) da contratação em cada um dos regimes .....................................................................36

11.2. A condução da fase externa (licitação, dispensa e inexi-gência) em cada regime (análise da pessoa e seleção da proposta) .36

11.3. A disciplina da fase contratual........................................................37

12. O que é mais difícil no processo de contratação pública? ......................38

13. Por que dois regimes jurídicos diferenciados para a contratação pública? Um só não seria suficiente? ......................................................39

14. O regime jurídico da Lei nº 10.520/02 (pregão) é mais moderno e melhor do que o da Lei nº 8.666/93? ...................................................40

15. Os dois regimes jurídicos são complementares? .....................................41

16. Por que há tantos problemas na área da contratação pública e por que eles sempre se repetem de forma cíclica? ........................................41

17. Por que há dificuldades para entender a legislação vigente, a estrutura e os institutos da licitação e do contrato? Como é pos-sível superar isso? ...................................................................................42

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Capítulo 2 OS PILARES DE SUSTENTAÇÃO DO REGIME JURÍDICO DA CONTRATAÇÃO PÚBLICA (LEIS NºS 8.666/93 E 10.520/02) – QUATRO ASPECTOS FUNDAMENTAIS PARA ENTENDER A CONTRATAÇÃO

1. Considerações iniciais ............................................................................45 2. Existência de uma necessidade a ser satisfeita ........................................46 3. Identificação de uma solução (encargo/objeto) capaz de satis-

fazer a necessidade ................................................................................48 4. Seleção de uma pessoa com condições de viabilizar a solução ..............51 5. Melhor equivalência entre o encargo (objeto) a ser cumprido e a

remuneração a ser paga .........................................................................57

Capítulo 3 DEZ PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DA CONTRATAÇÃO PÚBLICA

1. O que são princípios jurídicos? ..............................................................63 2. Onde estão previstos os princípios que serão apresentados? ...................63 3. Quais os princípios da contratação de acordo com a nova con-

cepção? ..................................................................................................64 4. Qual é o conteúdo de cada um dos princípios? ......................................65 5. O gestor deve se nortear pelos princípios (mandamentos) ......................85

Capítulo 4 O PLANEJAMENTO DA CONTRATAÇÃO E SUAS ETAPAS

1. A estrutura do processo de contratação em fases e etapas ......................87 2. A fase interna .........................................................................................87 3. As etapas que estruturam a fase interna da contratação ..........................89

Capítulo 5 IDENTIFICAÇÃO DA NECESSIDADE (O PROBLEMA)

1. Considerações iniciais ...........................................................................93 2. O que se deve entender por necessidade administrativa? .......................93 3. Onde surge a necessidade e quem deve identificá-la? Como ela

deve ser formalizada? .............................................................................94 4. Como a necessidade pode ser classificada? ............................................95 5. O que pode acontecer se falharmos na identificação da necessi-

dade? .....................................................................................................95 6. O que se deve fazer por ocasião da identificação da necessidade? .........96 7. A necessidade tem uma dimensão? ........................................................96

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8. A identificação da necessidade é feita pelo pessoal interno? ..................97 9. Quando a Administração deverá recorrer a terceiros? .............................97 10. A decisão de identificação da necessidade implica responsabili-

dade? .....................................................................................................99 11. Qual a importância da identificação da necessidade para os que

exercem os controles interno e externo? .................................................99 12. É possível retificar a necessidade posteriormente? ................................100 13. Qual a importância da necessidade na definição da relação

benefício-custo? ...................................................................................101 14. Satisfazer a necessidade é a finalidade do processo de contra-

tação? ...................................................................................................102 15. A necessidade pode ser alterada durante a licitação e o contrato? ........103 16. Qual a relação entre fato superveniente e necessidade? .......................103 17. Como se formaliza a necessidade? .......................................................104 18. Como identificar a necessidade em obras, serviços e compras? ............105

Capítulo 6 FORMALIZAÇÃO DA NECESSIDADE – TERMO DE REFERÊNCIA

1. Considerações iniciais e objetivo .........................................................107 2. Quando surgiu a expressão? .................................................................108 3. Qual regime jurídico configura o termo de referência? .........................108 4. Qual o conteúdo do termo de referência no Decreto nº 3.555/00? .......109 5. Qual o conteúdo do termo de referência no Decreto nº 5.450/05? .......112 6. Qual o conteúdo do termo de referência na IN MPOG nº 02/08? .........114 7. Qual o conteúdo do termo de referência na IN MPOG nº 04/10? .........119 8. Distinções entre requisição, termo de referência e projeto básico ........119 9. Plano de trabalho ................................................................................123 10. Conclusões ...........................................................................................125 11. Formalizada a necessidade, qual o próximo passo? ..............................127

Capítulo 7 DEFINIÇÃO DA SOLUÇÃO, OBJETO E DEMAIS OBRIGAÇÕES (ENCARGO)

1. A solução/objeto é condicionada pela necessidade ..............................129 2. O que se deve entender por solução? ...................................................129 3. A questão da qualidade na definição da solução ..................................130 4. O que são encargo e objeto? ................................................................133 5. O fundamento da legalidade das exigências do objeto .........................133 6. O aspecto qualitativo e a dimensão quantitativa do objeto ...................134

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7. A economicidade da solução ...............................................................136 8. A definição do objeto e a questão da restrição à competição ...............138 9. Para definir uma solução, é preciso conhecer o mercado .....................140 10. A relação transparente com o mercado ................................................140 11. A realização de audiência pública para definir a solução e des-

crever o objeto .....................................................................................141 12. A realização de audiência pública para apresentar o plano anual

de contratação ....................................................................................144 13. Por que o objeto precisa ser dividido e quando isso se revela

necessário? ...........................................................................................144 14. A questão da proibição da indicação de marca ....................................147 15. A questão da especificação exclusiva ..................................................147 16. Exigências insuficientes, desnecessárias e excessivas ............................148 17. A justificativa técnica e econômica das exigências ...............................150 18. A descrição do objeto e a questão da exclusividade do prestador ........150 19. O objeto e a questão da localização do fornecedor .............................151 20. A configuração da solução (objeto) e a questão estratégica para

evitar a dependência técnica da Administração ....................................152 21. A questão da solução integrada com vários prestadores atuando

simultaneamente – O problema da individualização das respon-sabilidades ..........................................................................................153

22. A definição da solução e a descrição do objeto feitas pelo próprio pessoal interno .....................................................................................154

23. Como contratar terceiros para definir a solução ou descrever o objeto? .................................................................................................154

24. A questão do impedimento para o terceiro que define a solução ..........156 25. Soluções ou objetos distintos devem ser contratados separada-

mente ...................................................................................................157 26. Atividades incompatíveis não devem ser incluídas no mesmo

item ou na mesma descrição do objeto ................................................158 27. O objeto/encargo deve ser integral e completo.....................................158 28. Todas as vantagens oferecidas pelo mercado e relevantes para a

satisfação da necessidade devem ser contempladas na descrição do objeto/encargo ................................................................................159

29. É vedado fazer opção por solução tecnologicamente defasada .............160 30. A solução ou o objeto da contratação não pode ser a obtenção de

recursos financeiros ..............................................................................160 31. A solução/o objeto deve resolver o problema da Administração,

e não servir de meio para resolver diretamente problemas de ter-ceiros (benefícios pagos aos empregados do terceirizado, etc.) ...........161

32. Definido o objeto, é preciso indicar as parcelas de maior rele-vância técnica? .....................................................................................162

33. A definição do objeto integra o termo de referência? ............................162 34. O que é o projeto básico/executivo para fins de contratação? ..............163

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35. O que é o projeto executivo para fins de contratação? .........................164 36. Quando o projeto básico é necessário e quando não? É certo

determinar que todos os serviços tenham projeto básico? .....................165 37. A indicação das especificações dos insumos e materiais que irão

compor a planilha descritiva do objeto .................................................166 38. Os mecanismos legais que reduzem a restrição à disputa (os con-

sórcios, a divisão do objeto em lotes e itens e a subcontratação) ..........166 39. Todos os serviços e todas as atividades que integram o objeto

devem ser quantificados? .....................................................................168 40. A definição do local de execução ou da entrega do objeto ou

encargo ................................................................................................168 41. A definição do prazo de execução ou da entrega do objeto ou

encargo ................................................................................................169 42. A definição do prazo mínimo de garantia do objeto .............................170 43. A exigência de assistência técnica ........................................................170 44. Exigência de amostra ............................................................................171 45. Exigência de o futuro contratado ministrar treinamento do bem

ou produto que será por ele fornecido ..................................................172 46. Exigência de suporte técnico ................................................................173 47. Exigência de dispor de recursos materiais (máquinas, equipa-

mentos e ferramentas) ..........................................................................174 48. Exigência de dispor de recursos humanos a serem utilizados ...............175 49. Definição de recursos tecnológicos a serem empregados .....................176 50. Definição de condições especiais que demandem necessidade

de adaptação ........................................................................................176 51. Definição de realização de visita técnica .............................................177 52. Definição de realização de despesas extraordinárias (viagens,

hospedagem, etc.) ................................................................................178 53. Definição de produtividade mínima a ser respeitada ............................179 54. Exigência de recolhimento de tributos ..................................................180 55. Definição da obrigação de auxiliar na transferência do contrato

para terceiros .......................................................................................180 56. Definição de exigência de apresentação de relatórios técnicos,

testes, ensaios, etc. ...............................................................................182 57. Definição de exigência da cessão de direitos, transferência de

tecnologias, dados e códigos ................................................................183 58. Definição de exigência de apresentação de garantia de execução ........183 59. Definição de exigência de apresentação de garantia de proposta ........186 60. A quem cabe definir a solução/o objeto? .............................................187 61. Qual a responsabilidade de quem define o objeto/encargo? .................188 62. A necessidade de alterar o encargo depois de definido ........................189 63. Definido o encargo/objeto, qual é o próximo passo no processo? ........191

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Capítulo 8 OS REGIMES DE EMPREITADA NA LEI Nº 8.666/93

1. Uma dúvida generalizada ....................................................................193 2. Os regimes indicados na Lei .................................................................194

2.1. O que é uma empreitada? ............................................................194 2.2. A definição do encargo ................................................................196 2.3. A remuneração pela execução do encargo ...................................197 2.4. A Lei nº 8.666/93 e os referidos regimes ......................................198 2.5. O que são regimes de execução? .................................................200 2.6. Exemplos práticos ........................................................................201

3. Como e quando escolher o regime? .....................................................202 3.1. Como é apurado o preço total? ....................................................202 3.2. A impossibilidade da definição da quantidade deve ser abso-

luta ..............................................................................................203 3.3. O que aconteceria se em todos os casos fosse adotado o

regime de empreitada por preço global? ......................................204 3.4. Uma forma de evitar distorção na equação econômico-finan-

ceira .............................................................................................205 3.5. Em que momento se forma a equação econômico-financeira? .....207 3.6. Em que momento se forma efetivamente a equação eco-

nômico-financeira quando o regime é de empreitada por preço unitário? .............................................................................207

4. A fiscalização do contrato e os regimes de empreitada .........................209 5. A questão do acréscimo quantitativo e os regimes de empreitada

(EPG e EPU) .........................................................................................211 6. A regra e a exceção ..............................................................................213 7. Empreitada integral ..............................................................................213

7.1. Quando deve ser adotada a empreitada integral, afinal? ...............222 8. Tarefa ...................................................................................................223

Capítulo 9 DEFINIÇÃO DO PROCEDIMENTO A SER ADOTADO PARA CONDUZIR A FASE EXTERNA DO PROCESSO DE CONTRATAÇÃO E INDICAÇÃO DOS PRESSUPOSTOS DA LICITAÇÃO

1. O que significa definir o procedimento? ...............................................225 2. A decisão da escolha do procedimento ................................................226 3. O procedimento regra e o procedimento exceção ................................228 4. Os pressupostos da licitação ................................................................230 5. A questão da impossibilidade de definição de critério objetivo de

julgamento ...........................................................................................232

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6. O significado da palavra “competição” no contexto da contra-tação pública .......................................................................................234

7. A disciplina constitucional da contratação pública ...............................237 8. Licitação, dispensa e inexigência – Distinção .......................................244

Capítulo 10 AS MODALIDADES DE LICITAÇÃO

1. Considerações iniciais ..........................................................................249 2. O que é licitação? ................................................................................250 3. O que é modalidade de licitação? ........................................................252 4. Crítica ao critério de escolha das modalidades no regime jurídico

vigente .................................................................................................254 5. Sob o ponto de vista essencial, qual traço distingue o pregão da

concorrência? .......................................................................................256 6. Por que a escolha da modalidade se tornou uma das decisões

mais importantes do processo de contratação? .....................................261 7. Como definir a modalidade em razão de um objeto específico? ...........261

7.1. A solução (o objeto) desejada pela Administração é obra ou serviço de engenharia? .................................................................262

7.2. A solução (o objeto) desejada pela Administração é serviço intelectual? ...................................................................................263

7.3. A solução (o objeto) desejada pela Administração é bem ou serviço comum? ...........................................................................264

7.4. O que a Administração deseja é realizar uma alienação? .............265 7.5. A solução (o objeto) desejada pela Administração é comprar

bem imóvel? ................................................................................268 7.6. A solução desejada pela Administração é selecionar tra-

balho técnico, científico ou artístico? ...........................................268 7.7. A Administração pretende selecionar ofertas para alimentar

o seu Sistema de Registro de Preços? ............................................271 7.8. A Administração deseja conceder ou permitir a exploração

de serviço ou bem público? .........................................................273 7.9. A Administração deseja que a disputa pelo contrato seja de

âmbito internacional? ...................................................................273 8. Como definir a modalidade em razão do valor estimado da con-

tratação? ...............................................................................................275

Capítulo 11 A QUESTÃO DA DEFINIÇÃO DE BENS E SERVIÇOS COMUNS NA LEI Nº 10.520/02 E A PROPOSIÇÃO DE CRITÉRIO TÉCNICO PARA O CABIMENTO DO PREGÃO .........................................................................277

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Capítulo 12 O REGIME JURÍDICO DOS PREÇOS NAS CONTRATAÇÕES PÚBLICAS

1. O preço no contexto da contratação ....................................................291 2. A disciplina jurídica do preço fixada pelo legislador ............................291 3. O padrão monetário dos preços na contratação pública .......................293 4. Preços praticados no mercado (preço de mercado, preço vigente

no mercado e preços correntes) ............................................................295 5. Preço excessivo, preço superior e preço manifestamente superior ........297 6. Preço máximo ......................................................................................300

6.1. O preço máximo é obrigatório ou facultativo? ..............................300 6.2. É obrigatória a fixação de preço máximo no tipo técnica e

preço ou somente no tipo melhor técnica? ...................................300 6.3. Preço acima do máximo deve ser eliminado? ...............................304 6.4. É possível fixar preço máximo apenas para valores unitá-

rios que integram uma planilha de custos e composição de preços? ........................................................................................307

6.5. Cautela na fixação do preço máximo ...........................................307 7. Preço estimado (ou orçado) ..................................................................308 8. Preço mínimo .......................................................................................308 9. Preço de referência (ou referencial) ......................................................309 10. Preço unitário .......................................................................................309 11. Preço global .........................................................................................310 12. Preço certo ...........................................................................................310 13. Preço previamente fixado .....................................................................310 14. Preços propostos ou oferecidos ............................................................311 15. Preço contratado ..................................................................................311 16. Preço reajustado ...................................................................................311 17. Preços repactuados ..............................................................................312 18. Preços atualizados ................................................................................312 19. Melhor preço .......................................................................................312 20. Preços inexequíveis e critério legal de sua aferição nas obras e

nos serviços de engenharia ...................................................................312 20.1. Questões prévias sobre os preços inexequíveis.............................313 20.2. O tratamento normativo dado à questão ......................................313 20.3. O cabimento do novo critério fixado ............................................315 20.4. Incompatibilidade real ou aparente entre o conteúdo do § 1º

e o disposto no inc. II, ambos do art. 48 da Lei nº 8.666/93 ...........317 20.5. A disciplina legal da questão e os pressupostos para a apli-

cação do critério adotado ............................................................317 20.6. Critério para aferição do preço inexequível ..................................319

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20.7. Discordância do licitante quanto à inexequibilidade da sua proposta .......................................................................................321

20.8. Prestação de garantia adicional ...................................................323

20.9. Critério legal para determinar quem prestará garantia adi- cional ...........................................................................................323

20.10. Como deve ser apurado o valor da garantia adicional? .................324

20.11. Uma questão de constitucionalidade em torno da garantia adicional ......................................................................................325

20.12. O valor orçado pela Administração é o preço máximo? ...............328

20.13. O preço inexequível é um problema do licitante. Não haveria por que a Administração se preocupar com ele. É correta essa tese? ..........................................................................329

21. Hipóteses de aceitação de preços simbólicos, irrisórios ou de valor zero .............................................................................................335

22. Preços baseados na oferta dos demais licitantes ...................................336

Capítulo 13 A CONTRATAÇÃO DE SERVIÇOS TÉCNICOS PROFISSIONAIS ESPECIALIZADOS NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

1. Considerações iniciais e objetivo ..........................................................337

2. A disciplina jurídica da contratação de serviços técnicos .....................337

3. Os fundamentos lógicos da contratação pública ..................................338

4. A viabilidade da competição como pressuposto da licitação ................340

5. A visão equivocada de que a licitação é a regra ...................................341

6. O sentido jurídico da palavra “competição” empregada no caput do art. 25 da Lei nº 8.666/93 ................................................................342

7. Os diferentes tipos de singularidade ....................................................344

8. Singularidade versus objetividade.........................................................345

9. O que são serviços técnicos profissionais especializados ou ser-viços intelectuais? ................................................................................346

10. A singularidade é da pessoa ou do serviço? ..........................................348

11. Quando é possível ou não licitar serviços técnicos profissionais especializados ou intelectuais ..............................................................351

12. A descrição objetiva da solução/do objeto e a realização de lici- tação ...................................................................................................354

13. A questão da redução dos riscos e a garantia da segurança ..................355

14. A notória especialização ......................................................................357

15. A relação benefício-custo na contratação pública ................................360

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Capítulo 14 A INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO NA VISÃO DO TCU

1. Evolução histórica e posição adotada pelo TCU ...................................363 2. A Súmula nº 39 do TCU .......................................................................363 3. Considerações sobre a nova redação da Súmula nº 39 do TCU ...........368 4. A Decisão nº 427/1999 do TCU ...........................................................370 5. A Súmula nº 252 do TCU .....................................................................375 6. A questão do rol taxativo do art. 13 da Lei nº 8.666/93 ........................376 7. Conclusão ............................................................................................377

Capítulo 15 ASPECTOS FUNDAMENTAIS DO CONTRATO ADMINISTRATIVO – RELAÇÃO ENTRE ENCARGO E REMUNERAÇÃO

1. Considerações iniciais ..........................................................................379 2. Onde e como é definido o encargo (“E”) ..............................................379 3. Onde e como é definida a remuneração (“R”) ......................................381 4. O que refletem o “E” e o “R”? ..............................................................382 5. Equação econômico-financeira ............................................................383 6. Formalização do contrato .....................................................................385 7. Execução do “E” e cumprimento do “R” ...............................................390 8. Alterações do “E” .................................................................................391 9. Alterações do “R” .................................................................................395 10. Desequilíbrio da equação e recomposição ...........................................395 11. Fatos que incidem sobre o “E” e o “R” ..................................................398

11.1. Alterações das especificações do “E”............................................400 11.2. Alterações das quantidades do “E” ...............................................401 11.3. Alterações dos custos dos materiais empregados ..........................402 11.4. Alterações dos custos da mão de obra ..........................................402 11.5. Alterações dos impostos ou encargos legais (fato do prín-

cipe) .............................................................................................403 11.6. Eventos naturais (caso fortuito) .....................................................403 11.7. Eventos humanos (força maior).....................................................404 11.8. Eventos da própria Administração (fato da Administração) ...........404

12. Revisão, reajuste e repactuação ............................................................404 13. Prazo de duração do contrato e prazo de execução do “E” ..................408 14. Inexecução e rescisão do contrato ........................................................411 15. A formalização das alterações contratuais ............................................412

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Considerações Finais ............................................................................415

anexos

FIGURA 1 ...................................................................................................435

FIGURA 2 ...................................................................................................437

FIGURA 3 ...................................................................................................439

FIGURA 4 ...................................................................................................441

FIGURA 5 ...................................................................................................443

FIGURA 6 ...................................................................................................445

FIGURA 7 ...................................................................................................447

FIGURA 8 ...................................................................................................449

FIGURA 9 ...................................................................................................451

FIGURA 10 .................................................................................................453

FIGURA 11 .................................................................................................455

FIGURA 12 .................................................................................................457

FIGURA 13 .................................................................................................459

FIGURA 14 .................................................................................................461

FIGURA 15 .................................................................................................463

FIGURA 16 .................................................................................................465

FIGURA 17 .................................................................................................467

FIGURA 18 .................................................................................................469

FIGURA 19 .................................................................................................471

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Capítulo 1

O PROCESSO DE CONTRATAÇÃO PÚBLICA E OS REGIMES JURÍDICOS QUE O DISCIPLINAM (LEIS NºS 8.666/93 E 10.520/02)

1. 1. Visão sistêmica do processo da contratação pública

A contratação pública é uma realidade jurídica ampla, que compreende o planejamento do que se quer contratar, a seleção da melhor proposta1 e, por fim, a execução e gestão do contrato propria-mente dito.

A expressão “contratação pública” é mais ampla do que o sen-tido que revela a palavra “contrato”. A realidade do contrato admi-nistrativo está inserida no contexto do que denominamos contratação pública. Dito de outra forma, o contrato é uma das fases da contrata-ção pública; as outras fases são a interna (planejamento e definição das regras – edital) e a externa (seleção da proposta, que ocorre por meio da licitação, dispensa ou inexigência).

É equivocado usar a palavra “licitação” para qualificar toda a realidade da contratação pública, como acontece há décadas, por-que a licitação é apenas uma das formas de realizar a fase externa do processo de contratação pública, nada mais do que isso.

A licitação é um fenômeno que existe no processo de contra-tação apenas na sua fase externa, ou seja, a partir do momento em que há publicidade do processo de contratação ou da convocação dos agentes que atuam no mercado, estendendo-se até a declaração final do vencedor da disputa.2 O que ocorre antes e depois no pro-cesso de contratação não é licitação propriamente dita. A licitação

1 A seleção da melhor proposta envolve tanto a escolha de um proponente capaz como também a melhor relação benefício-custo para o negócio. Ela é feita por meio de licitação, dispensa ou inexigência.

2 Ou, pode-se dizer, até a adjudicação.

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tem relação direta com a disputa entre os competidores, as ofertas por eles apresentadas e a análise das suas condições pessoais.

Atualmente, a menor fase do processo e também a mais simples é justamente a que envolve a licitação, que, no processo de contrata-ção, visa, basicamente, a analisar as condições pessoais do licitante e a julgar a sua proposta. Com o pregão, por exemplo, a licitação, em muitos casos, é iniciada e concluída de forma bastante rápida. Logo, ela se tornou algo simples e fácil, mas o mesmo não se pode dizer do processo de contratação pública como um todo. Para chegar à licita-ção, no entanto, é preciso planejar a contratação e definir o encargo e todas as regras da disputa (que compõem o edital). Isso não é sim-ples, nem fácil e nem rápido.

É principalmente na fase de planejamento da contratação que surgem os grandes problemas e as dificuldades que terão de ser superados.

Mas por que até hoje a palavra que qualifica toda essa realidade jurídica tem sido exatamente “licitação”? Falar agora em processo de contratação pública não seria uma moda que se quer lançar?

As duas questões são simples de ser respondidas.

Historicamente, a contratação pública sempre foi vista à luz da fase externa (ofertas e disputa entre licitantes). Sempre ignoramos o pla-nejamento e demos pouca importância para a gestão do contrato.

Não é à toa que não sabemos planejar a contratação nem fis-calizar o contrato. Para ir mais a fundo, basta ver como a legislação anterior e a vigente disciplinam, por exemplo, o planejamento da contratação, que é a fase mais importante e da qual as outras fases dependem. A constatação será unânime: o legislador fez pouco caso do planejamento.

Ora, se o legislador ignorou o planejamento,3 por que os aplica-dores da lei dariam importância para ele? É exatamente por isso que

3 Inclusive no plano constitucional.

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toda essa realidade jurídica é chamada de licitação. O que estamos propondo é apenas colocar a licitação no seu devido lugar. Ou seja, o planejamento da contratação deve passar de coadjuvante a ator principal, e a licitação, de atriz principal à coadjuvante. Essa não é uma mudança fácil, mas necessária.

Portanto, não se trata de um modismo. A proposição aqui é uma nova forma de ver o fenômeno da contratação pública: na sua dimensão exata, e não apenas parcial. É preciso esclarecer que isso não é fruto de um estudo precipitado, mas sim de profunda e longa reflexão, por nós defendida desde meados dos anos 90 e que ganha, agora, maior consistência estrutural.

Podemos afirmar, então, que usaremos cada vez menos a palavra “licitação” e cada vez mais a expressão “contratação pública”. Acredi-tamos que a lei, no futuro, não mais fixará o regime jurídico das licita-ções e dos contratos, como ocorre atualmente, mas o regime jurídico da contratação pública ou do processo de contratação pública.

2. 2. a contratação é uma realidade inserida na ideia de processo

Falar em contratação pública é falar em processo administra-tivo. Há uma estreita relação entre os dois. A contratação pública é uma realidade jurídica inserida na ideia de processo, pois é por meio dele que ela é estruturada, desenvolvida, aperfeiçoada e atinge o seu fim. Por isso, usaremos indistintamente as expressões contrata-ção pública e processo de contratação pública.

3. 3. o que é o processo e por que ele existe?

Processo de contratação pública é o conjunto de fases, etapas e atos estruturado de forma lógica para permitir que a Administra-ção, a partir da identificação precisa da sua necessidade e demanda, possa definir com precisão o encargo desejado, minimizar seus ris-cos e selecionar, isonomicamente, se possível, a pessoa capaz de satisfazer a sua necessidade pela melhor relação benefício-custo.

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A contratação pública visa a atender a determinada necessi-dade/demanda administrativa. É preciso definir uma solução capaz de satisfazer à necessidade e selecionar uma pessoa que possa viabilizá--la. Esse é o panorama que move qualquer relação contratual entre pessoas; uma quer resolver um problema (necessidade) e, não tendo como fazê-lo pessoalmente, precisa encontrar outra (parceiro) capaz de garantir a solução desejada. Ou seja, é importante viabilizar um acordo de vontades, isto é, o contrato. Assim, em razão do planeja-mento, tem a Administração o dever de definir o melhor modelo de contratação possível, a fim de assegurar a indispensável eficiência.

É necessário perceber que até aqui não há diferença entre a rea-lidade que envolve a contratação pública e a privada. Nos dois casos a situação é, fundamentalmente, a mesma. Mas o que diferencia a realidade pública da privada em relação à formação do acordo de vontades?

A resposta é a obrigatoriedade de assegurar, em princípio, mediante possibilidade de competição, tratamento isonômico na escolha da pessoa que vai viabilizar a solução. Ou seja, se o titu-lar da necessidade é o Poder Público (ou quem a ele se equipare por força da ordem jurídica), não tem ele a liberdade de escolher, como regra, livremente quem será a pessoa que irá viabilizar a solução para atender à sua necessidade, salvo situações nas quais a competição é inviável4 ou naquelas excepcionadas pela própria ordem jurídica.5

Então, surge uma questão para ser resolvida. Como selecionar uma pessoa capaz de atender à necessidade da Administração e, ao mesmo tempo, garantir tratamento isonômico para todos os interessa-dos? Depois de muita reflexão, concluiu-se que a melhor forma para fazer isso seria por meio de um conjunto de fases, etapas e atos, ou seja, um processo formal.

O que diferencia a formação da relação contratual privada da pública, sob o seu ponto de vista essencial, é que a primeira pode ser

4 Em capítulo específico, esclareceremos o que se deve entender por competição inviável.

5 A exceção deve atender a valor propriamente constitucional.

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formada sem que seja preciso garantir igualdade, com liberdade para a seleção, pelo interessado, da pessoa que ele entenda a mais capaz de viabilizar a solução e pelo preço que ele julgar o melhor, ainda que viável a competição entre potenciais interessados. Na segunda relação (pública), não há, em princípio, essa liberdade, pois a seleção deve respeitar a igualdade, salvo quando configurada a inviabilidade de competição. Para que essa igualdade seja respeitada, é indispensável a estruturação de um procedimento formal (a licitação) definido legal-mente e que permita a escolha de acordo com um critério objetivo.

Essencialmente, o processo da contratação pública, tal como foi definido pela legislação vigente, justifica-se em razão de a Admi-nistração ter de satisfazer uma necessidade específica e ter de aten-der, simultaneamente, a outros valores jurídicos definidos pela pró-pria Constituição Federal. A característica básica do processo de con-tratação é revelada por um dos seus procedimentos (a licitação), que é informado por duas condições básicas: obrigatoriedade de garantir tratamento isonômico a todos os interessados e de realizar a seleção do futuro parceiro com base em critérios objetivos previamente defi-nidos. Salvo exceções definidas em lei, conforme determina a própria Constituição Federal, a escolha do parceiro deve ser feita de acordo com as referidas condições. No entanto, o valor mais importante do processo de contratação pública não é a igualdade, mas a satisfa-ção e o atendimento da efetiva necessidade/demanda. A igualdade é o valor mais importante da licitação, enquanto procedimento que informa o processo. Não se pode confundir o pressuposto do pro-cesso (que é a necessidade) com o da licitação (que é a igualdade), nem a finalidade dele com a da licitação, pois são distintas.

4. 4. Validade dos atos do processo

No processo, cada ato desempenha uma função própria, ou seja, existe para atender a um propósito específico. Todos os atos integrantes do processo visam a um único fim: a plena satisfação da necessidade da Administração.

Sob o ponto de vista legal, por exemplo, o último ato da fase externa não existirá validamente se os anteriores não forem praticados

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de acordo com os valores materiais que norteiam a ordem jurídica. A validade do ato final pressupõe a validade dos anteriores. Se um ato é declarado inválido, os posteriores também serão inválidos, por-que um depende do outro. Há, portanto, uma relação de conexão e dependência entre os diversos atos do processo. Tal relação é funda-mentalmente de natureza material, ou seja, não se declara nulidade por descumprimento de condição meramente formal.

Então, se o processo é um conjunto de atos e cada um deles tem relação direta com os demais, é necessário primar para que todos sejam realizados conforme determina essencialmente a ordem jurí-dica, sob pena de não ser atingido o resultado final pretendido. Não estamos falando aqui de descumprimento de mera questão formal, mas sim de violação de condição de natureza material, cujo funda-mento último de validade é a efetiva necessidade a ser atendida.

5. 5. pressuposto e finalidade do processo

É importante não confundir o pressuposto com a finalidade do processo de contratação, nem o pressuposto da licitação com a sua finalidade.

Pressuposto é o antecedente necessário, é a razão que motiva e justifica algo. A finalidade é o que se quer atingir, aonde se quer che-gar. Assim, os fins devem atender aos meios definidos e respeitar o pressuposto estabelecido.

O pressuposto do processo é a existência da necessidade pública, e não necessariamente a garantia da igualdade na seleção de terceiros. A igualdade é necessariamente pressuposto da licitação,6 e não do processo de contratação pública. Em regra, o processo é reali-zado por meio da licitação, o que equivale a dizer que na maior parte dos casos a fase externa do processo é conduzida de modo a respei-tar o tratamento isonômico na seleção do terceiro. Dizer que essa é a regra equivale a dizer que a licitação é o procedimento padrão a ser observado, mas não que ela é o único caminho para realizar o

6 A licitação é um dos procedimentos que informa o processo.

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processo. Com isso, afirmamos que a necessidade pública pode ser satisfeita por meio da escolha de um parceiro de forma isonômica ou por outro meio (não isonômico), que se justifica em razão da inviabi-lidade de competição. A licitação pressupõe igualdade; esta, neces-sariamente, depende da viabilidade de competição. E também, viabi-lidade de competição não se confunde com possibilidade de disputa, pois são diferentes.

A finalidade do processo, por sua vez, é o pleno atendimento da necessidade/demanda que deflagrou a contratação pública. Assim, a finalidade não é garantir a igualdade, mas satisfazer integralmente a própria necessidade da Administração, mesmo que isso tenha de ocorrer sem que a igualdade seja observada, tal como nos casos de inexigibilidade. Portanto, a igualdade é pressuposto necessário de um dos procedimentos do processo – a licitação, não propriamente do processo, enquanto realidade amplamente considerada.

A finalidade da licitação não é garantir a igualdade, pois esse é o seu pressuposto. A finalidade dela é a obtenção da melhor relação benefício-custo, tal como na inexigibilidade. O que difere a licitação da inexigibilidade é o pressuposto, e não o fim, pois este é essencial-mente o mesmo: obter o melhor encargo com o menor dispêndio de recurso financeiro (ou seja, a melhor relação benefício-custo).

No plano jurídico, a igualdade é sempre um valor relativo, e não absoluto. Ter clareza sobre isso é fundamental para compreender a distinção entre o cabimento da licitação e o da inexigibilidade, pois essa diferença traduz a essência do próprio regime jurídico da contra-tação pública, conforme veremos melhor adiante.

6. 6. o processo e suas diferentes fases

A nova visão da contratação pública considera esse fenômeno de forma ampla, integrada e precisa. A contratação passa a ser vista como um fenômeno estruturado em três fases distintas: interna,

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externa e contratual.7 A fase interna destina-se a realizar o planeja-mento da contratação, a definir o melhor modelo, a fixar o encargo, a reduzir possíveis riscos e a formalizar todas as condições no edital. A fase externa visa a apurar as condições pessoais dos licitantes e a identificar a melhor relação benefício-custo para a Administração. Na fase contratual, o encargo é cumprido pelo contratado e a remunera-ção (preço) é paga pela Administração.

Fundamentalmente, a nova visão de processo está centrada na ideia de planejamento da contratação. Planejamento num sentido amplo e preciso. Essa nova visão parte da certeza de que é o plane-jamento (fase interna) que condiciona todas as demais fases e etapas do processo e determina ou não o sucesso da contratação. Logo, ela é a mais importante de todas as três fases, e não a licitação ou o con-trato, como se imagina em razão da visão tradicional.

Também é preciso dizer que a forma de condução da fase externa não se restringe à licitação. A fase externa do processo é o momento em que se verifica a ocorrência tanto do que se chama de licitação como da sua dispensa ou inexigência. Ela é caracterizada por dois procedimentos distintos: a licitação e a contratação direta (dispensa e inexigência). A licitação, por sua vez, admite diferentes variações procedimentais, que a legislação qualifica como modalida-des de licitação (concorrência, leilão, pregão, etc.).

Portanto, o processo não é uma realidade uniforme, ou seja, como um conjunto de fases, etapas e atos, ele não apresenta uma única estrutura, mas uma conformação que pode variar de acordo com determinadas condições. Para que exista legalmente um

7 Não é a indicação das três fases (interna, externa e contratual) que diferencia a nova visão da concepção tradicional, mas como elas são vistas, concebidas e estruturadas. Tradicionalmente, sempre se falou em fase interna, externa e contratual. Isso não é novidade. No entanto, tais rótulos eram empregados para qualificar outra realidade e conteúdo. Portanto, os rótulos são os mesmos, não o sentido e o conteúdo atribuídos a cada um. Ademais, preferimos manter a denominação de interna, externa e contratual para qualificar as três fases, mantendo o que está consagrado e evitando inovar onde não precisa. Talvez o mais indicado até fosse falar em fase de planejamento, seleção de proposta e de gestão contratual, o que não se descarta que possa vir a ocorrer num futuro próximo.

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procedimento ou uma variação procedimental, é necessária uma razão lógica capaz de justificá-lo.

No entanto, é importante acentuar que a diferença procedi-mental que podemos observar no processo de contratação pública ocorre, fundamentalmente, na sua fase externa.

7. 7. o processo e a formação do acordo de Vontades

A nova visão de processo, além de ressaltar a importância essencial da fase de planejamento, possibilita compreender com mais facilidade a ideia de contrato como acordo de vontades e a maneira pela qual ele é formado.

É reconhecido por todos que atuam na área jurídica que o con-trato traduz um acordo de vontades, e isso está dito no parágrafo único do art. 2º da Lei nº 8.666/93. Assim, em relação ao contrato administrativo, é preciso identificar em que momento do processo de contratação ocorre tal acordo e como ele é constituído.

Não é difícil perceber que a vontade da Administração é inte-gralmente manifestada no edital. Essa manifestação de vontade, decorrente do planejamento, é escrita, pois o edital é materializado em um instrumento e assinado por agente competente da Adminis-tração e, se tudo isso não bastasse, é ainda publicado. Com a publi-cação do edital, a Administração manifesta formal e materialmente a sua vontade, para todos os efeitos jurídicos. Portanto, com o edital, temos a primeira vontade do futuro acordo.

Com a publicação do edital, deflagra-se a licitação, pois antes de tal providência não se fala em licitação. Não se pode confundir o processo de contratação com a licitação, pois esta é apenas um dos possíveis procedimentos de uma das suas fases: a externa. Por outro lado, as propostas apresentadas pelos licitantes durante a licitação nada mais são do que manifestações de suas vontades. Depois da devida análise das propostas apresentadas, a Administração escolhe, de acordo com o critério objetivo, uma delas como a melhor, que é aceita como a manifestação de vontade que faltava para concretizar o acordo. Assim, com a aceitação da proposta temos a segunda mani-festação de vontade.

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Com efeito, é dessa aceitação criteriosa, convencionalmente chamada de adjudicação, que nasce o contrato, e não apenas a mera expectativa de direito ao contrato, conforme entendimento ainda dominante na doutrina e na jurisprudência. Não há, de minha parte, nenhuma dúvida de que com a adjudicação nasce o contrato, sob os pontos de vista formal e material. Sob o ponto de vista formal, o acordo de vontades está formalmente materializado no edital e na proposta vencedora. Aliás, documentos que se revestem de todas as exigências legais. Sob o ponto de vista material, o edital traduz o encargo dese-jado pela Administração para atender à sua necessidade, e a proposta vencedora expressa a remuneração desejada pelo particular para cum-prir o encargo. Com isso, temos o conteúdo ou núcleo material do contrato, ou seja, o encargo e a remuneração. Portanto, o contrato está firmado, sob os pontos de vista material e formal.

É engano achar que a transposição das condições materiais contidas nos dois documentos (edital e proposta), para atender a uma exigência formal (o termo de contrato, por exemplo), faz nascer o contrato. Isso não é verdade, pois o contrato nasce durante a fase externa (licitação, dispensa ou inexigência), e não depois dela.

Estamos bem perto de reconhecer que o contrato é concreti-zado durante a licitação, e não depois dela. O que acontece depois da licitação é a materialização, em um único instrumento de con-trato, do que já foi celebrado e está formalizado em dois distintos instrumentos (o edital e a proposta vencedora). Para concluir, como realidade jurídica, o contrato não decorre do instrumento contra-tual assinado pelas partes, mas do ato de adjudicação, pois é ele que legitima a relação contratual para todos os efeitos legais, ou seja, a adjudicação faz nascer o negócio jurídico perfeito.

8. 8. o processo é regulado por dois regimes jurídicos

A finalidade de qualquer lei é disciplinar determinada realidade social, estabelecendo como as coisas devem ser. Para regular a ativi-dade contratual do Estado, com procedimentos a serem observados e atos a serem praticados, existem duas leis fundamentais em vigor no Brasil: a Lei nº 8.666/93 e a Lei nº 10.520/02.

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A Lei nº 8.666 foi editada em 1993 e retrata um modo espe-cífico de contratar obras, serviços e compras no setor público. A Lei nº 10.520, de 17 de julho de 2002, expressa outra forma de processar a fase externa do processo de contratação pública. As duas Leis estão em vigor e são aplicadas simultaneamente pela Administração Pública.

A Lei nº 8.666/93 tem, em princípio, aplicação para todo tipo de contratação, isto é, para obras e serviços de engenharia, serviços técnicos, alienações de bens e compras em geral.

A Lei nº 10.520/02 introduziu a modalidade pregão para todos os órgãos/entidades da Administração Pública e deve ser utilizada para a aquisição de bens e serviços comuns.

Em princípio, como a Lei nº 10.520/02 regula apenas o procedi-mento da modalidade pregão para bens e serviços comuns, os demais objetos (obras e serviços de engenharia, alienações, serviços não comuns e aquisições especiais) continuam a ser licitados de acordo com a Lei nº 8.666/93. Mas há uma tendência de mudança do quadro atual em relação a essa questão, pois se pretende que o cabimento do pregão seja definido em função do tipo de licitação menor preço. No entanto, essa não é a melhor solução para a contratação pública.

Como a Lei nº 8.666/93 tem uma disciplina mais ampla e é mais bem estruturada do que a Lei nº 10.520/02, o legislador deci-diu que a Lei nº 8.666/93 seria aplicada de forma subsidiária em rela-ção à modalidade pregão. Isso significa dizer que sempre que uma situação não for regulada pela Lei nº 10.520/02, caberá ao aplica-dor valer-se da Lei nº 8.666/93 para resolver o problema. Por essas e outras razões, a Lei nº 8.666/93 passou a ser denominada de lei geral.

9. 9. por que foi editada a lei nº 10.520/02 (pregão)?

Permanecer durante décadas conduzindo a licitação para a con-tratação de fornecimento de água mineral ou de caneta esferográfica da mesma forma que para a contratação da execução de uma grande obra de engenharia ou de serviços intelectuais resultou em grande desgaste. Desgaste esse totalmente desnecessário e que poderia ter

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sido evitado já em 1986, quando da edição do Decreto-lei nº 2.300. Mas o fato é que não foi.

Com o advento do pregão, passamos a fazer de maneira mais simples e rápida o que era muito complicado e demorado, ou seja, agimos de forma mais eficaz. Isso criou a impressão de que antes fazí-amos tudo errado. Com isso, nasce uma falsa certeza de que é possí-vel fazer tudo com muita rapidez e reduzindo etapas e atos. Essa, no entanto, é uma meia verdade. De fato, agíamos errado, mas não em tudo, apenas em parte. Aliás, fazíamos de forma errada exatamente o que passamos a fazer certo com a ideia original do pregão – bens e serviços comuns. Portanto, a sensação serve apenas para um grupo determinado de bens e serviços, e não para todas as outras soluções (obras, serviços técnicos, aquisições especiais, etc.).

No entanto, a sensação atual é a de que é possível generalizar a nova solução (o pregão) para todas as contratações, o que não é correto. Erramos antes, quando submetemos todas as contratações ao regime da Lei nº 8.666/93. Erraremos agora se submetermos todas as contratações ao regime da Lei nº 10.520/02. É certo que não havia mais sentido continuar a licitar bens e serviços comuns por meio de um sistema cuja estrutura foi idealizada para contratar obras e servi-ços de engenharia e serviços intelectuais.

É importante ter a clareza de que não existe um único remédio para todos os problemas. Assim como a Lei nº 8.666/93 não resolveu todas as nossas demandas, também o pregão não pode cumprir esse papel.

Por outro lado, o grande problema da fase externa sempre foi a existência de apenas uma forma de processar a licitação (isto é, a prevista na Lei nº 8.666/93). Todas as soluções eram submetidas ao mesmo esquema de contratação, pouco importando se fosse obra ou serviços de engenharia, serviços intelectuais ou, ainda, bens e servi-ços comuns. Isso foi resolvido. O que surge agora é a necessidade de cuidar para que a solução (o pregão) idealizada para resolver um pro-blema específico não seja a causa de outro. É preciso ter cautela, pois há fortes sinais de que isso possa vir a ocorrer.

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10. 10. por que o pregão não é capaz de resolVer o nosso principal problema da contratação?

O pregão foi uma das melhores coisas que aconteceu nos últi-mos anos em termos de contratação pública. Mas é um equívoco pensar que ele resolveu o nosso principal problema. E o eventual equívoco resulta justamente da nossa visão limitada do fenômeno da contratação pública. Como afirmamos, o pregão nada mais é do que uma modalidade de licitação, ou seja, com ele, passamos a ter outra alternativa para processar a fase externa da contratação. A Lei nº 10.520/02, que regula o pregão, não trouxe nenhuma mudança significativa para o planejamento da contratação ou mesmo para a gestão do contrato. Essa Lei, praticamente, regula o processo a partir da publicação do edital. Assim, voltamos ao problema inicial, que é como chegar até o edital. Portanto, a questão em torno do planeja-mento permanece intocada ou disciplinada em termos muito genéri-cos.8 O que a Lei nº 10.520/02 se dispôs a resolver ela resolveu – o problema da fase externa. No entanto, há ainda a grande dúvida que permanece sem solução: como planejar da melhor forma possível a contratação pública? Essa é a questão que precisa ser entendida por todos, principalmente por quem legisla. O pregão é uma solução que proporciona eficiência em relação à segunda fase do processo, mas o problema maior não está mais nela, e sim no que vem antes – o pla-nejamento. Não podemos esquecer que a fase externa é condicio-nada pela interna.

11. 11. as grandes fases do processo de contratação e suas disciplinas legais em cada um dos regi mes jurídicos Vigentes (lei nº 8.666/93 e lei nº 10.520/02)

Considerando que o processo de contratação pública é estrutu-rado em três grandes fases (interna, externa e contratual), é possível avaliar a disciplina de cada regime em relação a elas.

8 Com a Instrução Normativa nº 02, de 30 de abril de 2008, avançamos no planeja-mento da contratação de serviços. O mesmo se pode dizer em relação à contratação dos serviços de tecnologia da informação, com a Instrução Normativa nº 04, de 19 de maio de 2008.

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11.1. 11.1. A fase interna (planejamento e edital) da contratação em cada um dos regimes

É possível dizer que a diferença entre os dois regimes jurídicos não reside na fase de planejamento da contratação. Aliás, conside-rando apenas a fase de planejamento, é até válido dizer, com base na análise das Leis nºs 8.666/93 e 10.520/02, que não há dois regimes jurídicos distintos, mas apenas um. Um dos aspectos que torna um regime jurídico distinto de outro é a estrutura lógica utilizada para a sua construção, e não pequenas exigências ou rótulos distintos para qualificar a mesma realidade.

Nesse sentido, é perfeitamente possível afirmar que, sob o ponto de vista essencial, não há diferença entre as exigências que devem ser realizadas no planejamento de um pregão e de uma concorrência, por exemplo. Na verdade, não planejamos uma concorrência ou um pregão, mas uma contratação. Basicamente, o fato de adotar concor-rência ou pregão não altera as etapas e os principais atos relativos ao planejamento. A escolha da modalidade altera a forma de condução da fase externa, mas não do planejamento.

Claro que a escolha da modalidade, que é uma decisão que deve ser adotada por ocasião do planejamento, enseja algumas pro-vidências e decisões peculiares, mas isso não modifica a estrutura das diversas etapas que integram a fase de planejamento.

11.2. 11.2. A condução da fase externa (licitação, dispensa e inexigência) em cada regime (análise da pessoa e seleção da proposta)

Se em relação à fase de planejamento não há diferenças essen-ciais entre os dois regimes jurídicos que disciplinam a contratação pública, o mesmo não é possível dizer sobre a fase externa do pro-cesso. Sob o ponto de vista de concepção, estruturação e condução, há diferença substancial entre a Lei nº 8.666/93 e a Lei nº 10.520/02, por exemplo. Portanto, em relação à fase externa, é perfeitamente viá-vel afirmar que há realmente regimes jurídicos totalmente distintos.

Há diferenças a serem reconhecidas entre o rito da licitação previsto na Lei nº 8.666/93 e o definido na Lei nº 10.520/02, bem

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como entre a licitação e a dispensa e a inexigibilidade, por exemplo. Dependendo do procedimento a ser adotado na fase externa (lici-tação ou contratação direta), haverá regimes jurídicos diferentes a serem observados, mesmo previstos numa mesma lei.9 Da mesma forma, se o procedimento definido for o da licitação, haverá, basica-mente, dois regimes distintos (o da Lei nº 8.666/93 e o do pregão).

Em comum nos dois regimes jurídicos da licitação existe o fato de que a fase externa é estruturada para que seja feita a análise das condições pessoais do licitante e da sua proposta. No entanto, o que muda, em termos essenciais, é o momento em que ocorre cada uma das análises.

É possível dizer que o regime da Lei nº 10.520/02 mantém a tradição de possibilitar, na fase externa do processo, a promoção da análise da pessoa e da proposta, tal como ocorre na Lei nº 8.666/93. A diferença entre os regimes, no entanto, fica por conta da ordem a ser adotada para a realização de cada análise respectiva. Dessa forma, na Lei nº 8.666/93, a análise da pessoa do licitante antecede e condiciona a da proposta, e no pregão, ela é posterior. É por isso que se fala em inversão das fases (ou, como preferimos, de etapas).

É preciso perceber que a decisão de licitar ou contratar dire-tamente, bem como a de escolher uma das modalidades da Lei nº 8.666/93 ou o pregão, que ocorre na fase interna, vai impactar diretamente na estrutura da fase externa do processo. Logo, há uma relação direta e determinante entre as duas coisas.

11.3. 11.3. A disciplina da fase contratual

A terceira e última grande fase da contratação pública é a con-tratual ou a do contrato propriamente dito. O contrato é o resultado de tudo o que foi feito nas duas fases anteriores, pois nada mais é do que uma relação entre o encargo e a remuneração. É na fase contra-tual que o encargo é cumprido e a remuneração é paga, exatamente nessa ordem.

9 Não se deve confundir regime jurídico com a lei formal na qual ele está disciplinado. Em uma mesma lei podem existir um ou mais regimes jurídicos distintos.

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Sob o ponto de vista legal, toda a disciplina relativa ao contrato está prevista na Lei nº 8.666/93, não havendo normas sobre contratos na Lei nº 10.520/02.

A explicação para isso é simples. A Lei nº 10.520/02 foi editada com a missão exclusiva de introduzir uma nova modalidade de lici-tação, e não instituir um novo processo de contratação. Ela apenas regulou uma das fases do processo: a externa (ou o procedimento da licitação). Por esse motivo, o Capítulo III da Lei nº 8.666/93, que se inicia no art. 54, tem aplicação em todos os casos de contratação, pouco importando se a licitação que antecedeu a fase contratual foi processada de acordo com um ou outro regime jurídico, ou seja, se foi por concorrência ou pregão, bem como dispensa ou inexigência.

12. 12. o que é mais difícil no processo de contratação pública?

O mais difícil na contratação pública é o seu planejamento. Aliás, não apenas é, mas sempre foi e sempre será o mais complicado de realizar. A dificuldade no planejamento está no fato de que seu objetivo é realizar quatro providências fundamentais: a identifica-ção da necessidade, a definição integral do encargo, a redução dos riscos e a fixação adequada das regras de disputa (o edital). O edital, nesse sentido, é o documento que formaliza o planejamento. Assim, definir o encargo não é uma coisa simples; muito pelo contrário, é uma atividade complexa e que exige muita informação e conheci-mento de quem vai realizá-la.

Ainda não está claro o fato de que é com base no encargo defi-nido (fase de planejamento) que o licitante fixará a remuneração a ser cobrada (fase externa). E mais, que a fase contratual se destina a exi-gir o que foi definido no encargo em decorrência do planejamento e a pagar a remuneração apurada na fase externa.

Há, portanto, um estreito relacionamento entre as três fases, mas o que calibra todo o processo de contratação é a necessi-dade/demanda a ser atendida, da qual decorre o encargo, pois é

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com base nele que a remuneração é fixada e a obrigação contratual do terceiro é cumprida.

13. 13. por que dois regimes jurídicos diferenciados para a contratação pública? um só não seria suficiente?

Um único regime jurídico não é suficiente. Existem realidades distintas e, para cada qual delas, deve haver um regime próprio de disciplina. O que é possível é uma única lei regular os distintos regi-mes, isto é, um único texto normativo. Não podemos confundir lei com regime jurídico, pois uma só lei pode albergar diversos regimes jurídicos.

No caso das modalidades de licitação, por exemplo, a necessi-dade dos dois regimes justifica-se porque existem, em princípio, duas realidades distintas, e cada qual deve ser regulada diferentemente, sob pena de uma delas ser sacrificada. Aliás, foi isso que ocorreu no Brasil até a introdução do pregão. Durante décadas, duas realidades distintas foram submetidas a um único regime jurídico e, por força disso, eram contratadas da mesma forma, de acordo com o mesmo rito e observando as mesmas exigências. Realidades diversas devem ser resolvidas de forma diferente, essa é a lógica que norteia a natu-reza de tudo, bem como o Direito como sistema normativo. Por isso, a par da licitação existe um procedimento distinto para contratar soluções especiais (dispensa e inexigência).

Mas, em relação às modalidades de licitação, quais são as diversas realidades que precisam ser contratadas de modo diferente? E por quê?

Uma situação é contratar uma solução que deve ser feita sob encomenda e cuja realização depende da capacidade técnica de quem vai cumprir a obrigação; outra é desejar uma solução que não depende de tal capacidade, pois a solução nem sequer será feita por quem vai entregá-la. Dito de outra forma, desejar contratar uma pes-soa para viabilizar diretamente a própria solução é diferente de pre-tender adquirir um bem pronto e acabado.

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A Lei nº 8.666/93 foi estruturada com o objetivo precípuo de selecionar pessoas, e não coisas. Por sua vez, a Lei nº 10.520/02 (pregão) foi idealizada para selecionar coisas, e não pessoas. Essa diferença essencial não está sendo percebida pela doutrina especiali-zada, pelos tribunais de contas e pelo Judiciário. Sem considerar isso, não será possível aplicar corretamente os dois regimes. É verdade, no entanto, que tal diferença não é percebida tão facilmente, exigindo um esforço interpretativo considerável. Esse esforço interpretativo foi realizado nos diversos capítulos desta obra, com o propósito de auxi-liar a compreensão desse sutil fenômeno.

A Lei nº 8.666/93 foi idealizada pelo setor da construção civil. Essa área, evidentemente, estava preocupada em resolver o problema da contratação de obras e serviços de engenharia, e não de outras soluções. Obras e serviços de engenharia são soluções feitas sob encomenda, isto é, dependem de uma pessoa (física ou jurídica) que possa viabilizá-las pessoalmente. Há uma diferença sutil em relação a esse tipo de solução se comparada à aquisição de bens e serviços comuns (veículos, por exemplo). É importante perceber que não se adquire uma obra de engenharia. Seleciona-se ou contrata-se uma pessoa para executar um projeto (básico e executivo), cujo resultado é (ou deve ser) uma obra de engenharia.

Portanto, há realidades distintas e que precisam ser disciplina-das diferentemente. A argumentação acima sobre o cabimento dos dois regimes será mais bem exposta nos demais capítulos deste traba-lho, ocasião em que trataremos das modalidades e faremos também a distinção entre o regime da licitação e o da contratação direta, pois os dois fenômenos ensejam regimes jurídicos distintos, como deter-mina a própria Constituição Federal no inc. XXI do seu art. 37. Reto-maremos esse assunto adiante.

14. 14. o regime jurídico da lei nº 10.520/02 (pregão) é mais moderno e melhor do que o da lei nº 8.666/93?

Sob o ponto de vista da licitação, é despropositado afirmar que o regime jurídico da Lei nº 8.666/93 é melhor do que o do pregão ou vice-versa. Como dissemos, os dois se complementam, destinam-se a

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resolver problemas e situações diversas. Seria razoável dizer, apenas e tão somente, que o regime da Lei nº 10.520/02 é o mais adequado para contratar bens e serviços comuns do que o da Lei nº 8.666/93. Da mesma forma, o rito previsto na Lei nº 8.666/93 é mais apropriado para licitar obras e serviços técnicos. Assim, se o encargo envolve bens e serviços comuns, a modalidade a ser adotada deve ser o pre-gão, e não as previstas na Lei nº 8.666/93.

15. 15. os dois regimes jurídicos são complementares?

Hoje há a sensação de que o pregão veio para substituir as moda-lidades da Lei nº 8.666/93. Mas isso não irá acontecer, apesar de haver um esforço nesse sentido, conforme revela a proposta de alteração da legislação vigente que tramita no Congresso Nacional. Quando afirma-mos isso, a nossa certeza se assenta na lógica que norteia o sistema da contratação pública, pois precisamos dos dois regimes jurídicos, e não de apenas um deles. Os dois regimes não brigam entre si, são comple-mentares. Ademais, existem realidades distintas que demandam pro-cedimentos diversos. A mesma coisa ocorre em relação à licitação e à inexigibilidade, por exemplo. Nesse caso, deve-se reconhecer que, em determinadas situações, a satisfação da necessidade não pode ocorrer pela licitação, exigindo outro tipo de procedimento.

16. 16. por que há tantos problemas na área da contratação pública e por que eles sempre se repetem de forma cíclica?

Sempre tivemos grande incapacidade de diagnosticar proble-mas na área da contratação pública, o que se deve, em grande parte, à visão equivocada e parcial do fenômeno. Na maior parte dos casos, o que parece ser um problema de licitação ou do contrato é, na ver-dade, quase sempre, de planejamento. Dessa forma, apesar de parte considerável dos problemas nascer na fase interna (durante o plane-jamento da contratação), a sua repercussão só é percebida nas fases posteriores do processo (licitação e contrato). Isso cria a sensação de que o problema nasce na fase em que surge, o que, normalmente, não é verdade.

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Como não conseguimos identificar com precisão a fonte dos problemas, ou seja, o inadequado planejamento, as situações tendem a se repetir de forma cíclica, porque não atuamos de modo a elimi-nar a sua causa. Quando se elimina a consequência do problema, e não a sua causa, ele tende a se tornar cíclico, por isso temos tantas questões que se repetem e se renovam no tempo. Portanto, enquanto se pensar que o problema está na licitação e no contrato, ele conti-nuará cíclico e crônico. Não adianta simplesmente determinar, por exemplo, que o acréscimo quantitativo do objeto deve ser reduzido de 25% para 10%,10 enquanto o planejamento não for melhorado. Problema de acréscimo contratual não nasce na execução do con-trato, mas decorre da incapacidade de planejar a contratação, espe-cialmente de identificar qual é a necessidade da Administração, ou seja, a causa do problema não está na terceira fase do processo, e sim na primeira etapa da primeira fase dele.

17. 17. por que há dificuldades para entender a legislação Vigente, a estrutura e os institutos da licitação e do contrato? como é possíVel superar isso?

Primeiro, é preciso ter a clareza de que todos os que atuam na área da contratação, em quaisquer de suas fases e etapas, tomam decisões. Para decidir nesse campo de atuação, é preciso conhecer a ordem jurídica, pois é nela que as decisões têm seu fundamento de validade. Não há nenhum problema na área da contratação pública que não possa ser resolvido com base na ordem jurídica vigente.

O primeiro grande desafio é interpretar corretamente essa ordem jurídica, pois sem isso não é possível tomar decisões válidas e resolver os problemas.

A segunda grande dificuldade para compreender a legislação vigente está relacionada à visão parcial da própria fase interna do processo de contratação. É muito comum pensar que planejar uma contratação é simplesmente elaborar o edital. Há um roteiro para

10 Tal como fez a Lei nº 12.465/11 (LDO/2012) no inc. III do § 6º do seu art. 125.

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elaborar o edital (art. 40 da Lei nº 8.666/93), mas não conhecemos a estrutura do planejamento nem as condições que devem ser obser-vadas para que ele ocorra da melhor forma possível. Portanto, é fun-damental superar a ideia de que planejar a contratação se resume a elaborar o edital; isso é um grande equívoco.

O terceiro grande problema tem relação direta com a própria visão limitada do fenômeno e reside na forma adotada para ensinar o tema contratação pública. Aliás, é preferível dizer que, de modo geral, não se ensina contratação pública (planejamento, licitação e contrato), mas apenas licitação e contrato. É como se o aprendizado não tivesse começo, meio e fim, mas apenas meio e fim, mesmo que o que condiciona o meio e o fim seja o começo. Assim, o ensino do tema deve ser feito de acordo com a estrutura do processo, pois isso possibilitará a compreensão de todo o fenômeno, e não apenas de parte dele.

Ademais, cada agente envolvido deve ter clareza em torno da finalidade dos institutos relacionados à contratação, isto é, o que é objeto, regime de execução, modalidade, tipos, o que compreende o encargo, o que é o preço, o que representa a habilitação, para que serve a impugnação e o recurso, etc. Sem compreender todos os ins-titutos relacionados e sem ter a clareza de todas as etapas que devem ser observadas nas fases interna e externa não é possível entender a ordem jurídica e o fenômeno da contratação tal como devem ser.

Para superar as dificuldades atuais de aprendizagem e a com-preensão da legislação vigente, é necessário construir uma nova con-cepção e um novo modelo de contratação, bem como entender qual a finalidade de cada ato ou decisão dentro do processo, com base em uma nova perspectiva de interpretação da ordem jurídica. Aliás, esse é o objetivo precípuo desta obra.

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Capítulo 2

OS PILARES DE SUSTENTAÇÃO DO REGIME JURÍDICO DA CONTRATAÇÃO PÚBLICA (LEIS NºS 8.666/93 E 10.520/02) – QUATRO ASPECTOS FUNDAMENTAIS PARA ENTENDER A CONTRATAÇÃO

1. 1. considerações iniciais

Toda contratação se desenvolve dentro das perspectivas de: a) existência de uma necessidade a ser satisfeita; b) identificação de uma solução (encargo/objeto) capaz de satisfazer a necessidade; c) seleção de uma pessoa com condições de viabilizar a solução; e d) melhor equivalência entre o encargo (objeto) a ser cumprido e a remuneração a ser paga.

Essas perspectivas ocorrem em razão de a Administração estar diante de um problema e precisar resolvê-lo. Para tanto, é necessário encontrar alguém que possa oferecer a solução desejada e que cobre por isso um preço justo. A seleção da pessoa que vai oferecer a solu-ção deve ser feita, em princípio, garantindo-se tratamento isonômico.

Mediante um processo, a Administração avaliará quem reúne ou não condições de resolver o seu problema. Para que isso seja pos-sível, a Administração terá de, previamente, definir todas as exigên-cias necessárias e divulgá-las, tanto em relação à solução desejada quanto no tocante às condições pessoais que devem possuir os inte-ressados em com ela contratar. Resumidamente, o processo de con-tratação pública tem esse conteúdo e se desenvolve em função dessa perspectiva.

Esse quadrinômio básico (problema, solução,11 terceiro e rela-ção benefício-custo) forma os pilares que sustentam e estruturam

11 Encargo (objeto).

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todo o regime jurídico da contratação pública vigente no Brasil,12 seja ele o previsto na Lei nº 8.666/93 ou na Lei nº 10.520/02. Em decorrência disso, todos os institutos e as exigências legais em maté-ria de contratação estão relacionados, direta ou indiretamente, com uma dessas quatro realidades. Portanto, seria perfeitamente possível dividir o estudo da contratação pública em quatro capítulos, um para cada realidade indicada.

Vamos conhecer, em linhas gerais, cada um desses quatro aspectos fundamentais da contratação pública.

2. 2. existência de uma necessidade a ser satisfeita

A existência de uma necessidade dá início ao processo de con-tratação pública. A primeira providência da fase interna é identificar a necessidade da Administração, isto é, conhecer de forma adequada aquilo que a Administração precisa atender ou satisfazer enquanto necessidade. Esse é o ponto de partida de tudo. É da apuração da necessidade que qualquer ação deve começar.

Não se deve confundir a necessidade propriamente dita com a solução (objeto) capaz de satisfazê-la. São distintas, mas normal-mente confundidas. Uma é o problema, outra é a sua solução. Não se pode confundir, portanto, a doença com o remédio. Em matéria de contratação pública, confundimos essas duas realidades e, mais do que isso, ignoramos o problema e nos concentramos na solução. Pela lógica, não há como atingir eficiência e eficácia com a solução sem conhecer antes, de forma precisa, o problema.

Relegar a um segundo plano a necessidade (problema) que deve ser atendida é uma constante na Administração Pública bra-sileira. Esse é o primeiro grande desafio que temos de transpor na área da contratação pública. E não se trata de um problema que implica mudança normativa. É preciso voltar a atenção para o plane-jamento da contratação, ou seja, para a fase interna do processo de

12 E em todos os outros países.

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contratação. É lamentável que ainda não tenhamos aprendido a pla-nejar, por exemplo, uma obra de infraestrutura de médio porte.

Separar a necessidade (problema) do encargo/objeto (solução) é fundamental para conduzir o planejamento das contratações com mais eficiência.

Para deixar mais clara a distinção entre as duas realidades apon-tadas, exemplificaremos. O deslocamento permanente dos agentes públicos para desempenhar suas atribuições funcionais faz com que a Administração tenha, como uma de suas necessidades, o transporte de pessoas. Essa necessidade será satisfeita com um meio de trans-porte adequado. A escolha desse transporte dependerá das pecu-liaridades e características que envolvem a necessidade. Assim, o transporte, que é a necessidade, pode ser realizado pelos seguintes meios: veículo, avião, bicicleta, moto, trem, barco, navio, helicóp-tero, cavalo, etc. Se for para transportar um soldado da polícia mon-tada, o meio de transporte mais indicado será o cavalo. Se for para o Presidente da República, o meio poderá ser um carro, um helicóp-tero ou mesmo um avião. Se o deslocamento ocorre em determinadas regiões da Amazônia, por exemplo, o meio mais adequado será um barco ou uma lancha.

Outro exemplo é a necessidade de a Administração garantir segurança para pessoas e bens de seu patrimônio. A necessidade é a segurança em si mesma considerada. O objeto da futura con-tratação é a solução para garantir a necessidade (segurança). Após a devida análise, a Administração poderá escolher um dos meios capazes de oferecer a necessária segurança. Dessa forma, poderá optar por vigilância armada, por serviço apenas de vigia (vigilância não armada) ou, ainda, por um sistema de controle monitorado ou mesmo outra solução mais simples. Tudo vai depender das caracte-rísticas da necessidade.

Importante reiterar que o fundamental é não confundir a neces-sidade com a solução (objeto). Isso pode dificultar e comprometer o bom planejamento da contratação (fase interna). Tal comprome-timento nem sempre é percebido durante a licitação (fase externa), manifestando-se apenas durante a fase de execução contratual.

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A percepção da confusão entre necessidade e solução ocorre, normalmente, na fase contratual, porque é nela que o encargo é cum-prido. É nesse momento que a eventual inadequação da solução em relação ao efetivo problema fica mais evidente. Quando isso acon-tece, passamos a ter dois problemas para resolver, quando havia ape-nas um. O primeiro é a necessidade, e que permanece sem solução. E o segundo é o que fazer com a inadequada solução decorrente da contratação.

O erro na identificação da necessidade ocasiona sérios proble-mas na definição da solução (objeto). É preciso sempre lembrar que a solução (objeto) deve se ajustar à necessidade, e não o contrário. Na prática, com alguma frequência, é a necessidade que se ajusta à solução/ao objeto. Isso ocorre porque começamos, em muitos casos, o processo de contratação pela descrição do objeto, e não pela iden-tificação da necessidade.

3. 3. identificação de uma solução (encargo/objeto) capaz de satisfazer a necessidade

A necessidade é o problema a ser resolvido, e o encargo/objeto é a solução para o problema.

Para todo problema deve haver, pelo menos, uma solução, pouco importando se ela já foi concebida e está disponível no mer-cado ou deve ser produzida sob encomenda para atender à necessi-dade. À exceção da morte, não há outro problema que não possa ser resolvido ou minimizado no mundo real. Mesmo nos casos em que a necessidade é inusitada ou absolutamente exclusiva, é possível con-ceber uma solução para ela. Se não existe no mercado fornecedor, o homem é capaz de projetá-la e viabilizá-la.

A solução (objeto) se expressa na ideia de um encargo que alguém deverá cumprir como condição para que a necessidade possa ser satisfeita.

O encargo, por sua vez, é caracterizado por um conjunto de obrigações, do qual a mais importante é o objeto (obrigação principal).

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Toda solução é representada por um encargo, cujo núcleo é o objeto capaz de satisfazer a necessidade.

Para deixar mais claro, vamos a um exemplo. Em uma compra, o objeto é o carro propriamente dito, cujo encargo é mais amplo do que o objeto. Além do objeto, que é o núcleo do encargo, o sujeito deve cumprir outras obrigações, tais como: transporte, entrega, manuten-ção, pagamento de impostos e garantia. As demais obrigações exis-tem em razão do objeto. Dessa forma, cumprir todas as obrigações é o encargo que a pessoa assume. É verdade que, no sentido mais geral, solução, encargo e objeto são, em última análise, a mesma coisa ou manifestações específicas de uma só realidade.

Logo, se o encargo é representado por um conjunto de obri-gações, não bastará definir apenas as condições relativas ao objeto (núcleo), mas será preciso também fixar as demais. É aqui que reside o problema central da contratação pública.

A definição do encargo e do seu núcleo, o objeto, é uma das providências mais importantes no processo de contratação. Em torno dela vão gravitar quase todas as demais exigências fixadas na fase do planejamento, as quais, posteriormente, serão reunidas num docu-mento que se convencionou chamar de edital. Também, sob o ponto de vista essencial, a estrutura da fase externa da licitação gira em torno do objeto.

Vale repetir: definir o encargo/objeto é realizar uma das mais importantes condições do processo da contratação. A definição do encargo/objeto tem relação direta com todos os demais institutos da contratação. Em função do objeto se define, basicamente, a modali-dade de licitação, tendo em vista a sua natureza ou o seu valor esti-mado. Em razão da natureza do objeto se define o tipo de licitação. Também em função da natureza e da complexidade do objeto são definidas as exigências de capacidades técnica e econômico-finan-ceira. Enfim, é possível relacionar os principais institutos da licitação com a solução/encargo/objeto.

A definição da solução (objeto) é a razão de ser da própria con-tratação. Portanto, errar na definição da solução (e na descrição do

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objeto) é praticar uma espécie de equívoco imperdoável em matéria de contratação. Qualquer equívoco na descrição do objeto capaz de impedir que se atenda plenamente à necessidade da Administração implicará, potencialmente, o desfazimento da contratação, pois aten-der a tal necessidade é o seu propósito.

Na descrição do objeto, há um princípio fundamental e que norteia todo o regime jurídico das exigências a serem feitas nas con-tratações públicas. Poderíamos chamá-lo de princípio da adequação das exigências à necessidade ou, simplesmente, princípio da ade-quação. Tal princípio traduz a ideia de que tudo o que for indispen-sável para garantir a necessidade pode ser exigido na definição do encargo/objeto.

Mas não bastará apenas a justificativa da adequação da exigên-cia à necessidade, também é indispensável que se preserve a econo-micidade da contratação. Preservar essa economicidade não é sim-plesmente pagar menos, é, antes de tudo, garantir a adequação téc-nica do objeto em relação à necessidade e viabilizar um negócio que possibilite o menor dispêndio de recurso financeiro.

Portanto, como regra, a legalidade de uma exigência do encargo deverá obedecer a, pelo menos, dois fatores: adequação técnica à necessidade e economicidade.

Então, é viável concluir que tudo o que for necessário para garantir a obtenção da solução capaz de satisfazer a necessidade e preservar a economicidade da contratação é, em princípio, possível e legal.

De outra parte, tudo o que não estiver relacionado à preserva-ção da solução capaz de atender à necessidade ou, muito embora atenda à necessidade, represente excesso ou, ainda, não garanta a necessária economicidade da contratação é ilegal e não pode ser admitido.

Esses são dois ingredientes que devem pautar qualquer aná-lise em torno da legalidade das exigências relacionadas ao objeto. Claro que existem outros, entre os quais, a própria preservação da

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competitividade, que a descrição do objeto pode, imotivadamente, reduzir. Se isso ocorrer, haverá ilegalidade.

O princípio da adequação não está expresso em nenhuma regra legal, logo, não pode ser encontrado de forma literal nos textos legais vigentes. Tal princípio está implícito no sistema jurídico e foi dedu-zido a partir de um raciocínio lógico. Princípio implícito é aquele escondido no interior do sistema jurídico e que não permite a todos, em um primeiro momento, visualizá-lo e dele se valer. Portanto, é o papel do doutrinador identificar o princípio e colocá-lo à disposi-ção de quem toma decisões jurídicas. Os princípios implícitos devem ser garimpados no interior do sistema jurídico, tal como o ouro ou a esmeralda em leito de rio.

A obtenção do objeto (solução) capaz de satisfazer a necessi-dade é condição essencial no processo de contratação. A essa con-dição se incorpora outra: a obtenção do objeto com o menor dispên-dio de recurso financeiro, traduzindo o princípio da economicidade. É afirmação perfeita dizer que a licitação objetiva o negócio mais vantajoso, ou seja, a melhor relação benefício-custo. Aliás, tal finali-dade é também o objetivo a ser atingido com a inexigibilidade, por exemplo.

As condições indicadas devem estar reunidas simultaneamente, isto é, devem “andar de mãos dadas”. De nada adianta obter o objeto capaz de satisfazer a necessidade da Administração se a economi-cidade não for preservada ou a competição respeitada. Também de nada vale obter um negócio econômico ou ampliar a competição se a solução não atender à necessidade. É preciso, nesse particular, encontrar a medida exata (equilíbrio) entre benefício e custo (preço).

4. 4. seleção de uma pessoa com condições de Viabilizar a solução

Identificada a necessidade (problema) e definido o objeto (solu-ção), é preciso selecionar uma pessoa capaz de cumprir o encargo e, consequentemente, viabilizar o atendimento da necessidade.

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A seleção de um terceiro acontece quando a Administração não tem condições de viabilizar a solução diretamente, por seus próprios meios. Consequentemente, precisa recorrer a um agente que atua no mercado, a quem caberá realizar o encargo, executando a solução. Quando isso ocorre, a execução do encargo é feita de forma indireta.

Na chamada execução indireta, ou seja, que é atribuída a um terceiro, há um aspecto fundamental e que preside o processo de con-tratação: como selecionar a pessoa e garantir que a solução a ser por ela cumprida atenda à necessidade? Como ter a certeza de que um terceiro conseguirá satisfazer a necessidade, por meio de uma solu-ção adequada? Em relação a isso, não há certeza absoluta, ainda que a solução tenha sido muito bem configurada. Toda e qualquer proba-bilidade de certeza é apenas e tão somente relativa. Sendo assim, é indispensável reduzir ao máximo a incerteza e, consequentemente, aumentar o nível de certeza.

Reduzir a incerteza do sucesso da contratação é um dos obje-tivos a ser perseguido e atingido por quem conduz o planejamento. O legislador criou todas as condições para que tal objetivo seja atin-gido; ele fez a sua parte. A quem planeja cabe, por outro lado, cum-prir a sua. Não é possível dizer que a legislação é omissa, porque ela não é. Não é possível dizer que o regime jurídico tem brechas, por-que ele não tem. Todos os instrumentos necessários para viabilizar o sucesso da contratação e reduzir as incertezas existem e estão dispo-níveis na ordem jurídica. Não é preciso que nenhuma lei seja apro-vada para que isso possa ocorrer. Não é preciso mudar nada na legis-lação. É necessário apenas saber interpretar a ordem jurídica correta-mente. Esse é o problema mais sério a resolver. E a solução demanda algum tempo, muita dedicação e uma visão lógica, racional e ade-quada do regime jurídico vigente.

Enquanto isso não ocorre, podemos reconhecer que a natu-reza do objeto (solução) tem relação direta com o nível de maior ou menor certeza de sucesso referente à capacidade técnica do exe-cutor. Isso é evidente, pois se a solução para atender à necessidade

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envolver complexidade técnica e tiver de ser executada diretamente pelo contratado, haverá dúvida quanto à certeza em torno do cum-primento do encargo.

Portanto, a dúvida quanto à capacidade da pessoa em cumprir a obrigação está diretamente relacionada com a complexidade do objeto ou com a natureza da obrigação. Com efeito, certeza e incer-teza variam numa relação direta com o tipo de solução. Em alguns casos, inclusive, a eventual incerteza pode chegar muito próximo de zero, isto é, ser praticamente inexistente.

Vamos utilizar um gráfico para demonstrar a lógica que estru-tura os diferentes regimes jurídicos, bem como a questão da certeza e incerteza em relação à satisfação da necessidade, considerada na estruturação dos regimes vigentes.

Nesse sentido, o nível de certeza ou incerteza de que alguém consiga ou não viabilizar a solução pretendida pela Administração variará, basicamente, em função da natureza e complexidade da pró-pria obrigação a ser cumprida.

Em relação à complexidade do objeto, o nível de certeza e incerteza varia de acordo com uma escala. No ponto extremo da esquerda da escala está o nível mais elevado de incerteza, e no ponto extremo da direita está o nível mais elevado da certeza. Vejamos a representação no gráfico abaixo:

Nível de maiorINCERTEZA

Nível de maiorCERTEZA

Seguindo a estrutura da escala acima, podemos representar, em outro gráfico, os objetos (soluções), de acordo com o seu grau de complexidade. Quanto mais complexo for o objeto, mais próximo

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ele estará do ponto extremo da esquerda e, quanto mais simples, mais próximo estará do ponto extremo da direita. Vejamos o desenho:

OBJETO MAIS COMPLEXO OBJETO MAIS SIMPLES

Nível de maiorINCERTEZA

Nível de maiorCERTEZA

Com isso, queremos demonstrar que quanto mais complexo for o objeto, maior será a incerteza em relação ao cumprimento do con-trato e, por outro lado, quanto mais simples, maior certeza haverá de que a obrigação será cumprida.

Portanto, se a obrigação é apenas dar (fornecer) um objeto que está pronto, acabado e disponível no mercado, o nível de certeza é muito grande. Nesse caso, é pouco provável que o licitante não con-siga cumprir a obrigação. Mas, se isso vier a ocorrer, provavelmente o motivo não estará relacionado com a complexidade do objeto, mas com outros fatores. Por outro lado, se a obrigação é de fazer, o nível de incerteza aumenta.

OBRIGAÇÃO DE FAZER OBRIGAÇÃO DE DAR

Nível de maiorINCERTEZA

Nível de maiorCERTEZA

Dessa forma, a aquisição de bens comuns envolve, basica-mente, obrigação de dar. Nesse tipo de negócio, o nível de incer-teza quanto ao cumprimento do objeto é muito pequeno, isto é, o nível de certeza é muito alto. Se o objeto for obra ou serviço

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técnico, o nível de incerteza é bem maior, ficando no lado esquerdo da escala. Vejamos o gráfico:

OBRAS E SERVIÇOSDE ENGENHARIA

BENS E SERVIÇOSCOMUNS

Nível de maiorINCERTEZA

Nível de maiorCERTEZA

Vamos consolidar todos os gráficos anteriores em um único:

NÍVEL DE CERTEZAQuanto à obtenção da solução

OBJETO MAIS COMPLEXO

OBRIGAÇÃO DE FAZER

OBRAS E SERVIÇOSDE ENGENHARIA

OBJETO MAIS SIMPLES

OBRIGAÇÃO DE DAR

BENS E SERVIÇOSCOMUNS

Nível de maiorINCERTEZA

Nível de maiorCERTEZA

Até aqui, é possível concluir:

a) Obras e serviços técnicos apresentam maior grau de risco quanto à certeza da viabilidade de execução, ou seja, a incerteza é maior.

b) Obras e serviços técnicos exigem apurada análise da capaci-dade técnica de quem vai executar, porque envolvem essen-cialmente obrigação de fazer: execução de um projeto sob encomenda ou de prestação de um serviço intelectual.

c) Obras e serviços técnicos são objetos mais complexos se comparados aos bens e serviços comuns.

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d) Bens e serviços comuns apresentam menor grau de risco quanto à incerteza da viabilidade de execução, ou seja, a certeza é maior.

e) Bens comuns não exigem apurada análise da capacidade técnica de quem vai executar, porque envolvem essencial-mente obrigação de dar; como regra, estão prontos, acaba-dos e disponíveis. Em princípio, o objeto que vai atender à necessidade não é feito por quem vai cumprir o contrato.

f) As obrigações que caracterizam os negócios de bens e ser-viços comuns são normalmente simples, isto é, desprovi-das de complexidade no tocante à capacidade técnica de quem cumprirá o contrato. É preciso não confundir a even-tual complexidade técnica do objeto com a complexidade técnica da obrigação que resulta do encargo decorrente da contratação. Uma coisa é a complexidade do aparelho ele-trônico que está sendo adquirido por meio do pregão. Outra é a complexidade da obrigação que terá de ser cumprida pelo vencedor do pregão. A obrigação do vencedor é, nor-malmente, simples: deverá adquirir do fabricante e entregar o aparelho para a Administração. Não há, no caso apontado, nenhuma complexidade técnica envolvendo a obrigação do contratado, muito embora o aparelho possa ser de tec-nologia complexa. Nesse caso, quem deve possuir capaci-dade técnica é o fabricante, não o participante do pregão. E, ainda que o fabricante participe do pregão, ele não preci-sará demonstrar tal capacidade. Essas duas realidades estão sendo confundidas.

Para resolver o problema da eventual incerteza, foi prevista a fase externa da contratação. É nela que o nível de certeza deve ser apurado, e não em outro momento. A construção da fase externa nas duas Leis (nºs 8.666/93 e 10.520/02) está diretamente relacionada à natureza do objeto da licitação, sendo estruturada em função dele. Quando se diz que a estrutura da fase externa da licitação, por exem-plo, está alinhada à natureza do objeto, afirmamos que ela tem rela-ção direta com o tipo de solução (objeto) visado pela Administração.

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Essa conexão lógica entre a natureza do objeto e a estruturação da fase externa não havia sido, até aqui, percebida. Mas os tempos atuais exigem novas reflexões, e com elas surgem novas perspectivas e inusitadas conclusões, o que permite contribuir para a evolução e o desenvolvimento do processo de contratação pública.

Uma primeira conclusão diz respeito à fase externa da contra-tação estar diretamente relacionada à natureza do objeto a ser exe-cutado. É possível afirmar, então, que a escolha do procedimento traçado na Lei nº 8.666/93 ou na Lei nº 10.520/02 não é uma opção meramente subjetiva, mas objetiva. Logo, são as peculiaridades da solução (objeto) que definem o regime jurídico cabível.

Com base nesse raciocínio, não há um sistema ou regime jurí-dico melhor do que o outro, em termos absolutos. Não é possível dizer que o regime jurídico da Lei nº 10.520/02 é melhor do que o da Lei nº 8.666/93, salvo em face de cada situação concreta, isto é, ape-nas diante da natureza do objeto.

Se o objeto deve ser feito sob encomenda e tem complexidade técnica, o regime da Lei nº 8.666/93 é o melhor. Se o objeto, por exemplo, é padronizado e não será feito diretamente pelo contra-tado, indiscutivelmente, o melhor regime é o da Lei nº 10.520/02. O adjetivo “melhor” deve ser empregado de forma relativa, isto é, de acordo com a natureza do objeto que será licitado. Consequente-mente, a escolha do procedimento e da modalidade é condição rela-tiva, uma vez que está diretamente relacionada à natureza do objeto.

5. 5. melhor equiValência entre o encargo (objeto) a ser cumprido e a remuneração a ser paga

Obter a melhor relação benefício-custo é a finalidade da fase externa do processo de contratação. Isso é o mesmo que afirmar que a finalidade da licitação ou da contratação direta13 é obter a melhor relação entre o encargo (benefício visado) e a remuneração (preço a ser pago). Ainda que se reconheça que a licitação e a inexigibilidade,

13 Dispensa e inexigência.

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por exemplo, não tenham o mesmo pressuposto jurídico,14 elas têm a mesma finalidade.

Se a Administração deseja selecionar alguém apto a executar um encargo (objeto) para satisfazer uma necessidade, é natural que pretenda que isso ocorra com o menor dispêndio de recurso finan-ceiro, ou seja, gastando menos. Esse é um pressuposto que norteia qualquer relação comercial, e não seria diferente na contratação pública.

Assim, basicamente, o critério de escolha do sujeito que execu-tará o encargo tem fundamento na ideia de melhor relação benefício--custo. É preciso obter o melhor benefício (solução) com o menor dispêndio de recurso financeiro. O desafio permanente de quem compra é, de forma efetiva, obter um benefício cada vez melhor, gas-tando cada vez menos. Logo, temos dois valores a considerar em nossa análise: benefício e preço.

É sempre possível conseguir o melhor benefício com o menor dispêndio de recursos financeiros? A resposta é não. Nem sempre isso é possível. Ora, então, qual dos dois valores é o mais importante? Qual deles deve prevalecer: o benefício (solução capaz de satisfazer a necessidade) ou o preço (contraprestação pecuniária a ser cobrada em razão do cumprimento do encargo)? Ter clareza em torno disso é indispensável para compreender as diversas realidades jurídicas da contratação pública.

Portanto, se tivermos que eleger, entre os dois valores, o mais importante, certamente a escolha recairá sobre o benefício, e não sobre o preço. A opção não é, nesse caso, motivada por uma prefe-rência pessoal ou meramente subjetiva, mas sim objetiva. E a objeti-vidade decorre de um raciocínio puramente lógico: a finalidade da contratação não é pagar menos, mas obter o objeto que atenda ple-namente à necessidade específica da Administração. Claro que não afirmamos, aqui, que tal satisfação possa ocorrer a qualquer preço.

14 O pressuposto da licitação é selecionar o terceiro garantindo tratamento isonômico, o da inexigibilidade não.

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Estamos apenas definindo uma ordem de prioridade entre benefício e preço.

Na fixação da ordem de prioridade, não faria sentido pagar menos por uma solução (objeto) que não atende à necessidade. Ora, se o processo de contratação é estruturado e existe para atender a uma necessidade da Administração, é indispensável eleger esse valor (benefício/solução) como o mais importante, e não o preço a ser pago em razão dele.

Dessa forma, na estruturação lógica do regime jurídico da con-tratação pública, é fundamental reduzir (se possível, eliminar) todos os fatores que ensejam ou possam ensejar risco à obtenção da solu-ção capaz de atender à necessidade da Administração. Em razão disso, vamos entender melhor a estrutura da fase externa da licitação nos regimes das Leis nºs 8.666/93 e 10.520/02.

A obtenção da solução capaz de satisfazer plenamente a neces-sidade da Administração é o valor maior que deve presidir o pensa-mento e o raciocínio interpretativo nos dois regimes jurídicos (Leis nºs 8.666/93 e 10.520/02). Mas é evidente que o preço, ainda que não seja o valor maior em comparação com o benefício, tem significa-tiva importância no contexto normativo. No entanto, é bom que fique claro que o propósito maior da contratação não é obter o menor preço. O propósito da licitação é obter uma solução capaz de satis-fazer a necessidade e que represente o menor desembolso (menor preço). Solução adequada e preço não devem ser confundidos, pois isso seria muito danoso ao processo de interpretação.

Portanto, o preço é um valor relativo. Isso significa, apenas, que tem relação com outro fator, que não existe de forma independente. Da mesma maneira, o objeto (solução) é relativo, pois está direta-mente relacionado à necessidade. Até porque a solução deve resolver o problema (necessidade), e não simplesmente satisfazer uma ques-tão financeira. É possível perceber, pois, que há uma relação lógica de conexão entre um e outro, ou seja, o preço tem relação direta com o encargo/objeto, e este com a necessidade.

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A relação benefício-custo abre oportunidade para discutir o ins-tituto do tipo de licitação, realidade prevista na legislação vigente. Para entender a questão envolvendo os tipos de licitação, é necessá-rio ter total clareza entre encargo e remuneração, ou seja, entre bene-fício e custo. Os tipos de licitação foram pensados a partir de uma lógica simples de ser entendida e difícil de ser percebida.

A opção preferencial pelo tipo menor preço decorre do reco-nhecimento de que, como regra, é possível garantir a satisfação da necessidade por meio de uma descrição mínima (padrão mínimo) para a solução (objeto). Logo, bastaria a Administração definir, de forma precisa, a solução mínima desejada e fixar, como critério de escolha, que o vencedor será o licitante que apresentar o menor preço, desde que a solução mínima definida seja preservada.

É importante ressaltar que o valor que predomina nesse racio-cínio não é o menor preço, mas sim o benefício (solução), pois se o licitante não atender à solução, terá a sua proposta desclassificada, ainda que apresente o menor preço. Pagar menos não é a razão de ser da contratação; a sua razão de ser é satisfazer uma necessidade. Contudo, é evidente que, preservado esse valor maior, o critério para a escolha do vencedor deve basear-se na maior vantagem financeira, isto é, no menor dispêndio de recursos.

Há, pois, uma relação lógica e cronológica que deve ser per-cebida: primeiro se avalia a adequação técnica da solução e depois a vantagem financeira que ela representa. Mesmo quando o tipo é o menor preço, essa lógica deve ser mantida.

É possível deduzir outro raciocínio lógico a nortear o processo de interpretação do regime jurídico da contratação pública: a análise da adequação do objeto proposto em relação ao objeto licitado deve sempre anteceder a análise do preço. Com efeito, para que alguém tenha seu preço conhecido e avaliado, é preciso antes demonstrar que tem uma solução compatível com a licitada ou que é capaz de cumprir o encargo que a solução representa. Por isso, não é simples-mente o preço que deve calibrar a escolha da solução, mas a certeza

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de que a solução apresentada pelo licitante é capaz de garantir a satisfação da necessidade.

Outro aspecto a ser considerado em relação à questão do bene-fício-custo gira em torno do tipo específico de solução capaz de satis-fazer a necessidade da Administração. Assim, a Administração pode ou não se satisfazer com uma qualidade mínima. Os diferentes tipos de licitação nascem motivados por essa questão. Dessa forma, para compreender os tipos de licitação e saber quando eles podem ser uti-lizados, é fundamental saber a razão que os inspirou.

Por conta disso, é preciso reconhecer que no tipo menor preço não há nenhum incentivo para que alguém ofereça uma qualidade melhor do que a representada pela descrição mínima. Até porque se o licitante melhora a qualidade, o custo aumenta, e o preço final será maior, o que faz com que ele possa perder o negócio, visto que este se baseia no menor preço. Logo, no tipo menor preço, todos os licitantes procuram apenas e tão somente atender às exigências mínimas, uma vez que o critério de julgamento estimula exatamente isso. No tipo menor preço, o raciocínio é o de apenas preservar a solução mínima e pagar menos, pois a solução resolve o problema (necessidade).

Em outros casos, o objetivo é obter um benefício superior ao mínimo definido. Haveria aqui uma diferença entre solução mínima indicada e solução desejada. A solução indicada preserva o mínimo indispensável, e a solução desejada proporciona maior benefício. Mas, para obter a solução desejada, é necessário criar um incentivo. Para tanto, o legislador formatou os tipos técnica e preço e melhor técnica.

Nesses dois tipos, o oferecimento de uma qualidade adicio-nal pelo licitante, a partir da descrição ou qualidade mínima, pre-cisa ser incentivado e, portanto, recebe uma pontuação por parte da Administração. Há uma ponderação para o benefício adicional e para o preço. Dessa forma, licitante deve manter uma relação de equilí-brio entre o benefício e o preço, pois de nada adianta apresentar um grande benefício em termos de qualidade se não conseguir manter um controle sobre o preço. Em tese, vence quem viabilizar o melhor

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equilíbrio entre o benefício e o custo. A fixação de preço máximo nos tipos indicados é uma forma de limitar o próprio benefício e prever antecipadamente o desembolso financeiro a ser feito, conforme será explicado com mais detalhes no capítulo relativo ao regime jurídi-cos dos preços.

Portanto, a contratação pública deve traduzir sempre a melhor equivalência entre a solução e o preço, independentemente do tipo de licitação adotado. Aliás, esse é um postulado que deve nortear a ação dos agentes envolvidos com a contratação pública.

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Capítulo 3

DEZ PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DA CONTRATAÇÃO PÚBLICA

1. 1. o que são princípios jurídicos?

Conforme vimos no capítulo anterior, o regime da contrata-ção pública tem como pilar de sustentação as ideias de: a) existência de uma necessidade a ser satisfeita; b) identificação de uma solução (encargo) capaz de satisfazer a necessidade; c) seleção de uma pes-soa capaz de executar e cumprir o encargo; e d) melhor equivalência entre encargo e remuneração.

Na nossa visão, essas quatro ideias fundamentais estruturam a lógica do regime jurídico da contratação pública. A partir delas se desenvolvem outros alicerces ou princípios que asseguram maior consistência jurídica e operacional ao processo administrativo cor-respondente. Esses alicerces, assim como as ideias estruturais acima, aplicam-se a qualquer contratação, independentemente do regime jurídico cabível ou de quem a promove, ou seja, pouco importa se o regime aplicável é o da Lei nº 8.666/93 ou o do pregão, bem como se é a União, o estado ou o município que objetiva a contratação.

Portanto, princípios são ideias estruturais que traduzem os valores fundamentais do regime jurídico da contratação pública. Se afirmarmos que o regime jurídico é constituído de uma parte fun-damental e de outra importante, a parte fundamental seria a dos princípios.

2. 2. onde estão preVistos os princípios que serão apresentados?

Os princípios referidos não constam de forma expressa do texto das leis que constituem o regime jurídico da contratação pública.

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Portanto, eles não são visuais, a sua identificação ou percepção na ordem jurídica não ocorre explicitamente.

Para chegar aos dez princípios que vamos anunciar, é preciso recorrer à lógica sistêmica, sem a qual não conseguimos abstrair tais valores. Não adianta o leitor procurar esses valores no plano da literalidade, pois se frustrará. O que o leitor não pode esquecer, no entanto, é que o Direito não se reduz nem se confunde com o texto do enunciado. O texto da lei (a sua parte visual) representa apenas pequena parte do universo jurídico. A melhor figura que representa o Direito é um iceberg; uma pequena parte é visual, mas a maior não, pois está submersa.

Para garimpar esses dez princípios, é indispensável mergulhar fundo e ir além da literalidade. Eles resumem o espírito do regime jurídico da contratação, isto é, a essência de tudo o que está dito, implícita e explicitamente, na legislação vigente (principalmente nas Leis nºs 8.666/93 e 10.520/02).

Dessa forma, é possível dizer que esses princípios não estão previstos em nenhum artigo específico, mas decorrem de todos.

3. 3. quais os princípios da contratação de acordo com a noVa concepção?

A reflexão produzida para estruturar uma nova concepção da contratação pública tornou viável apresentar parte dos princípios tra-dicionais de um novo modo. A essência é a mesma, o que muda é a embalagem. Não se trata de uma nova moda lançada, mas de uma forma mais moderna e clara de traduzir o espírito do regime jurídico que regula a contratação. Em vez de falar em princípios da legali-dade, da publicidade, da isonomia, da vinculação ao edital ou do julgamento objetivo, por exemplo, preferimos traduzir a essência da ordem jurídica de modo mais direto, objetivo e menos fluido.

As ideias nucleares – denominadas princípios – que traduzem o regime jurídico da contratação pública são:

I) Que a definição do encargo/objeto atenda à efetiva necessidade da Administração, garanta a indispensável

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qualidade, possibilite solução econômica e não restrinja imotivadamente a disputa;

II) Que o preço a ser pago pelo objeto seja justo e exequível;

III) Que sejam observadas as exigências legais de naturezas orçamentária e financeira para a realização da despesa;

IV) Que as regras do jogo sejam claras, conhecidas, cum-pridas e definidas, de modo a assegurar a obtenção do encargo/objeto desejado e a respeitar a ordem jurídica vigente;

V) Que haja competição efetiva entre os licitantes e que todos disponham das mesmas informações;

VI) Que toda e qualquer discriminação adotada seja justifi-cável por razões de ordem técnica ou jurídica e as exi-gências definidas sejam indispensáveis para assegurar e garantir o cumprimento do objeto;

VII) Que nenhum competidor seja eliminado, senão por motivo de descumprimento de exigência essencial;

VIII) Que todas as decisões adotadas respeitem as exigências da ordem jurídica, sejam devidamente motivadas e pos-sam ser discutidas;

IX) Que o vencedor seja definido por critérios objetivos quando a seleção das propostas for realizada por meio de licitação;

X) Que o contrato seja uma relação de equivalência jurídica entre encargo e remuneração (preço) a ser obrigatoria-mente respeitada durante toda a execução contratual.

4. 4. qual é o conteúdo de cada um dos princípios?

Conhecer o conteúdo de cada um dos princípios possibilita entender melhor o regime jurídico da contratação pública, bem como

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os seus institutos próprios. O domínio desse conteúdo é fundamental, pois permitirá que qualquer problema jurídico seja resolvido.

Abaixo abordaremos cada um dos princípios indicados.

I - Que a definição do encargo/objeto atenda à efetiva neces-sidade da Administração, garanta a indispensável qualidade, possibilite solução econômica e não restrinja imotivadamente a disputa.

Esse primeiro princípio traduz, diretamente, quatro aspectos fundamentais para a contratação pública: a) que o encargo/objeto seja descrito de modo a satisfazer a real necessidade da Adminis-tração; b) que o encargo/objeto garanta uma qualidade mínima; c) que a descrição do encargo/objeto possibilite solução econômica; e d) que a descrição não restrinja imotivadamente a disputa entre os interessados.

Portanto, preservar tais aspectos é o desafio de quem descreve a solução (encargo/objeto) capaz de atender à necessidade da Admi-nistração. Encontrar a medida exata entre essas quatro condições é a missão que o legislador impôs a quem planeja a contratação.

Os quatro aspectos indicados serão avaliados adiante, quando tratarmos da definição do encargo/objeto (etapa II da fase I do pro-cesso de contratação).

II - Que o preço a ser pago pelo objeto seja justo e exequível.

O preço é a contraprestação pecuniária a ser cobrada, pelo contratado, da Administração pela viabilização da solução (cumpri-mento do encargo).

Há uma relação fundamental a ser compreendida na contrata-ção: a ideia de encargo e remuneração. Sem compreender isso, não é possível entender adequadamente a contratação.

Existem duas realidades indissociáveis em matéria de contrata-ção pública: o “E” e o “R”.

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O “E” representa o encargo definido pela Administração e será assumido pelo contratado. O “R” representa a remuneração fixada pelo licitante em função do encargo definido pela Administração.

O preço deve ser justo e exequível. Isso significa que ele deve refletir o custo e as despesas para executar o “E”, sem deixar de asse-gurar o lucro pretendido, que é o retorno esperado pela exploração da atividade econômica. Preço justo é o que decorre da relação entre esses três aspectos (custo direto, despesas indiretas e lucro).

O esforço do legislador foi no sentido de proibir a prática de preços injustos, pois estes seriam ilegais. Assim, tratou de formatar um regime jurídico para o preço. Essencialmente, esse regime jurí-dico diz que são ilegais, por um lado, os preços inexequíveis (de valor zero, irrisórios e meramente simbólicos) e, por outro, os preços excessivos.

Preços inexequíveis são os que não podem ser justificados à luz dos custos e das despesas para viabilizar a solução tal como exigida. Nos preços zero, irrisório e simbólico não há, em princípio, adequa-ção entre o que se cobra e o que se gasta para produzir ou viabilizar a solução.

Em razão dessa falta de adequação, considera o legislador que a relação é injusta. Nesse caso, a injustiça, para ser configurada, não necessita da aceitação do licitante, ou seja, mesmo que o licitante diga que não está sendo lesado, não poderá a Administração aceitar o preço. A injustiça, aqui, é uma condição objetiva; pode e deve ser apurada de forma concreta e real.

Da mesma forma é injusto o preço excessivo, aquele em que o particular eleva consideravelmente a sua margem de lucro.

A concepção que norteou a disciplina da apresentação dos pre-ços na Lei nº 8.666/93 é diferente da utilizada para formatar o regime da Lei nº 10.520/02.

Na Lei nº 8.666/93, é como se o legislador dissesse para os licitantes: “apresentem seus preços sem nenhuma ‘gordura’, pois não terão outra chance de reduzi-los. Apresentem preços finais e os

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menores que puderem”. Se comparássemos os preços a uma arma de fogo, no sistema da Lei nº 8.666/93, é como se o licitante tivesse ape-nas uma bala no tambor. O tiro teria de ser certeiro.

A concepção da Lei nº 10.520/02 é outra. O legislador, nesse caso, diz para os licitantes: “apresentem seus preços, mas saibam que vocês terão a oportunidade de reduzi-los durante a licitação (na etapa denominada ‘fase’ de lances)”. Ou seja, se comparada a uma arma de fogo, é possível dizer que, no pregão, o licitante não tem apenas o direito de dar um único tiro, como no sistema da Lei nº 8.666/93, mas pode atirar várias vezes até acertar o alvo.

Cumpre observar apenas que, no pregão, o legislador regulou o calibre da arma para que o licitante, no primeiro tiro, não atirasse muito fora do alvo, uma vez que teria muita munição para queimar e vários outros disparos para fazer. Quis o legislador evitar que o lici-tante desse o primeiro tiro muito “para o alto”, pois se fosse o único licitante, por exemplo, poderia se recusar a dar outros tiros ou mesmo a acertar perto do alvo nos tiros subsequentes. O legislador criou um mecanismo ou dispositivo com a finalidade de definir quem iria ou não dar outros tiros.

Esse mecanismo consiste na fixação de um critério de 10%. Para que o licitante pudesse dar novos tiros (participar da fase de lan-ces), o seu preço teria de ser, em princípio, igual ou inferior a, no máximo, 10% do menor preço. Dito de outra forma, o seu tiro não poderia estar 10% mais longe do que aquele que estiver mais perto do alvo. Com isso, o legislador quis evitar que o licitante chegasse ati-rando para cima. O licitante teria de mirar no alvo já no primeiro tiro, sob pena de não poder mais atirar.

O que aconteceu com o mecanismo dos 10%?

No pregão presencial, que tende a ser cada vez menos utili-zado, o governo manteve o mecanismo dos 10%, ou seja, disse para os fornecedores: “não venham atirando para cima, pois vocês podem voltar para casa com a arma carregada ou o tambor cheio”.

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No pregão eletrônico, que tende a ser a modalidade utilizada para a maioria absoluta dos casos, o governo eliminou o mecanismo dos 10%. Figurativamente, o governo disse aos fornecedores: “podem chegar atirando para cima que não há nenhum problema”. É como se dissesse: “depois de acertar o teto, vocês miram no alvo”. A elimina-ção do critério dos 10% no pregão eletrônico não tem fundamento de validade na ordem jurídica, pois esta determina outra coisa. Ademais, dependendo da situação, a eliminação do referido critério fragiliza o sistema adotado e pode fazer com que a Administração pague mais caro, principalmente quando não existe disputa no certame. É pos-sível que a exigência de observância do critério dos 10% tenha sido eliminada no pregão eletrônico para evitar eventual dúvida de sua utilização para eliminar competidores, sob o argumento de conheci-mento prévio dos preços por parte dos operadores do sistema. Sem o critério legal dos 10%, tal possibilidade fica afastada. Não se pode dizer, por um lado, que a não adoção do critério no pregão eletrô-nico não tenha sido salutar; mas, por outro, não se consegue afastar a possibilidade de pagar eventualmente mais caro, visto que o licitante que apresenta preço elevado não corre o risco de ficar fora da etapa de lances. A situação exige a necessária cautela.

III - Que sejam observadas as exigências legais de naturezas orçamentária e financeira para a realização da despesa.

A ideia de contratação está diretamente relacionada à de despesa.

O contrato nada mais é do que a relação entre E (encargo) e R (remuneração). Quando a Administração dá início a um processo de contratação, visa a satisfazer uma necessidade e, para tanto, precisará definir um encargo a ser executado por alguém (o futuro contratado). Logo, a Administração quer o encargo, mas para obtê-lo precisará pagar por ele. Portanto, toda obtenção de um encargo implica a rea-lização de uma despesa, pois o encargo se traduz, em última análise, numa despesa.

No atual estágio da sociedade contemporânea, o Poder Público só pode realizar despesas se estiverem autorizadas. Vale dizer, os governantes não têm muita margem de liberdade para definir como

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irão utilizar os recursos públicos. A aplicação do recurso público decorre de previsão legal, ou seja, da Lei Orçamentária Anual (LOA), do Plano Plurianual (PPA) e da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO).

Portanto, o orçamento público é típico ato normativo. Prevê a estimativa da receita e define as despesas a serem realizadas. O orça-mento moderno tem a importante função de planejar as ações do governo em razão das necessidades da sociedade.

O Estado assume, por força da Constituição, uma série de missões e precisa cumpri-las. Para tanto, é indispensável que tenha recursos financeiros para fazer frente às despesas (encargos).

Para que a Administração Pública possa deflagrar o processo de contratação, é preciso respeitar as exigências legais de natureza orça-mentária e financeira definidas na ordem jurídica vigente e que, basi-camente, decorrem da Lei Complementar nº 101, de 04 de maio de 2000; da Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964, e das leis orçamen-tárias propriamente ditas.

Para deflagrar a fase externa do processo de contratação, é indispensável que os recursos financeiros estejam assegurados em lei orçamentária. Essa condição deve ser observada em todos os casos, inclusive se o procedimento se destina ao registro de preços.

IV - Que as regras do jogo sejam claras, conhecidas, cumpridas e definidas, de modo a assegurar a obtenção do encargo/objeto desejado e a respeitar a ordem jurídica vigente.

A licitação é uma disputa, um jogo. E todo jogo, para ser bom para todos os jogadores, deve ter regras claras, conhecidas e cumpri-das. Uma regra é clara quando não deixa dúvidas e permite que o seu conteúdo seja o mais cristalino possível, nítido e suficientemente transparente.

Por outro lado, a regra claramente definida deve ser conhe-cida por todos, pois não há como cumprir algo que não se conhece. Todas as condições impostas e que devem ser cumpridas pelos lici-tantes precisam ser por eles conhecidas. Para isso, é indispensável que sejam divulgadas. Daí a ideia de que, em regra, o processo não

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pode ser secreto ou reservado, salvo quando for indispensável para garantir o próprio tratamento isonômico (como ocorre em relação ao conteúdo das propostas) ou para garantir a segurança nacional. As regras que regulam o procedimento da licitação, no entanto, devem ser todas reveladas e objetivamente definidas no edital, sob pena de ilegalidade. Quando for o caso de assegurar o sigilo, em razão da pre-servação da segurança nacional, por exemplo, não se realizará a lici-tação, mas a contratação direta.

V - Que haja competição efetiva entre os licitantes e que todos disponham das mesmas informações.

Um dos pressupostos da licitação é o tratamento isonômico, que deve ser assegurado, pelo Poder Público, a todos os interessa-dos que atuam no mercado. O raciocínio é o seguinte: se todos con-tribuem para a formação da receita estatal, por meio do pagamento de tributos, e se todos são iguais perante a lei, também devem ser iguais perante os órgãos e as entidades integrantes da Administração Pública. Nesse contexto, se o Estado deseja contratar um particular, terá de observar um processo e assegurar a todos iguais condições de disputa. A ideia de igualdade dá fundamento ao dever de licitar, e, assim, é indispensável garantir iguais condições a todos de forma efe-tiva e concreta, e não apenas aparente.

Para qualificar um procedimento, de fato e de direito, como licitação, é preciso que a disputa seja efetiva e todos os interessados tenham, de forma concreta, iguais oportunidades de ser contratados. O que não se pode aceitar é que alguns interessados sejam apenas figurantes.

Quando se diz que todos devem dispor das mesmas informa-ções, queremos deixar claro que a participação no processo de con-tratação implica a tomada de uma decisão. Para decidir adequada-mente qualquer coisa na vida, é necessário ter informação. Assim, para que o licitante tome a decisão de participar ou não da licitação, deve dispor de todas as informações sobre o encargo que vai assu-mir. As informações disponibilizadas para um licitante devem ser as mesmas para todos os demais. Nisso reside o tratamento isonômico.

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Uma informação viabilizada a um licitante e ocultada dos demais pode ensejar a nulidade do processo. Por isso, quem planeja a solução (o autor dos projetos básico e executivo) não pode parti-cipar da licitação que visa a selecionar quem vai cumprir o encargo que ele mesmo definiu.

Entre outras razões, a proibição é balizada pelo acesso privi-legiado à informação. Quem detém a informação decide com mais segurança e com privilégios, portanto, mais acertadamente. Em um concurso público, o candidato que conhece precisamente os temas que servirão de base para a formulação das questões, ainda que não conheça exatamente as questões, tem uma informação privilegiada. Em vez de estudar, por exemplo, cem temas diferentes, irá se concen-trar apenas nos dez que de fato interessam. Essa informação violou o plano da igualdade.

Todas as informações que constituem o encargo a ser atendido pelo licitante e todas as que servirão de base para a tomada de deci-são devem estar previstas no edital. O edital é o documento que reúne e concentra todas as informações úteis que o licitante precisa conhecer. A condição relativa ao encargo que não estiver prevista no edital não poderá ser exigida pela Administração.

É com base no edital que o licitante formata sua proposta. Logo, é com fundamento nas informações previstas no edital que o licitante define a sua remuneração. A relação de equivalência entre encargo e remuneração é fixada em função das informações indicadas no edital.

Assim, se a Administração deseja que o objeto seja entregue em local diverso do da sua sede, deverá fazer constar essa condição no edital, sob pena de não permitir que o licitante inclua o custo do res-pectivo transporte. Sem informação não se pode tomar a decisão (no caso, a decisão é incluir o custo do transporte na remuneração). Ade-mais, quando não se define que a entrega vai ocorrer em local diverso do da sede da Administração, a presunção será a de que é na sede que se deseja receber o objeto, e não em outro lugar.

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Nesse sentido, o tratamento isonômico que existe no plano jurí-dico tem diferentes matizes. Uma delas pode ser traduzida no direito à informação que deve ser assegurado a todos.

Nos procedimentos competitivos, como na contratação pública, a garantia da informação é fundamental, e a sua violação ocasionará a nulidade do próprio certame em razão da quebra da igualdade que deve ser assegurada. A nulidade é a violação do próprio pressuposto da licitação: a igualdade.

Por fim, conforme veremos oportunamente, também não haverá competição efetiva se o critério de julgamento não for objetivo.

VI - Que toda e qualquer discriminação adotada seja justi-ficável por razões de ordem técnica ou jurídica e as exigên-cias definidas sejam indispensáveis para assegurar e garantir o cumprimento do objeto.

Abordamos acima a questão da discriminação, mas agora trata-remos desse tema de forma específica.

O que é discriminar?

Discriminar é fazer uma distinção. Discriminamos quando escolhemos uma entre duas ou mais coisas, de modo a apartá-la das outras. Sendo a discriminação uma distinção, não há quem nunca praticou um ato que não possa ser rotulado de discriminador. Por-tanto, a discriminação em si não é algo que deve ser repudiado, pois praticamos isso diariamente, quase na mesma intensidade com que respiramos.

Então, por que a palavra “discriminação” tem um sentido tão pesado e negativo?

A razão é simples, existem dois tipos de discriminação, a boa e a ruim. A carga valorativa da discriminação ruim é tão forte que a boa desapareceu do nosso vocabulário e, como expressão linguística, foi substituída por outras palavras ou expressões mais amenas.

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A discriminação é boa quando o fator que justifica a separação é baseado em critério razoável e legítimo.

A discriminação cria duas ordens diferentes de pessoas: a ordem das excluídas e a das beneficiárias. Por exemplo, quando fixa-mos um conjunto de obrigações a serem cumpridas por outras pes-soas, é possível que apenas algumas delas atendam às nossas exigên-cias, e outras não. Quando isso ocorrer, haverá discriminação, pois um grupo de pessoas será excluído da disputa, visto que não poderá atender às obrigações impostas.

Basicamente, o que se faz em um processo de contratação pública é discriminar, é estabelecer distinções, de modo a dizer quem pode ou não participar da disputa. E a discriminação começa no momento em que descrevemos o objeto capaz de atender à neces-sidade da Administração.

Nesse momento, fixamos a mais importante condição discrimi-natória, uma vez que somente terão reais chances de obter o contrato os licitantes do ramo pertinente ao objeto. Quem não demonstrar condições de cumprir a obrigação será eliminado da disputa. Essa é a primeira e a mais importante discriminação que fazemos na contra-tação pública.

Porém, as discriminações não param por aí. Quando exigimos prova de regularidade perante as Fazendas federal, estadual e muni-cipal, FGTS e Previdência Social, bem como capacidades técnica e econômico-financeira, estabelecemos uma condição discriminatória, pois quem não possuir tais requisitos ou não atender a tais exigências estará, em princípio, impedido de ser habilitado ou mesmo contra-tado. A essas condições discriminatórias se somam inúmeras outras.

Em princípio, o fato de uma condição ser discriminatória não significa que ela é ilegal. Sendo isso verdade, qual o critério ade-quado para separar as discriminações que podem ser fixadas das que não podem? Há um critério objetivo que permita tal separação ou a questão deve ser resolvida no plano puramente subjetivo?

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Sim, há um critério objetivo e seguro para separar e dizer se uma discriminação pode ou não ser feita. Em razão disso, fica afas-tada a possibilidade de o problema ter de ser resolvido por meio de critério subjetivo. Aliás, o grande desafio do Direito e dos que dele extraem interpretações é fixar um critério objetivo para a solução dos problemas jurídicos e, assim, eliminar o critério subjetivo.

Uma condição discriminatória é aceitável quando fixar exigên-cia indispensável para salvaguardar a solução capaz de satisfazer a necessidade da Administração. Consequentemente, será reputada inaceitável quando não for capaz de se justificar à luz da mencionada necessidade.

Logo, é o valor necessidade que calibra e separa o aceitável do inaceitável, em termos de exigência ou discriminação no campo da contratação pública. Portanto, esse é o critério objetivo que deve ser utilizado. Diante de cada exigência feita no edital, é possível questionar a sua condição de validade formulando uma única per-gunta para todos os casos: essa exigência é necessária para garantir a necessidade? Se a resposta for sim, ela é legal. Se for negativa, a con-dição poderá ser ilegal.

Mas é preciso reconhecer que o controle da discriminação não se faz apenas com base no atendimento da necessidade. O fun-damento da discriminação pode ser de ordem puramente jurídica. Quando afirmamos isso, queremos dizer que não está relacionado à necessidade, mas a algum valor consagrado no ordenamento, tal como as exigências relacionadas ao aspecto fiscal e as de regulari-dade trabalhista.

É por meio de condições discriminatórias que apuramos se o interessado em contratar com a Administração possui ou não condi-ções. Porém, não é qualquer condição discriminatória que a ordem jurídica aceita e tolera. Como regra, a discriminação que a ordem jurídica considera aceitável é a indispensável para assegurar a satis-fação da necessidade. As demais, ou seja, as que não tiverem funda-mento de validade diretamente na necessidade/demanda da Admi-nistração, exigirão cuidadosa análise por parte de quem planeja a contratação.

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VII - Que nenhum competidor seja eliminado, senão por motivo de descumprimento de exigência essencial.

A eliminação de um competidor (licitante) tem de ser crite-riosa, ou seja, é necessário que a ordem jurídica separe duas situa-ções distintas:

a) O não atendimento a uma exigência ou condição essencial; e

b) O descumprimento de exigência meramente formal.

Separar esses dois mundos é fundamental para que os agentes tenham critério adequado para resolver os problemas que envolvem o não atendimento a exigências do edital.

A inexistência de critérios adequados na legislação vigente tem proporcionado, principalmente nas últimas duas décadas, a tomada de inúmeras decisões equivocadas pelos que conduzem as contrata-ções públicas.

Entretanto, nos últimos anos, em razão do esforço doutrinário e de algumas decisões judiciais, o problema vem sendo gradativamente atenuado. Nesse campo, embora muito ainda deva ser feito, é possí-vel dizer que as coisas estão melhorando. Verifica-se melhor compre-ensão por parte dos membros de comissões de licitação e pregoeiros, bem como por parte dos assessores jurídicos e procuradores em rela-ção à necessidade de separar os dois tipos de faltas que os licitantes e a própria Administração podem cometer.

A concepção tradicional decorreu da equivocada compreen-são do princípio da vinculação ao instrumento convocatório. Por uma questão de comodismo e, em certos casos, de despreparo dos operadores do Direito, consagrou-se a tese de que o não atendimento a qualquer exigência do edital deveria ser sancionado com a elimi-nação de quem o tivesse praticado, independentemente da natureza da falha.

Assim, os licitantes e a Administração estariam obrigados a cumprir, integralmente, todas as condições fixadas no edital. Nesse sentido, se o descumprimento por parte do licitante fosse relativo a

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uma exigência de habilitação, a consequência seria a sua inabilita-ção. Se o não atendimento fosse relativo à sua proposta, seria ela des-classificada. Por outro lado, se a violação do edital fosse feita pela própria Administração, a consequência, a rigor, seria a anulação de todo o procedimento ou de parte dele.

Muito embora algumas ações positivas viessem ocorrendo, é possível dizer que o acontecimento mais marcante e que abriu nova perspectiva para a questão foi a decisão prolatada pelo Superior Tri-bunal de Justiça no Mandado de Segurança nº 5.418, publicado no DJ de 01.06.98, na qual ficou registrado que:

o princípio da vinculação ao edital não é absoluto, de tal forma que impeça o judiciário de interpretar-lhe, buscando-lhe o sentido e a com-preensão e escoimando-o de cláusulas desnecessárias ou que extrapolem os ditames da lei de regência e cujo excessivo rigor possa afastar da con-corrência possíveis proponentes, ou que o transmude de um instrumento de defesa do interesse público em conjunto de regras prejudiciais ao que, com ele, objetiva a Administração.

Essa decisão foi importante para respaldar vários argumentos e interpretações produzidos e defendidos por alguns doutrinadores nos anos que antecederam a decisão e que, por não terem ainda sido aco-lhidos pelo Judiciário ou pelos tribunais de contas, eram ignorados pela própria Administração.

É possível dizer que, tradicionalmente, um dos objetivos das comissões de licitação era o de punir os licitantes. O afastamento dos competidores acontecia sem critérios razoáveis. O único critério era o fato de o licitante ter descumprido uma exigência. Qual a exigên-cia ou a sua importância nada significava. Todas tinham igual trata-mento. Descumprida qualquer condição, independentemente da sua natureza, estaria o licitante afastado da disputa.

Não havia (e, em muitos casos, ainda não há) a percepção de que o afastamento do licitante sem uma razão lógica capaz de justifi-car a medida implica punição muito mais séria para a própria Admi-nistração Pública, em razão da redução que se produz na disputa e dos eventuais prejuízos financeiros que a decisão pode acarretar.

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O que deve determinar o afastamento de um competidor não é simplesmente o descumprimento de uma exigência do edital, mas sim de uma condição essencial, que impossibilite à Adminis-tração a apuração da condição pessoal (habilitação) do licitante ou da viabilidade da sua proposta enquanto solução capaz de atender à necessidade.

De acordo com o edital, o que importa é saber se a pessoa reúne condições jurídicas, fiscais, técnicas e financeiras e se a sua proposta é compatível com a solução prevista e, ainda, se seu preço é justo e exequível. Se a pessoa (licitante) atende a todas essas exi-gências, não há razão para o seu afastamento.

Por isso, é indispensável separar as falhas que afetam as exigên-cias materiais das que representam mera condição formal.

Exigências materiais são justamente as que têm a finalidade de garantir o cumprimento das condições pessoais e das condições relativas à proposta consideradas indispensáveis para a satisfação da necessidade da Administração ou da ordem jurídica.

Exigências meramente formais estão relacionadas à demonstra-ção das exigências materiais e de outras condições que possam ser contornadas. O desatendimento de uma exigência formal pode ser relevado se a condição material for preservada ou se restar demons-trada de forma diversa daquela exigida.

Na legislação vigente, não há norma que autorize o afasta-mento de um licitante por descumprimento de exigência meramente formal. Muito pelo contrário, o afastamento em tal situação constitui flagrante violação da ordem jurídica, especialmente dos princípios que informam o regime da licitação, tais como da competitividade e da economicidade. Afastar licitante com fundamento em exigência formal é praticar ato contrário à essência da ordem jurídica.

Dessa forma, a eliminação de um competidor somente é cor-reta, sob o ponto de vista jurídico, quando determinada pelo des-cumprimento de uma exigência considerada essencial ou material. Se não for esse o caso, a eliminação deve ser reputada ilegal por

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violação da ordem jurídica, especialmente por atentar contra os prin-cípios da competitividade, da obtenção da proposta mais vantajosa e da economicidade.

É indispensável reconhecer que, nos últimos tempos, temos um avanço considerável no sentido de superar vícios meramente formais. Alguns anos atrás, qualquer argumentação em relação à questão do saneamento de falhas meramente formais não era bem recebida pelos integrantes de comissões de licitação e agentes que atuavam na área da contratação. Atualmente, entretanto, o saneamento tem sido visto como uma providência necessária.

É oportuno dizer que o saneamento de vício, inclusive de natu-reza material, sempre foi possível na ordem jurídica, mas apenas quando comum a todos os licitantes, tal como previsto no § 3º do art. 48 da Lei nº 8.666/93. No entanto, a legislação vigente deu mais um passo para exigir que a autoridade determine o saneamento sempre que for possível sanar o vício, conforme prescreve o inc. I do art. 28 da Lei nº 12.462/11 (RDC).

De qualquer forma, é preciso definir critérios adequados para promover o saneamento da melhor forma possível. E, em relação a isso, muito pouco tem sido feito. Esse é o desafio a superar. Definir regras de saneamento é o que falta para tornar ainda melhor os avan-ços já conquistados em relação à licitação (fase externa).

VIII - Que todas as decisões adotadas respeitem as exigências da ordem jurídica, sejam devidamente motivadas e possam ser discutidas.

Quem atua na área da licitação deve ter a clareza de que a sua atividade principal é tomar decisões.

No decorrer de uma contratação, são adotadas quase uma cen-tena de decisões e, como se trata de um processo, cada decisão ou ato praticado tem significativa importância. O que torna o processo dinâmico é a tomada de decisão. A marcha processual só ocorre se decisões forem adotadas.

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Decidir não é simplesmente realizar uma escolha ou praticar um ato num ou noutro sentido. Decidir é realizar a melhor escolha.

Tais afirmações suscitam algumas questões. Como qualificar uma decisão como a melhor, quando existe, normalmente, mais de uma possibilidade? Onde estão as informações necessárias para deci-dir na área da contratação? O que se deve entender pela expressão “motivação do ato”? Por que uma decisão pode ser questionada? Não seria melhor eliminar a discussão no plano administrativo? Tal elimi-nação não tornaria a condução da licitação mais rápida?

Responder a todas as questões acima é contribuir para melhor compreender o regime jurídico da contratação. Sem essas respos-tas, não é possível entender uma série de outras questões que tor-nam nebulosa a correta interpretação dos valores que norteiam o sistema normativo. Querer aplicar as normas dos regimes das Leis nºs 8.666/93 ou 10.520/02 sem compreender todas essas questões é temerário.

Vamos responder à primeira questão indicada.

Como qualificar uma decisão como a melhor quando existirem várias possibilidades?

De fato, essa é uma dúvida corrente. Qual é o critério para ele-ger uma e afastar as demais? O critério é bem mais simples do que se imagina.

Toda decisão, de uma forma ou de outra, implica a solução de um problema. O problema, por sua vez, é a situação que precisa ser contornada ou resolvida para atingir determinados objetivos.

Para deflagrar publicamente uma contratação, é necessário defi-nir todas as regras da disputa, que deverão ser reunidas em um docu-mento: o edital. Como realidade jurídica, o edital nada mais é do que o conjunto de decisões que reflete o encargo decorrente do planeja-mento. Cada decisão adotada tem, sob o ponto de vista essencial, a finalidade de garantir a satisfação da necessidade da Administração.

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Quando definimos o objeto ou o seu prazo de execução, esta-mos tomando uma decisão com o propósito único e exclusivo de assegurar a satisfação da mencionada necessidade. Logo, a melhor decisão é aquela que preserva essa necessidade e assegura uma con-tratação eficiente e econômica. Portanto, diante de mais de uma pos-sibilidade, a opção deve recair sobre aquela que preserva esses valo-res jurídicos.

A segunda questão é: onde estão as informações necessárias para decidir na área da licitação?

Essa também é uma questão de fácil resposta. Todas as informa-ções necessárias para decidir devem ser garimpadas no regime jurí-dico, não necessariamente apenas no específico (Leis nºs 8.666/93 e 10.520/02), mas também naquele que dá fundamento a ele (Consti-tuição da República) e nos regimes que com ele interagem (Civil, Tri-butário, Penal, etc.).

Quando afirmamos que a atividade na área do Direito Adminis-trativo é vinculada, significa que o fundamento das decisões tem sua fonte direta na ordem jurídica (na lei). Portanto, são extraídas da lei as informações para decidir. Decidir é, pois, aplicar a lei. Assim, quem atua na área da contratação pública precisa conhecer os valores que constituem o regime jurídico aplicável para deles retirar as informa-ções capazes de respaldar suas decisões.

Outra questão proposta acima é: o que se deve entender pela expressão “motivação do ato”?

Praticar um ato é tomar uma decisão. Mas, como vimos, não é qualquer decisão que pode ser considerada adequada, apenas a que preserva a satisfação da necessidade da Administração e respeita valores definidos na ordem jurídica. Quando se decide, é preciso deixar claro por que está sendo tomada a decisão, sob dois ângulos diversos: o fundamento de fato (necessidade) e o de direito (ordem jurídica). É preciso que se diga qual é o aspecto da necessidade pre-servado com aquela decisão e qual o fundamento normativo que autoriza tal ação. Portanto, além de decidir, o agente deve justificar (motivar) a sua decisão.

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Há aqui uma questão interessante. A motivação deve ser ante-rior ao questionamento, ou seja, deve ser contemporânea ao pró-prio ato (decisão). Logo, quando questionada a tomada de alguma decisão, a justificativa (motivação) já deve estar explicitada. Dito de outra forma, quando se fizer a pergunta, a resposta já deve ter sido dada. No sistema democrático de gestão da coisa pública, a resposta antecede a pergunta.

Por fim, vamos responder às últimas questões, que se relacio-nam entre si. Por que uma decisão pode ser questionada? Não seria melhor eliminar a discussão no plano administrativo? Tal eliminação não tornaria mais rápida a condução da licitação?

A possibilidade jurídica de questionamento de uma decisão, como prevista na ordem jurídica, revela, desde logo, que o adminis-trador não tem liberdade de decidir como bem entende, pois se essa liberdade existisse, não seria possível, juridicamente, tal questiona-mento. Questionar e querer saber por que um agente público agiu de uma ou de outra forma é um valor previsto na ordem jurídica, o qual existe porque vivemos numa República. Se a coisa é pública (de todos, portanto), é preciso justificar a decisão adotada em favor de todos, pois os governantes são os gestores da coisa alheia, como ensina Ruy Cirne Lima.

É evidente que a eliminação da discussão em torno da tomada de uma decisão tornaria muito mais rápida a condução do processo de contratação. Porém, o valor que norteia essa questão não é a rapi-dez que se quer assegurar ao processo, mas outros consagrados na ordem jurídica.

Até seria possível eliminar a discussão no plano administra-tivo, mas isso não resolveria o problema, pois a discussão ainda estaria preservada na esfera judicial. O tempo que se ganharia no plano administrativo seria perdido na esfera judicial. E a eliminação total da discussão em torno das decisões administrativas implicaria a revogação da ideia de Estado Democrático de Direito e o retorno ao Absolutismo.

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Com efeito, não há razão lógica para eliminar a possibilidade de recurso na via administrativa; o que é possível é concentrar a dis-cussão no final da fase externa, como ocorre no pregão. Isso possibi-lita, por um lado, que a fase externa do processo (licitação) seja pro-cessada com maior rapidez; mas, por outro, exige uma melhoria con-siderável na atividade de planejamento da contratação e uma asserti-vidade maior na tomada das decisões, a fim de evitar a repetição dos atos na hipótese de o recurso ser provido, e a nulidade, declarada.

IX - Que o vencedor seja definido por critérios objetivos quando a seleção das propostas for realizada por meio de licitação.

Em decorrência do próprio pressuposto da licitação, a regra que vigora no regime jurídico da contratação pública é que a escolha do vencedor ocorra por meio de critério objetivo, e não subjetivo. Essa é a máxima que norteia o regime jurídico da contratação pública e que deve ser observada na condução das modalidades de licitação. Aliás, esse é um traço que distingue a contratação pública da decorrente do regime de direito privado, pois nesta a escolha do particular pode ser pautada por questão de ordem subjetiva, sem qualquer ilegalidade.

Existem situações, no entanto, em que a ordem jurídica acolhe o critério subjetivo para a seleção do vencedor do certame, tendo em vista o que determina o inc. XXI do art. 37 da Constituição Federal. A regra extraída da ordem jurídica é a de que o vencedor seja definido por meio de critério objetivo. No entanto, ela admite exceção, nos termos do próprio ordenamento.

Porém, não é possível admitir critérios subjetivos travestidos de objetivos, tal como na seleção de agências de publicidade para pro-duzir e executar campanhas de governo. Esse tipo de contratação pre-cisa ser reestruturado e submetido a um regime jurídico especial. A Lei nº 12.232/10 não resolveu o problema, embora tenha criado essa sensação. Não existe licitação se o critério de escolha for subjetivo.

O critério é objetivo quando o resultado do julgamento é sem-pre o mesmo, independentemente de quem julga. Para saber se o critério é objetivo ou subjetivo, basta trocar o julgador e observar o resultado. Se for o mesmo, em princípio, o critério é objetivo. Mas,

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ao contrário, se o resultado for alterado, não haverá dúvida de que o critério adotado para o julgamento é subjetivo.

Em outras palavras, no critério objetivo, o fator determinante da decisão (julgamento da licitação) é externo ao julgador e diz respeito à própria solução ou à sua expressão monetária (preço). Logo, como ele é externo ao julgador, ainda que se altere cem vezes a pessoa que vai julgar, o resultado continuará a ser o mesmo. Por isso, o preço, por ser o critério mais objetivo possível, foi o preferido pelo legislador.

Se tivermos dois preços (R$ 1.000,00 e R$ 1.050,00) e pergun-tarmos para inúmeras pessoas qual deles é o menor, a resposta será sempre a mesma. A questão do menor preço, no exemplo dado, não tem relação direta com a questão da preferência de ordem pessoal, pois ela é matemática, de ordem objetiva.

No entanto, quando o fator que determina o julgamento do vencedor reside no plano interno (foro íntimo) de quem julga, esta-remos diante de critério subjetivo. O julgamento subjetivo é aquele que se baseia na preferência de ordem pessoal. Se duas pinturas a óleo forem colocadas diante de dez pessoas, certamente teremos opi-niões diversas em relação à sua beleza. Nesse caso, a escolha será pautada em razão de preferência pessoal. No entanto, se as telas tive-rem tamanhos diferentes e, em vez de questionarmos qual é a mais bonita, a pergunta for qual é a maior delas, a resposta passará a ser a mesma, independentemente do julgador. Assim, quando se altera o julgador, o resultado é alterado se o critério de decisão for subjetivo, mas permanecerá o mesmo se for objetivo.

No campo da contratação pública, vigora tanto o critério de escolha objetiva quanto o de natureza subjetiva. Porém, se falamos em licitação, o único critério aceitável é o objetivo. Essa questão será abordada novamente quando tratarmos dos pressupostos da licitação e do regime jurídico da inexigibilidade.

X - Que o contrato seja uma relação de equivalência jurídica entre encargo e remuneração (preço) a ser obrigatoriamente respeitada durante toda a execução contratual.

Este princípio será analisado quando tratarmos do contrato.

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5. 5. o gestor deVe se nortear pelos princípios (mandamentos)

Todos os que atuam em alguma fase ou momento do processo de contratação devem dominar os princípios acima enunciados, pois é com base neles que as decisões serão tomadas, e os problemas, resolvidos, sob o ponto de vista essencial.

Sem dominar os princípios e conhecer os aspectos fundamen-tais do regime jurídico da contratação pública, não é possível resolver os inúmeros problemas que surgirão no transcurso do processo. Ape-nas alguns deles têm solução direta e objetiva na legislação vigente; outros não. Dessa forma, para resolver uma considerável parte dos problemas, a solução deverá ser garimpada na ordem jurídica. Para tanto, é fundamental conhecer os princípios e valores que orientam a aplicação do regime jurídico da contratação.

Resolver problemas é uma das atribuições que caberá a quem for investido na função de gestor da contratação pública, tornando--se indispensável dominar a ordem jurídica, principalmente o seu aspecto essencial.

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Capítulo 4

O PLANEJAMENTO DA CONTRATAÇÃO E SUAS ETAPAS

1. 1. a estrutura do processo de contratação em fases e etapas

A divisão do processo de contratação pública em três diferentes fases (interna, externa e contratual) é essencialmente didática; serve para facilitar a compreensão por parte do leitor, pois, tecnicamente, o processo deve ser entendido como uma realidade una e indivisível. A estruturação do processo em fases e etapas está diretamente rela-cionada à obtenção de propósitos e finalidades específicos. Portanto, a lógica que norteia a estruturação de cada uma das fases e suas res-pectivas etapas é viabilizar que tal propósito específico seja atingido. Com efeito, a finalidade da fase interna é, fundamentalmente, defi-nir o encargo e materializá-lo adequadamente no edital. O obje-tivo das diversas etapas da fase de planejamento é encontrar a mais apropriada forma de obter a melhor relação benefício-custo na fase externa, pois essa é a sua finalidade precípua.

2. 2. a fase interna

É na fase interna que a licitação é pensada, planejada e estrutu-rada sob o ponto de vista das condições e exigências que serão esta-belecidas. É também nessa fase que as condições definidas são reu-nidas em um único documento: o edital. Seria possível, em vez de falar em fase interna, utilizar simplesmente a expressão “fase de pla-nejamento”, pois é fundamentalmente para isso que ela se destina. Seria também possível falar em fase preparatória, como faz o art. 3º da Lei nº 10.520/02 ao se referir ao pregão, pois justamente se des-tina a preparar a fase externa da contratação, e o pregão nada mais é do que uma modalidade de licitação. E a licitação é fenômeno típico da fase externa.

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Por outro lado, o edital nada mais é do que o ato ou o docu-mento que reúne e concentra todas as decisões adotadas em decor-rência do planejamento realizado. Ele instrumentaliza a manifesta-ção de vontade da Administração, ou seja, traduz um dos pilares do contrato, que é um acordo de vontades.

O edital, como ato que contempla e reúne todas as decisões adotadas pela Administração, é o mais importante da fase interna, pois é com base nele que a fase externa será conduzida. Portanto, a fase interna prepara e condiciona a externa. Dessa forma, é possível perceber a dependência que há entre uma fase e outra.

Nesse sentido, se o planejamento da contratação for realizado sem as devidas cautelas ou de forma improvisada, o edital, que regerá o certame, padecerá do mesmo defeito. Portanto, se o edital possuir falhas, dúvidas e omissões, toda a condução da fase externa estará, potencialmente, comprometida, e o sucesso da contratação será uma incógnita. Somente com muita sorte se conseguirá atin-gir o resultado final pretendido: selecionar o parceiro detentor da melhor proposta.

Como dissemos, a fase interna se destina à definição do encargo. O encargo é um conjunto de obrigações estabelecido pela Adminis-tração e que deve ser cumprido pelo futuro contratado. A obrigação mais importante do encargo é o que chamamos de objeto, pois é ele que materializa a solução do nosso efetivo problema. Mas a palavra “encargo” tem sentido mais amplo do que a palavra “objeto”, pois compreende outras obrigações ou exigências além dele.

Planejar uma contratação nada mais é do que definir um encargo. Esse encargo será atribuído a um terceiro, e o seu cum-primento possibilitará que a Administração tenha a sua necessidade satisfeita. Para isso, é indispensável planejar muito bem o encargo: definir com exatidão e precisão o que deve ser feito e como deve ser feito. Esse é o grande desafio.

Seguindo a lógica proposta, é oportuno dizer que o edital tem de materializar o encargo na sua integralidade. Com base no

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encargo, o licitante, na fase externa, definirá sua remuneração, que é a expressão financeira do encargo. Assim, o licitante assumirá con-tratualmente o encargo fixado pela Administração no edital, nem mais, nem menos.

O encargo é a realidade econômica que consta no edital, e não na cabeça de quem planeja a contratação. Planejar é tirar de dentro da cabeça o encargo e colocá-lo no papel (edital). Por conta disso, o planejamento é uma atividade difícil e exige muito dos responsáveis. Não adianta, na fase contratual, exigir do contratado algo imaginado na cabeça do planejador, mas que não constou no edital. Aliás, esse descompasso entre o que se quer e o que se define é fonte de muitos problemas. E não é difícil perceber que tais problemas surgem apenas na fase de execução contratual. Por isso, é fácil perceber que não há exagero quando afirmamos que a fase interna é a mais importante. O que é difícil é aceitar porque ela é tratada com tanto descaso. É nela que nasce a maior parte dos problemas, mas também é ela que edi-fica um dos pilares da relação contratual.

Dessa forma, o sucesso da contratação não pode depender da sorte de quem conduz a fase externa (licitação), mas da capacidade de quem a planeja.

3. 3. as etapas que estruturam a fase interna da contratação

A estrutura da fase de planejamento não é definida na Lei nº 8.666/93 nem na Lei nº 10.520/02,15 os dois principais atos legis-lativos que regulam o processo de contratação no Brasil. É possível dizer que, a partir de 2008, tivemos alguns importantes avanços no campo normativo com a edição da IN nº 02/08 e da IN nº 04/10. Com esses atos, algumas importantes exigências passaram a ser feitas no

15 A legislação estabelece os requisitos do edital (art. 40 da Lei nº 8.666/93). Mas eles não devem ser confundidos com as etapas do planejamento. Os requisitos do edital traduzem condições a serem fixadas nas diversas etapas do planejamento, o que é diferente.

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tocante à fase de planejamento. Mas é plausível dizer também que muita coisa ainda precisa ser feita e corrigida nesses atos, pois a estru-tura das etapas ainda não foi adequadamente definida, bem como ainda existe muita confusão em relação à formalização das duas prin-cipais etapas do planejamento. Não está clara para os agentes públi-cos a diferença entre o termo de referência e o projeto básico, por exemplo, porque os próprios atos semeiam a dúvida e a contradição. No entanto, organizar tudo isso não é difícil; estamos avançando.

Quando começamos, de forma pioneira, há alguns anos, a falar em planejamento e a organizar alguns eventos sobre a impor-tância dessa fase e suas diversas etapas, o desinteresse era quase total. Porém, estávamos convencidos de que esse seria o caminho a ser seguido e que precisávamos insistir e manter erguida essa ban-deira. Hoje, a realidade é outra. O planejamento das contratações tem recebido cada vez mais a importância que merece. Atualmente, não há como tratar das contratações públicas sem colocar o planeja-mento como prioridade. Esse é atualmente um reconhecimento par-tilhado por muitos agentes.

No entanto, para avançar ainda mais, é fundamental saber que o planejamento é integrado por diferentes etapas, que cada uma cum-pre uma função específica e que a soma do resultado de todas elas proporcionará sucesso à contratação.

Cada etapa corresponde a uma pergunta específica, cuja res-posta deve ser precisa e adequada. As três primeiras perguntas são: Qual o problema a ser resolvido? Qual a solução para resolver o problema? Quanto custa a solução definida para resolver o pro-blema identificado? Mas o planejamento possui inúmeras outras per-guntas, que constituirão etapas específicas, e em cada etapa haverá outros questionamentos. Por isso, temos fases, etapas e atos a reali-zar. Didaticamente, pode-se dizer que o planejamento é a fase na qual as perguntas estão à procura de respostas. A missão de quem planeja é saber fazer a pergunta e, também, encontrar a melhor res-posta possível.

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O planejamento da contratação pode ser estruturado em 14 diferentes etapas, a saber:

Etapa I - Definição da necessidade (problema) e indicação da possível solução;

Etapa II - Definição da solução, do objeto e das demais obriga-ções que integram o encargo;

Etapa III - Definição do valor a ser pago pelo encargo;

Etapa IV - Definições orçamentária e financeira;

Etapa V - Aprovação da autoridade competente;

Etapa VI - Definição do procedimento a ser adotado na fase externa e da modalidade de licitação, se for o caso;

Etapa VII - Definição do regime de execução;

Etapa VIII - Definição do tipo e dos critérios de julgamento da licitação;

Etapa IX - Definição das condições pessoais de participação;

Etapa X - Definição das condições de apresentação das propostas;

Etapa XI - Definição das condições específicas de execução do contrato;

Etapa XII - Elaboração do edital e de anexos;

Etapa XIII - Elaboração e aprovação do edital pela assessoria jurídica;

Etapa XIV - Envio do aviso do edital para publicação.

As três primeiras etapas são fundamentais, e a essência de todo o planejamento depende delas. Ademais, essas etapas (I, II e III) são interdependentes numa relação de sucessão, ou seja, o erro cometido

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em uma é refletido na outra. Errar na identificação da necessidade implicará a potencialidade de errar na definição da solução/do encargo e, também, na definição do valor a ser pago pelo encargo contratual. Portanto, é preciso muito cuidado e atenção.

As 14 etapas indicadas servem para qualquer tipo de contra-tação: obras e serviços de engenharia, serviços técnicos, bens e ser-viços comuns, locação, concessão e permissão de serviços e bens, etc. Ademais, pouco importa se a fase externa do processo será con-duzida por contratação direta (dispensa ou inexigência) ou licitação (concorrência, tomada de preços, convite ou pregão). E ainda, se por meio de pregão, pouco importará se será eletrônico ou presencial.

As principais etapas indicadas serão analisadas nos capítulos seguintes.

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Capítulo 5

IDENTIFICAÇÃO DA NECESSIDADE16 (O PROBLEMA)

1. 1. considerações iniciais

O marco zero do processo de contratação é a identificação da necessidade. É por ela que tudo deve se iniciar. Mas não é isso que tem ocorrido. Aliás, muito pelo contrário, temos ignorado a necessi-dade e, em grande parte dos casos, iniciamos o planejamento pela definição da solução/do objeto. Essa prática administrativa deve ser repensada, pois é a causa de grande parte dos problemas atuais em contratação pública.

Este capítulo se destina a tratar da necessidade administrativa. Ainda que algumas ressalvas possam ser feitas, a expressão “neces-sidade administrativa” pode ser tomada também como equivalente a outro rótulo muito comum no campo do Direito Administrativo, qual seja, o interesse público. No entanto, o interesse público deve ser reservado para qualificar uma realidade mais ampla. A necessi-dade administrativa tem sentido mais limitado, pois descreve um inte-resse peculiar da Administração relacionado à obtenção de bens, ser-viços, obras, alienações, concessões e permissões, por meio de rela-ção contratual.

2. 2. o que se deVe entender por necessidade administratiVa?

A necessidade é fundamentalmente o problema a ser resol-vido pela Administração. Identificar a necessidade significa delimi-tar e precisar o problema ou a demanda a ser resolvida. Portanto, um dos aspectos essenciais do planejamento da contratação pública é

16 A identificação da necessidade representa a etapa I da fase de planejamento, con-forme vimos no capítulo anterior e consta do Ciclo incluído nesta obra.

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distinguir, com clareza e precisão, o problema e a solução. Essa dife-renciação é necessária para obter êxito no processo. Pode parecer simples e óbvia, mas normalmente não é. Por conta desse pequeno detalhe há tantos problemas na área da contratação. E veremos que não há exagero nessa afirmação.

Nesse momento inicial de reflexão, é necessário notar que o problema pertence à Administração, e a solução, em regra, aos par-ticulares que atuam no mercado. Ademais, o problema antecede a solução, ou seja, é com base na necessidade que se viabiliza a melhor solução. Por isso, é a solução que deve se adequar à neces-sidade, e não o contrário. A identificação da necessidade deve ser a providência que inicia o processo de contratação pública, é por ela que tudo deve começar.

3. 3. onde surge a necessidade e quem deVe identificá-la? como ela deVe ser formalizada?

A necessidade pode surgir em qualquer área, unidade ou setor da estrutura da Administração. Em princípio, todos os responsáveis pelas diferentes áreas podem identificá-la e dar início ao processo. No entanto, é indispensável que a matéria seja regulada interna-mente, com disciplina específica a ser observada no âmbito adminis-trativo de cada órgão e entidade da Administração.

A necessidade é normalmente formalizada por meio de um documento que se denomina requisição ou termo de referência. Deve ser preparado e assinado pelo responsável pela área requisi-tante, isto é, por quem responde pela unidade ou setor administra-tivo que identifica o problema (demanda). O agente deve realizar o levantamento da necessidade ou orientar e supervisionar as ativi-dades relacionadas quando executadas por servidores subordinados. O responsável pela unidade requisitante tem papel fundamental no processo de contratação pública, pois a ele cabe configurar uma das mais importantes providências a serem adotadas no curso do pro-cesso e que servirá de base e fundamento de validade para as outras decisões subsequentes, tais como a definição da solução (objeto) e a estimativa da despesa a ser realizada.

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4. 4. como a necessidade pode ser classificada?

A finalidade de qualquer classificação é separar realidades ou objetos que apresentem características comuns entre si, de modo a distingui-los de outros.

Grosso modo, as necessidades podem ser classificadas em gerais e específicas. As gerais são comuns às diferentes pessoas que integram a estrutura orgânica da Administração Pública. As específi-cas revelam problemas peculiares (singulares, pontuais) de determi-nada entidade ou órgão. Assim, existem problemas comuns e especí-ficos. Os problemas gerais ou comuns são, normalmente, resolvidos por meio de solução padronizada, disponível e homogênea. Essa é a regra, mas existem exceções.

5. 5. o que pode acontecer se falharmos na identificação da necessidade?

Se houver falha na identificação da necessidade, a consequên-cia imediata é a impossibilidade de definição adequada da solu-ção/do encargo ou do objeto. Com isso, há repercussões diretas na própria fixação das demais obrigações que integrarão o encargo. Se o encargo não é preciso, não haverá como fixar o valor exato da futura contratação nem como estimá-lo. Portanto, quando falhamos na iden-tificação da necessidade, definimos mal o encargo e estimamos ina-dequadamente o custo daquela contratação. É preciso lembrar que as três primeiras etapas do processo de contratação servem para res-ponder também a três perguntas; cada uma delas corresponde a uma etapa. Qual o problema? Qual a solução para resolver o problema? Quanto custa a solução definida? Ora, se a primeira pergunta for res-pondida de forma incorreta, as respostas às demais ficarão compro-metidas. Errar a resposta para qualquer uma das três questões implica administrar um provável problema na fase externa (licitação) ou na fase contratual ou, ainda, em ambas. O mais comum é que a falha cometida na fase interna se torne um problema (real e efetivo) ape-nas na fase contratual. A dimensão desse problema tem relação direta com o erro cometido. Normalmente, os problemas de contrato têm origem antes da própria celebração. A fonte dos grandes problemas de natureza contratual é a identificação da necessidade.

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6. 6. o que se deVe fazer por ocasião da identificação da necessidade?

Muito deve ser feito em termos de planejamento. Para identi-ficar a necessidade de forma adequada, é preciso, entre outras coi-sas, ouvir os envolvidos com o problema e que, em regra, serão tam-bém os beneficiados com a solução. Essa é uma providência sim-ples e básica, mas comumente relegada a segundo plano ou nem mesmo realizada. Fundamentalmente, o problema é de comunica-ção. A importância de ouvir os diretamente interessados na situação justifica-se porque o problema se traduz necessariamente num fato (situação) cujas circunstâncias ninguém conhece melhor do que os próprios envolvidos.

Sem ouvir os interessados, corre-se o risco de ignorar ou omi-tir determinada condição ou circunstância essencial para a definição da solução (objeto). Pode parecer absurdo, mas esse é um dos sérios problemas que conduzem muitas contratações ao fracasso. Uma das razões que fazem com que os envolvidos com o problema não sejam ouvidos é a urgência que normalmente preside o “planejamento” das contratações.

O tempo que se “ganha” por não ouvir os envolvidos é perdido nas outras fases do processo, quando o problema causado pela má identificação da necessidade vem à tona. E o tempo que será perdido na fase contratual, por exemplo, é enorme, e os prejuízos, em mui-tos casos, são irreparáveis. Vale dizer: essa “economia” de tempo tem custo financeiro (além de social) muito alto para o País e é insignifi-cante em comparação ao que se perde.

7. 7. a necessidade tem uma dimensão?

Além das peculiaridades e características próprias, a necessi-dade (problema) tem dimensão quantitativa a ser estimada, se não for possível precisá-la. Com base nessa informação, posteriormente, será dimensionada a solução a ser contratada para atender à demanda da Administração. A dimensão da necessidade é informação das mais importantes. Se realizada de forma inadequada, é outro sério

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problema, cuja repercussão será percebida na fase contratual. Por conta disso, temos tantos aditivos contratuais com a finalidade de aumentar a quantidade do objeto contratado. Esse aumento, normal-mente, não tem fundamento de validade em fato superveniente, ou seja, em demanda nova surgida, por exemplo, durante a fase contra-tual. Como o erro no dimensionamento da necessidade (e do objeto) é muito considerável, o percentual máximo de 25% de acréscimo previsto no § 1º do art. 65 da Lei nº 8.666/93 tem se revelado insufi-ciente. É preciso reconhecer que, diante de todo o avanço técnico e científico, não se pode mais aceitar um erro com essa proporção. Evi-dentemente que o erro ocorre não por falta de condições técnicas de mensurar o problema ou a situação fática, mas porque se trata a iden-tificação da necessidade com descaso.

8. 8. a identificação da necessidade é feita pelo pessoal interno?

Sim, a identificação da necessidade deve ser feita pelo pessoal que integra a estrutura da Administração, isto é, pelos seus próprios agentes (servidores e empregados). Essa regra deve ser adotada sem-pre que a necessidade for simples ou, mesmo revestida de complexi-dade, houver pessoal qualificado ou em condições de atender a essa demanda. Na hipótese de não haver condições técnicas de realizar a identificação da necessidade com o próprio pessoal, a Administração pode recorrer a terceiros. No entanto, em princípio, a necessidade deve ser identificada pelos próprios agentes públicos, e não por terceiros.

9. 9. quando a administração deVerá recorrer a terceiros?

O recurso a terceiros pode ocorrer em duas situações: a) quando não houver pessoal habilitado para desempenhar o referido encargo e b) quando, mesmo havendo pessoal qualificado e com condi-ções técnicas, não for possível dele se valer em razão do excesso de demanda existente. Na segunda hipótese, poderá a Administração, mediante licitação ou não, contratar empresa ou profissional para realizar o trabalho.

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Identificar a necessidade é tomar uma decisão? Ao contratar um terceiro, não se estaria outorgando a ele a decisão de definir a neces-sidade da Administração?

Não há dúvida de que a identificação da necessidade implica a tomada de decisão. Aliás, a primeira tomada no processo de contrata-ção pública e uma das mais importantes. É uma decisão que deve ser atribuída aos próprios agentes públicos competentes. Devemos sepa-rar duas situações distintas a fim de bem compreender o problema: o levantamento de dados e a decisão propriamente dita.

O levantamento de dados é uma questão meramente informa-tiva. A decisão é uma questão que envolve mérito. Dessa forma, é perfeitamente possível atribuir ao terceiro o levantamento de dados e informações técnicas, quando indispensável, bem como reservar ao agente público a decisão de mérito quando da configuração final da própria necessidade identificada, de modo a desconsiderar e calibrar determinadas condições apontadas pelo terceiro. É evidente que a decisão do agente será baseada na atuação do terceiro, e nem pode-ria ser diferente, mas isso não significa que não seja possível e reco-mendável separar os dois momentos de atuação .

Cada situação concreta revelará maior ou menor grau de vincula-ção e condicionamento da decisão do agente pela atuação do terceiro, mas isso se justificará por razões de ordem técnica. Quando se con-trata um terceiro para realizar a identificação da necessidade, é neces-sário exigir que os levantamentos e as recomendações por ele realiza-dos sejam devidamente justificados. Ademais, caberá ao terceiro pres-tar todos os esclarecimentos e sanar as dúvidas do agente responsável pela decisão final. É importante que o agente perceba que cabe a ele contraditar o terceiro contratado em relação ao seu trabalho. Portanto, a prudência e a cautela administrativa exigem atuação criteriosa do agente. Ele tomará uma decisão que envolve conveniência e oportuni-dade, ainda que a necessidade tenha sido apurada por um terceiro. Tal possibilidade é autorizada pela ordem jurídica.

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10. 10. a decisão de identificação da necessidade implica responsabilidade?

Sim, a decisão que envolve a identificação implica responsa-bilidade para o agente que decide. Aliás, todos os atos (decisões) praticados no curso do processo implicam responsabilidade para o agente competente, ou seja, para quem pratica o ato por dever de ofí-cio. O exercício da função pública representa sempre, no mínimo, o dever/poder, por um lado, e a responsabilidade, por outro. Dever e responsabilidade são as duas faces de uma mesma moeda.

11. 11. qual a importância da identificação da necessidade para os que exercem os controles interno e externo?

A adequada identificação da necessidade é de natureza funda-mental, pois os controles interno e externo só podem ser exercidos corretamente a partir da própria ideia de necessidade. Infelizmente, parece que isso ainda não foi percebido pelos órgãos encarregados de exercer o controle da Administração Pública. Em verdade, essa ati-vidade tem sido realizada com base na definição do objeto e a partir dele. Ainda não se percebeu que o objeto é a solução, e a necessi-dade, o problema. É com base neste que o objeto deve ser definido. A definição do objeto deve atender a alguns critérios: a) adequação à necessidade; b) economicidade; e c) ampliação da competição, salvo se não for tecnicamente possível.

Conforme o princípio da adequação, o objeto tem seu fun-damento de validade na própria necessidade real, pois é esta que determina a instauração do processo. Logo, para saber se a solução (encargo/objeto) é adequada e econômica, é preciso ter, de forma clara e precisa, a necessidade concreta que a motivou. Com base na necessidade, deve-se apurar e aferir a ilegalidade que envolve a des-crição do objeto. A descrição não é uma decisão meramente discri-cionária do agente e sem fundamento de validade. O fundamento de validade da descrição do objeto a ser contratado é a necessidade real e efetiva da Administração. Esse é um ponto essencial e deve nortear os controles interno e externo. Eles não devem ser exercidos

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a partir da descrição do objeto, mas sim da identificação da necessi-dade, que se materializa na requisição ou no termo de referência. Por isso, tais providências precisam ser bem elaboradas. Mas não pode-mos trocar os pés pelas mãos, como fez, por exemplo, a IN nº 02/08 da SLTI do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, ao con-fundir termo de referência e projeto básico. O termo de referência deve ser destinado a identificar a necessidade e, em princípio, a mais nada. O projeto básico/executivo deve conter a definição do objeto (solução). É fundamental não confundir as coisas e separá-las bem, sempre que possível, conforme veremos no próximo capítulo.

Os órgãos de controle precisam se centrar na necessidade; é com base nela que será possível saber se a descrição do objeto é, sob os pontos de vista técnico e econômico, a mais adequada para atender à demanda da Administração. É também a partir da necessidade que o órgão de controle poderá apurar eventual restrição indevida à disputa. Hoje, com bastante frequência, discute-se a questão da restrição e da economicidade com base na definição do objeto, o que não é ade-quado, parecendo “conversa de loucos”. O fundamento de validade da descrição do objeto é a necessidade, e não o próprio objeto. Por-tanto, não há como auditar a legalidade de uma contratação pública senão com base na identificação da necessidade realizada pela Admi-nistração, ou seja, para saber se a solução é adequada, é indispensável conhecer o problema que ela pretendeu resolver. A identificação da necessidade é o fato (situação) que motiva o nascimento do processo. Tal fato deve estar devidamente dimensionado e adequadamente mate-rializado nos autos, sob pena de ilegalidade de tudo o que foi feito até ali. O processo traduz um conjunto de decisões, cuja premissa funda-mental e condicionante é a necessidade, e não o objeto.

12. 12. é possíVel retificar a necessidade posteriormente?

Se houver erro na identificação da necessidade, caberá ao agente responsável, tão logo apurado o equívoco ou a omissão, pro-ceder à devida retificação das informações, pouco importando a fase em que se encontra o processo. Não é tolerável que, mesmo diante da apuração do equívoco, o agente silencie e não informe o erro ou a omissão.

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É indiscutível que, sob o ponto de vista ideal, a identificação da necessidade de forma precisa e exata deve ocorrer no momento apropriado (etapa I do planejamento), e não, por exemplo, depois que a solução/objeto foi definida (etapa II). Mas não fazer algo no momento oportuno não significa que não possa ou não deva ser feito intempestivamente. A obrigatoriedade de informação, mesmo intem-pestiva, possibilitará providências cabíveis. Em alguns casos, a reti-ficação não trará prejuízos e poderá ser contornada posteriormente, inclusive na fase contratual, mediante acréscimo quantitativo ou alte-ração qualitativa, dentro dos limites percentuais definidos no § 1º do art. 65 da Lei nº 8.666/93. Em outros casos, pode acontecer que o erro ou a omissão na identificação da necessidade conduzam à revo-gação do processo ou até mesmo à rescisão contratual, dependendo do estágio em que se encontrar o processo. Seja qual for a situação, é dever do agente retificar informações ou comunicar fatos omitidos em relação à identificação da necessidade. Portanto, para evitar esse problema, primar pela identificação da necessidade é indispensável.

13. 13. qual a importância da necessidade na definição da relação benefício-custo?

A identificação da necessidade é determinante para a obten-ção da melhor relação benefício-custo possível em uma contrata-ção. A compreensão da questão é bem simples. O encargo/objeto é definido com base na necessidade, e o preço é fixado pelo licitante de acordo com o encargo a ser suportado na execução do contrato. Ora, se é assim, o que determina a melhor relação benefício-custo é a necessidade. É preciso perceber que a estrutura do processo revela uma conexão entre diversas coisas que se sucedem no tempo e de forma lógica. Primeiro, é definido o problema a ser resolvido, depois, definida a solução para ele. A solução se expressa na forma de um encargo que alguém deverá suportar e viabilizar. O encargo, por sua vez, tem dimensão econômica que reflete diretamente na fixação do preço (expressão financeira do encargo).

Com efeito, se o agente responsável exagera na identifica-ção da necessidade ou a subestima, haverá um reflexo na relação

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benefício-custo. O reflexo direto no custo é o encargo, mas o indireto é a necessidade. No entanto, em relação ao encargo, a necessidade produz reflexo direto.

Um exemplo ajudará a entender melhor a questão. Se o agente informa que a necessidade é o transporte de servidores para deslo-camento em estradas vicinais, sem condições adequadas de conser-vação (barro, lama, pedra, etc.), haverá a necessidade de definir, por exemplo, um veículo traçado (4X4). Ora, essa característica ou descri-ção técnica ocasionará uma inevitável restrição à disputa, bem como tornará a aquisição mais onerosa. A informação prestada irá alterar a relação benefício-custo, isto é, melhorar o benefício e aumentar a despesa a ser realizada. Portanto, há uma relação direta entre neces-sidade, benefício e preço. Essas três realidades são indissociáveis.

14. 14. satisfazer a necessidade é a finalidade do processo de contratação?

A finalidade do processo de contratação é satisfazer a necessi-dade. O processo foi pensado, estruturado e disciplinado com o pro-pósito de permitir que a necessidade da Administração fosse satis-feita pela melhor relação benefício-custo, respeitando o tratamento isonômico. É possível dizer que, fundamentalmente, o processo de contratação só pode ser considerado um sucesso quando ocorrer o seguinte: a) referente ao planejamento, a Administração conseguir definir adequadamente o encargo (benefício) capaz de atender à sua necessidade e viabilizar a melhor competição possível; b) refe-rente à fase externa (licitação, dispensa e inexigência), for obtida a melhor relação benefício-custo possível; e c) referente ao contrato, for obtido o benefício esperado e satisfeita integralmente a necessi-dade, sem pagar mais por isso.

A não satisfação da necessidade que determinou a deflagração do processo possibilita que se rotule de frustrada a atividade adminis-trativa realizada, mesmo com a necessidade atendida parcialmente. Importante lembrar que, para satisfazer a necessidade por meio de contrato, é indispensável, antes de tudo, identificá-la de forma ade-quada e precisa. Portanto, o fim do processo de contratação pública é determinado pelo seu início.

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15. 15. a necessidade pode ser alterada durante a licitação e o contrato?

É perfeitamente possível haver alteração da necessidade durante a licitação ou a execução do contrato, no aspecto quantitativo ou qua-litativo, desde que observadas certas condições. O aspecto quantitativo diz respeito à dimensão ou à quantidade do encargo. O qualitativo se refere às especificações e características técnicas que traduzem a solu-ção, notadamente em relação ao núcleo do encargo (objeto).

Como a necessidade reflete um conjunto de fatos (concretos, reais ou potenciais), é natural que possa sofrer alterações. Se os fatos (circunstâncias) são alterados, a necessidade também poderá sofrer modificação, tanto durante o planejamento quanto na ocasião da lici-tação ou da execução do contrato. O que determina a alteração da necessidade são os fatos que a originam, e estes podem mudar a qual-quer tempo (em qualquer fase ou etapa do processo).

Assim como a necessidade original, a sua alteração deve ser devi-damente demonstrada e justificada no processo. A alteração dos fatos pode proporcionar mudanças na descrição do objeto a ser licitado ou no objeto do contrato, bem como em outros aspectos da relação con-tratual. É claro que nem todas as alterações que ensejam mudanças no objeto, por exemplo, decorrem de alteração da necessidade. Vale dizer, o objeto definido na fase de planejamento pode ser alterado sem qualquer modificação na necessidade. Isso ocorre quando a especifi-cação do objeto sofre alteração em razão de avanço tecnológico, por exemplo, sem que a necessidade tenha sido modificada.

A necessidade, então, pode ser alterada por: a) fatos da natu-reza; b) atos dos agentes da própria Administração; c) atos de tercei-ros; entre outros motivos.

16. 16. qual a relação entre fato superVeniente e necessidade?

O fato superveniente ocorre depois que a necessidade é identi-ficada e formalizada. Não é qualquer fato superveniente que interessa para nós, mas apenas aquele que possa, de forma direta ou indireta,

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alterar a necessidade. Há fatos que têm relação com a necessidade, e outros, não. Os que têm são capazes de alterar a sua identidade. Os fatos supervenientes podem alterar a necessidade parcialmente ou totalmente. Alteram totalmente quando desnaturam a necessi-dade anteriormente identificada. Por outro lado, a alteração é parcial quando o fato não for capaz de desnaturar a essência da necessidade, mas apenas de certas características que a informavam.

Com a finalidade de afastar revogações ilegais, a ordem jurídica impõe que o desfazimento do processo sob o argumento de conveni-ência administrativa ou interesse público seja viabilizado apenas se fundado em fato superveniente. Essa exigência veio com a edição da Lei nº 8.666/93, pois na época do Decreto-lei nº 2.300/86 era comum a revogação baseada apenas na chamada conveniência administra-tiva, sem indicação de motivo específico. Assim, a existência de fato superveniente, devidamente comprovado, passou a ser condição para a Administração agir em determinadas situações.

É importante deixar claro que quando a Lei alude a fato super-veniente não significa apenas os fatos que incidem sobre a necessi-dade, pois eles podem não se relacionar diretamente com ela, mas com a solução ou outra exigência definida no planejamento e que integra o encargo materializado no edital. Assim, é preciso ver o fato superveniente como o acontecimento capaz de alterar uma decisão já adotada no processo de contratação.

17. 17. como se formaliza a necessidade?

A necessidade deve ser formalizada por escrito. No documento que a materializa, é indispensável a devida individualização do pro-blema que justifica a deflagração do processo de contratação, bem como a indicação de todas as peculiaridades e condições que o caracterizam e os seus objetivos.

No tocante aos elementos e requisitos que devem estar reuni-dos no documento que materializa a necessidade, remetemos o lei-tor para o capítulo seguinte. É necessário, ainda, dizer que o docu-mento que materializa a necessidade pode ser denominado termo

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de referência ou requisição. Requisição é a denominação mais tradi-cional. Mas a expressão “termo de referência”, atualmente, tem sido mais utilizada pela Administração, principalmente em nível federal. Particularmente, preferimos a expressão “termo de referência”.

18. 18. como identificar a necessidade em obras, serViços e compras?

É preciso cuidado para não confundir duas coisas distintas na análise de um objeto específico, tal como uma obra de engenharia ou um serviço técnico, por exemplo. Não se pode confundir o problema com a solução. A obra ou o serviço é a solução, e não o problema em si. O problema (necessidade) é a situação fática que precisa ser resol-vida por meio de uma obra ou serviço. A solução é técnica, o pro-blema não necessariamente. Assim, não se deve pensar que os estu-dos preliminares, os levantamentos técnicos, o anteprojeto, o projeto básico e o executivo são providências relacionadas à identificação da necessidade (problema). Em verdade, elas se relacionam com a solu-ção, e não com o problema. É certo que é a partir da necessidade que referidas providências técnicas serão preparadas.

No entanto, nem sempre é tão fácil e simples separar o pro-blema da solução. Todos temos uma predisposição para partir logo para a definição da solução e esquecemos (muitas vezes) de dimen-sionar adequadamente o problema.17 É fundamental perceber que a construção de uma estrada, uma ponte, um aeroporto ou um porto é a solução para um problema que qualificamos de transporte (infraes-trutura). Ou seja, a necessidade é viabilizar o transporte de pessoas ou de coisas (carga, por exemplo), o que vai acontecer por meio de uma solução técnica, que se denomina obra e serviço de engenharia.

17 Essa distinção fica mais evidente na Medicina. O problema é a doença, e esta precisa ser diagnosticada. A solução é o remédio (medicamento) que precisa ser prescrito. Assim, o termo de referência está para o diagnóstico como o projeto básico está para a receita médica (prognóstico). A identificação do problema (doença) é feita com base em sintomas e exames. É a partir da identificação da doença e da apuração de outras informações que se prescreve uma solução (remédio). Se o paciente é hiper-tenso (informação), caberá ao médico excluir os medicamentos que afetam a pressão arterial, por exemplo.

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Um mesmo problema pode ser resolvido por diferentes modos, ou seja, por diversas soluções. Uma solução pode ter também diferen-tes objetos, igualmente chamados de vários tipos de solução. Assim, objetos são diferentes tipos de solução ou variações diferenciadas de solução. O objeto é o núcleo do encargo. Vamos tornar tudo isso mais simples com um exemplo. Não se deve confundir a via de trans-porte com o meio de transporte. Uma estrada ou uma ferrovia são vias de transportes, e não meios de transporte. A via de transporte é imóvel, o meio de transporte é que se move. As vias de transporte são soluções viabilizadas por obras e serviços de engenharia, e os meios destinados ao transporte, normalmente, com uma aquisição (com-pras). Nesse sentido, o transporte de pessoas pode ser viabilizado por meio de diferentes soluções: automóvel, moto, avião, navio, heli-cóptero, etc. Definida a solução (por exemplo: automóvel), é preciso especificar o objeto. O objeto pode ser um veículo com as caracterís-ticas X ou Y; pode ser 4X4 ou 4X2, etc.

Não se planeja a contratação de um problema, mas a sua solu-ção. A solução pertence ao particular, e o problema, à Administra-ção. Assim, a necessidade é identificada para que se possa definir a solução.

Se a necessidade é um espaço físico para abrigar a sede da Administração, será necessário tomar uma decisão sobre a melhor solução para o problema: se locação ou construção. Se a decisão for a de construir um bem imóvel, deve-se apurar (dimensionar) quan-tas pessoas ele irá acomodar; quantos serão os setores e as unida-des que nele funcionarão; etc. Será preciso levantar todas as infor-mações capazes de proporcionar o exato dimensionamento do pro-blema para, na etapa seguinte, definir a solução (objeto). Em termos de obras e serviços de engenharia, por exemplo, a necessidade deve ser materializada em documento que se pode rotular de “requisição” ou “termo de referência”. O objeto da obra ou do serviço deverá ser obrigatoriamente definido em documentos conhecidos como “pro-jeto básico” e “projeto executivo”.

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Capítulo 6

FORMALIZAÇÃO DA NECESSIDADE – TERMO DE REFERÊNCIA

1. 1. considerações iniciais e objetiVo

A finalidade deste capítulo é oferecer resposta para algumas perguntas. O que significa termo de referência? O que ele deve con-ter? Quando surgiu a expressão? Quais as regras que o regulam, isto é, qual o seu regime jurídico? Quando ele deve ser elaborado? Quem deve elaborá-lo? Por que ele é um dos mais importantes instrumen-tos do planejamento de qualquer contratação? Por que é inadequada a disciplina prevista na IN nº 02/08 sobre ele? Qual a diferença entre requisição, termo de referência e projeto básico? O termo de referên-cia só é necessário quando a modalidade for o pregão?

Fundamentalmente, o processo de comunicação entre as pes-soas só é possível em razão da linguagem, pois sem ela não podemos expressar pensamentos e ideias. Ela traduz, no seu sentido amplo, as diversas formas pelas quais podemos transmitir informações. A lin-guagem é viabilizada, basicamente, por meio de algo que se con-vencionou chamar de signo. Os signos representam a conjugação de duas coisas: um suporte material e um conteúdo. As palavras de uma língua, por exemplo, são o que chamamos aqui de suporte mate-rial. Em verdade, palavras são meros rótulos (sinais) que utilizamos para vincular conteúdos. As expressões “direito”, “liberdade”, “vida” ou mesmo “termo de referência” são rótulos aos quais são vincula-dos significados. Quando utilizamos a palavra “liberdade”, por exem-plo, estamos nos referindo a um valor que tem um significado. Da mesma forma, quando falamos em termo de referência, valemo-nos de um rótulo que necessita de significado, que deve ser, de preferên-cia, preciso.

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2. 2. quando surgiu a expressão?

A expressão “termo de referência” é um rótulo novo. Ainda que possa ter sido empregado em outros momentos, sob o ponto de vista legal, surge apenas no ano 2000, com a edição do Decreto nº 3.555. Portanto, deve-se observar que não foi um rótulo criado pelo Poder Legislativo, mas pelo Poder Executivo, em razão de sua competên-cia de regulamentar a lei. Assim, nem a Lei nº 8.666/93 nem a Lei nº 10.520/02 (pregão) utilizam a expressão. Foi no momento de regu-lamentar o pregão que o “legislador” cunhou o rótulo “termo de referência”.

A criação de um signo implica a formatação de um rótulo e a definição de um conteúdo para ele. O rótulo é a expressão “termo de referência”, e o conteúdo é o que ele significa ou o que ele transmite em termos de informação. É preciso conhecer qual conteúdo o legis-lador estabeleceu para ele, sendo necessário, para tanto, analisar o conjunto de regras que disciplina tal realidade jurídica. Da análise, será possível saber se há uma definição legal já estabelecida e se ela é adequada, bem como obter informações capazes de responder a diversas dúvidas acerca do tema.

3. 3. qual regime jurídico configura o termo de referência?

Regime jurídico é uma expressão que designa o conjunto de regras que disciplina determinada realidade jurídica. Nesse caso, a realidade é a expressão “termo de referência”. Assim, podemos dizer que o regime jurídico aplicável é integrado pelos seguintes atos normativos:

a) Incs. I e II do art. 8º do Decreto nº 3.555/00;

b) Incs. I e II e § 2º do art. 9º do Decreto nº 5.450/05, que regu-lamenta o pregão eletrônico no âmbito federal; e

c) Arts. 14, 15 e 49 da IN nº 02/08 e, ainda, arts. 17 a 19 da IN nº 04/10, ambas da Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação do MPOG.

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Portanto, é nesse conjunto de regras que iremos diretamente garimpar as respostas para diversas dúvidas que envolvem o tema. Ainda que desnecessário, acrescentamos que, além dos atos nor-mativos apontados, a análise considerará também os termos da Lei nº 8.666/93 e da Lei nº 10.520/02, pois elas são o fundamento de validade deles.

4. 4. qual o conteúdo do termo de referência no decreto nº 3.555/00?

A primeira alusão a “termo de referência”, feita no inc. I do art. 8º do Decreto nº 3.555/00, é para dizer que a definição do objeto deve estar nele refletida, nestes termos: “a definição do objeto deverá ser precisa, suficiente e clara, vedadas especificações que, por exces-sivas, irrelevantes ou desnecessárias, limitem ou frustrem a compe-tição ou a realização do fornecimento, devendo estar refletida no termo de referência”.

Mas o que significa dizer que uma coisa deve estar “refletida” em outra? No caso específico, significa que a descrição do objeto tem por fundamento de validade o termo de referência. Caberá à autori-dade responsável pela definição do objeto orientar-se pelo termo de referência para poder defini-lo.

Nesse sentido, é possível destacar uma primeira conclusão: a descrição do objeto não é uma informação que deve integrar o termo de referência, pois ela não é parte dele, mas decorre dele. Há uma relação de causa e efeito. Logo, o termo de referência é o antecedente necessário, e a descrição do objeto, o seu consequente lógico.

Vejamos agora como o inc. II do art. 8º do Decreto nº 3.555/00 define termo de referência: “documento que deverá conter elementos capazes de propiciar a avaliação do custo pela Administração, diante de orçamento detalhado, considerando os preços praticados no mer-cado, a definição dos métodos, a estratégia de suprimento e o prazo de execução do contrato”.

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A análise do referido inc. II do art. 8º reafirma o que acabamos de dizer, ou seja, que o termo de referência é documento meramente informativo (pois deve conter elementos capazes de propiciar algo). A palavra “elementos”, empregada no citado dispositivo legal, deve ser entendida como sinônimo de “informações”. Por informações, deve-mos entender condições, circunstâncias, dados, detalhes, caracterís-ticas, peculiaridades, etc.

É preciso ter cuidado, no entanto, com o enunciado da defini-ção legal, pois ele pode conduzir a uma conclusão equivocada. Ao dizer que o termo de referência “é o documento que deverá conter elementos capazes de propiciar a avaliação do custo pela Adminis-tração”, não se deve entender que o objeto deve nele estar indicado e descrito. Tal equívoco é possível por uma razão simples: para pen-sar em custo (valor estimado da contratação), o objeto deve ter sido antes definido.

Mas não é essa a conclusão que devemos garimpar no enun-ciado. Afinal, com base em que se pode afirmar que não foi isso que o legislador quis regular? A afirmação se faz com fundamento na alí-nea “a” do inc. III do art. 8º do próprio Decreto nº 3.555/00, pois nela foi previsto que é a autoridade competente que deverá definir o objeto e o seu valor, de acordo com o termo de referência elaborado pelo agente requisitante.

Com isso, percebemos que a definição do objeto não integra o termo de referência, mas decorre dele e nele tem seu fundamento de validade, bem como que o termo de referência deve ser elaborado pelo agente requisitante, e a descrição do objeto deve ser feita pela autoridade competente.

Podemos dizer que o termo de referência responde à seguinte pergunta: qual a necessidade (ou o problema) da Administração? A descrição do objeto apresentaria resposta para outra pergunta: qual a solução para o problema? De acordo com a regra prevista no Decreto nº 3.555/00, as duas questões devem ser respondidas em momentos distintos e sucessivos e por diferentes agentes. É o princípio da segre-gação das etapas e das atividades.

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Outra distinção importante a ser feita é que, de acordo com a alínea “b” do inc. III do art. 8º do Decreto nº 3.555/00, caberá à auto-ridade competente justificar a necessidade de aquisição, ou seja, a mesma autoridade que define o objeto deve justificar a necessidade de contratação. Para compreender adequadamente os termos da regra, é preciso diferenciar a justificativa da necessidade em si da justificativa da contratação. A justificativa da necessidade (que é o problema a ser resolvido) é uma atribuição do agente requisitante, pois ele deve justi-ficar a demanda. Já a justificativa da contratação é da autoridade com-petente, pois a definição do objeto (e das demais obrigações que dele decorrerão) implica a tomada de decisão de mérito e prepara o nas-cimento de uma futura relação jurídica, cuja competência é de quem pode criar obrigações para a Administração. Cabe reiterar que não se contrata o problema, mas uma solução para ele.

Em síntese, de acordo com o Decreto nº 3.555/00, o termo de referência deve conter informações do requisitante que possibilitem à autoridade competente definir o objeto da contratação.

Uma última ponderação deve ser feita sobre o caput do art. 8º do Decreto nº 3.555/00, pois dele é possível concluir que o termo de referência é um documento tipicamente da fase preparatória do pre-gão. A afirmação não está adequada, pois não existe uma fase prepa-ratória do pregão, apenas da contratação. A escolha da modalidade a ser adotada ocorre muito depois da definição da necessidade e da descrição do objeto. Por conta disso, o termo de referência não pode ser visto como um documento a ser exigido somente quando a moda-lidade será o pregão, como dá a entender o art. 8º mencionado, pois não se deve começar o processo pensando que a sua fase externa será conduzida de acordo com o rito definido para o pregão ou uma concorrência, por exemplo. Cada coisa deve ocorrer ao seu tempo. Muito embora seja inadequado vincular a exigência do termo de refe-rência à modalidade pregão, justifica-se em razão de que é essa a modalidade regulamentada pelo Decreto nº 3.555/00.

O termo de referência é uma providência necessária na fase preparatória da contratação, independentemente da modalidade adotada. Ademais, mesmo nos casos de contratação direta, em que não se fala em modalidade de licitação, o termo de referência é indispensável.

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5. 5. qual o conteúdo do termo de referência no decreto nº 5.450/05?

O Decreto nº 5.450 foi editado em 31 de maio de 2005, para disciplinar o pregão eletrônico, ou seja, quase cinco anos após a publicação do Decreto nº 3.555, que é de 8 de agosto de 2000. A comparação entre os dois atos normativos revela que o Decreto nº 5.450/05 introduziu mudanças significativas em relação à disci-plina do Decreto nº 3.555/00, no tocante ao termo de referência.

Sob o ponto de vista essencial, no § 2º do seu art. 9º, o Decreto nº 5.450/05 adotou a mesma definição de termo de referência pre-vista no Decreto nº 3.555/00. A eventual diferença diz respeito mais à extensão do enunciado do que ao seu conteúdo.

Se a definição de termo de referência prevista do § 2º do art. 9º do Decreto nº 5.450/05 tem a mesma acepção da fixada no inc. II do art. 8º do Decreto nº 3.555/00, o mesmo não se pode dizer em rela-ção ao conteúdo que ele deve ter por conta da regra prevista no inc. I do seu art. 9º, no qual está dito que na fase preparatória será obser-vada a “elaboração de termo de referência pelo órgão requisitante com indicação do objeto de forma precisa”. Há aqui uma diferença clara em relação aos termos dos dois atos normativos.

Analisando o conteúdo do art. 8º do Decreto nº 3.555/00, tem--se que não é atribuição do agente requisitante definir, no termo de referência, o objeto, mas apenas reunir informação para que a auto-ridade o faça, de forma precisa. Assim, a competência para definir o objeto de forma precisa é da autoridade, e não do agente requisitante. No entanto, no inc. I do art. 9º do Decreto nº 5.450/05 está previsto que a competência para a definição do objeto é do agente requisi-tante, e não da autoridade. Não houve segregação das duas ativida-des, tal como no Decreto nº 3.555/00.

A novidade que consta no inc. I do art. 9º implica a definição de uma regra de competência, pois ela envolve a fixação de uma atribuição (dever-poder) para que alguém (agente) pratique um ato de natureza decisória. Em princípio, só a lei em sentido formal pode

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definir competência, decreto não pode fazer isso. Aliás, essa é a con-dição que orienta toda a ordem jurídica.

Antes de afirmar que o Decreto nº 5.450/05 fez o que não podia, é preciso apurar se há lei dispondo sobre a competência para definir o objeto e de quem é tal atribuição. Quando se fala em pre-gão, presencial ou eletrônico, devemos analisar a Lei nº 10.520/02, pois é ela que regula essa modalidade e, em princípio, pode ou não dispor sobre competência. Uma rápida análise da Lei nº 10.520/02 é suficiente para constatar que, de forma clara e direta, ela regulou a matéria, ao determinar, no inc. I do art. 3º que “a autoridade compe-tente justificará a necessidade de contratação e definirá o objeto do certame”. Em razão do referido preceito, é fácil concluir que há uma ilegalidade que macula o Decreto nº 5.450/05, pois um decreto não pode contrariar o que diz a lei. Quando isso ocorre, a determinação prevista no decreto deve ser ignorada, prevalecendo a lei.

Portanto, em face do que dispõe a Lei nº 10.520/02, a dife-rença de redação e de conteúdo entre o inc. I do art. 9º do Decreto nº 5.450/05 e o inc. I do art. 8º do Decreto nº 3.555/00 não muda em nada as conclusões antes lançadas, ou seja, o termo de referência tem como finalidade definir, de forma precisa, o problema, e não a solu-ção. Até é possível que o requisitante indique no termo de referência a solução que entende adequada para resolver o problema, mas isso não implica que é dele a competência para definir o objeto. São coi-sas distintas e não podem ser confundidas.

Ademais, ainda que a Lei nº 10.520/02 não fosse tão clara, seria inaceitável reconhecer que o termo de referência poderia ter certos requisitos para o processo de contratação por pregão presencial e outros para quando se utilizar o pregão eletrônico. Logo, a definição de termo de referência deve ser necessariamente a mesma, não se alterando em razão da modalidade de licitação a ser adotada ou da forma que será processada (presencial ou eletrônica), até porque ela antecede a própria definição da modalidade. Então, as mesmas con-clusões apresentadas em relação ao Decreto nº 3.555/00 se aplicam às disposições do Decreto nº 5.450/05, sem nenhuma ressalva.

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6. 6. qual o conteúdo do termo de referência na in mpog nº 02/08?

A Instrução Normativa nº 02, da Secretaria de Logística e Tec-nologia da Informação do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, de 30 de abril de 2008, disciplina a contratação de ser-viços por órgãos ou entidades integrantes do Sistema de Serviços Gerais (SISG). Essa IN foi, em 15.10.09, alterada pela IN nº 03, da SLTI/MPOG. Mas as mudanças introduzidas não alteraram as disposi-ções normativas da IN nº 02/08 relacionadas à disciplina do termo de referência. Assim, é possível ignorar aqui a análise da IN nº 03/09 em razão do fato de ela não alterar o regime jurídico do termo de referên-cia já delineado na IN nº 02/08. No entanto, analisaremos os termos do § 3º do art. 6º da IN nº 02/08, cuja redação foi introduzida pela IN nº 03/09. No referido preceito está prevista a exigência de que “a contratação deverá ser precedida e instruída com plano de trabalho aprovado pela autoridade máxima do órgão ou entidade”. É neces-sário saber qual o efetivo conteúdo do plano de trabalho e como ele deve se harmonizar com o termo de referência.

A IN nº 02/08 foi editada com a finalidade de regular um tipo específico de contratação: serviços. Em princípio, ela não se aplica para compras e obras. Fundamentalmente, regula a contratação de serviços e atividades materiais acessórias, instrumentais e com-plementares, tais como as indicadas no § 1º do art. 1º do Decreto nº 2.271, de 7 de julho de 1997.

Nesse sentido, seria possível concluir que a disciplina do termo de referência e a definição para ele adotada na IN nº 02/08 servem apenas para as contratações de serviços, o que afastaria a sua aplica-ção para objetos distintos (compras, por exemplo). Muito embora essa conclusão possa parecer sensata, ela não se afigura como a mais ade-quada, pelas mesmas razões apontadas para afirmar que não há um termo de referência para pregão eletrônico e outro para presencial.

A propósito, quando analisamos os Decretos nºs 3.555/00 e 5.450/05, concluímos que o conteúdo do termo de referência é infor-mativo e tem a finalidade de definir a necessidade (o problema) que a Administração pretende resolver. Ele não define o objeto, apenas

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subsidia a autoridade com todas as informações capazes de possibili-tar essa definição (e do encargo) de forma precisa.

Então, não há razão para entender viável uma definição de termo de referência para o serviço e outra para a compra e, ainda, uma terceira para obra. Fundamentalmente, parece razoável haver uma definição, independentemente de se tratar deste ou daquele tipo de objeto, pois o termo de referência disciplina como deve ser confi-gurado o problema, e não a solução (objeto). Obra, serviço, compra, locação são soluções para um problema e com ele não se confun-dem. Cumpre anotar que o fato de se entender que deve existir ape-nas uma disciplina para o termo de referência, e que ela independe da natureza do objeto, não significa afirmar que tal disciplina deva ser a adotada pela IN nº 02/08.

Os dispositivos da IN nº 02/08 que interessam para fins de aná-lise são os arts. 14 e 15, bem como o item III do Anexo I, pois nele está definido o termo de referência.

Diz o item III do Anexo I que:

projeto básico ou termo de referência é o documento que deverá conter os elementos técnicos capazes de propiciar a avaliação do custo, pela administração, com a contratação e os elementos técnicos necessários e suficientes, com nível de precisão adequado para caracterizar o serviço a ser contratado e orientar a execução e fiscalização contratual.

O primeiro aspecto a ser observado é que a expressão “termo de referência” passa a ser equivalente a “projeto básico”, rótulo tradi-cional na área da contratação pública. Num primeiro momento, para fins da IN nº 02/08, projeto básico é o mesmo que termo de referên-cia. Vale reiterar: de acordo com o a IN nº 02/08, temos dois rótu-los para designar um mesmo conteúdo. Os dois rótulos são projeto básico e termo de referência, e o conteúdo, para a IN nº 02/08, é a definição constante do item III do seu Anexo I.

A opção feita pela IN nº 02/08 de dizer que projeto básico é o mesmo que termo de referência é inadequada. O rótulo projeto básico já tem conteúdo (definição) preciso na ordem jurídica (inc.

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IX do art. 6º da Lei nº 8.666/93). De acordo com o mencionado pre-ceito, o projeto básico implica a configuração da solução, ou seja, ele determina a solução para o problema, e não o problema. Este diz respeito ao diagnóstico e é anterior à configuração da solução. O problema condiciona e determina a solução, e não o contrário. Não pode haver confusão entre as duas realidades.

O inc. IX do art. 6º da Lei nº 8.666/93 define:

Projeto Básico - conjunto de elementos necessários e suficientes, com nível de precisão adequado, para caracterizar a obra ou serviço, ou complexo de obras ou serviços objeto da licitação, elaborado com base nas indicações dos estudos técnicos preliminares, que assegurem a viabi-lidade técnica e o adequado tratamento do impacto ambiental do empre-endimento, e que possibilite a avaliação do custo da obra e a defini-ção dos métodos e do prazo de execução, devendo conter os seguintes elementos.

O cotejo entre o que está dito no inc. IX do art. 6º da Lei nº 8.666/93 e o que consta no Decreto nº 3.555/00, por exemplo, mostra que o legislador da IN nº 02/08 se valeu dos referidos enun-ciados (textos) para compor a regra do item III do Anexo I, pois a intenção era, justamente, equiparar o termo de referência ao projeto básico. A primeira parte do item III do Anexo I foi retirada do inc. II do art. 8º do Decreto nº 3.555/00, e a segunda parte decorre dos ter-mos no inc. IX do art. 6º da Lei nº 8.666/93. Portanto, é dessa junção que nasceu a definição de termo de referência que consta no item III do Anexo I da IN nº 02/08.

O art. 14 da IN nº 02/08 dispõe:

a contratação de prestação de serviços será sempre precedida da apre-sentação do Projeto Básico ou Termo de Referência, que deverá ser pre-ferencialmente elaborado por técnico com qualificação profissional per-tinente às especificidades do serviço a ser contratado, devendo o Projeto ou o Termo ser justificado e aprovado pela autoridade competente.

Do referido dispositivo é oportuno destacar três coisas distintas sobre o termo de referência: a) ele condiciona a contratação; b) deve

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ser elaborado por agente técnico qualificado; e c) deve ser justificado e aprovado pela autoridade competente.

Ora, quando se diz que um ato deve ser aprovado por um agente, a conclusão lógica é que quem praticou o ato não é o agente que vai aprová-lo. Não há sentido em determinar que a competên-cia para aprovar o ato é de quem o praticou, pois isso seria destituído de uma razão lógica, além de atentar contra o princípio da econo-mia processual. A ideia de aprovação pressupõe a de segregação de funções, ou seja, um agente pratica o ato e outro o aprova (ou desa-prova). A finalidade da aprovação é confirmar a adequação de um ato praticado por agente diverso e, normalmente, hierarquicamente subordinado.

Nesse sentido, o art. 14 da IN nº 02/08 reafirma tudo o que foi dito acima a propósito dos Decretos nºs 3.555/00 e 5.450/05. Tam-bém a definição de termo de referência prevista no item III do Anexo I mantém a mesma linha adotada no Decreto nº 3.555/00.

O problema em relação ao termo de referência na IN nº 02/08, no entanto, é o conteúdo do seu art. 15. A dificuldade reside no fato de que esse dispositivo, que determina o real conteúdo do projeto básico ou termo de referência, ampliou em demasia o rol dos requi-sitos que devem estar nele contemplados. Assim, haveria uma contra-dição em termos relacionada ao que está dito no item III do Anexo I e o que determina o art. 15, bem como entre a IN nº 02/08 e os demais atos normativos e legais vigentes (Decretos nºs 3.555/00 e 5.450/05 e Lei nº 10.520/02).

Ainda que se deva elogiar o emissor da IN nº 02/08 pelo esforço de relacionar as principais exigências a serem observadas para fixar o encargo que traduz o planejamento da contratação de serviços, o fato é que as apontadas no art. 15 não fazem parte do termo de referên-cia, mas do planejamento da contratação. Também aqui temos duas coisas diferentes e que não podem ser confundidas.

Parece que não houve clareza de que o termo de referência materializa apenas uma das etapas do planejamento da contrata-ção, o qual é integrado por 14 delas. Ele materializa a primeira das

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quatorze e, como dissemos, deve identificar a necessidade e estabe-lecer, de forma ampla e precisa, o que se espera com a contratação. Ainda que se entendesse que o termo de referência também deve des-crever o objeto, o rol do art. 15 seria inadequado, não por uma, mas por várias outras razões.

O rol do art. 15 diz respeito a um conjunto de decisões que devem ser praticadas por diferentes setores e agentes. Por conta disso, já se afiguraria inadequado dizer, como faz o item III do Anexo I, que o termo de referência é o “documento”. É desarrazoado imaginar que todas as providências (atos) indicadas no art. 15 possam integrar um único documento a ser elaborado por “técnico com qualificação pro-fissional”, conforme prevê o art. 14, já consignado.

A relação do art. 15 descreve muito melhor os requisitos do edital do que do termo de referência, sendo necessário notar que o edital não é ato que reflete a decisão de um único agente ou setor da Administração, mas de um conjunto deles (setor requisitante, autori-dade competente, setor orçamentário e financeiro, setores técnicos específicos, assessoria jurídica, etc.). Ainda que o edital seja apro-vado por uma autoridade, existem vários agentes que concorreram para a sua elaboração, cada qual praticando seus atos e tomando suas decisões. Por isso, o edital é o documento que materializa todo o encargo a ser cumprido pelo futuro contratado e expressa a von-tade da Administração, que é um dos pilares da relação contratual. A definição do encargo pressupõe um conjunto de decisões e envolve diversos agentes.

Seria ótimo alguém elaborar o termo de referência de acordo com o que dispõe o art. 15 da IN nº 02/08, de forma precisa e ade-quada. De forma inadequada, isso é até possível. Mas, adequada-mente, não é nem recomendável. O que é certo, no entanto, é que em dado momento do planejamento da contratação todas as exigên-cias previstas no art. 15, bem como as dos arts. 16, 17 e 19 da IN nº 02/08 estarão reunidas em um único documento. Esse documento é o edital, e não o termo de referência.

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7. 7. qual o conteúdo do termo de referência na in mpog nº 04/10?

A IN nº 04/10 foi expedida com a finalidade de disciplinar as contratações de serviços de tecnologia da informação pelos órgãos e pelas entidades integrantes do Sistema de Administração dos Recursos de Informação e Informática (SISP). No seu texto, o termo de referência é regulado nos arts. 17 a 19.

Mesmo o legislador tendo sido, na IN nº 04/10, muito mais comedido ao fixar os requisitos que deveriam ser atendidos pela Administração na definição do termo de referência, é possível dizer que caminhou na mesma direção da IN nº 02/08. No entanto, a prin-cipal diferença é que ela atribuiu à equipe de planejamento da con-tração a competência para preparar o termo de referência. Com exce-ção dessa novidade, tudo o que se disse em relação à IN nº 02/08 tem aqui também aplicação, ou seja, o legislador foi mais uma vez infeliz ao confundir o termo de referência com o projeto básico.

8. 8. distinções entre requisição, termo de referência e projeto básico

Vamos agora apresentar algumas ponderações sobre três rótu-los distintos: requisição, termo de referência e projeto básico. Funda-mentalmente, o problema não é a existência de rótulos distintos, mas o fato de saber quais são sinônimos, ou seja, têm o mesmo conteúdo e quais possuem conteúdos diversos. Sem tal distinção, o processo de comunicação fica prejudicado, pois as pessoas não se entendem. Para que a comunicação possa fluir adequadamente, é preciso que todos os interlocutores tenham clareza sobre o que significa cada um dos termos. Este tópico tem a finalidade de propor uma distinção para os três rótulos acima indicados.

A palavra “requisição” é tradicional na praxe administrativa. É utilizada genericamente para designar a solicitação de contratação que é feita pelos mais diferentes setores e unidades da Administra-ção. Muito embora a requisição não tenha um conteúdo preciso e exato definido na lei, ela tem cumprido a função de designar o ato

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por meio do qual se requer a compra de um bem ou a contratação de um específico serviço ou obra. No entanto, a requisição tem servido mais para descrever o objeto do que para apontar a necessidade que precisa ser atendida, ou seja, ela tem materializado a solução, e não o problema, conforme deveria.

Nos casos de contratação rotineira, tal como nas aquisições de materiais de consumo, cuja descrição do objeto é padronizada, mesmo não sendo o mais indicado para todos os casos, não haverá problema de proceder dessa forma. O que não se pode é, a partir de tal realidade, querer generalizar. Lamentavelmente, foi isso que ocor-reu na história da contratação pública no Brasil.

De qualquer forma, pode-se dizer que a requisição é o “docu-mento” ou ato que tradicionalmente inicia o processo de contratação pública. Portanto, até a edição do Decreto nº 3.555/00 não se falava em termo de referência, mas apenas e tão somente em requisição.

No entanto, a partir do ano de 2000, os agentes que integram a Administração federal passaram a ter de atender a uma nova exigên-cia normativa: a elaboração do termo de referência. Isso não significa que o rótulo “requisição” foi abandonado ou deixou de existir. Requi-sição e termo de referência ainda são figuras que convivem simulta-neamente na área da contratação pública.

Como a requisição não cumpria uma função adequada, inclu-sive por falta de regulamentação, a ideia original do termo de referên-cia no Decreto nº 3.555/00 foi resolver esse problema, ou seja, deter-minar que a necessidade administrativa fosse precisa e adequada e que traduzisse exatamente as peculiaridades e características do pro-blema a resolver. A clara intenção foi determinar que, antes de defi-nir ou descrever o objeto, seria necessário realizar um levantamento exato e preciso da necessidade. E esse levantamento deveria ser mate-rializado em um documento que iria referenciar a definição da solu-ção para o problema, calibrar a descrição do objeto, bem como pos-sibilitar a adequada apuração do custo ou da despesa a ser realizada pela Administração.

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Com isso, seria possível corrigir a inadequada praxe adminis-trativa de começar o processo pela indicação do objeto, como nas requisições que instruem os respectivos processos nos arquivos dos inúmeros órgãos e entidades da Administração espalhados por todo o País.

Assim, o termo de referência foi idealizado para cumprir uma importante função no planejamento da contratação, a qual não era atendida pela requisição. O termo de referência é a versão atua-lizada da tradicional requisição. Nesse sentido, juntamente com o projeto básico, ele é um dos mais importantes instrumentos de plane-jamento da contratação pública. O edital não é um instrumento de planejamento, mas aquele que materializa o próprio planejamento da contratação. No entanto, é preciso não radicalizar e achar que no termo de referência devem ser inseridas todas as condições e exigên-cias indispensáveis a garantir a contratação pretendida, pois essa fun-ção não lhe cabe, e sim ao edital. Constatamos que isso está sendo misturado.

Uma questão deste momento é a seguinte: o termo de referên-cia deve limitar-se a definir apenas a necessidade (o problema) ou ele pode também indicar a solução desejada (objeto) e estimar o valor a ser gasto com a futura contratação?

Antes de responder à questão proposta, é preciso observar que ela traduz três aspectos distintos que envolvem a contratação pública: qual é o problema? Qual é a solução para o problema? Quanto se gastará com a solução definida? Assim, o que a questão propõe é saber se o termo de referência deve responder às três ques-tões ou apenas à primeira delas.

É evidente que o ideal seria que o termo de referência resol-vesse, a um só tempo, as três questões, de forma precisa e exata, pois isso possibilitaria um ganho em eficiência. Parece que a melhor resposta é dizer que quando isso for, indiscutivelmente, possível de ser assegurado, deve ser feito. Logo, apenas nessa exclusiva hipó-tese é que se pode aceitar que o termo de referência seja preparado de modo a responder às três perguntas simultaneamente. Nos casos em que a solução para o problema se traduz em compras rotineiras

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e serviços destituídos de complexidade, o termo de referência pode contemplar resposta para as três questões. Porém, não é possível estender a mesma conclusão para obras, serviços e compras espe-ciais, por exemplo. É necessário bastante cautela em relação a isso.

Ademais, quando se diz que o processo de contratação pública é um conjunto de fases, etapas e atos, um dos aspectos que se destaca é que ele é uma realidade que exige organização e planejamento. Quando há um problema muito complexo e amplo, como é o caso da contratação pública, a melhor alternativa é dividi-lo em partes e resolvê-las separadamente. Quando dividido, um grande problema se transforma, normalmente, em pequenos problemas. Isso permite resolvê-lo mais facilmente. Essa é uma das razões pelas quais o pro-cesso de contratação é dividido em partes (fases, etapas e atos), sendo necessário respeitar cada uma delas.

Assim, não se deve querer resolver todos os problemas, que cada etapa ou ato representa, de uma só vez. Essa forma de proceder causa mais problema do que solução propriamente dita. Na Adminis-tração Pública, quase sempre isso ocorre sob o argumento de que a necessidade a ser atendida é urgente, e isso justifica o atropela-mento de etapas e atos. É preciso perceber que o tempo que se ganha numa fase (planejamento), perde-se nas outras (licitação e contrato). A realidade está aí para provar isso.

Em regra, o termo de referência deve se limitar a responder a apenas uma pergunta: qual a necessidade? É isso que ele pode fazer bem feito. Identificar adequadamente a necessidade é fundamental para o sucesso da contratação. Aliás, já demonstramos que a defini-ção adequada da necessidade é uma das providências mais impor-tantes da contratação pública, pois ela condiciona todo o processo.

Por fim, resta explicar o que é o projeto básico, principalmente porque a IN nº 02/08 afirma, textualmente, que ele e o termo de refe-rência são rótulos com o mesmo conteúdo. Andou mal a IN nº 02/08 nesse particular, pois termo de referência é uma coisa, e projeto básico é outra.

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A expressão “projeto básico” tem conteúdo definido de forma precisa na Lei (inc. IX do art. 6º da Lei nº 8.666/93). Não se trata de uma definição qualquer, mas da mais ampla, precisa e importante de toda a ordem jurídica que regula a contratação pública. Não há, em toda a legislação sobre o tema, uma definição mais feliz do que a de projeto básico.

É preciso respeitar a máxima que diz: “cada macaco no seu galho”. Assim, o termo de referência existe para responder à per-gunta: qual a necessidade? O projeto básico responde a: qual a solu-ção (objeto)? Da mesma forma, a planilha de quantitativos e preços unitários responde a uma terceira indagação: quanto custa a solução definida? Cada uma dessas questões traduz uma etapa do planeja-mento e devem ser materializadas em instrumentos diferentes com rótulos distintos. Portanto, o conteúdo de cada uma das providências realizadas em cada etapa do planejamento da contratação deve ter um rótulo para designá-la, sob pena de não se conseguir viabilizar uma comunicação adequada.

É razoável aceitar o argumento de que, em determinadas situa-ções, haverá um ganho em eficiência se o termo de referência, além de definir a necessidade, também indicar a solução. A propósito, essa é a nossa opinião. O que não é razoável é aceitar a afirmação de que termo de referência e projeto básico são a mesma coisa.

9. 9. plano de trabalho

O § 3º do art. 6º da IN nº 02/08 teve redação introduzida pela IN nº 03/09. A disciplina do plano de trabalho não é nova e consta do art. 2º do Decreto nº 2.271, de 7 de julho de 1997, que regula-menta a contratação de serviços pela Administração Pública federal. Em verdade, o § 3º do art. 6º da IN nº 02/08, cuja redação foi intro-duzida pela IN nº 03/09, é uma transcrição do que já consta no refe-rido Decreto.

Em razão da disciplina prevista no § 3º do art. 6º da IN nº 02/08, é preciso conhecer a finalidade do plano de trabalho. Trata-se de um

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documento a ser elaborado? Ele deve ser preparado antes do termo de referência ou depois dele?

Para tornar mais fácil o acompanhamento da análise, vamos registrar as disposições introduzidas pela IN nº 03/09 que culmina-ram nos termos do § 3º do art. 6º da IN nº 02/08. Diz o referido § 3º que:

a contratação deverá ser precedida e instruída com plano de trabalho, aprovado pela autoridade máxima do órgão ou entidade, ou a quem esta delegar competência, e conterá, no mínimo: I - justificativa da necessi-dade dos serviços; II - relação entre a demanda prevista e a quantidade de serviço a ser contratada; III - demonstrativo de resultados a serem alcan-çados em termos de economicidade e de melhor aproveitamento dos recursos humanos, materiais ou financeiros disponíveis.

Com base nos termos do preceito, é fácil concluir, sobre o plano de trabalho, que: a) é um novo instrumento a integrar o pla-nejamento da contratação e não se confunde com o termo de refe-rência nem com o projeto básico; b) deve ser elaborado depois do termo de referência e do próprio projeto básico, e não antes deles; c) não deve ser elaborado pela autoridade máxima do órgão ou da entidade, mas sim por ela aprovado.

O plano de trabalho deve ser preparado com base nas informa-ções prestadas ou obtidas no termo de referência, no projeto básico e, também, de acordo com a planilha de formação de preços, ou com base em orçamentos, se não houver planilha. Vale dizer: o plano de trabalho é uma análise econômico-financeira18 a ser feita depois de respondidas as três perguntas “mágicas” da contratação pública (Qual o problema? Qual a solução para o problema? Quanto custa a solução definida?).

Referida análise não é simples de ser feita, pois envolve diver-sas informações e inúmeras variáveis que normalmente não são

18 A análise é econômica porque se refere ao encargo, e é financeira porque o encargo representará uma despesa ou um dispêndio de recursos financeiros, em face da remuneração que será cobrada para viabilizá-la.

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estimadas ou consideradas no termo de referência ou no projeto básico, por exemplo. Ainda não temos know-how19 para realizar esse tipo de atividade a ser materializada no plano de trabalho, pois não aprendemos sequer a estimar e definir a necessidade. Será necessário algum tempo para aprendermos a fazer esse tipo de análise econô-mico-financeira sobre a contratação. O conhecimento e as técnicas já existem, precisam apenas ser adaptados para dar conta de cumprir o que dispõe o § 3º do art. 6º da IN nº 02/08.

De toda forma, é elogiável a exigência do plano de trabalho, pois se trata de uma providência (de cunho oficial) importante para o desenvolvimento do planejamento das contratações públicas. Ainda que não seja uma novidade em termos normativos, essa é uma ini-ciativa do Governo federal, por intermédio do Ministério do Planeja-mento, Orçamento e Gestão, que merece aplausos.

Ademais, a exigência de elaboração de plano de trabalho não deve ser restrita às contratações reguladas pela IN nº 02/08, cabendo a sua adoção também para os demais casos, notadamente serviços de TI.

10. 10. conclusões

Com base nos argumentos apresentados, é possível propor as seguintes conclusões:

a) O termo de referência é o documento que inicia ou inaugura o processo de contratação pública.

b) O termo de referência cumpre a mesma função da requisi-ção e foi idealizado com o propósito de permitir, de forma precisa e adequada, materializar a identificação da necessi-dade e o que se espera da contratação.

c) Identificar a necessidade é reunir informações, dados, pecu-liaridades e características capazes de configurar o exato pro-blema a ser resolvido. Nesse sentido, o termo de referência

19 No sentido de conhecimento para executar uma tarefa ou uma atividade específica.

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está para a contratação pública como o briefing está para a campanha publicitária.

d) O responsável pela identificação da necessidade e pela ela-boração do termo de referência é o setor requisitante. Cabe a ele ouvir todos os que se beneficiarão com a solução e con-tar com o auxílio de outros setores e agentes para cumprir adequadamente seu dever.

e) É com base na necessidade identificada e materializada no termo de referência que a autoridade competente definirá a solução para o problema, bem como descreverá precisa-mente o objeto e estimará o custo a ser pago pelo encargo.

f) A descrição do objeto não é, em princípio, uma informação que deve integrar o termo de referência, pois ela não é parte dele, mas decorre dele.

g) O termo de referência é uma providência necessária na fase preparatória da contratação, independentemente de qual será a modalidade a ser adotada ou da natureza do objeto a ser contratado.

h) A opção feita pela IN nº 02/08 de prever que projeto básico é o mesmo que termo de referência é inadequada. De acordo com a ordem jurídica vigente, o termo de referência deve responder à pergunta: qual o problema? O projeto básico deve indicar: qual a solução?

i) O art. 15 da IN nº 02/08 não diz o que o termo de referên-cia deve conter, mas sim ao que o encargo e o planejamento não podem deixar de atender; são coisas diferentes. O dispo-sitivo deve ser lido com essa ressalva.

j) O termo de referência não é uma providência a ser aten-dida apenas nos casos em que a escolha do futuro contra-tado acontece por meio de licitação, mas também quando ela decorre de dispensa e inexigência. Isso se justifica por ser o termo de referência uma providência inaugural do pro-cesso e que deve ser cumprida na fase de planejamento,

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antes mesmo da definição do procedimento ou da modali-dade a ser adotada.

k) Em casos específicos, é possível que o termo de referência, além de identificar a necessidade, também descreva o objeto e estime o seu valor, mas isso não pode ser generalizado.

l) O plano de trabalho é um novo instrumento que deve inte-grar o planejamento da contratação e não se confunde com o termo de referência nem com o projeto básico.

11. 11. formalizada a necessidade, qual o próximo passo?

Identificada e devidamente formalizada a necessidade, os pró-ximos passos são definir a solução, especificar o objeto e fixar todas as obrigações que integrarão o encargo.

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Capítulo 7

DEFINIÇÃO DA SOLUÇÃO, OBJETO E DEMAIS OBRIGAÇÕES (ENCARGO)20

1. 1. a solução/objeto é condicionada pela necessidade

A etapa I do planejamento do processo de contratação pública destina-se, fundamentalmente, a dimensionar o problema, de forma a fixar os contornos e as características da necessidade que a Admi-nistração deve atender. Identificada a necessidade, ela passa a bali-zar a próxima etapa da fase interna do processo, que é justamente a definição da solução para resolver o problema. Da definição da solu-ção decorre a descrição do objeto. Há, portanto, uma relação estreita entre necessidade e solução, bem como entre solução e objeto. Com base no objeto se configura o encargo, que é a razão de ser do pró-prio planejamento. Dessa forma, definir o encargo é o objetivo precí-puo do planejamento da contratação.

A necessidade condiciona a definição da solução. Fundamen-tando-se na necessidade, a solução será fixada, e o objeto, definido. Nesse sentido, há uma relação de causa e efeito e também de ade-quação entre a necessidade e a solução/o objeto. Não se pode definir a solução/o objeto sem antes identificar e precisar a necessidade.

2. 2. o que se deVe entender por solução?

A solução é a providência capaz de garantir a satisfação ou o atendimento da necessidade. Por isso, a finalidade da descrição do objeto, que traduz a essência da solução, em princípio, é garan-tir compatibilidade entre a solução que ela descreve e a necessi-dade que pretende garantir ou satisfazer. Para que isso aconteça, é

20 A definição de solução, objeto e encargo representa a etapa II do processo de contra-tação, conforme Ciclo constante da presente obra.

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indispensável que a real e efetiva identificação da necessidade tenha sido apurada de forma clara e precisa no processo administrativo. Aliás, não basta apenas a sua apuração, mas também a demonstra-ção cabal dos motivos que lhe dão suporte, pois sem eles não será possível saber se as exigências e especificações que integram a des-crição são legais. A solução é o meio definido como capaz de resol-ver o problema (necessidade) da Administração. O objeto é a forma específica da solução. Assim, uma solução pode ser configurada por diversos objetos. Objetos são as diferentes formas de especificar ou traduzir a solução do problema.

3. 3. a questão da qualidade na definição da solução

A descrição do objeto deve garantir a qualidade da solução ide-alizada para atender à necessidade. Toda definição do objeto deve preservar um razoável padrão de qualidade na sua descrição. A ques-tão da qualidade é um aspecto mal compreendido na contratação pública. Mas por quê? O problema diz respeito a dois valores: o benefício e o preço. Em razão da obrigatoriedade de adoção do tipo menor preço, para a maior parte das situações, há a impressão de que a qualidade tem importância secundária, sendo o preço o mais importante.

A opção preferencial pelo julgamento baseado no menor preço não significa que o fator qualidade não deve ser preservado na des-crição do objeto. Aliás, muito pelo contrário, uma simples análise dos regimes jurídicos vigentes (Leis nºs 8.666/93 e 10.520/02) reve-lará, de forma incontestável, que a determinação é para que a quali-dade seja muito bem preservada na descrição do objeto, justamente porque a regra é o julgamento pelo menor preço.

Julgamento pelo menor preço e garantia de qualidade não bri-gam entre si; ao contrário, são valores que caminham juntos e devem ser harmonizados. É preciso primeiro definir o padrão de qualidade que necessitamos. O menor preço será apurado com base nele, e não o contrário, ou seja, não será apurada a qualidade a partir do menor preço.

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Em contratação pública é possível falar em qualidade mínima e qualidade adicional. A mínima é a que deve ser preservada em todo e qualquer caso, independentemente do tipo de licitação. A qualidade mínima deve ser assegurada na própria descrição do objeto e repre-senta o padrão mínimo indispensável para preservar a solução capaz de satisfazer a necessidade. É como se houvesse uma linha de corte, abaixo da qual o padrão de qualidade deixa de ser mínimo para se tornar insuficiente ou inadequado. A qualidade adicional supera a mínima definida, vai além dela. Pode ser obtida de duas formas: a) espontaneamente ou b) mediante estímulo.

A forma espontânea é a mais difícil de ser obtida, pois depen-derá, única e exclusivamente, da vontade dos licitantes. Ela até pode ocorrer, mas não se trata de algo certo e provável. Aliás, é mais pro-vável que não ocorra. Como o tipo mais comum é o menor preço, o licitante procurará apenas garantir a qualidade mínima, pois agregar qualidade adicional implicará elevar o preço, o que poderá significar a derrota na licitação.

Nesse sentido, não há nenhum estímulo para que o licitante ofereça qualquer benefício adicional de qualidade, além do mínimo definido pela própria Administração. Aliás, a escolha do vencedor em razão do menor preço é um desestímulo para que ele venha a agre-gar qualquer qualidade adicional, pois ela elevará o preço final e não poderá sequer ser considerada como critério de desempate.

Uma forma de motivar espontaneamente o licitante para agre-gar qualidade adicional seria a ordem jurídica permitir o desempate com base nessa qualidade, e não com base em sorteio. O sorteio é uma péssima escolha do legislador, pois não beneficia a Administra-ção, só o próprio sortudo. Serve apenas para viabilizar uma escolha (desempate) de forma impessoal, mas sem agregar qualquer benefí-cio. O mais adequado é que o critério legal de desempate seja impes-soal (objetivo) e represente benefício sempre que possível. No tipo menor preço, o sistema não cria incentivo para que algum licitante, espontaneamente, agregue qualidade à sua oferta.

A segunda forma, mediante estímulo, é a visada quando a lici-tação é processada de acordo com os tipos melhor técnica e técnica e preço. O objetivo desses dois tipos é viabilizar o benefício (qualidade)

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adicional, pela atribuição de pontuação para os fatores de qualidade e outros que são definidos. Dessa forma, é preservado um padrão mínimo e estimulada a oferta de um benefício adicional. Nos tipos melhor téc-nica e técnica e preço, a apuração da qualidade adicional ocorre por ocasião do julgamento da proposta e depende de um estímulo.

No tipo menor preço, o fator qualidade não integra o crité-rio de julgamento, mas apenas a descrição do objeto. Assim, ou a qualidade é preservada na descrição do objeto, ou não haverá outro momento no processo para que ela possa ser garantida. Independen-temente do tipo de licitação, a garantia de qualidade mínima deve ser assegurada pela Administração, não podendo depender da boa vontade dos licitantes.

Quando falamos em qualidade, existe uma relação inevitável e que se traduz na ideia de que tudo o que for indispensável para garantir a satisfação da necessidade pode ser exigido no edital. A fixação de exigências na descrição do objeto não deve ser norteada por mera preferência pessoal, mas por razões de ordem objetiva.

É possível ir além da preservação da qualidade mínima na des-crição do objeto? Qual o limite?

Quando se fala em preservação da qualidade do objeto, é possí-vel reconhecer que existem limites mínimos e máximos. Os mínimos são, pelo menos em tese, mais fáceis de ser fixados, pois representam a própria preservação do objeto enquanto solução capaz de resolver o problema (necessidade). Se a descrição não atender a um padrão mínimo de qualidade, deve ser reputada insuficiente, uma vez que não poderá proporcionar o resultado final desejado que justificou a instauração do próprio processo de contratação. Isso violaria a ideia de compatibilidade entre solução e necessidade, ou seja, a solução se revelaria incapaz de resolver o problema.

Se a qualidade mínima da solução se revela suficiente para atender à necessidade, qual o padrão máximo de qualidade a que podemos chegar? É preciso perceber que tanto a qualidade mínima exigida quanto a qualidade máxima garantem, igualmente, a satisfa-ção da necessidade.

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Sendo assim, por que não exigir sempre o máximo de quali-dade? A resposta é simples: porque haveria restrição à competição e, principalmente, perda na economicidade.

Logo, a descrição deve primar pela qualidade e ser calibrada pela economicidade. Dessa maneira, é viável fixar um regime legal de proibição para eventuais abusos, o qual tem relação direta com a economicidade.

4. 4. o que são encargo e objeto?

A solução, em sentido amplo, expressa-se na ideia de um encargo que alguém deverá cumprir como condição para que a necessidade possa ser satisfeita. O encargo é caracterizado por um conjunto de obrigações, do qual a mais importante é o objeto (obrigação prin-cipal). Toda solução é representada por um encargo, cujo núcleo é o objeto capaz de satisfazer a necessidade. O encargo representa, assim, o conjunto de obrigações decorrentes do planejamento definido pela Administração e deve ser cumprido pelo futuro contratado. O encargo é materializado no edital. Para conhecer o encargo representativo de determinada contratação, basta analisar os termos do edital. Mas é pos-sível dizer que o encargo tem uma condição formal, ou seja, só cons-titui encargo a obrigação constante do edital. Se a Administração pre-tende que o contratado atenda a determinada condição ou exigência, deverá incluí-la no edital, sob pena de ela não integrar o encargo con-tratual.21 Se a Administração desejar que o contratado atenda a uma condição não prevista no edital ou não integrante do encargo licitado, deverá promover uma alteração contratual e pagar a referida obrigação separadamente. Disso decorre a necessidade de acréscimo ou altera-ção contratual, tal como prevista no art. 65 da Lei nº 8.666/93.

5. 5. o fundamento da legalidade das exigências do objeto

A legalidade das exigências e especificações constantes da descrição do objeto tem seu fundamento de validade na própria

21 Dai a ideia de obrigação contratual e extracontratual.

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necessidade. Dessa forma, sem saber qual é a efetiva necessidade, não será possível validar a legalidade das exigências feitas.

A descrição do objeto não é atividade que se justifique à luz da pura escolha subjetiva do agente; não é o agente que define, de acordo com as suas convicções ou preferências pessoais, o que deve ou não constar da descrição do objeto. O que condiciona a descri-ção do objeto é a necessidade, e não outro fator. Portanto, falar em necessidade é reconhecer uma condição objetiva e que pertence ao mundo dos fatos, isto é, algo que decorre da própria realidade.

A função essencial do regime jurídico da contratação pública é condicionar todas as decisões administrativas a um fundamento ou parâmetro objetivo. Reduzir a subjetividade como fundamento das decisões é o grande desafio no plano do direito público. Essencial-mente, o problema não está na subjetividade, pois toda decisão será sempre subjetiva, até porque não há outra forma possível. O que se rejeita, no entanto, é que o fundamento de validade da decisão seja determinado por preferência de natureza exclusivamente subjetiva. Essa é uma diferença sutil e necessária para separar bem as coisas.

Portanto, para descrever o objeto, a necessidade deve ter sido apurada e previamente motivada. A inexistência de motivo macula a descrição por retirar o seu fundamento de validade. A configuração da efetiva necessidade administrativa é o antecedente necessário da descrição do objeto, e este, o consequente indispensável para viabi-lizar a solução do problema.

6. 6. o aspecto qualitatiVo e a dimensão quantitatiVa do objeto

O objeto que representa o núcleo do encargo tem um aspecto qualitativo e uma dimensão quantitativa.22 O aspecto qualitativo do objeto expressa as suas características e especificações técnicas e

22 Ver § 4º do art. 7º, art. 14, inc. II do § 2º do art. 40 e art. 47, todos da Lei nº 8.666/93. Ver também art. 3º da Lei nº 10.520/02, bem como art. 8º do Decreto nº 3.555/00 e art. 9º do Decreto nº 5.450/05.

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informa a sua própria natureza, funcionalidade e aptidão. O aspecto quantitativo revela uma ideia de número, tamanho, dimensão ou grandeza. Todo objeto reúne os dois aspectos. Mesmo inerentes ao objeto, os aspectos qualitativo e quantitativo têm seu fundamento de validade na própria necessidade da Administração.

Quando se descreve o objeto, é indispensável fixar os aspectos qualitativo e quantitativo, pois eles irão condicionar o processo de seleção do terceiro e estabelecer a relação benefício-custo. A propó-sito, a importância dos referidos aspectos será facilmente percebida quando estudarmos os diferentes regimes de execução, visto que a diferença entre a empreitada por preço global e a por preço unitário se explica justamente em razão do quantitativo.

Depois de definido, o objeto pode sofrer alterações, tanto no seu aspecto qualitativo como no quantitativo. Essas alterações do objeto podem ser determinadas pela Administração, pelo mercado ou pela mudança da necessidade.

Se a necessidade sofre alteração, cabe à Administração rever a solução e o objeto definidos para atendê-la. Mas é possível que a necessidade se mantenha e, ainda assim, seja necessário rever a solu-ção (objeto). O objeto poderá, também, ser alterado em razão de uma mudança promovida pelo próprio mercado, ou seja, pelas pessoas que nele atuam oferecendo bens e serviços. Não estamos falando apenas de uma alteração de característica ou especificação de deter-minado produto, mas nos referindo a uma mudança de ordem geral. No entanto, o mais comum é a alteração do objeto ser motivada pela própria Administração.

A alteração do objeto foi regulada pelo legislador no art. 65 da Lei nº 8.666/93, o qual impôs limites e fixou condições a serem observadas pela Administração. A disciplina dessa questão no citado dispositivo legal permite que as alterações qualitativas e as quantita-tivas sejam ou não promovidas unilateralmente pela Administração. Porém, as alterações quantitativas possuem um limite máximo a ser observado em qualquer situação. O limite mínimo é fixado apenas para a alteração unilateral, não incidindo quando ela é bilateral, ou seja, quando ela é decorrente de um acordo entre as partes. Como

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regra, o limite de acréscimo e de supressão do objeto é de 25% do valor inicial atualizado do contrato. Entretanto, o limite máximo da alteração quantitativa não pode ser considerado absoluto, pois no Direito nada é absoluto.

Mas, como regra, o referido percentual condiciona e limita a alteração quantitativa. Há discussão se o percentual de 25% se aplica também em relação à alteração qualitativa. A tendência da doutrina é entender que não, mas o TCU sustenta que o limite se aplica aos dois casos. Apenas para antecipar uma conclusão, entendemos que a alteração qualitativa não se submete ao limite percentual de 25%, mas a outro tipo de limite, de natureza material, ou seja, o que con-diciona a alteração qualitativa é a manutenção da solução definida, e a não desnaturação do objeto fixado. Assim, se a alteração quali-tativa for determinada por fato superveniente, a solução definida for preservada e o objeto não for desnaturado, é lícita a alteração pre-tendida. Note-se que diferenciamos aqui a solução do objeto para propor o critério.

7. 7. a economicidade da solução

É indispensável que a descrição do objeto garanta a esperada economicidade. Mas, que fique claro, tudo que for agregado, além do mínimo necessário para garantir a satisfação da necessidade, representará aumento no preço final da solução e poderá ser tido como ilegal. Há, então, uma relação direta entre qualidade e preço. Com efeito, o preço é determinado por um padrão de qualidade. Normalmente, o que determina os diferentes preços são os diversos padrões de qualidade. Dessa forma, sempre que se ganha em quali-dade, perde-se em economia.

A melhor descrição de um objeto é a que garante plenamente a satisfação da necessidade e, simultaneamente, possibilita o menor dispêndio de recursos financeiros. Essa é a verdadeira “receita” da contratação pública.

Na descrição do objeto existem, pelo menos, dois ingredientes fundamentais: qualidade e preço. São esses ingredientes que calibram

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a descrição. O preço decorre da qualidade. Existe uma razão direta entre qualidade e preço. A presunção lógica é de que quanto menor o preço, pior a qualidade, e quanto maior o preço, melhor a qualidade. É claro que há exceções. Mas não se pode raciocinar com base nelas, pois a presunção lógica seria invertida, o que é inadmissível.

Na formulação da descrição, a primeira providência é garantir a qualidade mínima capaz de atender à necessidade. Para isso, todas as peculiaridades que envolvem a necessidade devem ser apuradas antecipadamente. Preservada a necessidade, estará fixada uma espé-cie de parâmetro ou limite. Avançar contra o limite é, em princípio, perder na economia, embora existam fatores e condições que autori-zam a superação do mencionado limite.

Ora, se o padrão mínimo de qualidade definido é suficiente para garantir a satisfação da necessidade, para investir contra a eco-nomicidade é indispensável que haja justificativa plausível. Ou seja, para aumentar o padrão de qualidade da solução, é necessária uma justificativa aceitável, pois tal aumento implicará a redução da eco-nomicidade. Será aceitável a justificativa quando o aumento da qua-lidade for imprescindível para a redução do eventual risco envolvido em face das peculiaridades do objeto.

Por conta disso, é preciso justificar, de forma muito convincente, a incorporação de cada exigência adicional de qualidade na descri-ção do objeto. É fundamental explicitar a razão que motiva a eventual perda da economicidade, mesmo que isso represente ganho de qua-lidade. Uma coisa, necessariamente, não justifica a outra. Da mesma forma, não se pode somente descrever uma qualidade rasteira (mínima) apenas porque possibilitará gastar menos ou assegurará o menor preço. A finalidade da contratação não é e nunca será gastar menos; será sempre satisfazer a necessidade da Administração. A satisfação da necessidade poderá representar um gasto maior ou menor, conforme o padrão de qualidade mínimo indispensável para atender à necessi-dade. Se o objeto é comum, garantir a especificação de desempenho e qualidade mínimos definidos e pagar (de preferência) o menor preço praticado no mercado serão os objetivos. Se o objeto não é comum, como os serviços intelectuais de natureza singular, não se pode querer optar simplesmente pelo menor preço cobrado por um profissional

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(qualquer) no mercado. Aqui a ordem é inversa, ou seja, o razoável é eliminar os menores preços, e não objetivá-los.

Quando o legislador determina, no § 1º do art. 46 da Lei nº 8.666/93, que seja fixado preço máximo para o tipo melhor téc-nica, o que ele pretende é conter o eventual excesso da qualidade a ser ofertada, pois isso representará elevação do custo da solução e, por consequência, do preço final a ser pago. O fato de se querer obter, com o tipo melhor técnica, mediante estímulo, uma qualidade adicional não significa que não se deva ou possa limitá-la. A solu-ção encontrada pelo legislador para conter a qualidade foi limitar o preço. É para isso que serve o preço máximo nos tipos melhor técnica e técnica e preço. Com tal artifício, é possível, por um lado, limitar o desembolso e preservar a economicidade, e por outro, obter a dese-jada qualidade adicional.

8. 8. a definição do objeto e a questão da restrição à competição

Além de atender à necessidade, garantir o padrão mínimo de qualidade e preservar a necessária economia, é fundamental que a descrição não imponha restrição imotivada. Para que uma descrição seja legal, isto é, atenda às exigências da ordem jurídica, é indis-pensável que todas as condições apontadas sejam atendidas simul-taneamente. Quem planeja a contratação e quem realiza o controle, interno ou externo, deve saber disso. A análise do controle de legali-dade deve ser feita com base nessas condições.

Há dois tipos de restrição: aquelas que se justificam em razão da necessidade e as que não se justificam em razão dela.

Toda descrição é, em princípio, restritiva. Aliás, como disse-mos em outra passagem desta obra, a exigência é restritiva quando cria duas ordens distintas: a dos beneficiários e a dos excluídos. Isso acontece, portanto, em razão de que uns podem atender às exigên-cias impostas na descrição, e outros não.

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Para os que não podem atender à descrição, ela será restritiva, pois eles estarão impedidos de obter sucesso na disputa, ainda que possam dela participar. Logo, a restrição deverá ser justificada, isto é, será preciso demonstrar por que tal condição (a que restringe) cons-tou na descrição.

A justificativa implica deixar claro que ela é indispensável em razão da própria necessidade que a solução visa a atender, ou seja, sem ela a necessidade não poderia ser atendida adequadamente ou haveria potencialidade razoável de risco para o seu atendimento.

Importante saber que toda exigência é potencialmente restritiva e se tornará concreta em relação a cada interessado que não possa atendê-la. O fato de uma condição ser restritiva não significa que ela seja ilegal. O que torna uma condição exigida na descrição do objeto ilegal não é o fato de que ela restringe a participação, mas a inexistência de fundamento de validade entre o que se exige e a necessidade que se quer satisfazer, isto é, deve haver nexo causal entre as duas coisas.

Portanto, a ilegalidade está no fato de que a razão da discrimi-nação não representa garantia para o atendimento da própria neces-sidade. Se não produz esse benefício, ela é, em princípio, ilegal, salvo se houver outro valor jurídico que o Direito quer garantir, como ocorre com a exigência de regularidade fiscal prevista no art. 29 da Lei nº 8.666/93.23

Ao contrário da exigência de capacidade técnica, por exem-plo, a demonstração da regularidade fiscal não tem relação direta com a necessidade a ser atendida, mas com o preço praticado pelo licitante. Nesse caso, a exigência da regularidade fiscal tem como fundamento de validade o tratamento isonômico, e não a satisfação da necessidade.

23 Sobre a exigência de regularidade fiscal, ver artigo publicado na Revista Zênite – Informativo de Licitações e Contratos (ILC), n. 44, p. 786, out. 1997.

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9. 9. para definir uma solução, é preciso conhecer o mercado

A instauração de um processo de contratação visando à esco-lha de um terceiro pressupõe que a Administração não reúne condi-ções de viabilizar diretamente a própria solução para o seu problema. Então, a alternativa que resta é se voltar para o mercado de bens e serviços a fim de atender à sua demanda. Nessa linha, é fácil consta-tar que o processo de contratação pressupõe que a necessidade a ser satisfeita é da Administração, e a solução capaz de atendê-la é, como regra, de um terceiro que integra o mercado.

Para definir as diversas obrigações que integram o encargo, bem como descrever o objeto que se pretende contratar, é indispen-sável que a Administração conheça o mercado, as suas peculiarida-des, os mais diferentes produtos existentes e as suas especificações, os preços e as condições de pagamento, as sazonalidades, as novida-des, as tendências, etc.

Muito embora isso se traduza em uma condição indispensável, ainda não é uma realidade que caracteriza e move as ações da Admi-nistração. Sem conhecer adequadamente o mercado, o relaciona-mento com ele será muito mais difícil e oneroso. Portanto, é preciso conhecê-lo profundamente. Mesmo já tendo evoluído nesse campo, ainda temos muito para melhorar. Por outro lado, o conhecimento do mercado e a relação com ele exigem transparência e conduta ética por parte dos agentes públicos, o que pode ser obtido com relativa facilidade, desde que se deseje.

10. 10. a relação transparente com o mercado

A relação da Administração com o mercado (pessoas e agentes econômicos) deve ser transparente, isenta e ética. O fundamento de validade da relação se assenta na ideia da obtenção do melhor benefício que o mercado pode oferecer, pagando-se o menor preço. No entanto, isso não pode ser calibrado pela deliberada intenção de querer que determinada empresa ou pessoa seja a beneficiária da contratação sem que haja uma razão de ordem técnica para isso, ou

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seja, uma razão justificável. Como regra,24 a escolha do beneficiá-rio do futuro contrato exige da Administração uma conduta isenta, pois ela deve ser viabilizada de acordo com um critério objetivo e ético a permear as relações daqueles que agem em nome do Poder Público. É evidente que não basta a existência de um critério obje-tivo, pois mesmo objetivo ele pode ser ilegal. Na maior parte dos casos em que se estabelece restrição ilegal e que, por isso, se afas-tam indevidamente competidores, o critério de julgamento é obje-tivo. Isso ocorre porque a ilegalidade pode não estar no critério de julgamento propriamente dito, mas integrar uma condição que é anterior, capaz de afastar o competidor antes mesmo de o critério objetivo ser aplicado.

Assim, se por um lado se exige que os agentes públicos tenham o necessário conhecimento do mercado, o que impõe uma relação com os que nele atuam; por outro, é indispensável que tal relação se faça com transparência e ética, o que é perfeitamente possível, desde que se saiba como agir.

11. 11. a realização de audiência pública para definir a solução e descreVer o objeto

Uma forma de viabilizar a transparência na relação entre a Administração e as empresas e os agentes que atuam no mercado é promover a realização de audiência pública em determinadas situações.

Esse importante instrumento de planejamento da contrata-ção ainda não está adequadamente disciplinado na ordem jurídica vigente, havendo menção a ele no art. 39 da Lei nº 8.666/93. De acordo com esse preceito, a audiência pública é obrigatória sempre que a licitação (ou melhor, a contratação) tiver um valor estimado superior a R$ 150 milhões, o que torna muito limitada a utilização

24 Fala-se em regra, pois nos casos de contratação de serviços intelectuais ou técnicos profissionais especializados de natureza singular o processo de escolha tem conteúdo subjetivo, não sendo possível a definição de critério objetivo de julgamento. Por isso, a licitação é inexigível.

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desse instrumento. No entanto, é preciso analisar o art. 39 e dele retirar algumas conclusões importantes, enquanto não temos uma melhor regulamentação do tema.

Nesse sentido, é possível sacar informações e, a partir delas, produzir outras conclusões que se revelem coerentes com a ordem jurídica vigente e com os valores que norteiam a contratação pública.

O fato de a audiência pública ser obrigatória quando o valor estimado da contratação for superior a R$ 150 milhões não significa que ela não possa ser utilizada, de forma facultativa, quando a con-tratação envolver valores menores. Essa é uma primeira conclusão possível.

Quando a Lei determina que o processo de licitação seja ini-ciado, obrigatoriamente, com uma audiência pública concedida pela autoridade responsável, ela está se referindo à fase externa do pro-cesso, ou seja, é esta que não deve ser iniciada sem que tenha havido a audiência pública. Mas quando se inicia o “processo” de licitação, para os fins do art. 39? A resposta é simples: com a publicação do edital. Logo, o edital não pode ser publicado sem a audiência pública prévia. Dessa forma, se a contratação tiver um valor estimado superior a R$ 150 milhões e se o edital for publicado sem que tenha havido a audiência pública, caberá a sua impugnação ou mesmo a impetra-ção de mandado de segurança. A audiência pública, nesse caso, não implica uma faculdade, mas uma obrigatoriedade, cujo cumprimento deve ser atendido pela autoridade competente ou responsável. É pre-ciso perceber que a expressão “processo” é utilizada no seu sentido restrito, ou seja, como o conjunto de etapas e atos da própria licita-ção, e não no seu sentido amplo, isto é, como fases, etapas e atos da contratação pública. Importante lembrar que a licitação é apenas a forma específica de conduzir uma das fases da contratação.

O sentido de audiência pública que consta no art. 39 da Lei nº 8.666/93 é restritivo, pois diz respeito a uma de suas possibilida-des, a de promover uma discussão sobre os termos do edital elabo-rado e que regerá a contratação, cuja seleção da melhor proposta será feita mediante licitação.

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Mas é necessário ver a audiência pública em sentido mais amplo, para abarcar também outros aspectos e etapas da fase de pla-nejamento, a qual é anterior à licitação. Limitar a utilização da audi-ência pública somente em relação ao edital já pronto e condicioná-la apenas às contratações cujo valor seja superior a R$ 150 milhões é restringir a sua utilização de forma inadequada.

Além de diversos outros aspectos, é possível realizar, por exem-plo, uma audiência pública para definir a melhor solução e descrever o objeto da futura contratação. Claro que isso deve ser feito em situ-ações específicas, pois não se pode jamais generalizar a utilização desse instrumento.

Assim, quando se estiver diante de uma contratação que envolve complexidade técnica e houver dúvida sobre qual é a melhor solução para atender à Administração, bem como qual é a forma mais adequada para preservar a melhor relação benefício-custo, a audiência pública pode e deve ser utilizada.

A audiência pública deve ser entendida como a reunião reali-zada pela Administração com a finalidade de discutir aspectos, nota-damente técnicos, relacionados à contratação que se encontra na fase de planejamento. A audiência é viabilizada mediante convocação ampla dos agentes que atuam no mercado para que, em data, local e hora determinados, contribuam, de forma eficaz e transparente, com a definição das condições do encargo a ser definido. Para tanto, caberá à Administração definir os objetivos e propósitos da audiência e fixar as condições para a sua realização. Na audiência, a Adminis-tração irá expor a razão que determinou a convocação, apontará as questões ou os pontos de dúvidas sobre a melhor forma de contratar e ouvirá todos os presentes. Ao final, elaborará ata circunstanciada.

Com base nas contribuições apresentadas, caberá à Adminis-tração definir as exigências e condições que julgar as mais adequa-das. Para soluções muito complexas ou se a Administração não tiver pessoal com conhecimento mínimo necessário para conduzir o pla-nejamento, é recomendável a contratação de uma consultoria para assessorá-la na condução tanto do próprio planejamento como da audiência. Portanto, a audiência pública não é um instrumento de

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planejamento que serve apenas para submeter à prova o edital já ela-borado, mas também para definir aspectos que envolvem o planeja-mento da contratação e que são anteriores a ele. Quem atuar como consultor da Administração estará impedido de participar da disputa no contrato ou de executá-lo, ainda que parcialmente, por força da vedação prevista no art. 9º da Lei nº 8.666/93.

12. 12. a realização de audiência pública para apresentar o plano anual de contratação

Sugerimos que a Administração realize, anualmente, no início do exercício financeiro, uma audiência pública para apresentação do seu plano anual de contratação. Nela, a Administração demonstraria o que seria contratado no decorrer do ano e esclareceria aos poten-ciais fornecedores as diversas condições impostas para se cadastrar, a forma de receber os editais, os procedimentos para sanar dúvidas e impugnar o edital, a maneira de apresentar suas propostas, a forma de comunicação dos atos, as condições de pagamento, etc.

Tal providência pode propiciar maior transparência nas rela-ções contratuais da Administração e evitar muitos problemas que se renovam com frequência. No futuro, isso pode se tornar uma reali-dade. Até porque não é tão difícil viabilizar uma audiência pública com esse propósito.

13. 13. por que o objeto precisa ser diVidido e quando isso se reVela necessário?

Uma das ideias centrais que norteou a estruturação do regime jurídico da contratação vigente foi a da necessidade de assegurar a mais ampla competitividade entre os agentes que atuam no mer-cado. Isso fez o legislador criar determinados mecanismos capazes de viabilizar a ampliação da disputa e possibilitar que mais pessoas participem do certame. Com isso, todos ganhariam: os particulares, porque poderiam disputar um contrato para o qual estavam, em prin-cípio, impedidos por não reunirem condições, e a Administração,

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porque ampliaria a possibilidade de obter uma melhor relação benefício-custo.

Ainda que se possam apontar outros, os referidos mecanismos de ampliação da disputa são, basicamente, três: a) divisão do objeto em partes (itens e lotes); b) autorização de formação de consórcio; e c) autorização de subcontratação.

O raciocínio do legislador foi simples e objetivou a amplia-ção da disputa por dois modos distintos: a) reduzindo o tamanho do objeto da contratação e b) permitindo a união de duas ou mais pessoas. Na primeira hipótese, com a redução do objeto, mais pes-soas passam a poder executá-lo. O legislador foi sábio ao perceber que a redução poderia ocorrer de duas formas: por meio da divisão do objeto a ser colocado em disputa ou pela definição de uma par-cela específica a ser executada por um terceiro. Com isso, não seria preciso permitir o consórcio, pois bastaria permitir a subcontratação, ou seja, que o vencedor pudesse contar com a ajuda de um terceiro. Esses mecanismos de ampliação de disputa serão tratados em outra oportunidade, cabendo, agora, apenas destacar a divisão do objeto em itens e lotes.

A divisão do objeto em itens e lotes é um instrumento legal que visa a propiciar a ampliação à competição e, assim, permitir que mais pessoas disputem o contrato. Tal determinação decorre do § 1º do art. 23, que diz textualmente: “as obras, serviços e compras efetu-adas pela Administração serão divididas em tantas parcelas quantas se comprovarem técnica e economicamente viáveis, procedendo-se à licitação com vistas ao melhor aproveitamento dos recursos dispo-níveis no mercado e à ampliação da competitividade, sem perda da economia de escala”. Além do referido preceito, a obrigatoriedade de ampliação da competição é reafirmada no § 7º do citado comando.

É possível asseverar que o valor contido na norma impõe o dever de dividir o objeto sempre que for tecnicamente possível e eco-nomicamente viável, não se tratando, portanto, de mera faculdade a ser exercida pela Administração. É evidente, também, que a norma foi fixada em razão da possibilidade de haver restrição imotivada à competição. Portanto, a divisão do objeto se justificará sempre que

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houver possibilidade de restrição da disputa e não precisará ocorrer quando a competição não se revelar comprometida, ainda que tec-nicamente seja possível a divisão.

Nesse sentido, a interpretação adequada do enunciado legal exige a articulação de valores distintos e que condicionam a exata compreensão do teor da norma. Por um lado, o que se deseja é ampliar a disputa e, para tanto, reconheceu-se que a divisão é uma das formas possíveis de se obter o desejado resultado. Por outro lado, a possibilidade de divisão do objeto é condicionada pela viabilidade técnica e pela garantia de economicidade. O legislador deixou claro que a ampliação da disputa não pode prejudicar a relação benefício--custo, isto é, não pode trazer prejuízo ao benefício que é represen-tado pelo objeto nem comprometer a economicidade (obtenção do benefício com o menor dispêndio de recurso financeiro).

Portanto, a ampliação da competição tem condicionantes que precisam ser analisados pelo agente por ocasião do planejamento, notadamente do momento de decidir se manterá o objeto tal como definido ou se irá dividi-lo em partes (itens e lotes).

Com base no que foi dito, é possível afirmar que a divisão do objeto está diretamente relacionada aos seus aspectos quantitativo e qualitativo. Ela não pode comprometer o desempenho técnico do objeto, pois sempre que isso puder ocorrer, a divisão estará proibida. Assim, a divisão visa, essencialmente, a reduzir o tamanho do objeto, pois o legislador entendeu que esse é um dos principais motivos que diminui a competição, mas sem comprometer o desempenho técnico (aspecto qualitativo).

Há uma relação estreita entre o aspecto qualitativo do objeto e a questão técnica, e uma relação direta entre a quantidade do objeto e a questão da economicidade. Não é possível dividir o objeto se a qualidade da solução definida for comprometida. Da mesma forma, em princípio, não é viável reduzir a quantidade do objeto se repre-sentar indiscutível prejuízo à economicidade.

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14. 14. a questão da proibição da indicação de marca

A indicação de marca na descrição do objeto implica, em prin-cípio, uma preferência injustificada. É certo dizer que a proibição de indicação de marca não é absoluta, mas traduz a regra a ser obser-vada. Em determinados casos, não só é possível como também neces-sário indicar a marca do produto/objeto desejado pela Administração. Mas isso é uma exceção cuja possibilidade deve ser devidamente jus-tificada. A regra é que a indicação de marca não pode ser feita, salvo quando figurar como mera referência, isto é, com a indicação clara de que outros objetos de marcas similares serão aceitos. Nesse caso, ela cumpre o papel de tornar mais clara a descrição e facilitar a com-preensão por parte dos licitantes.

A vedação de indicação de marca justifica-se porque ela repre-senta uma preferência que implica exclusão de outras marcas capa-zes de, igualmente, atender à necessidade da Administração. Por isso pode ser indicada como mera referência, cumprindo a função de res-saltar um produto conhecido sem excluir os que pertencem a outras marcas. Nesse sentido, o legislador pretendeu que a proibição pre-vista no § 5º do art. 7º e no inc. I do § 7º do art. 15 da Lei nº 8.666/93 deixasse claro que o objeto deve ser descrito de forma a não discrimi-nar e a não afastar competidores imotivadamente, pois a indicação de marca restringe a disputa e cria um beneficiário, sem que exista uma justificativa técnica para isso.

15. 15. a questão da especificação exclusiVa

A especificação exclusiva de um produto não pode ser adotada na descrição do objeto, pois isso equivale à própria proibição da indi-cação de marca. A mesma razão que motiva a proibição de indicação de marca também serve para afastar a inclusão de uma especificação ou de uma característica exclusiva de um produto. Por ser exclusiva, a especificação afasta a aceitação de outros bens, mesmo que eles possam atender à necessidade da Administração.

No entanto, se a especificação for indispensável, se sem ela a necessidade não puder ser satisfeita e atendida, a sua indicação passa

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a ser justificada. Com efeito, conforme ressaltamos, a questão não é a existência de marca ou de especificação exclusiva na descrição do objeto da contratação, mas o fato de saber se ela é ou não indispen-sável para atender à necessidade. Se for, será legal. Caso contrário, deverá ser reputada ilícita. É nessa perspectiva que a questão deve ser resolvida.

16. 16. exigências insuficientes, desnecessárias e excessiVas

As exigências a serem feitas em uma contratação devem ser necessárias e suficientes para garantir a obtenção do encargo capaz de atender à necessidade. Em princípio, nem mais nem menos, é pre-ciso encontrar o equilíbrio, a medida certa. Se a descrição do objeto não garantir o mínimo indispensável, a satisfação da necessidade ficará comprometida.

Por outro lado, se a descrição do objeto for além do mínimo necessário, a necessidade será bem atendida, mas a Administração poderá pagar mais para se satisfazer com menos. Encontrar esse equi-líbrio é o desafio de quem planeja. Muitos editais estabelecem con-dições ou exigências que não viabilizam esse necessário equilíbrio. Assim, não garantem o atendimento do interesse público, mas ser-vem para afastar potenciais competidores e, por força disso, acabam restringindo a disputa e dificultando a obtenção de propostas mui-tas vezes vantajosas. Na maior parte dos casos, tais restrições não são estabelecidas com o propósito deliberado de afastar interessados, mas acabam proporcionando isso sem intenção.

De forma direta, a descrição do objeto pode ser rotulada de insuficiente, impertinente, desnecessária ou excessiva. As formas apontadas revelam irregularidade e podem conduzir à nulidade do processo de contratação. As exigências impertinentes e excessivas são as mais graves e constituem ilegalidade por viabilizarem restri-ções indevidas e antieconômicas, as quais devem ser evitadas e não podem ser toleradas pelos agentes públicos responsáveis, pela asses-soria jurídica e pelos órgãos de controle.

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A descrição do objeto é insuficiente quando as exigências nela previstas não garantem a satisfação da necessidade. A solução con-figurada atende à necessidade, em princípio, apenas parcialmente, pois certa condição/exigência é ignorada e não exigida quando deve-ria ser. Existem casos, no entanto, que a insuficiência da descrição pode representar o desatendimento integral da necessidade, e não apenas parcial. Ou seja, a exigência ignorada é de tal importância que a solução pode se revelar totalmente ineficaz. A insuficiência da descrição do objeto é normalmente corrigida pela Administração na fase contratual por meio de aditivo ao contrato. Porém, em alguns casos, a existência de descrição insuficiente pode conduzir à nuli-dade do edital ou não ser sanável na fase contratual por estar além dos limites legais previstos em lei.

A definição do objeto, por sua vez, é impertinente quando determinada condição ou exigência é incluída sem que tenha rela-ção direta com a própria necessidade que a solução (objeto) des-creve. A condição é considerada ilegal porque pode produzir restri-ção indevida para terceiros (licitantes) e não serve para resguardar nenhum interesse da própria Administração, além de poder tornar mais onerosa a contratação.

A definição do objeto possui condição desnecessária quando, mesmo não restringindo a disputa, é capaz de tornar mais oneroso o preço a ser pago. A exigência agrega algum benefício à solução, mas ele é desnecessário para o atendimento da necessidade. Assim, a irregularidade é normalmente de natureza econômica e não restringe a disputa.

A exigência desnecessária é diferente da impertinente, pois esta não agrega nenhum benefício para a Administração e só cumpre a fina-lidade de restringir a disputa ou mesmo de beneficiar um competi-dor, bem como onerar a contratação. Ou seja, a desnecessária produz algum benefício ou utilidade, ao passo que a impertinente não.

Por fim, a exigência excessiva é a que, além de restringir a dis-puta, torna demasiadamente onerosa a contratação. Ela padece de dois vícios imperdoáveis: restringe ilegalmente a competição e força a Administração a pagar mais quando precisava de muito menos. A

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exigência excessiva é a mais grave de todas e, em muitos casos, é utilizada com o deliberado propósito de beneficiar determinado pro-duto ou fornecedor.

17. 17. a justificatiVa técnica e econômica das exigências

É importante notar que o que calibra a descrição do objeto (encargo) e valida todas as exigências feitas é a necessidade. Por-tanto, para saber se uma exigência prevista na descrição do objeto é restritiva ou antieconômica basta analisar a necessidade a que ela quer atender.

É a necessidade que autoriza ao objeto ter ou não determina-das características técnicas. A solução técnica traduz um conjunto de especificações capazes de produzir determinado resultado. O resul-tado deve ter relação direta e de suficiência com a demanda que a Administração tem de atender. Mas a solução técnica tem relação direta também com o preço a ser pago. É assim porque a solução téc-nica que traduz o encargo tem uma dimensão puramente econômica, e o preço a ser pago, uma expressão financeira. Dessa forma, é pre-ciso que cada exigência, especificação ou característica que integra a descrição do objeto seja justificável sob o ponto de vista técnico, sob pena de irregularidade. A justificativa é o que se denomina no Direito Administrativo de motivação, e motivar é explicitar ou demonstrar por que determinada decisão foi adotada, sob o ponto de vista fático (necessidade) e jurídico.

18. 18. a descrição do objeto e a questão da exclusiVidade do prestador

Em alguns casos, a descrição do objeto pode conduzir a um único fornecedor ou prestador. Com isso, teremos a restrição total da disputa ou apenas a sua limitação. Ocorrerá a restrição total da dis-puta quando, em decorrência da descrição, o produto for comerciali-zado apenas por uma pessoa, normalmente o próprio fabricante. Por outro lado, haverá restrição parcial da disputa quando o único produto que atender à descrição for comercializado por vários fornecedores.

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Fala-se em restrição porque somente um produto poderá ser forne-cido, ainda que existam vários fornecedores. Havendo restrição total não será possível licitar, pois estará configurada a inexigibilidade. No entanto, havendo restrição parcial será possível promover a licitação entre os vários fornecedores do produto desejado.

Ao contrário do que algumas pessoas possam crer, em prin-cípio, não há ilegalidade no fato de que a descrição do objeto con-duziu a um único produto. Esse fato em si não representa nenhuma ilegalidade. Ilegalidade não é isso. Se todas as especificações e carac-terísticas presentes na descrição do objeto forem justificáveis à luz da necessidade, haverá legalidade. Do contrário, haverá ilegalidade.

Ora, se para atender à sua necessidade for necessário contar com determinada especificação ou característica técnica, caberá à Administração incluí-la na descrição, sem se importar se isso poderá ou não restringir a disputa. Não há proibição na ordem jurídica para restringir a disputa, o que a ordem proíbe é que a disputa seja restringida sem motivo justificável (inc. I do § 1º do art. 3º da Lei nº 8.666/93). Aliás, a finalidade do planejamento é justamente res-tringir a disputa, de modo a permitir que só participe quem tenha condições pessoais e possa cumprir integralmente o encargo.

19. 19. o objeto e a questão da localização do fornecedor

Alguns objetos específicos exigem que o licitante esteja locali-zado próximo a determinado local. Assim, a localização do prestador ou da disponibilidade do objeto que ele vai fornecer ou prestar é con-dição necessária para que o contrato possa ser executado. Essa é, no entanto, uma situação excepcional, porque a regra é a localização do prestador ser irrelevante para o cumprimento da obrigação.

No entanto, se o objeto a ser fornecido é combustível para abas-tecer veículos, por exemplo, e a Administração usará diretamente a bomba do fornecedor, a localização do posto no qual o veículo vai abastecer é condição importante. O posto deverá estar localizado no raio de distância em que os veículos ficam alocados, sob pena de se atentar contra a economicidade da contratação. Nesse caso, será

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necessário impor uma condição restritiva: impedir que os interessa-dos (postos) situados fora do raio de distância determinado possam vir a ser contratados. A restrição que será imposta no edital se justifica em razão da economicidade, que é um valor constitucional (art. 70 da CF). Importante observar que o fundamento para a restrição não é uma questão técnica, mas financeira. O fundamento legal que dá suporte à fixação da restrição mencionada é a parte final do item I do § 1º do art. 3º da Lei nº 8.666/93.

Com efeito, o que a ordem jurídica veda é a existência de dis-criminações inaceitáveis ou que não sirvam para viabilizar a melhor solução técnica ou a melhor relação benefício-custo. É claro que o combustível adquirido de um posto localizado fora do raio definido, sob o ponto de vista técnico, atenderia à necessidade da Adminis-tração. Portanto, a questão nada tem a ver com eventual impossibi-lidade técnica. A restrição à participação de postos situados fora do raio de distância é determinada por razões de pura economicidade, e não por questões técnicas. Por isso, quando avaliamos a legalidade das exigências de um edital, é preciso ter em mente a relação bene-fício-custo como um todo, pois não se pode justificar o benefício a qualquer custo (preço). Além do exemplo do combustível, é possível incluir na relação outros tipos de situações, como a contratação de hotel e de restaurante, por exemplo.

20. 20. a configuração da solução (objeto) e a questão estratégica para eVitar a dependência técnica da administração

A definição da solução e a configuração do objeto representam decisões muito importantes em termos estratégicos para a Administra-ção, principalmente em relação a determinadas situações. Uma delas diz respeito às soluções que envolvem o setor de tecnologia da infor-mação, cuja importância estratégica é indiscutível, visto que todas as atividades funcionais e operacionais dela dependem.

No momento de estruturar o objeto da contratação, é indispen-sável que a Administração planeje tudo com muito cuidado e cau-tela. A preocupação essencial é reduzir ou eliminar a possibilidade

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de criar dependência técnica capaz de fragilizar a Administração e torná-la a parte fraca da relação. Isso ocorrerá quando a Administra-ção passar à condição de dependente técnica do contratado, o que não deve acontecer. Dividir o objeto até quando for possível tecni-camente, de modo a ter mais de um prestador, é uma possibilidade. Essa é apenas uma das providências, mas existem diversas outras que devem ser adotadas no momento de planejar a contratação e definir o encargo. Para tanto, deve ser estruturado um plano de contingen-ciamento e de gestão de riscos. Esse plano também é instrumento que deve ser preparado por ocasião do planejamento, tal como o termo de referência, o projeto básico, a planilha de quantitativo e preços, o Acordo de Níveis de Serviço (ANS), etc.

É claro que a fragilidade da dependência técnica não se resolve apenas em razão da existência de vários prestadores, pois uma coisa pode, em dadas situações, não ter nada a ver com a outra.

21. 21. a questão da solução integrada com Vários prestadores atuando simultaneamente – o problema da indiVidualização das responsabilidades

Da mesma forma que a Administração deve reduzir ou elimi-nar a possibilidade de dependência técnica, também tem de prever e estruturar como individualizar as responsabilidades quando a exe-cução envolve a participação de mais de um prestador e a solução final é integrada e depende da atuação de todos os contratados. Essa situação é comum na área da tecnologia da informação (TI).

A individualização das responsabilidades é importante para apurar os responsáveis e evitar que um prestador transfira para o outro a responsabilidade do problema. É preciso saber até onde é possível individualizar a responsabilidade técnica. Quando não for possível individualizar a responsabilidade e a solução integral for constituída por soluções técnicas menores e que se articulam numa perspectiva unitária, ou seja, formam um verdadeiro sistema, será preciso avaliar as alternativas para eliminar o problema.

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Na hipótese acima descrita, a alternativa será manter o objeto uno, ainda que integrado por diversas soluções individuais. Nesse caso, haverá necessária redução da disputa, sendo possível, inclu-sive, que nenhuma empresa atenda à solução integralmente. Assim, será necessário permitir a formação de consórcio, o que resolverá o problema da responsabilidade, que passará a ser solidária entre todas as empresas consorciadas.

22. 22. a definição da solução e a descrição do objeto feitas pelo próprio pessoal interno

Em matéria de contratação pública, não será nenhuma novi-dade afirmar que o planejamento da contratação deve ser realizado pelo próprio pessoal que integra a Administração, conforme já pon-deramos. Essa é a regra a ser observada. Como a definição da solu-ção e a descrição do objeto são atividades típicas do planejamento, devem ser feitas, em princípio, pelos próprios agentes públicos. Essa deve ser a praxe, até por questão de economicidade. Ora, não faz sentido ter servidores pagos pelos cofres públicos e aptos a realizar a atividade para a qual foram contratados e terceirizar a sua execução. Obviamente seria ilegal. No entanto, a contratação de terceiros pode ocorrer licitamente em duas situações básicas: a) quando a Adminis-tração não dispõe de agentes com condições técnicas ou legais e b) quando, mesmo possuindo pessoal qualificado, a demanda de ativi-dade for muito grande. Nos dois casos, é preciso justificar a contrata-ção de terceiros para realizar o trabalho.

23. 23. como contratar terceiros para definir a solução ou descreVer o objeto?

A contratação de terceiros para definir a solução ou descrever o objeto deve ser realizada em estrita observância à ordem jurídica. Assim, é possível que a contratação se faça por meio de licitação ou mesmo de dispensa ou inexigência. Em regra, a contratação deverá ser feita mediante seleção realizada por intermédio de licitação. No entanto, se o valor estimado da contratação estiver compreendido nas

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faixas previstas nos incs. I e II do art. 24 da Lei nº 8.666/93, será pos-sível a dispensa da licitação. Por outro lado, se o objeto for de natu-reza singular e para a sua execução se reputar necessário uma pessoa notoriamente especializada ou se entender, por outra razão, que a competição é inviável, a ordem jurídica possibilita que a contratação se faça por inexigência (inc. II do art. 25 da Lei nº 8.666/93). Esse é o panorama básico no qual o tema se insere. Existem outras hipóteses de dispensa que podem ser avaliadas.

Além da questão da definição do procedimento (licitação, dis-pensa ou inexigência), o assunto envolve outros aspectos. Adotada a licitação, será preciso escolher uma das modalidades previstas no art. 22 da Lei nº 8.666/93 ou mesmo o pregão, previsto na Lei nº 10.520/02, se for possível classificar o serviço como comum.25

A escolha das modalidades de licitação de acordo com a Lei nº 8.666/93 é feita por dois critérios básicos: a) valor estimado da contratação ou b) em razão da natureza do objeto ou obrigação a ser cumprida. No caso de seleção de um parceiro para executar serviços técnicos profissionais especializados, por exemplo, o mais comum é a modalidade de licitação ser determinada em razão do valor esti-mado da contratação. O pregão tem sido adotado para contratar esse tipo de serviço, o que entendemos inadequado pelos inúmeros argu-mentos expostos no capítulo relativo à escolha das modalidades.

Reunidos os pressupostos da licitação, notadamente a escolha do terceiro por meio de critério objetivo de julgamento, a contrata-ção de serviços técnicos profissionais especializados (serviço inte-lectual) deverá ser realizada pelo tipo de licitação técnica e preço, e não menor preço, conforme determina o próprio art. 46 da Lei nº 8.666/93. Mas, para falar em licitação, é indispensável que a com-petição seja viável, e essa viabilidade de competição não se confunde com possibilidade real de disputa, conforme será explicado no capí-tulo relativo à escolha do procedimento da fase externa e anotado no

25 A adoção do pregão para contratar serviços de natureza intelectual é, para nós, abso-lutamente excepcional.

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capítulo pertinente à contratação de serviços técnicos profissionais especializados.26

Seja qual for o procedimento adotado ou a modalidade esco-lhida, caberá à Administração definir com precisão e clareza o encargo que o contratado deverá executar. É indispensável que todas as obrigações a serem cumpridas sejam fixadas pela Administração, pois é com base nelas que o particular definirá a sua remuneração. Por exemplo, se o objeto diz respeito a obras e serviços de engenha-ria, será preciso definir que caberá ao particular elaborar o projeto básico, o executivo, a planilha de quantitativos e preços unitários, fixar o cronograma de execução, estabelecer as parcelas de maior relevância técnica e valor significativo, etc. Além de preparar todas essas peças, será preciso que a Administração defina um conjunto de outras obrigações, tais como prazo da execução dos trabalhos e necessidade de o prestador assessorar a Administração durante a licitação.

24. 24. a questão do impedimento para o terceiro que define a solução

Quem for contratado para definir a solução ou descrever o objeto estará impedido de disputar a licitação para a sua execu-ção. Tal impedimento decorre da vedação prevista no art. 9º da Lei nº 8.666/93. A ideia que norteia a proibição legal decorrente do refe-rido art. 9º é a da isenção que se deve assegurar à fase competitiva do processo, isto é, a licitação. Quem define a solução ou descreve o objeto tem a possibilidade de impor, de forma proposital, determi-nadas restrições ou mesmo estabelecer um direcionamento capaz de beneficiá-lo. Por outro lado, o legislador não ignorou o fato de que o benefício pode ser obtido diretamente ou indiretamente. É direto

26 Por outro lado, mesmo em face do que dispõe o § 1º do art. 13 da Lei nº 8.666/93, entendemos ser inadequada a utilização do concurso para realizar a contratação do tipo de serviços técnicos profissionais especializados do qual estamos falando. A pro-pósito, o concurso deve ser reservado para um tipo específico de seleção de trabalho técnico, científico e artístico, não cabendo a sua generalização. Ademais, o concurso não é, em verdade, modalidade de licitação, mas de inexigibilidade.

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quando a própria pessoa que define a solução ou descreve o objeto obtém as vantagens decorrentes da execução. É indireto quando a vantagem de quem definiu a solução ou descreveu o objeto é obtida por intermédio de um terceiro. No caso do benefício indireto, o bene-ficiário não participa diretamente da relação jurídica contratual. A proibição do art. 9º veda que não só quem define a solução e des-creve o objeto possa participar, como também que as pessoas que tenham relações e vínculos com ele possam se beneficiar do con-trato. A Lei nomina diversas pessoas (esposa, filhos, sócios), mas o rol não se limita aos indicados.

O art. 9º possibilita que o responsável pela definição da solu-ção ou descrição do objeto possa atuar como consultor ou técnico, nas funções de fiscalização, supervisão ou gerenciamento a serviço da Administração.

Evidentemente, a proibição não atinge apenas aqueles que defi-nem a solução ou descrevem o objeto, ou seja, o autor do projeto, mas também os que definem as demais condições e obrigações que integram o encargo. Resumidamente, quem atua no planejamento da contratação – na fase interna do processo – fica impedido de parti-cipar da fase externa (licitação, dispensa ou inexigência), podendo apenas atuar na fase contratual a serviço da Administração. Cumpre registrar que o fato de um fornecedor ter apresentado orçamento em razão da solicitação que normalmente é feita pela própria Adminis-tração não o impede de participar da licitação, pois se fosse possível seria fácil restringir a disputa propositadamente. O impedimento pre-visto no art. 9º da Lei nº 8.666/93 tem outro conteúdo e propósito.

25. 25. soluções ou objetos distintos deVem ser contratados separadamente

Quando, para satisfazer a necessidade, for indispensável obter objetos que, pela sua natureza ou configuração, forem distintos, será necessário separá-los para fins de contratação. A separação é deter-minada pela ordem jurídica como medida de ampliação da disputa, e não por outra razão. Se os objetos são distintos, o mais provável é que os fornecedores ou prestadores também sejam, isto é, o normal é

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que eles possam dispor de um deles, mas não de todos. Essa potencial restrição fez com que o legislador determinasse a contratação estru-turada em itens ou lotes, de modo a permitir que cada interessado dispute o certame ofertando o objeto que possui. A adoção de vários itens ou lotes é calibrada por critérios técnicos. Quando não for possí-vel a separação por razões técnicas, ela não deve ser adotada. Vigora a orientação prevista no § 1º do art. 23 da Lei nº 8.666/93: “as obras, serviços e compras efetuadas pela Administração serão divididas em tantas parcelas quantas se comprovarem técnica e economicamente viáveis, procedendo-se à licitação com vistas ao melhor aproveita-mento dos recursos disponíveis no mercado e à ampliação da compe-titividade, sem perda da economia de escala”. Com efeito, não sendo possível a divisão ou a separação dos bens ou serviços por razão de ordem técnica e havendo restrição em razão disso, deverá ser facultado o consórcio ou mesmo a subcontratação, cabendo, nesse último caso, indicar o objeto ou serviço ou a parcela que poderá ser subcontratada. Esses mecanismos (consórcio e subcontratação) pos-sibilitarão a necessária ampliação da competição no caso indicado.

26. 26. atiVidades incompatíVeis não deVem ser incluídas no mesmo item ou na mesma descrição do objeto

Pela mesma razão que é necessário separar objetos de natureza distinta, também não se pode incluir na descrição do objeto uma ati-vidade ou característica que seja incompatível com a solução definida ou que não se justifique em razão do resultado que se espera obter com o objeto. Especificações, características e atividades distintas das que configuram normalmente o objeto devem ser licitadas ou contratadas separadamente, a fim de evitar restrição ilegal. Basicamente, a solução a ser adotada aqui é a mesma indicada no tópico anterior.

27. 27. o objeto/encargo deVe ser integral e completo

Condição indispensável para a Administração realizar as demais etapas do planejamento é o objeto/encargo ser definido de forma integral e completa. Não é possível realizar a pesquisa de preços sem

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antes ter definido integralmente a solução que se deseja contratar. Dizer que a descrição deve ser completa não significa que ela deva ser tão minuciosa que restrinja a disputa ou conduza para uma única marca ou produto. Ela deve ser completa porque deve ser suficiente e adequada para, por um lado, satisfazer a necessidade da Adminis-tração e, por outro, permitir que o mercado saiba de forma sucinta e clara qual o efetivo encargo/objeto pretendido. Se o objeto/encargo não é descrito de forma completa por ocasião do planejamento, é muito provável que haja um problema a ser administrado por ocasião da execução do contrato e que ensejará a necessidade de realização de alteração do seu objeto, seja ela qualitativa ou quantitativa.

28. 28. todas as Vantagens oferecidas pelo mercado e releVantes para a satisfação da necessidade deVem ser contempladas na descrição do objeto/encargo

Tanto a definição da solução mais adequada para atender à necessidade da Administração quanto a descrição do objeto/encargo capaz de viabilizar tal solução devem ser realizadas de modo a con-templar as vantagens que o mercado oferece ou pode oferecer. No caso da contratação pública, na qual o critério predominante de escolha é o menor preço, esse cuidado deve ser redobrado. Em razão de o critério de escolha ser o menor preço, é preciso perceber que todo o benefício esperado pela Administração deve ser exigido e estar contemplado na descrição do objeto ou assegurado nas demais obri-gações que integram o encargo. Por outro lado, em matéria de con-tratação não se pode nunca perder de vista a melhor relação bene-fício-custo. As vantagens que as empresas e os profissionais podem oferecer devem ser exigidas pela Administração, pois, em razão do menor preço que norteia o critério de escolha, eles não vão espon-taneamente ofertar nada além do que for exigido. Dessa forma, o planejamento da contratação, entre outras coisas, pressupõe o pro-fundo conhecimento do mercado, das características, peculiaridades, vantagens e da capacidade de negociar, inclusive. Conhecer e domi-nar as vantagens do mercado são desafios que devem ser assumidos pelos modernos gestores da contratação pública.

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29. 29. é Vedado fazer opção por solução tecnologicamente defasada

Antes de descrever o objeto, é preciso definir a solução. A defi-nição da solução precede a descrição do objeto e a fixação de todas as demais obrigações que integram o encargo. É certo que o avanço tecnológico produz a superação de determinados objetos e de certas soluções. O que hoje é moderno amanhã estará superado. Em razão disso, a escolha da solução deve ter vida útil razoável. O fundamen-tal na escolha da solução suscetível à superação tecnológica é avaliar o tempo estimado da sua utilidade e o custo de migração para uma possível solução futura. Não se trata de prever o futuro, mas de pro-jetá-lo. O fato de uma solução futura ainda não ter sido viabilizada ou não estar disponível não significa a impossibilidade de projetá-la e reconhecer que ela acontecerá. Existem várias formas de chegar a essa conclusão. Esse é outro desafio que caberá ao gestor superar. O que não se pode é fazer opção por solução tecnológica já superada ou em vias de ser superada. Se isso ocorrer, detectado o equívoco, caberá a revogação do ato durante o planejamento ou na fase externa da contratação. Se o contrato já estiver celebrado, a eventual resci-são dependerá de análise adequada. A questão envolve fundamental-mente a melhor relação benefício-custo, de nada vale pagar pouco por uma solução se ela não tiver durabilidade ou possibilidade de se adaptar em razão do avanço tecnológico que envolve outras soluções que com ela interagem para produzir determinado resultado. Tudo isso deve ser avaliado no planejamento. Aliás, planejar é, entre outras coisas, realizar essa avaliação.

30. 30. a solução ou o objeto da contratação não pode ser a obtenção de recursos financeiros

O § 3º do art. 7º da Lei nº 8.666/93 diz que “é vedado incluir no objeto da licitação a obtenção de recursos financeiros para sua exe-cução, qualquer que seja a sua origem, exceto nos casos de empre-endimentos executados e explorados sob o regime de concessão, nos termos da legislação específica”. O objeto da contratação deve ser, então, obra, serviço, compra, locação, alienação, permissão ou

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concessão, mas jamais poderá ser a obtenção de recursos financeiros, pois isso representaria a utilização do processo de contratação para fim diverso daquele para o qual foi idealizado. Para que a Administra-ção possa licitar o que deseja para atender à sua necessidade, é pre-ciso recurso financeiro assegurado no seu orçamento, seja ele decor-rente de sua atividade fiscal ou proveniente de outra fonte legal. O que está vedado é a Administração utilizar o processo de contratação pública para realizar captação financeira ou algo que o valha, salvo nos casos de concessão, conforme a própria regra indica. A captação financeira, se autorizada, deve ser feita por outros meios que a pró-pria ordem jurídica prevê, mas nunca por meio do processo de con-tratação. Fundamentalmente, a vedação tem a finalidade de inviabi-lizar a assunção de dívida, o que comprometeria o controle fiscal e propiciaria o aumento do endividamento público. A vedação do § 3º do art. 7º da Lei nº 8.666/93 é uma norma de Direito Financeiro e que se enquadra na ideia geral de responsabilidade fiscal.

31. 31. a solução/o objeto deVe resolVer o problema da administração, e não serVir de meio para resolVer diretamente problemas de terceiros (benefícios pagos aos empregados do terceirizado, etc.)

A solução definida ou o objeto descrito deve resolver direta-mente uma necessidade própria da Administração ou da sociedade como um todo, vedada a utilização do processo de contratação para beneficiar pessoas vinculadas à futura contratada, mesmo sob a ban-deira da ação social. Não se pode incluir no encargo a exigência de que a futura contratada deverá pagar valor superior ao definido na convenção ou no acordo a título de vale-alimentação, vale-creche ou qualquer outro benefício. Primeiro, porque isso onera o contrato e beneficia uma categoria específica de pessoas (a que executa o con-trato). Segundo, porque o processo de contratação não é o meio ade-quado para fazer ação social para um grupo específico de pessoas. Isso configura desvio de finalidade e impõe a responsabilidade do agente público. Essa é uma conduta típica de quem gosta de acenar com chapéu alheio.

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32. 32. definido o objeto, é preciso indicar as parcelas de maior releVância técnica?

A exigência de capacidade técnica, principalmente nas obras e nos serviços de engenharia, deve ser feita em relação às parcelas de maior relevância técnica e valor significativo. Após descrever o objeto, é preciso definir a parcela de maior relevância técnica, pois é em relação a ela que caberá ao licitante comprovar a sua apti-dão técnica, e à Administração conduzir a sua análise. Com efeito, quem define o objeto tem também a obrigação de destacar a parcela de maior relevância técnica. Nas contratações de obras e serviços de engenharia, caberá ao responsável pela elaboração do projeto básico/executivo proceder à indicação da parcela de maior relevân-cia técnica e valor significativo.

A não indicação da parcela de maior relevância técnica no edital, conforme o § 2º do art. 30º da Lei nº 8.666/93, conduzirá a licitação em direção à nulidade, salvo situações específicas. O dever de declarar a nulidade decorrerá da ausência de critério objetivo para apurar a capacidade técnica dos licitantes e a imposição da neces-sária restrição ao caráter competitivo, pois, sem a parcela definida, a capacidade técnica terá de ser demonstrada relativamente ao todo do objeto, o que é, em princípio, vedado pela ordem jurídica. Deve-se exigir a comprovação de aptidão técnica apenas em relação ao que é mais relevante, e não em face de todos os aspectos. Portanto, não pode a Administração, nas obras e nos serviços, deixar de indicar a parcela de maior relevância técnica e valor significativo, sob pena de ser declarada nula a licitação. Tal omissão poderá ensejar a responsa-bilização do agente que deixou de fixar tal condição no edital.

Cabe dizer, também, que a parcela de maior relevância técnica não pode ser objeto de subcontratação.

33. 33. a definição do objeto integra o termo de referência?

Essa questão foi tratada no capítulo relativo ao termo de refe-rência, para o qual se remete o leitor. É oportuno reiterar que enten-demos que, em regra, a definição da solução e a descrição do objeto

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não devem integrar o termo de referência, pois este deve se restringir a identificar e a definir com precisão a necessidade, e não a solução. Assim, o termo de referência é o documento que formaliza a neces-sidade (o problema a ser resolvido), e não a solução para o problema. A solução para o problema deve ser definida no projeto básico/exe-cutivo ou mesmo em outro instrumento que até pode ser denominado de “termo de descrição da solução e do objeto”. Não se deve confun-dir necessidade com solução/objeto. Essas duas providências devem ser segregadas, o que significa que, em regra, devem ser realizadas por agentes ou setores distintos na estrutura da Administração. Essa não é uma sugestão com a finalidade de burocratizar o planejamento, mas de conferir a ele maior precisão e assertividade. No entanto, nas situações de contratação que se realizam de forma frequente ou naquelas de solução padronizada, não há nenhum problema no fato de o termo de referência indicar a solução (o objeto) a ser contra-tada. Mas o que não se deve é generalizar essa possibilidade para os demais casos de obras, serviços e compras que não são padroniza-dos. Esse é um detalhe muito importante para o processo, e a sua não observância é a fonte da qual nasce parte dos grandes problemas. A propósito, problemas que só serão percebidos na fase contratual.

34. 34. o que é o projeto básico/executiVo para fins de contratação?

Projeto básico/executivo é o documento que materializa a solução (o objeto) a ser contratada. Se o termo de referência ou a requisição responde à pergunta: qual o problema?, o projeto básico responde a outra pergunta: qual a solução?. O termo de referên-cia ou a requisição indica a necessidade (o problema), e o projeto básico/executivo, a solução para o problema. Uma coisa decorre da outra, isto é, tem nela o seu fundamento de validade.

Portanto, é com base no termo de referência ou na requisição que se elabora o projeto básico. Nos casos de obras e serviços de engenharia, é comum que, após a formalização do termo de referên-cia e antes de elaborar o projeto básico/executivo, sejam preparados outros instrumentos que ajudarão a viabilizar o projeto básico, tais

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como estudos preliminares, avaliações, levantamentos e sondagens. A finalidade do projeto básico/executivo é descrever, de forma pre-cisa e exata, a solução integral capaz de atender à necessidade mate-rializada pela Administração no termo de referência/requisição. Com efeito, o projeto básico/executivo é uma realidade técnica que tem relação direta e indissociável com a solução/objeto. Falar em projeto básico é o mesmo que falar em solução/objeto.

35. 35. o que é o projeto executiVo para fins de contratação?

Existem três realidades que precisam ser distinguidas: a) o pro-jeto básico; b) o projeto executivo; e c) a metodologia de execução. A forma mais simples de distingui-las é por meio da compreensão da finalidade a que cada uma delas atende. Essas realidades, portanto, respondem a perguntas específicas. O projeto básico responde à per-gunta “o que será executado?”; o projeto executivo à pergunta “com o que será executado?”; e a metodologia de execução, por sua vez, à pergunta “como será executado?”.

É importante, no entanto, ter bastante clareza em relação à distinção entre o projeto executivo e a metodologia de execução. Essas duas realidades, apesar de distintas, são normalmente confundi-das. Quando dissemos que o projeto executivo responde à pergunta: “com o que será executado?”, estamos nos referindo aos insumos, materiais, equipamentos e bens que serão empregados para fazer o que deve ser feito. Já a metodologia refere-se à técnica (método cons-trutivo) que será empregada para executar (fazer) o que deve ser feito e assim obter o resultado projetado.

As três realidades são indissociáveis e se relacionam com o objeto.

Cabe advertir que, ao definir o projeto básico no inc. IX do art. 6º da Lei nº 8.666/93, o legislador optou por um conceito legal amplo, de modo a abarcar na definição legal não só o que se enten-dia, tradicionalmente, como sendo projeto básico, mas também o que se definia como projeto executivo e metodologia de execução. Assim, a definição legal de projeto básico na Lei nº 8.666/93 abrange

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também o projeto executivo e a metodologia de execução. Portanto, a definição que consta no inc. IX do art. 6º da Lei nº 8.666/93 res-ponde às três perguntas indicadas. Por outro lado, é fácil perceber que a definição de projeto executivo que consta no inc. X do referido art. 6º cumpre mais a função de impor uma condição técnica, qual seja, a de que os materiais, os produtos e as especificações observem os padrões definidos pela ABNT. Aliás, nem seria necessário o inc. X, pois o que nele consta poderia ter sido incluído, por exemplo, na alí-nea “c” do inc. IX do próprio art. 6º da Lei nº 8.666/93.

36. 36. quando o projeto básico é necessário e quando não? é certo determinar que todos os serViços tenham projeto básico?

A obrigatoriedade de elaborar projeto básico, tal como previsto no inc. IX do art. 6º da Lei nº 8.666/93, existe apenas para deter-minados objetos, não para todos. O que fundamentalmente impõe a necessidade de elaborar um projeto básico é o fato de a solução (o objeto) ser muito detalhada, normalmente complexa, e integrada por um conjunto amplo de informações de conteúdo técnico. Se o objeto pode ser descrito completamente de forma simples, direta e objetiva, não há nenhuma necessidade de se falar em projeto básico. As obras e os serviços de engenharia exigem projeto básico/execu-tivo porque, para serem definidos, dependem de um “conjunto de elementos necessários e suficientes, com nível de precisão, para caracterizá-los”. Quanto aos demais serviços, a necessidade de pro-jeto básico não pode ser imposta genericamente apenas porque o inc. I do § 2º do art. 7º da Lei nº 8.666/93 diz que obras e serviços somente poderão ser licitados quando houver projeto básico. Não é dessa forma que se interpreta um enunciado normativo. Portanto, não é qualquer serviço que justifica a obrigatoriedade de projeto básico/executivo, mas apenas aqueles que, para sua definição e des-crição, exijam detalhamento técnico minucioso como condição para a adequada configuração.

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37. 37. a indicação das especificações dos insumos e materiais que irão compor a planilha descritiVa do objeto

Para estimar o preço que será gasto com determinadas soluções (objetos), é indispensável a indicação de todas as especificações que compõem os insumos e materiais que definem o objeto. Sem isso, não é possível estimar o preço a ser pago, daí se falar em planilha de composição de insumos e preços unitários. Quem define o objeto nesses casos deve ter, entre as suas atribuições, a obrigação de deta-lhar todos os insumos e materiais que serão utilizados na execução do objeto. A realização desse detalhamento é comum nas obras e nos serviços de engenharia nos quais são empregados muitos insu-mos. Sem esse detalhamento, não será possível, nesse tipo de objeto, cumprir a próxima etapa do planejamento: a definição do preço a ser pago. Por outro lado, para os objetos cuja apuração do preço não se expressa na composição de insumos e materiais diversos, não é necessário realizar tal detalhamento.

38. 38. os mecanismos legais que reduzem a restrição à disputa (os consórcios, a diVisão do objeto em lotes e itens e a subcontratação)

Uma das ideias centrais que norteia o processo de contratação pública é a de competitividade, ou seja, a de que a disputa deve ser efetiva e a mais ampla possível. É preciso eliminar todas as possi-bilidades de restrição que não se justifiquem sob o ponto de vista técnico ou, em alguns casos, até econômico. A configuração da solu-ção (do objeto) é, sem dúvida, a que potencialmente mais enseja restrição, seja em razão da sua especificação de natureza técnica ou mesmo em função do seu tamanho ou volume. A restrição pode ter tanto natureza quantitativa quanto qualitativa.

Diante disso, a ordem jurídica previu mecanismos cuja finali-dade é possibilitar a redução da restrição à disputa: a obrigatorie-dade de divisão do objeto em partes, o consórcio e a subcontrata-ção. As três soluções estão à disposição da Administração e devem ser adotadas para reduzir a restrição sempre que a competitividade

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estiver ameaçada. Não se trata, portanto, de simples faculdade a ser exercida ao bel prazer da Administração, mas de um dever a ser cumprido sempre que houver potencialidade de restrição em razão do objeto da disputa.

A obrigatoriedade de dividir o objeto em partes menores deve ser atendida sempre que não se configurar prejuízo de ordem técnica ou representar perda na economia de escala, ou seja, sempre que a divisão não comprometer a melhor solução técnica ou represen-tar prejuízo à economicidade. Não configurado prejuízo concreto ou efetiva potencialidade, caberá à Administração proceder à divisão do objeto em partes, como medida capaz de possibilitar a ampliação da disputa.

No entanto, caso a Administração entenda que a divisão do objeto em partes (itens ou lotes) não é possível, restam duas alterna-tivas que deverão ser avaliadas. A primeira delas é permitir o con-sórcio, ou seja, a reunião entre duas ou mais pessoas para disputar o contrato. A ideia do consórcio administrativo é justamente possibilitar a ampliação da disputa e a redução da restrição competitiva em razão da configuração do objeto/encargo.

Caso a Administração, na sua análise, entenda que o que res-tringe a disputa é apenas uma parte específica do objeto, não será necessário permitir o consórcio, mas apenas autorizar a subcontrata-ção da parte de natureza específica, que nada mais é do que permitir que o futuro contratado repasse a um terceiro uma parte específica do objeto, ou seja, justamente a parte que restringe a disputa. Autorizar pessoas consorciadas ou o futuro contratado a subcontratar não é uma decisão arbitrária do agente, mas discricionária.27 E a discricio-nariedade é configurada pelo objeto e decorre, entre outras razões, da impossibilidade de dividir naturalmente o objeto da disputa.

27 O exercício da discricionariedade é calibrado por uma condição objetiva, e não subjetiva (isto é, ela não depende da vontade e do simples querer do agente).

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39. 39. todos os serViços e todas as atiVidades que integram o objeto deVem ser quantificados?

A regra a ser observada é a de que todos os serviços e todas as atividades que integram o objeto devem ser quantificados, salvo se não for possível. Tal obrigatoriedade decorre do fato de que, sem a quantificação precisa do objeto, não é possível definir preço global para o encargo a ser executado. Se a ideia é exigir preço global para o encargo definido, será necessário quantificar todos os insumos, os materiais, as atividades e os serviços, nos exatos termos do art. 47 da Lei nº 8.666/93. Por outro lado, não sendo possível indicar a quanti-dade exata do objeto, poderá a Administração fixar uma quantidade estimada, estabelecida de acordo com parâmetros objetivos, e adotar o regime de empreitada por preço unitário.

40. 40. a definição do local de execução ou da entrega do objeto ou encargo

A definição do encargo compreende um conjunto de obrigações, e a descrição do objeto é apenas uma delas. A par da definição do objeto, existem várias outras obrigações, como a que exige a definição do local de execução ou entrega do objeto (obra, serviço ou compra).

A definição do local de execução do objeto tem considerá-vel importância no planejamento da contratação e na definição do encargo a ser assumido. Em razão do local e suas características pode haver a exigência de vistoria técnica, a fim de possibilitar que o lici-tante melhor dimensione as condições de execução. Também a defi-nição do local de entrega do objeto, tal como numa compra, possibi-litará que os licitantes considerem, na formação do seu preço, o custo relativo ao transporte do bem.

Se não for definido no edital o local de entrega do objeto lici-tado, a presunção é a de que ele deverá ser entregue na sede do órgão ou da entidade que licita. Se a Administração deseja que o objeto ou o serviço seja executado em local distinto do da sua sede, deverá indicá-lo no edital, de forma inequívoca, sob pena de recebê-lo na própria sede ou de arcar com o ônus do transporte ao local desejado.

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Para que o futuro contratado seja obrigado a entregar em outro local distinto do da sede, é preciso que tal condição integre o encargo, de forma clara e objetiva.

41. 41. a definição do prazo de execução ou da entrega do objeto ou encargo

A definição do prazo de execução é uma das obrigações que integram o encargo a ser assumido pelo futuro contratado, como exe-cutar ou entregar o objeto em determinado local. Definir o prazo de execução é determinar o tempo no qual se deseja que a solução (o objeto) seja concluída e entregue para a Administração, ou seja, é definir quando a necessidade deverá estar plenamente satisfeita. Por-tanto, a fixação do prazo de execução tem relação direta com o pleno atendimento da necessidade da Administração. Por outro lado, a defi-nição do prazo de execução ou de entrega tem importância funda-mental no planejamento da contratação pública, principalmente pelo fato de que pode alterar a relação benefício-custo; quanto menor for o prazo de execução e mais complexo ou amplo o objeto/encargo a ser executado, maior será a necessidade de alocar recursos humanos, materiais, instrumentais e tecnológicos, consequentemente, maior será o preço a ser cobrado.

Nesse sentido, falar em prazo de execução implica dimensionar o cronograma físico de execução do objeto. Há relação direta entre o preço a ser cobrado e o tempo a ser utilizado para a execução. A fixa-ção do cronograma de execução física do objeto deve ser feita com cautela e de modo a compatibilizar a necessidade da Administração e a quantidade de recursos a ser alocada, bem como outros fatores. É ile-gal utilizar o prazo de execução (cronograma físico) para afastar com-petidores ou elevar os seus preços e, com isso, facilitar que determina-dos licitantes vençam a disputa. Um licitante que saiba anteriormente à apresentação da sua proposta que, na fase de execução do contrato, poderá prorrogar o seu prazo de execução, terá uma facilidade em relação à fixação do seu preço. Essa informação será determinante para que ele vença a disputa. Por essa razão, a prorrogação do prazo de execução deve ser criteriosa, e os órgãos de controles interno e externo devem avaliar com cuidado redobrado os aditivos contratuais que tem por objeto a prorrogação de prazo de conclusão ou entrega.

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A fixação de prazo de execução do objeto deve ser justificada à luz da necessidade da Administração. O licitante que entender que o prazo de execução não se compatibiliza com o normalmente defi-nido para contratos similares poderá impugnar o edital e exigir que a Administração demonstre, cabalmente, que o prazo (incomum) fixado é justificável. A fixação do prazo de execução, por exemplo, de uma obra ou de um serviço de engenharia deve ser definida, salvo determinação em contrário, por quem elaborou o projeto básico/exe-cutivo. Portanto, quem define o objeto deve, em princípio, também, fixar o prazo de execução ou o cronograma físico de execução. Mas essa regra admite exceção, obviamente. Quem define o prazo de exe-cução é responsável pela sua justificativa.

42. 42. a definição do prazo mínimo de garantia do objeto

O objeto traduz uma obra, um serviço ou uma compra. A garantia que envolve o objeto dependerá da sua natureza e do seu tipo ou espécie. Algumas garantias têm prazo mínimo definido por lei, e outras não. Muitas empresas que atuam no mercado apenas observam o prazo mínimo, outras o ampliam de modo a possibilitar um benefício maior para o consumidor. Nas licitações do tipo menor preço, o que cabe à Administração é apenas definir o prazo mínimo de garantia, seja ele o que a lei assegura ou que o mercado normal-mente pratica. No tipo menor preço, não tem a Administração como “premiar” o licitante que amplie o prazo mínimo de garantia definido no edital. Por tal razão, geralmente, o licitante se limita ao mínimo. No tipo técnica e preço, por exemplo, a Administração pode estimu-lar o licitante a aumentar o prazo mínimo de garantia e, mediante pontuação técnica, pode premiar o licitante que o amplia.

43. 43. a exigência de assistência técnica

Outra obrigação que a Administração pode incluir no encargo é a de que o futuro contratado, diretamente ou por intermédio do fabricante do bem, assegure a necessária assistência técnica se o bem apresentar defeitos ou problemas, pouco importando se o defeito é

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de fabricação ou não. Os defeitos de fabricação deverão ser assegu-rados durante o prazo da garantia e, normalmente, dizem respeito a determinados itens que o próprio fabricante indica. Para os demais problemas, isto é, quando encerrar a garantia ou os não abrangidos pela garantia, mesmo tendo a Administração de arcar com o valor do conserto, será necessário viabilizar assistência técnica em determi-nado local. Ainda que comum a existência de assistência técnica na própria localidade da sede da Administração, o ideal é avaliar antes a questão, pois isso pode frustrar a competição e tornar deserta a dis-puta, caso ela seja exigida na própria localidade e não houver assis-tência local. Há várias alternativas para contornar o problema.

44. 44. exigência de amostra

A imposição aos licitantes do dever de apresentar amostra do bem, produto ou material por ele proposto é uma obrigação que inte-gra o encargo. Tal exigência deve ser bem avaliada, e a sua imposição dependerá de algumas condições a serem apuradas por ocasião do planejamento. A finalidade da amostra é permitir que a Administração, no julgamento da proposta, possa se certificar de que o bem proposto pelo licitante atende a todas as condições e especificações técnicas indicadas na sua descrição, tal como constante no edital. Com a amos-tra, pretende-se reduzir riscos e possibilitar a quem julga a certeza de que o objeto proposto atenderá à necessidade da Administração.

A exigência de amostra justifica-se, principalmente, quando o objeto indicado pelo licitante não é conhecido por quem tem a função de julgar a proposta. Portanto, não faz sentido que a apre-sentação de amostra seja generalizada para todos os que partici-pam da disputa, independentemente do objeto proposto. Ora, se um licitante, em sua proposta, assume a obrigação de entregar um produto conhecido pela Administração, como, por exemplo, caneta da marca BIC, não é razoável exigir que ele apresente amostra pelo simples fato de que outros licitantes estão cotando marcas de cane-tas desconhecidas. O razoável, nesse caso, é pedir amostra apenas para os licitantes que cotaram produtos de marcas desconhecidas, pois são estas que precisam ser avaliadas, não a do licitante que apresentou a da marca BIC.

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Amostras de forma generalizada, ou seja, para todos os licitan-tes independentemente do tipo de produto cotado, são exigidas sob o argumento de que, se fosse apenas para uns licitantes, e não para todos, haveria violação do tratamento isonômico, pois uns teriam de cumprir a exigência e outros não. É lamentável que ainda não foi compreendido o conteúdo preciso de igualdade ou tratamento iso-nômico. A eventual exigência de que a amostra é uma condição que deve ser atendida por uns e não, necessariamente, por todos não viola a igualdade, desde que definida no edital. Assim, se a Administra-ção licita material de consumo e conhece uma grande quantidade de marcas, tal como a caneta BIC ou Pilot, pode consignar no edital que os licitantes que cotarem canetas das referidas marcas não precisarão apresentar amostras, e que os licitantes que cotarem outras marcas não relacionadas estarão obrigados a fornecer amostras para análise. Outra solução para evitar ou reduzir a necessidade de apresentação de amostras e de análise pela Administração é estruturar um processo prévio de homologação de produtos e suas marcas. Essa providência preliminar facilitaria muito as contratações da Administração.

45. 45. exigência de o futuro contratado ministrar treinamento do bem ou produto que será por ele fornecido

Outra condição que deve ser avaliada na fase de planejamento da contratação é impor ao futuro contratado a obrigação de, direta ou indiretamente, ministrar o devido e necessário treinamento para a uti-lização do equipamento, produto, ferramenta ou sistema fornecido. Será preciso avaliar se é o caso ou não de prever tal exigência, pois ela implica uma obrigação que integrará o encargo. Como tem um custo, deverá constar do edital. A Administração não poderá apenas prever a obrigação de forma genérica, mas deverá fixá-la de modo específico, indicando o número de pessoas a serem treinadas, o local, quantas turmas devem ser formadas, o horário dos treinamentos, a carga horária mínima, a necessidade de certificação dos alunos, a nota mínima para aprovação, etc. É evidente que todas essas ques-tões deverão ser levantadas e apuradas por ocasião do planejamento, principalmente quando for identificada a necessidade. A indicação da necessidade de treinamento deverá constar do próprio termo de

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referência, pois é ele que, como o próprio nome diz, referenciará o planejamento e, de forma específica, a definição do encargo.

46. 46. exigência de suporte técnico

Uma das avaliações que caberá ao agente responsável pelo pla-nejamento é a relativa à fixação da exigência de suporte técnico a ser prestado pelo futuro contratado. O objetivo é viabilizar o apoio técnico necessário para que futuros usuários que integram a Admi-nistração possam utilizar a solução (equipamento, sistema, máquina, software) fornecida pelo contratado. Em decorrência da utilização da solução, surgirão dúvidas e problemas que precisarão ser contorna-dos. É por conta disso que se faz necessário o devido suporte técnico, o qual deverá ser prestado diretamente pelo próprio fornecedor ou por terceiro, por ele credenciado ou indicado. Em determinados casos, é possível que o contratado seja mero fornecedor da solução de deter-minado fabricante e que o suporte técnico seja prestado por um ter-ceiro, muitas vezes credenciado diretamente pelo próprio fabricante. Assim, fornecedor e prestador do suporte técnico são, portanto, duas pessoas jurídicas distintas. Essa é uma realidade de mercado que a Administração não poderá ignorar no seu planejamento. Se a solução (o objeto) a ser contratada se insere nesse tipo de mercado, caberá à Administração, com a finalidade de evitar restrição indevida, pos-sibilitar a subcontratação ou mesmo o consórcio.28 Nesse caso, não se recomenda a divisão do objeto em dois lotes distintos, salvo em casos muito específicos. A melhor solução é permitir subcontratação ou consórcio, a fim de viabilizar adequada disciplina para a questão. Para atender à maior parte dos casos, bastará a Administração permi-tir a subcontratação, que é a solução jurídica idealizada justamente para resolver esse tipo de situação.

O suporte técnico constitui prestação de serviços, enquanto o fornecimento de equipamentos e máquinas, por exemplo, é com-pra, para fins legais. No entanto, a prestação de serviços é um con-trato acessório, pois existe em razão do contrato de fornecimento. O

28 A subcontratação é a decisão, em princípio, mais adequada e que se ajusta melhor a esse tipo de situação.

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suporte técnico é típico contrato de serviço continuado, cuja duração pode se estender por até 60 meses.

Há diferentes tipos de serviços de suporte a serem prestados, ou seja, o serviço pode ser prestado dentro da própria Administração ou externamente. O denominado serviço de help desk poderá ser pres-tado pessoalmente ou por outros meios (telefone, e-mail, etc.). Os referidos serviços de suporte técnico são muito comuns para deter-minados objetos, tais como informática, equipamentos em geral e utilização de tecnologias.

Caberá ao agente ou setor responsável avaliar se a solução exi-girá o devido suporte técnico. Caso se conclua pela exigência, será necessário avaliar qual o melhor modelo de suporte a ser exigido do futuro contratado. É importante não esquecer que cada modelo de suporte terá um custo diferenciado, que impactará no preço final da contratação.

47. 47. exigência de dispor de recursos materiais (máquinas, equipamentos e ferramentas)

Conforme o tipo de contratação, será preciso avaliar, por oca-sião do planejamento, a necessidade de exigir que o licitante dispo-nha de máquinas, equipamentos e ferramentas que serão indispensá-veis na execução do objeto. Essas exigências são muito comuns nas contratações de obras e serviços de engenharia, mas não se restrin-gem a elas. Em decorrência do planejamento da contratação, caberá à Administração relacionar as máquinas e os equipamentos necessá-rios. O licitante, por sua vez, deverá declarar que dispõe de todos os equipamentos indispensáveis à execução dos projetos básico e exe-cutivo. A indicação da relação de máquinas e equipamentos pode ser atribuída a quem elabora esses projetos. Essa indicação tem relação direta com o tipo de objeto a ser executado. Evidentemente, ela pode se limitar ao que é essencial ou mais expressivo, cabendo à Admi-nistração deixar claro que outros bens não relacionados e indispen-sáveis para a execução são de responsabilidade do licitante, consti-tuindo seu encargo.

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Não é preciso que o equipamento a ser utilizado seja de proprie-dade do próprio licitante. Assim, é ilegal a exigência de que os equi-pamentos, máquinas e ferramentas sejam de propriedade dele. Aliás, tal vedação consta no § 6º do art. 30 da Lei nº 8.666/93, nestes termos:

as exigências mínimas relativas a instalações de canteiros, máquinas, equipamentos e pessoal técnico especializado, considerados essenciais para o cumprimento do objeto da licitação, serão atendidas mediante a apresentação de relação explícita e da declaração formal da sua dispo-nibilidade, sob as penas cabíveis, vedada as exigências de propriedade e de localização prévia.

Os referidos recursos estão indicados no art. 30 da Lei nº 8.666/93, sob o rótulo das exigências de capacidade técnica.

48. 48. exigência de dispor de recursos humanos a serem utilizados

Da mesma forma que caberá à Administração exigir que os lici-tantes declarem dispor de máquinas, equipamentos e ferramentas necessários para a execução do contrato, também deverá apresentar relação de disponibilidade de pessoal ou de recursos humanos indis-pensáveis à adequada execução do objeto. É preciso perceber que, para a execução, uma obra ou um serviço carece de diversos tipos de recursos: a) recursos materiais (insumos); b) recursos instrumentais (veículos, equipamentos, máquinas, ferramentas); c) recursos tecno-lógicos; d) recursos humanos; e e) logística. Os recursos humanos compreendem o conjunto de profissionais que irão utilizar os demais recursos a fim de obter o resultado projetado (obra, serviço, etc.). A Administração deve exigir que o licitante disponha dos recursos necessários e indique-os, ainda que não exaustivamente. Por outro lado, caberá ao licitante declarar, por ocasião da licitação, que dis-põe dos exigidos recursos e que irá alocá-los na execução do objeto contratado, de modo a cumprir os prazos indicados no cronograma físico. Os referidos recursos, à semelhança dos materiais, também integram o art. 30 da Lei nº 8.666/93.

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49. 49. definição de recursos tecnológicos a serem empregados

Quando a solução definida e a ser contratada exige o emprego de recursos tecnológicos, eles deverão ser indicados pela Administra-ção, ainda que de forma genérica. O fundamental é deixar claro para os interessados que a utilização de recursos tecnológicos é uma obri-gação que integra o seu encargo e que deve ser estimada no preço a ser fixado na proposta. Se, em decorrência do planejamento da contratação, a Administração tiver total domínio dos recursos tecno-lógicos que devem ser empregados, caberá a ela indicá-los, de forma clara e precisa. No entanto, se ela conclui apenas que tais recursos serão necessários, mas não sabe quais serão eles,29 a melhor opção será apenas atribuir aos interessados a obrigação de utilizar todos os recursos necessários e disponíveis para que a solução/o objeto possa ser obtida com a qualidade esperada. Uma alternativa que pode ser adotada quando não se consegue precisar os recursos tecnológicos a serem empregados é fixar um padrão de qualidade para o resultado final, ou seja, para a solução (o objeto). Com isso, em vez de regular o meio a ser empregado (recurso tecnológico), a alternativa é proteger o resultado (solução/objeto). Essa técnica pode ser utilizada para outras situações, desde que devidamente prevista no edital.

50. 50. definição de condições especiais que demandem necessidade de adaptação

Existem situações em que já se sabe que a solução (o objeto) tal como está padronizada ou disponível no mercado não atenderá plenamente à necessidade da Administração, pois ela é revestida de certas condições especiais. Será necessário, então, deixar claro que o contratado deverá realizar as necessárias adaptações do objeto a ser entregue, de modo a satisfazer as reais necessidades da Adminis-tração. É evidente que não bastará apenas que a Administração exija que as devidas adaptações sejam realizadas, mas indicar quais são

29 Até porque, em determinadas situações, os recursos têm relação direta com a própria solução que será proposta.

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elas ou possibilitar que os interessados realizem a necessária visita técnica para avaliar a dimensão da adaptação e estimar custos, se for o caso. Cabe à Administração fornecer todas as informações neces-sárias para que os interessados possam avaliar o encargo que estão assumindo e, assim, estimar de forma integral o custo que ele repre-senta. É o que determina o teor do art. 47 da Lei nº 8.666/93. No caso referido, poderá haver até necessidade de elaboração de projeto básico descrevendo a adaptação necessária.

51. 51. definição de realização de Visita técnica

A previsão da realização de visita técnica é condição que inte-gra, sob o ponto de vista legal, as exigências relativas à habilitação. O que determina a previsão de realização da referida vistoria téc-nica é o tipo de objeto/encargo que será contratado e as condições que envolvem o local onde ele será executado. Não são todos os encargos que demandam a necessidade de que o interessado realize vistoria técnica para formatar a sua proposta. Portanto, em razão do planejamento e em função do tipo de encargo que será assumido pelo futuro contratado, é dever da Administração viabilizar a visita, salvo se houver razão de ordem técnica que justifique a sua não via-bilidade. Na hipótese de inviabilidade técnica para permitir a vis-toria, caberá à Administração disponibilizar todas as informações necessárias de outra forma. Ou seja, se não for possível permitir que os interessados tenham acesso físico ao local da execução do futuro objeto (obra ou serviço), todas as informações deverão ser claramente definidas e disponibilizadas por escrito, por foto, imagens (gravação), etc. Assim, é até possível não permitir acesso ao local, se houver jus-tificativa técnica; o que não se admite, em nenhuma hipótese, é não disponibilizar todas as informações necessárias e suficientes para o integral conhecimento do encargo a ser assumido, por força do que dispõe o art. 47 da Lei nº 8.666/93. Sem conhecer integralmente o encargo, o máximo que se consegue é fixar um preço unitário para ele, isto é, por unidade de medida, e não global.

A exigência de realização de vistoria técnica, entre outros motivos, permite que os interessados dimensionem, da melhor

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forma possível, o encargo que vão assumir e, inclusive, se for o caso, contestem (impugnem) as condições exigidas ou propostas pela Administração.

52. 52. definição de realização de despesas extraordinárias (Viagens, hospedagem, etc.)

É possível, entre as obrigações que integram o encargo, exigir que o futuro contratado realize despesas extraordinárias. Imagine-se que, para executar serviços específicos, o contratado deva realizar viagens que não possam ser indicadas pela Administração no edital. Diante de tal situação, como será possível o licitante estimar tal des-pesa para fixar o preço do encargo total em sua proposta, sendo o regime de execução empreitada por preço global?

Para adotar a empreitada por preço global, é necessário que dois fatores estejam reunidos: o que deve ser feito (aspecto qualitativo) e quanto deve ser feito (aspecto quantitativo). Não basta apenas indicar tais condições de forma genérica ou imprecisa, mas de forma precisa e exata. Aliás, reitera-se, é isso que está dito no art. 47 da Lei nº 8.666/93.

Se no encargo total alguma obrigação não puder ser definida com precisão nos seus aspectos qualitativo e quantitativo, ela deverá ser destacada do encargo. Não é possível incluí-la e exigir que o licitante estime o seu custo financeiro da forma que entender mais adequada. Vamos imaginar que a Administração esteja contratando a locação de veículo com motorista, que terá de realizar diversas viagens e, em razão disso, pernoitará em diferentes cidades. Haverá custo de diária destinada à sua hospedagem e alimentação. Esse custo não pode ser estimado de forma precisa, mas variará de acordo com as viagens que serão realizadas e a quantidade de dias que o moto-rista permanecerá em cada cidade. Será possível exigir do licitante a fixação de um preço por km rodado, bem como estabelecer que esse é o critério de julgamento. Nesse caso, teremos uma empreitada por preço unitário, visto que o pagamento é feito por km rodado. Seria por preço global se o pagamento tivesse valor mensal certo, livre de quilometragem.

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Também será necessário deixar claro que todos os demais cus-tos deverão estar incluídos no preço apresentado, como manutenção preventiva, corretiva, troca de pneus, combustível, etc. Esses custos podem ser estimados e considerados no preço final por km rodado ou no preço certo e total definido pelo licitante. Portanto, independente-mente do regime de execução, não há nenhuma impossibilidade ou inconveniência para que isso ocorra.

Entretanto, a hospedagem e a alimentação do motorista não podem ser incluídas no referido preço. Esses custos deverão ser pagos separadamente, mediante reembolso das despesas. A Administração pode definir um valor a título de diária e, assim, fixar um teto máximo a ser pago. Aliás, não só pode como deve fazer isso, em regra.

A eventual inclusão no encargo da referida obrigação (hospe-dagem, por exemplo) violaria a ideia da necessária adequação entre encargo e remuneração, pois seria atribuído um preço a uma obri-gação sem que se soubesse exatamente a sua quantidade. Se o lici-tante dimensionar muito o encargo relativo ao transporte, terá um preço final muito elevado e, certamente, perderá o contrato para um que subestimou tal encargo. Com isso, fica comprometida a equação econômico-financeira ou a melhor relação benefício-custo. Esse tipo de obrigação (hospedagem) não pode ser contratado pelo regime de empreitada por preço global. Aliás, esse tema foi estudado exaustiva-mente no capítulo desta obra que trata do regime de execução, para o qual se remete o leitor.

53. 53. definição de produtiVidade mínima a ser respeitada

Dependendo da natureza do objeto contratado, poderá a Admi-nistração definir uma produtividade mínima a ser respeitada pelo licitante na formulação da sua proposta e, é claro, na execução do contrato.

A produtividade é uma relação entre o resultado e os recursos (humanos, materiais, instrumentais e outros) utilizados. A produtivi-dade mínima é comum nas contratações de serviços terceirizados, tais como serviços de limpeza dos prédios destinados ao uso pela

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Administração. Portanto, a Administração poderá definir uma pro-dutividade mínima a ser respeitada, ou seja, ela poderá fixar que, para uma área com certas características, a produtividade será de, por exemplo, um profissional (servente) para cada 500m² ou 600m² de área a ser limpa ou outra relação.

A produtividade mínima cumpre duas finalidades básicas: a) orienta os licitantes e proporciona uma espécie de padrão a ser obser-vado na formulação dos preços e b) assegura uma melhor relação benefício-custo para a Administração. O segundo aspecto tem maior relevância no contexto da contratação, pois a produtividade mínima representa importante mecanismo para obter a melhor relação benefício-custo. Aliás, a obtenção de tal relação é a razão de ser da fase externa (licitação). A questão central em torno da produtividade mínima, ainda que deva ser avaliada na fase externa, assume grande relevância durante a execução do contrato, pois é nessa fase que ela deve ser efetivamente apurada.

54. 54. exigência de recolhimento de tributos

Constitui uma das obrigações que integra o encargo a ser assumido pelo futuro contratado o recolhimento de todos os tribu-tos (impostos, taxas, contribuições) que incidem ou venham a inci-dir sobre o objeto contratado. O licitante deve saber que no preço constante na sua proposta deve estar incluída toda a carga tributária incidente sobre o negócio (obra, serviço ou compra). No entanto, havendo alteração da carga tributária após a apresentação da pro-posta, caberá à Administração promover a revisão do contrato. Essa situação é o que a Lei denomina de fato do príncipe.

55. 55. definição da obrigação de auxiliar na transferência do contrato para terceiros

Em algumas situações específicas, caberá à Administração avaliar e, se for o caso, incluir, entre as obrigações que integrarão o encargo que será assumido pelo licitante, que, encerrada a relação ou

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o ajuste, ele terá de auxiliá-la na transferência do respectivo encargo decorrente do contrato para um terceiro.

Essa obrigação constitui importante instrumento de redução dos riscos que envolvem uma transição do encargo contratual para um terceiro, quando a relação contratual entre a Administração e um particular chega ao fim. O encerramento da relação ou a rescisão contratual pode ocorrer por algumas razões básicas: a) pela rescisão unilateral da Administração; b) pela rescisão bilateral; c) pelo desinte-resse do contratado em prorrogar o prazo de duração do contrato; d) porque o prazo de duração do contrato chegou ao seu limite máximo e não pode mais ser prorrogado, entre outras.

Evidentemente que o auxílio da transição contratual não é uma condição que deve ser imposta em todos os casos, mas apenas naquelas situações em que se faça necessário e se justifique tecnica-mente. É muito comum nos contratos de serviços técnicos profissio-nais especializados de modo geral; nos contratos que envolvem tec-nologias específicas e desenvolvimento de software; nas prestações de serviços de limpeza e vigilância de grandes áreas e muitos postos de trabalho; nos contratos que envolvem logísticas bem específicas de execução, bem como em inúmeros outros casos especiais.

Havendo a opção pela imposição de tal obrigação, caberá à Administração disciplinar como será realizada a referida transição, como será remunerada e a penalidade para o caso de descumpri-mento. Caberá à Administração, também, definir a metodologia de execução do processo de transição contratual, a qual integrará o edi-tal como um dos seus anexos, se for o caso. Os licitantes devem ter acesso à referida metodologia ou ao caderno de obrigações do pro-cesso de transição contratual e, expressamente, concordar com os seus termos. Quanto à forma de remuneração, a melhor alternativa é fixar um montante específico a ser pago por ocasião do processo de transição, não devendo fazer parte ou ser incluído no preço dos servi-ços licitados. Existem várias formas para fixar o preço a ser pago pela prestação dos serviços de transição contratual. Repita-se, salvo situ-ação especial, ele não deve integrar o preço dos serviços que consti-tuem as obrigações principais.

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56. 56. definição de exigência de apresentação de relatórios técnicos, testes, ensaios, etc.

A exigência de apresentação de relatórios técnicos, testes, ensaios e outras avaliações de natureza técnica não é condição a ser imposta apenas a quem já figura como contratado, como pode fazer crer o art. 75 da Lei nº 8.666/93. É perfeitamente possível impor aos licitantes, quando for indispensável sob o ponto de vista técnico, a apresentação de tais avaliações. Em muitos casos, não tem a Adminis-tração como aferir se o objeto cotado apresenta determinadas carac-terísticas técnicas (propriedade, durabilidade, resistência, natureza), exigindo que a análise seja realizada como condição de aceitabili-dade da proposta.

A adoção dessas exigências deve ser muito criteriosa, sendo razoável apenas quando for indispensável. É preciso sempre lembrar que ela onera a apresentação da proposta, pois representa, em alguns casos, um custo a ser suportado pelos interessados em participar da licitação. Não resta dúvida de que a apresentação de tais avaliações técnicas reduz o grau de risco em torno da contratação. No entanto, se por um lado ela reduz o risco, por outro ela pode desestimular a participação (restringir a competição) em razão do custo que repre-senta. Quando esses dois valores (redução do risco e competitivi-dade) se chocam, a legalidade ou a ilegalidade da exigência será determinada por justificativas de ordem técnica, isto é, se não houver razão suficiente para sustentar a exigência feita, ela será conside-rada ilegal. Portanto, é preciso cautela e muito cuidado no momento de avaliar essa condição no planejamento. Se possível a sua transfe-rência para a fase contratual, assim deverá ser feito. Nessa hipótese, é sempre recomendável que a Administração esclareça que os custos para a sua viabilização são, exclusivamente, do futuro contratado. Assim, caberá ao licitante estimar esse custo na sua proposta.

Definido que essa exigência integrará o encargo, caberá à Administração regular como ela deverá ser cumprida. É possível que indique os laboratórios e centros de análise técnica aptos a realizar os testes quando em número reduzido no País. Existindo vários, a

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melhor alternativa é exigir que o escolhido pelo licitante seja certi-ficado, se for o caso. O importante é não esquecer que a escolha é uma faculdade do licitante ou contratado, o que não impede que a Administração relacione alguns, sem que isso exclua outros, igual-mente certificados.

57. 57. definição de exigência da cessão de direitos, transferência de tecnologias, dados e códigos

A especificidade do objeto ou a sua natureza podem impor à Administração a necessidade de exigir dos futuros contratados a obri-gação de ceder determinados direitos, bem como de transferir tec-nologias, dados e códigos de programação ou de outra natureza em razão da relação contratual a ser firmada. É evidente que essas con-dições devem estar previstas no edital, pois representam encargos a serem assumidos pelos contratados e direitos a serem usufruídos pela Administração. A falta de previsão implicará discussões sérias, segu-ramente com repercussões, inclusive, no Judiciário. Algumas ques-tões estão pacificadas; outras não, o que enseja todo tipo de cautela e cuidado para evitar problemas e transtornos operacionais e, o que é pior, custos financeiros elevados. Se a questão envolve tecnologia, principalmente desenvolvimento de software, todo cuidado é pouco e toda cautela pode ser insuficiente. É preciso atender aos termos do parágrafo único do art. 111 da Lei nº 8.666/93.

58. 58. definição de exigência de apresentação de garantia de execução

Incluímos a exigência de apresentação de garantia de execu-ção entre as pertinentes ao objeto seguindo a lógica de contemplar, nessa etapa, tudo o que tenha repercussão direta sobre o preço final a ser pago, ou seja, tudo o que atinge a etapa seguinte, relativa à definição do valor estimado da contratação. A exigência de garantia de execução, se fixada no edital, é um custo que o licitante deverá contemplar em seu preço final, principalmente em razão da moda-lidade de garantia que ele escolher, visto que o § 1º do art. 56 da

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Lei nº 8.666/93 atribui ao próprio licitante a escolha entre uma das quatro formas que estabelece: caução em dinheiro ou em títulos da dívida pública, bem como seguro-garantia ou fiança bancária.

A garantia de execução é uma decisão que cabe à autoridade competente durante o planejamento, pois a sua exigência se tra-duz em faculdade a ser exercida diante de cada situação concreta. Assim, não se trata de uma condição que deva ser fixada de forma padrão para todos os casos, mas uma decisão discricionária. É uma exigência que, para ser estabelecida, dependerá do tipo de objeto ou obrigação que envolve o encargo. Portanto, não dependerá de livre escolha do agente, mas de uma condição objetiva, que envolverá a execução do contrato. De modo geral, para as compras cuja entrega dos bens se faça de forma imediata e integral, será razoável não exigir a garantia, ainda que, dependendo da situação, isso possa ser feito. Por outro lado, nas obras e nos serviços nos quais a execução se estenda no tempo, o recomendável é sempre fixar a exigência de garantia de execução.

Há encargos contratuais em que a exigência de garantia é indis-cutível, como nos casos em que o objeto será pago de acordo com um cronograma financeiro e a entrega integral do encargo ocorrerá apenas no final, tendo o pagamento de uma parte considerável já efe-tuado. É o caso da execução de programas de informática, execução de serviços de auditória e tantos outros. É por isso que o art. 56 da Lei nº 8.666/93, ao dispor sobre a competência da autoridade, emprega a expressão “em cada caso”. Com isso, pretendeu o legislador deixar claro que se trata de uma decisão de natureza discricionária.

Para exigir do licitante a garantia de execução, é preciso que ela esteja prevista no edital. Há uma razão bem simples que justifica essa condição: a exigência de garantia condiciona a previsão no edital. A razão é que, por constituir uma obrigação do encargo que implica custo com repercussão diretamente sobre o preço final, é indispensá-vel que tenha sido fixada no edital, sob pena de não ser considerada no preço final. A exigência posterior sem previsão no edital imporá ônus extracontratual. Como regra, se o ônus é extracontratual, haverá dese-quilíbrio na equação econômico-financeira e dever de revisar o con-trato. O fato de a garantia não ter sido prevista no edital não significa

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que ela não possa ser exigida na fase contratual. Ela poderá sim ser exigida, mas haverá a necessidade de revisão contratual. Portanto, a condição do art. 56, que a garantia depende de previsão contratual, deve ser interpretada em termos relativos, e não como uma vedação absoluta à sua exigência na hipótese de não previsão em edital.

Outra condição que o legislador fixou é a relativa ao valor máximo que se pode exigir em termos de garantia contratual. É pos-sível dizer que há dois percentuais distintos a serem observados, con-forme o tipo de obrigação ou encargo a ser executado. Há uma regra a ser seguida e uma exceção que poderá ser adotada. Regra geral, o percentual de garantia não poderá ser superior a 5% do valor do con-trato. No entanto, há uma exceção e, por conta dela, é possível elevar o percentual em até 10% do valor do contrato, desde que o encargo tenha por objeto obras, serviços e fornecimentos de grande vulto e envolva alta complexidade técnica e riscos financeiros consideráveis. A elevação do percentual para 10% só pode ocorrer se presentes os pressupostos indicados no § 3º do art. 56: a) grande vulto, ou seja, valor igual ou superior a R$ 37.500.000,00; b) encargo que traduza alta complexidade técnica; e c) riscos financeiros consideráveis. Não estando reunidos esses pressupostos, o percentual da garantia deverá se limitar a, no máximo, 5%. A nosso ver, o primeiro pressuposto não deveria existir, pois apenas os dois outros seriam suficientes. Vale dizer: não é razoável impor a elevação do percentual para 10% ape-nas quando diante de grande vulto; é melhor supor que uma contra-tação com valor elevado, mas inferior a R$ 37.500.000,00, também poderia exigir uma garantia maior, em razão da complexidade téc-nica e de riscos financeiros consideráveis. A ideia de garantia está sempre associada à de risco. É certo dizer que se a contratação é de grande vulto, normalmente existirá risco; da mesma forma, é correto afirmar que mesmo não sendo de grande vulto, o risco poderá existir.

Outro aspecto importante a ser observado é que o percentual é de, no máximo, 5% ou, se for o caso da exceção, 10%. O enunciado normativo usa, no § 2º do art. 56 da Lei nº 8.666/93, a forma verbal: “não excederá” e, no § 3º do mesmo art. 56, a preposição “até”. Ambas as expressões tem a finalidade de fixar um limite que vai de 0 a 5% ou 10%; tanto é possível não exigir a garantia contratual como exigir um percentual até o limite. A existência desses limites mínimo

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e máximo insere a decisão dentro de um círculo que envolve opção de natureza discricionária à semelhança da própria possibilidade de dispensar a exigência. Aliás, são aspectos de uma mesma realidade, ou seja, a exigência em si e o limite máximo. Tratando-se de compe-tência discricionária, é necessário que o agente justifique a fixação de percentual máximo, e não outro que a margem discricionária possibi-lita. Vale dizer: a justificativa da exigência não existe apenas quando se adotar a exceção prevista no § 3º do art. 56 da Lei nº 8.666/93, consoante o seu próprio enunciado.

59. 59. definição de exigência de apresentação de garantia de proposta

Existem dois tipos diferentes de garantia regulados na Lei nº 8.666/93: a garantia de execução do contrato e a garantia de pro-posta. A primeira deve ser apresentada na fase contratual, normal-mente por ocasião da assinatura do termo de contrato, e a última, na fase externa do processo de contratação, na apresentação da pro-posta. É importante não confundir os dois tipos de garantias, pois eles se destinam a finalidades distintas.

Mesmo com previsão em enunciados diferentes e se destinando a atender a finalidades diversas, os dois tipos de garantia se submetem aos termos do art. 56 da Lei nº 8.666/93, salvo quanto ao percentual máximo que se pode exigir. No caso de garantia de proposta, o per-centual máximo está previsto no inc. III do art. 31 da Lei nº 8.666/93. Na garantia de execução contratual, tanto a previsão como o percen-tual máximo estão regulados no art. 56 da citada Lei. Com efeito, na garantia de proposta, o percentual máximo é de até 1%, e não de 1%.

Da mesma forma que a garantia de execução, a fixação do per-centual de garantia de proposta envolve uma decisão de cunho dis-cricionário e, portanto, sujeita à devida justificativa.

No tocante à exigência de garantia de proposta, é preciso dizer que a doutrina não é unânime em reconhecer a sua constitucionali-dade, pois não são poucos os autores que a consideram ilegal. Muito embora a Lei nº 8.666/93 faculte a sua exigência, a Lei nº 10.520/02

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veda, de forma expressa no inc. I do seu art. 5º, a possibilidade de sua fixação. Assim, em relação ao pregão, não se pode exigir garan-tia de proposta. Se considerarmos a tese doutrinária indicada e o que dispõe a Lei nº 10.520/02, é possível afirmar que há tendência em eliminar da ordem jurídica tal possibilidade nos editais, mesmo nas licitações processadas de acordo com a Lei nº 8.666/93.

Entendemos que a exigência de garantia de proposta não é ile-gal. Também, que é incoerência a vedação da exigência de garantia de proposta no pregão. Aliás, seria mais razoável facultar a exigência dessa garantia e atenuar os termos do art. 7º da Lei nº 10.520/02. Não parece nem um pouco coerente suspender um licitante por até cinco anos e não poder fixar uma multa para o caso de desistência do seu compromisso de fornecer o bem ou o serviço comum. A suspensão impõe, necessariamente, uma redução no número de potenciais inte-ressados e atenta contra o princípio da competitividade. Seria mais razoável viabilizar a garantia de proposta e reduzir o alcance da sus-pensão do direito de licitar. Por outro lado, também não há sentido para entender que no pregão há a vedação, e numa concorrência não. A ordem jurídica não pode padecer desse tipo de contradição, pois não há razão que justifique a disciplina diversa adotada.

Quando a Administração reduz o universo dos competido-res, ela pune o particular e também a si mesma. É certo que o art. 7º da Lei nº 10.520/02 tem sido pouco aplicado, e é bom que seja assim mesmo, sob pena de causar mais prejuízo do que benefício. A sanção nele prevista deve ser aplicada de forma criteriosa e para determinadas situações. O ideal seria que os termos do art. 7º da Lei nº 10.520/02 fossem outros e que a garantia de proposta fosse admi-tida, pois é mais razoável impor ao faltoso uma pena pecuniária do que a sua suspensão.

60. 60. a quem cabe definir a solução/o objeto?

Não há na Lei nº 8.666/93 a indicação precisa de quem, na estru-tura administrativa, tem competência para definir a solução e descre-ver o objeto. Aliás, essa Lei não faz referência direta ao ato em si, ao contrário da Lei nº 10.520/02, que, no inc. I do seu art. 3º, diz que

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cabe à autoridade competente definir o objeto do certame. Ao dispor sobre a competência para a prática dos mais diferentes atos relativos ao processo de contratação na Lei nº 8.666/93, o legislador limitou-se a indicar genericamente a expressão “autoridade competente”, valendo--se também apenas da palavra “autoridade”, bem como dos termos “autoridade superior” e “autoridade responsável”. Preferiu o legislador não apontar esta ou aquela autoridade, mas deixar que a indicação da autoridade competente se faça de acordo com as leis internas que regulam os órgãos e as entidades da Administração. Essa opção é a mais adequada, por respeitar a realidade de cada pessoa pública.

Nesse sentido, para saber quem tem competência para defi-nir a solução e descrever o objeto, será preciso consultar as normas internas que regulam o órgão ou a entidade, nas quais se encontrará a resposta. É oportuno apenas separar duas realidades distintas em termos de competência referentes à definição da solução/do objeto. Uma coisa é definir a solução e descrever o objeto/encargo, e outra é aprovar o que foi definido. É comum que a definição seja feita por um agente ou setor, e a sua aprovação, atribuição de uma autoridade de hierarquia superior.

61. 61. qual a responsabilidade de quem define o objeto/encargo?

Definir o objeto/encargo é tomar uma das mais importantes decisões do processo de contratação pública. A definição do objeto, além de representar a satisfação da própria necessidade que motivou o processo, condiciona diretamente a prática dos demais atos que integram as etapas seguintes do planejamento da contratação: esti-mativa do valor da contratação; definição do regime de execução; adoção da modalidade de licitação; escolha do tipo; definição das exigências de natureza pessoal (habilitação), etc.

A definição equivocada do objeto/encargo, no seu aspecto qua-litativo ou quantitativo, trará repercussão direta sobre o preço (remu-neração) a ser fixado pelo licitante, bem como implicará imperiosa necessidade de realizar alterações contratuais. Dependendo do grau do equívoco, a satisfação da necessidade da Administração ficará

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totalmente prejudicada, pois há limites que devem ser respeitados para realizar acréscimos e, como tem entendido o TCU, também para realizar modificações qualitativas. Dependendo do equívoco come-tido, o prejuízo aos cofres públicos pode ser considerável, o que ense-jará responsabilizações administrativa, civil e, em alguns casos, até criminal do agente público, podendo representar a perda do cargo público em que o agente é titular, bem como o dever de ressarcir os prejuízos patrimoniais.

É preciso lembrar que o desempenho de cargo ou função pública propicia, por um lado, o exercício de poder como instru-mento (meio) para viabilizar o desempenho de um dever e, por outro, a responsabilidade pelas decisões tomadas no exercício da função. O exercício de função pública pressupõe o binômio dever/responsabili-dade ou direito/obrigação.

A definição adequada do objeto de modo a atender à necessi-dade a que se destina é uma obrigação de ofício imposta a quem, por dever legal, tenha tal atribuição. Definição legal é aquela que atende plenamente à necessidade, preserva a indispensável competitividade e possibilita solução econômica. A ordem jurídica tem tipificado como infração funcional o descumprimento de obrigação de ofício. Assim, é possível aludir ao art. 121 e seguintes, bem como ao art. 132, inc. X, da Lei nº 8.112/90, que dispõe sobre o regime jurídico dos ser-vidores públicos civis da União. Também é oportuno mencionar a Lei nº 8.429/92, que regula os atos de improbidade administrativa e, no seu art. 11, incs. I e II, prevê as condutas típicas mencionadas.

62. 62. a necessidade de alterar o encargo depois de definido

Em princípio, não há proibição para alterar o encargo depois de definido. Evidentemente que, dependendo da fase e respectiva etapa em que se encontra o processo, a alteração terá consequência diversa. Vamos avaliar as diversas consequências de acordo com as três diferentes fases do processo, para que se saiba como proceder em cada caso específico.

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Se o processo estiver na fase de planejamento e houver a neces-sidade de alterar o encargo, seja para modificar o objeto ou qual-quer das condições a ele relacionadas, será possível processá-la sem maiores problemas. Para tanto, é indispensável rever os atos subse-quentes que exijam revisão em razão da alteração operada. Alterado o encargo, deve-se avaliar o impacto da mudança no valor estimado da contratação. Havendo impacto, será necessário realizar nova pes-quisa de preços e obter novos orçamentos a fim de instruir o pro-cesso. Também as demais etapas deverão ser revistas. Se o edital foi analisado e aprovado pela assessoria jurídica, após realizar a altera-ção do encargo, será necessário modificar o edital para adaptá-lo às alterações realizadas. Se havia sido fixado preço máximo e o valor estimativo do encargo se alterou, esse preço deverá ser revisto, para mais ou para menos, conforme o caso. Após a revisão do edital, ele deverá ser remetido à assessoria jurídica para nova análise e aprova-ção. Caberá ao agente responsável pela elaboração do edital prestar as devidas informações e as necessárias justificativas.

Se o processo estiver na fase externa (licitação), mas ainda na etapa de publicidade, deve-se proceder exatamente da mesma forma acima indicada. Ademais, será necessário realizar nova publicação dos avisos do edital e devolver integralmente o prazo de publicidade, salvo se a alteração não afetar a apresentação das propostas e dos documentos, o que, nesse caso, é muito raro não ocorrer, visto que envolve o próprio encargo/objeto. A obrigatoriedade da devolução do prazo está prevista no § 4º do art. 21 da Lei nº 8.666/93. Em razão da modificação do encargo, há um problema a ser enfrentado. Se resultar de negligência ou imperícia do agente que o configurou, poderá haver a sua responsabilização, ou seja, como a nova publi-cação dos avisos implicará despesas, elas terão de ser suportadas por ele. Aliás, alguns órgãos de controle externo vêm decidindo nesse sentido. Assim, reitera-se que o agente responsável pela definição do objeto/encargo deve ser diligente e cauteloso, sob pena de responder e reparar prejuízo financeiro que vier a causar aos cofres públicos em razão da sua atuação.

Por outro lado, se a etapa de publicidade se encerrou e as pro-postas foram recebidas, seja no sistema presencial ou eletrônico, de acordo com a Lei nº 8.666/93 ou o pregão, havendo a identificação

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da necessidade de alterar o encargo e, por força dele, o edital, é indis-pensável realizar algumas ponderações antes de revogar ou anular a licitação. Assim, se a alteração do encargo/objeto puder ser atendida com base nos termos do art. 65 da Lei nº 8.666/93, o mais indicado é deixar para a fase contratual a referida alteração. Com isso, evita-se a revogação da licitação, por exemplo. No entanto, não sendo possível resolver a necessidade de alteração do encargo na fase contratual, conforme indicada, a única alternativa será a revogação da licitação e a realização da alteração exigida, bem como a republicação do aviso do edital.

Por fim, a derradeira possibilidade é ter de alterar o encargo/objeto depois de firmado o contrato. Nesse caso, é preciso observar as con-dições e os limites definidos no art. 65 da Lei nº 8.666/93.

63. 63. definido o encargo/objeto, qual é o próximo passo no processo?

Definido o encargo/objeto, o próximo passo é apurar o valor estimado da contratação, ou seja, saber quanto será gasto para obter o encargo tal como definido. É oportuno notar que para estimar o valor, isto é, para a terceira etapa do planejamento, é indispensá-vel que o encargo tenha sido integralmente definido. Essa condição constitui um pressuposto necessário para que o agente público rea-lize a qualificada pesquisa de preços. Não se pode realizar pesquisa de preços de um encargo/objeto que não esteja precisamente defi-nido. Da mesma forma, se houver alteração de alguma característica ou especificação do objeto ou de quaisquer das demais obrigações que integram o encargo durante a realização da pesquisa e que possa repercutir sobre o preço, será necessário reiniciá-la de acordo com as novas bases. Vale lembrar que a pesquisa de preços que balizará a definição do valor estimado da contratação norteará a tomada de decisões tanto na fase de planejamento (fixação de preço máximo, definição da modalidade, etc.) como também na fase externa (publi-cidade, aceitabilidade dos preços, etc.), por parte do pregoeiro ou da comissão de licitação.

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Capítulo 8

OS REGIMES DE EMPREITADA NA LEI Nº 8.666/9330

1. 1. uma dúVida generalizada

Neste capítulo analisaremos, com a profundidade que o tema exige, os quatro regimes de empreitadas indicados na Lei nº 8.666/93, quais sejam, empreitada por preço global, empreitada por preço uni-tário, empreitada integral e tarefa. Mas, por serem os de mais larga utilização, os regimes de empreitada por preço global (EPG) e emprei-tada por preço unitário (EPU) receberão mais atenção de nossa parte neste estudo.

A distinção entre empreitada por preço global e empreitada por preço unitário, bem como o cabimento de cada uma delas na prática ensejam inúmeras dúvidas por parte dos que atuam nas contratações, principalmente na fase de planejamento.

Podemos dizer, sem que se cometa nenhum excesso, que a dúvida é generalizada e não poupa nem os mais experientes profis-sionais que militam na área. Ademais, como se trata de uma questão que surge frequentemente para os que têm de planejar as contrata-ções e definir as condições do futuro contrato, é indispensável fixar um critério técnico para a solução do problema.

Muito embora os dois regimes de empreitada referidos acima tenham aplicação para outros objetos contratuais, é no campo das contratações de obras e serviços de engenharia que a sua utilização é mais comum e os problemas são mais frequentes.

Esperamos que as reflexões aqui realizadas possam contribuir para a fixação de um critério seguro de distinção entre os diversos regimes de empreitadas e, assim, auxiliar os profissionais que atuam

30 A definição do regime de execução representa a etapa VII do planejamento da con-tratação, conforme Ciclo constante desta obra.

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no planejamento e na condução das licitações públicas, bem como na fiscalização dos contratos.

2. 2. os regimes indicados na lei

São quatro os regimes de execução do contrato, de acordo com o inc. VIII do art. 6º da Lei nº 8.666/93: a) empreitada por preço glo-bal; b) empreitada por preço unitário; c) empreitada integral; e d) tarefa.

2.1. 2.1. O que é uma empreitada?

Para entender o que é uma empreitada, é preciso ter clareza em torno da ideia de necessidade, solução, encargo e remunera-ção (preço). Com base nesse quadrinômio, estruturaremos nosso raciocínio.

A necessidade é o problema que a Administração precisa resol-ver. O objeto (obra ou serviço) é a solução para o problema (neces-sidade). O encargo é a assunção da obrigação de realizar o objeto, ou seja, viabilizar a solução e satisfazer a necessidade. E o preço é o que se cobra para realizar o encargo, a contraprestação financeira ou pecuniária.

Para resolver o problema (necessidade), a Administração tem, basicamente, duas possibilidades: a primeira é ela mesma desenvol-ver a solução (viabilizar o objeto), e a segunda é atribuir esse encargo a um terceiro (outra pessoa). No primeiro caso, temos o que se pode chamar de execução direta, isto é, a que é feita pela Administração pelos seus próprios meios. No segundo caso, temos o que se pode denominar de execução indireta. É dita indireta porque é feita por um terceiro, e não pela própria Administração.

Em razão da execução indireta é que falamos em empreitada. Se toda execução fosse feita pelo próprio sujeito que deseja a solu-ção para atender à sua própria necessidade, não existiria a figura da empreitada. É a impossibilidade do sujeito (Administração) em cum-prir o encargo que faz com que ele recorra a um terceiro. Logo, o

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terceiro (empreiteiro) é parceiro de quem deseja a solução, porque assume o compromisso de resolver o problema, mediante uma remu-neração. Ambos são partes (parceiros) de uma relação: um quer a solução, e o outro, o lucro que integra a remuneração.

Portanto, a empreitada é o negócio jurídico por meio do qual a Administração atribui a um terceiro (empreiteiro) a obrigação de cumprir o encargo representado pela execução de um objeto que foi por ela definido como a solução adequada para atender à sua necessidade.

Na empreitada não há subordinação ou dependência entre a Administração e o empreiteiro. O que existe é a obrigação do emprei-teiro de cumprir o encargo e viabilizar a solução, e da Administração de, além de exigir o cumprimento do encargo que foi assumido pelo empreiteiro, pagar a remuneração ajustada.

O empreiteiro, por sua vez, para cumprir o encargo, tem duas possibilidades: pode executar todo o objeto pessoalmente ou contar com a ajuda de um terceiro (subcontratação). Para transferir parte do encargo para outra pessoa (subcontratado), precisa ter a concordân-cia da Administração, o que deve ocorrer na fase de planejamento da contratação, como regra.

Outro aspecto da empreitada é que o negócio jurídico pode ter como encargo apenas a mão de obra ou, ainda, a mão de obra e o fornecimento do material necessário para viabilizar a solução. Uma obra de engenharia, por exemplo, para ser executada, exige, pelo menos, a conjugação da mão de obra e dos materiais. Portanto, uma obra nada mais é do que o produto final resultante da conjugação ordenada de mão de obra e materiais, de acordo com um projeto.

Em sentido mais amplo e preciso, no entanto, o correto é dizer que o produto final de uma obra resulta da reunião de diferentes recursos: humanos (engenheiros, mestres de obras, pedreiros), instru-mentais (equipamentos, máquinas), materiais (pedra, cimento, tijolos, ferro), técnicos, tecnológicos, de logística, de gestão, etc.

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Caberá à Administração definir o efetivo encargo do emprei-teiro, isto é, se ele apenas reunirá e suportará os recursos humanos, instrumentais, técnicos, tecnológicos ou se, também, fornecerá os recursos materiais necessários. Por isso, diz o art. 1.237 do Código Civil: “o empreiteiro de uma obra pode contribuir para ela ou só com o seu trabalho, ou com ele e os materiais”.

2.2. 2.2. A definição do encargo

Para compreender adequadamente os regimes de execução, é indispensável ter a clareza no tocante à distinção entre duas rela-ções: encargo e remuneração. Esse binômio traduz a essência do que chamamos de contrato.

Para que alguém assuma uma obrigação e viabilize uma solu-ção (objeto), é fundamental que o encargo esteja definido, em prin-cípio, nos seus aspectos qualitativo e quantitativo. Assim, o futuro empreiteiro saberá o que terá de fazer e também quanto terá de fazer. Sem que essas duas coisas estejam definidas e reunidas, não será possível fixar a remuneração total a ser cobrada pela execução inte-gral do encargo.

Como regra, o encargo pode, previamente, ser estimado nos seus aspectos quantitativo e qualitativo. No entanto, existem casos em que só se pode, antecipadamente, definir o aspecto qualitativo, não sendo possível fixar a dimensão (quantidade) exata do encargo. Nesse caso, sabe-se o que, com o que e como deve ser feito, mas não quanto deve ser feito.

É essencialmente em razão dessa peculiaridade, mas não exclu-sivamente, que foi idealizado o regime de empreitada por preço uni-tário. Sem entender a questão acima, não se consegue saber se deve ser adotada a empreitada global ou a por preço unitário. Isso tem ensejado muita confusão e utilização equivocada da empreitada por preço unitário quando deveria ser a por preço global e vice-versa.

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2.3. 2.3. A remuneração pela execução do encargo

A remuneração é a contraprestação pecuniária que o emprei-teiro cobrará da Administração pelo cumprimento da obrigação.

Para determinar a remuneração total a ser cobrada, é preciso que os aspectos qualitativo e quantitativo do encargo (objeto) este-jam reunidos e definidos com precisão. Ou seja, é preciso saber o que deve ser feito e quanto deve ser feito. A finalidade dos projetos básico e executivo (e da planilha de quantitativos e preços unitários) é exatamente definir o objeto que será executado, nos seus dois aspec-tos. Daí o termo “caderno de encargos”, utilizado para expressar a dita realidade.

No entanto, se for conhecido apenas o que tem de ser feito e não se souber, antecipadamente, a dimensão do que deve ser feito (aspecto quantitativo), não será possível definir o preço total do encargo. Faltará uma informação fundamental para fixar a remune-ração total.

Diante dessa situação, como resolver o problema?

Em razão da existência do eventual problema e da necessi-dade de encontrar uma solução para ele, foi idealizado o regime de empreitada por preço unitário. Esse regime de execução foi criado para resolver o problema da necessidade de fixar uma remuneração para o encargo sem que se tivesse, desde logo, a quantidade exata do encargo a ser executado.

Então, para solucionar o impasse, bastaria eleger uma unidade de medida padrão. Seria fixado um preço por unidade de medida e, depois de concluída a execução do encargo e apurada a quantidade, bastaria multiplicá-la pelo preço unitário fixado para a referida uni-dade de medida adotada. As unidades de medidas que podem ser adotadas são, entre outras, as seguintes: metro quadrado (m²), metro cúbico (m³), metro linear (m), milheiro (mil), tonelada (t), quilograma (kg), homem/hora (h/h), hora/máquina (h/m), litro (l).

Dessa forma, estaria resolvido o problema. Se é tão simples assim, por que existem tantas dúvidas em torno do cabimento dos

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regimes apontados? As razões serão vistas a seguir. Antes disso, é preciso dizer que as conclusões aqui apresentadas são, de fato, sim-ples, mas o raciocínio desenvolvido para chegar a tal simplicidade não, ao contrário, é complexo. Ou seja, a solução é simples, o pro-blema não.

2.4. 2.4. A Lei nº 8.666/93 e os referidos regimes

A dificuldade de compreender a diferença entre os dois regi-mes de execução (preço global e unitário) se deve ao fato de o legis-lador não ter sido claro ao definir cada um deles, principalmente o de empreitada por preço unitário. Vejamos como eles foram definidos na Lei nº 8.666/93.

Diz a alínea “a” do inc. VIII do art. 6º da Lei nº 8.666/93 que a empreitada é por preço global quando se contrata a execução da obra ou do serviço por preço certo e total.

A empreitada por preço unitário é definida na alínea “b” do mesmo dispositivo como aquela em que se contrata a execução da obra ou do serviço por preço certo de unidades determinadas.

Ao definir a empreitada por preço global, o legislador foi muito claro, pois evidenciou que o indicado regime se traduz naquele em que há a definição certa e total do preço (remuneração). Logo, em razão do encargo ter sido definido precisamente nos seus aspectos quantitativo e qualitativo, caberá ao licitante indicar o preço certo e total para executar o encargo tal como definido. O preço deve ser certo porque o encargo está definido e dimensionado. Da mesma forma, será total porque não depende, para a sua fixação, de nenhuma condição futura ou variável (no caso, a quantidade).

Na alínea “b”, o legislador diz que, na empreitada por preço unitário, o preço é certo, mas não diz que ele é total. É, portanto, aqui que reside a diferença entre os dois regimes.

A eventual dificuldade de compreender o cabimento do regime de empreitada por preço unitário decorre da deficiência da própria literalidade da regra prevista na alínea “b” acima indicada.

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O problema está na expressão “unidades determinadas”. O que se deve entender por essa expressão? O que se quis, realmente, disciplinar?

A palavra “unidade” foi empregada com o propósito de eviden-ciar parte de um todo maior ou quis o legislador se referir à palavra “unidade” no sentido de “padrão de medida” (m³ ou m², por exem-plo). Identificar o sentido exato dessa expressão é fundamental para entender o que é empreitada por preço unitário.

A doutrina especializada tem entendido a palavra “unidade” como sinônimo de parte de um todo, parte resultante de uma divisão ou uma etapa, uma fração. Em um empreendimento de engenharia, a unidade poderia ser, por exemplo, a fundação, a alvenaria ou o aca-bamento. Esse é, pois, o entendimento que encontramos em obras específicas sobre licitações e contratos administrativos.

No nosso entendimento, a palavra unidade não tem, na alínea “b” do inc. VIII do art. 6º da Lei nº 8.666/93, o sentido de parte ou etapa de um todo, mas o propósito de evidenciar a ideia de padrão de medida. Logo, a expressão “unidade determinada”, empregada no dispositivo citado, quer significar o mesmo que “padrão de medida determinado”. Determinado onde e por quem? A resposta é: no edi-tal e pela Administração.

Entendido que a fundação e a alvenaria seriam unidades deter-minadas, chega-se à conclusão de que na construção de um prédio de seis pavimentos, por exemplo, seria possível utilizar a empreitada por preço unitário para a fundação e para outras etapas relativas à obra, se assim desejasse a Administração.

A expressão “unidades determinadas” nada tem a ver com uma etapa ou parcela da obra. No caso do prédio de seis pavimentos, em princípio, o regime deve ser empreitada por preço global.

Se o termo tivesse sido empregado pelo legislador como sinô-nimo de etapa ou parte de um todo, não haveria impedimento para que fosse, à semelhança da empreitada por preço global, utilizada a

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expressão “preço certo e total”. Ora, qual seria a impossibilidade de exigir que o licitante fixasse preço certo e total para a unidade a ser executada (por exemplo, a fundação). A resposta é: nenhuma. Não podemos negar que a própria unidade teria um valor certo e total. Certo porque é preciso, e total porque representa a remuneração inte-gral a ser cobrada pela execução da unidade (fundação). Por que a regra exigiria preço certo, mas não total, se o que deve ser feito e a sua quantidade estão definidos no projeto? Não haveria uma razão lógica para justificar tal impossibilidade.

Dessa forma, pela expressão “preço certo de unidades determi-nadas” deve ser entendido que o preço será fixado em razão da uni-dade de medida definida, por exemplo, m³ ou m². Ou seja, o preço é certo, mas não é total, pois para haver um preço total será necessário antes executar o encargo e fixar a quantidade. Sem cumprir antes o encargo, não é possível saber o preço total para todo o encargo, visto que este depende da variante essencial quantidade, que ainda não foi definida com precisão.

É necessário ter a clareza de que o preço não é incerto, o preço é certo por unidade de medida. Incerto é o preço total, pois ele decorrerá da quantidade do encargo executado. A quantidade, portanto, é que é incerta no momento da licitação, mas deixa de ser em razão da execução do contrato.

2.5. 2.5. O que são regimes de execução?

É preciso que se diga que os regimes de empreitada por preço global e por preço unitário não qualificam a execução propriamente do objeto do contrato como o próprio nome sugere, mas dizem res-peito ao critério de apuração do valor da remuneração a ser paga em razão da execução do objeto.

A questão gira em torno da definição de como o particular vai fixar o valor da sua remuneração, de acordo com o encargo total do empreendimento ou com base em unidades específicas de medida em razão do encargo que irá executar.

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O regime de empreitada por preço global deve ser adotado sem-pre que for possível estimar, de antemão e com precisão, o encargo integral do particular, o que ocorre na maior parte dos casos. Quando não for possível estimar, com precisão, o encargo a ser executado no seu aspecto quantitativo, o regime a ser adotado deve ser a emprei-tada por preço unitário. Nesse sentido, o mais usual é o regime de empreitada por preço global, porque normalmente é possível preci-sar, de forma antecipada, o encargo nas suas dimensões qualitativa e quantitativa.

2.6. 2.6. Exemplos práticos

Alguns exemplos ajudarão a entender o cabimento da emprei-tada por preço unitário.

Imagine que a Administração deseja perfurar um poço artesiano (profundo) para obtenção de água para atender a uma necessidade sua ou da coletividade. Não se sabe com quantos metros de perfura-ção a água será obtida (se com 100, 150 ou mais). Esse tipo de ser-viço (empreitada) é cobrado por metro de perfuração realizado, com base na composição dos custos dos diferentes insumos que compõem a respectiva planilha do mencionado serviço.

Em outra situação, a Administração deseja realizar uma escava-ção de grande proporção. Não há como, nesse caso, estabelecer de forma precisa a quantidade de terra ou o material que será retirado do terreno onde o encargo será executado.

Para oferecer mais um exemplo entre outros que poderiam ser apontados, imagine que a Administração precise remover um aterro sanitário de um local para outro.

A alternativa em todos os casos é definir uma medida padrão e, na licitação, identificar o menor preço para a unidade de medida definida. A medida padrão, no caso do poço artesiano, é o metro perfurado, e nos dois outros casos pode ser o metro cúbico (m³) ou a tonelada (t), por exemplo.

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3. 3. como e quando escolher o regime?

É dever da Administração, na fase interna da licitação, analisar qual regime de execução será adotado: empreitada por preço global ou por preço unitário.

A análise deve considerar se é possível definir antecipada-mente o efetivo encargo do futuro contratado, nos seus aspectos qualitativo e quantitativo. Se sim, o regime indicado é o de emprei-tada por preço global. Se não for possível saber antecipadamente a quantidade do efetivo encargo do contratado, o regime deve ser o de empreitada por preço unitário.

O próximo passo é fixar como será apurado o montante da remuneração do futuro contratado. Se a quantidade puder ser previa-mente definida de forma precisa, caberá à Administração exigir, por meio dos seus agentes, que o licitante estabeleça preço certo e total para o encargo a ser executado. Ora, sendo a quantidade precisa, não há razão para não impor tal condição. Ademais, não se deve esque-cer que a regra é a de que o montante da remuneração a ser paga pela Administração, de forma exata e total, seja apurado na fase externa (licitação).

Não sendo possível indicar a quantidade do encargo com pre-cisão, a alternativa será definir uma unidade de medida e exigir que os licitantes estabeleçam um preço para uma unidade de medida padrão, que pode ser metro perfurado ou tonelada, para aproveitar os exemplos acima descritos. Esse é o procedimento que deve ser ado-tado para qualquer situação e essa é a ideia que deve nortear o pla-nejamento da contratação.

3.1. 3.1. Como é apurado o preço total?

É importante observar que, no regime de empreitada por preço global, o preço da remuneração é apurado integralmente durante a licitação. Logo, é na própria licitação que a Administração apura o preço certo e total da remuneração a ser paga ao empreiteiro pelo cumprimento do encargo (objeto) que foi licitado.

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Diferentemente da empreitada global, na empreitada por preço unitário o preço final (certo e total) não é apurado exclusivamente na própria licitação, mas pela conjugação de dois momentos distin-tos (licitação e execução do contrato).

Na licitação se conhece o preço certo por unidade de medida adotada, e na execução do contrato, a quantidade da medida ado-tada. Multiplicando a quantidade (apurada por ocasião do contrato) pelo preço da unidade de medida (apurada por ocasião da licitação), temos o preço certo e total.

A regra é que o preço certo e total seja apurado na própria lici-tação e não dependa da execução do contrato. Mas isso não depende da vontade do agente (condição subjetiva), e sim de uma condição objetiva (possibilidade efetiva de definir a quantidade antes da exe-cução do encargo).

3.2. 3.2. A impossibilidade da definição da quantidade deve ser absoluta

A opção pela empreitada por preço global ou unitário está vin-culada a uma condição objetiva.

Só podemos adotar a empreitada por preço unitário quando, devida e motivadamente, não houver condições técnicas de precisar a quantidade do objeto. Assim, não se trata de mera opção do agente ou mesmo de ausência de previsão resultante de desídia da Adminis-tração. Em princípio, a escolha do regime de empreitada por preço unitário decorre da impossibilidade absoluta, e não relativa.

A regra que norteia o regime jurídico da licitação é a de que o preço certo e total seja definido na licitação, e não por ocasião do contrato. Logo, a empreitada por preço global é a regra, e a por preço unitário, a exceção.

É preciso não perder de vista o conteúdo da norma prevista no inc. IX do art. 6º da Lei nº 8.666/93. A expressão “nível de pre-cisão adequado”, prevista no indicado preceito, não implica mera faculdade a ser exercida ao bel prazer da Administração. Há efetiva

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obrigação de, sempre que possível, definir o objeto com precisão, podendo não fazê-lo apenas quando isso não for possível, tal como nos casos já apontados. Por essa razão afirmamos que, como regra, a empreitada deve ser por preço global e não unitário.

3.3. 3.3. O que aconteceria se em todos os casos fosse adotado o regime de empreitada por preço global?

Se padronizássemos a empreitada por preço global para todos os casos e não adotássemos a por preço unitário quando fosse cabí-vel, teríamos uma séria distorção na equação econômico-financeira.

Para compreender a noção de equação econômico-financeira, é preciso retomar a ideia de que o contrato é uma relação entre duas realidades indissociáveis: o “E” e o “R”. O “E” representa o encargo definido pela Administração e que será assumido pelo contratado. O “R” representa a remuneração fixada pelo licitante em função do encargo definido pela Administração. O “E” é definido no edital, e o “R” é definido na proposta do licitante.

Além de ser fixado na proposta do licitante, o “R” representa a contraprestação que o licitante deseja para poder executar o “E” e, assim, garantir a satisfação da necessidade da Administração. Logo, a fixação do “R” é feita com base no “E”.

Por tudo o que foi dito sobre esse tema, é fácil perceber que há uma relação indissociável entre o “E” e o “R”, visto que o “R” é for-matado com base no “E”. Então, é lógico reconhecer que para que o “R” possa ser certo e total, o “E” deve ser preciso.

A relação “E” e “R” é estabelecida, essencialmente, no momento da apresentação das propostas, no qual se forma a denominada equa-ção econômico-financeira. Como regra, essa equação antecede a execução do próprio contrato.

Nesse sentido, a equação econômico-financeira se traduz na relação de equivalência entre “E” e “R”.

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Ora, se para fixar o “R” é indispensável conhecer, de forma precisa e exata, a dimensão econômica do “E”, como resolver o pro-blema da imprecisão do “E”, sob o ponto de vista da sua quantidade?

A única alternativa seria viabilizar um mecanismo de solução que não dependesse da variável quantidade. Depois de bem refletir, o legislador definiu que o mecanismo seria a fixação de um preço por unidade de medida, ou seja, seria atribuído um preço para uma única unidade de medida e, depois de apurada a quantidade total, bastaria multiplicar o valor da unidade pela quantidade total do encargo e o problema seria solucionado. Assim, o legislador afastou a possibili-dade de atribuir um valor total aleatório ou não real, pois isso criaria uma distorção na equação econômico-financeira.

3.4. 3.4. Uma forma de evitar distorção na equação econômico-financeira

Se a Administração, mesmo diante da impossibilidade de pre-cisar a quantidade do objeto, exigir que o licitante estabeleça preço certo e total, duas coisas podem ocorrer.

A primeira delas é o licitante, para fixar a sua remuneração, ter de precisar a quantidade. Ora, tal solução é inaceitável, pois se a pró-pria Administração se considerou incapaz de precisar a quantidade pela impossibilidade absoluta, não haveria razão lógica para transfe-rir essa “missão impossível” para o licitante.

Logo, ainda que o licitante estabelecesse uma quantidade, não seria certa, mas meramente estimada. Dessa forma, a equação econômico-financeira deixaria de ser uma relação de equivalência entre o encargo e a remuneração, tendo em vista a indefinição da quantidade do encargo. A fixação de um preço certo e total seria mera ficção. O problema aqui é que o preço certo e total fixado pelo licitante não implicaria, necessariamente, a contraprestação pecuniária pela execução de um encargo capaz de possibilitar a solução desejada pela Administração. Com isso, toda a lógica da equação fica prejudicada.

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Para melhor ilustrar a questão, vamos retomar o exemplo do poço artesiano. Se o licitante estimar a obtenção de água com 200m e, com base em tal quantidade de metro perfurado, fixar a sua remu-neração, como ficará a situação caso a água não seja obtida quando se chegar a 200m? Ora, o preço certo e total foi fixado com base em um encargo determinado (200m). Certamente, para aumentar o encargo – nesse caso, perfurar além desse limite (por exemplo, 270m) – seria necessário aumentar, também, a remuneração.

A segunda alternativa seria o licitante, para não enfrentar a situ-ação narrada acima, superestimar a quantidade, uma vez que na pri-meira ele a subestimou. Mas há um problema aqui também. Se ele superestimar, corre o risco de perder a licitação para outro licitante que, embora com preço mais alto para o metro perfurado, tenha subestimado a quantidade. Nesse caso, a licitação fica sem parâme-tro objetivo. Por outro lado, se o licitante superestima a quantidade (por exemplo, 330m) e, na fase de execução, obtém água com 200m, estará se locupletando ilicitamente.

Para evitar essas situações e afastar o acaso, que não deve pre-sidir o julgamento das licitações nem servir de base para a fixação das remunerações, foi idealizado o regime de empreitada por preço unitário. Tal regime possibilita a obtenção de uma remuneração justa e a formação de uma equação econômico-financeira equilibrada para ambas as partes.

Se em todos os casos fosse adotado o regime de empreitada por preço global, não seria possível estabelecer, para todas as situ-ações, uma relação justa de equivalência entre encargo e remune-ração. Assim, ora a Administração se locupletaria e ora o licitante. A distorção na equação econômico-financeira implica ilegalidade.

Portanto, o regime de empreitada por preço unitário foi ideali-zado para viabilizar uma relação econômico-financeira justa, como deve ser. Sem esse regime, há um problema sem uma solução ade-quada. A empreitada por preço unitário é a solução adequada para um problema específico. Por isso ela é exceção à regra, devendo ser adotada diante da situação específica.

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3.5. 3.5. Em que momento se forma a equação econômico-financeira?

Efetivamente, toda equação econômico-financeira se forma no momento em que o licitante tem a sua proposta considerada vence-dora. É possível até, sob o ponto de vista cronológico e procedimen-tal, fixar um momento anterior para a constituição da referida equa-ção. Esse momento seria a própria apresentação da proposta. Aliás, em reajuste ou repactuação, deve ser considerada como marco ini-cial, para fins de contagem do prazo de concessão, a data da apre-sentação da proposta, e não outro momento. É o que diz o inc. XI do art. 40 da Lei nº 8.666/93.

No entanto, preferimos adotar o momento em que a proposta é considerada “aceita” porque, sob o ponto de vista da remuneração – um dos elementos que constitui a equação –, é com tal aceitação que se define a efetiva relação (E = R).

É preciso ter a clareza de que, por ocasião da apresentação da proposta, o valor da remuneração pode ser um (por exemplo, R$ 10.000,00) e, em razão da própria fase de lances (pregão) ou eventual negociação, o valor da remuneração pode ser outro. Com o advento do pregão, essa passou a ser a regra a ser observada. Portanto, a equação que vai nortear a execução do contrato é formada apenas com a apuração do preço final.

3.6. 3.6. Em que momento se forma efetivamente a equação econômico-financeira quando o regime é de empreitada por preço unitário?

A equação econômico-financeira é uma relação entre “E” e “R”. O “E”, representado pelo encargo, é definido na fase interna da licitação, ou seja, por ocasião do planejamento da contratação, e é materializado no edital. Aliás, a função básica do edital é materia-lizar o encargo e definir os parâmetros objetivos para a fixação da remuneração.

No regime de empreitada por preço global, não há dúvida de que a equação econômico-financeira se forma, integralmente, na fase externa da licitação, pois é nesse momento que a remuneração é

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definida de forma total, com base no encargo certo e definido na fase interna.

E, no caso da empreitada por preço unitário, em qual momento se constitui essa equação?

A dúvida se justifica em razão de que, na fase externa, a remu-neração é apenas “parcial” ou, melhor dizendo, ela é apenas certa por unidade de padrão de medida, não sendo ainda total. Para ser total, deverá haver a execução do encargo, o que ocorrerá apenas na fase contratual. Logo, temos uma situação inusitada, que foge à regra.

Afinal, a equação se forma em função do preço certo por unidade de padrão de medida, que ocorre na fase externa? Ou no momento em que se tem o preço total apurado, na execução do contrato?

Em razão da primeira hipótese seria possível dizer que o preço é formado na própria fase externa. Então, nesse caso, temos a cons-tituição da equação por ocasião da licitação. Portanto, a equação não se forma em decorrência da execução do contrato, mas durante a própria licitação. Com a execução do encargo, o que se consolida é a remuneração total, e não a equação econômico-financeira, pois esta já estaria formada. A relação de que E = R, no caso da primeira situação, seria explicada da seguinte forma: a relação expressaria a equivalência entre o padrão unitário de medida (por exemplo, m²) e a remuneração por unidade de medida. Logo, tanto o encargo como a remuneração seriam unitários.

A segunda hipótese, da equação formada, efetivamente, apenas na fase de execução do contrato, implicaria reconhecer que a equa-ção econômico-financeira só se forma com a definição do encargo total e, consequentemente, da remuneração total, ou seja, antes não haveria tal equação. Essa conclusão não parece correta, porque com o edital temos a definição do encargo, e com a proposta vencedora, a fixação da remuneração. É verdade, por outro lado, que no caso de licitação para construção de um poço artesiano, por exemplo, o encargo total dependerá da variável quantidade. Mas isso não sig-nifica que a equação não tenha sido constituída. Em verdade, foi,

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porém, sob o aspecto de uma relação unitária. A equivalência aqui é E = R, mas sob o aspecto unitário. Isso preserva a essência da equação.

As fases interna e externa da licitação existem para viabilizar a relação entre encargo e remuneração. O que muda é que a relação de equivalência entre o encargo total e a remuneração total, em alguns casos, implica a execução do contrato como condição de existência.

4. 4. a fiscalização do contrato e os regimes de empreitada

Na empreitada por preço unitário, a fiscalização do contrato deve ser muito bem feita, sob pena de causar prejuízos à Adminis-tração Pública, tendo em vista que o efetivo encargo (quantidade do objeto) é apurado em razão da execução, e não previamente (como na empreitada por preço global).

Na empreitada por preço unitário, o preço apresentado na lici-tação é para uma unidade de medida determinada. Para chegar ao preço total, é necessária a determinação da sua quantidade, o que ocorre apenas em razão da execução do encargo, pois só assim é que se saberá o total da remuneração a ser paga.

Portanto, existe uma variável – a quantidade do encargo – que deve ser apurada por ocasião da execução. Isso faz com que a fisca-lização do contrato tenha contornos muito específicos. Se não hou-ver uma rígida fiscalização por parte da Administração, o emprei-teiro pode dimensionar a mais a quantidade do encargo, causando prejuízos ao erário. Controlar a variável é a missão do fiscal.

Vejamos os eventuais problemas de fiscalização nos dois tipos de regimes de empreitada mais utilizados.

No regime de empreitada por preço global, muito embora a quantidade esteja definida e o valor total da remuneração fixado, em princípio, poderíamos pensar que o empreiteiro não tem motivos para aumentar a quantidade do encargo, mas apenas para, eventual-mente, diminuí-la.

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A pretensão de reduzir a quantidade é evidente, pois seria ótimo receber a mesma remuneração e ter de executar uma quanti-dade menor de encargo. Evidentemente, isso é ilegal, pois representa violação da equação econômico-financeira do contrato, ou seja, a relação entre encargo e remuneração (E = R). Ora, se o encargo é reduzido, a remuneração também deverá ser, na mesma proporção, sob pena de haver enriquecimento sem causa justa.

Por outro lado, pode haver também a pretensão do empreiteiro em aumentar a quantidade do encargo, mas isso somente ocorrerá na hipótese de ter ele a certeza de que receberá pela quantidade a maior que executar. Essa é uma questão que enseja dúvida, pois a tese majo-ritária que vigora é a de que, em razão de o regime ser o de emprei-tada global, o empreiteiro não faz jus ao recebimento do que vier a executar a mais, uma vez que com a celebração do contrato, ele teria assumido a obrigação de entregar o objeto concluído e em perfeitas condições de funcionamento. Essa tese tem um grande número de adeptos. No entanto, entendemos que a Administração não pode se eximir de pagar pela execução a mais que o contratado tem de rea-lizar, notadamente quando ela decorre de erros no projeto. O art. 47 impõe à Administração um dever e, por força dele, não pode ela transferir para o particular as imprecisões do seu planejamento. O tema exige considerável análise e desenvolvimento de outros argu-mentos. Vale aqui citar o texto de Joel de Menezes Niebuhr, intitu-lado Alteração de contratos firmados sob o regime de empreitada por preço global e as repercussões do art. 127 da Lei nº 12.309/10, no qual ele afirma que “o entendimento corrente, segundo o qual, em empreitada por preço global, os erros de dimensionamento havidos no projeto básico devem ser suportados pelo contratado, não se har-moniza com o princípio geral de Direito segundo o qual a ninguém é dado colher benefício de sua própria torpeza”.31

No regime de empreitada por preço global, o fiscal deve ter muito cuidado com a questão da eventual redução das quantidades do encargo pelo contratado. A redução do encargo, diga-se de passa-gem, não envolve apenas uma questão de quantidade, mas, também,

31 Revista Zênite – Informativo de Licitações e Contratos (ILC), n. 206, p. 367, abr. 2011.

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de qualidade, o que se configurará pelo emprego de materiais de qualidade inferior àquela definida e preservada nas especificações do edital.

Quando o regime adotado é o de empreitada por preço uni-tário, existe o risco de o empreiteiro aumentar a quantidade do encargo, pois é com base nela que a sua remuneração total será definida. Esse aumento pode ser real ou simulado. No primeiro caso, há a execução efetiva do encargo, ou seja, o empreiteiro faz mais do que precisa para atender à necessidade, visto que vai se remunerar em função da quantidade executada.

No segundo caso (simulação), não há efetivamente a execu-ção do encargo, mas uma condição artificial é criada para parecer que a execução, de fato, ocorreu. Na empreitada por preço unitário, a intenção do empreiteiro é sempre aumentar a quantidade, pois quanto maior ela for, maior será a sua remuneração total.

5. 5. a questão do acréscimo quantitatiVo e os regimes de empreitada (epg e epu)

Qual a relação entre os regimes de empreitada e a possibili-dade de realizar acréscimo quantitativo do objeto? Os dois regimes admitem o acréscimo quantitativo ou não? Essas questões até aqui não foram discutidas pela doutrina especializada. Aliás, o próprio estudo dos regimes de empreitadas é algo muito incipiente e objeto de pouca reflexão e contribuição por parte dos estudiosos.

Vamos começar pela empreitada por preço unitário.

A questão a ser respondida é a seguinte: quando o regime ado-tado é o da empreitada por preço unitário, é possível realizar acrés-cimo quantitativo?

Se a nota característica do referido regime é o seu cabimento quando a quantidade do objeto (encargo) puder ser definida com pre-cisão, em decorrência da execução não haverá, em princípio, sentido lógico para admitir acréscimo quantitativo. Ou seja, com a conclusão

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do objeto, a quantidade total estaria definida e não haveria o que acres-centar, pois tal quantidade é definida em razão da própria execução. Para falar em acréscimo, é preciso que a quantidade tenha sido, na fase de planejamento da contratação, definida como certa. No entanto, na empreitada por preço unitário, a quantidade é incerta. Logo, não há como acrescer o incerto ou indefinido. Quanto seria, por exem-plo, 10% sobre um objeto não quantificado? Seria algo impreciso, e o acréscimo pressupõe, na sua essência, uma quantidade precisa.

Assim, a possibilidade de acréscimo estaria reservada para os demais regimes, notadamente o da empreitada por preço global. Mas, a partir do momento que a quantidade se tornasse certa, durante a fase de execução do contrato, seria possível cogitar, excepcional-mente, acréscimo na empreitada por preço unitário? Essa é uma pos-sibilidade que pode ensejar discussão, mas é muito excepcional no caso da empreitada por preço unitário. Em tese, é possível dizer que o acréscimo seria admissível em razão de fato superveniente verifi-cado entre a liquidação da despesa e o pagamento. Não vislumbra-mos outra possibilidade, mas ela pode até existir.

Se o regime é de empreitada por preço global, não há dúvida de que o acréscimo é cabível. Aliás, o acréscimo é o aumento que se realiza sobre a quantidade certa do encargo. Logo, uma das con-dições para promover o acréscimo é que a quantidade seja certa. Da mesma forma, só se cogita acréscimo se for necessário à realização de mais encargo como condição para a conclusão do objeto capaz de atender à necessidade da Administração.

Então, voltamos a uma questão já enfrentada acima. A remune-ração do licitante deve se limitar a traduzir a expressão econômica do encargo definido no edital. O que for necessário, além disso, deve ser compensado pelo instituto do acréscimo quantitativo, quando o regime for o de empreitada por preço global. Não há outro meio de assegurar igualdade e justiça para a contratação pública senão dessa forma. A garantia da igualdade ocorrerá pela fixação de um parâme-tro objetivo para que todos os competidores possam fixar suas remu-nerações. E o sentido de justiça decorre da ideia fundamental de que encargo e remuneração devem ser equivalentes, sob pena de gerar enriquecimento sem causa para uma das partes.

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6. 6. a regra e a exceção

A empreitada por preço global é a regra, e a por preço unitário é a exceção. Isso significa que, na maior parte dos casos, a emprei-tada por preço global é que deve ser adotada, e não a por preço unitário.32

Se for possível, antecipadamente, precisar a quantidade do objeto, o regime deve ser a empreitada por preço global. Se não for possível, o regime deve ser a empreitada por preço unitário. O regime por preço unitário é aplicável quando a quantidade do objeto somente é apurada, de forma precisa, na fase de execução, e não na de planejamento.

É necessário perceber que a quantidade para atender à neces-sidade é sempre precisa e exata. O problema aqui é o do momento em que a definição da quantidade do encargo é considerada pre-cisa. Como regra, o momento é o do planejamento, isto é, o da fase interna. Como exceção, a apuração da quantidade real será feita por ocasião da execução do contrato.

Portanto, os dois regimes de empreitadas existem para atender a situações distintas. Diante de cada uma delas é que se avaliará qual é o mais indicado. A propósito, a análise deve se nortear pelo critério definido acima.

7. 7. empreitada integral

Os regimes de execução estão relacionados à forma de fixação do valor da remuneração. Como a remuneração tem relação direta com o encargo, visto que é fixado em razão dele, há uma rigorosa ligação entre o regime de empreitada e o encargo a ser executado.

32 É sempre muito delicado determinar a regra e a exceção, porque o que enseja uma coisa e outra é uma condição fática específica. O mais adequado é dizer que sempre que não for possível definir a quantidade do objeto por ocasião do planejamento, o regime deve ser o de empreitada por preço unitário. Logo, nesse caso, a EPU será sempre a regra. Mas a ideia de regra e exceção é tomada em outro sentido e como conduta padrão ou comum. Portanto, o mais comum é a EPG, e não a EPU.

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Isso explica a expressão “regime de execução” para qualificar as mencionadas realidades jurídicas (tipos de empreitadas).

Para facilitar a compreensão do regime de empreitada integral, é necessário antes entender algumas questões prévias, sem as quais haverá maior dificuldade para compreender o cabimento do mencio-nado regime integral. Para evitar tal dificuldade, vamos identificar (de forma bem resumida) as principais etapas que integram um empreen-dimento de engenharia, a saber:

a) Identificação da necessidade;

b) Estudos e levantamentos preliminares;

c) Elaboração dos projetos básico e executivo;

d) Elaboração de planilhas de quantitativos e preços unitários;

e) Definição das demais obrigações do encargo e condições;

f) Elaboração e aprovação do edital;

g) Realização da fase externa (licitação);

h) Execução do contrato.

Na fase de execução do contrato, a prestação do particular é qualificada pela conjugação de diversos recursos, tais como ins-trumentais, técnicos, tecnológicos, logísticos, materiais e humanos. Toda obra ou serviço de engenharia é o produto resultante da conju-gação harmoniosa desses diferentes tipos de recursos. A capacidade de um empreiteiro se revela pela aptidão para articular, de forma ordenada, todos os recursos para a produção de um fim específico: a realização da obra ou do serviço, conforme definido no projeto básico/executivo. Essencialmente, ninguém licita uma ponte ou a pavimentação de uma estrada. O que se licita é a seleção de uma pessoa para executar um projeto. O resultado da execução pode ser a ponte descrita no projeto ou um monte de ferro envolto em concreto (que não necessariamente é uma ponte). É assim porque a ponte é um objeto a ser feito sob encomenda e predisposto a atender a determi-nada utilidade. Não existe ponte alguma antes da conclusão do cro-nograma físico.

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Mas, com base em uma concepção mais tradicional e singela, a obra de engenharia é o produto que resulta do encontro entre os materiais (insumos utilizados) e a mão de obra. O empreiteiro nor-malmente executa a obra física (a edificação, por exemplo) e, com a sua conclusão, encerra o seu encargo. Muito embora existam outras coisas que devem ser feitas ou outros encargos que devem ser executados.

A solução pretendida pela Administração para atender à sua necessidade não se resume à execução física, à conjugação de insu-mos materiais e mão de obra. Encerrada a empreitada pelo seu exe-cutor, não tem a Administração, ainda, o empreendimento concluído na sua integralidade ou totalidade, pois faltará realizar outras aqui-sições (mobiliário, etc.) e equipamentos (ar-condicionado, computa-dores, central telefônica, geradores, equipamentos específicos, etc.). Esse conjunto de coisas é que produzirá alguma utilidade.

Portanto, a necessidade da Administração só é efetivamente satisfeita quando o objeto por ela idealizado estiver integralmente concluído e acabado de modo a se destinar ao fim para o qual foi concebido.

Para ficar ainda mais clara a compreensão, identificaremos os diversos encargos que integram o processo de contratação. Com base nas etapas indicadas, vamos chamar de:

§ Encargo (A): identificação da necessidade;

§ Encargo (B): realização dos estudos e levantamentos preliminares;

§ Encargo (C): elaboração dos projetos básico e executivo;

§ Encargo (D): elaboração de planilhas de quantitativos e pre-ços unitários;

§ Encargo (E): realização da licitação; e

§ Encargo (F): execução propriamente do contrato.

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A execução do contrato (F) pode ser integrada por variadas obrigações: (f1) fornecimento de mão de obra; (f2) fornecimento dos insumos a serem empregados; (f3) fornecimento de equipamentos e máquinas; (f4) fornecimento de mobiliário e (f5) outros.

Vamos avaliar agora a quem cabe realizar cada um dos encar-gos que representam as etapas apontadas.

O cumprimento do encargo (A), que é a identificação da neces-sidade, deve ser realizado pela própria Administração. Ela não deve transferir para um particular a sua definição, pois é seu dever fixar e dimensionar o problema que pretende resolver. Por meio de seus próprios agentes, deve identificar a sua necessidade. Essa é a regra a ser observada. Apenas em situações específicas e de maior comple-xidade, devidamente justificadas, pode recorrer a terceiros para cum-prir esse encargo. De qualquer forma, seja qual for a situação, a deci-são final sobre a configuração da necessidade será da própria Admi-nistração, isto é, com ou sem auxílio de terceiro. Isso foi explicado anteriormente.

O encargo (B), ou seja, a realização dos estudos e levantamentos preliminares, tanto pode ser executado pela Administração como por um terceiro, o prestador de serviços. Se a Administração tem estrutura de pessoal e condições técnicas, pode ela própria realizar os estudos preliminares. No entanto, normalmente ela não possui tal estrutura, assim, a alternativa é recorrer a um terceiro. O encargo do terceiro é realizar todos os estudos, as avaliações e as sondagens necessárias para, em seguida, preparar os projetos, o que poderá ser feito por ele mesmo ou por outra pessoa, conforme definir a Administração.

O encargo (C) é a elaboração dos projetos básico e execu-tivo, a qual pode ser feita tanto pela Administração como por um terceiro. Normalmente, a Administração não está aparelhada e não possui corpo técnico qualificado para cumprir esse encargo. Assim, com base na necessidade identificada e nos estudos preliminares, é contratada uma pessoa, física ou jurídica, para executar o referido encargo. Tal encargo se traduz na obrigação de se dizer, dentro de padrões técnicos: a) o que deve ser feito, b) com o que deve ser feito e c) como deve ser feito.

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O encargo (D), elaboração das planilhas de quantitativos e preços unitários, deve ser atribuído a quem elaborar o encargo (C), pois está intimamente ligado a ele. Quem elaborar os projetos deve preparar as planilhas. Porém, não haverá nenhum problema se tais encargos forem atribuídos a pessoas distintas. É possível, mas não é conveniente.

O ideal é que os encargos (B), (C) e (D) sejam atribuídos a uma mesma pessoa, em razão da estreita relação que há entre eles. Tais encargos servem para responder, de forma objetiva e precisa, a qua-tro perguntas diferentes: O que deve ser feito? Com o que deve ser feito? Como deve ser feito? Quanto custará aos cofres públicos o que deve ser feito na forma pela qual deve ser feito? Sob o ponto de vista operacional, entendemos que o melhor é fazer as quatro perguntas a uma única pessoa.

O encargo (E), isto é, a realização da licitação, deve ser cum-prido pela própria Administração. Aliás, isso ocorre em 100% dos casos. Não há notícia de que a Administração tenha, em alguma situ-ação, transferido para particulares a execução desse encargo. O que a Administração pode e tem feito, em determinadas situações que envolvem maior complexidade, é atribuir a um terceiro a elabora-ção/formalização do edital de licitação. Mas a aprovação do edital, o processamento do certame e o seu julgamento têm sido realizados, de forma exclusiva, pelos próprios agentes públicos. Não é que isso não possa ser feito, uma vez que não há nenhum impedimento abso-luto para tanto. O que afirmamos é que o regime atual reserva esse encargo para a Administração.

A execução do contrato (F) tem sido, na grande maioria dos casos, atribuída a um terceiro (empreiteiro). Mas a execução do con-trato (F) pode se desdobrar em diversas obrigações, ou seja, (f1) forne-cimento de mão de obra; (f2) fornecimento dos materiais e insumos a serem empregados; (f3) fornecimento de equipamentos e máquinas; (f4) fornecimento de mobiliário e (f5) outros.

Existem outras obrigações adicionais que integram o encargo da execução, mas que não serão indicadas para não tornar muito exaustiva a exposição.

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Assim, é possível contratar um empreiteiro apenas para execu-tar um serviço (mão de obra), sem fornecer insumos, equipamentos, máquinas e mobiliário, bem como é possível atribuir a ele todas essas obrigações ou apenas parte delas.

Não é razoável a Administração, em razão da sua eventual incapacidade de planejar a contratação, transferir para um terceiro (empreiteiro) a missão de definir os projetos, o custo e todas as demais condições pertinentes ao planejamento da contratação e, ainda, atri-buir a ele a própria execução do que ele mesmo definiu, como está sendo feito em relação às obras de infraestrutura necessárias à reali-zação da Copa do Mundo de Futebol e das Olimpíadas, em face do Regime Jurídico Diferenciado (RDC) instituído pela Lei nº 12.462/11. As funções de planejar o que será realizado e a de executar o que foi definido devem ser segregadas e não podem ser atribuídas à mesma pessoa. Essa segregação pode ser ignorada em alguns empreendi-mentos específicos, como nas concessões e em determinadas parce-rias com o setor privado. Se o recurso que vai suportar a execução é do orçamento ou é garantido pelo Estado, não é possível atribuir a uma mesma pessoa o planejamento e a execução. Não é esse tipo de empreitada integral que abordaremos. Trataremos do regime de empreitada integral que envolve apenas a execução do encargo con-tratual, e não o planejamento da contratação.

Em comparação à empreitada por preço global, a empreitada integral tem um encargo mais amplo. Por isso, a adoção da emprei-tada integral enseja a obrigatoriedade de um prazo maior de publi-cidade do edital, pelo simples fato de que, em razão da amplitude e complexidade do encargo, o licitante terá maior dificuldade para pre-parar sua proposta e estimar sua remuneração.

Normalmente, a Administração repassa para o empreiteiro o encargo integrado pelas obrigações (f1) fornecimento de mão de obra e (f2) fornecimento dos insumos a serem empregados, bem como de todos os recursos materiais, instrumentais e tecnológicos necessários. Em razão disso, tem como resultado final, por exemplo, uma edifi-cação (um prédio de seis pavimentos para a sua sede ou um ginásio de esporte). Em face do encargo indicado, o regime de execução é a empreitada por preço global. Ela é global apenas em relação aos

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encargos (f1 + f2), visto que existirão outros encargos que não fazem parte do contrato, como a aquisição de equipamentos e mobiliário.

Diferentemente da empreitada global, na empreitada inte-gral temos uma situação especial. É integral porque a Administração transfere para o empreiteiro o encargo total, no exemplo acima, a obrigação de realizar (f1 + f2 + f3 + f4 + f5).

Concluída a obrigação pelo empreiteiro, a Administração terá o empreendimento integralmente finalizado e pronto para entrar em funcionamento ou operação. O encargo total do empreiteiro coin-cide com a viabilização operacional do empreendimento ou solu-ção final visada pela Administração. Com a execução do encargo, a necessidade pode ser satisfeita imediatamente.

O regime de empreitada integral é também conhecido como turn key, que na sua tradução quer dizer girar a chave ou com a chave na mão. O empreiteiro, então, assume a obrigação de deixar tudo em ordem para funcionar integralmente.

Além das obrigações relacionadas à execução do contrato (f1 + f2 + f3 + f4 + f5), é possível atribuir outros encargos ao empreiteiro como, por exemplo, a elaboração dos projetos (básico e executivo) e preparação de planilhas?

Como vimos acima, no regime da contratação pública, vigora o princípio da separação entre o encargo de planejar e o de executar. Quem planejar a licitação, como regra, não poderá participar dela, muito menos executar o contrato respectivo. Aliás, a vedação de par-ticipar da licitação decorre da proibição genérica de poder executar, ou seja, como não poderá executar o contrato, não há porque permi-tir a participação na licitação. A participação na licitação deve, em princípio, preservar um caráter de utilidade.

Portanto, quem for contratado para elaborar o projeto básico não poderá depois disputar o contrato para executar o que ele mesmo definiu como a solução para atender à necessidade da Administra-ção. São duas situações, em princípio, incompatíveis. A incompati-bilidade não é absoluta, não significa que quem planejou a obra não

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tem condições técnicas de executá-la. É até possível que tenha con-dições técnicas. Portanto, a incompatibilidade é meramente relativa, está relacionada a uma questão ética e moral e a outros princípios.

Foi o raciocínio do legislador: se quem planeja pudesse, tam-bém, disputar o contrato para executar o objeto, haveria prejuízo no plano da isonomia.

Em primeiro lugar, porque quem planejou teria informações pri-vilegiadas, o que causaria prejuízos potenciais à igualdade. O exem-plo pode ser um tanto quanto exagerado, mas é como se alguém pre-parasse a prova de um concurso em que vai disputar a única vaga existente.

Em segundo lugar, porque haveria uma tendência do planeja-dor em aumentar o custo do empreendimento, o que ensejaria uma remuneração maior, caso fosse o vencedor. Aliás, foi com base nesse raciocínio que o legislador vetou o regime de administração contra-tada, pois nele a remuneração do empreiteiro decorre do custo direto da obra. Logo, quanto maior for o custo, maior é a remuneração.

Para responder à indagação acima de forma mais organizada, é melhor separar os argumentos em duas partes: uma para o pro-jeto básico e outra para o executivo. Avaliaremos primeiro o projeto básico, para saber se é possível atribuir, ao empreiteiro que vai exe-cutar o contrato, o encargo de elaborar o projeto básico.

O projeto básico não pode ser definido por quem vai executar o contrato, o que não significa que um terceiro não possa elaborá--lo. É preciso separar bem as duas coisas para que não haja confusão. Não é possível transferir para a pessoa que vai executar o encargo a atribuição de definir o próprio encargo que vai executar. Um define o encargo e outro o executa, ou seja, tais atribuições não podem ser realizadas pela mesma pessoa nem por pessoas que mantenham entre si relações empresariais, profissionais ou qualquer vínculo.

Ora, salvo situações excepcionais, sem a definição do objeto não haverá como deflagrar a licitação propriamente dita (disputa), pois os particulares não saberão qual o objeto (solução) pretendido

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pela Administração, o que impossibilita a elaboração da proposta e a definição da remuneração.33 Sem que o encargo esteja definido e dimensionado, não há como alguém definir um preço para a sua execução.

Feita a análise do projeto básico, avaliaremos a questão da pos-sibilidade de transferir para o empreiteiro a elaboração do projeto executivo.

A análise do regime jurídico da licitação vai revelar que o legis-lador, no § 2º do art. 9º da Lei nº 8.666/93, permite que a Adminis-tração inclua a elaboração de projeto executivo como encargo do contratado.

A aplicação desse dispositivo legal pode ser adotada em qual-quer caso? Teria o legislador configurado uma regra de aplicação geral ou ela tem aplicação excepcional? Não só por razão de legalidade, mas também de lógica, é viável entender que a possibilidade de atri-buir ao empreiteiro a elaboração do projeto executivo é excepcio-nal, e não uma faculdade a ser utilizada diante de qualquer caso concreto.

Como regra, quando o empreiteiro começa a executar o con-trato, tanto o projeto básico como o executivo já devem estar pron-tos e disponíveis. Dito de outra forma, a execução do objeto é ativi-dade totalmente vinculada aos projetos básico e executivo, não ape-nas ao básico, salvo se este contemplar todas as informações sob esse rótulo.

A regra indicada foi formatada para atender a determinadas situações especiais, nas quais a Administração, muito embora defina o que vai ser feito, não consegue, antecipadamente, estabelecer com o que será feito ou como deve ser feito. E por que não consegue defi-nir? A resposta é a seguinte: existem casos em que a forma de execu-ção estará vinculada ao próprio objeto cotado pelo licitante.

33 É evidente que não nos referimos à possibilidade de licitação para a elaboração do próprio projeto.

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Explicando melhor. Imaginemos que o problema da Adminis-tração é “X”. O problema “X” pode ser resolvido por meio de dife-rentes soluções técnicas, por exemplo: solução “a”, “b” ou “c”, todas disponíveis no mercado e pertencentes a diferentes pessoas. E cada uma das soluções apontadas possui uma forma própria e muito espe-cífica de execução.

Se a Administração indicar, desde logo, a solução executiva, restringirá a disputa e a licitação será dirigida, uma vez que um forne-cedor não tem como executar a solução do outro, apenas a sua pró-pria. Logo, somente é possível dizer como a solução será executada depois de saber qual o objeto cotado pelo vencedor da licitação. Por-tanto, ao vencedor caberá definir o projeto executivo. A regra indi-cada no § 2º do art. 9º da Lei nº 8.666/93 deve se restringir a esse tipo de situação. Jamais deve ser adotada como regra geral.

Então, como regra, não é possível atribuir ao empreiteiro res-ponsável pela execução do contrato o encargo de executar o projeto básico nem o executivo. Apenas excepcionalmente.

7.1. 7.1. Quando deve ser adotada a empreitada integral, afinal?

A principal característica da empreitada integral é envolver um encargo mais amplo e complexo do que o da empreitada por preço global ou unitário. Em alguns casos, inclusive, o empreiteiro tem de recorrer a terceiros para atender ao encargo total e cumpri-lo.

A empreitada integral pode ser utilizada quando a solução final for complexa e sistêmica. Poderá ser adotada quando o objeto total a ser executado for integrado por várias partes ou encargos autônomos e independentes, mas que deverão produzir uma solução unitária.

Com efeito, não podemos adotar o regime de empreitada inte-gral em qualquer situação, até porque não é cabível em qualquer caso, mas em situações específicas. Da mesma forma, a empreitada por preço unitário também não deve ser utilizada de forma generalizada.

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Portanto, da mesma forma que o tipo mais usual é o menor preço, o regime de execução mais comum é o de empreitada por preço global.

É preciso realizar uma análise cuidadosa diante de cada demanda específica, para o fim de adotar este ou aquele regime de execução. A generalização, nesse caso, não é adequada, como tam-bém não seria se adotássemos o tipo menor preço em todas as situa-ções. Se fosse possível generalizar um único tipo, uma única moda-lidade de licitação ou um único regime de execução, não haveria razão lógica para a existência dos demais.

Uma coisa é seguir a regra quando ela for aplicável; a outra é ignorar a exceção quando ela tiver cabimento. Adotar a regra quando a situação concreta impuser a exceção é, sem dúvida, prati-car ilegalidade. Vamos a um exemplo. Viola a ordem jurídica a auto-ridade que, por apego ao dever de licitar, não autoriza a contratação imediata por emergência para a compra de medicamentos indispen-sáveis ao atendimento de uma epidemia ou mesmo a execução de uma obra urgente. Aplicar corretamente a lei é ter a clareza que o Direito é feito de regra e exceção. As duas devem ser respeitadas, sob pena de violação ao sistema jurídico.

8. 8. tarefa

A tarefa foi definida na alínea “d” do inc. VIII do art. 6º da Lei nº 8.666/93 como o regime de empreitada em que a mão de obra é ajustada para pequenos trabalhos por preço certo, com ou sem forne-cimento de materiais.

É possível afirmar, então, que não há diferença substancial entre a tarefa e a empreitada por preço global; o que distingue uma da outra é apenas a dimensão e a complexidade do encargo a ser execu-tado. Na tarefa, há um pequeno encargo, e na empreitada por preço global temos, normalmente, um encargo de maior monta ou expres-são. Tanto num regime como no outro, é possível contratar apenas a mão de obra (o serviço propriamente dito), bem como fornecer os insumos e materiais a serem empregados, ou conjugar as duas coisas.

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Não é possível contratar apenas o fornecimento, porque aí não se poderá mais falar em obra ou serviço de engenharia, por exemplo. Se o ajuste envolver apenas o fornecimento de bens, estaremos diante de compra. Logo, o encargo será representado por uma obrigação de dar, e não de fazer, como é o caso da obra de engenharia.

A tarefa é uma atividade ou trabalho que envolve um encargo simples e de execução rápida e pontual. Normalmente, é utilizada para atividades destituídas de complexidade técnica e que compre-endem serviços técnicos comuns, tais como serviço de pintura e res-tauração de reboco de uma parede. Como o material a ser empre-gado pode ser fornecido pela Administração ou pelo próprio emprei-teiro, deverá a Administração definir o que compreenderá o encargo para que o interessado defina a sua remuneração.

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Capítulo 9

DEFINIÇÃO DO PROCEDIMENTO A SER ADOTADO PARA CONDUZIR A FASE EXTERNA DO PROCESSO DE CONTRATAÇÃO E INDICAÇÃO DOS PRESSUPOSTOS DA LICITAÇÃO

1. 1. o que significa definir o procedimento?

Neste capítulo, veremos a definição do procedimento a ser ado-tado para conduzir a fase externa do processo de contratação. A fase externa tem natureza preponderantemente competitiva, pois é nela que se define a melhor relação benefício-custo e se avaliam as con-dições pessoais e a proposta dos licitantes, ou seja, é nela que o par-ceiro da Administração é selecionado.

Definir o procedimento a ser observado na fase externa é dizer como ela será conduzida, se de acordo com o rito da licitação ou o indicado para dispensa ou inexigência. Fundamentalmente, a fase externa do processo de contratação é realizada conforme a estrutura do art. 43 da Lei nº 8.666/93, do art. 4º da Lei nº 10.520/0234 ou do art. 26 da Lei nº 8.666/93.

O mais comum é que a fase externa observe o procedimento da licitação, seja o definido para o pregão ou para uma das moda-lidades previstas no art. 22 da Lei nº 8.666/93. Com efeito, a licita-ção é o procedimento a ser observado em regra para conduzir a fase externa do processo, e o pregão é a modalidade específica que deve, preferencialmente, ser adotada quando o objeto for bens e serviços comuns. Se o objeto for obras e serviços de engenharia ou serviços

34 Art. 11 do Decreto nº 3.555/00 ou arts. 17 a 29 do Decreto nº 5.450/05.

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intelectuais, a modalidade preferencial será a concorrência, isto é, o rito fixado no art. 43 da Lei nº 8.666/93.35

Por um lado, o legislador determinou que a fase externa do pro-cesso de contratação pública teria a estrutura estabelecida em lei (art. 43 da Lei nº 8.666/93 ou art. 4º da Lei nº 10.520/02). No entanto, por outro, autorizou a realização com a não observância daqueles ritos em determinadas hipóteses arroladas taxativa ou exemplificativa-mente. Por força disso, foram configuradas as hipóteses dos arts. 17, 24 e 25 da Lei nº 8.666/93. Elas autorizam a Administração a aban-donar o rito da licitação e adotar outro, que está definido de forma muito incipiente no art. 26 da Lei nº 8.666/93.

Portanto, definir o procedimento da fase externa é fixar como serão avaliadas as condições pessoais dos interessados, como será apurada a melhor relação benefício-custo da desejada contratação e qual regime jurídico disciplinará a sua condução.

2. 2. a decisão da escolha do procedimento

A escolha do procedimento a ser observado na fase externa é uma decisão, tal qual a que define a necessidade, o objeto e todas as demais condições que integram o encargo, o regime de execução ou o tipo de licitação a ser adotado. Trata-se de decisão criteriosa e que deve ser adotada de acordo com as condições definidas em lei, e não por eventual escolha de natureza pessoal do agente. Portanto, a definição do procedimento a ser observado na fase externa decorre de um critério normativo.

É dever do agente público, no momento oportuno, decidir se o rito da fase externa do processo será o previsto para a licitação ou se o da dispensa/inexigência. O que irá determinar isso é a situação fática real e concreta a ser atendida com a contratação. Por exemplo,

35 A afirmação feita reflete entendimento próprio do autor. Cumpre anotar que o enten-dimento do TCU é diverso, bem como de parte significativa da doutrina, pois admi-tem a adoção do pregão, por exemplo, para a contratação de bens e serviços de engenharia.

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a necessidade da Administração poderá determinar o regime jurídico aplicável e o rito da fase externa. Se o atendimento da necessidade da Administração for urgente, como nos casos de emergência e cala-midade pública, estará autorizado o afastamento do rito da licitação. Tal afastamento altera a forma de seleção do terceiro que irá viabi-lizar a solução (objeto) desejada pela Administração para satisfazer sua necessidade. Nos casos em que o atendimento da necessidade (que o legislador qualificou de “situação” no inc. IV do art. 24 da Lei nº 8.666/93) deva ocorrer de forma urgente, o rito definido para a licitação é inadequado e impróprio.

A inadequação resulta da incompatibilidade entre o atendi-mento dos prazos fixados para a realização da licitação e a rapidez a ser observada para a seleção do terceiro, bem como para a satis-fação da necessidade. Diante da situação, se realizada a licitação, haveria prejuízo irreparável para a necessidade administrativa, ou seja, dano ao interesse público. Mas é necessário observar que não é a solução (objeto) para atender à necessidade que mudará, pois esta é normalmente definida pela Administração e invariável, independen-temente do procedimento a ser adotado. No exemplo citado, o que mudará é a forma de seleção do terceiro. Apesar de, normalmente, a solução (o objeto) definida pela Administração ser invariável, eventu-almente existem algumas situações especiais que podem alterar essa conclusão.

A escolha do procedimento a ser adotado na fase externa é decisão importantíssima para a Administração, pois poderá garantir o melhor resultado contratual e será determinante para a configuração da melhor relação benefício-custo a ser obtida em razão da neces-sidade a ser satisfeita. No entanto, o que torna tal decisão legal ou ilegal é a adequada configuração fática da hipótese que autoriza um procedimento e afasta outro. Todas essas questões se entrelaçam e devem ser avaliadas de forma sistêmica.

A definição de qual será o procedimento adotado na fase externa do processo dependerá da resposta a ser dada para a seguinte pergunta: os pressupostos da licitação podem ser atendidos diante da situação concreta? Se a resposta for negativa, estará o agente autorizado a considerar inexigível a licitação. Mas, se a resposta for

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positiva, caberá ao agente verificar se a situação concreta está des-crita no art. 24 da Lei nº 8.666/93 como caso típico de dispensa. Se estiver, a licitação poderá ser dispensada. Caso contrário, a licitação será obrigatória. Para entender a razão que possibilitou estruturar o critério indicado, é necessário proceder à leitura dos tópicos seguin-tes, pois adotaremos uma classificação distinta da tradicionalmente empregada pela doutrina especializada.

É importante destacar que as perguntas e as respostas apresen-tadas determinam exatamente a ordem lógica e legal que deve ser observada pelo agente para definir o procedimento da fase externa. A sistemática proposta tem como premissa a resposta para uma ques-tão fundamental: qual o pressuposto legal para a licitação ser consi-derada obrigatória? Essa questão será enfrentada logo após o próximo tópico.

3. 3. o procedimento regra e o procedimento exceção

Afirma-se com frequência que a licitação é o procedimento regra, e a dispensa e a inexigência são as suas exceções. A adequa-ção dessa afirmação deve ser vista em termos, de forma relativa, e não como algo absoluto.

A licitação tanto é regra a ser seguida como exceção a ser observada. Da mesma forma, a inexigência também pode ser uma exceção ou a regra a ser adotada. Em face da urgência de atendi-mento de situação emergencial ou calamitosa, por exemplo, a regra a ser cumprida é o afastamento da licitação. Nesse caso, a licitação passa à condição de exceção (ou mais do que isso, é proibida). Na ordem jurídica, toda condição pode ser considerada regra e exceção, pois o que define uma e outra é a situação fática envolvida. Uma necessidade revestida de urgência tornará a licitação sempre uma exceção. No entanto, a mesma necessidade revestida de normali-dade tornará a licitação a regra, e o seu afastamento, a exceção. Essa é uma característica que informa a ordem normativa e não pode ser ignorada, muito embora isso aconteça com frequência.

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Não é adequado entender que, diante de uma hipótese típica de inexigência, o agente público poderia, por exemplo, escolher livremente se faz a licitação ou não. Em dadas situações, mesmo que o agente desejasse realizar a licitação, ele estaria impedido (proibido) de fazê-la. A proibição é da própria ordem jurídica. Não é conce-bível realizar a licitação sob o argumento de que se deseja privile-giar em todas as contratações o tratamento isonômico. Não é essa a essência da ordem jurídica. Se fosse possível assegurar sempre o tra-tamento isonômico, não haveria sentido para o constituinte empre-gar, no enunciado do inc. XXI do art. 37 da CF, a expressão “ressalva-dos os casos”. Vale dizer, se a igualdade tivesse de ser respeitada em todas as contratações, não faria sentido as hipóteses de inexigência, por exemplo. O atendimento da isonomia não é um valor jurídico que depende da vontade arbitrária do agente público, mas de condi-ção objetiva (fática).

Não pode um agente político, por exemplo, um prefeito, sob o argumento de que deseja prestigiar a mais absoluta moralidade e o respeito ao tratamento isonômico, determinar que, no município em que exerce seu mandato, não será mais possível contratar com funda-mento nos arts. 17, 24 ou 25 da Lei nº 8.666/93 e que todas as contra-tações serão, obrigatoriamente, precedidas de licitação. Pela mesma razão que se deve condenar a dispensa ou a inexigibilidade de uma contratação quando a Lei impõe a obrigatoriedade da licitação, tam-bém se deve considerar ilegal o seu não afastamento quando os pres-supostos não estiverem presentes. Ora, não se pode deixar de adquirir com rapidez medicamentos ou vacinas para atender a uma situação de urgência sob o argumento de que é preciso realizar licitação na modalidade de pregão ou concorrência.

A legalidade não está em licitar sempre, mas apenas nos casos indicados na ordem jurídica, isto é, quando reunidos os pressupos-tos. Da mesma forma, não se pode realizar a dispensa ou a inexigên-cia com sentimento de culpa, como se estivesse fazendo algo ilegal. Portanto, a adoção da licitação em caso de inexigência é tão ilegal como a sua não realização quando cabível. A inexigência é a regra quando ausentes os pressupostos que determinam a licitação, bem como a sua dispensa poderá ocorrer quando, mesmo presentes os

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seus pressupostos, houver autorização legal para o seu afastamento. A ideia de regra e exceção na ordem jurídica é um valor relativo.

O atendimento do interesse público acontece por meio de um procedimento regra ou por intermédio de sua exceção. As duas rea-lidades integram a ordem jurídica e são indispensáveis para o pleno atendimento da necessidade administrativa. Procedimento regra é aquele que deve ser observado em razão de uma situação idealizada pelo legislador e que possibilita o cumprimento de determinadas condições ou pressupostos definidos legalmente. Ao contrário, o rito excepcional pressupõe essencialmente a inaplicação de tais condi-ções ou pressupostos ou a existência de outros valores que devam ser considerados juridicamente. Ambas as realidades têm igual importân-cia para a ordem jurídica, pois representam dois caminhos que con-duzem ao mesmo destino.

4. 4. os pressupostos da licitação

A definição do procedimento a ser adotado na condução da fase externa do processo de contratação implica decisão que se tra-duz em dupla possibilidade: a realização da licitação ou o seu afas-tamento. Portanto, ou a licitação é exigível, ou não é.36 Será exigível se os seus pressupostos estiverem reunidos; não estando, a licitação será simplesmente inexigível.

Mas quando a licitação é obrigatória e quando ela não deve ser realizada? Qual é a fronteira que separa esses dois mundos?

A licitação será obrigatória sempre que presente o seu pressu-posto fundamental, qual seja, o tratamento isonômico. Se for pos-sível assegurar o devido tratamento igualitário na seleção do futuro beneficiário do contrato, a licitação deverá ser realizada. É preciso indagar, então, em que casos não se pode assegurar o atendimento da

36 A palavra “exigível” é utilizada no seu sentido amplo.

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isonomia, de modo a justificar o afastamento da licitação e a adoção de outro rito. A licitação não deve ser realizada quando:

a) A isonomia não puder ser assegurada em razão de uma con-dição de exclusividade, tal como nas hipóteses do inc. I do art. 25 e do inc. X do art. 24 da Lei nº 8.666/93;

b) Não for possível definir um critério objetivo para escolher o terceiro em razão das peculiaridades especiais que caracte-rizam o objeto e inviabilizam a competição jurídica, como nas hipóteses descritas no caput e nos incs. II e III do art. 25 e no inc. XIII, parte inicial, e no inc. XV do art. 24 da Lei nº 8.666/93;

c) Não for possível o atendimento dos prazos relativos ao rito próprio da licitação em razão da urgência de atendimento da necessidade, a exemplo dos casos previstos nos incs. III, IV, V e XII do art. 24 da Lei nº 8.666/93;

d) Houver, na estrutura orgânica da Administração Pública, uma pessoa capaz e com disponibilidade para diretamente satis-fazer a necessidade que motivou a contratação, tal como nas hipóteses previstas nos incs. VIII, XVI, XXIII e XXVI do art. 24 da Lei nº 8.666/93;

e) Revela-se antieconômica em razão do encargo integral neces-sário à plena satisfação da necessidade da Administração, como nos casos dos incs. I, II e VI do art. 24 da Lei nº 8.666/93;

f) A igualdade puder ser garantida a todos os interessados inde-pendentemente de processo competitivo, a exemplo do cre-denciamento, cujo fundamento é o caput do art. 25 da Lei nº 8.666/93;

g) A igualdade já tiver sido assegurada em regular processo com-petitivo, como nos incs. VII e XI do art. 24 da Lei nº 8.666/93;

h) A escolha do beneficiário do contrato for norteada por polí-tica que visa à inclusão social de classes ou grupos de pes-soas em condição desfavorável ou de entidades que prestem

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serviços de interesse social, como descrito na parte final dos incs. XIII, XX, XXIV e XXVII do art. 24 da Lei nº 8.666/93.

O rol acima traduz os principais casos que impõem o afasta-mento da licitação e justificam as hipóteses de dispensa e inexigência previstas nos arts. 24 e 25 da Lei nº 8.666/93. Seria possível ampliá-lo para justificar outras hipóteses dos referidos preceitos, no entanto, evi-tamos uma relação muito extensa. Ademais, os casos não contempla-dos são de reduzida aplicação.

Por outro lado, a licitação torna-se obrigatória quando for pos-sível realizar a escolha do terceiro de forma a garantir a isonomia e por meio de critério objetivo, atendendo aos prazos legais definidos para o seu rito procedimental.

5. 5. a questão da impossibilidade de definição de critério objetiVo de julgamento

Cumpre destacar a hipótese do item “b” da classificação indi-cada no tópico anterior e que impõe o afastamento da licitação quando não for possível a definição de um critério objetivo para jul-gamento da proposta e seleção do vencedor. Não se pode exigir a realização de licitação sob o argumento de que é necessário assegu-rar tratamento isonômico se não há como definir um critério objetivo para a escolha do terceiro. Dessa forma, sempre que houver possibi-lidade real de disputa e não for possível definir um critério objetivo de julgamento para selecionar a melhor relação benefício-custo em razão das peculiaridades especiais que caracterizam o objeto e tor-nam inviável a competição, a licitação não será exigível, ou seja, ela não deve ser realizada. O que justifica e impõe a licitação não é ape-nas a ideia de igualdade, mas também a obrigatoriedade de seleção objetiva dos competidores.

Portanto, não se fala em tratamento isonômico se inviável rea-lizar uma escolha objetiva. O tratamento isonômico não é um valor que deve ser assegurado apenas em determinada etapa da contra-tação, mas do primeiro ao último ato do processo. Ainda que se

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demonstre que em todos os atos anteriores foi assegurado tratamento isonômico, haverá violação da igualdade se a escolha do terceiro for feita por critérios subjetivos. Vale dizer, se não for possível fixar cri-tério objetivo de escolha do detentor da melhor proposta, a licitação não é cabível. Sem entender isso, não se compreende a hipótese pre-vista, por exemplo, no inc. II do art. 25 da Lei nº 8.666/93.

Por outro lado, não estamos reconhecendo que o critério subje-tivo para a escolha de terceiros está vetado no processo de contrata-ção pública. Referido critério pode e deve ser adotado em determina-das situações. No entanto, o critério subjetivo não pode ser adotado quando o procedimento é o da licitação, porque ela deve respeitar a igualdade, e não haverá tratamento isonômico se o critério não for objetivo. Como consequência, não é possível dizer que o que se qualifica como modalidade concurso é licitação nem que o procedi-mento previsto na Lei nº 12.232/10 é de natureza licitacional. Para rotular um procedimento como dessa natureza, é preciso observar o tratamento isonômico e que a escolha do vencedor se faça de forma objetiva, necessária e simultânea.

A legalidade reside tanto na licitação como no seu afastamento (dispensa e inexigência). As duas realidades têm fundamento consti-tucional, ou seja, a própria Constituição consagra ambas ao enunciar: “ressalvamos os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licita-ção”. Vale dizer, a licitação será exigida se não for o caso de afastá--la por força de condição ou situação especificada na legislação. Por-tanto, a análise da definição do procedimento não deve iniciar com a pergunta “a licitação é obrigatória?”, mas, ao contrário, com a inda-gação “a licitação está afastada?”.

No entanto, se não afastada, é dever do agente realizar a lici-tação e escolher, entre as modalidades definidas na Lei, a que será utilizada para selecionar o terceiro, de acordo com os critérios defi-nidos na ordem jurídica vigente. Definido que o procedimento será o da licitação e adotada a modalidade cabível, é dever do agente garantir a necessária competição, que se traduz, essencialmente, no tratamento isonômico entre os potenciais competidores e na seleção

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mediante critério de julgamento objetivo. Todas as condições que restrinjam a disputa ou a participação somente serão consideradas válidas se forem justificadas à luz da necessidade administrativa, cuja satisfação é a razão de ser da própria contratação.

É preciso perceber que não há apenas dever de realizar a lici-tação, mas também de não realizá-la. A inexigibilidade não é even-tual faculdade que se exerce em razão de um dever (a licitação), mas expressa uma condição jurídica que tem vida própria e não é simples apêndice da licitação ou algo secundário em relação a ela. Na con-tratação pública, a inexigibilidade ocupa a mesma posição hierár-quica da licitação.

6. 6. o significado da palaVra “competição” no contexto da contratação pública

Diz o legislador, no caput do art. 25 da Lei nº 8.666/93, que é inexigível a licitação “quando houver inviabilidade de competição”. Com base em tal enunciação prescritiva, é possível afirmar que a ideia de competição aparta os dois mundos: o da licitação e o do seu afastamento.

No entanto, para definir com exatidão essa fronteira, é indis-pensável fixar um conteúdo preciso para a palavra “competição”.

A licitação pressupõe possibilidade de competição, pois, sem ela, não há porque assegurar tratamento isonômico. Também é cor-reto afirmar que a inexigibilidade decorre da ideia de inviabilidade de competição. Mas inviabilidade não significa, necessariamente, impossibilidade de disputa real entre competidores. Pode haver inviabilidade de competição mesmo existindo uma pluralidade de pessoas em condições de atender à Administração, ou seja, de dis-putar o contrato.

A ideia de inviabilidade de competição é associada à de impossibilidade de disputa efetiva entre competidores, mas tal con-dição representa apenas uma das hipóteses capazes de justificar a

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inexigibilidade: a descrita no inc. I do art. 25 da Lei nº 8.666/93. Por-tanto, não se pode reduzir ou condicionar o gênero (inexigibilidade) em razão da característica de uma de suas espécies (exclusividade de fornecedor). Em razão dessa concepção, é possível encontrar jul-gados reconhecendo a irregularidade da inexigibilidade com funda-mento no inc. II do art. 25 da Lei nº 8.666/93, porque havia mais de um fornecedor no mercado detentor de notória especialização, em condições de ser contratado, como se isso fosse requisito indispen-sável e único para conferir legalidade ao referido processo.

A inexistência de efetiva disputa entre fornecedores no mer-cado é condição apenas para validar uma das hipóteses legais de inexigibilidade de licitação, e não todas as outras existentes, que são muitas e vão além das expressamente mencionadas no art. 25 da Lei nº 8.666/93. Ademais, uma parte das hipóteses de inexigibilidade está classificada equivocadamente no art. 24 e outras nem foram elencadas na Lei nº 8.666/93.

Com base nos pressupostos da licitação, é possível dizer, basi-camente, que o que torna legal a inviabilidade de competição é o fato de não ser possível realizar a escolha do terceiro de forma a garantir a isonomia, bem como realizar referida escolha por meio de critério objetivo.

Portanto, inviável é o atendimento dos pressupostos da licita-ção, e não necessariamente a competição no sentido de possibili-dade real de disputa. Sob o ponto de vista jurídico, a palavra “com-petição” tem sentido próprio e traduz a disputa na qual a escolha é feita garantindo-se igualdade e objetividade no critério de seleção do terceiro. Juridicamente, não há competição se não houver tra-tamento isonômico e critério objetivo para a escolha do vencedor, bem como a observância dos prazos definidos para o procedimento. Poderá haver até disputa, mas não haverá competição.

A ideia de licitação pressupõe competição, e esta decorre de tratamento isonômico e critério objetivo de julgamento. O fato de ter havido disputa não significa que houve licitação. Não se deve

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confundir disputa com competição. Pode existir disputa entre lici-tantes e não competição, por ser a licitação dirigida para que um competidor vença ou porque o critério de julgamento é subjetivo, por exemplo.

Quando se reconhece que a inexigibilidade decorre de invia-bilidade, cabe esclarecer que inviável não é necessariamente a dis-puta, mas inviáveis são os pressupostos da licitação. Na inexigibili-dade, não se consegue viabilizar a igualdade e o critério objetivo para a seleção do vencedor, por isso a licitação não pode ser exigida (é, pois, inexigível).

A existência de vários fornecedores ou prestadores de serviços atuando no mercado não significa que existirá competição, ainda que potencialmente possa haver disputa entre eles. Para a disputa, basta que dois deles se disponham a participar da licitação e desejem o contrato. Para a efetiva competição, será preciso tratamento isonô-mico e critério objetivo de escolha da melhor proposta. Quando o critério de escolha for subjetivo, até será possível afirmar que houve disputa, mas não que houve competição. O que a pluralidade de fornecedores viabiliza é a disputa, não a existência de efetiva com-petição. A possibilidade de disputa depende do mercado, e a efe-tiva competição, de outros fatores e condições, inclusive da pró-pria Administração. Assim, disputa e competição são duas realidades diferentes e não devem ser confundidas.

A palavra “competição” tem sentido próprio e conteúdo pre-ciso no regime jurídico da contratação, nos termos enunciados no caput do art. 25 da Lei nº 8.666/93. Portanto, o sentido empregado no preceito não é o atribuído pelos dicionaristas. Aliás, nesse caso, ao empregar a definição dada pelos dicionários, não se consegue entender a essência do regime jurídico da contratação. A propósito, isso explica por que temos tanta dificuldade em decodificar o art. 25 e, especialmente, o seu inc. II. Portanto, o sentido da palavra “com-petição” é jurídico e próprio e, mais do que isso, é fundamental para aplicar adequadamente a ordem jurídica vigente.

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7. 7. a disciplina constitucional da contratação pública

Conforme bem observou o Ministro Carlos Ayres Britto,37 a con-tratação pública tem perfil constitucional, ou seja, é a Constituição que dá os precisos contornos a serem observados pelo legislador na estruturação do regime jurídico ordinário. Nesse sentido, a Constitui-ção emoldura, no inc. XXI do seu art. 37, a realidade e a dimensão da contratação pública nos seguintes termos:

ressalvamos os casos especificados na legislação, as obras, serviços e compras serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efe-tivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigên-cias de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.

O legislador constituinte foi preciso ao enunciar que o regime jurídico da contratação pública seria integrado por um procedimento no qual seria assegurada a igualdade de tratamento a todos os com-petidores e por outro distinto. Essa conclusão é possível em razão da parte inicial do inc. XXI do art. 37 da CF: “ressalvados os casos espe-cificados na legislação”.

Com a referida ressalva, quis o constituinte esclarecer, entre outras coisas, que: a) a seleção do parceiro da Administração não é feita apenas por meio da licitação; b) existem situações nas quais não se poderá assegurar tratamento isonômico e critério objetivo de julgamento (ou seja, competição), ainda que se desejasse; c) em determinados casos, mesmo se possível garantir a competição, outros valores constitucionais podem determinar o afastamento da obrigatoriedade da licitação;38 d) as situações que afastam a lici-tação serão definidas em lei, de forma taxativa ou exemplificativa; e) havendo possibilidade de competição (isonomia e critério obje-tivo de seleção), o afastamento da licitação deve ter fundamento

37 BRITTO, Carlos Ayres. O perfil constitucional da licitação. Curitiba: Zênite, 1997. 38 São os casos de dispensa.

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em valor garantido constitucionalmente, e a referida situação deve ser indicada taxativamente pelo legislador ordinário; f) não havendo possibilidade de competição (por serem inviáveis os pressupostos da licitação), não é necessária a indicação taxativa das hipóteses que irão determinar o afastamento da licitação, bastando relação mera-mente exemplificativa; g) quando possível a competição e não hou-ver hipótese prevista em lei, o agente não poderá afastar a licitação, ela será obrigatória; h) por outro lado, se não for possível assegurar a competição (tratamento isonômico e critério de julgamento obje-tivo), a licitação não deve ser realizada.39 Todas essas conclusões decorrem da parte inicial do inc. XXI do art. 37 da Constituição.40

Portanto, a definição do procedimento a ser utilizado na fase externa do processo não é uma decisão livre do agente, mas decorre da ordem jurídica. É possível afirmar, com base no inc. XXI do art. 37 da Constituição, que o constituinte fixou a regra a ser observada pela Administração na seleção de terceiros, ou melhor, impôs que tal sele-ção deve assegurar igualdade de condições a todos os competidores. Ademais, deu a esse procedimento um nome próprio: licitação. Dizer que a licitação é a regra equivale a dizer que a seleção deve assegu-rar tratamento isonômico a todos. O que caracteriza essa regra é a efetiva possibilidade de assegurar tratamento isonômico na definição do beneficiário do contrato a ser celebrado, tendo por objeto a satis-fação de uma necessidade pública. Esse é o traço fundamental e dis-tintivo da licitação.

Conforme acentuamos em outra oportunidade,41 a igualdade é pressuposto, e não fim a ser atingido. A propósito, dissemos que a finalidade da licitação não é garantir, ao final da fase externa, a igualdade de todos, mas justamente desigualar os competidores. Se a finalidade fosse assegurar a igualdade, haveria empate, e, nesse caso, o procedimento (ou a licitação) não teria servido para nada, ape-nas para confirmar o próprio pressuposto, a igualdade. No entanto, a

39 Para não dizer vedada. 40 Parte considerável da ordem jurídica não está escrita, mas subentendida. Saber ler o

que não está escrito, mas está subentendido, é a missão precípua do intérprete. 41 MENDES, Renato Geraldo. O regime jurídico da contratação pública. Curitiba:

Zênite, 2008.

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desigualdade dos competidores deve ser feita, obrigatoriamente, por meio de um critério objetivo de julgamento. Se o critério de escolha do vencedor não for objetivo, não se poderá falar em igualdade e, por consequência, também não se poderá falar em licitação. A igual-dade não se expressa apenas em assegurar a todos as mesmas opor-tunidades de acesso à disputa e de apresentação de suas propostas, mas também em escolher o vencedor por critério fundado em fator de seleção objetivo, isto é, que não seja baseado em convicção ou impressão de foro íntimo do agente que julga. Se reconhecido que a única forma de garantir a plena satisfação da necessidade da Admi-nistração é por meio de avaliação (julgamento) de cunho subjetivo, a licitação será inexigível. Essa é a racionalidade do sistema e deve presidir todo o processo de interpretação do regime jurídico da con-tratação pública, especialmente o da Lei nº 8.666/93.

Da mesma forma, para, de maneira isonômica, desigualar os supostamente iguais, é preciso estruturar um adequado e criterioso procedimento. Deve-se observar que a igualdade não é um valor que norteia as decisões dos agentes públicos apenas na fase externa, mas também, e principalmente, na fase de planejamento (interna), ainda que nela não haja competição. Para definir e materializar o encargo, bem como estabelecer as condições pessoais dos competidores e o critério de apuração da melhor relação benefício-custo, deve-se res-peitar e observar a ideia de igualdade, de modo a não fixar nenhuma condição cuja finalidade vise apenas ao afastamento de competido-res, e não ao atendimento da necessidade. Vale dizer: a igualdade que se garante na fase externa é assegurada na fase interna, durante o planejamento.

Há uma questão essencial que precisa ser avaliada em relação ao presente tema. Como saber se a hipótese que autoriza o afasta-mento da licitação e a torna inexigível ou dispensada é constitucional?

Sob o ponto de vista constitucional, a igualdade é a matéria--prima básica com a qual o constituinte idealizou e caracterizou a licitação. Por isso ele disse que a licitação é o processo (leia-se: procedimento) que “assegura igualdade de condições a todos os competidores”.

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A igualdade é valor material, e não meramente formal. Sempre que for possível respeitar a igualdade sob o ponto de vista material, será obrigatório, como regra, realizar a seleção do terceiro mediante licitação. Salvo situações pontuais decorrentes de outros valores constitucionais, a licitação é obrigatória sempre que se puder garantir a igualdade de tratamento. E, como dissemos, a igualdade se traduz também na possibilidade de realizar a seleção da melhor proposta por meio de critério objetivo. Ao dizer que a igualdade não é valor meramente formal, afirmamos que não basta denominar ou rotular o procedimento de licitação para que ele seja de fato e de direito uma licitação. Somente será licitação, sob o ponto de vista material, se o tratamento isonômico estiver garantido e o critério de julgamento for objetivo. Se essas duas condições não estiverem reunidas, apenas se pode afirmar que o referido procedimento é uma licitação sob o ponto de vista formal. Porém, o constituinte definiu a licitação como valor material, e não formal. Desse modo, se o procedimento ado-tado respeitar a igualdade entre todos os interessados e o critério de julgamento for objetivo, ainda que se denomine o procedimento de dispensa ou inexigência, ele será uma licitação. Sob o ponto de vista formal, o referido procedimento é dispensa ou inexigência, mas, sob o ponto de vista material, é licitação. Portanto, não se pode confundir essas duas realidades. Não se mistura forma com conteúdo.

O afastamento da licitação como procedimento pré-contratual tem seu fundamento de validade na ideia de que o atendimento da necessidade tem primazia sobre a própria ideia de igualdade. Tanto o atendimento da necessidade quanto o tratamento isonômico são valores de conteúdo material. Sempre que o atendimento da necessi-dade puder ser viabilizado por meio de tratamento isonômico, a lici-tação será, em princípio, obrigatória. Por outro lado, sempre que não for possível garantir o atendimento da necessidade e, simultanea-mente, assegurar tratamento isonômico, a licitação deve ser afastada. Diante disso, o atendimento da necessidade tem prevalência sobre a própria ideia de tratamento isonômico na estruturação da lógica que norteia o regime jurídico da contratação pública. Portanto, é razoá-vel afirmar que o maior de todos os valores norteadores da contrata-ção pública é o atendimento ou a satisfação da necessidade pública. A satisfação da necessidade condiciona a própria ideia de igualdade.

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Nesse sentido, a Constituição deveria ter consagrado explicitamente que a necessidade condiciona a igualdade e que é ela que constitui a matéria-prima e o ingrediente a serem utilizados para construir o regime jurídico da exceção ao dever de licitar, expressa na enuncia-ção constitucional: “ressalvados os casos previstos na legislação”.

O atendimento da necessidade e o tratamento isonômico são condições materiais. Elas criam uma condição formal, qual seja, a realização da licitação. A licitação é uma exigência formal decorrente de duas condições materiais básicas. Como conjunto de etapas e atos, a licitação é exigência formal que existe justamente como condição para que possam ser atendidos valores materiais.42 Para falar em pro-cesso de contratação pública, algo é indispensável: a existência de uma necessidade a ser satisfeita. Mas é possível falar em processo de contratação mesmo quando não se garanta tratamento isonômico. A necessidade é pressuposto essencial do processo de contratação, mas a igualdade não. Será pressuposto necessário quando o processo for realizado na sua fase externa por meio da licitação.

Por um lado, temos de satisfazer a necessidade e, por outro, garantir tratamento isonômico. Esses dois valores são, em princípio, harmônicos e não conflitantes. São harmônicos porque a licitação assenta-se justamente na ideia de que a escolha do terceiro para satis-fazer a necessidade ocorra por meio de um procedimento isonômico, pois normalmente isso é possível. Daí a ideia de regra a ser obser-vada. No entanto, os referidos valores tornam-se conflitantes quando entra em cena determinado fator, como, por exemplo, o tempo. Ou seja, a observância dos prazos (tempo) exigidos em relação a todas as condições e etapas da licitação colocaria em risco o atendimento da necessidade (condição material). Portanto, se, para a satisfação da necessidade pública, for indispensável agir com rapidez, a licitação não deve ser realizada. Não pode haver incompatibilidade entre o

42 O procedimento formal existe em razão da necessidade de atendimento de condi-ções materiais. Por isso, o conteúdo deve sempre prevalecer sobre a forma, e não o contrário, pois um é meio para que o outro possa ocorrer, ou seja, um (o procedi-mento) existe em razão do outro (a isonomia). Essencialmente, não haverá ilegali-dade se o valor material (igualdade) for respeitado, ainda que a forma definida não seja observada. Por outro lado, haverá ilegalidade se a forma for observada, e o valor material, não.

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tempo exigido para o atendimento da necessidade e o definido para a realização da licitação. Havendo incompatibilidade, a opção deve ser pela satisfação da necessidade, sem a realização da licitação. A licitação é meio, e o atendimento da necessidade é fim. Sempre que o emprego do meio for capaz de inviabilizar o fim, ele não deve ser adotado; deve-se sempre prestigiar o fim. Esse é o primeiro aspecto a ser considerado na análise do inc. XXI do art. 37 da Constituição e que levou o constituinte a dizer: “ressalvados os casos especificados na legislação”.

Por força disso, o constituinte credenciou o legislador ordiná-rio a afastar a obrigatoriedade da licitação sempre que a Adminis-tração estivesse diante de uma situação que exigisse ação urgente, por exemplo. Daí a hipótese dos incs. III, IV e V do art. 24 da Lei nº 8.666/93. No entanto, é claro que o tempo é apenas um dos fato-res capaz de afastar a licitação; outros se somam a ele e estão consa-grados no próprio art. 24 da Lei nº 8.666/93.

Se o tempo é fator que permitiu ao constituinte autorizar o legislador ordinário a afastar o tratamento isonômico e, consequen-temente, a licitação, bem como a configurar algumas das hipóteses do art. 24, qual teria sido a condição que determinou as hipóteses de inexigibilidade previstas no art. 25 da Lei nº 8.666/93?

É possível afirmar que o que inspirou as hipóteses de inexigi-bilidade da licitação previstas no art. 25 da citada Lei foram duas coisas distintas e interdependentes. A hipótese específica prevista no inc. I do art. 25 decorre da própria impossibilidade real de garantir o exigido tratamento isonômico. Os casos previstos nos incs. II e III do referido art. 25 existem em razão da impossibilidade de assegu-rar critério objetivo para a seleção de terceiros, ainda que haja duas ou mais pessoas em condições de atender à necessidade da Adminis-tração. Se o inc. I do art. 25 da Lei nº 8.666/93 existe em razão da impossibilidade real de viabilizar a desejada igualdade, os incs. II e III assentam-se na ideia de que, sem a existência de critério objetivo, a igualdade também não pode ser viabilizada, mesmo diante da plu-ralidade de pessoas em condições de serem escolhidas. Na verdade, em todas as hipóteses indicadas no mencionado art. 25, não é possí-vel assegurar a igualdade, quer por absoluta impossibilidade real de

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disputa ou por absoluta impossibilidade de fixação de critério obje-tivo de escolha do terceiro.

A ideia de objetividade tem previsão implícita no inc. XXI do art. 37 da Constituição, pois decorre da noção de tratamento isonô-mico, ou seja, não há como assegurar igualdade sem que o critério de julgamento seja objetivo. A ausência de critério objetivo inviabiliza a licitação da mesma forma que a inexistência real de, pelo menos, dois competidores. Mesmo constituindo causas aparentemente dife-rentes, as duas situações conduzem à mesma consequência: o afas-tamento da licitação, pois decorrem da mesma essência – a impossi-bilidade de viabilizar a igualdade.

Sem esgotar a análise e a indicação dos demais fatores que tam-bém podem ser apontados nos diversos incisos que integram os arts. 24 e 25 da Lei nº 8.666/93, as situações neles definidas ensejaram a necessidade da idealização de um procedimento (rito) diferenciado ao da licitação para a seleção do parceiro da Administração. Esse pro-cedimento especial tem seu fundamento de validade no próprio inc. XXI do art. 37 da Constituição, ou seja, a semelhança da licitação tem fundamento constitucional.

Por um lado, se no inc. XXI do art. 37 da Constituição, o cons-tituinte fixou o procedimento padrão a ser observado, isto é, a lici-tação, também no referido enunciado ele deixou claro que haveria outra forma de realizar a seleção de terceiros, a ser fixada pelo legis-lador ordinário. O constituinte deixou para o legislador ordinário o poder de reduzir e calibrar o procedimento padrão (a licitação). Con-forme ponderamos em texto anterior,43 a delegação feita pelo consti-tuinte não é um cheque assinado em branco, a ser preenchido ao bel prazer do legislador ordinário; mas, ao contrário, é exercício de um poder cujo limite está fixado, de forma implícita e explícita, no pró-prio inc. XXI do art. 37 da Constituição.

43 MENDES, Renato Geraldo. A licitação é regra ou exceção: repensando a contratação direta. Revista Zênite – Informativo de Licitações e Contratos (ILC), Curitiba: Zênite, n. 88, p. 438, jun. 2001.

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Nos termos do inc. XXI do art. 37 da Constituição, o que dife-rencia a licitação de outro procedimento capaz de atender à sentença “ressalvados os casos especificados na legislação” é o tratamento iso-nômico, fundamentalmente. Portanto, o que autoriza a existência de hipóteses capazes de afastar a licitação é, essencialmente, a impos-sibilidade de assegurar igualdade na seleção do terceiro a ser contra-tado. Mas não se pode ignorar que, além da impossibilidade de via-bilizar a igualdade, há também a inconveniência de assegurá-la, tal como nos casos em que o custo de realização da licitação se revela incompatível com o valor a ser contratado. Aliás, essa situação justi-fica as hipóteses previstas nos incs. I e II do art. 24 da Lei nº 8.666/93, pois, do contrário, elas seriam inconstitucionais. No entanto, o afasta-mento da licitação em razão de valor tem de ser visto com muita cau-tela. Nesse sentido, o legislador ordinário tem um limite a observar e não pode dele se afastar, sob pena de incorrer em inconstituciona-lidade. A “delegação” que decorre do inc. XXI do art. 37 representa mandato com poderes específicos e pontuais, e não amplos.

8. 8. licitação, dispensa e inexigência – distinção

Basicamente, há duas possibilidades: realizar a licitação ou não realizá-la. A não realização da licitação é normalmente denominada de dispensa ou de inexigência. Afinal, por que temos esses dois rótu-los para qualificar o afastamento da licitação?

A razão que justifica a existência de rótulos distintos é o reco-nhecimento de que eles traduzem diferentes realidades. É preciso rotulá-los diferentemente para deixar claro que são distintos, de modo a evitar confusões e permitir a comunicação adequada.

A diferença entre licitação e inexigibilidade é o tratamento iso-nômico, na licitação ele é obrigatório e pode ser assegurado e, na inexigência, ele não pode ser viabilizado. Mas qual a distinção entre dispensa e inexigência?

Se o que aparta a licitação da inexigência é o tratamento isonô-mico, de modo que na inexigência não é possível garantir a igualdade

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ainda que se deseje, na dispensa também não é possível assegurar o tratamento isonômico, tal como na inexigência?

Se a questão que separa o regime da obrigatoriedade e o do afastamento da licitação é a ideia de igualdade, a existência das hipó-teses de dispensa deve se justificar em face de uma ou outra circuns-tância, isto é, ou os casos de dispensa possibilitam o tratamento iso-nômico, ou não, salvo se houver uma terceira possibilidade, que não foi identificada. Descartamos essa terceira via. É preciso situar a dis-pensa como uma possibilidade jurídica na qual o tratamento isonô-mico é possível ou não. Se não for, não há sentido para a existência de um rótulo distinto, visto que tais situações deveriam ser considera-das como hipóteses de inexigência, mantendo-se, assim, um sistema do tipo dual (licitação e inexigência), e não tripartite (licitação, dis-pensa e inexigência).

Após cuidadosa análise das hipóteses previstas nos arts. 24 e 25, devem ser consideradas como de dispensa aquelas em que, ao contrário da inexigência, seria possível garantir tratamento isonô-mico. No entanto, por outras razões, o legislador entendeu por bem, mesmo se possível o tratamento isonômico, afastar a obrigatoriedade da licitação. Dessa forma, os casos de dispensa estão mais próximos da licitação do que propriamente da inexigência.

Nessa perspectiva, não é possível simplesmente afirmar que as hipóteses de dispensa estão previstas no art. 24 da Lei nº 8.666/93, e as de inexigência, no seu art. 25, pois nem todas as situações arrola-das no art. 24 são de dispensa, ou seja, parte significativa delas cons-titui caso típico de inexigência. Se o que separa a inexigência da lici-tação e também da dispensa é a impossibilidade de assegurar trata-mento isonômico para a primeira e a possibilidade de garantir para as duas últimas, será fácil reclassificar as hipóteses previstas no art. 24 da Lei nº 8.666/93, de modo a dizer o que é caso de dispensa real-mente e o que é situação de inexigência classificada equivocada-mente no art. 24.

Mas, para aplicar adequadamente o critério proposto, é preciso aceitar que a inviabilidade de competição não se reduz à ideia de possibilidade de disputa, isto é, não é o fato de haver possibilidade

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real de disputa que torna a licitação obrigatória. Portanto, a existên-cia de mais de um possível fornecedor ou prestador não significa que a inexigência não possa ocorrer. A inviabilidade de competição, além de traduzir uma impossibilidade absoluta de disputa real, representa também uma possibilidade jurídica ditada por outros fatores e outras condições. Em princípio, os casos tipicamente de dispensa enunciam situações nas quais o tratamento isonômico seria possível em razão da viabilidade de competição. Então, é possível realizar a competição real em face da presença no mercado de mais de um agente em con-dições de oferecer à Administração o que ela deseja e considerando que não há o reconhecimento de outro valor jurídico que afaste a dis-pensa e a converta em caso típico de inexigência. Em outras hipóte-ses de dispensa, o dever de promover a licitação é afastado pelo sim-ples fato de que a igualdade já foi observada, como nos casos dos incs. VII e XII do art. 24 da Lei nº 8.666/93. No inc. V do citado art. 24, apesar de a igualdade ter sido assegurada, a situação traduz hipó-tese de inexigibilidade, em razão da urgência que passa a qualificar a contratação, pois, do contrário, haveria prejuízo irreparável.

Dessa forma, as hipóteses previstas nos incs. III, IV, V, VI, VIII, IX, X, XIV, XV, XVI, XVII, XVIII, XXV, XXVI e XXVIII do art. 24 da Lei nº 8.666/93 constituem situações típicas de inexigibilidade, e não de dispensa propriamente, em razão do critério aqui adotado. Somente as situações enunciadas nos incs. I, II, VII, XI, XII, XIX, XX, XXI, XXII, XXIII, XXVII, XXIX, XXX e XXXI do citado art. 24 são realmente de dispensa, pois, nesses casos, é possível garantir juridicamente trata-mento isonômico e definir critério objetivo de julgamento.

Na relação acima não foram incluídas as hipóteses previstas nos incs. XIII e XXIV do art. 24 da Lei nº 8.666/93, pois decidimos refletir melhor sobre os dois casos a fim de classificá-los adequada-mente. A dúvida em relação ao citado inc. XIII reside na sua parte inicial, pois ela sugere algo mais próximo de inexigibilidade, depen-dendo da natureza do objeto contratual. Na segunda hipótese desse dispositivo (instituição dedicada à recuperação do preso), a situação é típica de dispensa.

Os casos de dispensa somente serão válidos se atenderem a determinados valores jurídicos consagrados na própria Constituição.

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Os de inexigibilidade, por exemplo, fundados em impossibilidade real de disputa e de definição de critério objetivo de julgamento, nem precisariam ser enunciados, uma vez que constituem realidade extranormativa,44 ou seja, não é necessário que a lei os preveja para serem adotados. É por isso que se diz que os casos de inexigência são exemplificativos. As hipóteses tipicamente de dispensa somente são válidas se previstas em lei e desde que possam ser justificadas à luz de algum valor constitucional. Por exemplo, aquelas dos incs. I e II do art. 24 têm fundamento no art. 70 (economicidade) da Constituição.

Portanto, se não for possível viabilizar a competição no seu sen-tido jurídico, por exemplo, em razão da impossibilidade de assegu-rar tratamento isonômico e definir critério objetivo de julgamento, estaremos diante de inexigibilidade. Por outro lado, sendo possível observar a exigida isonomia, a fase externa do processo de contrata-ção deverá ser conduzida de acordo com a licitação, salvo se houver hipótese de dispensa prevista legalmente.

44 Expressão empregada por Marçal Justen Filho para qualificar o fenômeno. Ver: JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos. 12. ed. São Paulo: Dialética.

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Capítulo 10

AS MODALIDADES DE LICITAÇÃO

1. 1. considerações iniciais

O planejamento da licitação compreende a definição de todas as condições necessárias para viabilizar a melhor contratação possí-vel, bem como o estabelecimento, de forma completa, de todas as exigências que integram o encargo e que serão depois reunidas no edital. Uma das providências necessárias é a definição do procedi-mento a ser seguido na fase externa, ou seja, é preciso saber se, diante da situação concreta, é cabível a licitação ou se, por força da ordem jurídica, o procedimento será o da sua dispensa ou inexigência.

A definição do procedimento a ser observado na fase externa da contratação pública é uma decisão tomada na fase interna. Se o procedimento a ser seguido é o da licitação, a fase externa terá con-figuração e estrutura determinadas, ainda que se admita a existência de variações procedimentais em razão da modalidade ou do tipo de licitação adotados. Mas se a contratação estiver baseada em qual-quer das hipóteses do art. 24 ou 25 da Lei nº 8.666/93, a fase externa terá outra configuração, que é bem diferenciada e mais simples, sob o ponto de vista da sua estrutura.

Tanto a licitação quanto a dispensa e a inexigência são formas específicas de realizar a fase externa do processo de contratação. É preciso observar que não é a licitação, a dispensa ou a inexigên-cia que possui fase interna, mas sim o processo de contratação.45 O que se pode dizer apenas é que a fase externa do processo recebe um nome específico (licitação, dispensa ou inexigência), de acordo com um critério definido pela ordem jurídica.

45 Aliás, é inadequada a afirmação constante no art. 4º da Lei nº 10.520/02 de que o pregão tem fase externa, e não o processo.

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Falar sobre licitação nada mais é do que falar sobre modalida-des, pois tais realidades constituem temas indissociáveis. Aliás, a lici-tação se expressa por meio de uma modalidade. Definido que o pro-cedimento a ser observado é o da licitação, o próximo passo é esco-lher a modalidade adequada em razão da contratação que se pre-tende realizar ou, para estar mais afinado com a tradição, escolhê-la em função dos critérios definidos na ordem jurídica vigente.

2. 2. o que é licitação?

Como sabemos, a contratação pública é uma realidade jurídica integrada por três fases, e a fase externa é uma delas. A forma mais comum de realização da fase externa é por meio da licitação, por força mesmo de determinação constitucional. Pois bem, além da fase externa (licitação), a contratação possui uma fase de planejamento, que antecede a externa e a contratual. Portanto, a licitação é reali-dade intermediária entre o planejamento e a execução do contrato.

Cada fase da contratação é, por sua vez, integrada por diferen-tes etapas, e cada etapa, constituída por diversos atos. Assim como cada fase tem uma finalidade, cada etapa que a integra também possui propósitos específicos, pois, sem que eles sejam atingidos, a finalidade de cada fase não será alcançada. A contratação pública depende da realização das fases, e estas, das etapas e dos atos que lhes são próprios. Há uma relação de dependência entre uma e outra, e isso não pode ser esquecido, pois a nossa realidade é sistêmica. A ideia de sistema impõe como condição o dever de não esquecer nenhum detalhe importante, sob pena de colocar em risco a solução final desejada. Por isso, o planejamento deve ser realizado com muito cuidado e de forma estruturada, de modo que cada condição neces-sária seja fixada e adequadamente prevista no edital.

Nesse contexto, a licitação é um conjunto de etapas e atos que visa a apurar as condições pessoais dos interessados e a viabilizar a disputa isonômica entre os licitantes, a fim de saber quem propõe o melhor negócio, ou seja, quem é o titular da melhor relação bene-fício-custo. Portanto, a licitação pressupõe competição, disputa por um negócio jurídico. Para falar em licitação, basicamente, é preciso

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que alguém deseje uma solução (encargo) e duas ou mais pessoas possam viabilizá-la. A licitação tem como pressuposto necessário a viabilidade de competição, pois, se ela for inviável, a licitação não deverá ser realizada, conforme demonstramos no capítulo anterior.

A ideia de licitação, no entanto, está fortemente associada à possibilidade de disputa, um traço característico desse instituto. É assim, em parte, porque a efetiva disputa no processo de contratação é concentrada justamente na fase externa (licitação), por isso tal fase é marcadamente competitiva, em razão da potencialidade de disputa entre os agentes do mercado de bens e serviços. A palavra “licitante” indica exatamente aquele que faz uma oferta e disputa um negócio.

Por outro lado, na fase interna (planejamento) não há disputa entre interessados, da mesma forma, ela inexiste na fase contratual. A licitação caracteriza o momento do processo em que ocorre a efe-tiva disputa entre os terceiros interessados. É oportuno anotar que a disputa entre os competidores não existe em razão do desejo de via-bilizar a solução ou cumprir o encargo, mas em função da possibili-dade de obtenção de lucro, que é o que move o terceiro (empresário). A licitação tem um aspecto essencialmente econômico-financeiro.46

A licitação destina-se, fundamentalmente, a identificar quem possui condições pessoais de viabilizar o encargo pretendido pela Administração e a apurar a melhor relação benefício-custo,47 expres-são que temos reiterado sempre que possível, pois revela a razão de ser de toda a fase competitiva ou fase externa.

A análise das condições pessoais é a etapa da licitação denomi-nada de habilitação, e a apuração da melhor relação benefício-custo é a etapa conhecida como classificação (análise e julgamento da pro-posta). Além dessas etapas, a licitação possui outras, a de publici-dade, que é anterior às duas indicadas, bem como a recursal e a de controle, que são posteriores.

46 O aspecto econômico é traduzido pelo encargo definido pela Administração e mate-rializado no edital, e o aspecto financeiro é revelado pelo preço da proposta elabo-rada pelo particular. Daí a expressão “equação econômico-financeira”.

47 É importante ter a clareza de que a igualdade não é um fim, mas o pressuposto da licitação.

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Pela expressão “melhor relação benefício-custo” não se deve entender apenas o menor preço. Aliás, o menor preço é consequên-cia, e não pressuposto da dita relação, ou seja, o propósito principal não é obter o menor preço. O objetivo é, primeiramente, assegurar o benefício e, somente depois, escolher o menor preço. Assim, é o benefício que condiciona o preço, e não o contrário. O ideal é falar sempre em melhor preço, pois o que o calibra é o benefício.

Para que o preço seja aceito, é preciso antes demonstrar que o benefício foi garantido. Tal condição deve ser observada tanto numa concorrência quanto no pregão. O menor preço é critério de esco-lha de quem possui uma solução aceitável, e não finalidade da lici-tação. A finalidade da licitação é obter a melhor relação benefício--preço, na respectiva ordem, ou seja, primeiro se garante o benefício e depois se aceita o preço.

É preciso acrescentar que a ideia de benefício envolve também a de condição pessoal do licitante, principalmente de natureza téc-nica. Em muitos casos, a obtenção do benefício é condicionada pela capacidade de o sujeito (licitante) produzir e viabilizar a solução (o objeto) desejada. Neles, a análise da capacidade técnica (que envolve ou possibilita a obtenção do benefício) deve condicionar o preço.

3. 3. o que é modalidade de licitação?

É possível responder à pergunta de modo bem direto e simples: modalidade é a forma específica de realizar a licitação, a fim de via-bilizar a sua finalidade.48 A modalidade está para a licitação como o procedimento está para o processo.

Se a fase externa traduz um conjunto de etapas e atos cuja fina-lidade é dizer quem reúne condições pessoais de cumprir o encargo e, ainda, quem é o titular da melhor relação benefício-custo, a moda-lidade é a forma específica e peculiar de realizar esse conjunto de etapas e atos e atingir a finalidade pretendida. A escolha da modali-dade deve ser realizada em vista da obtenção do fim visado pela lici-tação, sendo esse o seu fundamento de validade, e não outro.

48 A melhor relação benefício-custo.

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Quando se diz que existem seis modalidades de licitação (con-corrência, tomada de preços, convite, concurso,49 leilão e pregão), o que se pretende é ressaltar que há seis modos distintos de conduzir a disputa entre os licitantes, muito embora todas elas tenham a mesma finalidade: a seleção de uma pessoa para viabilizar a solução dese-jada pela Administração, pela melhor relação benefício-custo.

Então, modalidades são variações legais do procedimento da licitação ou, ainda, variações na condução da forma de processar a fase externa da contratação pública, quando a licitação é o procedi-mento adotado.

Essas variações podem ser substanciais ou apenas pontuais. Variações substanciais são as que implicam alterações significati-vas no modo de conduzir o processo. As pontuais são as que alte-ram aspectos apenas específicos e de pouca relevância na condu-ção da licitação. Na primeira, há uma alteração estrutural, e na segunda, não.

Assim, por exemplo, a diferença entre a concorrência e o pre-gão é de natureza substancial, seja em razão da inversão das etapas de habilitação e julgamento das propostas ou em função da sistemá-tica recursal adotada ou do mecanismo de redução dos preços ini-cialmente apresentados. Apesar de o recurso e a redução dos preços terem sido indicados como diferenças substanciais, o que distingue fundamentalmente as duas modalidades é a inversão das etapas de habilitação e propostas.50

A diferença entre a concorrência, a tomada de preços e o con-vite é apenas pontual. Aliás, essas três modalidades são consideradas

49 Não consideramos o concurso como modalidade de licitação, mas de inexigibilidade. 50 Na nossa concepção de contratação, não existe inversão de fases, mas inversão de

duas das etapas da fase externa processada por meio da licitação. Assim, podemos dizer que a fase é a licitação, e ela possui, entre outras, duas etapas: a habilitação e a proposta. A inversão envolve as duas referidas etapas e ocorre dentro da fase de licitação. Na nossa visão, o processo de contratação pública possui três fases: a de planejamento, a externa (licitação) e a contratual. Em cada uma delas, há diversas etapas, como também, nas diversas etapas, muitos atos. Por exemplo, a fase de pla-nejamento tem 14 diferentes etapas, e a fase externa, quando é adotada a licitação de acordo com o rito da Lei nº 8.666/93, tem seis etapas diversas; a habilitação e a pro-posta são as duas estruturais. Se a modalidade é o pregão (rito da Lei nº 10.520/02), são cinco as etapas que estruturam a licitação.

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comuns não apenas porque tradicionalmente sempre foram as mais utilizadas, mas porque possuem muito mais semelhanças no seu rito procedimental do que diferenças.

Há uma forte tendência de, cada vez mais, haver redução nos traços que diferenciam as atuais modalidades comuns (concorrência, TP, convite) e o pregão, principalmente em razão de o projeto de lei que atualmente tramita no Congresso Nacional pretender estender às modalidades previstas na Lei nº 8.666/93 a possibilidade da inver-são das etapas, a forma eletrônica e a concentração da etapa recur-sal. Se isso ocorrer, o que diferenciará um pregão de uma concorrên-cia, basicamente, serão os prazos de publicidade e a existência da fase de lances. Aliás, essa última condição tende a ser também supe-rada, pois não há, em princípio, impedimento para isso acontecer nas modalidades previstas na Lei nº 8.666/93. A viabilização de uma fase de lances na concorrência, por exemplo, não exigiria nem mesmo mudança legislativa, poderia ser adotada sem necessidade de mudar nada na atual Lei nº 8.666/93.

Tudo indica que, num futuro não tão distante, haverá uma reforma legislativa com a finalidade de reduzir o número de moda-lidades atuais, pois não se justifica a existência de tantas para cum-prir a mesma função. Pensamos que o ideal é ter duas modalida-des básicas: a concorrência e o pregão. Além delas, é o caso de manter o leilão, que é procedimento especial. Convite e tomada de preços estão com os seus prazos de validade vencidos. Para que a tomada de preços sobreviva, se for esse o caso, será preciso tratar o sistema de registro cadastral de forma adequada, o que até hoje não ocorreu.

4. 4. crítica ao critério de escolha das modalidades no regime jurídico Vigente

No tradicional regime jurídico da Lei nº 8.666/93, as cinco modalidades previstas são definidas em razão de dois critérios bási-cos: a) valor estimado da contratação e b) natureza do objeto ou da obrigação a ser cumprida.

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Na Lei nº 10.520/02, o pregão, que é a única modalidade ali prevista, é adotado exclusivamente em função da natureza do objeto, ou seja, bens e serviços comuns.

Até o advento do pregão, é certo afirmar que o critério predo-minante no Brasil para determinar a modalidade era o do valor esti-mado da contratação, ou seja, a escolha da concorrência, da tomada de preço ou do convite era determinada em função do montante do valor estimado da contratação a ser realizada, conforme previsto no art. 23 da Lei nº 8.666/93. Com o pregão, o critério predominante passa a ser o da natureza do objeto ou da obrigação (bens e serviços comuns), visto que o pregão se tornou a modalidade de mais larga utili-zação, pelo menos no âmbito da Administração federal e dos estados.51

A escolha da modalidade baseada no valor estimado da contra-tação é equivocada e decorre de uma condição histórica superada no tempo. O único critério razoável, sob o ponto de vista lógico, é o que se baseia na natureza do objeto ou da obrigação a ser cumprida pelo futuro contratado. Nesse sentido, não só o pregão foi uma inovação elogiável, como também corrigiu o vício histórico relativo ao critério de escolha da modalidade.

Para entender o descabimento do critério baseado no valor esti-mado, é preciso antes ter a clareza de que existem apenas dois regimes vigentes regulando a fase externa do processo: o da Lei nº 8.666/93 e o da Lei nº 10.520/02. Ao fazer essa afirmação, dizemos que há duas formas básicas de processar a fase externa do processo de con-tratação pública quando se adota a licitação, pelo menos no âmbito federal.

Na Lei nº 10.520/02 está disciplinada apenas e tão somente uma modalidade: o pregão. Portanto, nessa Lei existe apenas um modo específico de conduzir a licitação, e ele é definido com base na natureza do encargo ou da obrigação: bens e serviços comuns. Vale dizer, o pregão não admite nenhuma variação procedimental, isto é, existe apenas um único modo ou rito de condução e processo. O que

51 Em relação aos municípios, não temos dados para fazer essa afirmação, mas é certo que isso ocorrerá com o tempo, se ainda não ocorreu.

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o pregão admite é o processamento por meio eletrônico ou presen-cial, mas isso não altera a estrutura lógica do procedimento definido. Os pregões eletrônico e presencial não constituem modalidades dis-tintas de licitação, mas duas formas diferentes de realizar a mesma licitação e atender ao mesmo rito.

Na Lei nº 8.666/93 existem cinco modalidades de licitação: duas (concurso e leilão) são específicas e três (concorrência, tomada de preços e convite) são consideradas comuns, pois se destinam à contratação de obras, bens e serviços, comuns ou não. Ocorre, no entanto, que o rito procedimental a ser adotado nas três modalida-des comuns é o mesmo, ou seja, aquele definido no art. 43 da Lei nº 8.666/93. Ademais, no referido preceito legal, não há nenhuma variação procedimental, mas apenas e tão somente um único rito ou modo possível a ser adotado.

O que diferencia essas três modalidades comuns (concorrência, tomada de preços e convite) não é o rito de processamento de cada uma delas, mas outras exigências, como prazo de publicidade, prazo para interposição e processamento do recurso. Sob o ponto de vista estrutural ou mesmo lógico, as três modalidades não mais se justifi-cam. Não há sentido para a manutenção delas. Uma é suficiente, a concorrência. Aliás, manter as três modalidades referidas é compli-car o que deveria ser simples.

Em face do que dispõem a Lei nº 8.666/93 e a Lei nº 10.520/02, essencialmente, há dois procedimentos distintos e duas modalida-des: o pregão e a concorrência. Por isso não há sentido na existência de tantas modalidades, bem como no critério baseado no valor esti-mado da contratação. Essa é uma mudança legislativa importante e que deve ser realizada.

5. 5. sob o ponto de Vista essencial, qual traço distingue o pregão da concorrência?

Vamos refletir agora sobre a diferença essencial entre a Lei nº 10.520/02 e a Lei nº 8.666/93 no tocante à forma com que a fase externa do processo é disciplinada e entender um pouco melhor

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porque o critério de escolha baseado no valor estimado da contrata-ção é inadequado.

Apenas com o propósito de ampliar os horizontes das nossas reflexões, cumpre dizer que a Lei nº 10.520/02 praticamente se limi-tou a regular a fase externa do processo, não teve como foco o plane-jamento e o contrato. Basta uma análise rápida do texto da Lei para perceber que não dispõe sobre a matéria contratual e faz pouco caso do planejamento (fase interna). A preocupação quase exclusiva foi com a fase externa, com a criação de uma nova modalidade (uma nova forma específica de realizar a licitação).52

Fundamentalmente, a diferença entre pregão e concorrência, ou a diferença entre o regime jurídico da Lei nº 10.520/02 e a dis-ciplina da fase externa do processo de contratação dada pela Lei nº 8.666/93, é a inversão das etapas. A existência de uma etapa de lances e a concentração da de recurso não são diferenças essenciais capazes de distinguir as duas realidades. A possibilidade de recurso administrativo existe nos dois regimes (Leis nºs 8.666/93 e 10.520/02), ainda que em um tenha sido prevista de forma concentrada. Da mesma forma, a mutabilidade do preço da proposta é medida tam-bém contemplada nos dois sistemas, até porque a ideia de negocia-ção dos preços ou a sua mutabilidade está consagrada também na Lei nº 8.666/93.53 Ademais, a finalidade de obter a melhor relação bene-fício-custo norteia os dois regimes jurídicos, pois em ambos vigora o princípio da obtenção do negócio mais vantajoso.

O que torna o pregão uma modalidade distinta da concorrên-cia, por exemplo, é a ordem na qual se realiza a análise das propos-tas e das condições pessoais. Cumpre observar que, tanto na concor-rência como no pregão, as duas etapas mais importantes que estru-turam a licitação são a análise das condições pessoais e a análise da proposta. Nesse ponto, o sistema tradicional de estruturar a licitação

52 O pregão não resolveu o grande problema da contratação pública, mas apenas um dos que existem na fase externa do processo de contratação.

53 Ver art. 46, § 2º, inc. II, por exemplo. A possibilidade de redução do preço proposto e de negociação insere-se na ideia que norteia a própria contratação pública – a obten-ção da proposta mais vantajosa, conforme previsto no art. 2º da Lei nº 8.666/93.

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para permitir a análise da habilitação e da proposta foi mantido na Lei nº 10.520/02. O que mudou foi a ordem da análise de cada uma das etapas, ou seja, houve inversão.

É muito importante entender o motivo da inversão das etapas de habilitação e propostas. Na estrutura prevista no art. 43 da Lei nº 8.666/93, primeiro é realizada a análise das condições pessoais dos licitantes (habilitação) e somente depois são avaliadas as pro-postas dos habilitados, e no pregão há a inversão dessa ordem. É um equívoco pensar que a inversão das etapas no pregão traduz o reconhecimento de que erramos ao estruturar o rito previsto na Lei nº 8.666/93 e agora corrigimos o erro na Lei nº 10.520/02.

Não há nenhum erro na estrutura da Lei nº 8.666/93, muito pelo contrário, ela é e continuará a ser absolutamente necessária e adequada. Portanto, esse equívoco não foi corrigido com a inversão adotada na Lei nº 10.520/02. O grande problema enfrentado na fase externa sempre foi o da existência de apenas uma forma de proces-sar a licitação (isto é, a prevista na Lei nº 8.666/93). Todas as soluções eram submetidas ao mesmo esquema de contratação, pouco impor-tando se fosse obra ou serviço de engenharia, serviços intelectuais ou, ainda, bens e serviços comuns.

A inversão não ocorreu porque havia muita discussão em rela-ção à etapa de habilitação e iniciar o procedimento pela proposta reduziria esse debate. É certo dizer que há sempre muita discussão quando se inicia pela habilitação em razão de os licitantes ainda não conhecerem os preços dos demais competidores. Também é certo dizer que quando se inicia pela proposta de preços, as discussões em torno da habilitação são reduzidas. Tudo isso está correto. Mas não é certo dizer que o pregão foi criado para reduzir a discussão que havia na etapa de habilitação. As premissas são verdadeiras, mas a conclusão é falsa. E é falsa porque o pregão foi idealizado para resol-ver outro problema, ainda que, de forma reflexiva, tenha atenuado também as discussões relativas à habilitação que o sistema da Lei nº 8.666/93 propicia. A verdadeira razão é, no entanto, outra, até porque se fosse a indicada, o mais razoável seria a revogação da Lei

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nº 8.666/93 e a eliminação do rito previsto no seu art. 43. Mas, como todos sabem, isso não ocorreu e nem ocorrerá.

Em muitos casos (obras e serviços técnicos), iniciar a análise pelas condições pessoais (habilitação) não se trata de uma opção, mas de uma necessidade, salvo se essa análise puder ser feita prelimi-narmente por meio de pré-qualificação ou mesmo de registro cadas-tral. Aliás, essa é a melhor opção, e pode ser realizada desde que um sistema eficiente seja estruturado. Tal sistema possibilitaria que a licitação avaliasse apenas a proposta, ou seja, haveria apenas uma etapa54 – a de classificação das propostas. A etapa destinada à habili-tação seria eliminada do processo e realizada preliminarmente.

Assim, o pregão foi instituído para corrigir um vício histórico da fase externa e representou avanço considerável nas contratações públicas. Até o advento do pregão, havia um único regime jurídico (o da Lei nº 8.666/93) e uma única forma de conduzir a fase externa do processo de contratação (a prevista no seu art. 43). Com o pregão, surge uma segunda forma de processar a licitação.

É preciso lembrar que o sistema da Lei nº 8.666/93 foi pen-sado e estruturado para licitar obras e serviços de engenharia e ser-viços intelectuais, e não outras soluções, como, por exemplo, bens e serviços comuns. No entanto, apesar de ser incompatível para lici-tar bens e serviços comuns, o sistema da Lei nº 8.666/93 foi utilizado por muitos anos para esse fim. Aliás, o regime anterior (Decreto-lei nº 2.300/86) adota idêntica sistemática.

A estrutura da Lei nº 8.666/93 pressupõe dois aspectos indis-sociáveis: a) a solução deve ser complexa e b) realizada diretamente pelo próprio contratado. É indevida a utilização da Lei nº 8.666/93 para licitar, por exemplo, bens e serviços comuns. Da mesma forma, é inadequado utilizar a Lei nº 10.520/02 para licitar obras e servi-ços de engenharia e serviços intelectuais, pois são soluções com-plexas e precisam ser feitas sob encomenda, por quem tem capaci-dade técnica. Essa peculiaridade faz toda a diferença no momento

54 Obviamente, além das demais indicadas (publicidade, recurso e controle).

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de estruturar o planejamento e de escolher o regime a ser adotado na fase externa da contratação.

A fase externa, nos dois regimes, destina-se à análise da pes-soa do licitante e da sua proposta, a diferença está no momento em que cada uma ocorre. De acordo com a Lei nº 8.666/93, a análise da pessoa precede a da proposta; no pregão, ela é posterior. Por isso, na ordem jurídica vigente, há dois sistemas distintos: o primeiro adota o modelo de avaliação do tipo capacidade-preço, e o segundo consi-dera a condição preço-capacidade.55

O primeiro modelo exige que o preço seja, necessariamente, condicionado pela capacidade técnica do licitante, isto é, só é possí-vel aceitar o preço se antes ele demonstrar que tem capacidade téc-nica de viabilizar o encargo (objeto) e garantir o benefício desejado. Há uma relação direta entre preço e capacidade. A lógica aqui é sim-ples de ser explicada. O preço tem relação direta com a capacidade técnica do sujeito que vai viabilizar a solução. Quanto mais com-plexa for a solução (o objeto), maior será a necessidade de o sujeito possuir capacidade técnica especial. Em razão disso, quanto mais capacidade ele possuir, mais elevado será o seu preço. Logo, ao esco-lher primeiro o menor preço, para depois apurar a capacidade téc-nica, faremos um belo gol contra, isto é, escolheremos, pelo menos em tese, o pior para fazer o mais difícil, eliminando possivelmente o melhor.56 É possível argumentar que tal conceito é relativo, porque aquele que tem o menor preço não é necessariamente o pior, que não possui capacidade. É evidente que não ignoramos isso, apenas apre-sentamos a lógica que deve nortear o raciocínio e a estruturação de um sistema jurídico. A eventual exceção não pode ser tomada como sendo a regra a ser seguida.

Se o encargo envolve solução complexa, que deve ser viabili-zada diretamente pelo próprio contratado, e, para tanto, é exigido dele capacidade técnica, o sistema a ser adotado é do tipo capaci-dade-preço. Nesse sentido, primeiro é preciso apurar a capacidade técnica (habilitação) para somente depois conhecer o preço. Se o

55 Ou proposta-habilitação ou mesmo habilitação-proposta. 56 De preferência, o melhor deve ser priorizado, e não relegado a um segundo plano.

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encargo envolve bens e serviços comuns, o sistema é do tipo preço--capacidade, ou seja, a capacidade é apurada com base no preço.

O pregão é incompatível com as soluções que exigem o sis-tema do tipo capacidade-preço, mas é indiscutivelmente a melhor forma de contratar quando o sistema é do tipo preço-capacidade. O sistema preço-capacidade é o que reconhece que o preço é fator relevante para a escolha do parceiro e que a capacidade técnica, por exemplo, tem pequena importância em razão do tipo do encargo a ser executado.

6. 6. por que a escolha da modalidade se tornou uma das decisões mais importantes do processo de contratação?

Porque atualmente escolher a modalidade é definir o regime jurídico que será adotado para conduzir a fase externa (licitação). E definir o regime jurídico (Lei nº 8.666/93 ou Lei nº 10.520/02) é esta-belecer o rito a ser observado na fase externa, como será avaliado o futuro contratado e como será julgada a sua proposta. A finalidade da fase externa é, essencialmente, apurar a melhor relação benefício--custo para a Administração. Quando aprendermos a planejar ade-quadamente o encargo e a apurar de forma suficiente a melhor rela-ção benefício-custo, os principais problemas enfrentados na fase con-tratual desaparecerão.

A escolha da modalidade, segundo essa visão, é norteada pelo princípio da eficiência, inscrito no caput do art. 37 da Constituição.

7. 7. como definir a modalidade em razão de um objeto específico?

Para definir a modalidade, é preciso, primeiro, avaliar a natu-reza do objeto e, somente depois, considerar o critério do valor estimado da contratação. Essa é a ordem lógica que deve nortear o agente responsável pela definição da modalidade cabível.

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Vamos estruturar um esquema bem objetivo para identificar a modalidade cabível para cada situação concreta. Assim, para saber qual das mencionadas modalidades deve ser adotada diante de cada situação específica, um método simples e direto é formular as seguin-tes perguntas:

7.1. 7.1. A solução (o objeto) desejada pela Administração é obra ou serviço de engenharia?

Se a resposta for afirmativa, a regra a ser observada é a da escolha de uma das modalidades comuns previstas na Lei nº 8.666/93, isto é, concorrência, tomada de preços ou convite. Para escolher uma delas, será necessário considerar o critério do valor estimado da contratação. Em razão do valor estimado e de acordo com as faixas de variações definidas no art. 23 da Lei nº 8.666/93, o agente responsável deverá escolher uma das modalidades indicadas. Se o valor estimado da obra ou do serviço de engenharia for de até R$ 150.000,00, poderá ser ado-tado o convite, sem prejuízo de escolher a tomada de preços ou a con-corrência, por força da possibilidade prevista no § 4º do art. 22 da Lei nº 8.666/93. Se o valor da obra ou do serviço de engenharia for esti-mado entre R$ 150.000,00 e R$ 1.500.000,00, a modalidade a ser ado-tada deverá ser a tomada de preços, salvo se houver opção pela adoção da concorrência, por força do citado § 4º do art. 22 da Lei nº 8.666/93. Por fim, se o valor estimado for acima de R$ 1.500.000,00, a modali-dade deverá ser a concorrência, obrigatoriamente.

Em regra, não é cabível a adoção do pregão para licitar obras e serviços de engenharia em razão de todos os argumentos consigna-dos neste trabalho e em outro que já publicamos.57 No entanto, cum-pre reiterar que o entendimento do TCU e de parte expressiva da dou-trina é outro: o pregão pode ser adotado também nas licitações em que o objeto/encargo for obras e serviços de engenharia; pelo menos é nessa direção que as opiniões vêm convergindo.

57 A questão da definição de bens e serviços comuns na Lei nº 10.520/02 e a proposi-ção de critério técnico para o cabimento do pregão, Revista Zênite – Informativo de Licitações e Contratos (ILC), Curitiba: Zênite, n. 193, p. 268-274, mar. 2010.

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Até seria admissível a adoção do pregão de forma mais gene-ralizada para contratar obras e serviços de engenharia, desde que possível inverter as atuais etapas que estruturam o pregão, ou seja, primeiro seria realizada a habilitação e somente depois seriam aber-tas e analisadas as propostas. Assim, além de condicionar o preço à capacidade técnica – que é fundamental, seria viável também pro-mover uma fase de lances para obter preço melhor. No entanto, isso desnaturaria o pregão.

Uma alternativa é manter, para a contratação de obras e servi-ços de engenharia, o sistema previsto na Lei nº 8.666/93 e determinar a adoção de uma fase de lances, tal como no pregão. Aliás, a ado-ção da fase de lances em concorrência, tomada de preços e convite é possível e não depende de mudança na Lei, basta prevê-la no edital, pois a Lei nº 8.666/93 possibilita isso. É claro que essa possibilidade não é decorrente da literalidade de um dos seus enunciados, mas da sua essência. Afinal, a finalidade precípua da licitação é a obten-ção da proposta mais vantajosa, isto é, a apuração da melhor relação benefício-custo.

A última opção seria estruturar um sistema de pré-qualificação ou de cadastramento preliminar dos licitantes, o que resolveria o pro-blema. Essa é a melhor de todas as alternativas, mas tem um custo de gestão a ser considerado.

Temos vários caminhos, o único pouco razoável é licitar obras e serviços de engenharia por pregão, de modo a condicionar a capa-cidade técnica ao preço.

7.2. 7.2. A solução (o objeto) desejada pela Administração é serviço intelectual?

Se a solução desejada se expressa por meio de um serviço de natureza intelectual, a regra é realizar a contratação por inexigên-cia, e não por licitação. A eventual realização de licitação é condi-cionada à possibilidade de definição objetiva do critério de escolha das propostas, sob pena de desnaturar o pressuposto da licitação, ou seja, o julgamento objetivo.

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Na Lei nº 8.666/93, os serviços intelectuais aparecem indicados no seu art. 46. É preciso observar, no entanto, que esse artigo diz que “os tipos de licitação melhor técnica ou técnica e preço serão utili-zados exclusivamente para serviços de natureza predominantemente intelectual”, e não que os serviços intelectuais devem ser contrata-dos obrigatoriamente por licitação. Assim, é determinado que, se possível licitar os serviços intelectuais, deve ser por melhor técnica ou técnica e preço, e não por menor preço. Mas há uma condição a ser observada para que tais serviços sejam licitados: que possam ser definidos e julgados de forma objetiva, o que, em muitos casos, não é possível.

Deve-se ponderar apenas que, ao contrário das obras e dos ser-viços, o entendimento da doutrina e do TCU tem sido de que os ser-viços intelectuais não devem ser licitados, em princípio, por meio do pregão. A propósito, isso já é um avanço.

Para deixar bem explícito, a ordem jurídica vigente estabe-lece que, de maneira geral, os serviços intelectuais não devem ser licitados, salvo nos casos de possibilidade de definição objetiva do encargo/da solução e do estabelecimento de critério objetivo para a escolha do vencedor. Porém, se possível e viável a licitação, ela deve ser realizada pelo tipo melhor técnica ou por técnica e preço. Se for o caso de licitar, jamais a modalidade poderá ser o pregão.58

Portanto, se necessário licitar os serviços intelectuais, a modali-dade deverá ser definida em razão do valor estimado da contratação, conforme previsto no art. 23 da Lei nº 8.666/93.

7.3. 7.3. A solução (o objeto) desejada pela Administração é bem ou serviço comum?

Quando for possível considerar a natureza da solução (do objeto) como comum, a modalidade deverá ser obrigatoriamente o pregão, não cabendo adotar as modalidades previstas no art. 22 da Lei nº 8.666/93 em razão do que dispõe a ordem jurídica atual,

58 E não é porque o pregão deve ser por menor preço, pois o tipo técnica e preço tam-bém pode ser adotado no pregão.

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notadamente para a esfera federal. Para a contratação de bens e ser-viços comuns, a ordem jurídica consagra uma regra e uma exceção. A regra é a adoção do pregão, e a exceção é a utilização de concor-rência, tomada de preços ou convite. No entanto, para que não se adote a regra (o pregão), será necessária justificativa plausível.

Deve-se adotar o pregão porque ele tem a estrutura mais ade-quada para licitar bens e serviços comuns. Adotar a estrutura defi-nida no art. 43 da Lei nº 8.666/93 é reiterar o vício histórico que o pregão veio para corrigir. O problema não é o indiscutível cabimento do pregão para essa contratação, mas o que se deve entender por bens e serviços comuns.

7.4. 7.4. O que a Administração deseja é realizar uma alienação?

A necessidade da Administração pode ser resolvida por meio de obra, serviço, compra ou mesmo alienação. Ou seja, a Administração tanto pode querer adquirir algo como alienar um bem de sua proprie-dade, esteja ele integrado ao seu patrimônio efetivo ou constituindo seu ativo circulante. Em decorrência de compra, obra ou contrata-ção de um serviço, a Administração tem um desembolso de recurso financeiro; em razão de uma alienação na forma de venda, ela passa a contar com um ingresso de receita.

A alienação de bens da Administração pode ser realizada por meio de licitação e também sem observar esse procedimento. A alie-nação sem a observância da licitação está prevista no art. 17 da Lei nº 8.666/93 e é denominada de licitação dispensada. Não sendo a hipótese de dispensar a licitação, será preciso definir uma modali-dade entre as que estão indicadas no art. 22 da Lei nº 8.666/93, pois é incabível pensar no pregão para esse fim.

Entre as modalidades previstas no art. 22 da Lei nº 8.666/93, há duas que podem ser utilizadas pelo agente público para alienar bens: a concorrência e o leilão. Portanto, não se pode pensar em alie-nar bens por meio de pregão, tomada de preços, convite e concurso.

Se possível aplicar as duas modalidades apontadas para alienar bens da Administração, quando devemos empregar a concorrência e

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quando é cabível o leilão? Qual das duas modalidades é a mais van-tajosa em se tratando de alienação?

Para responder à primeira indagação, é preciso reunir as regras previstas na Lei nº 8.666/93 que regulam a questão e delas extrair o seu conteúdo. São elas o § 3º do art. 23, que diz quando a concorrência é cabível; o § 5º do art. 22, que define o leilão; o § 6º do art. 17, que dis-ciplina o valor estimado para fins de cabimento do leilão; e o art. 19, que dispõe sobre a alienação de bens imóveis cuja aquisição haja deri-vado de procedimentos judiciais ou de dação em pagamento.

Como resultado da análise desses enunciados, é possível afir-mar que:

a) A alienação de bens imóveis que pertençam à Administração e integrem o seu ativo permanente deve ocorrer por meio de concorrência.

b) A alienação de bens imóveis que pertençam ao ativo circu-lante da Administração pode ser realizada por meio de leilão ou concorrência. A escolha entre a concorrência e o leilão caberá ao agente competente, constituindo o que se deno-mina de decisão discricionária. Mas não se trata de escolha a ser feita segundo um critério meramente pessoal. Ela deve recair sobre a modalidade capaz de proporcionar a obten-ção da proposta mais vantajosa, pois é essa a finalidade pre-cípua da venda. No caso da alienação, a proposta mais van-tajosa é a de maior preço. Assim, o sistema que melhor via-biliza a mutabilidade dos preços, ou seja, faz com que os preços iniciais possam ser elevados, é o leilão. Como regra, a modalidade a ser utilizada para alienar os referidos bens deverá ser o leilão, e não a concorrência. Com o advento da Lei nº 10.520/02, a orientação deve ser no sentido de privi-legiar o sistema que permita a mutabilidade dos preços, para baixo (no caso de compra) ou para cima (no caso da venda). No entanto, existem outros fatores que precisam ser levados

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em conta na decisão. Um deles é o eventual interesse do mercado em relação ao que será vendido.

c) A alienação de bens móveis inservíveis para a Administra-ção ou de produtos legalmente apreendidos ou empenha-dos deve ser feita por meio de leilão. O § 6º do art. 17 da Lei nº 8.666/93, introduzido pela Lei nº 8.883/94, diz que “para a venda de bens móveis avaliados, isolada ou global-mente, em quantia não superior ao limite previsto no art. 23, inciso II, alínea “b” desta Lei, a Administração poderá permitir o leilão”. Para não ter que dizer que esse preceito é de uma impropriedade ímpar, o mais razoável é concluir apenas que o seu conteúdo serve para fixar um limite para a utilização do leilão, ou seja, só poderá ser utilizado se os bens avaliados, isolada ou globalmente, tiverem um valor estimado de até R$ 650.000,00. Seguindo essa prescrição, se o valor estimado for superior ao indicado, a modalidade a ser utilizada para alienar os bens móveis deverá ser a con-corrência. Em que pese a prescrição que o enunciado pos-sibilita, entendo que impor a adoção da concorrência para alienar bens móveis é, salvo engano, um despropósito. A modalidade cabível deve ser o leilão. A fim de que não seja necessário reiterar que o leilão deve ser utilizado para alienar bens móveis sempre que houver potencialidade de grande disputa, o melhor a fazer é desejar que o § 6º do art. 17 da Lei nº 8.666/93 seja revogado. A concorrência só poderá ser considerada a mais adequada se for o caso de bens cujo nível de competição será muito pequeno, possi-bilitando prever que não haverá disputa (ou só haverá um provável licitante). A vantagem da concorrência nesse caso é a seguinte: como o único licitante (ou os poucos licitan-tes) imagina que poderá haver muita disputa, a tendência é que apresente uma proposta escrita com preço mais ele-vado, visto que ele é imutável. À exceção dessa hipótese, a tendência é que o leilão seja sempre mais vantajoso. A pro-pósito, a escolha da modalidade deve ser sempre norteada pela possibilidade de obter a melhor proposta (a melhor relação benefício-custo).

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7.5. 7.5. A solução (o objeto) desejada pela Administração é comprar bem imóvel?

Se a solução para atender à necessidade da Administração for a aquisição de bem imóvel, haverá duas possibilidades: a) realizar a compra por dispensa com fundamento no inc. X do art. 24 da Lei nº 8.666/93 ou b) realizar a licitação. A possibilidade de lançar mão da compra direta dependerá do atendimento das condições objeti-vas definidas no inc. X do art. 24. Se não for o caso de dispensa,59 a licitação se impõe. Nessa hipótese, a modalidade adequada para a compra de bem imóvel é necessariamente a concorrência, ou seja, não é possível se valer de qualquer outra prevista no art. 22 da Lei nº 8.666/93 ou mesmo do pregão.

7.6. 7.6. A solução desejada pela Administração é selecionar trabalho técnico, científico ou artístico?

Para atender a determinadas demandas, é possível que o objeto desejado pela Administração se traduza na seleção de trabalho téc-nico, científico ou artístico. Como os referidos objetos são conside-rados serviços técnicos profissionais especializados ou intelectuais, o legislador consagrou na ordem jurídica duas possibilidades para que a contratação se efetive. A primeira delas ocorrerá quando o ser-viço for considerado singular e se julgar necessário que o encargo seja executado por um prestador considerado notoriamente especia-lizado. Nesse caso, reunidas as duas condições legais60 (singulari-dade do objeto e notória especialização da pessoa a ser contratada), estará configurada a hipótese de inexigibilidade (inc. II do art. 25 da Lei nº 8.666/93). Ademais, além da hipótese do inc. II do citado art. 25, há a possibilidade genérica prevista no caput do próprio art. 25, mas uma hipótese não exclui a outra.

59 A propósito, não é caso de dispensa, mas de inexigibilidade, pois a competição é inviável, pela impossibilidade real de disputa.

60 O TCU definiu os requisitos do inc. II do art. 25 na Súmula nº 252. Nela foram indi-cados três, ou seja, os dois apontados mais a previsão do serviço entre as atividades indicadas no art. 13 da Lei nº 8.666/93. Não entendemos como necessária a enume-ração do serviço no rol do citado art. 13.

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Outra possibilidade que permitiria a contratação é a dispensa em virtude do valor, seja em razão do inc. I ou do inc. II do art. 24 da citada Lei. Diferentes hipóteses do art. 24 podem ser avaliadas de forma mais excepcional. Portanto, não será obrigatória a realização da licitação nesses casos, ainda que a competição seja possível.

Não configuradas as hipóteses acima, caberá à Administração realizar a seleção do futuro contratado por meio de licitação.

De acordo com a ordem jurídica vigente, a seleção de trabalho técnico, científico e artístico deve ser realizada por meio da modali-dade de licitação denominada concurso, prevista no inc. IV do art. 22 da Lei nº 8.666/93 e definida no seu § 4º, em que se pode ler:

concurso é a modalidade de licitação entre quaisquer interessados para a escolha de trabalho técnico, científico ou artístico, mediante a instituição de prêmios ou remuneração aos vencedores, conforme critérios constan-tes do edital publicado na imprensa oficial com antecedência mínima de 45 (quarenta e cinco) dias.

No entanto, entendemos atualmente que o concurso não é modalidade de licitação, mas de inexigibilidade, pois a licitação pres-supõe a necessária viabilidade de competição e, na seleção de traba-lhos técnicos, científicos e artísticos, ela é inviável, não em razão da impossibilidade de disputa, mas por força da incapacidade de defi-nir critério objetivo para realizar a escolha. Essa incapacidade torna a licitação inexigível, porque, sem tal critério, não se pode assegurar tratamento isonômico, ou seja, não se consegue viabilizar o próprio pressuposto da licitação.

Portanto, a seleção de trabalho técnico, científico ou artístico somente poderá ser licitada se for possível definir objetivamente a solução (o objeto) pretendida e fixar critério, também objetivo, para a escolha do vencedor, sob pena de a contratação ter de ser realizada necessariamente por inexigibilidade.

Mantendo a visão tradicional de entender o concurso como modalidade de licitação, a questão que se coloca é a seguinte: se a Administração decidir que deverá realizar a licitação, a única

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modalidade possível é o concurso ou seria cabível a adoção de uma das modalidades comuns previstas no art. 22 da Lei nº 8.666/93 ou mesmo do pregão?

A interpretação literal e conjunta do § 4º do art. 22 da Lei nº 8.666/93 com o § 1º do seu art. 13 poderia conduzir à conclusão de que somente seria possível a adoção do concurso para a seleção de trabalhos técnicos, científicos e artísticos. Mas, dependendo das características da solução pretendida, é possível compreender dife-rente, isto é, para a seleção de tais objetos, é possível utilizar concor-rência, tomada de preços e convite. O que não parece adequado é utilizar o pregão.

Quando o legislador destina o concurso para atender a essa espécie de demanda, tem em vista um tipo específico de trabalho técnico, científico ou artístico. Há trabalhos que possuem natureza distinta e que dificilmente poderão ser contratados por meio do con-curso. Não se pode esquecer que no concurso a solução final (traba-lho técnico, científico ou artístico) deve ser apresentada na própria licitação, pois é ela que será julgada pela comissão especial de lici-tação. Não se trata, então, de uma contratação de serviços técnicos, científicos ou artísticos que deverá ser executada pelo vencedor do certame, mas da escolha de um produto final. Tem-se aqui uma dife-rença essencial e que aparta duas situações, servindo como parâ-metro (ou matéria-prima) para a construção de um critério jurídico. Com efeito, não se pode generalizar a adoção do concurso em face do objeto (trabalho técnico, científico ou artístico), mas construir um critério que privilegie a natureza da obrigação ou do encargo a ser realizado.

O concurso se destina à seleção de trabalho executado, isto é, pronto e acabado. Pouco importa se o trabalho já estava pronto quando o edital foi publicado ou se ele foi produzido durante o prazo de publicidade do concurso, o que interessa é que ele atenda às exi-gências do edital de concurso, inclusive no quesito ineditismo, se esse for o caso. Uma coisa é escolher um trabalho que está pronto, e outra é selecionar alguém para realizar algo que terá de ser feito sob encomenda. Essa é uma distinção crucial para responder, de forma adequada, à indagação acima.

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É oportuno avaliar qual é a melhor solução para o caso con-creto, ou seja, exigir o trabalho pronto e selecionar o vencedor mediante concurso ou contratar a prestação do serviço de execu-ção. Não se trata, entretanto, apenas de mera decisão a cargo da Administração. A utilização do concurso será adequada para deter-minados tipos de trabalhos, mas não para outros. A inadequação muitas vezes resulta do fato de que os interessados têm de produzir o trabalho e concorrer com muitos outros competidores, o que faz com que não se disponham a despender tempo (e dinheiro, muitas vezes) para um resultado tão incerto. Ademais, os profissionais mais especializados normalmente não se dispõem a participar de dispu-tas dessa ordem, em razão da incerteza quanto a retorno financeiro e eventual perda para a sua imagem, em caso de rejeição do seu traba-lho. Assim, o concurso frequentemente atrai profissionais mais jovens e que veem nele uma oportunidade para melhorar seu currículo pro-fissional. Isso não significa que, por meio do concurso, não se possa obter um excelente trabalho.

Como dito, é preciso ponderar se a escolha do concurso é a melhor alternativa. Se sim, deve ser adotada. Caso contrário, enten-dendo a Administração que o objeto desejado carece da contrata-ção de um prestador de serviço, será possível valer-se da inexigibili-dade ou de uma das modalidades comuns previstas no art. 22 da Lei nº 8.666/93, se a escolha objetiva puder ser viabilizada. Aliás, essa última alternativa é a que tem sido adotada na prática, justamente pelas razões apontadas.

7.7. 7.7. A Administração pretende selecionar ofertas para alimentar o seu Sistema de Registro de Preços?

Se a decisão for pela adoção do Sistema de Registro de Preços (SRP), a escolha da modalidade deverá recair, obrigatoriamente, sobre a concorrência ou o pregão. Até o advento do pregão, por força do inc. I do § 3º do art. 15 da Lei nº 8.666/93, a única modalidade admitida para a seleção das propostas para o registro de preços era a concor-rência, independentemente do valor estimado da contratação. A ado-ção do registro de preços alterava a regra geral de que nas compras a modalidade seria definida em razão do valor estimado da contratação,

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conforme previa o inc. III do art. 23 da Lei nº 8.666/93, visto que a modalidade teria de ser obrigatoriamente a concorrência, independen-temente do valor estimado da contratação. Essa é a única alteração sig-nificativa que o registro de preços criou em relação ao regime jurídico, pois todas as demais condições legais a serem observadas são exata-mente as mesmas aplicáveis às contratações comuns.

No entanto, com a conversão da MP nº 2182-18 na Lei nº 10.520, em 17 de julho de 2002, o pregão passou a ser admitido também como modalidade para a seleção de propostas para a via-bilização do registro de preços se os bens e serviços licitados forem considerados comuns. Assim, para registro de preços, é possível ado-tar duas modalidades de licitação: a concorrência ou o pregão. Mas quando adotar uma e outra?

A resposta que ofereço para essa questão é sempre a mesma. A escolha entre a concorrência e o pregão, ou seja, entre o sistema de seleção adotado na Lei nº 8.666/93 e o da Lei nº 10.520/02, diz respeito ao tipo de objeto a ser selecionado. O sistema da Lei nº 8.666/93 pressupõe um tipo de negócio no qual a capacidade do futuro contratado deve ser avaliada antes da sua proposta, e o sis-tema da Lei nº 10.520/02 pressupõe justamente o contrário. Assim, se o objeto possuir complexidade técnica e tiver de ser produzido diretamente pelo próprio contratado, a modalidade será necessaria-mente a concorrência, salvo se houver pré-qualificação anterior ins-tituída para analisar a capacidade técnica dos concorrentes. Mas se o objeto, mesmo revestido de complexidade, não tiver de ser feito, produzido ou viabilizado (tecnicamente) pelo próprio contratado, a modalidade deverá ser o pregão, conforme explicamos.

No entanto, caso a escolha da modalidade recaia sobre o pregão, será preciso definir se a forma adotada será a presencial ou a eletrônica. Como regra, preferencialmente, adota-se a eletrô-nica. Assim, tratando-se de registro de preços e se a seleção envol-ver bens e serviços comuns, a modalidade adotada deverá ser o pregão na sua forma eletrônica, preferencialmente. No entanto, diante da seleção de propostas para a execução de serviços técni-cos, a modalidade preferencial deverá ser a concorrência, e o tipo

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de licitação, o de técnica e preço, desde que seja possível realizar a seleção por meio de critérios objetivos.61

7.8. 7.8. A Administração deseja conceder ou permitir a exploração de serviço ou bem público?

Quando a Administração deseja selecionar um parceiro em vista da concessão ou permissão de determinado serviço ou bem público, a modalidade adequada é a concorrência.

O § 3º do art. 23 da Lei nº 8.666/93 diz que a concorrência é a modalidade de licitação cabível nas concessões de direito real de uso. Os incs. I e II do art. 2º da Lei nº 8.987/95 dizem que a con-cessão de serviço público, precedida ou não de execução de obra pública, será realizada mediante licitação na modalidade de concor-rência. No tocante à concessão de bens públicos, a Lei nº 8.666/93 não define expressamente qual a modalidade. No entanto, é unânime o entendimento de que a mais cabível é a concorrência, e nem pode-ria ser diferente.

7.9. 7.9. A Administração deseja que a disputa pelo contrato seja de âmbito internacional?

Se a licitação é de âmbito nacional, dela podem participar apenas pessoas jurídicas e físicas sediadas ou residentes no Brasil. No entanto, dizer que uma licitação é internacional significa que dela podem participar tanto as pessoas que atuam regularmente no País quanto as que têm sede em países estrangeiros. O objetivo da licitação internacional é permitir que pessoas estrangeiras possam participar de um certame licitatório que, não sendo internacional, abarcaria somente as pessoas que aqui atuam. Fundamentalmente, é o mesmo que ocorre em relação ao consórcio. Assim como só podem participar consórcios de pessoas nas licitações se for per-mitido expressamente, também para participar de uma licitação é

61 Sobre a definição de bens e serviços comuns, sugiro a leitura de texto de minha auto-ria publicado na Revista Zênite – Informativo de Licitações e Contratos (ILC), n. 193, p. 268-274, mar. 2010.

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preciso que a pessoa estrangeira, não tendo sede no Brasil, seja autorizada. Para que uma pessoa estrangeira, constituída de acordo com a legislação do seu país de origem, possa atuar no território nacional, é necessária uma autorização do Governo brasileiro. Nesse sentido, a licitação internacional nada mais é do que uma autorização especial para se relacionar com o Poder Público tendo em vista um negócio específico. Para tanto, a pessoa estrangeira precisará ter um representante no território nacional, para todos os efeitos legais (§ 4º do art. 32 da Lei nº 8.666/93).

Diz o § 3º do art. 23 da Lei nº 8.666/93 que a concorrência é a modalidade cabível para as licitações internacionais. No entanto, possibilita também que a Administração utilize a tomada de preços, quando dispuser de cadastro internacional de fornecedores, e o con-vite, quando não houver fornecedor do bem ou serviço no Brasil. Mesmo diante da possibilidade de utilizar a tomada de preços e o convite, o comum é a adoção da concorrência.

A Lei nº 10.520/02, que regula o pregão, não traz previsão expressa sobre a possibilidade da utilização do pregão internacio-nal, o que não significa que isso não possa acontecer. A previsão do pregão internacional no regime jurídico que o regula se encontra no Decreto nº 3.555/00 e também no Decreto nº 5.450/05, que dis-ciplina o pregão eletrônico. O art. 16 do Decreto nº 3.555/00 diz: “quando permitida a participação de empresas estrangeiras na lici-tação, as exigências de habilitação serão atendidas mediante docu-mentos equivalentes, autenticados pelos respectivos consulados e tra-duzidos por tradutor juramentado”.

E o seu parágrafo único impõe que a empresa estrangeira, para poder participar, deverá “ter procurador residente e domiciliado no País, com poderes para receber citação, intimação e responder admi-nistrativa e judicialmente por seus atos, juntando os instrumentos de mandato com os documentos de habilitação”.

A mesma regra é reproduzida no art. 16, inc. VI e no art. 17, inc. VII, ambos do Decreto nº 5.450/05.

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Portanto, é possível adotar nas licitações internacionais a con-corrência, o pregão, a tomada de preços ou o convite. Se o objeto for bem ou serviço comum, o pregão deve ser utilizado preferen-cialmente. Nos demais casos e pelas razões expostas, sugerimos que seja adotada a concorrência, sem prejuízo das demais modalidades comuns mencionadas, desde que respeitadas as condições previstas no § 3º do art. 23 da Lei nº 8.666/93.

8. 8. como definir a modalidade em razão do Valor estimado da contratação?

A definição do valor estimado da contratação exige cuidado especial. É indispensável que o encargo tenha sido integralmente definido. Dessa forma, definido todo o encargo é que se poderá partir para a pesquisa de preços ou para a elaboração da planilha de quan-titativos e preços. Sem que o encargo tenha sido definido totalmente, não será possível estimar quanto será gasto com a contratação. Por-tanto, não basta apenas a definição do objeto, mas de todas as obri-gações que integram o encargo, pois o objeto é apenas uma delas, podendo haver inúmeras outras.

Nessa linha, a escolha da modalidade (concorrência, tomada de preços e convite) deve ser feita com base no valor estimado para todo o encargo, e não apenas para o objeto, que é o núcleo do encargo, sob pena de haver ilegalidade.

O art. 23 da Lei nº 8.666/93, que prevê o critério de escolha da modalidade em razão do valor, emprega a expressão “valor estimado da contratação”. O mais razoável é entender que o conteúdo da expressão é calibrado pelo valor efetivo do contrato, e não simples-mente pelo estimado durante o planejamento. Dito de outra forma, o que validará a estimativa de preços apurada na fase interna (planeja-mento) para escolher a modalidade é o preço final a ser apurado na fase externa (licitação), pois é ele que expressa o real e efetivo custo do contrato. Evidentemente, o legislador não poderia ter determinado que a modalidade de licitação fosse definida de acordo com o valor do contrato, visto que ela é delimitada na fase interna, e o valor do

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contrato, apurado na fase externa do processo, ou seja, em momento posterior à escolha da modalidade. O que se dimensiona antes da escolha da modalidade é a estimativa do preço em razão da pesquisa realizada pela Administração. Não pode a Administração justificar a legalidade da escolha da modalidade apenas com base no valor esti-mado por ela em virtude de uma pesquisa, ainda mais se for mal con-duzida e o valor não expressar o montante a ser despendido com a contratação. Portanto, não se pode estimar o valor da contratação de um equipamento, por exemplo, em R$ 75.000,00 e, por força disso, adotar a modalidade convite, para depois firmar um contrato por R$ 90.000,00, o que ensejaria a tomada de preços.

Apesar das ponderações acima, cumpre dizer que o critério da escolha da modalidade em razão do valor estimado da contra-tação é inadequado. Esse entendimento parte do pressuposto, antes apontado, de que não faz mais sentido a existência de concorrência, tomada de preços e convite, pois bastaria a primeira delas para resol-ver o problema, juntamente ao pregão.

O critério do valor estimado da contratação tem servido mais para criar problemas para os agentes públicos do que para oferecer algum tipo de solução útil. A propósito, quantos servidores públi-cos já responderam processos administrativos porque escolheram o convite quando era exigível, em face do art. 23 da Lei nº 8.666/93, a tomada de preços ou esta quando era o caso da concorrência? É certo dizer que foram centenas deles. Problemas e questões desse tipo podem ser evitados nos tempos atuais.

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Capítulo 11

A QUESTÃO DA DEFINIÇÃO DE BENS E SERVIÇOS COMUNS NA LEI Nº 10.520/02 E A PROPOSIÇÃO DE CRITÉRIO TÉCNICO PARA O CABIMENTO DO PREGÃO

A finalidade do presente capítulo é analisar a definição de bens e serviços comuns prevista no parágrafo único do art. 1º da Lei nº 10.520/02. A relevância de tal definição está no fato de que o pre-gão, a mais utilizada modalidade de licitação da atualidade, é cabí-vel quando a solução para atender à necessidade da Administração for bens e serviços comuns. Assim, em princípio, há um critério legal definido para adotar o pregão.

Nesse sentido, a pretensão deste texto é responder, pelo menos, às seguintes questões: é adequado o conceito de bens e serviços comuns definido na Lei nº 10.520/02? Por que há tanta discussão em torno dessa definição? Qual critério deve ser adotado para definir o cabimento do pregão na hipótese de se considerar inadequada a definição prevista no parágrafo único do art. 1º da Lei nº 10.520/02?

Estou convencido de que o conceito adotado pelo legislador para bens e serviços comuns no parágrafo único do art. 1º da Lei nº 10.520/02 é inadequado e, em razão disso, não pode ser adotado. Conceituar é dizer o que uma coisa é de modo a distingui-la das demais. Se o conceito não cumpre essa função básica, ele não serve e deve ser reputado inútil, ainda que seja um conceito legal. Não há no Direito nada que possa ser considerado absoluto, nem mesmo a seguinte máxima: “a lei não tem palavras inúteis”. A lei tem, sim, palavras inúteis, e o conceito de bens e serviços comuns é um bom exemplo de inutilidade.

Não se pode considerar adequada uma definição apenas por-que ela é legal. Uma coisa é ser legal, e outra é ser adequada. Quando digo que o conceito de bens e serviços comuns deve ser ignorado,

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quero dizer que ele é inadequado, não havendo razão para a sua manutenção. Antes de apontar as razões que me levam a fazer essa afirmação, é preciso dizer que só faria sentido falar de bens e serviços comuns se reconhecermos que existem outros bens e serviços que não são comuns; do contrário, todos os bens e serviços seriam neces-sariamente comuns, e qualquer definição não faria nenhum sentido, pois a definição tem a finalidade de rotular justamente para distinguir. Quando damos nomes às pessoas, às ruas, às coisas, às atividades e aos fenômenos, o propósito é, antes de tudo, diferenciá-los de outros da mesma espécie a fim de evitar confusão e facilitar o processo de comunicação. Então, falar em bens e serviços comuns pressupõe existir um conjunto de bens e serviços que sejam incomuns. Essa é uma premissa fundamental para entender e também justificar o pro-cesso de interpretação do conceito de bens e serviços comuns.

Enfim, vamos ao conceito.

O parágrafo único do art. 1º da Lei nº 10.520/02 dispõe: “con-sideram-se bens e serviços comuns, para os fins e efeitos deste artigo, aqueles cujos padrões de desempenho e qualidade possam ser obje-tivamente definidos pelo edital, por meio de especificações usuais no mercado”.

Portanto, essencialmente, está dito no referido preceito que bens e serviços comuns são aqueles que a) têm um padrão de desem-penho e qualidade; b) tal padrão de desempenho e qualidade pode ser objetivamente definido no edital; e c) tal objetividade resulta de especificações usuais no mercado.

Assim, salvo engano, o que está dito no parágrafo único do art. 1º da Lei nº 10.520/02 não tem nenhuma serventia, ou seja, tem algum conteúdo semântico, mas não tem o conteúdo jurídico que deveria ter, isto é, a referida definição não serve como critério capaz de determinar o cabimento do pregão. As razões que me levam a afirmar que a definição de bens e serviços comuns é, sob o ponto de vista jurídico, inútil serão expostas a seguir.

Em primeiro lugar, qualquer solução definida pela Administra-ção como indispensável para satisfazer as suas necessidades deverá

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ter, obrigatoriamente, um padrão de desempenho e qualidade. Isso ocorrerá em qualquer situação, inclusive nos casos em que o padrão preserva desempenho e qualidade mínimos. Logo, não é essa carac-terística que singulariza os bens e serviços comuns, pois os “inco-muns” também deverão ter um padrão de desempenho e de quali-dade mínimos, sob pena de não garantirem a solução do problema (necessidade). Não seria possível contratar uma solução sem saber se ela é realmente uma solução, ou seja, a providência que resolverá o problema (necessidade).

Aliás, uma situação como essa tornaria inviável (ou impossível) a competição, pois as pessoas nem saberiam o que está em disputa. Não seria possível alguém apresentar preço para uma solução que não tem, pelo menos, padrões de desempenho e de qualidade míni-mos. Logo, nem se poderia falar em licitação. Para licitar, é preciso ter uma solução definida, e ela deve ter padrões de desempenho e de qualidade, sob pena de não ser uma solução. Portanto, ter um padrão de desempenho e de qualidade é algo fundamental para licitar, mas não para definir o que seja comum. O bom senso, então, recomenda que se ignore a primeira parte do conceito de bens e serviços comuns.

Em segundo lugar, se padrões de desempenho e qualidade mínimos são condição indispensável para licitar, eles necessitam ser objetivamente definidos no edital, sob pena de a sua inexistência inviabilizar a licitação, da mesma forma que a condição anterior-mente apontada. Isto é, ou ele está no edital ou ele não existe como condição objetiva. Logo, não é possível haver um padrão de quali-dade mínimo, por exemplo, que não seja objetivo. Da mesma forma, não existe uma condição objetiva se ela não estiver prevista no edital. Assim, a existência de padrões de desempenho e qualidade objetivos no edital é condição indispensável para que se possa licitar, mas não para definir o pregão como a modalidade a ser adotada. O bom senso manda, também, ignorar a segunda parte do conceito legal de bens e serviços comuns.

Resta analisar a última parte da definição legal. É certo dizer que, em face da inconsistência dos dois primeiros enunciados, a última parte seria insuficiente para sustentar por si só a definição de bens e serviços comuns, pois se ela bastasse para viabilizar a definição seria

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o caso de concluir que os dois primeiros enunciados seriam desne-cessários e nem deveriam integrar o dispositivo legal. De qualquer forma, vamos à última parte.

Em terceiro lugar, resta a última condição apontada: a de que a especificação que traduzirá objetivamente os padrões de desempe-nho e de qualidade seja usual no mercado. Da mesma forma, essa condição ou característica da definição legal não é determinante para o fim a que se destina, pois as coisas que são “incomuns” também têm especificação usual no mercado. Logo, essa também não é uma característica que permite separar um conjunto de bens e serviços sob a denominação específica de comuns. Igualmente, a terceira parte do conceito de bens e serviços comuns deve ser ignorada.

Com base nos raciocínios expostos, é possível concluir que o legislador foi impreciso ao definir o cabimento do pregão, ou seja, não deveria ter condicionado a sua adoção em razão do rótulo bens e serviços comuns, tal como definido no parágrafo único do art. 1º da Lei nº 10.520/02. Logo, ou tudo que se possa imaginar é comum e poderia ser licitado obrigatoriamente por meio do pregão ou o crité-rio deveria ter sido outro (ou deve ser outro). O problema não está no cabimento do pregão, mas na definição de bens e serviços comuns que condiciona o cabimento.

Portanto, a adoção do pregão não deve se basear na litera-lidade da definição prevista no parágrafo único do art. 1º da Lei nº 10.520/02, porque ela não se presta para o fim a que se destina, qual seja, o de servir de critério para a escolha do pregão.

Também não se pode chegar à conclusão de que é cabível o pregão para todas as contratações de bens e serviços cujos padrões de desempenho e de qualidade possam ser objetivamente definidos pelo edital, por meio de especificações usuais no mercado, pois isso implicaria reconhecer que só existe uma forma de processar a lici-tação: o pregão. Isso significaria, por exemplo, que o art. 22 da Lei nº 8.666/93 teria sido revogado tacitamente pela Lei nº 10.520/02, muito embora continuasse a produzir efeitos práticos, uma vez que concorrências, tomadas de preços e convites continuam a ser promovi-dos todos os dias, inclusive pela União. Claro que isso não procede. E

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não procede porque a interpretação a ser adotada não é (e não deve ser) a literal. Vale dizer, o cabimento do pregão não pode ser definido em razão do enunciado do parágrafo único do art. 1º da Lei nº 10.520/02, mas por conta de outro critério, que será exposto abaixo.

Uma questão que surge em face das ponderações acima é a seguinte: o reconhecimento da inutilidade da definição legal do pará-grafo único do art. 1º da Lei nº 10.520/02 não tornaria ilegal a utili-zação do pregão, uma vez que ele pressupõe a definição de bens e serviços para ser adotado?

A resposta é negativa. Uma coisa é reconhecer que a definição do parágrafo único do art. 1º da Lei nº 10.520/02 é inútil e não serve como critério para definir quando o pregão é cabível; outra coisa é, em razão dessa conclusão, entender que não existem mais bens e serviços comuns, o que seria um absurdo. A existência, no mundo real, de um conjunto de bens e serviços que se possa qualificar de comuns não está condicionada à existência, no mundo jurídico, de uma definição legal. Uma coisa não pressupõe a outra. O legislador não precisaria ter definido bens e serviços comuns para viabilizar o pregão, mesmo sendo o pregão reservado para a contratação de bens e serviços comuns.

A definição de bens e serviços comuns foi uma infeliz iniciativa do legislador, por duas razões básicas: (a) pela dificuldade (ou mesmo impossibilidade) que a definição em si representa e (b) pelos proble-mas e dificuldades que uma definição inadequada pode criar (aliás, não só pode como tem criado). Assim, mesmo diante do reconheci-mento de que a definição legal deve ser ignorada, o pregão será cabí-vel para a contratação de um tipo específico de solução que o legisla-dor rotulou de bens e serviços comuns. Dizer que o pregão é cabível para atender a um rótulo específico não implica reconhecer como adequado o conceito que se adotou para qualificar o rótulo. Aliás, situação idêntica ocorre com a concorrência, por exemplo, cujo con-ceito (art. 22, § 1º, da Lei nº 8.666/93) é também inadequado. Não se pode, por isso, afirmar que a modalidade concorrência não tem existência legal.

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Muito bem, se a definição de bens e serviços constante do parágrafo único do art. 1º da Lei nº 10.520/02 não serve para defi-nir adequadamente o pregão, qual é o critério que deve ser adotado para a escolha da referida modalidade?

O critério a ser adotado é separar as diversas soluções segundo a natureza dos problemas. Penso que o legislador deveria ter expres-samente reservado a estrutura da fase externa prevista no art. 43 da Lei nº 8.666/93 para as contratações que reúnam duas características: a) soluções tecnicamente complexas e b) que devam ser feitas sob encomenda diretamente por quem será contratado. Por outro lado, para os demais casos, seria indicada a estrutura da Lei nº 10.520/02 (pregão). Uma análise cuidadosa e profunda do regime jurídico vigente nos autoriza a dizer que o legislador fez exatamente isso. O que o legislador não fez foi dizer exatamente isso com todas as letras. É nesse ponto que reside um dos grandes problemas do Direito, pois nele nem tudo o que está dito está necessariamente escrito. Portanto, é um erro gravíssimo em matéria de hermenêutica reduzir o conteúdo da norma à dimensão literal de um enunciado prescritivo.

Em razão da afirmação acima de que o sistema da Lei nº 8.666/93 deve ser reservado para objetos complexos e que devem ser feitos pelo próprio contratado, é oportuno esclarecer que não estou dizendo que o pregão não pode ser adotado para a contratação de objetos complexos. Ainda que o objeto seja complexo, o pregão pode ser adotado, desde que a solução não tenha de ser construída, feita, fabricada ou produzida diretamente pelo próprio contratado.

Para entender a afirmação acima, é preciso perceber que existe uma diferença entre complexidade do objeto e complexidade da obri-gação a ser cumprida em razão da execução do contrato. Essa dife-rença é fundamental para definir e entender o cabimento do pregão. Aliás, é necessário afirmar que a referida diferenciação é mais impor-tante do que a própria definição legal de bens e serviços comuns.

A complexidade da solução pode ter ou não relação com a da obrigação. É preciso saber separar bem esses dois mundos, pois eles têm sido confundidos, o que tem dificultado a compreensão do que se deve entender por bens e serviços comuns e, por consequência, quando deverá ser adotado o pregão.

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A maior parte das soluções (bens e serviços) desejadas pela Administração não é feita diretamente por quem cumpre o contrato, ou seja, quem cumpre o contrato é simplesmente um intermediário entre o fabricante e a Administração. Num contrato de compra e venda, ainda que o objeto possa ser complexo (por exemplo, forneci-mento de equipamento de informática altamente sofisticado), a obri-gação de quem cumpre o contrato é destituída de complexidade téc-nica, isto é, ela (obrigação) não é contaminada pela complexidade do equipamento. Quem precisa ter capacidade técnica para viabilizar a solução é o fabricante do equipamento, e não quem o vendeu para a Administração. Aliás, ele nem participa da relação jurídica contra-tual, só entrará em cena se houver necessidade de acionar a garantia do bem. Fora essa hipótese, não há nenhuma relação entre ele e a Administração. Portanto, uma coisa é a complexidade do objeto, e outra é a da obrigação a ser cumprida pelo contratado.

Diferentemente, nos negócios que envolvem objetos a serem executados sob encomenda, em que tais objetos são tecnicamente complexos, não é possível raciocinar da mesma forma que em uma simples compra, na qual o fornecedor não precisa possuir capaci-dade técnica, pois é somente um intermediário. Numa obra de enge-nharia, no desenvolvimento de um serviço intelectual (um projeto, um parecer jurídico, um sistema de TI) não há intermediário, não há solução (objeto) pronta e acabada, mas a ser viabilizada. Nesse caso, a solução deve ser feita sob encomenda, e o ingrediente principal para a sua obtenção é a capacidade técnica do contratado. Aliás, já dissemos noutra oportunidade que a Administração, por exemplo, não contrata uma obra de engenharia, mas a execução de um projeto básico (solução) cujo resultado pode ser ou não uma obra.

A distinção entre a complexidade da solução e a da obriga-ção a ser cumprida é essencial, pois é em face dela que se saberá o regime ou sistema jurídico a ser adotado: se o da Lei nº 8.666/93 ou o do pregão, uma vez que, sob o ponto de vista da condução da fase externa do processo de contratação pública, são dois sistemas distin-tos. E a distinção reside, fundamentalmente, na inversão das etapas de habilitação e propostas.

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Por conta da diferenciação acima é que temos, atualmente, dois regimes jurídicos distintos: o da Lei nº 8.666/93 e o do pregão. A existência dos dois regimes é necessária porque existem dois tipos de problemas diferentes, e eles exigem soluções distintas, pois uma coisa é a execução de um objeto revestido de complexidade técnica e que deva ser viabilizado diretamente pelo próprio contratado, e outra coisa é, por exemplo, o fornecimento de bens comuns. É opor-tuno repetir que a percepção da diferença é fundamental para enten-der porque temos dois regimes jurídicos vigentes e quando cada um deles pode ser utilizado e quando não deve. Essa distinção é absolu-tamente necessária para determinar ou não o cabimento do pregão.

O grande problema que tínhamos na fase externa do processo de contratação era o da existência de apenas uma forma de processar a licitação (isto é, a prevista na Lei nº 8.666/93). Todas as soluções eram submetidas ao mesmo esquema de contratação, pouco impor-tando se fossem obras ou serviços de engenharia, serviços intelectu-ais ou, ainda, bens e serviços comuns. Com o pregão, esse problema foi resolvido. Aliás, esse é o grande mérito do pregão. Por incrível que pareça, o desafio que surge agora é cuidar para que a solução (o pregão) idealizada para resolver o nosso grande problema não seja a causa de outro. Nesse sentido, não se pode deixar de perceber que o pregão foi instituído justamente para corrigir o vício histórico da fase externa do processo e representou um avanço considerável nas con-tratações públicas. O pregão não foi criado para pôr fim à concorrên-cia, por exemplo, nem a Lei nº 10.520/02 foi editada para revogar a Lei nº 8.666/93.

O sistema da Lei nº 8.666/93 foi pensado para atender a um tipo específico de contratação, ou seja, justamente aquela que envolve objetos revestidos de complexidade e que devem ser viabilizados diretamente por quem será contratado. Portanto, a sua estrutura tem o propósito de reduzir o risco em torno da não obtenção do men-cionado resultado. Por conta disso, o sistema da Lei nº 8.666/93 foi estruturado de forma a permitir primeiro a avaliação da capacidade técnica (habilitação), ao contrário do pregão. É importante dizer que o sistema da Lei nº 8.666/93, que condiciona a aceitação da pro-posta em razão da capacidade técnica, não elimina a incerteza, ape-nas a reduz (ou seja, aumenta a certeza de que o resultado pode ser

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obtido). A redução tem relação direta com o nível de exigência na fase de habilitação, ela oscilará de acordo com a complexidade da obrigação a ser cumprida pelo futuro contratado, e não em razão da complexidade do objeto em si. Por isso, distinguimos a complexidade do objeto da complexidade da obrigação. Ora, se a solução (objeto) é complexa e a pessoa tem de executá-la diretamente, deverá possuir capacidade técnica, sob pena de haver risco quanto ao resultado final da solução. Essa é a lógica que norteia a ordem jurídica vigente. Esse tema já foi por mim tratado de forma exaustiva na obra O Regime Jurídico da Contratação Pública, Zênite, 2008.

Então, qual é o critério que se pode adotar para escolher a modalidade de licitação, especialmente o pregão? A solução que proponho é a seguinte: no momento da escolha da modalidade de licitação, o agente deve fazer duas perguntas. Repita-se: apenas duas perguntas. Em razão das respostas ele escolherá a modalidade de licitação. A primeira pergunta a ser feita é: o objeto licitado é com-plexo? Depois, uma segunda: o objeto deverá ser “feito” pelo pró-prio contratado?

Se a resposta for afirmativa para as duas questões, o pregão não deve ser adotado. Caso contrário, se qualquer das respostas for nega-tiva, é cabível o pregão. Vale dizer: também é cabível o pregão se a pri-meira resposta for afirmativa e a segunda negativa, ou seja, se o objeto for complexo e o futuro contratado for mero intermediário, conforme ponderamos anteriormente. A solução seria direta e eficiente.

Os sistemas da Lei nº 8.666/93 e da Lei nº 10.520/02 foram pen-sados e estruturados a partir de uma lógica que pressupõe resposta para essas duas perguntas. Fundamentalmente, se a contratação envolve obras e serviços de engenharia e serviços intelectuais, não é possível adotar o pregão. Mas existem outros serviços que não são intelectuais e não são de engenharia e que, igualmente, não devem ser licitados por pregão, muito embora isso esteja acontecendo.

Há muita divergência nas decisões dos tribunais de contas sobre o critério de cabimento do pregão. É necessário que elas sejam resolvidas para que se possa fixar um critério que possibilite maior segurança para quem tem de definir a modalidade de licitação. Não

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parece razoável que nos dias atuais não se tenha um parâmetro obje-tivo para definir uma coisa tão básica quanto essa. É até aceitável que um agente público tenha dúvida sobre outros institutos ou outras exi-gências da ordem jurídica, mas não sobre a escolha da modalidade que deve adotar.

Para tanto, a primeira coisa que precisa ser superada, tanto por parte da doutrina como dos órgãos de controle, é o esforço de se querer definir o cabimento do pregão com base na definição de bens e serviços comuns prevista no parágrafo único do art. 1º da Lei nº 10.520/02. Esse esforço não se justifica, pois é desnecessário. Con-forme já acentuamos, o cabimento do pregão não depende de uma definição para bens e serviços comuns.

Outra coisa que se deve evitar é dizer que o pregão é cabível se os bens e serviços forem comuns e que estes são aqueles cujos “padrões de desempenho e qualidade possam ser objetivamente definidos pelo edital, por meio de especificações usuais no mercado”, como tem sido reiterado nos acórdãos e nas decisões dos órgãos de controle e também em âmbito judicial, pois isso não resolve o problema.

De minha parte, entendo que não é possível fixar um critério para a definição do pregão agindo dessa forma, mas a partir da reflexão sobre algumas indagações necessárias, tais como: por que o pregão foi instituído? O pregão veio para substituir as modalidades previstas na Lei nº 8.666/93? Se afirmativa, por que então a Lei nº 10.520/02 não revogou pelo menos parte do art. 22 da Lei nº 8.666/93? Por que houve a inversão das etapas de habilitação e proposta? A res-posta a essas questões possibilitará a compreensão da nova ordem jurídica vigente instaurada com a edição da Lei nº 10.520/02, bem como a convicção de que é adequado o critério que estamos pro-pondo para a definição do regime a ser adotado (Lei nº 10.520/02 e Lei nº 8.666/93) para conduzir a licitação (fase externa do processo de contratação).

É preciso dizer que a discussão em torno da definição de bens e serviços comuns já passou por alguns estágios. No princípio, havia uma confusão entre comum e complexo, de modo a sustentar que o que era complexo não poderia ser comum. Assim, se um objeto ou

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serviço fosse revestido de complexidade, estaria afastada a adoção do pregão. Posteriormente, houve a superação desse estágio inicial. Com isso, um objeto ou serviço complexo pode também ser licitado por meio de pregão. No entanto, isso ocorreu sem que se explicasse por que antes não podia e depois passou a poder. A resposta para a pos-sibilidade está na diferenciação que fizemos acima entre complexi-dade do objeto e da obrigação a ser cumprida pelo futuro contratado.

Em momento posterior, entendeu-se também que os serviços técnicos poderiam ser considerados comuns, desde que pudessem ser definidos por meio de especificações usuais. Assim, como não há nenhuma dificuldade para definir, por exemplo, os serviços de engenharia por meio de especificações usuais, eles passaram a ser licitados por pregão. O mesmo ocorreu com os serviços intelectuais, notadamente na área de TI.

Creio que é equivocada a ideia acima, pois o critério para definir o pregão não pode ser baseado na possibilidade de definir o objeto por meio de especificações usuais. Salvo raríssimas exceções, será sempre possível definir a solução (objeto) por meio de especi-ficações técnicas usuais, e nem por isso será cabível o pregão. O problema não é a definição ou a especificação técnica do objeto a ser contratado, mas a garantia de que o futuro contratado conseguirá produzir a solução desejada. É em razão dessa dificuldade que se deve condicionar a escolha do futuro contratado, em virtude da sua capacidade técnica, e não do preço por ele cobrado. O sistema do pregão é aquele que condiciona a capacidade pelo preço. O sistema da Lei nº 8.666/93 é o que define o preço em razão da capacidade do futuro contratado de viabilizar a solução. É isso que precisa ser enten-dido, sob pena de não resolvermos esse grande impasse.

Enquanto continuarmos a afirmar que o pregão é cabível para todas as contratações em que for possível definir no edital, de forma objetiva, os padrões de desempenho e qualidade do objeto, por meio de especificações usuais de mercado, perpetuaremos o problema e continuaremos sem um critério uniforme, daí a razão de existir tanta divergência. Assim, ora se entende que um objeto pode ser licitado por meio de pregão e, posteriormente, entende-se que não pode e vice-versa. Isso vem acontecendo de forma muito frequente com a

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contratação de obras e serviços de engenharia e serviços de TI. Temos visto inúmeros serviços intelectuais de TI serem contratados por meio de pregão quando não deveriam. Temos tido mais sorte do que juízo.

Em conclusão, é possível dizer que o pregão é a modalidade de licitação cabível para a seleção de cocontratante nos casos em que a capacidade técnica do futuro contratado não é determinante para a obtenção da solução capaz de satisfazer a necessidade que determinou a deflagração do processo de contratação pública e que constitui o objeto do contrato. Portanto, em todos os casos em que a capacidade técnica do futuro contratado for determinante, o pregão não poderá ser adotado. Isso ocorre por uma simples razão: nesses casos, a capacidade técnica deverá condicionar o preço, e não o con-trário. E é preciso que se diga que, em razão da sua estrutura invertida entre proposta e habilitação, o pregão não permite que a capacidade seja condicionante do preço, mas por ele condicionada. Vale reafir-mar aqui o que já dissemos: se o objeto é revestido de complexidade técnica e tem de ser viabilizado diretamente pelo próprio contratado, não caberá o pregão, justamente pela inversão das etapas de habili-tação e proposta, ou seja, em razão do seu próprio sistema estrutural que pressupõe que o preço condicionará a capacidade técnica, e não o contrário.

É certo que o fato de termos durante décadas conduzido a licita-ção para a contratação de fornecimento de água mineral ou de caneta esferográfica da mesma forma que para a contratação da execução de uma grande obra de engenharia ou de serviços intelectuais criou um grande desgaste. Esse desgaste poderia ter sido evitado em 1986, quando da edição do Decreto-lei nº 2.300. Mas o fato é que não foi.

Com o advento do pregão, tornamo-nos mais eficientes e pas-samos a fazer de uma forma mais simples e rápida o que antes era muito complicado e demorado. Isso criou uma nova percepção: a de que estávamos errados. Com isso, passamos a ter a certeza de que é possível fazer tudo com muita rapidez e reduzindo etapas e atos, o que não é verdade. De fato, fazíamos errado, mas não tudo, apenas uma parte. Aliás, fazíamos de forma errada exatamente o que deve-ríamos passar a fazer certo com a ideia original do pregão – bens e

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serviços comuns. Portanto, a sensação serve apenas para um grupo determinado de bens e serviços, e não para todas as soluções.

No entanto, a sensação atual é a de que é possível generalizar a nova solução (o pregão) para todas as contratações, o que não é correto. Erramos antes, quando submetemos todas as contratações ao regime da Lei nº 8.666/93. Erraremos agora, se submetermos todas as contratações ao regime da Lei nº 10.520/02. É certo que não havia mais sentido em continuar a licitar bens e serviços comuns por meio de um sistema cuja estrutura foi idealizada para contratar obras e serviços de engenharia e serviços intelectuais.

É importante ter a clareza de que não existe um único remédio para todos os males (problemas). Assim como a Lei nº 8.666/93 não resolveu todas as nossas demandas, também o pregão não pode cum-prir esse papel.

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Capítulo 12

O REGIME JURÍDICO DOS PREÇOS NAS CONTRATAÇÕES PÚBLICAS

1. 1. o preço no contexto da contratação

Sob o ponto de vista essencial, o contrato nada mais é do que a relação entre duas grandezas: o encargo e a remuneração. O encargo é a dimensão econômica da relação contratual, e a remuneração, a sua expressão financeira. Dessa forma, a Administração deseja o encargo para satisfazer a sua necessidade, e o contratado, a remune-ração, pois ela traduz os custos e despesas realizados para a sua via-bilização, bem como o lucro, que é a parcela mais importante para quem explora a atividade econômica.

Então, a remuneração nada mais é do que o preço a ser cobrado pelo contratado pela viabilização do encargo necessário à satisfação da necessidade da Administração. O regime jurídico utiliza tanto a palavra “remuneração” como o termo “preço” para qualificar a con-traprestação pecuniária a que faz jus o contratado pelo cumprimento do encargo. No entanto, a palavra “preço” foi a preferida do legisla-dor ou a que ele empregou com mais frequência. Sendo assim, vamos utilizar preço como sinônimo de remuneração, apenas para manter harmonia com a opção do próprio legislador.

2. 2. a disciplina jurídica do preço fixada pelo legislador

Quando utilizamos a expressão “regime jurídico do preço”, queremos nos referir ao conjunto de regras definidas na ordem jurí-dica com o propósito de disciplinar os preços a serem propostos pelos licitantes e a serem aceitos ou praticados pela Administração na contratação pública.

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Ao tratar dos princípios que norteiam a contratação pública, afirmamos que os preços devem ser justos e exequíveis. Na oportu-nidade, esclarecemos o significado dessa expressão, cabendo agora aprofundar o seu conteúdo, visto que o regime jurídico vigente nada mais faz do que reafirmar e normatizar tal princípio.

O regime jurídico dos preços, tal como definido na Lei nº 8.666/93 e na Lei nº 10.520/02, tem como finalidade precípua regular a contraprestação pecuniária que o licitante ou o contratado pretende obter pela execução do encargo. Essa regulação tem os mais diversos contornos, ou seja, compreende tanto o controle dos preços excessivos quanto o dos preços inexequíveis. Mas o regime jurídico da contratação pública, ao tratar do tema, utiliza vários ter-mos e expressões para qualificar a realidade dos preços, tais como preço excessivo; preço superior; preço manifestamente superior; preço inexequível; preço manifestamente inexequível; preços sim-bólicos; preços irrisórios; preço de valor zero; preços praticados no mercado; preço de mercado; preço vigente no mercado; preços cor-rentes; preço máximo; preço mínimo; preço estimado; preço referên-cia; preço unitário; preço global; preço certo; preço certo de unida-des determinadas; preço previamente fixado; preços praticados no âmbito dos órgãos e entidades da Administração; preço contratado; preço do dia; preço compatível; preço em moeda nacional; preço em moeda estrangeira; preços propostos; preços oferecidos; preços atua-lizados; preços reajustados; preços repactuados; justo preço; melhor preço; maior preço e proposta de preços.

É nesse contexto de expressões variadas que o aplicador das normas que integram o regime deve extrair o sentido exato e preciso dessa realidade jurídica. Evidentemente, há muitos outros termos e expressões que poderiam ser indicados, não em face de uma referên-cia expressa da Lei, mas em razão da estreita relação com o regime dos preços. No entanto, isso tornaria o rol muito amplo.

O objetivo é apresentar o panorama geral da disciplina dos pre-ços tal como definido na ordem jurídica e, a partir dele, contribuir para facilitar a compreensão por parte dos que têm de planejar, con-duzir as contratações e fiscalizar a execução dos contratos.

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Para tratar do tema, vamos agrupar os termos e as expressões pela sua sinonímia ou equivalência, sem que isso represente uma rigorosa classificação para elas.

3. 3. o padrão monetário dos preços na contratação pública

Diz o art. 5º da Lei nº 8.666/93 que: “todos os valores, preços e custos utilizados nas licitações terão como expressão monetária a moeda corrente nacional, ressalvado o disposto no art. 42 desta Lei”. A moeda corrente nacional é o real. Logo, todos os preços a serem praticados na contratação pública devem ser expressos em real, e não em outra moeda, salvo se a situação for aquela descrita no art. 42 da Lei nº 8.666/93.

Em linhas gerais, o regime jurídico vigente admite que os preços sejam oferecidos em moeda nacional (real) ou em moeda estrangeira (dólar, euro, etc.). Portanto, do conteúdo do art. 5º da Lei nº 8.666/93 se retiram a regra a ser observada e a sua exceção.

A regra é a que deve ser aplicada para a maior parte dos casos e regula as situações comuns, normais. A exceção existe para acomo-dar as situações especiais, aquelas que não se ajustam ao padrão de normalidade. O Direito é construído de forma a acomodar sempre as duas situações: as comuns e as especiais. As comuns são submetidas a uma disciplina ordinária, e as especiais, a uma disciplina diferen-ciada. Essa técnica se aplica a todas as áreas e especializações do Direito, e a contratação pública não é exceção.

Como regra, a disputa nas contratações públicas é limitada ou circunscrita às empresas e aos profissionais que atuam regularmente no território nacional. Para que uma empresa estrangeira participe de uma contratação de âmbito nacional, ela precisará ter atuação no território nacional, isto é, estar autorizada a explorar atividade eco-nômica no Brasil, o que ocorre por ato específico do Chefe do Poder Executivo Federal ou de quem possa em nome dele agir.

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O art. 42 da Lei nº 8.666/93 disciplina, por sua vez, as con-tratações de âmbito internacional, ou seja, os negócios nos quais o Poder Público permite que empresas ou profissionais estrangeiros participem.

Portanto, se o edital não for explícito no sentido de que o cer-tame é de âmbito internacional, a conclusão é de que ele é nacional, ou seja, que somente poderão participar empresas e profissionais que atuem no território nacional e aqui exerçam, regularmente, suas ati-vidades. Nesse caso, fica vedada a participação de empresas e pro-fissionais estrangeiros que não estejam autorizados a atuar no âmbito nacional.

Em princípio, não há razão para permitir genericamente que empresas estrangeiras venham disputar os negócios visados pelo Poder Público nacional. Mas há duas situações excepcionais que podem determinar a realização de licitações de âmbito internacio-nal: a) quando o recurso utilizado para pagar o encargo a ser exe-cutado for proveniente de empréstimo ou financiamento internacio-nal e essa condição for imposta para a concessão do recurso e b) quando o Poder Público reconhecer que, em razão da especificidade do encargo ou da solução (objeto), haverá restrição da disputa em função do reduzido número de empresas e profissionais que atuam no mercado nacional ou mesmo que a melhor ou única solução para satisfazer a sua necessidade somente poderá ser viabilizada por pes-soas estrangeiras que não atuam no mercado nacional.

Diante das exceções, caberá à Administração definir uma das condições do negócio: o padrão monetário admitido para a cotação da remuneração (preço a ser cobrado pelo futuro contratado). No primeiro caso, a autorização da cotação de preço em moeda estran-geira normalmente é uma condição para a concessão do empréstimo ou financiamento. No segundo, a permissão da cotação de preço em moeda estrangeira ocorre como forma de estimular as pessoas estran-geiras a participar do certame.

No certame internacional, tanto as empresas estrangeiras como as nacionais podem participar da disputa. Permitida a cotação em moeda estrangeira, os licitantes nacionais e estrangeiros poderão

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cotar suas propostas em quaisquer das moedas ou padrões mone-tários admitidos no edital. A diferença é que a empresa estrangeira receberá a sua remuneração por meio de carta de crédito, ou seja, lá fora e na própria moeda cotada; e as empresas e os profissionais nacionais receberão a sua remuneração aqui no Brasil e em moeda nacional (real), apenas convertida da moeda estrangeira para o real, com base na taxa de câmbio do dia útil imediatamente anterior à data do efetivo pagamento. Isso é assim porque a regra é que os pagamen-tos feitos no território nacional devem ser realizados em moeda cor-rente (real), e não em moeda estrangeira.

4. 4. preços praticados no mercado (preço de mercado, preço Vigente no mercado e preços correntes)

Antes de tratar dos outros rótulos que qualificam os preços no regime jurídico da contratação pública, é necessário abordar os denominados preços de mercado, pois é a partir deles que a análise dos outros termos ou expressões deverá ocorrer.

Uma das formas de saber se um preço é excessivo ou inexequí-vel é conhecer os preços de mercado (praticados, vigentes ou cor-rentes no mercado). Aliás, o critério adotado no § 1º do art. 48 para apurar os preços inexequíveis se baseia nessa ideia, ou seja, toma os preços praticados pelos licitantes para definir o exequível e o inexe-quível. Cabe apenas ponderar, nesse ponto, que o critério legal não adota o preço propriamente praticado no mercado, mas o preço pro-posto na licitação, o que pode ou não coincidir.

Normalmente não é a Administração que define o preço, mas sim o encargo. No entanto, existem situações (raras) em que a Admi-nistração até pode definir o preço, como no concurso e na hipótese do § 2º do art. 9º da Lei nº 8.666/93. O que a Administração faz (e deve fazer) é definir o critério de aceitabilidade dos preços, mas não os preços em si. Mesmo quando há a fixação de um preço máximo, não podemos dizer que é a Administração quem fixa o preço, ela apenas define o seu teto máximo.

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O mercado ou as empresas e os profissionais de bens e servi-ços que nele atuam determinam o montante da remuneração que será cobrada pelo encargo definido pela Administração. Sem ter de aprofundar o tema em relação à formação dos preços no mercado, o regime jurídico vigente está centrado na ideia de oferta e procura, ou seja, é o mercado quem determina o preço, segundo as leis que o regulam. Isso não significa que qualquer preço possa ser aceito. Vamos raciocinar considerando a normalidade com a qual o mer-cado tem operado desde 1994.

Para compor o regime jurídico vigente, o legislador partiu da ideia de que há um preço praticado no mercado. É com base nele que devemos apurar a compatibilidade do preço proposto na contra-tação. Portanto, é a prática de mercado que dirá se o preço cotado é ou não compatível e se é ou não corrente e aceitável. Preço corrente é o que se revela comum, normal, aceito nas relações de mercado, balizando e regulando os negócios em geral.

Essa é uma conclusão a que podemos chegar com certa faci-lidade, pois bastará recorrer à própria literalidade do ordenamento jurídico, visto que não são poucos os dispositivos legais em que o legislador enuncia a sua opção. Verificando o que está no art. 24, incs. VII, VIII, X, XII, XX e XXIII, é possível constatar o critério que orientou o legislador, pois em todos os dispositivos há indicação explícita da expressão “preço compatível com o praticado no mer-cado” ou “preço do dia”. Para não dizer, eventualmente, que todos os dispositivos apontados se referem à dispensa de licitação, é oportuno fazer menção expressa ao inc. IV do art. 43 da Lei nº 8.666/93, pois nele a referência é diretamente a licitação.

Assim, na contratação direta e na licitação, o preço praticado no mercado calibra a aceitabilidade das propostas apresentadas pelos licitantes. É com base nesse preço que se julga a proposta. Portanto, ele é a bússola que orienta o julgamento das propostas apresentadas nas licitações, tanto nos procedimentos regidos pela Lei nº 8.666/93 quanto pela Lei nº 10.520/02.

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5. 5. preço excessiVo, preço superior e preço manifestamente superior

Em regra, é com base nos preços de mercado que saberemos se o preço é ou não excessivo. Em termos coloquiais, o preço exces-sivo está acima dos praticados no mercado, revelando-se superior aos preços de empresas e profissionais que nele atuam. A existência de preços acima da média de mercado, por exemplo, é um indício de que aquele preço pode ser excessivo, mas não uma certeza. O que determina a excessividade do preço não é o seu valor (montante) em si, mas o encargo/objeto que o preço expressa. Para afirmar que um preço é excessivo, é preciso estar diante de objetos padronizados ou que apresentem configurações uniformes. Não é possível, por exem-plo, comparar um veículo do tipo popular a uma Mercedes de alto padrão e afirmar que o preço desta é excessivo. Para ser avaliado, sob o ponto de vista da sua excessividade, é preciso saber o preço que outros fornecedores cobram pela Mercedes do mesmo tipo e padrão. Aí saberemos se ela tem um preço de mercado ou se o seu preço é excessivo.

Normalmente, o preço excessivo possui na sua composição um lucro demasiado, ou seja, descontados os custos e as despesas (comuns a todos os agentes do mercado), o que sobra (lucro) é muito acima dos percentuais normalmente praticados no mercado para aquele tipo de solução (objeto). Para compreensão dessa realidade, é preciso distinguir o preço compatível do excessivo e, ainda, do mani-festamente excessivo ou superior.

Preço compatível é aquele que está afinado com os demais preços praticados no mercado. Por exemplo, se o objeto é um veí-culo “X” e, na média, as concessionárias o vendem pelo preço de R$ 40.000,00, uma proposta que apresente um preço de R$ 41.000,00 deve ser considerada compatível com os preços de mercado, ainda que superior à média. Se a proposta consigna, para o veículo com as mesmas características, um preço de R$ 65.000,00, deve ser conside-rada manifestamente excessiva ou superior. Por outro lado, se o preço apresentado for R$ 44.000,00, pode ser rotulado de excessivo, mas não manifestamente excessivo.

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Ao tratar da questão dos preços no inc. II do art. 48 e no § 1º do mesmo artigo, o legislador foi, no mínimo, infeliz, pois não sepa-rou adequadamente as diversas situações ou rótulos que envolvem os preços; é preciso distinguir o preço que apresenta indício de ser excessivo do preço manifestamente excessivo. Da mesma forma e com muito mais razão, é fundamental separar o preço que apresenta indício de ser inexequível daquele que é manifestamente inexequí-vel. Preço manifestamente inexequível é um preço facilmente iden-tificado, deve saltar aos olhos ou ser, sem maiores dificuldades, apu-rado. O preço eventualmente inexequível, mas não manifestamente, apresenta considerável dificuldade para ser apurado.

Apesar disso, o legislador utiliza, no inc. II do art. 48 e no seu § 1º, a expressão “manifestamente inexequível” e define uma reali-dade que pode ser a do preço manifestamente inexequível ou a do preço com indício de inexequibilidade. Tanto isso é verdade que, em razão da aplicação do critério previsto no § 1º do art. 48, se o lici-tante tiver o seu preço rotulado como manifestamente inexequível e, posteriormente, vier a demonstrar a exequibilidade do seu preço, não poderá ser afastado do certame. Aliás, essa é a tese hoje domi-nante entre os especialistas e no próprio TCU.

Como o preço manifestamente excessivo salta aos olhos, basta conhecer números e contar com o sentido da visão para identificá--lo. Os preços excessivos exigem outro método de identificação. Para apurar a sua excessividade, deve-se demonstrar a incompatibilidade do preço proposto com os praticados no mercado para objeto de idêntica configuração ou mesmo do preço proposto pelo licitante com os preços por ele praticados para outros consumidores. Uma forma simples e eficiente é solicitar do licitante cópias de nota fiscal de outros bens idênticos vendidos por ele. Esse é um recurso pouco utilizado, mas que pode resolver o problema, confirmando o elevado preço proposto na licitação ou a sua compatibilidade.

O fato de o licitante demonstrar que vendeu, por aquele preço, para outras pessoas não significa que a Administração deva sim-plesmente dar por encerrada a questão e declará-lo vencedor. Será

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necessário saber por que o levantamento de preços realizado na fase de planejamento indicou que o preço médio era de R$ 40.000,00.62 Para chegar a esse valor, é provável que alguns fornecedores tenham informado que venderiam por preço inferior à média, inclusive. Várias razões podem ter determinado essa situação, e elas podem ser atribuídas ao mercado, à Administração ou ao próprio licitante, o que é mais comum.

No procedimento da Lei nº 8.666/93, modalidade concorrên-cia, tomada de preços ou convite, a apresentação de preço manifes-tamente excessivo implicará a desclassificação da proposta do lici-tante.63 Os preços considerados meramente excessivos ensejarão a necessidade de realização de diligências; a Administração deve opor-tunizar ao licitante demonstrar que o seu preço é compatível com o de mercado, antes de desclassificar a proposta. Caso a demonstração não seja convincente, caberá a desclassificação da sua proposta ou, se convincente, a sua classificação.

Por outro lado, se a modalidade adotada é o pregão, a análise do preço excessivo ou manifestamente excessivo deve ser feita ape-nas após o encerramento da fase de lances. Não há sentido lógico para afastar, de plano e antes da fase de lances, os preços excessivos, pois há uma fase no procedimento justamente destinada à redução dos preços. Ela deve ser utilizada para produzir o resultado para o qual foi idealizada. Assim, após o encerramento da fase de lances é que se deve proceder à análise para saber se o preço é ou não excessivo. Permanecendo ainda excessivo, restará a negociação. Se infrutífera e não houver dúvidas da excessividade do preço, caberá a desclassificação da proposta. Afastar licitante antes do encerramento dessa fase de lances sob o argumento de que o preço é excessivo cria um incidente procedimental sem sentido.

62 Para aproveitar o preço do exemplo ilustrativo apresentado acima para o veículo. 63 Em razão de os preços serem imutáveis, o que impede que eles sejam, em princípio,

reduzidos até o plano da exequibilidade. No pregão, a situação é outra.

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6. 6. preço máximo

Preço máximo é o preço limite que a Administração impõe ao mercado fornecedor. Trata-se, na verdade, de um expediente que a Administração pode lançar mão para inviabilizar o preço excessivo e, consequentemente, o manifestamente excessivo. Por meio da fixa-ção do preço máximo, é definido um teto acima do qual o preço é considerado inaceitável. Quando a Administração “lança” um edital no qual foi fixado um preço máximo, é como se ela dissesse: “qual-quer preço acima do máximo definido não será aceito ou será rejei-tado”. O preço máximo facilita o julgamento das propostas e elimina a grande dificuldade que as comissões e os pregoeiros têm para jus-tificar a excessividade em torno do preço. Ademais, o preço máximo possibilita que a Administração ajuste a despesa a ser feita com o orçamento disponível, desde que respeite determinadas condições. É um excelente expediente que deve ser utilizado com mais frequência. No Paraná, por exemplo, a fixação de preço máximo é uma condição obrigatória a ser adotada por órgãos e entidades da Administração Pública do Estado e dos municípios, por força do inc. XXI do art. 27 da Constituição estadual, que determina: “além dos requisitos men-cionados no inciso anterior, o órgão licitante deverá, nos processos licitatórios, estabelecer preço máximo das obras, serviços, compras e alienações a serem contratados”.

6.1. 6.1. O preço máximo é obrigatório ou facultativo?

Em regra, a adoção de preço máximo é uma faculdade, tal como prevista no inc. X do art. 40 da Lei nº 8.666/93. Não é uma condi-ção que deve ser adotada de forma obrigatória quando a licitação é do tipo menor preço. No entanto, se a licitação for do tipo melhor técnica, a fixação do preço máximo torna-se obrigatória por força do que dispõe o § 1º do art. 46 da citada Lei.

6.2. 6.2. É obrigatória a fixação de preço máximo no tipo técnica e preço ou somente no tipo melhor técnica?

Na técnica e preço, a Lei nº 8.666/93 não deixa claro se a fixa-ção de preço máximo é obrigatória ou facultativa, pois quando o § 1º do art. 46 se refere ao preço máximo, ele disciplina o tipo melhor

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técnica. É natural que haja dúvidas em torno da referida obrigatorie-dade para o tipo técnica e preço.

Para uma resposta satisfatória, cabem algumas ponderações e deve-se saber a função que efetivamente desempenha o preço máximo. É preciso, também, verificar se tal função é a mesma inde-pendentemente do tipo de licitação ou se é possível vislumbrar fun-ção distinta em razão do tipo adotado.

O preço máximo cumpre funções distintas, conforme o tipo de licitação. Se o tipo é o menor preço, a função básica do preço máximo é manter o preço do licitante muito próximo do valor orçado, aquele que a Administração reconhece como o mais justo e compatível com os preços de mercado. No menor preço, a tendência do licitante é manter o padrão de qualidade do objeto tal como definido no edital (que não deixa de ser mínimo) e apresentar um preço que possa ser, para ele, o maior possível. A tendência é a qualidade não melhorar e o preço subir. Logo, é preciso conter o preço. Essa é a lógica que norteia o sistema do menor preço.

No caso do tipo melhor técnica, a função do preço máximo tem uma sutileza bem específica.

Atualmente, o tipo melhor técnica foi totalmente desvirtuado em relação à concepção original. A ideia era exclusivamente esco-lher a melhor solução. A Administração adotaria o tipo melhor téc-nica quando precisasse obter a melhor solução possível no mercado. O vencedor seria o licitante que pudesse viabilizar essa solução. Mas como regular o preço sem sair do controle da Administração e da sua capacidade orçamentária?

Surgiu, então, a ideia de limitar o preço, e não a qualidade. Claro que limitar o preço é, de forma indireta, limitar a qualidade, mas isso não caberia à Administração, e sim ao licitante. Se a Admi-nistração limita a qualidade, ela o faz para todos, mas se limita o preço não, pois cada um dos licitantes tem uma realidade diferente, isto é, cada qual consegue viabilizar uma relação custo-benefício diferente. Essa foi a solução lógica encontrada e que norteou a for-matação do tipo melhor técnica.

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Após a edição da Lei nº 8.883/94 e as mudanças que ela pro-moveu no regime jurídico da contratação, a concepção original foi quase totalmente desvirtuada, pois o vencedor não mais seria defi-nido, necessariamente, em razão de possuir a melhor técnica, mas sim por viabilizar uma técnica aceitável. Não era mais possível a denominação de tipo melhor técnica, mas simplesmente técnica aceitável.

Isso ocorre porque, após apurar a qualidade da proposta e fixar a ordem de classificação em razão dela, é necessário iniciar uma fase de negociação de preços com o primeiro da ordem de classificação, tendo como referência o menor preço apresentado pelos que inte-gram a referida ordem. Normalmente, o vencedor passa a ser quem propôs a técnica aceitável, e não necessariamente a melhor técnica. Para que o titular da melhor técnica fosse o vencedor, ele teria que se dispor a reduzir o seu preço, o que nem sempre ocorrerá.

Com efeito, no tipo melhor técnica, a tendência é, dependendo da estrutura da contratação, o licitante querer aumentar a qualidade para receber a maior pontuação técnica, que o colocará em primeiro lugar. A forma de conter a pretensão do licitante é por meio da fixa-ção de preço máximo ou da limitação da pontuação máxima para os fatores técnicos de julgamento. Com a mudança ocorrida na estru-turação lógica do tipo melhor técnica, a fixação do preço máximo perdeu muito do seu sentido original, pois de nada mais vale o lici-tante apresentar a melhor técnica possível se ela passa a ser um “tiro no seu próprio pé”. Dessa forma, a finalidade do preço máximo, que era conter o excesso de qualidade, deixa de ter sentido, pelo menos em tese.

Resta agora saber qual função o preço máximo poderia desem-penhar no tipo técnica e preço. A partir disso será possível dizer se ele deve ser fixado de forma obrigatória ou não.

No tipo melhor técnica, a ordem de classificação era definida, exclusivamente, em função da qualidade da proposta técnica. Ou seja, o preço não era fator considerado para fins de estabelecer a ordem de classificação dos licitantes. Com a Lei nº 8.883/94, a dis-ciplina do tipo melhor técnica sofreu uma alteração, o que mudou o

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panorama original. Agora o preço passa a ser decisivo na fixação da ordem de classificação desse tipo, da mesma forma que na técnica e preço.

No tipo técnica e preço, a ordem de classificação dos propo-nentes “far-se-á de acordo com a média ponderada das valorizações das propostas técnicas e de preço, de acordo com os pesos pré-esta-belecidos no instrumento convocatório”.

Importante esclarecer que no regime original de julgamento das licitações, segundo os tipos legais adotados, eram previstos três sis-temas diferentes: a) o que primava apenas por considerar o preço (menor preço), b) o que primava apenas pela técnica (melhor técnica) e, por fim, c) o que conjugava as duas coisas (técnica e preço). Essa era a lógica do sistema de julgamento das licitações no Brasil até 1994. Atualmente, essa lógica foi alterada, pois já não temos mais o tipo melhor técnica tal como se concebeu inicialmente.

No tipo técnica e preço, o licitante deve encontrar um equi-líbrio perfeito entre a qualidade proposta e o preço ofertado para a qualidade indicada, de acordo com o peso a ser considerado para cada um dos fatores. A fixação de preço máximo no tipo técnica e preço não atende, em princípio, ao mesmo propósito para o qual foi fixado no tipo melhor técnica. Talvez por isso a Lei nº 8.666/93 não se reportou diretamente a ele quando disciplinou o tema no seu art. 46, mas apenas ao tipo melhor técnica. Ora, se na técnica e preço o preço máximo não tem o propósito de limitar a qualidade nem o preço, pois caberá ao próprio licitante encontrar a melhor rela-ção, parece não haver, a princípio, muito sentido em utilizar tal expe-diente no tipo referido.

No sistema atual, com as alterações legais introduzidas, o preço máximo é uma medida adequada e necessária quando se trata do tipo menor preço. Nos demais, a sua aplicação não cumpre uma finalidade tão precisa. De qualquer forma, permanece a exigência do § 1º do art. 46 da Lei nº 8.666/93: fixar preço máximo quando o tipo for melhor técnica. Se for técnica e preço, será possível adotar preço máximo se a Administração desejar limitar o seu desembolso. Não há impedimento para adotar preço máximo no tipo técnica e preço,

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como também não há obrigatoriedade. Trata-se, pois, de uma facul-dade a ser exercida em razão de um propósito específico.

6.3. 6.3. Preço acima do máximo deve ser eliminado?

Cabe agora avaliar outra questão de grande repercussão prática. Fixado preço máximo no edital, se o licitante apresentar proposta que contempla preço superior a ele, a desclassificação é obrigatória ou não?

Avaliaremos primeiro a hipótese de procedimento regido pela Lei nº 8.666/93 e, em seguida, apreciaremos a questão em face do pregão para saber se é o caso de adotar idêntica solução ou se é pos-sível vislumbrar solução diversa.

A fixação de preço máximo é uma condição própria da con-tratação e tem natureza material. Uma das características da condi-ção material é que ela não pode ser desrespeitada ou desconsiderada pela Administração no curso do processo de contratação, notadamente após a publicação do edital. Se a Administração desejar revê-la, poderá desde que altere o edital e devolva integralmente o prazo de publici-dade, conforme prevê o § 4º do art. 21 da Lei nº 8.666/93.

Portanto, se o preço máximo é uma condição material, ele con-diciona a própria aceitabilidade final da proposta. Vale dizer, para que a proposta possa ser aceita, ela deverá respeitar essa condição, à semelhança das demais fixadas no edital.

Como regra, o descumprimento de uma condição material pelo licitante impõe a desclassificação de sua proposta. Da mesma forma, o descumprimento de uma condição material por parte da Adminis-tração implica a nulidade do certame.

A existência de vício material em uma proposta não implica, necessária e imediatamente, a sua desclassificação, tal como ocor-reu em tempos passados. O princípio que deve nortear a questão é o do saneamento do vício (ou da proposta viciada), isto é, antes de decretar a invalidação da proposta, é preciso verificar se há condi-ções técnicas de proceder à correção do vício, ainda que de natureza

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material. É fundamental ter em mente que a desclassificação da pro-posta é um prejuízo maior para a Administração do que propriamente para o licitante, pois a exclusão da proposta pode representar a elimi-nação da melhor relação custo-benefício, ou seja, do melhor negócio ou mesmo da única proposta apresentada.

O regime jurídico vigente prevê, no § 3º do art. 48 da Lei nº 8.666/93, a possibilidade de saneamento de vício material se for comum a todos os competidores, ou seja, há um pressuposto para o saneamento do vício quando ele for de natureza material: a ideia de igualdade. Assim, não importa que se trate de descumprimento de condições materiais diversas, o fundamental é que todos os docu-mentos ou todas as propostas padeçam de, pelo menos, um vício material para facultar o saneamento. O saneamento também é pos-sível na hipótese de o vício atingir apenas o único proponente, pois nesse caso não haverá violação ao tratamento isonômico, pelo menos em princípio. Fala-se em princípio porque seria inadmissível permitir a superação de uma exigência material do edital que possibilitou ao licitante ser o único competidor. Isso ocorre quando a condição não é atendida pelos potenciais interessados e, por força disso, deixam de comparecer.

Outra possibilidade é o edital prever, desde logo, regras claras de saneamento de vício material. A previsão no próprio edital cria uma condição isonômica, pois será aplicada de forma impessoal. Por exemplo, a ausência de assinatura da proposta ou de determinado documento pode ser suprida se o representante legal do licitante esti-ver presente. Isso poderia ocorrer ainda que não houvesse previsão no edital, mas esta afasta discussão em torno de eventual favoreci-mento, visto que tal possibilidade não constituía uma condição a ser exercida por todos.

Há, por fim, uma terceira possibilidade a ser avaliada. Se não há regras definidas para o saneamento de vícios materiais no edital e não é o caso do § 3º do art. 48 da Lei nº 8.666/93, é preciso verificar se, em razão do procedimento legal adotado, o vício material pode ser corrigido. Em caso afirmativo, deve-se oportunizar ao licitante fal-toso a possibilidade de realizar a correção na sua manifestação de

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vontade, de modo a ajustá-la às exigências fixadas no edital (manifes-tação de vontade da Administração).

Se o procedimento for regido pela Lei nº 8.666/93, não haverá como corrigir o vício material relativo à apresentação de preço acima do máximo fixado. A impossibilidade decorre de que, na Lei nº 8.666/93, o preço é, em princípio, imutável. Vale dizer, o procedi-mento em si não contempla uma fase apropriada para a sua eventual redução, como no pregão com a fase de lances.

Se a modalidade é o pregão, mesmo diante da apresentação de uma proposta com preço acima do máximo fixado, não se deve desclassificá-la de imediato. Caberá ao pregoeiro conduzir o titular da referida proposta para a fase de lances e permitir que ele reduza o seu preço, compatibilizando-o com o limite definido no edital. O grande beneficiário dessa solução é a Administração, que contará com mais uma proposta, além das demais. A finalidade da licitação não é eliminar propostas, mas viabilizá-las, respeitando a ordem jurí-dica. Por sua vez, a ordem consagra a ideia do saneamento, e não a da eliminação pura e simples. Defender o contrário é ignorar a essên-cia da própria ordem jurídica.

Por outro lado, é necessário reconhecer que a adoção do pro-cedimento indicado ainda conta com muita resistência por parte dos que conduzem as contratações (pregoeiros, comissões, asses-sores jurídicos, etc.) e de doutrinadores e profissionais ligados aos controles externo e interno. Isso é perfeitamente normal, pois passa-mos décadas e décadas eliminando licitantes por mero vício formal e aplicando erroneamente o regime jurídico. Querer agora que a superação de vício material seja aceita sem traumas não é algo que se deva ter como certo. É evidente que, em um primeiro momento, haverá resistência e até sentimento de indignação. Mas o tempo e a melhor compreensão da verdadeira essência do regime jurídico con-tribuirão para dar um passo adiante e colocar a contratação pública em um novo estágio de evolução. Importantes conquistas foram obti-das nesses últimos anos.

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6.4. 6.4. É possível fixar preço máximo apenas para valores unitários que integram uma planilha de custos e composição de preços?

Não há impedimento legal para que isso ocorra. Muito pelo contrário, a fixação de preço máximo é algo previsto na própria ordem jurídica. Quando o inc. X do art. 40 da Lei nº 8.666/93 per-mite, como critério de aceitabilidade dos preços, a fixação de um limite máximo, não está limitando ou restringindo tal possibilidade ao chamado preço global. Pelo menos aparentemente, não há uma razão lógica para entender diferente, ou seja, o preço máximo é um expediente que deve ser utilizado com o propósito de conter o preço do licitante. Assim, tanto é possível fixar preço máximo global como unitário em uma contratação. O que vai determinar o cabimento não é o fato de o preço ser global ou unitário, mas o propósito de limitar a remuneração do licitante.

A fixação de preço máximo unitário ocorre nos casos em que a Administração deseja impedir fraude à contratação, tais como em obras e serviços de engenharia, em que pode haver o chamado jogo de planilhas. Claro que o jogo de planilhas não se reduz à mera indi-cação do preço unitário, envolvendo outras sutilezas e técnicas.

6.5. 6.5. Cautela na fixação do preço máximo

A fixação do preço máximo deve ser feita com muito cuidado. Se houver erro na sua determinação, caberá, em princípio, a anula-ção do certame. A fixação do preço máximo deve ser precedida de cuidado e ampla pesquisa de preços no mercado. Historicamente, a pouca utilização de preço máximo resulta, justamente, da incerteza em relação à pesquisa de preços realizada. Como não se tem certeza do preço apurado em razão da pesquisa, principalmente para certos objetos, há a preferência por não fixar preço máximo, muito embora a legislação conte com essa previsão há mais de uma década.

Se a Administração fixar como preço máximo um valor muito abaixo dos preços praticados no mercado, não poderá, no curso do processo, simplesmente ignorá-lo. Se isso ocorrer, deverá anular o certame e reiniciá-lo após a correção do vício.

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7. 7. preço estimado (ou orçado)

Preço estimado é aquele definido pela Administração a partir do valor que o mercado se dispõe a cobrar para viabilizar o encargo (solução) que deseja para atender à sua necessidade. O preço esti-mado resulta da pesquisa de preço realizada pela Administração no mercado fornecedor de bens e serviços. Com base na pesquisa, a Administração apura diversos preços nos diferentes fornecedores pes-quisados e, após proceder às suas análises, define um montante e o considera como estimado. Então, estimado é o preço que a Admi-nistração considera que o mercado vai praticar. A estimativa é feita com base em um levantamento realizado junto ao próprio mercado fornecedor.

O preço máximo é fixado a partir do preço estimado. Para defi-nir os preços máximo e estimado, antes, deve-se realizar a pesquisa de preços. A materialização da pesquisa é feita por meio de orçamen-tos obtidos dos fornecedores, consultas a tabelas de preços, bancos de dados, anúncios publicitários em jornais, revistas, sites, registros de preços, etc.

O preço estimado tem fundamental importância para a con-tratação, pois é a partir dele que: a) será fixado o preço máximo; b) serão analisadas e julgadas as propostas; e c) será aplicado o critério de aferição do preço inexequível previsto no § 1º do art. 48 da Lei nº 8.666/93.

8. 8. preço mínimo

Quando a Lei nº 8.666/93, no § 1º do art. 53, se reporta à expressão “preço mínimo” quer se referir aos negócios que envolvem a venda de bens. Sempre que a Administração realizar a alienação de um bem, móvel ou imóvel, deverá previamente avaliá-lo para fixar um preço mínimo. O preço mínimo tem a mesma finalidade que o preço máximo, pois o seu propósito é conter as ofertas (preços) ofe-recidas pelos interessados. A diferença é que o preço máximo serve para a Administração comprar, e o preço mínimo, para vender. Nos dois casos, a Administração visa a obter o melhor negócio, que pode

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estar representado tanto no menor preço (desembolso de recursos) quanto no maior preço (encaixe de recursos).

Portanto, a vedação de preço mínimo, prevista no inc. X do art. 40 da Lei nº 8.666/93, deve ser observada apenas quando a Adminis-tração compra ou contrata serviços, e não quando vende. Quando vender seus bens, a fixação de preço mínimo deixa de ser proibida e passa a ser obrigatória.

9. 9. preço de referência (ou referencial)

Preço de referência é o que baliza a oferta dos licitantes. Ele deve ser indicado pela Administração e utilizado pelos licitantes para formatar suas propostas. Por isso, quando a Administração prevê, no edital, que o vencedor será o que oferecer, para o produto licitado, o maior desconto sobre o preço constante na tabela de preços prati-cada pelo fabricante do produto, ela adota o chamado preço de refe-rência. Nesse caso, a tabela (referência) é a forma mais simples para obter o negócio mais vantajoso, ou, em determinados casos, a única.

O inc. II do § 1º do art. 46 da Lei nº 8.666/93 utiliza a expressão “preço de referência” para balizar a negociação que a Administra-ção deverá realizar com o licitante mais bem classificado, quando o tipo adotado for melhor técnica. A referência, nesse caso, é o menor preço praticado na licitação.

10. 10. preço unitário

Preço unitário é aquele que expressa uma unidade do objeto ou de determinado insumo que constitui ou integra a composição do preço total do objeto. Para os insumos, seria possível, inclusive, não falar em preços unitários, mas em custos unitários, pois os preços são formados com base nos custos unitários. De qualquer forma, o legis-lador utilizou o termo “unitário” para se referir tanto aos preços como aos custos que formam os preços.

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11. 11. preço global

Global é o preço final que considera a quantia total do objeto licitado. É o preço a ser pago pelo total do objeto, e não apenas por uma unidade dele. Para fixar um preço e considerá-lo global, o objeto deve ser certo e definido na sua totalidade. Portanto, o preço global expressa o preço a ser pago pela Administração pela totalidade do objeto, tal como licitado. Também é possível falar em preço global como aquele que expressa o somatório da planilha de composição dos vários preços específicos dos diferentes insumos que a integram.

12. 12. preço certo

Preço certo é o que foi fixado em razão do parâmetro definido pela Administração. Preço certo não é, necessariamente, o mesmo que preço final ou total. Para definir o preço total, é indispensável que duas coisas estejam determinadas: a) o padrão de qualidade e espe-cificação do objeto e b) a quantidade do objeto. Sem a quantidade, o preço pode ser certo, mas não será total. Nesse caso, a certeza será meramente unitária ou para uma unidade de medida determinada.

Dessa forma, preço certo é o que foi definido para a totalidade da remuneração ou para uma unidade de medida que multiplicada pela quantidade revelará a remuneração total.

Para entender melhor os preços unitário, global e certo, sugeri-mos a leitura do capítulo relativo aos regimes de execução, ou seja, empreitada por preço unitário (EPU) e empreitada por preço global (EPG).

13. 13. preço preViamente fixado

É o preço definido como exato pela Administração, caberá ao licitante simplesmente aderir ou recusá-lo. Isto é, o licitante não tem a possibilidade de alterá-lo para fixar um valor distinto daquele defi-nido pela própria Administração. Normalmente, a Administração define o encargo, e o preço é uma atribuição do particular (licitante).

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No entanto, é possível em determinadas situações que a própria Administração defina o encargo e também quanto irá pagar pela sua execução. O legislador lançou mão do expediente do “preço pre-viamente fixado” no § 2º do art. 9º da Lei nº 8.666/93 ao se referir à possibilidade de impor ao contratado o encargo de elaborar o projeto básico, bem como no § 4º do art. 22 da referida Lei. A possibilidade, entretanto, não se restringe a esses casos.

14. 14. preços propostos ou oferecidos

Preços propostos ou oferecidos são apresentados pelos licitan-tes e constam de suas propostas. Expressam a remuneração inicial-mente pretendida pelo licitante em razão do encargo definido pela Administração. A ideia que norteia o regime jurídico vigente é a de que a Administração deve procurar reduzir tais preços, de modo a obter maior vantagem financeira ou menor dispêndio de recursos financeiros. A fase de lances no pregão, bem como as indicações normativas de negociação com o propósito de obter negócio mais vantajoso são exemplos legais de esforços no sentido de convencer os licitantes a reduzir os preços inicialmente propostos ou oferecidos e obter negócios mais vantajosos.

15. 15. preço contratado

Preço contratado é aquele que expressa a remuneração a ser paga pela Administração ao beneficiário do negócio por ela visado. Resulta do processo de redução e negociação levado a termo pela Administração. É o preço ou a remuneração que vai nortear a relação contratual.

16. 16. preço reajustado

É o preço contratado que foi recomposto em razão do processo inflacionário, de acordo com as regras definidas no próprio contrato. O reajustamento ocorre por índice setorial ou geral.

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17. 17. preços repactuados

É o preço contratado que foi recomposto em razão do processo inflacionário, de acordo com as regras definidas no próprio contrato. A repactuação, ao contrário do preço reajustado, acontece por meio de planilha de composição de custos e preços unitários.

18. 18. preços atualizados

É o preço contratado que foi recomposto em razão do atraso no pagamento da remuneração pela Administração. Por exemplo, se a data de pagamento é o dia 10 de cada mês, e a Administração apenas efetua no dia 15, há o dever de atualizar o valor em razão do atraso no cumprimento da sua obrigação, conforme a alínea “c” do inc. XIV do art. 40 da Lei nº 8.666/93. Nos termos da legislação específica, preço atualizado não é sinônimo de preço reajustado ou repactuado. A atua-lização é uma espécie de sanção imposta à Administração em razão do descumprimento de uma condição contratual que ela mesma definiu e que decorre do atraso da remuneração devida ao contratado.

19. 19. melhor preço

É o preço que reflete a melhor relação benefício-custo. Na con-tratação pública, o melhor preço tanto pode indicar o menor preço (quando a Administração é a compradora) quanto o maior preço (quando ela é a vendedora). Melhor preço é, então, o que revela o melhor negócio para a Administração. O que torna um preço melhor ou pior é a qualidade do benefício a ser aferido pela Administração, e não o preço individualmente considerado. Portanto, o melhor preço é uma condição relativa.

20. 20. preços inexequíVeis e critério legal de sua aferição nas obras e nos serViços de engenharia

O objetivo, aqui, é materializar as reflexões e as conclusões a que chegamos sobre o critério de aferição dos preços inexequíveis, de

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acordo com a sistemática prevista na Lei nº 8.666/93. Este tópico do capítulo foi escrito e publicado em 1998, logo após a edição da Lei nº 9.648/98, que alterou o texto da Lei nº 8.666/93, e, salvo engano, foi o primeiro texto publicado no Brasil sobre o cálculo para a aferi-ção dos preços inexequíveis de acordo com os critérios definidos nos §§ 1º e 2º do art. 48 da Lei nº 8.666/93.

20.1. 20.1. Questões prévias sobre os preços inexequíveis

O julgamento das licitações sempre ensejou, entre outros, um problema muito particular relacionado à aceitabilidade dos preços propostos pelos licitantes: o dos preços inexequíveis. Em relação a eles, a expressão evidencia, a grosso modo, uma situação de impos-sibilidade real ou presumida. São inexequíveis os preços que não se revelam capazes de possibilitar a alguém uma retribuição financeira mínima (ou compatível) em relação aos encargos que terá de assumir contratualmente.

A exploração da atividade econômica pressupõe que quem a ela se dedica obtenha, além do ressarcimento dos gastos relacionados com os insumos diretos da produção do bem ou com a prestação dos serviços e recolhimentos de encargos sociais e impostos, lucro, que pode ser entendido como a diferença entre a receita (faturamento) e os custos totais (compreendendo os custos fixos e variáveis).

Em razão desse conjunto de coisas, é possível avaliar, de forma objetiva, se um preço é ou não inexequível. Embora essa aferição possa realizar-se concretamente, existem situações que ensejam difi-culdades e discussões de toda ordem. Isso é inquietante e descon-fortável para os que têm a função de julgar as licitações, sejam eles agentes integrantes de comissões de licitações ou que exerçam a fun-ção de pregoeiros.

20.2. 20.2. O tratamento normativo dado à questão

A questão dos preços inexequíveis sempre exigiu a necessidade de critérios legais adequados, o que nunca ocorreu.

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O Decreto-lei nº 2.300/86 limitava-se a determinar a desclassi-ficação da proposta manifestamente inexequível (art. 38, inc. II), sem estabelecer parâmetros objetivos capazes de aferir a inconsistência do preço.

No mesmo sentido foi a redação dada ao art. 48, inc. II, da Lei nº 8.666, texto original de 21 de junho de 1993.

Entretanto, com a edição da Lei nº 8.883/94, que introduziu alterações na Lei nº 8.666/93, a situação ganhou novos contornos, pois, além de impor a desclassificação da proposta, conforme os regi-mes anteriores, o legislador fixou parâmetros para a aferição do que se poderia considerar preço “inexequível”. Definiu a expressão nes-tes termos:

preços manifestamente inexequíveis, assim considerados aqueles que não venham a ter demonstrada sua viabilidade através de documenta-ção que comprove que os custos dos insumos são coerentes com os de mercado e que os coeficientes de produtividade são compatíveis com a execução do objeto do contrato, condições estas necessariamente espe-cificadas no ato convocatório da licitação.

Não obstante o critério legal fixado, ainda permaneceu o pro-blema em relação à identificação dos preços que não deveriam ser aceitos pela sua inconsistência. Isso ocorreu em função de ser impra-ticável a regra traçada. Ora, o critério proposto impõe à Administra-ção Pública a avaliação de fatores de difícil apuração, na medida em que determina a demonstração, pelos licitantes, dos custos dos insumos e coeficientes de produtividade. O critério não logrou êxito, conforme era possível imaginar.

Em 27 de maio de 1998, foi editada a Lei nº 9.648. Além de outros dispositivos, ela introduziu significativa alteração no art. 48, cuja redação integral passou a ser a seguinte:

Art. 48. Serão desclassificadas:

I - as propostas que não atendam às exigências do ato convocatório da licitação;

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II - propostas com valor global superior ao limite estabelecido ou com preços manifestamente inexequíveis, assim considerados aqueles que não venham a ter demonstrada sua viabilidade através de documenta-ção que comprove que os custos dos insumos são coerentes com os de mercado e que os coeficientes de produtividade são compatíveis com a execução do objeto do contrato, condições estas necessariamente espe-cificadas no ato convocatório da licitação.

§ 1º Para os efeitos do disposto no inciso II deste artigo, consideram-se manifestamente inexequíveis, no caso de licitações de menor preço para obras e serviços de engenharia, as propostas cujos valores sejam inferio-res a 70% (setenta por cento) do menor dos seguintes valores:

a) média aritmética dos valores das propostas superiores a 50% (cin-quenta por cento) do valor orçado pela Administração, ou

b) valor orçado pela Administração.

§ 2º Dos licitantes classificados na forma do parágrafo anterior cujo valor global da proposta for inferior a 80% (oitenta por cento) do menor valor a que se referem as alíneas “a” e “b” do parágrafo 1º, será exigida, para a assinatura do contrato, prestação de garantia adicional, dentre as modali-dades previstas no parágrafo 1º do art. 56, igual à diferença entre o valor resultante do parágrafo anterior e o valor da correspondente proposta.

§ 3º Quando todos os licitantes forem inabilitados ou todas as propos-tas forem desclassificadas, a Administração poderá fixar aos licitantes o prazo de oito dias úteis para a apresentação de nova documentação ou de outras propostas escoimadas das causas referidas neste artigo, facul-tada, no caso de convite, a redução deste prazo para três dias úteis.

20.3. 20.3. O cabimento do novo critério fixado

Em termos práticos, o critério fixado pela Lei nº 9.648/98, ao contrário do proposto pela Lei nº 8.883/94, significou um avanço no sentido de tentar solucionar a questão, visto que o anterior se revelava inaplicável. O problema, no entanto, é que o critério legal foi fixado com reservas, na medida em que não se aplica a todos os objetos licitados, ou seja, é inaplicável nos casos de compras e serviços em geral, pois, nos termos do § 1º do art. 48, será utilizado apenas quando o objeto for obra e serviço de engenharia e o tipo da licitação for o menor preço. Isso revela que o critério foi proposto pelo segmento da construção civil. Até aqui tudo bem, pois não se pode condenar esse tipo de iniciativa. O que se pode e deve criticar é

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o legislador ter recebido a proposição e acatado literalmente os seus termos, sem ter efetuado as alterações que se faziam necessárias.

Portanto, o critério de aferição dos preços inexequíveis, nos termos dos §§ 1º e 2º do art. 48 da Lei nº 8.666/93, aplica-se, exclu-sivamente, às licitações cujo objeto seja obra e serviço de engenharia e do tipo o menor preço.

Apesar da conclusão acima, nossa inclinação é no sentido de entender admissível a possibilidade da adoção de um critério seme-lhante ao previsto nos §§ 1º e 2º do art. 48 para os demais objetos, isto é, compras e serviços em geral. O fato de o § 1º do art. 48 aludir a obras e serviços de engenharia não significa que isso tenha sido feito com o propósito específico de excluir os demais objetos.64 Essa não é uma conclusão baseada apenas no aspecto literal do dispositivo, ou seja, pelo fato de as compras e os serviços em geral não terem sido incluídos na enunciação do dispositivo. Seria preciso muito mais do que isso. Seria necessário avaliar se há alguma razão lógica capaz de justificar a não aplicação do critério para compras e serviços em geral. Não parece que haja uma exigência de ordem lógica para jus-tificar a exclusão, o que fragiliza o argumento de que o critério é ina-plicável para os citados objetos.

Por outro lado, ainda que por um apego à questão literal se reconheça a impossibilidade de aplicação do critério previsto no § 1º do art. 48 para compras e serviços em geral, a adoção de um critério idêntico pode, legalmente, ser justificada nos incs. X e XXVII do art. 40 da Lei nº 8.666/93. Para tanto, bastaria que a fórmula fosse pre-vista no edital, ato que regerá o certame.

Nesse sentido, não haveria nenhuma ilegalidade; ao contrário, negar a possibilidade, sim, ensejaria ilegalidade, sem falar do trata-mento desigual conferido pelo legislador à disciplina sistêmica, pois regulou uma realidade jurídica (obras e serviços de engenharia) e

64 Situação semelhante é a do registro de preços, pois ele foi introduzido para atender, em princípio, apenas às compras, e hoje é aplicável também aos serviços (e igual-mente para determinadas obras). Tal possibilidade ocorreu em razão de nova inter-pretação dada ao instituto, sem que a ordem jurídica “positiva”, no entanto, tenha sido alterada. O enunciado prescritivo é o mesmo; a sua interpretação mudou.

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ignorou as outras (compras e serviços em geral), sem que houvesse razões de ordem técnica e lógica para tanto.

Não há impedimento legal para adotar o critério de aferição dos preços inexequíveis para compras e serviços em geral se houver a constatação de que ele tem alguma utilidade prática. A sua não ado-ção até pode ocorrer motivada pela eventual inutilidade, mas não por falta de fundamento jurídico.

20.4. 20.4. Incompatibilidade real ou aparente entre o conteúdo do § 1º e o disposto no inc. II, ambos do art. 48 da Lei nº 8.666/93

O § 1º do art. 48, segundo os seus próprios termos, diz: “para os efeitos do disposto no inciso II deste artigo”. Isso significa que o critério de identificação dos preços inexequíveis, fixado no § 1º, tem relação direta com a definição constante no inc. II, pelo menos por força do que diz a Lei. Entretanto, sob o ponto de vista lógico, a con-clusão é outra, pois a enunciação da regra do inc. II fala em custo dos insumos e em coeficiente de produtividade. Ora, o critério de aferição previsto no § 1º nada tem a ver com esses fatores, não os considera para fins de determinação da inexequibilidade, e sim toma os preços propostos na licitação como parâmetros de avaliação. Há uma absoluta incoerência normativa, sob o ponto de vista da questão enfocada, entre o conteúdo do § 1º e do inc. II do art. 48, o que revela uma inaceitável falha no processo de produção legislativa.

20.5. 20.5. A disciplina legal da questão e os pressupostos para a aplicação do critério adotado

A disciplina do critério tem a seguinte redação:

Art. 48. (...)

II - (...)

§ 1º Para os efeitos do disposto no inciso II deste artigo, consideram-se manifestamente inexequíveis, no caso de licitações de menor preço para

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obras e serviços de engenharia, as propostas cujos valores sejam inferio-res a 70% (setenta por cento) do menor dos seguintes valores:

a) média aritmética dos valores das propostas superiores a 50% (cin-quenta por cento) do valor orçado pela Administração, ou

b) valor orçado pela Administração.

§ 2º Dos licitantes classificados na forma do parágrafo anterior cujo valor global da proposta for inferior a 80% (oitenta por cento) do menor valor a que se referem as alíneas “a” e “b” do parágrafo 1º, será exigida, para a assinatura do contrato, prestação de garantia adicional, dentre as modali-dades previstas no parágrafo 1º do art. 56, igual a diferença entre o valor resultante do parágrafo anterior e o valor da correspondente proposta.

Com base nas regras apontadas, são três os pressupostos que devem estar reunidos para aplicar o critério previsto no § 1º do art. 48 da Lei nº 8.666/93:

a) Que o objeto da licitação seja obra e serviço de engenharia;

b) Que a licitação seja do tipo menor preço;

c) Que tenha sido fixado pela Administração um valor (orçado).

Esses três pressupostos devem estar reunidos, sob pena de não ser possível a adoção do critério estabelecido na Lei. O último pres-suposto (c) possibilitará a aplicação dos critérios contidos nas alíneas “a” e “b” do § 1º. Sem a fixação de um valor orçado, a Administração não terá como proceder à identificação do preço inexequível. Esse valor orçado deve resultar de um levantamento cuidadoso, refletindo o custo da obra ou do serviço de engenharia.

Há um quarto pressuposto que não foi expressamente indicado na norma, mas que não pode ser omitido pela Administração Pública. Ele diz respeito à necessidade de fixação de um preço máximo. A importância para a aplicação do critério de aferição dos preços ine-xequíveis é que ele impede eventual distorção na apuração da média aritmética das propostas superiores a 50% do valor orçado, que é o parâmetro predominante do critério de aplicação. Sem a fixação de um preço máximo, seria possível a apresentação de propostas com preços excessivos apenas com o propósito de elevar a média dos preços e afastar preços exequíveis sob o argumento de serem

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inexequíveis. Para evitar esse tipo de situação ou manipulação, é indispensável a fixação de preço máximo quando o objeto da con-tratação é obra e serviço de engenharia. Aliás, tal pressuposto deve-ria ter sido indicado expressamente no § 1º do art. 48. Como não foi indicado na Lei, deve ser no edital.

20.6. 20.6. Critério para aferição do preço inexequível

Nos termos da Lei, serão consideradas inexequíveis as propos-tas com preços inferiores a 70% do valor orçado pela Administração (alínea “b” do § 1º do art. 48) ou 70% da média aritmética dos valores das propostas superiores a 50% do valor orçado pela Administração (alínea “a” do § 1º do art. 48).

Vamos supor que o valor orçado pela Administração, para uma obra de engenharia, seja R$ 100.000,00. Na licitação, foram propos-tos os seguintes preços:

Empresa 1 – R$ 90.000,00

Empresa 2 – R$ 96.000,00

Empresa 3 – R$ 80.000,00

Empresa 4 – R$ 55.000,00

Empresa 5 – R$ 50.000,00

Empresa 6 – R$ 45.000,00

Determinado o valor orçado, ou seja, R$ 100.000,00, e revela-dos os valores das diversas propostas dos licitantes, o primeiro passo a ser dado por quem irá julgar é verificar se a proposta atende às demais condições do edital.

Se não atender às condições materiais impostas, deverá ser des-classificada por essa razão. Sendo desclassificada, essa proposta não será avaliada para fins de aferição da exequibilidade do seu preço. Atendendo às demais condições exigidas no edital, será considerada consoante determina o § 1º do art. 48.

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O segundo passo é verificar quais propostas têm preço inferior a 50% do valor orçado, pois somente as com preço superior a 50% do valor orçado entrarão no cálculo da média aritmética.

No exemplo acima, as propostas das Empresas 5 e 6 não aten-dem a essa condição. A Empresa 6 cotou seu preço em R$ 45.000,00, e a Empresa 5, em R$ 50.000,00, esse último preço é igual, e não superior a 50% do valor orçado. Portanto, essas duas propostas não entram no cálculo da média aritmética.

A média aritmética, critério previsto na alínea “a”, será determi-nada entre as propostas 1 a 4. Somando-se os preços dessas propos-tas (R$ 90.000,00 + R$ 96.000,00 + R$ 80.000,00 + R$ 55.000,00), tem-se como resultado R$ 321.000,00. Como se trata de média arit-mética, esse valor deverá ser dividido por 4, isto é, o número de pro-postas que foram somadas. Da divisão, tem-se o seguinte resultado: R$ 80.250,00.

A média aritmética dos valores das propostas superiores a 50% do valor orçado pela Administração é, no presente caso, R$ 80.250,00. Portanto, está determinado o critério da alínea “a” do § 1º do art. 48.

Em seguida, é preciso determinar o valor correspondente ao cri-tério da alínea “b” do § 1º do art. 48. Esse é fácil, pois é exatamente o valor orçado pela Administração, ou seja, R$ 100.000,00.

A parte final do disposto no § 1º do art. 48 diz que a proposta será considerada inexequível se o seu valor for inferior a 70% do menor valor obtido entre os critérios previstos nas alíneas “a” e “b”. O menor valor obtido é o da média aritmética, ou seja, R$ 80.250,00, visto que o outro valor (orçado) é R$ 100.000,00. Dessa forma, o valor da alínea “b” será desprezado doravante.

Toda a operação até aqui realizada teve o objetivo de determi-nar o parâmetro para o cálculo dos 70%, que irá identificar as pro-postas inexequíveis. Portanto, os 70% vão incidir sobre o menor valor apurado das alíneas “a” e “b”. O critério da alínea “a” é o que revela o menor valor.

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O próximo passo é determinar o valor que revelará o preço ine-xequível e o preço exequível. Para tanto, basta calcular 70% de R$ 80.250,00. O resultado é R$ 56.175,00.

Portanto, será inexequível a proposta com valor inferior a R$ 56.175,00.

No exemplo acima, as propostas das Empresas 4, 5 e 6 serão consideradas inexequíveis, pois são inferiores a R$ 56.175,00, e, assim, serão desclassificadas.

Entre as propostas que remanesceram, isto é, das Empresas 1, 2 e 3, será classificada em primeiro lugar e, consequentemente, será a vencedora a proposta da Empresa 3, cujo valor é R$ 80.000,00.

Determinados o preço inexequível e a proposta vencedora, caberá à comissão apurar se a Empresa 3 deverá ou não oferecer garantia adicional e qual o seu valor em reais.

Antes da garantia adicional, é preciso avaliar uma última ques-tão relativa ao preço inexequível, que diz respeito a eventual oposi-ção oferecida por licitante no tocante à desclassificação de sua pro-posta em razão da aplicação do critério definido no § 1º do art. 48.

20.7. 20.7. Discordância do licitante quanto à inexequibilidade da sua proposta

Após a aplicação do critério previsto no § 1º do art. 48, é pos-sível que, em relação às propostas consideradas inexequíveis, a) o licitante concorde com a inexequibilidade da sua proposta, o que ensejará o seu afastamento do certame ou b) o licitante discorde da apuração realizada, sob o argumento de que a sua proposta é exequí-vel. Diante da hipótese (b), como deverá proceder a comissão de lici-tação? Para responder satisfatoriamente à questão, é preciso ponderar alguns aspectos que envolvem o critério previsto no § 1º do art. 48.

Basicamente, um preço pode ser considerado inexequível por duas razões: a) quando comparado com outros preços e b) em razão da incompatibilidade entre o custo dos insumos e das despesas e o preço atribuído ao próprio objeto pelo licitante.

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Na hipótese (b), a inexequibilidade independe de outras variá-veis senão a dos custos e das despesas do próprio objeto. A inconsis-tência do preço resulta de um ato do próprio licitante, isto é, o preço por ele atribuído ao objeto. Logo, a inexequibilidade é ato imputável ao próprio licitante, e a mais ninguém.

Na hipótese (a), a inexequibilidade foge ao controle do próprio licitante, pois é fundada em ato de terceiro. O preço atribuído pelos demais licitantes aos seus objetos é que pode tornar o preço inexe-quível, pouco importando se, de fato, a inexequibilidade é efetiva ou não. O que ponderamos é que na hipótese (a), a inexequibilidade é produzida por ato de terceiro. Pelo menos em princípio, o critério que resultar da hipótese (a) deve ser visto com muita cautela, pois viola a lógica e a razoabilidade. O natural é que a pessoa seja punida pelo seu próprio ato, e não por ato de terceiro. O critério previsto no § 1º do art. 48 foi estruturado com base na hipótese (a), devendo ser visto com reservas.

Afirmar que não é razoável reconhecer a inexequibilidade de uma proposta em razão dos preços de propostas de terceiros é dei-xar claro que a inconsistência de um preço tem de decorrer da sua própria composição, e não da composição de outros preços. Isso é no mínimo lógico. O critério previsto no § 1º do art. 48 é uma ficção jurídica, não decorre do mundo real.

Dessa forma, surgirá um problema quando o licitante que teve o seu preço considerado inexequível alegar que ele é exequível. E o problema se tornará sério quando, além de afirmar que o preço não é inexequível, ele demonstrar, por A + B, que o preço é exequível. Diante desse quadro, não é possível a desclassificação da proposta.

Ora, se a proposta não pode ser desclassificada mesmo diante da indicação de que o preço é inexequível em razão do critério legal, para que ele existe, então?

O critério existe para apontar apenas o indício de que é pos-sível que o preço possa ser inexequível, mas não que ele é, de fato, inexequível. Quando, em razão da aplicação do critério previsto no § 1º do art. 48 da Lei nº 8.666/93, um preço se revelar inexequível,

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caberá à comissão (ou ao pregoeiro, se for o caso) dar a oportunidade ao licitante de demonstrar que o seu preço é exequível, caso ele não concorde com o resultado da aplicação do critério legal. Somente após isso é que se deve julgar a proposta para o fim de considerá-la classificada ou desclassificada. A prudência assim recomenda.

20.8. 20.8. Prestação de garantia adicional

A Lei determinou que “dos licitantes classificados na forma do parágrafo anterior cujo valor global da proposta for inferior a 80% do menor valor a que se referem as alíneas “a” e “b” do § 1º, será exi-gida, para a assinatura do contrato, prestação de garantia adicional”.

Para afastar, de plano, a possibilidade de equívoco, não será exigida dos licitantes classificados a garantia adicional, mas do ven-cedor, que é um dos licitantes classificados. Só é exigível garantia, ordinária ou adicional, de quem vai ser contratado, e não de quem foi classificado. Portanto, a expressão “licitantes classificados”, utilizada pelo legislador, é equivocada.

20.9. 20.9. Critério legal para determinar quem prestará garantia adicional

A garantia adicional, sem prejuízo da garantia ordinária, será exigida do licitante vencedor na hipótese de a sua proposta ter valor global inferior a 80% do menor valor apurado nas alíneas “a” e “b” do § 1º. No exemplo anterior, dois valores foram apurados: a) R$ 80.250,00, com base na alínea “a”, e b) R$ 100.000,00, com base na alínea “b”.

Ora, o menor valor é o apurado na alínea “a”, ou seja, R$ 80.250,00. Assim, para saber se o vencedor deverá prestar garan-tia adicional, basta calcular 80% do valor acima. O resultado é R$ 64.200,00.

Como a proposta do licitante classificado em primeiro lugar é superior ao valor acima apurado, pois o preço vencedor é de R$ 80.000,00, não haverá necessidade de oferecer garantia adicional.

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20.10. 20.10. Como deve ser apurado o valor da garantia adicional?

O § 2º do art. 48 da Lei nº 8.666/93, que disciplina a forma de determinação do valor da garantia adicional, tem redação confusa. É preciso deixar muito clara essa questão para que não se cometam equívocos na determinação do referido valor.

A confusa redação decorre da expressão “igual a diferença entre o valor resultante do parágrafo anterior e o valor da correspondente proposta”. Ou seja, o valor adicional da garantia será determinado em função do critério indicado. No tocante ao valor da proposta, não há dúvidas, pois o legislador está se referindo à proposta vencedora. O problema reside na expressão “valor resultante do parágrafo ante-rior”, uma vez que o parágrafo anterior referido, além da enunciação geral, tem duas alíneas que o integram.

A operação envolvendo o § 1º revela dois valores distintos. O primeiro resulta dos critérios das alíneas, ou seja, antes de aplicar os 70% que indicam o preço inexequível, e o segundo valor apurado é resultante, justamente, do cálculo dos 70%.

No exemplo dado, o critério resultante da alínea “a”, isto é, da média aritmética dos valores das propostas superiores a 50% do valor orçado, indicou R$ 80.250,00. O valor determinante do preço inexe-quível foi de R$ 56.175,00.

Mas o que se deve entender por “valor resultante do parágrafo anterior”, expressão utilizada na parte final do § 2º do art. 48?

Para fins de fixação da garantia adicional, entende-se como “valor resultante do parágrafo anterior” aquele apurado em decor-rência da aplicação dos critérios indicados nas alíneas “a” ou “b”, sem o cálculo dos 70% referidos no contexto do parágrafo. No exemplo, o valor a ser considerado é R$ 80.250,00.

Justifica-se a assertiva em função de um simples raciocínio lógico. Quanto menor o valor da proposta vencedora, maior será o valor da garantia adicional, e não o contrário. Ora, se adotarmos o valor resultante da aplicação dos 70% sobre o menor valor apurado nas alíneas “a” e “b”, teremos uma situação inversa à desejada.

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A aplicação do critério da alínea “b” produziu como resultado o valor de R$ 80.250,00, e a aplicação dos 70% identificou o valor de R$ 56.175,00. Como o valor da proposta vencedora é R$ 80.000,00, não haveria necessidade do oferecimento de garantia adicional, somente haveria se a proposta vencedora tivesse um valor inferior a R$ 64.200,00.

Entretanto, se o valor da proposta vencedora fosse R$ 60.000,00, ela seria exequível, na medida em que é superior a R$ 56.175,00, mas haveria a necessidade de o vencedor oferecer garantia, pois é inferior a R$ 64.200,00. O valor da garantia seria o resultado da dife-rença entre os R$ 80.250,00 e R$ 60.000,00, ou seja, R$ 20.250,00.

Façamos o cálculo agora considerando o valor de R$ 56.175,00, que resulta da aplicação dos 70% sobre o valor apurado na alínea “a”. Então, teríamos R$ 60.000,00 - R$ 56.175,00, ou seja, R$ 3.825,00. Ora, quanto maior fosse o valor da proposta, maior seria a garantia. Se o valor da proposta fosse R$ 64.000,00, a garantia seria maior (64.000,00 - R$ 56.175,00), isto é, R$ 7.825,00. Se a proposta ven-cedora fosse R$ 56.176,00, a proposta seria exequível, e a garantia seria de apenas R$ 1,00. Essa parece ser a lógica do sistema ideali-zado. E foi essa a lógica que deduzimos do critério previsto na parte final do § 2º do art. 48, indicada em 1998, dias após a edição da Lei nº 9.648/98.

Cabe ressaltar que esse critério proposto para a apuração da garantia adicional foi adotado integralmente por Maria Sylvia Zanella Di Pietro, na obra Temas polêmicos sobre licitações e con-tratos. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 233-243.

20.11. 20.11. Uma questão de constitucionalidade em torno da garantia adicional

Resta avaliar se a exigência de garantia adicional pode, sob o ponto de vista constitucional, ser admitida como prevista no § 2º do art. 48 da Lei nº 8.666/93.

Contrato administrativo nada mais é do que a relação entre encargo e remuneração. O encargo é definido pela Administração na

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fase interna da contratação, e a remuneração é definida na fase da lici-tação propriamente dita (fase externa). A remuneração é fixada com base no encargo definido no edital e instrumentalizada na proposta do licitante. Com a apresentação da proposta, forma-se a chamada equação econômico-financeira, que nada mais é do que a relação de equivalência entre encargo e remuneração. No inc. XXI do art. 37 da Constituição da República, o constituinte garantiu respeito às condições efetivas da proposta, ou seja, assegurou que a relação de equivalência entre encargo e remuneração seria observada durante a execução do contrato.

Em decorrência disso, ficou definido também que, após a apre-sentação da proposta, qualquer condição que alterasse a equação econômico-financeira ensejaria a sua revisão. É o que dispõe a alí-nea “c” do inc. II do art. 65 da Lei nº 8.666/93:

para restabelecer a relação que as parte pactuaram inicialmente entre os encargos do contratado e a retribuição da Administração para a justa remuneração da obra, serviço ou fornecimento, objetivando a manuten-ção do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, na hipótese de sobrevirem fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém de consequên-cias incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, con-figurando área econômica extraordinária e extracontratual.

O preceito legal acima fala em relação inicial e remuneração justa. Isso significa que as partes pactuaram uma relação inicial, que se traduz no encontro entre edital e proposta e ocorre com a apre-sentação desta. Essa relação decorre do encargo definido no edital e dimensionado financeiramente na proposta apresentada pelo lici-tante. Por outro lado, a remuneração deve ser reputada justa porque reflete o encargo definido no edital e foi aceita pela Administração, após a devida análise e julgamento. Dessa forma, o contrato expressa a relação equilibrada entre duas grandezas: o encargo e a remunera-ção, sendo recomposta sempre que houver uma condição que dese-quilibre a equação. Basicamente, a equação será reequilibrada de duas formas: a) em razão do advento das condições já previstas no contrato e que ensejam o reajuste e a repactuação ou b) mediante revisão. A revisão tem cabimento na “hipótese de sobrevirem fatos

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imprevisíveis, ou previsíveis de consequências incalculáveis, retar-dadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configurando área econômica extraordinária e extracontratual”.

Nesse contexto, a garantia adicional é um encargo que o lici-tante tem de suportar e que surge após a apresentação da proposta. Apresentada a sua proposta, a única garantia que ele consegue esti-mar é a garantia comum ou ordinária, que decorre do § 1º do art. 56 da Lei nº 8.666/93, pois ela está prevista no edital. O custo da garan-tia adicional não há como estimar, porque ele teria de conhecer o preço dos demais licitantes e isso é impossível; se possível, é conluio (crime).

Quando o licitante apresenta a sua proposta, ele não tem como definir quanto pagará a título de garantia adicional e se, de fato, terá de pagar, pois o recolhimento dessa garantia pode ser considerado “um fato imprevisível ou mesmo previsível de consequência incalcu-lável”, tendo em vista que não se sabe se ocorrerá e, ainda que hou-vesse certeza, não se saberia qual o seu montante, uma vez que seria necessário conhecer a proposta dos demais.

Diante desse panorama, o licitante não tem como estimar o custo da garantia adicional, que tanto pode ser pequeno como pode ser considerável, inclusive maior do que a própria garantia ordiná-ria em alguns casos. Dessa forma, se ele não estima a garantia, terá de arcar com um ônus estranho ao contrato (relação entre encargo e remuneração). Se inclui tal garantia, eleva a sua remuneração e corre o risco de perder o certame para um licitante que não esti-mou a garantia. Logo, o licitante que arriscou e não a estimou foi beneficiado.

Como se pode ver, a garantia adicional tem um problema de ordem constitucional. Ou se considera que ela é inconstitucional e não deve ser exigida, ou se revisa o contrato, caso seja exigida. Jogar simplesmente para o licitante a solução desse problema é violar a ordem jurídica.

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20.12. 20.12. O valor orçado pela Administração é o preço máximo?

A aplicação do critério constante no § 1º pressupõe, necessaria-mente, além do valor orçado, a fixação de um preço máximo. Ora, se o valor orçado fosse sinônimo de preço máximo, qualquer preço pro-posto superior ao valor orçado teria de ser, obrigatoriamente, rejei-tado. Caso contrário, admitiríamos que propostas com preços supe-riores ao indicado como preço máximo podem ser formuladas, sem que isso enseje a sua rejeição.

Logo, uma coisa é o preço máximo, e a outra é o valor orçado. São, portanto, duas realidades diferentes. Em alguns casos, um mesmo valor pode expressar as duas realidades. Isso ocorre quando a Administração, no edital, indica um valor como orçado e, simultane-amente, diz que o valor orçado é também o preço máximo que ela se dispõe a pagar. Quando adota a solução de estabelecer um só valor para as duas realidades, inviabiliza a aplicação da alínea “b” do § 1º do art. 48, o que não chega a ser nenhum sério problema.

É preciso observar que são dois os parâmetros a serem conside-rados no § 1º do art. 48. Serão inexequíveis as propostas cujos pre-ços sejam inferiores a 70% do menor dos seguintes valores: a) média aritmética dos valores superiores a 50% do valor orçado ou b) o pró-prio valor orçado. Para que o parâmetro previsto na alínea “b” (valor orçado pela Administração) seja aplicável, é indispensável reconhe-cer a necessidade de que, pelo menos, uma parte das propostas seja superior ao próprio valor orçado pela Administração.

Ao fixar o parâmetro da alínea “b”, quis o legislador, ao que tudo indica, vê-lo aplicado também, pois, caso contrário, não teria sentido indicá-lo. Como a única forma para isso é a existência de preços superiores ao valor orçado na licitação, parece que o legis-lador admitiu a possibilidade de que o preço máximo pudesse ser superior ao valor orçado. Quando a Administração considera que o valor orçado é também o preço máximo, ela inviabiliza a alínea “b”, mas não a aplicação do critério de aferição, cujo balizamento será feito, nesse caso, exclusivamente, pelo parâmetro definido na alínea “a”. No contexto da norma, o fundamental é que o critério de aferi-ção possa ser aplicado. Por esse motivo, não há ilegalidade no fato de atribuir um mesmo valor para o preço máximo e para o valor orçado, o que não significa que isso deva ocorrer sempre.

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20.13. 20.13. O preço inexequível é um problema do licitante. Não haveria por que a Administração se preocupar com ele. É correta essa tese?

Basicamente, a ordem jurídica tem duas possibilidades para regular os preços inexequíveis. A primeira delas é o legislador enten-der que o preço inexequível é um problema do licitante e o que inte-ressa é que ele cumpra o contrato, ainda que o preço apresentado por ele na licitação seja manifestamente impossível de revelar uma compatibilidade lógica entre o que ele se dispõe a receber e o que irá gastar para cumprir o contrato.

A segunda possibilidade é o legislador fazer a opção em consi-derar que o preço inexequível não é um problema do licitante, mas um problema jurídico. Nesse caso, o legislador simplesmente deter-mina que se o preço for inexequível, ele deve ser rejeitado. Ainda que a Administração tivesse, por um lado, a possibilidade de satisfazer plenamente a sua necessidade e, por outro, de pagar um preço insig-nificante para a solução, o negócio não poderia ser realizado.

A ordem jurídica tem a possibilidade de consagrar uma das duas teses.

Sem que isso represente generalização, as pessoas têm certa tendência a querer sempre levar vantagem em tudo, satisfazendo a sua necessidade com o dispêndio do menor recurso financeiro. Esse desejo pode ser traduzido na máxima popular imortalizada na frase utilizada por um jogador de futebol da seleção de 70 em comercial de televisão: “eu gosto de levar vantagem em tudo. Certo?”. É com base no “princípio da otimização da vantagem pessoal” que se desenvolve e se viabiliza, por exemplo, o mundo da pirataria.

Ao regular a questão dos preços inexequíveis, o legislador teve de sopesar certos valores para poder formatar a norma que regularia as relações entre a Administração e os particulares.

Afinal, qual das duas teses acima indicadas o legislador adotou ao formatar o regime jurídico da contratação pública (tanto na Lei nº 8.666/93 quanto na Lei nº 10.520/02)? A única forma de obter essa resposta é conhecer o conteúdo do próprio regime jurídico.

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Para tanto, não será preciso reunir muitos dispositivos da Lei nº 8.666/93, apenas dois deles. Com base em tais preceitos, é pos-sível, salvo engano, identificar a real opção feita pelo legislador ao definir o norte em relação à aceitabilidade de preços inexequíveis. Os dispositivos que consideramos suficientes para a análise são o § 3º do art. 44 e o inc. II do art. 48.

Art. 44 (...)

§ 3º Não se admitirá proposta que apresente preços global ou unitários simbólicos, irrisórios ou de valor zero, incompatíveis com os preços dos insumos e salários de mercado, acrescidos dos respectivos encargos, ainda que o ato convocatório da licitação não tenha estabelecido limites mínimos, exceto quando se referirem a materiais e instalações de pro-priedade do próprio licitante, para os quais ele renuncie a parcela ou à totalidade da remuneração.

(...)

Art. 48 (...)

II - propostas com valor global superior ao limite estabelecido ou com preços manifestamente inexequíveis, assim considerados aqueles que não venham a ter demonstrada sua viabilidade através de documenta-ção que comprove que os custos dos insumos são coerentes com os de mercado e que os coeficientes de produtividade são compatíveis com a execução do objeto do contrato, condições estas necessariamente espe-cificadas no ato convocatório da licitação.

O legislador inicia o § 3º do art. 44 utilizando-se do verbo “admitir” para vedar uma conduta. A norma impõe ao próprio admi-nistrador público (e a mais ninguém) o dever de não admitir pro-posta que apresente preços simbólicos, irrisórios ou de valor zero, ou seja, de admitir preços inexequíveis. Nos termos da norma, eles são inadmissíveis por serem “incompatíveis com os preços dos insumos e salários de mercado, acrescidos dos respectivos encargos, ainda que o ato convocatório da licitação não tenha estabelecido limites mínimos”.

Logo, o legislador diz que um dos “critérios de aceitabilidade dos preços (inc. X do art. 40)” é que eles sejam compatíveis com os pre-ços dos insumos utilizados (aí incluídos os custos dos materiais, salá-rios, carga tributária, lucro). Portanto, preços incompatíveis com esses

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insumos não podem ser admitidos, isto é, devem ser rejeitados, o que se faz por meio da desclassificação das propostas. O legislador foi tão enfático na proibição de aceitação de preços inexequíveis que deter-minou a sua rejeição ainda que o edital não tivesse fixado um preço mínimo, como se tal fixação fosse possível. No inc. X do art. 40, o pró-prio legislador tratou de vedar a fixação de preço mínimo. Não se deve ver nisso uma contradição, mas a reafirmação de que a proibição não admite exceção. Além do que, não é um eventual preço mínimo que afastaria a proposta, mas a incompatibilidade do preço com os insu-mos. Com efeito, a inexequibilidade não deve ser definida em razão de uma condição fixada por terceiros, mas em razão da incompatibilidade dos preços com os custos dos próprios insumos que o formam. A inexe-quibilidade é uma questão matemática, acima de tudo.

Na parte final do § 3º do art. 44, o legislador tratou de fixar uma ressalva. Disse ele que o licitante pode apresentar preço irrisó-rio, simbólico ou de valor zero desde que para materiais e instalações de sua propriedade, dos quais ele renuncie a parcela ou a totalidade da remuneração.

O legislador facultou ao licitante a não inclusão no seu preço do custo de certos insumos (materiais e equipamentos) necessários à execução do encargo definido no edital, desde que tais insumos fossem de sua propriedade. Ele regulou expediente de que o licitante pode se valer para formatar preço mais vantajoso. Ora, por que o legislador faria isso se o licitante tem a eventual liberdade de, inclu-sive, praticar preços inexequíveis, conforme entendem alguns juris-tas? Parece que não haveria sentido lógico para impor uma proibição dessa ordem se o licitante pudesse praticar preços inexequíveis nas contratações públicas.

Na verdade, o legislador regulou a possibilidade de o licitante desconsiderar, na composição do seu preço global, alguns custos de insumos (materiais e equipamentos) de sua propriedade. O licitante poderia, então, renunciar uma parte da remuneração do insumo ou a sua totalidade, desde que devidamente fundamentado, pois isso implicaria o oferecimento de preço zero, irrisório ou simbólico. Não se trata de renúncia da remuneração global para o cumprimento do encargo, mas apenas da remuneração de um custo unitário ou do

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custo de um insumo (materiais e equipamentos) que integra o encargo. É preciso não confundir essas distintas realidades. Se o licitante vai utilizar um equipamento de sua propriedade e cujo custo foi por ele, com base em outros contratos, totalmente amortizado, poderá se valer disso. Havendo necessidade, caberá ao licitante demonstrar tal condição juntamente com a apresentação da proposta ou, posterior-mente, por meio de diligência. Esse é um exemplo de vantagem com-petitiva e que o legislador entendeu por bem regular, pois propicia a obtenção de uma melhor relação benefício-custo.

É possível sintetizar o conteúdo do § 3º do art. 44 da seguinte maneira:

a) Não se admite, na contratação pública, a apresentação de proposta com preço global simbólico, irrisório ou de valor zero. Se a remuneração global for simbólica, irrisória ou de valor zero, a proposta que a expressa deverá ser, em princí-pio, desclassificada. Diz-se em princípio porque existe uma situação, a ser avaliada no próximo tópico, que possibilita remuneração zero, irrisória ou simbólica a ser cobrada da Administração. A regra, no entanto, é a impossibilidade.

b) Não se admitirá proposta que apresente preço unitário sim-bólico, irrisório ou de valor zero, salvo para insumos especí-ficos (materiais e equipamentos) de propriedade do licitante. Nesse caso, o licitante poderá renunciar a remuneração dos insumos, parcialmente ou totalmente. A apresentação de preço irrisório, simbólico ou de valor zero para a remune-ração do insumo faz com que o licitante deva demonstrar que a renúncia se operou nos termos do § 3º do art. 44 da Lei nº 8.666/93, sob pena de desclassificação. A regra a ser observada é a da vedação, e não a da possibilidade.

Resta avaliar, por fim, o conteúdo do inc. II do art. 48, pois, da mesma forma que o § 3º do art. 44, trata dos preços inexequíveis.

O art. 48 da Lei nº 8.666/93 elenca hipóteses de desclassificação das propostas, ou seja, diz quando uma proposta deve ser rejeitada pela Administração. Com efeito, uma proposta deve ser desclassifi-cada quando: a) não atender às exigências relacionadas ao encargo

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definido e b) quando o preço for superior ao máximo definido no edi-tal ou, ainda, for inexequível.

Vamos avaliar as duas situações.

Na primeira (a), o legislador simplesmente diz que se o licitante não demonstrar, na forma exigida, que tem condições de cumprir o encargo tal como definido no edital, terá a sua proposta rejeitada, pouco importando se o seu preço é vantajoso ou não. É assim por-que a análise da vantajosidade em torno do preço, no sistema da Lei nº 8.666/93, é realizada após a demonstração de que o encargo que o licitante se dispõe a realizar é o licitado. Logo, o preço só passa a ter qualquer relevância depois de superada essa premissa legal. A fixação da ordem de apreciação da análise entre encargo e remune-ração não é uma questão meramente doutrinária, mas legal, porque é lógica. A preferência do legislador pela ordem (lógica) pode ser constatada não só nos incs. I e II do art. 48, mas também no inc. IV do art. 43, bem como no § 8º do art. 30 e nos incs. II e IV do art. 46.

A mesma lógica é adotada na estruturação da Lei nº 10.520/02 (pregão). No pregão também é necessário primeiro certificar-se de que o encargo/objeto atende às exigências fixadas no edital, para somente depois conhecer e analisar o preço. No entanto, é possível manter essa lógica em outra perspectiva. A ordem jurídica poderá optar pelo reconhecimento prévio do pleno atendimento do encargo e redu-zir a condução do pregão à análise dos preços. Isso somente será possí-vel se o pressuposto do pleno atendimento for fixado. É claro que o fato de haver o pressuposto não significa que, em todos os casos, o objeto não possa ser rejeitado. Pode e deve sempre que desatender ao edital. Como no pregão o que se licita são bens e serviços comuns, a adoção desse sistema é possível, mas não para os demais objetos.

Bens e serviços comuns são objetos padronizados que não serão produzidos por quem vai fornecê-los. Por esse motivo, o risco de o pressuposto indicado não se verificar é muito baixo, o que indica que ele pode ser fixado, pois o benefício (a rapidez a ser obtida) é muitas vezes maior do que o risco. O risco é quase desprezível. Sem-pre que a grande certeza do benefício for acompanhada de pequena probabilidade de risco, ela deve ser a opção. Reduzir o procedimento

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do pregão à discussão em torno do preço é adotar solução de baixo risco e grande eficácia, salvo se a Administração não conseguir defi-nir com clareza no edital o que está contratando.

Na hipótese (b), o legislador alude apenas ao preço. É como se ele dissesse: “se o licitante atende ao encargo, é preciso saber, em seguida, se não está querendo cobrar pela execução preço acima do limite máximo definido no edital ou preço inexequível”. Como o valor global superior ao limite estabelecido é o preço máximo defi-nido pela Administração no próprio edital, ensejaria dúvidas apenas o considerado como preço inexequível, visto que não poderia ser definido no edital, tal como em relação ao preço máximo. E não poderia por opção do próprio legislador, pois ele vedou a fixação de preço mínimo (inc. X do art. 40 da Lei nº 8.666/93). Assim, para que fosse definido um preço certo como sendo inexequível, seria indis-pensável definir um preço mínimo, como ocorreu no Brasil até 1993.

Para eliminar eventual dúvida, tratou o legislador de definir o preço inexequível. Aliás, o certo é falar em redefinição, porque o preço inexequível já está definido no § 3º do art. 44. De qualquer forma, quis o legislador deixar registrado, com todas as letras, que a definição con-signada é a de preço inexequível, pois, no § 3º do art. 44, essa conclu-são não é literal, exigindo um pouco de esforço interpretativo.

Diz o legislador, no inc. II do art. 48, que “preços manifesta-mente inexequíveis, assim considerados aqueles que não venham a ter demonstrada sua viabilidade através de documentação que com-prove que os custos dos insumos são coerentes com os de mercado e que os coeficientes de produtividade são compatíveis com a exe-cução do objeto do contrato, condições estas necessariamente espe-cificadas no ato convocatório da licitação”. A definição legal, como um todo, não serve para muita coisa. O conceito acima indicado não é tão útil, mas é possível dele destacar uma virtude: reafirmar que o fator determinante para a identificação do preço inexequível é o custo dos insumos, como dito no § 3º do art. 44. Logo, é esse parâme-tro que o legislador definiu para apurar a inexequibilidade, e não o preço proposto pelos licitantes, tal como definido no § 1º do próprio art. 48. Por isso, o § 1º do art. 48 não guarda sincronia com o que está no inc. II do mesmo preceito.

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21. 21. hipóteses de aceitação de preços simbólicos, irrisórios ou de Valor zero

A regra é a de que a Administração não pode aceitar preços simbólicos, irrisórios ou de valor zero nas licitações. Se o licitante apresentar, por exemplo, preço zero, terá a sua proposta rejeitada, o que implicará o seu afastamento do certame. É isso que deve aconte-cer na quase totalidade das situações, ou seja, nas contratações cujas soluções sejam obras e serviços de engenharia, bem como nas com-pras e nos serviços em geral.

No entanto, existe um tipo específico de negócio que admite que o licitante proponha preço zero na licitação ou mesmo preço negativo, como já ocorreu (e ainda ocorre em alguns casos) no Brasil.

Esses negócios traduzem as situações em que a necessidade da Administração é atendida por meio de atividade de intermediação. Há três partes envolvidas: a Administração, o prestador do serviço e o intermediário do serviço a ser prestado. Quem participa da licitação é o intermediário, e não o prestador de serviço propriamente dito. Esses negócios envolvem os casos de “fornecimento” de vale-refeição ou cartão-refeição, passagens aéreas, vale-combustível e outros negó-cios de idêntica natureza.

Normalmente, o intermediário pratica preço zero, ou seja, é como se ele não cobrasse nada para prestar o serviço de interme-diação. Quando os primeiros licitantes começaram a apresentar pro-postas de valor zero no Brasil, vivíamos em plenos anos 80. Naquela ocasião, houve muita discussão se seria juridicamente possível tal proposta, pois, a exemplo do que ocorre atualmente, o então § 3º do art. 36 do extinto Decreto-lei nº 2.300/86 já proibia a cotação de preço zero. Em regra, isso implicaria desclassificação da proposta. Naquela oportunidade, em um primeiro momento, as propostas foram, de fato, desclassificadas. Isso gerou inúmeros recursos e medidas por parte dos licitantes que se sentiram prejudicados. Essa questão foi, inclusive, dis-cutida no Tribunal de Contas da União, que proferiu uma decisão de excelente conteúdo jurídico. O TCU entendeu pela possibilidade da apresentação de preço zero, pois o licitante (intermediário) não tem como única forma de remuneração a cobrança de um valor (preço) da

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Administração; ele pode se remunerar, também, diretamente da rede de prestadores de serviços. No caso em discussão, a rede era formada pelos restaurantes credenciados pelo próprio intermediário. Com isso, a questão foi pacificada, e o preço zero passou a ser admitido, exclu-sivamente, nos tipos de negócio em que há intermediação. Há, nesses casos, uma razão lógica capaz de justificar a admissão de preço zero, irrisório e simbólico. Em situações de natureza diversa, não é possível admitir tais práticas. Dessa forma, a ordem jurídica consagra a regra e a exceção, e essa última coube ao intérprete (TCU) fixar, com base na própria lógica que estrutura a ordem jurídica.

22. 22. preços baseados na oferta dos demais licitantes

O § 2º do art. 44 prescreve que “não se considerará qualquer oferta de vantagem não prevista no edital ou no convite, inclusive financiamentos subsidiados ou a fundo perdido, nem preço ou vanta-gem baseada nas ofertas dos demais licitantes”.

A ordem jurídica veda que um licitante formate a sua remunera-ção a partir dos preços propostos pelos demais. A razão que motivou a vedação da parte final do § 2º do art. 44 é interessante e curiosa, além de revelar um ardiloso artifício para vencer qualquer licitação. À semelhança do caso anteriormente avaliado, a situação que ins-pirou o citado preceito também ocorreu nos anos 80, só que antes da edição do Decreto-lei nº 2.300/86, ou seja, ainda na vigência do Decreto-lei nº 200/67. Um licitante, com o objetivo de vencer todas as licitações de que participaria, inventou um artifício “maquiavé-lico”. Na sua proposta, após descrever o objeto e atender às demais exigências solicitadas, consignava o seguinte: Preço – 1% de des-conto sobre o menor preço apresentado na licitação. Esse fato ins-pirou o legislador, quando da edição do Decreto-lei nº 2.300/86, a vedar oferta de preço baseada na dos demais concorrentes.

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Capítulo 13

A CONTRATAÇÃO DE SERVIÇOS TÉCNICOS PROFISSIONAIS ESPECIALIZADOS NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

1. 1. considerações iniciais e objetiVo

O presente texto materializa parte das conclusões que resulta-ram de reflexões realizadas sobre a contratação de serviços técnicos profissionais especializados, especialmente em razão do que dispõe o inc. II do art. 25 da Lei nº 8.666/93 e de outros preceitos que regu-lam e se relacionam com o tema. Ademais, a outra parte das referidas conclusões constitui objeto do capítulo seguinte.

Essas reflexões formam um conjunto de informações capaz de permitir a construção de um caminho mais seguro para a compreen-são da norma que decorre do citado inc. II do art. 25, bem como do cabimento ou não da licitação para a contratação dos denominados serviços intelectuais.

2. 2. a disciplina jurídica da contratação de serViços técnicos

Serviços técnicos profissionais especializados traduzem ativi-dades que integram o rótulo genérico de serviços de natureza pre-dominantemente intelectual. Falar em serviços técnicos é o mesmo que falar em serviços intelectuais, não havendo diferença em rela-ção à natureza ou ao regime jurídico aplicável no campo da contra-tação pública. O que se pode ponderar é que todo serviço técnico profissional especializado é de natureza intelectual, mas nem todo serviço intelectual é de natureza técnica. Com efeito, serviços inte-lectuais configuram um rótulo genérico do qual o serviço técnico é espécie. Um exemplo ajudará na compreensão. Um trabalho artístico (pintura, escultura) é atividade intelectual, mas não necessariamente serviço técnico no sentido empregado na ordem jurídica.

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A contratação de serviços técnicos profissionais especializados e intelectuais no âmbito da Administração Pública é disciplinada de forma específica na Lei nº 8.666/93. Por um lado, a Lei exige, no seu art. 46, que os serviços de natureza predominantemente intelectual, quando for o caso, sejam contratados por licitação do tipo técnica e preço ou melhor técnica. Por outro lado, no inc. II do art. 25 da Lei nº 8.666/93, o legislador determina que os serviços técnicos profis-sionais especializados, de natureza singular, não podem ser contrata-dos por licitação, por reconhecer que ela é inexigível.

Ademais, é possível, ainda, admitir uma terceira possibilidade de contratação dos referidos serviços técnicos em face do que dis-põem os incs. I e II do art. 24 da Lei nº 8.666/93. Eles preveem hipó-teses tipicamente de dispensa de licitação, o que não impede que possam ser contratados dentro dos valores indicados. Haveria outras possibilidades contempladas no referido art. 24 que poderiam propi-ciar a contratação desses serviços, como é o caso da hipótese prevista no inc. XIII, mas não vamos considerá-las neste estudo.

Portanto, os serviços técnicos profissionais e os intelectuais na Lei nº 8.666/93 podem ser contratados por licitação, inexigibi-lidade ou dispensa. É preciso uma adequada análise jurídica para saber quando a licitação é necessária e quando ela deve ser afastada. O “deve” se refere à inexigência (art. 25).

3. 3. os fundamentos lógicos da contratação pública

A contratação pública assenta-se na ideia de que a Administra-ção tem uma necessidade específica para resolver e, não dispondo de condições próprias, precisa selecionar um terceiro para atender plenamente à sua demanda pela melhor relação benefício-custo. A solução desejada, no presente caso, é representada pela execução de um serviço.

A Administração tem o problema, e o terceiro, a solução para ele. Além disso, ela quer obter o melhor benefício possível e pagar menos por ele, e o particular pretende, por sua vez, no mínimo, a remuneração adequada e que lhe possibilita garantir o lucro esperado

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pela exploração da atividade econômica. Dessa perspectiva decorre a ideia de contratação.

Para que a Administração selecione o terceiro, deve definir com clareza a solução específica que deseja, isto é, o objeto de que neces-sita para atender à sua demanda, sob pena de vir a contratar uma solução que não irá satisfazer sua necessidade. Ademais, para que os agentes econômicos (terceiros) possam fazer ofertas e assumir um encargo, é indispensável que saibam, de forma precisa, o que a Administração pretende contratar. Essa é a condição básica a ser atendida pela Administração, sob pena de não poder licitar.

Portanto, a Administração precisará definir, de modo preciso, certo e determinado, o objeto a ser contratado, sob pena de não poder colocá-lo em disputa. Todas as condições e exigências a serem contempladas na definição do objeto (da solução) devem ter funda-mento de validade na própria necessidade que determina e deflagra o processo de contratação. Antes de definir o objeto a ser contratado, cabe à Administração identificar e dimensionar todas as peculiarida-des que caracterizam a sua necessidade. Uma coisa decorre da outra e, mais do que isso, tem nela o seu fundamento de validade.

Em razão da lógica proposta, a ordem jurídica impõe que a Administração defina, de forma objetiva, a solução capaz de atender à sua necessidade, caso contrário, não terá como preservar o benefí-cio que deseja obter nem selecionar, de forma isonômica, o terceiro. Por um lado, é preciso garantir o que se deseja obter, por outro, é necessário oportunizar igualdade a todos os agentes que atuam no mercado. A propósito, o raciocínio que estruturou o regime jurídico da contratação pública segue essa exata ordem lógica. Primeiro se deve garantir a satisfação da necessidade e, somente após isso, pode--se pensar em garantia da isonomia. A possibilidade de assegurar tra-tamento isonômico é condicionada pela satisfação da necessidade, e não o contrário. As peculiaridades que envolvem a necessidade deter-minarão a natureza do procedimento a ser adotado na fase externa do processo (licitação ou a sua inexigência) para selecionar o ter-ceiro (parceiro), pois dirão se a competição é ou não viável, ou seja, se haverá ou não possibilidade de licitar. Ademais, a ideia de viabili-dade ou não de competição aparta o procedimento a ser adotado na

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fase externa do processo de contratação e determinará o cabimento da licitação ou da inexigência.

A lógica fundamental que norteia toda a estruturação do regime jurídico da contratação pública é a acima exposta. Há situa-ções, no entanto, que impedem que a Administração reduza a solu-ção desejada a um padrão objetivo. Quando não for possível definir e estabelecer um padrão de objetividade preciso para o que se quer contratar, não se poderá garantir tratamento isonômico entre os agentes que atuam no mercado, em razão da incerteza do próprio resultado a ser obtido ou em função da impossibilidade de realizar julgamento objetivo e comparação das próprias propostas que serão apresentadas. As peculiaridades que envolvem esse tipo de contra-tação tornam a licitação um caminho pavimentado com muita inse-gurança e elevado grau de risco, que não pode ser aceito, nem o próprio legislador aceitou.

A ordem jurídica contempla a contratação em que é possível garantir tratamento isonômico em razão do padrão de objetividade que a solução desejada possui, bem como a que não possibilita o cumprimento dessa condição. Essas duas possibilidades são absolu-tamente legais e têm igual importância no ordenamento vigente.

4. 4. a Viabilidade da competição como pressuposto da licitação

A licitação está associada diretamente à ideia de tratamento iso-nômico, isto é, a licitação existe enquanto valor jurídico se for possí-vel garantir seleção isonômica. Para garanti-la, é indispensável, além da possibilidade real de disputa, que haja possibilidade de realizar a escolha do parceiro (terceiro) por meio de critério objetivo de julga-mento. Por meio desses critérios objetivos se garante o esperado trata-mento isonômico e, consequentemente, viabiliza-se a competição.65 A ideia de licitação, portanto, está diretamente associada à de via-bilidade de competição. E, se não for possível assegurá-la, uma vez

65 É certo também que a possibilidade de competição não depende somente de critério objetivo, mas também da possibilidade real de disputa.

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que ela é pressuposto da licitação, estaremos diante da possibilidade jurídica denominada de inexigibilidade, conforme já vimos em capí-tulo precedente.

A fronteira que separa o dever de licitar e o afastamento da lici-tação é, fundamentalmente, a ideia de competição. Portanto, com-preender o significado do substantivo “competição” em matéria de contratação pública é essencial. Aliás, não é possível atuar com segu-rança na área da contratação pública sem saber o que é competição.

5. 5. a Visão equiVocada de que a licitação é a regra

É equivocada a afirmação de que a licitação é a regra, e a ine-xigibilidade é a exceção. A licitação será a regra se a competição for viável. Por outro lado, se a competição for inviável, a regra será a ine-xigência. Portanto, a ideia de regra e de exceção é relativa, pois é determinada em razão da possibilidade de competição.

Cumpre notar, no entanto, que, diante da inviabilidade de competição, a licitação é vedada, ou seja, não tem o agente público discricionariedade para escolher entre afastá-la ou realizá-la. Confi-gurada essa inviabilidade, a única alternativa legal é tornar a licita-ção inexigível. Assim, a inexigibilidade pode ser entendida também como a proibição de realizar a licitação quando a competição se revela inviável.

Proibir a licitação quando inviável a competição é proteger o interesse público, de modo a afastar a potencialidade de risco irre-parável que a licitação poderia produzir em razão das características que envolvem a pretendida contratação, como no caso de contrata-ção de serviços de natureza singular. Da mesma forma que se deve censurar a contratação por inexigibilidade quando não estiver pre-sente o seu pressuposto, também se pode considerar ilegal a con-tratação por licitação quando a competição não for viável. Essa é a essência do regime jurídico da contratação que decorre do próprio inc. XXI do art. 37 da CF.

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6. 6. o sentido jurídico da palaVra “competição” empregada no caput do art. 25 da lei nº 8.666/93

A palavra “competição” empregada no caput do art. 25 da Lei nº 8.666/93 tem sentido e conteúdo propriamente jurídicos, ou seja, não pode ser tomada no sentido em que normalmente é utilizada pelos dicionaristas, pois isso deturparia o seu verdadeiro significado no contexto do citado art. 25. Essa palavra comporta significações distintas e, inclusive, antagônicas entre si. Por isso é difícil compreen-der o cabimento dessa hipótese de inexigibilidade.

A dificuldade apontada resulta do fato de que se tem dado à palavra “competição” um sentido único: o de disputa. Aliás, essa é uma das acepções que os dicionaristas atribuem ao termo. Esse sen-tido é até correto, sob o ponto de vista jurídico, mas apenas para fins de interpretação do inc. I do art. 25 da Lei nº 8.666/93, e não para interpretar o inc. II do referido preceito. De fato, o inc. I expressa a noção de inviabilidade de competição em razão da impossibilidade de disputa, mas, repita-se, não o inc. II.

A ideia da existência de fornecedor ou prestador exclusivo, de fato e de direito, torna a disputa impossível e a competição inviável. Para fins do inc. I do art. 25, inviabilidade de competição é exata-mente o mesmo que impossibilidade de disputa. Nesse sentido, se há mais de uma pessoa66 capaz de fornecer o que a Administração deseja e definiu objetivamente, é inaplicável a hipótese prevista no inc. I do art. 25, pois, nesse caso, a disputa (competição) é viável.

Por outro lado, para fins do inc. II do art. 25 da Lei nº 8.666/93, a palavra “competição” nada tem a ver com disputa, mas sim com a impossibilidade de definir parâmetro ou critério objetivo para esco-lher a melhor solução em razão das peculiaridades que revestem e caracterizam o serviço (objeto). Não se trata de eventual incompe-tência ou inaptidão do agente público responsável em definir objeti-vamente a solução (o objeto), mas da própria incapacidade humana

66 Fala-se em pessoa, e não em objeto, pois se houver mais de um objeto capaz de aten-der à Administração e somente puderem ser fornecidos por uma única pessoa, haverá igualmente impossibilidade de disputa.

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de reduzir condições abstratas a um padrão concreto e objetivo para escolher a que melhor atenderá à sua necessidade. Há uma diferença entre incompetência e incapacidade. No sentido empre-gado, a incompetência revelaria a inaptidão ou imperícia de algumas pessoas, ao passo que a incapacidade é de todos, e não apenas de alguns. Portanto, o problema descrito é de incapacidade humana, e não de inaptidão do agente A ou B.

A finalidade da contratação é fundamentalmente garantir a satisfação da necessidade.67 Tal satisfação deve ser alcançada, pre-ferencialmente, por meio de uma seleção que assegure igualdade a todos os potenciais interessados no negócio. É nisso que se tra-duz o princípio da igualdade, e dele decorre a ideia de licitação. No entanto, existem situações em que o legislador reconheceu que a igualdade não deve ser assegurada nos termos expostos, pois, se isso ocorresse, haveria potencialidade de causar prejuízo à própria satis-fação da necessidade, ou seja, ao interesse público. Cabe lembrar que a satisfação da necessidade representa valor jurídico com supre-macia sobre a própria garantia da igualdade, ou seja, sempre que o tratamento isonômico puder causar dano à satisfação da necessi-dade, esta deve ser atendida sem que a igualdade seja assegurada. É a lógica que preside o regime jurídico constitucional da contratação pública e que decorre do próprio inc. XXI do art. 37 da CF.

Com efeito, a inviabilidade especial de competição que o legis-lador descreveu no inc. II do art. 25 da Lei nº 8.666/93 tem sentido de “impossibilidade de assegurar tratamento isonômico” na seleção do terceiro que irá atender à demanda da Administração. Ela resulta da impossibilidade de definir qual é a solução adequada, notada-mente sob o seu aspecto qualitativo, capaz de atender plenamente à necessidade da Administração e de escolher quem irá viabilizá--la por meio de critério objetivo, de acordo com um procedimento isento de subjetividade.

Em vista da complexidade ou peculiaridade presente em determinados tipos de serviços, no máximo, consegue-se descrever

67 Não se deve confundir a finalidade da contratação com a da licitação, que é obter a melhor relação benefício-custo.

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genericamente o serviço desejado e definir, em linhas gerais, o que se quer, sem garantir a obtenção do melhor benefício capaz de asse-gurar a plena satisfação da necessidade. Quando o objeto a ser exe-cutado é revestido de características peculiares, a sua simples indica-ção genérica não possibilitará a obtenção da melhor relação benefí-cio-custo, que é a finalidade da fase externa do processo de contra-tação, conforme já explicamos. A imprecisão em torno da solução e a incerteza quanto à obtenção da plena satisfação da necessidade autorizam a escolha do contratado por meio de procedimento pró-prio e que não se confunde com o da licitação.

O meio legal (procedimento pré-contratual) não pode ser ine-ficaz para assegurar a obtenção do fim desejado (plena satisfação da necessidade). A licitação, como meio, é ineficaz para atender à con-tratação de serviços intelectuais de um modo em geral. Aliás, foi isso que o legislador determinou. A propósito, essa questão foi muito bem sintetizada na Súmula nº 39 do TCU, cuja análise é feita no capítulo seguinte.

7. 7. os diferentes tipos de singularidade

No contexto da contratação pública, é possível atribuir à pala-vra “singular” os seguintes sentidos: a) a solução (o objeto) é singu-lar quando ela é única, ou seja, não existe outra opção a ser con-siderada em comparação a ela como um equivalente perfeito; o objeto é singular por ser único, como nos incs. X e XV do art. 24 da Lei nº 8.666/93; b) há também a singularidade em relação à pes-soa quando houver apenas um único fornecedor em condições de viabilizar o objeto que a Administração deseja para atender à sua necessidade, a exemplo da singularidade de fornecedor descrita no inc. I do art. 25 da Lei nº 8.666/93; c) também é possível dizer que uma pessoa é singular quando reúne determinadas características que a individualizam dos demais profissionais atuantes na mesma atividade, como na hipótese do inc. III do art. 25 da Lei nº 8.666/93; d) outro tipo de singularidade envolve a impossibilidade de reduzir a solução desejada a um padrão objetivo capaz de permitir a esco-lha por critérios objetivos.

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O tipo de singularidade de que trata o inc. II do art. 25 da Lei nº 8.666/93 é o descrito no item (d). Ao aludir aos serviços técnicos profissionais especializados, de natureza singular, o legislador pre-tendeu se referir aos serviços que não podem ser reduzidos a um padrão objetivo de descrição e julgamento, permitindo que a Admi-nistração tenha sua necessidade plenamente satisfeita.

Com isso se reconhece que existem dois tipos de serviços: os que podem ser reduzidos a um padrão de objetividade e os que não podem. E os que não podem são tidos como singulares. Portanto, sin-gularidade é sinônimo de ausência de objetividade. Mas se trata de uma objetividade eficaz, ou seja, que permite obter a plena satisfação da necessidade.

É indispensável, então, fixar um parâmetro de distinção entre, pelo menos, dois tipos de serviços técnicos profissionais especializa-dos: um que é singular e outro que não é. Afinal, qual traço os distin-gue? Qual condição permite dizer que um tipo de serviço é singular e o outro não? Tais questões serão respondidas abaixo.

8. 8. singularidade versus objetiVidade

Nos exatos termos do inc. II do art. 25 da Lei nº 8.666/93, o que torna um serviço singular é a impossibilidade de realizar a sele-ção e a escolha de quem vai executá-lo mediante critério objetivo. É a impossibilidade de fixar uma configuração objetiva para definir pre-cisamente o que se quer, além de um critério de julgamento fundado em fatores de ordem objetiva. É isso que faz com que o serviço téc-nico profissional especializado seja singular.

A questão toda está relacionada com o processo de escolha do terceiro, isto é, do parceiro que será contratado para viabilizar a solu-ção para o problema. A Administração sabe qual o problema (neces-sidade) que deve ser resolvido e qual o tipo de solução (genérica) que deve ser adotado para resolver o problema. No entanto, não conse-gue definir, de forma objetiva, a solução específica capaz de atender plenamente à sua necessidade. Por conta disso, não pode viabilizar

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uma seleção isonômica para escolher o terceiro competente para executar a desejada solução.

E não consegue porque se trata de um serviço que apresenta complexidade técnica e deve ser feito sob encomenda por um ter-ceiro, devendo este reunir um conjunto de atributos que não podem ser mensurados por critérios objetivos. A razão disso é simples: a ciência ainda não consegue medir determinados atributos que apre-sentam configuração abstrata decorrentes da capacidade intelectual humana.

A singularidade que caracteriza os serviços técnicos profissio-nais especializados (e os intelectuais, obviamente) não pode ser defi-nida objetivamente, pois os ingredientes (elementos) que a caracteri-zam não podem ser reduzidos a um padrão objetivo, mensurável. Tais elementos, fatores ou condições são de natureza subjetiva, ou seja, somente podem ser avaliados por um padrão não mensurável objeti-vamente, mas apenas subjetivamente. Essa impossibilidade pertence ao mundo do “ser”, e não do “dever ser”. Não adianta a ordem jurí-dica exigir critério objetivo de julgamento para mensurar tal singulari-dade, porque ela continuará a ser incomensurável objetivamente.

A objetividade de que se fala é específica. Não basta a fixa-ção de uma descrição generalista ou de quaisquer fatores objetivos, deve haver padrão objetivo capaz de assegurar a plena satisfação da necessidade. Portanto, não é suficiente que a Administração opte por determinadas condições objetivas se elas não forem capazes de garantir o cumprimento do encargo desejado. A eleição das caracte-rísticas, descrição ou fatores objetivos deve ser eficiente e eficaz para assegurar o resultado esperado, sob pena de serem impertinentes.

9. 9. o que são serViços técnicos profissionais especializados ou serViços intelectuais?

A Lei nº 8.666/93, no seu art. 13, relaciona um conjunto de ati-vidades e dá a ele o rótulo de serviços técnicos profissionais espe-cializados. Não há dúvida de que as atividades indicadas no refe-rido preceito constituem de fato serviços técnicos. O problema é

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saber se o rol de atividades nele indicado é taxativo ou exemplifi-cativo, ou seja, se, sob o ponto de vista jurídico, devem ser consi-deradas como serviços técnicos profissionais especializados apenas as atividades enunciadas expressamente no referido preceito ou se outras atividades tidas como técnicas também podem ser admitidas, mesmo não relacionadas entre as que integram o referido rol. No próximo capítulo expressaremos entendimento de que o rol do art. 13 da Lei nº 8.666/93 é meramente exemplificativo, e não taxativo. Neste momento, cabe apenas afirmar que a ordem jurídica não diz o que são tais serviços técnicos, apenas arrola algumas atividades que devem ser assim consideradas.

Em vez de fazer a mesma opção do legislador, de apenas rela-cionar algumas atividades, seguiremos outro caminho. Tentaremos ir um pouco mais além e indicar algumas características que devem estar presentes nesses serviços. Serviços técnicos profissionais espe-cializados constituem um conjunto específico de atividades carac-terizadas por determinados traços e peculiaridades que as distin-guem de outras atividades humanas. Ainda que de difícil definição em termos diretos e precisos, é possível reunir as propriedades que os caracterizam.

O serviço técnico profissional especializado (atividade intelec-tual) depende da conjugação articulada de alguns ingredientes:

a) Conhecimento teórico e prático;

b) Experiência com situações de idêntico grau de complexidade;

c) Capacidade de compreender e dimensionar o problema a ser resolvido;

d) Capacidade para idealizar e construir a solução para o problema;

e) Aptidão para excepcionar situações não compreendidas na solução a ser proposta ou apresentada;

f) Capacidade didática para comunicar a solução idealizada;

g) Raciocínio sistêmico e facilidade de manipular valores diversos e por vezes contraditórios;

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h) Aptidão para articular ideias e estratégias em concatenação lógica;

i) Capacidade de produzir convencimento e estimar riscos envolvidos;

j) Capacidade de inovar;

k) Criatividade e talento para contornar problemas difíceis e produzir uma solução plenamente satisfatória.

Esses ingredientes precisam estar reunidos e ser aplicados em perspectiva unitária (sistêmica). Uma pessoa pode dispor de um ou mais dos ingredientes e mesmo assim não conseguir produzir o resultado esperado com qualidade. É preciso capacidade de arti-cular simultaneamente todos os fatores indicados. Se os serviços técnicos fossem comparados a uma receita culinária, seria possí-vel indicar os ingredientes necessários, mas não o modo de pre-paro para produzir o resultado esperado. Fundamentalmente, ser-viço singular é aquele cujo resultado final não se consegue mensu-rar e precisar, mas apenas os ingredientes que devem estar reuni-dos para que esse resultado seja obtido. Até seria possível falar em objetividade no tocante ao meio, mas não em relação ao resultado final. Mesmo assim, a objetividade em relação ao meio é mais de aparência (rótulo) do que de conteúdo, pois não se consegue definir e precisar, por exemplo, o que é criatividade, mesmo que se reco-nheça que ela é necessária em determinada situação.

10. 10. a singularidade é da pessoa ou do serViço?

Essa é uma questão das mais difíceis. Sob o ponto de vista mera-mente literal, a singularidade é do serviço, e não da pessoa que irá executá-lo, pois o inc. II do art. 25 da Lei nº 8.666/93 diz textual-mente: “para a contratação de serviços técnicos enumerados no art. 13 desta Lei, de natureza singular”. No entanto, serviços técnicos não crescem em árvores, eles são o resultado da atuação pessoal de um ser humano, operando isoladamente ou em organização (empresa, entidade, etc.). Logo, para que o serviço técnico possa ser singular, a pessoa que o produz deve ser singular.

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Na medida em que o serviço é o produto final de uma atuação profissional, somente será singular se quem o produz for sabidamente e antecipadamente singular. Há vinculação direta e necessária entre a singularidade do serviço e a da pessoa, que se revela na ideia de notó-ria especialização. Mas é possível também reconhecer que há uma sin-gularidade que envolve a solução desejada (que se traduz no serviço a ser executado). Tal solução pode ser dissociada da pessoa que irá via-bilizá-la futuramente. Com base na necessidade ou no problema a ser resolvido, pode-se concluir que a solução (objeto) capaz de atender à demanda da Administração possui características peculiares que a tor-nam singular. Por isso é difícil precisar se a singularidade é da pessoa ou do serviço, o que não impede um esforço nessa direção.

A primeira coisa a ser compreendida é a ideia de necessidade ou de problema. Portanto, a Administração tem um problema e pre-cisa resolvê-lo. A segunda é avaliar o grau de complexidade do pro-blema. E a terceira é verificar o tipo de solução para ele, em razão das peculiaridades que o envolvem. Se a solução para o problema for um serviço técnico profissional, o próximo passo é avaliar o grau de com-plexidade para executar o serviço, bem como definir, de forma obje-tiva, o que se deseja contratar. Essa objetividade tem relação direta com o nível de precisão e exatidão, não pode ser imprecisa, em vir-tude do grau de complexidade do problema e pelo fato de que ser-viço é atividade de resultado, isto é, só se saberá se é plenamente satisfatório ou não depois de executado. A questão aqui é reduzir ris-cos para obter o plenamente satisfatório.

Diante de complexidade técnica sem poder68 definir a solu-ção (objeto) desejada de forma objetiva, a alternativa é considerá-la como singular; isso exigirá, em princípio, um profissional notoria-mente especializado.

A complexidade do problema determinará o nível de especiali-zação da pessoa, pois o serviço é apenas o resultado da sua atuação, ou seja, o resultado não pode ser avaliado, pois não existe pronto e acabado como um objeto tangível (computador, máquina, veículo,

68 Não é que não se quer, não é possível mesmo.

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etc.), precisará ser executado e somente após é que poderá ser ava-liado. Serviço técnico a ser feito sob encomenda é tipicamente ati-vidade de resultado.

Dessa forma, com base no grau de complexidade do problema será definido o nível de especialidade da pessoa a ser contratada. Se o problema a ser resolvido é simples, de reduzido grau de comple-xidade técnica, bastará contratar uma pessoa com nível básico de conhecimento técnico e alguma experiência. Se o problema possui grau de complexidade mais elevado, será necessário contratar um profissional mais bem qualificado. A definição do grau de complexi-dade, aliada à impossibilidade de definição objetiva, determinará o nível de qualificação do profissional ou da empresa a ser contratada. E a avaliação do nível técnico da pessoa será realizada em razão dos diferentes ingredientes que ela precisará possuir. Tudo isso é subjeti-vo.69 No entanto, ao tratar da notória especialização, veremos que há um esforço no sentido de reduzir a subjetividade.

Contudo, se houver a necessidade de deter e manipular os ingre-dientes apontados e, além disso, de razoável dosagem de criatividade e talento para produzir a solução, não restará nenhuma dúvida de que a pessoa a ser contratada deve ser singular.70 Caso contrário, o serviço – que é o resultado da sua atuação – provavelmente não será. É preciso lembrar sempre que o planejamento de uma contratação envolve, entre outras coisas, a redução do risco de não atender ple-namente à necessidade da Administração.

As peculiaridades que revestem o problema (a necessidade) é que exigem uma solução singular para ele, e esta somente pode ser obtida por meio de pessoa notoriamente especializada. Nesse sentido, a singularidade da solução é determinada pela necessidade que con-diciona a escolha de um profissional notoriamente especializado. Em face de tal raciocínio fica mais fácil entender por que o legislador utili-zou o adjetivo “singular” para qualificar o serviço, e não o profissional, mesmo tendo este também que possuir singularidade.

69 É importante ter a clareza de que avaliação subjetiva não é algo proibido na ordem jurí-dica. O julgamento subjetivo só está proibido quando o objetivo puder ser realizado.

70 Singular aqui é sinônimo de notória especialização.

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11. 11. quando é possíVel ou não licitar serViços técnicos profissionais especializados ou intelectuais

Em princípio, o legislador deveria ter determinado expressa-mente (com todas as letras) que todos os problemas ou situações que fossem revestidos de complexidade técnica e que não pudessem ser definidos e avaliados por parâmetros ou critérios objetivos de julga-mento teriam de ser contratados por inexigibilidade, ou seja, a licita-ção não deveria ser realizada. Mas o fato de não ter se valido de todas as letras para a exigência não significa que não seja exatamente isso que a ordem jurídica determina.71

O art. 46 diz que os serviços técnicos profissionais especiali-zados devem ser contratados por licitação do tipo melhor técnica ou técnica e preço. Tal determinação deve ser vista com a devida cau-tela que a natureza do objeto referido exige. A licitação tem como pressupostos fundamentais a garantia de igualdade e, por decorrên-cia dela, a definição do vencedor por critério objetivo de julgamento, pois, se não reunidas essas condições, não há como exigir a licitação, ela será inexigível. Logo, a conclusão lógica é que somente é possí-vel licitar um serviço intelectual quando ele puder ser definido de forma objetiva, de modo a permitir, inclusive, julgamento por crité-rios objetivos.

É preciso dar ao art. 46 da Lei nº 8.666/93 uma interpretação restritiva, e não ampliativa. A interpretação ampliativa é mais do que ilegal, é inconstitucional, por ferir frontalmente o conteúdo essen-cial do inc. XXI do art. 37 da CF e por afrontar o princípio da eficiên-cia. Portanto, a contratação de profissional ou empresa para execu-tar serviços técnicos profissionais especializados ou serviços intelec-tuais por licitação somente pode ser realizada quando for possível defini-los objetivamente. Se não for possível reduzi-los a um padrão de objetividade de modo a fixar critério objetivo de julgamento, a licitação não pode ser realizada.

71 Na ordem jurídica, é preciso separar o que está escrito daquilo que está dito. Esse é um dos problemas centrais da interpretação jurídica.

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Por outro lado, o § 1º do art. 13 da Lei nº 8.666/93 determina que, ressalvados os casos de inexigência de licitação, os contratos para a prestação dos serviços técnicos profissionais especializados deverão, preferencialmente, ser celebrados mediante a realização de concurso, com estipulação prévia de prêmio ou remuneração. O concurso é indicado no art. 22 da Lei nº 8.666/93 como modalidade de licitação.

No entanto, o concurso pode ser qualquer outra coisa, menos uma modalidade de licitação.72 Tal afirmação assenta-se na ideia de que, como dissemos e reiteramos, a licitação tem como pressuposto, além da igualdade, a obrigatoriedade de assegurar critério objetivo de julgamento. E não é possível julgar um trabalho técnico, científico ou artístico por meio de critério objetivo. A ciência ainda não atin-giu esse estágio e é provável que não o atinja nos próximos 100 anos.

O caput do art. 25 diz, de forma direta, que é inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição. A inviabi-lidade de competição ocorre, fundamentalmente, quando não é possível garantir os pressupostos da licitação, ou seja, a isonomia e o critério objetivo de julgamento. A propósito, o critério objetivo de julgamento traduz – de forma peculiar – a própria isonomia, pois, se o julgamento for subjetivo, não haverá igualdade no sen-tido material, ainda que ela possa existir no seu sentido formal. O critério objetivo de julgamento possibilitará que a isonomia seja realmente garantida.

O inc. II do art. 25 determina que é inexigível a licitação para a contratação de serviços técnicos profissionais especializados, de natureza singular, com profissional ou empresa de notória especia-lização. No entanto, é inegável que há um fundamento genérico de inexigibilidade previsto no caput do art. 25 da Lei nº 8.666/93, que é

72 Entendemos atualmente que o concurso não é modalidade de licitação, mas de ine-xigibilidade, pois a licitação pressupõe a necessária viabilidade de competição e, na seleção de trabalhos técnicos, científicos e artísticos, é inviável a competição, não em razão da impossibilidade de disputa, mas por não ser possível definir crité-rio objetivo para realizar a escolha. A impossibilidade de fixação de critério objetivo torna a licitação inexigível, porque, sem ele, não se pode assegurar tratamento isonô-mico, ou seja, não se consegue viabilizar o próprio pressuposto da licitação.

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independente da previsão específica disposta no seu inc. II, ou seja, a contratação de serviços técnicos profissionais especializados não é regulada apenas pelo inc. II do referido art. 25.

Com isso, a contratação de serviços técnicos profissionais espe-cializados ou serviços intelectuais, de natureza singular,73 pode ser feita com fundamento na previsão genérica do caput do art. 25 da Lei nº 8.666/93 ou no seu inc. II. Isso não pode causar qualquer espanto, pois se reconhece que é o conteúdo do caput que condiciona o inc. II, e não o contrário, sob pena de produzir – como conclusão – uma verdadeira aberração jurídica. Aliás, referida independência entre o caput e o inc. II do art. 25 da Lei nº 8.666/93 já é reconhecida pela doutrina especializada.

A interpretação conjunta do art. 46, do § 1º do art. 13, do caput e inc. II do art. 25, todos da Lei nº 8.666/93, possibilita o reconheci-mento das seguintes conclusões:

a) Os serviços técnicos profissionais especializados ou intelec-tuais devem ser contratados, em regra, sem licitação, o que implica dizer: por inexigibilidade.

b) A contratação por inexigibilidade pode ser feita tanto com base no caput como no inc. II do art. 25 da Lei nº 8.666/93.

c) O concurso é procedimento que se afina mais com a inexi-gibilidade do que com a licitação. Devemos reservar o con-curso para determinadas situações em que se reconhece a inviabilidade de competição pela impossibilidade de fixação de critério objetivo de julgamento. No entanto, a adoção do concurso deve ser guardada para soluções bem peculiares e específicas, pois ele pressupõe que o objeto (serviço técnico, científico ou artístico) seja previamente elaborado para ser submetido a julgamento, o que não se confunde com o tipo de contratação de que estamos tratando.

73 E é singular porque não pode ser definido em termos absolutos ou não possibilita jul-gamento por parâmetros objetivos.

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d) A contratação dos serviços técnicos profissionais especiali-zados ou intelectuais deve ser realizada por meio de lici-tação apenas quando for possível definir um critério obje-tivo de julgamento. Se viável definir precisamente o objeto e o consequente critério objetivo de julgamento, a licitação deve ser realizada obrigatoriamente pelo tipo melhor técnica ou técnica e preço. O tipo menor preço não deve ser, em princípio, adotado.

e) O art. 46 da Lei nº 8.666/93 prevê que “os tipos de licitação melhor técnica ou técnica e preço serão utilizados exclusi-vamente para serviços de natureza predominantemente inte-lectual”, e não que os serviços intelectuais devem ser contra-tados obrigatoriamente por licitação. Esse artigo determina que, se é possível licitar os serviços intelectuais, que seja por melhor técnica e técnica e preço, e não por menor preço. Mas há uma condição a ser observada para a licitação desses serviços: possibilidade de definição objetiva e julgamento pela mesma forma.

12. 12. a descrição objetiVa da solução/do objeto e a realização de licitação

Para licitar, é preciso que a solução (objeto) seja definida de forma precisa, clara, específica. Não basta uma indicação genérica; é indispensável definir de forma precisa, sob pena de não conse-guir resguardar a satisfação da própria necessidade da Administra-ção e de não possibilitar que os agentes que atuam no mercado sai-bam exatamente o que se deseja contratar. Ademais, se não se sabe o que se quer, qualquer coisa serve. E é evidente que isso não pode ser aceito.

É dever da Administração identificar com precisão sua neces-sidade, isto é, o seu problema. A necessidade antecede a definição da solução e a condiciona. Depois de identificar exatamente o pro-blema, o próximo passo é definir a solução/o objeto. Nesse momento, duas coisas podem ocorrer.

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A primeira delas é a Administração não conseguir estabelecer objetivamente a solução/o objeto de forma a garantir a plena satisfação da sua necessidade. A impossibilidade da definição do referido padrão objetivo não pode decorrer de pura incapacidade técnica do agente responsável, mas de uma impossibilidade humana e que afeta qual-quer pessoa, por mais qualificada que seja. Diante dessa situação, a contratação deverá ser feita por inexigência, e não por licitação.

A segunda possibilidade é conseguir traduzir objetivamente a solução/o objeto de forma a garantir a plena satisfação da sua necessi-dade. Diante dessa possibilidade, mais duas situações podem ocorrer.

A primeira é a Administração reconhecer que, mesmo a solu-ção tendo sido definida ou reduzida a um padrão objetivo, é necessá-rio contratar alguém muito qualificado, pois é preciso reduzir os ris-cos que envolvem o resultado da contratação. Nesse caso, deve ser realizada a licitação por técnica e preço ou melhor técnica.

Na segunda hipótese, seria até admissível o tipo menor preço, desde que todo o risco fosse reduzido exclusivamente por conta da descrição do objeto, e a qualificação da pessoa a ser contratada, apu-rada no regular processo de habilitação. Apesar de parecer desneces-sário, é adequado afirmar que não se pode adotar o pregão, mesmo se o tipo for menor preço. A razão é simples: a análise da habilitação deve preceder e condicionar a dos preços se o objeto da licitação é serviço técnico profissional, e não o contrário.74 Mas, de qualquer forma, cabe reiterar que a utilização do tipo menor preço deve ser vista com muita restrição.

13. 13. a questão da redução dos riscos e a garantia da segurança

Essencialmente, ninguém contrata serviço técnico profissional especializado que precisa ser realizado sob encomenda. O que faze-mos é contratar uma pessoa (física ou jurídica) para executar uma

74 Essa questão já foi tratada em aprofundado estudo publicado na Revista Zênite – Informativo de Licitações e Contratos (ILC), n. 193, mar. 2010, p. 268.

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atividade intelectual, cujo resultado é o serviço técnico. Da mesma forma, ninguém contrata uma obra de engenharia, pois contratamos uma pessoa (empreiteira) que reúne um conjunto de recursos (técni-cos, humanos, instrumentais, materiais, tecnológicos, de logística, de gestão, etc.) para executar um projeto, e em razão disso é que pode-remos ter uma obra, ou não. Ademais, o projeto (solução) é (ou deve ser) a medida exata da necessidade (problema).

Os serviços que envolvem atividade intelectual e cujo problema é revestido de complexidade exigem um cuidado muito especial por parte da Administração. O cuidado justifica-se em razão do elevado risco que esse tipo de encargo envolve.

Assim, quando o procedimento a ser adotado for o da licitação, além da obrigatoriedade de assegurar o adequado tratamento isonô-mico e o necessário julgamento objetivo, é indispensável a redução de todos os riscos possíveis que o tipo de contratação pode repre-sentar. Fala-se em redução, e não em eliminação, pois é impossível a eliminação dos riscos, visto que não se consegue controlar todas as variáveis, pois muitas delas são episódicas ou desconhecidas. O que podemos e devemos fazer é reduzir os riscos que são identificados por ocasião do planejamento.

O grau de risco das contratações tem relação direta com qua-tro variáveis básicas: a) complexidade do problema a ser resolvido; b) possibilidade de definição precisa da solução (objeto) a ser rea-lizada pelo terceiro; c) nível de exigência de capacidade técnica do terceiro; e d) necessidade de que a solução para o problema seja produzida diretamente pelo próprio terceiro.

Se o problema apresenta elevado grau de complexidade, e a solução deve ser viabilizada diretamente pelo próprio contratado, pessoa física ou jurídica, ele deverá deter considerável grau de espe-cialização para atender plenamente à demanda, como condição necessária para reduzir o risco no tocante ao resultado final. Todo o esforço em relação à garantia da segurança para a contratação deve objetivar o compromisso da plena satisfação da necessidade, a razão de ser da própria contratação pública.

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No entanto, se o problema apresenta razoável grau de com-plexidade e não se consegue definir a solução em termos objetivos, o cenário não é animador. Ele se agrava ainda mais quando a solu-ção, que não se sabe ainda qual é (em termos específicos), tem de ser feita por uma pessoa que deve deter capacidade técnica, e essa capacidade é, de certa forma, também difícil de ser apurada ou men-surada em termos objetivos. Diante desse cenário, o legislador fez o que qualquer ser razoavelmente inteligente faria: impôs que se con-tratasse pessoa notoriamente especializada. A decisão foi no sentido de reduzir ao máximo o risco em face da complexidade e da singu-laridade que o serviço75 envolve. Se alguém pode minimizar o risco potencial, é o notoriamente especializado, e mais ninguém. Esse foi o raciocínio lógico que norteou a decisão do legislador de exigir que serviços técnicos profissionais de natureza singular sejam contratados com profissionais e empresas de notória especialização.

A contratação de serviços técnicos profissionais especializa-dos ou serviços que se revestem de intelectualidade apresenta o grau mais elevado de risco para a Administração. Esse grau pode variar. Assim, a complexidade do que deve ser feito, o grau de risco envol-vido, aliado à impossibilidade de definir com precisão e objetividade o objeto que atenderá plenamente à necessidade da Administração, bem como a incapacidade humana de aferi-la criam uma situação peculiar para o afastamento da licitação. Mais do que isso, criam uma proibição legal, qual seja, a de que a licitação está proibida e não pode ser realizada. Parece um pouco radical a afirmação em torno da proibição, mas não é.

14. 14. a notória especialização

Se o serviço, pela sua conformação, característica ou mesmo seu nível de complexidade técnica, não pode ser definido e julgado objetivamente, deve ser considerado singular, para os fins do inc. II do art. 25 da Lei nº 8.666/93.

75 Cumpre apenas dizer que não têm o mesmo sentido as expressões “serviço singular” e “serviço complexo”, pois os serviços singulares são complexos, mas nem todos os serviços complexos são singulares.

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Se ele não pode ser definido de forma objetiva, porque é impos-sível precisar a solução, como resolver o problema da incerteza em relação ao resultado a ser produzido? Como reduzir o risco e aumen-tar a segurança da contratação? Como não é possível eliminar o risco, mas sim reduzi-lo, a forma encontrada pelo legislador para isso foi determinar que a contratação fosse feita diretamente com quem tem notória especialização.

Ao definir notória especialização no § 1º do art. 25 da Lei nº 8.666/93, o legislador enuncia:

considera-se de notória especialização o profissional ou empresa cujo conceito no campo de sua especialidade, decorrente de desempenho anterior, estudos, experiências, publicações, organização, aparelha-mento, equipe técnica, ou de outros requisitos relacionados com suas atividades, permita inferir que o seu trabalho é essencial e indiscutivel-mente o mais adequado à plena satisfação do objeto do contrato.

A análise dos termos do transcrito preceito revela que o legis-lador fez um esforço para dar o sentido mais objetivo possível para a notória especialização, de modo a atenuar a impossibilidade de redu-zir o serviço a um padrão objetivo, em razão das suas características e peculiaridades. Vale dizer, houve uma espécie de compensação, isto é, a apuração objetiva, que normalmente caracteriza o objeto (no caso, serviço), foi deslocada para o futuro prestador (profissional ou empresa notoriamente especializada), até porque o serviço é justa-mente o resultado da sua atuação pessoal. Essa opção legislativa foi necessária por conta das peculiaridades que envolvem os serviços téc-nicos e impedem que se proceda, por exemplo, tal como em uma aqui-sição de bens comuns, na qual é possível fixar uma definição objetiva para o que se deseja adquirir e estabelecer um critério, também obje-tivo, para escolher a melhor relação benefício-custo.

Nos termos do § 1º do art. 25 da Lei nº 8.666/93, a notória especialização do profissional ou da empresa permite apurar que o serviço a ser realizado é o mais adequado para a plena satisfação da necessidade da Administração (necessidade que se expressa no objeto do contrato). É preciso lembrar que o objeto deve ser a medida exata da solução para satisfazer a necessidade.

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Por sua vez, notória especialização é o conceito do qual algu-mas pessoas (físicas ou jurídicas) gozam em determinada área técnica em razão da sua reiterada atuação profissional e dos resultados obti-dos e percebidos pelos que nela operam de forma especializada. Tal reconhecimento ocorre com base em desempenho anterior, ou seja, é necessário que a atuação se faça em campo específico do conheci-mento (auditoria contábil, consultoria no campo da engenharia civil, naval, consultoria jurídica na área do direito societário, contratação pública, etc.). Em princípio, a atuação não pode ser generalista. Além de a atuação ser especializada, deve evidenciar uma experiência rei-terada e que imprima uma marca pessoal, própria, singular na sua atividade. É preciso que o profissional ou a empresa seja uma refe-rência positiva na sua área de atuação e de amplitude nacional. Com efeito, em regra, essas são algumas das características que devem reu-nir os notoriamente especializados.

O legislador fez um esforço para conferir objetividade a esse conceito ao dizer que ele decorre de desempenho anterior, estudos, experiências, publicações, organização, aparelhamento, equipe téc-nica ou de outros requisitos relacionados às suas atividades. Mas é preciso perceber que a notória especialização é fruto de um conjunto de fatores e condições, e não apenas de uma condição única e espe-cífica. Por exemplo, o desempenho anterior, isto é, a execução de outros serviços com as mesmas características e complexidade téc-nica, é um fator tal como o desenvolvimento de estudos, a realização de publicações, a organização, o aparelhamento material e tecnoló-gico e a equipe técnica. Trata-se de uma condição articulada e sistê-mica, não se reduz apenas a uma condição particular.

Sobre as condições que configuram a notória especialização, o legislador adotou relação meramente exemplificativa, na medida em que admite “outros requisitos relacionados com suas atividades”. É importante reconhecer que esses outros requisitos, embora relacio-nados às suas atividades, para ser sopesados, devem ser justificados em face das peculiaridades do serviço a ser executado, sob pena de não poder ser considerados. Ou seja, o que valida tal condição não é a relação com as atividades da pessoa, mas a sua adequação ao ser-viço que constitui o objeto do contrato.

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O legislador adotou como critério de escolha do profissional ou da empresa notoriamente especializada o que se pode chamar de confiança. No entanto, não se trata de uma confiança subjetiva, que decorre de mera preferência pessoal de quem decide sobre a contratação, mas de confiança objetiva, que tem seu fundamento de validade no próprio § 1º do art. 25 da Lei nº 8.666/93. Assim como existe uma boa-fé objetiva, também temos uma confiança objetiva.

Por fim, é preciso reconhecer que os contratos firmados com fundamento no inc. II do art. 25 da Lei nº 8.666/93 são contratos tipi-camente personalíssimos, ao contrário dos demais, que, como regra, são impessoais. A notória especialização fundada nos incs. II e III do art. 25 constitui exceção ao princípio do art. 37 da CF, que deter-mina tratamento impessoal nas relações da Administração. A impes-soalidade colocaria em risco a plena satisfação da necessidade. O choque entre esses dois valores ou princípios, isto é, entre o dever de garantir a impessoalidade e o de satisfazer plenamente a necessi-dade, deve ser resolvido em favor desse último, e a razão é simples: a finalidade da contratação não é garantir impessoalidade, mas satis-fazer a necessidade. O que não significa que não se deva fazer isso garantindo-se impessoalidade, mas apenas quando ela não colocar em risco o valor maior. Assim, a interpretação jurídica exige esse tipo de ponderação, sob pena de não se garantir a melhor solução.

15. 15. a relação benefício-custo na contratação pública

A finalidade precípua da contratação pública é satisfazer ple-namente a necessidade da Administração e, para isso, deve despen-der a menor76 quantia possível de recursos públicos.77 A satisfação da necessidade representa, para a Administração, a obtenção de um benefício. Para obtê-lo, deve pagar por ele. Há, portanto, uma relação entre o benefício e o custo, e ela norteia a fase externa da contratação pública. Mas é preciso lembrar que essa relação é regulada na fase interna, isto é, durante o planejamento da contratação.

76 O adjetivo “menor” deve sempre ser visto como algo relativo, e não absoluto, ou seja, o menor preço depende do benefício e é por ele condicionado.

77 Esse é o conteúdo jurídico da ideia de economicidade prevista no art. 70 da CF.

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Ademais, falar em fase externa é o mesmo que falar em licita-ção ou inexigência, pois é nela que tais procedimentos ocorrem. Mas a relação benefício-custo não é padrão, ou seja, na licitação ela será diferente da relação da inexigência, por exemplo. Da mesma forma, de acordo com o tipo de licitação, a relação também se altera.

Na licitação do tipo menor preço, define-se objetivamente o que se deseja e se estimula a disputa entre um grande número de compe-tidores. Ao final, deve-se contratar aquele que se dispõe a entregar o objeto tal como definido e a cobrar por isso o menor preço. Essa é a lógica que regula o tipo menor preço.

Na licitação do tipo técnica e preço, define-se um padrão de qualidade mínimo capaz de atender à necessidade da Administra-ção e estimula-se, por meio de pontuação, uma qualidade superior à mínima definida. O vencedor é o que apresenta a melhor rela-ção entre benefício (qualidade técnica) e custo (preço definido para a qualidade proposta). Tal relação é apurada em uma equação por meio de média ponderada.

Um estudo comparativo entre os tipos menor preço e téc-nica e preço revela que o ponto comum que os identifica é a quali-dade mínima definida e preservada, capaz de atender à necessidade mínima da Administração.

No entanto, quando há viabilidade de competição e se reco-nhece a necessidade de ampliar ou melhorar a qualidade mínima definida, deve-se adotar, por exemplo, o tipo técnica e preço, pois somente assim será possível potencializar o benefício esperado. No tipo menor preço, pretende-se pagar menos, pois a definição mínima do objeto é capaz de satisfazer plenamente a necessidade da Admi-nistração; o que se potencializa é o menor preço, e não o benefí-cio, pois este já está assegurado. No tipo técnica e preço, pretende--se potencializar o benefício, e não o menor preço,78 pois aquele ainda não está plenamente garantido, mas apenas minimamente. O adjetivo “plenamente” tem conteúdo muito significativo no campo da contratação pública.

78 Por isso se deve definir preço máximo, pois é ele que calibra a capacidade de desem-bolso da Administração.

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A hipótese de inexigibilidade prevista no caput e no inc. II do art. 25 da Lei nº 8.666/93 potencializa (muito) o benefício a ser obtido, e não o preço a ser pago por ele, em razão da complexidade e da sin-gularidade que caracterizam o próprio objeto e pelo fato de que ele somente poderá ser executado por uma pessoa com elevada qualifi-cação técnica. Se fosse visado o menor preço, haveria prejuízo irre-parável ao atendimento do interesse público. Isso não significa que é possível admitir a contratação de serviços técnicos profissionais espe-cializados a qualquer custo. Com a finalidade de regular essa questão, o legislador determinou, no § 2º do art. 25, que o eventual superfatu-ramento dos preços implicaria responsabilização jurídica dos agentes públicos e respectivos prestadores dos serviços.

Assim, há casos, como em compras e serviços comuns, em que se deve potencializar a obtenção de menores preços, desde que a qualidade mínima seja preservada. Na contratação de serviços téc-nicos profissionais especializados ou de natureza intelectual, o que se deve preservar é a qualidade do benefício a ser obtido, e não o preço a ser pago. Essa é a lógica que preside tanto as contratações que decorrem de licitação por técnica e preço como as que resul-tam de inexigibilidade fundada no caput e no inc. II do art. 25. Uma diferença entre ambas é a questão envolvendo a objetividade do que se deseja, pois em uma é possível definir tal objetividade, e na outra (inexigibilidade) não.

No entanto, independentemente do procedimento a ser ado-tado, a finalidade da fase externa é obter a melhor relação benefí-cio-custo, e o benefício condiciona sempre o preço, por isso utiliza-mos o binômio na ordem invertida, e não como tradicionalmente é utilizado (custo-benefício).

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Capítulo 14

A INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO NA VISÃO DO TCU

1. 1. eVolução histórica e posição adotada pelo tcu

O objetivo do presente capítulo é analisar como o Tribunal de Contas da União (TCU), a mais importante instituição de con-trole externo do País, tem interpretado uma das mais significativas hipóteses de inexigibilidade de licitação: o inc. II do art. 25 da Lei nº 8.666/93. Pretende-se fazer ponderações acerca da evolução do processo de interpretação que tem norteado o TCU, bem como regis-trar nosso entendimento sobre esse fundamental tema da contratação pública.

2. 2. a súmula nº 39 do tcu79

Em relação à inexigibilidade, o entendimento que norteou as decisões do Tribunal de Contas da União (TCU) por muitos anos e que foi fixado ainda na vigência do Decreto-lei nº 200/67 está sinteti-zado atualmente na Súmula nº 39, cuja redação é a seguinte:

79 É oportuno explicar ao leitor que ele se deparará com duas súmulas com o nº 39. Elas têm enunciados diferentes, mas não conteúdos diferentes. A primeira delas foi edi-tada nos anos 70, e a última foi editada pelo TCU em 03 de junho de 2011, por meio do Acórdão nº 1.437. A nova redação da Súmula nº 39 foi inicialmente publicada sob o nº 264. No entanto, como se tratava de mera atualização das referências utilizadas na Súmula nº 39 editada nos anos 70, o TCU retificou a numeração da nova redação. Assim, manteve o nº 39 para a nova redação aprovada e tornou sem efeito o nº 264 para individualizar a Súmula. Com isso, não existe mais a Súmula nº 264, apenas a nº 39. Em vez de retificar, como fez, teria sido mais simples o TCU manter a Súmula nº 264, tal como tinha sido aprovada, pois não havia razão para a retificação reali-zada. Aliás, pode-se dizer aqui que esse é o típico exemplo de que a emenda ficou pior do que o soneto. De toda forma, não se fala mais na Súmula nº 264, apenas na Súmula nº 39.

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a inexigibilidade de licitação para a contratação de serviços técnicos com pessoas físicas ou jurídicas de notória especialização somente é cabível quando se tratar de serviço de natureza singular, capaz de exigir, na sele-ção do executor de confiança, grau de subjetividade insuscetível de ser medido pelos critérios objetivos de qualificação inerentes ao processo de licitação, nos termos do art. 25, inciso II, da Lei nº 8.666/93.

A Súmula sintetiza com muita propriedade, e até mesmo sabe-doria, as verdadeiras razões que justificaram a determinação de que serviços técnicos profissionais especializados não podem ser licita-dos e devem ser contratados por inexigibilidade. Tais razões podem ser assim apresentadas:

a) Grau de subjetividade em relação à avaliação do serviço, em razão de suas peculiaridades especiais e que impedem a ado-ção de critérios objetivos para a sua adequada mensuração;

b) Necessidade de reduzir o risco do insucesso da contra-tação por meio de profissional ou empresa de notória especialização;

c) Escolha do contratado por critério subjetivo baseado no grau de confiança que a notória especialização propicia; e

d) Inviabilidade de contratar serviços singulares por meio de licitação, pela impossibilidade de definir e mensurar crité-rios objetivos para a seleção da melhor proposta.

Começaremos pela enunciação prevista na letra (c). Cumpre assentar, desde logo, que a ideia de confiança não é um predicado que resulta da mera consideração de cunho subjetivo (pessoal) de quem decide, mas condição objetiva decorrente do conceito que envolve a notória especialização da pessoa contratada. Portanto, a palavra “confiança” significa segurança que se revela na potencia-lidade de obter o melhor serviço em face de sua complexidade e suas peculiaridades especiais, em razão da notória especialidade que caracteriza o prestador. É a notória especialização que confere con-fiabilidade à contratação, e não a preferência de cunho exclusiva-mente pessoal. Nos termos do inc. II do art. 25 da Lei nº 8.666/93, somente poderá haver confiança se houver notória especialização. A notória especialização do profissional ou da empresa é a condição

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que confere objetividade para o que se denomina de confiança. Em razão do que acabamos de afirmar, é possível entender melhor por que o § 1º do art. 25 da Lei nº 8.666/93 diz que:

considera-se de notória especialização o profissional ou a empresa cujo conceito no campo de sua especialidade, decorrente de desempenho anterior, estudos, experiências, publicações, organização, aparelha-mento, equipe técnica, ou de outros requisitos relacionados com suas atividades, permita inferir que o seu trabalho é essencial e indiscutivel-mente o mais adequado à plena satisfação do objeto do contrato.

A parte grifada indica os fatores objetivos a serem considerados para apurar a notória especialização, visto que são eles que possibi-litaram o destacado conceito do profissional ou da empresa no seu campo de especialidade. Por outro lado, a ideia de confiança encon-tra-se implícita na última parte do enunciado e decorre da seguinte sentença: “permite inferir que o seu trabalho é (...) o mais adequado à plena satisfação do objeto do contrato”.

Assim, em face do item (a) indicado, o que se quis assentar no enunciado da Súmula nº 39 do TCU é que o grau de subjetividade em relação à avaliação do serviço, em razão de suas peculiaridades especiais e que impedem a adoção de critérios objetivos para a sua adequada mensuração, exige que o agente público escolha alguém com notória especialização, pois somente assim será possível obter a melhor contratação. Portanto, a confiança é em relação a quem vai executar o serviço, por conta do seu conceito profissional. É esse conceito que confere confiança, ainda que o agente público nunca tenha antes ouvido falar no prestador, mesmo ele gozando de noto-riedade no seu campo de atuação. Portanto, a confiança não é subje-tiva do agente que contrata, mas objetiva, pois decorre do conceito que qualifica o prestador. Assim como existe um conceito objetivo de boa-fé e de culpa, também existe um conceito objetivo de confiança.

Dessa forma, não há nenhum sentido para argumentar que a ideia de confiança no profissional ou na empresa não pode ser invocada para sustentar a contratação decorrente do inc. II do art. 25 da Lei nº 8.666/93, pois isso representaria conferir ao agente total liberdade para contratar quem ele desejasse. Esse argumento

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somente faz sentido quando não se compreende a definição jurídica de confiança. Portanto, o agente não tem total liberdade para esco-lher qualquer um que desejar. Ele tem a liberdade de escolher um entre os notoriamente especializados, o que não afasta a devida e necessária justificativa.

Um aspecto muito importante apontado no teor da Súmula nº 39 do TCU é aquele que revela que a licitação exige obrigatoria-mente julgamento por critérios objetivos, sob pena de não se poder exigi-la. Ao empregar a expressão “insuscetível de ser medido pelos critérios objetivos (...) inerentes ao processo de licitação”, a Súmula revela que não há possibilidade de tratamento isonômico se não houver critério objetivo de julgamento para nortear a escolha.

Na esteira do próprio entendimento que decorre da Súmula nº 39, o legislador da Lei nº 8.666/93 determinou que se o objeto, em face das suas peculiaridades especiais, não permite fixar um cri-tério objetivo de julgamento para a escolha do futuro contratado, tal objetividade deve ser descolada para a notória especialização, e é esta que deve, fundamentalmente, nortear a contratação dos servi-ços técnicos profissionais especializados.

É indispensável advertir que a contratação que envolve a hipó-tese descrita no inc. II do art. 25 da Lei nº 8.666/93 confere a ela um caráter tipicamente pessoal, ao contrário dos negócios decorrentes de licitação. A contratação de serviço singular exige escolha perso-nalíssima, cujo fundamento repousa na notória especialização do contratado.

Portanto, enquanto a licitação é norteada pelo princípio da impessoalidade, a inexigibilidade é marcadamente informada pelo da pessoalidade.

Com efeito, a razão que motivou o legislador a exigir que a contratação fosse feita com profissional ou empresa notoriamente especializado tem relação direta com o grau de risco envolvido na contratação. Ou seja, o legislador pretendeu reduzir o risco da não obtenção de um serviço satisfatório, por ser ele intelectual e de natu-reza singular. É necessário observar que estamos falando em reduzir

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risco, e não em eliminá-lo. A determinação de que a contratação recaia sobre quem é notoriamente especializado tem o justo propó-sito de evidenciar que essa é a única alternativa de que dispõe a Administração para obter um serviço capaz de satisfazer a sua neces-sidade, isto é, resolver o seu problema, o que envolve também a redu-ção do risco de que isso não venha a ocorrer.

Com base nessa ordem de ideias, até seria possível cogitar que contratar serviço intelectual de natureza singular por inexigibilidade com fundamento no caput ou no inc. II do art. 25 da Lei nº 8.666/93 não é uma opção, mas obrigação, constituindo ato reprovável a sua não realização quando configurada.

O princípio constitucional da eficiência exige que a Adminis-tração planeje corretamente suas contratações, isso implica adotar medidas adequadas para reduzir os seus riscos, evitando pagar por um serviço que não será plenamente satisfatório. Com efeito, atender ao interesse público não tem a ver com realizar sempre licitação, mas realizá-la quando for cabível. E, em princípio, não será cabível para contratar serviços técnicos profissionais especializados de natu-reza singular.

Um último aspecto enunciado na Súmula nº 39 e que exige ponderação diz respeito à expressa referência de que a inexigência só tem cabimento se o serviço for singular.80 Assim, é preciso atri-buir ao adjetivo “singular” um sentido preciso e compatível com a ideia central que norteia a inexigibilidade: a inviabilidade jurídica de competição.

Serviço singular é aquele que, para ser produzido, exige que o prestador reúna muito mais do que apenas conhecimento técnico. Assim, conforme registramos no capítulo anterior, é necessário que o profissional ou a empresa detenha um conjunto de predicados ou ingredientes especiais, tais como conhecimento teórico e prático; experiência com situações de idêntico grau de complexidade; capa-cidade de compreender e dimensionar o problema a ser resolvido;

80 Na Súmula nº 39 editada na década de 70 pelo TCU, o substantivo “serviço” não era qualificado pelo adjetivo “singular”, mas sim pelos adjetivos “inédito e incomum”.

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capacidade para idealizar e construir a solução para o problema; apti-dão para excepcionar situações não compreendidas na solução a ser proposta ou apresentada; capacidade didática para comunicar a solu-ção idealizada; raciocínio sistêmico; facilidade de manipular valo-res diversos e por vezes contraditórios; aptidão para articular ideias e estratégias em concatenação lógica; capacidade de produzir conven-cimento, estimar riscos envolvidos; e criatividade e talento para con-tornar problemas difíceis e produzir uma solução plenamente satis-fatória. Todos esses predicados não podem ser mensurados objetiva-mente, o que torna impossível a realização da licitação para a sele-ção de profissional ou empresa capaz de executar um serviço sin-gular, justamente porque ela pressupõe objetividade. Portanto, ser-viço singular é o que não pode ser definido ou julgado por critérios objetivos e, em razão disso, impõe a contratação de profissional ou empresa que reúna um conjunto de atributos incomensuráveis,81 que precisam ser articulados em perspectiva unitária, de modo a produzir uma solução especial ou inédita e incomum (para aproveitar os adje-tivos utilizados na redação original da Súmula nº 39).

A Súmula nº 39 é suficiente para fixar uma orientação adequada e precisa sobre a questão, desde que os seus termos sejam bem interpre-tados e compreendidos. Em que pese tal consideração, cumpre obser-var que o TCU tem feito outras incursões nesse fantástico mundo que é o da interpretação do conteúdo do inc. II do art. 25 da Lei nº 8.666/93. Tem priorizado a identificação dos requisitos legais que devem ser observados para a perfeita caracterização da referida hipótese de inexi-gibilidade, conforme se afere no julgado abaixo.

3. 3. considerações sobre a noVa redação da súmula nº 39 do tcu

Por meio do Acórdão nº 1.437, publicado em 03 de junho de 2011, o TCU aprovou a nova redação da Súmula nº 39, conforme explicamos na nota de rodapé no início deste capítulo. A nova Súmula tem o seguinte teor:

81 Por critérios objetivos.

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a inexigibilidade de licitação para a contratação de serviços técnicos com pessoas físicas ou jurídicas de notória especialização somente é cabível quando se tratar de serviço de natureza singular, capaz de exigir, na sele-ção do executor de confiança, grau de subjetividade insuscetível de ser medido pelos critérios objetivos de qualificação inerentes ao processo de licitação, nos termos do art. 25, inciso II, da Lei nº 8.666/93.

A Súmula nº 39 alterou a Súmula de igual numeração editada na década de 70, que tinha esta redação:

a dispensa de licitação para a contratação de serviços com profissionais ou firmas de notória especialização, de acordo com a alínea “d” do art. 126, § 2º, do Decreto-lei nº 200, de 25/02/67, só tem lugar quando se trate de serviço inédito ou incomum, capaz de exigir, na seleção do executor de confiança, um grau de subjetividade, insuscetível de ser medido pelos cri-térios objetivos de qualificação inerentes ao processo de licitação.

O propósito do TCU foi preservar a orientação essencial prevista na Súmula nº 39, adaptando apenas os seus termos à nova redação legal decorrente dos atos legislativos posteriores. Aliás, cumpre reite-rar que Súmula nº 39 foi editada na vigência do art. 126 do Decreto--lei nº 200/67, revogado com a edição do Decreto-lei nº 2.300/86, e este, posteriormente, com a aprovação da Lei nº 8.666/93. Assim, em vez de referências ao art. 126 do Decreto-lei nº 200/67 da Súmula nº 39, agora há referências aos termos do inc. II do art. 25 da Lei nº 8.666/93.

O TCU, além de indicar o novo fundamento legal (o inc. II do art. 25 da Lei nº 8.666/93), fez alterações na redação original cons-tante da Súmula nº 39, notadamente para: a) acrescer ao substantivo “serviços” o adjetivo “técnico” e b) para substituir a expressão “ser-viço inédito e incomum” por “serviço singular”. As alterações produ-zidas, no entanto, foram de natureza meramente formal.

O acréscimo do adjetivo “técnico” ao substantivo “serviço” foi realizado para atender aos termos da atual redação do próprio inc. II do art. 25 da Lei nº 8.666/93. Ademais, o mencionado inc. II existe para atender justamente a contratações de serviços técnicos, pois se o serviço não for técnico, e sim artístico, por exemplo, o fundamento

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seria o inc. III. É possível ponderar outra categoria de serviços, de natureza científica, até porque o próprio legislador, ao formatar a regra prevista no § 4º do art. 22, alude a três categorias distintas de serviços (trabalhos): técnico, científico ou artístico. No entanto, os serviços científicos podem ser enquadrados no inc. II do art. 25 da Lei nº 8.666/93 ou, se assim não se entender, seria possível contratá--lo com fundamento no caput do art. 25. De uma forma ou de outra, o problema do enquadramento seria resolvido.

Por outro lado, a substituição da expressão “serviço inédito e incomum” que constava na Súmula nº 39 pelo termo “serviço singu-lar” também não representa nenhuma mudança de conteúdo capaz de alterar a orientação até então fixada. A expressão “serviço singu-lar” foi adotada em razão do que consta no inc. II do art. 25 da Lei nº 8.666/93. Como a ideia que norteou a edição de nova súmula foi a de adaptar a orientação às novas referências legais, utilizar a expres-são “serviço singular” é, no mínimo, atender a esse propósito.

Evidentemente, a substituição das referidas expressões não resolve o problema que se arrasta no tempo, apenas muda os termos da indagação, ou seja, durante a vigência do Decreto-lei nº 200/67 a dúvida era: o que é serviço inédito e incomum capaz de autorizar a contratação de que trata a alínea “d” do § 2º do art. 126 do Decreto-lei nº 200/67? No regime atual, a dúvida é: o que é serviço singular para os fins do inc. II do art. 25 da Lei nº 8.666/93? Essa é a questão central que envolve a principal hipótese específica de inexigibilidade de licita-ção para a qual oferecemos resposta neste e no capítulo anterior.

4. 4. a decisão nº 427/1999 do tcu

A Decisão que analisaremos abaixo foi proferida no último ano da década de 90 e teve como Relator o aposentado Ministro Marcos Vilaça. O teor do Voto da Decisão é:

5. No campo jurisprudencial desta Corte, são emblemáticas, acerca da inexigibilidade de licitação, as Decisões Plenárias nºs 494/94 (TC-019.893/93-0, Ata nº 36/94); 613/96 (TC-004.948/95-5, Ata nº 38/96); e 906/97 (TC-016.921/96-8, Ata nº 53/97) que tiveram grande importância

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no sentido de firmar o entendimento do Tribunal acerca da correta inter-pretação a ser dada ao inciso II do artigo 25 da Lei de Licitações, espe-cialmente no que concerne à obrigatoriedade de preenchimento cumu-lativo de todos os requisitos ali estabelecidos para a inexigibilidade da licitação, a saber: ser o objeto serviço técnico, conforme estatuído no art. 13, possuir natureza singular e, ao mesmo tempo, deter o profissional ou empresa a ser contratado notória especialização no ramo do serviço. 6. Nenhuma dessas deliberações, entretanto enfrentou o dilema ora tra-tado: quando, apesar de preenchidos os requisitos do inciso II do artigo 25, restar demonstrada a viabilidade de competição, vulnerando, assim, o disposto no caput do mesmo artigo. (TCU, Decisão nº 427/1999, Plená-rio, Rel. Min. Marcos Vilaça, DOU de 19.07.1999, veiculada na Revista Zênite – Informativo de Licitações e Contratos (ILC), Curitiba: Zênite, n. 73, p. 254, mar. 2000, seção Tribunais de Contas.)

Ao final, firmou-se o seguinte entendimento:

8.2. firmar o entendimento de que a inexigibilidade de licitação pre-vista no inciso II do art. 25 da Lei nº 8.666/93 sujeita-se à fundamentada demonstração de que a singularidade do objeto – ante as característi-cas peculiaridades das necessidades da Administração, aliadas ao caráter técnico profissional especializado dos serviços e à condição de notória especialização do prestador – inviabiliza a competição no caso concreto, não sendo possível a contratação direta por inexigibilidade de licitação sem a observância do caput do art. 25 da Lei 8.666/93.

Ao iniciar a materialização do teor do seu Voto, o Relator deixa claro que o TCU tem encontrado dificuldade para fixar orientação precisa em relação à hipótese de inexigibilidade prevista no inc. II do art. 25 da Lei nº 8.666/93, citando, inclusive, decisões proferi-das no decorrer da década de 90 e que foram por ele consideradas emblemáticas.

Em seguida, estabelece que o TCU firmou o entendimento de que, para a correta aplicação do inc. II do art. 25, é preciso observar os seguintes requisitos: a) ser o objeto serviço técnico, conforme pre-visto no art. 13; b) possuir o serviço natureza singular; e c) deter o profissional ou a empresa a ser contratado notória especialização no ramo do serviço. Ademais, registra, ainda, que os referidos requisitos devem ser cumulativos, ou seja, todos devem estar reunidos de forma simultânea para tornar inexigível a licitação.

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Por outro lado, no entanto, o Relator pondera que, apesar de ter fixado os requisitos a serem observados, o TCU não havia enfren-tado o problema suscitado pelo processo que resultou na Decisão nº 427/1999, isto é, a situação na qual “apesar de preenchidos os requisitos do inciso II do artigo 25, restar demonstrada a viabilidade de competição, vulnerando, assim, o disposto no caput do mesmo artigo”. Quis afirmar, basicamente, que os requisitos fixados pelo TCU não são suficientes para justificar a inexigibilidade fundada no inc. II do art. 25 se for viável a competição, ainda que sejam cumulativos.

A afirmação acima revela principalmente que não havia clareza até então, e ainda convivemos com o problema, em relação a três aspectos fundamentais e indispensáveis para fixar a correta interpre-tação do inc. II do art. 25 da Lei nº 8.666/93, quais sejam: a) o que é competição; b) o que torna a competição inviável; e c) o que é ser-viço singular. Sem ter a mais profunda clareza sobre essas realidades e a relação entre elas, não será possível compreender o exato sentido do referido inciso.

Em duas passagens anteriores, afirmamos que não se pode con-fundir inviabilidade de competição com impossibilidade de dis-puta. Da mesma forma, é preciso ter a compreensão de que singu-lar é o serviço que não pode ser avaliado por um critério objetivo de julgamento, exigindo a contratação de profissional ou empresa de notória especialização, nos termos definidos no inc. II do art. 25 da Lei nº 8.666/93. Ora, por força do que afirmamos até aqui, não faz nenhum sentido, sob o ponto de vista jurídico, a questão suscitada no relatório que integra a Decisão nº 427/1999, ou seja, a de que seria possível que os requisitos para a aplicação do citado inc. II do art. 25 estejam reunidos e mesmo assim haver viabilidade de competição.

Não faz nenhum sentido porque isso é simplesmente, sob o ponto de vista jurídico, impossível. Trata-se de contradição absoluta, com a qual a lógica não convive. No entanto, a questão é muito interessante sob o aspecto da interpretação. Se tais requisitos estive-rem reunidos, a competição será necessariamente inviável. Por outro lado, se a competição for viável, é porque um dos requisitos indica-dos pelo TCU (singularidade do serviço) não está configurado.

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Mas o que tornou sem sentido a afirmação constante da Deci-são nº 427/1999? O problema está na confusão entre competição e disputa. O fato de haver cinco ou seis profissionais ou empresas notoriamente especializados não significa que será possível a com-petição, sob o ponto de vista jurídico. Seria possível apenas a dis-puta. Por isso, o legislador diz que “é inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição”, e não que é inexigível a licita-ção quando houver inviabilidade de disputa.

Porém, ao ler a palavra “competição”, nós a compreendemos como sinônimo de disputa, porque a tomamos no sentido atribuído pelos dicionaristas e pelo próprio inc. I do art. 25 da Lei nº 8.666/93, justamente a primeira hipótese especial indicada. Mas a palavra “competição” tem sentido muito mais amplo e também diverso. Dessa forma, nos termos do caput do art. 25, competição não signi-fica unicamente disputa, não é somente sinônimo de disputa, esse é apenas um dos sentidos que se pode atribuir a ela.

A inviabilidade de competição ocorre quando não se pode assegurar tratamento isonômico, porque, se for possível, a licitação deve ser realizada, salvo se houver hipótese tipicamente de dispensa. E não se consegue garantir tratamento isonômico, para os fins da con-figuração da inexigibilidade, em três situações básicas: a) quando só existe um único fornecedor (exclusividade prevista no inc. I do art. 25); b) quando não se consegue escolher o futuro contratado por cri-térios objetivos de julgamento (singularidade do objeto); e c) quando não se consegue atender aos prazos definidos para o rito formal da licitação. Nos três casos indicados, não é viável assegurar tratamento isonômico, que é o pressuposto da licitação, por isso ela deve ser afastada. Ou seja, a licitação é inexigível.

Com efeito, no caso do inc. I do art. 25, não existe possibili-dade de competição, porque é impossível a disputa. E ela é impos-sível por estarmos diante da exclusividade do fornecedor ou mesmo do prestador, incluindo também o serviço no inc. I do art. 25. Se somente uma pessoa pode satisfazer a necessidade da Administração, não há razão lógica para assegurar qualquer igualdade, pela ausência real de disputa. A hipótese descrita no inc. I do art. 25 é a única, entre as três, que dá à palavra “competição” o sentido próprio de impossi-bilidade real de disputa.

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No caso do inc. II do art. 25, não existe viabilidade de compe-tição, mas até poderia haver possibilidade real de disputa (ou seja, dois ou mais potenciais competidores), pois o mais provável é que, em cada campo de especialidade técnica, existam dois ou mais pro-fissionais notoriamente especializados. Afirmar que, na hipótese do inc. II do art. 25 da Lei nº 8.666/93, até seria possível a disputa não significa que existe competição, visto que disputa e competição são coisas distintas para os fins do referido preceito. E a inviabilidade de competição que decorre do mencionado inciso se fundamenta na impossibilidade de definição objetiva para viabilizar a solução (serviço) que atenderá plenamente à necessidade da Administração. Ainda que existam várias pessoas notoriamente especializadas (pos-sibilidade real de disputa), não se pode fixar critério objetivo de escolha para definir entre A ou B. Logo, só há um tipo de escolha – a subjetiva. Assim, o reconhecimento dessa condição única fez com que o legislador, em vez de admitir uma escolha subjetiva fundada em preferência puramente pessoal do agente que decide, criasse uma condição de seleção baseada em confiança objetiva que decorre da notória especialização. Tal escolha é subjetiva, mas determinada por uma condição objetiva, isto é, uma condição que não é mera opção pessoal, mas externa a quem julga.

Alguém que não tenha entendido a sutileza do critério exposto poderia sustentar que a existência de várias pessoas notoriamente especializadas justificaria a realização de licitação, por exemplo, por técnica e preço. Aliás, tal possibilidade eliminaria, inclusive, a pró-pria existência da hipótese do inc. II do art. 25 da Lei nº 8.666/93. Ora, então por que o legislador não fez isso? A resposta é bem sim-ples e direta, porque a licitação de técnica e preço tem um pressu-posto necessário, isto é, ela exige critério objetivo de julgamento, e os serviços singulares não podem ser reduzidos a um padrão obje-tivo, pois, se isso fosse possível, eles deixariam de ser singulares. Por tal motivo, o legislador determinou que a Administração escolhesse profissional ou empresa de notória especialização. Se ele exigisse a licitação para contratar serviços singulares, esta seria uma grande farsa, por ser impossível assegurar a isonomia, seu pressuposto fun-damental. Além de poder se tornar uma farsa, haveria fragilidade ou

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incerteza maior para a (estimada e presumida)82 plena satisfação da necessidade que a notória especialização sugere.

Portanto, a existência de mais de um profissional ou empresa de notória especialização não desnatura a inviabilidade de compe-tição, pois esta resulta da impossibilidade de assegurar um dos pres-supostos da licitação (o critério objetivo de julgamento) relacionado ao objeto, e não à quantidade de pessoas que atuam no mercado. A inviabilidade de competição significa a impossibilidade de assegu-rar os pressupostos da licitação, e isso não tem necessariamente rela-ção direta com a ideia de possibilidade de eventual disputa. O fato de existirem vários profissionais notoriamente especializados não afasta a inviabilidade jurídica de competição.

Por conta de tudo isso, acreditamos que, felizmente, o próprio Ple-nário do TCU não afastou a aplicação do art. 25, inc. II, da Lei nº 8.666/93 na situação descrita na Decisão nº 427/1999, com base na existência de mais de uma empresa notoriamente especializada, uma vez que, inexis-tindo critérios objetivos que assegurem o julgamento isonômico, o sim-ples fato de haver mais de um profissional ou empresa de notória espe-cialização não desnatura a inviabilidade de competição.

5. 5. a súmula nº 252 do tcu

Em decorrência de inúmeras decisões proferidas posterior-mente à Decisão nº 427/1999, em 13 de abril de 2010, o TCU editou a Súmula nº 252, cujo teor é o seguinte:

a inviabilidade de competição para a contratação de serviços técnicos, a que alude o inciso II do art. 25 da Lei nº 8.666/1993, decorre da pre-sença simultânea de três requisitos: serviço técnico especializado, entre os mencionados no art. 13 da referida lei, natureza singular do serviço e notória especialização do contratado.

82 A questão aqui nada tem a ver com absoluta certeza, mas com provável possibili-dade. Essa foi a opção do legislador, visto que ele não tinha outra.

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É louvável que o TCU tenha sumulado o seu entendimento acerca dos requisitos que devem estar reunidos para a aplicação do inc. II do art. 25 da Lei nº 8.666/93, pois assim deixa evidente, para os jurisdicionados, o que considera importante para a configuração da hipótese legal, muito embora se possa até dizer que a referida Súmula não prima pela inovação, pois enuncia o que está literalmente indi-cado no próprio inc. II do art. 25.

No entanto, há um aspecto positivo em relação à Súmula nº 252. Ela parece revelar que o TCU abandonou a ideia de condicio-nar os requisitos indicados no texto à possibilidade de disputa, con-forme havia sugerido o Ministro Marcos Vilaça no processo que resul-tou na Decisão nº 427/1999. Essa conclusão decorre do fato de não ter incluído tal condição no teor da Súmula, pois não haveria sentido para não fazê-lo se fosse esse o entendimento que norteia a Corte.

Quando sugerimos que a Súmula nº 252 ajuda pouco, quere-mos dizer que o problema central envolvendo o inc. II do art. 25 da Lei nº 8.666/93 são as definições de “inviabilidade de competição” e de “serviço de natureza singular”, e não quais são os requisitos para a aplicação do referido preceito, pois isso está dito com todas as letras. O tema que o TCU deveria eventualmente sumular, antes dos requi-sitos do inc. II do art. 25, ou, na pior das hipóteses, juntamente a ele, é qual o seu entendimento sobre singularidade, pois é dessa informa-ção que necessitamos para desempenhar bem nossas atividades e, se for o caso, ajustá-las à sua orientação. Aliás, é isso que os agentes públicos desejariam que ocorresse.

6. 6. a questão do rol taxatiVo do art. 13 da lei nº 8.666/93

A Súmula nº 252 indica como um dos requisitos, na esteira da literalidade do próprio inc. II do art. 25 da Lei nº 8.666/93, “serviço técnico especializado, entre os mencionados no art. 13 da referida lei”. Tal condição sugere que o cabimento da hipótese do inciso está diretamente condicionado pelos termos do art. 13 da Lei nº 8.666/93, com o que não concordamos.

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Por várias razões, não parece adequado dizer que os servi-ços técnicos profissionais especializados que podem ser contrata-dos por inexigibilidade com fundamento no inc. II do art. 25 da Lei nº 8.666/93 são apenas os arrolados textualmente no art. 13.

Um dos motivos é que o art. 13 não pode condicionar o ins-tituto da inexigibilidade de licitação, porque ela não decorre dele, mas da própria inviabilidade de competição, cujo fundamento de validade é o inc. XXI do art. 37 da Constituição. Ademais, a hipótese do inc. II do art. 25 descreve um caso especial cujo fundamento de validade é o caput do art. 25. No entanto, a existência de hipótese especial não afasta a eventual possibilidade de invocar a inviabili-dade genérica que decorre da cabeça do art. 25, o que torna total-mente sem sentido a tese de que os serviços técnicos profissionais especializados são apenas os enumerados no art. 13. Assim, outros serviços técnicos profissionais especializados, de natureza singu-lar, podem ser também contratados por inexigibilidade, ainda que não indicados expressamente no art. 13 da Lei nº 8.666/93. E se não podem ser contratados com fulcro no inc. II do art. 25, serão com base no caput do mesmo artigo, sob pena de termos de reconhecer que é o inc. II que condiciona o caput do art. 25, e não o contrário. Isso, em interpretação jurídica, seria uma absurda contradição.

7. 7. conclusão

É inegável que a ideia genérica de inexigibilidade e a hipó-tese especial prevista no inc. II do art. 25 da Lei nº 8.666/93 consti-tuem, seguramente, se não o mais, um dos mais importantes temas que envolvem a contratação pública, pela sua larga utilidade prática para a Administração Pública. A propósito, toda hipótese que implica exceção a uma “regra” constitucional deve ser clara, e sua aplica-ção, a mais segura possível. Portanto, é inadmissível não saber o que é, para os fins legais, um serviço singular ou o que seja competição. Esse cenário precisa mudar.

No entanto, temos de reconhecer que a conjugação dos conteúdos extraídos das Súmulas nºs 252 e 39 pode resolver o pro-blema atual, e, com base principalmente no teor da Súmula nº 39, é

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possível fixar uma definição clara em torno do que é serviço singular ou o que se deve entender por singularidade para fins de aplicação do inc. II do art. 25 da Lei nº 8.666/93.

É preciso reiterar que se a competição é viável, a licitação é obrigatória, mas se é inviável, não, e a inexigibilidade passa a ser obrigatória. Nessa linha de raciocínio, é equivocado dizer que a lici-tação é a regra, e a inexigibilidade é a exceção, pois o que define a regra e a exceção é a viabilidade de competição ou não. E tal viabili-dade ou inviabilidade de competição é, normalmente, uma condição que decorre da natureza das coisas, dos acontecimentos, das situa-ções, do mercado, etc.

Por fim, a singularidade que caracteriza o inc. II do art. 25 da Lei nº 8.666/93 decorre da impossibilidade de fixação de uma con-dição objetiva capaz de permitir a viabilidade da competição, con-forme ponderamos neste e no capítulo anterior.

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Capítulo 15

ASPECTOS FUNDAMENTAIS DO CONTRATO ADMINISTRATIVO – RELAÇÃO ENTRE ENCARGO E REMUNERAÇÃO

1. 1. considerações iniciais

Para entender a figura jurídica do contrato administrativo, é necessário compreender que o contrato é uma relação não só entre duas ou mais pessoas, mas entre duas realidades indissociáveis: o “E” e o “R”.

O “E” representa o encargo definido pela Administração e que será assumido pelo contratado. E o “R” representa a remune-ração fixada pelo interessado em função do encargo definido pela Administração.

A forma mais fácil de entender o contrato é compreender a sua essência, sabendo como a relação que o caracteriza é constituída.

A análise do contrato pode ser feita a partir dos dois elementos essenciais (“E” e “R”). Para entender o contrato administrativo, é pos-sível tanto estabelecer uma análise relacional entre esses dois termos como também realizar uma análise isolada de cada um. Em razão dessas possibilidades, faremos análise individual e, quando for possí-vel, relacional entre “E” e “R”.

2. 2. onde e como é definido o encargo (“e”)

O “E” é definido no edital. Representa o que a Administra-ção estimou para satisfazer a sua necessidade, que foi identificada

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e requisitada ou referenciada83 por uma das suas unidades. Decorre do planejamento da contratação, o qual é realizado na fase interna.

O “E” não se confunde com a própria necessidade. A necessi-dade é o problema que precisa ser resolvido, o “E” é a solução para o problema.

Se a necessidade é o transporte de pessoas, o “E” é o meio de transporte definido, bem como as demais obrigações que decorrem de tal definição. No caso do transporte, o “E” é traduzido na figura de um carro, uma ambulância, um ônibus, uma motocicleta ou mesmo um avião. Se a necessidade é a segurança de pessoas, o “E” pode ser o monitoramento eletrônico, a vigilância armada ou, ainda, as duas ou até uma terceira solução. O “E” não se reduz ao objeto, mas abrange também as demais obrigações que se relacionam com ele.

Muito embora a necessidade seja objetiva, a definição do “E”, pelo agente responsável, tem uma dimensão de subjetividade, ainda que o caráter predominante para tal definição seja o elemento obje-tivo que norteou a configuração da necessidade, daí a relação de ade-quação entre o “E” e a necessidade. Entretanto, é preciso reconhecer que existe um campo de liberdade para o agente em relação à confi-guração da definição do “E”, não sendo possível reduzi-la totalmente a um padrão objetivo. Isso não significa que tal liberdade não esteja condicionada pela ordem jurídica, de forma implícita ou explícita.

Assim, a função básica do edital é materializar o “E” que foi estabelecido no planejamento. O “E” deve ser definido de forma clara e precisa, e o fundamental é garantir a satisfação da necessidade da Administração. O “E” tem de preservar o mínimo indispensável para satisfazer a necessidade, mas a ele não precisa se limitar.

Também, o “E” não se confunde com o que se denomina tradi-cionalmente de objeto da contratação, é mais amplo que ele (objeto). O objeto é o núcleo do encargo (E) e traduz a solução específica para resolver o problema (necessidade). No caso do transporte, o objeto seria o veículo, e o “E” compreenderia, além dele, inúmeras

83 Daí a expressão “termo de referência” ou “termo de requisição”.

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outras providências relacionadas, tais como as exigências de eventu-ais adaptações, a entrega em certo local, tributos e encargos a serem pagos em razão do negócio, garantias a serem asseguradas, assistên-cia técnica e custos operacionais diversos.

Da mesma forma, um contrato de terceirização de serviços não se reduz à alocação de pessoas para realizar, por exemplo, a limpeza de um edifício, pois compreende também o fornecimento do pro-duto de limpeza a ser utilizado, o transporte das pessoas, o forneci-mento de equipamentos, o pagamento de impostos, o recolhimento dos encargos legais, etc.

O “E” variará em cada caso e resulta de um minucioso planeja-mento que deve ser realizado pela Administração a partir da identifi-cação da necessidade. O planejamento é a etapa mais importante da contratação, pois determina seu sucesso.

A maior parte dos problemas nas contratações nasce no momento da identificação da necessidade e da definição do “E”. A dificuldade está em dimensionar o problema e identificar o melhor e mais econômico benefício a ser obtido com a solução.

Definido e divulgado o “E” pela Administração, qualquer modi-ficação nas suas especificações ou quantidades implica uma altera-ção. Tal mudança repercutirá na formatação do “R”.

O edital que define o “E” tem, preponderantemente, uma dimensão econômica, e a proposta do licitante que expressa a remu-neração tem, por sua vez, uma dimensão financeira.

3. 3. onde e como é definida a remuneração (“r”)

O “R” é fixado na proposta do licitante e representa o que ele precisa para executar o “E”.

Portanto, a fixação do “R” é feita com base no “E”.

Há mais liberdade para a definição do “E” do que para a fixa-ção do “R”. O ideal é que a liberdade na configuração do “R” seja

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mínima. Atualmente, as licitações que mais reduzem a liberdade na fixação do “R” são as de terceirização de serviços (limpeza, vigilân-cia, etc.) e as de execução de obras e serviços de engenharia, em razão da existência de planilhas de formação de preços.84

A fixação do “R” é realizada em função:

a) Da própria definição do “E”;

b) Das condições do mercado;

c) Da ordem jurídica;

d) Da estrutura empresarial adotada pelo próprio licitante; e

e) Da expectativa de retorno do licitante (lucro).

Os fatores acima indicados dependem da vontade da própria Administração que contrata, do Estado, do licitante e de terceiros. O fator (a) é definido pela Administração. O fator (b) depende de tercei-ros. O fator (c), do Estado (legislador). E os fatores (d) e (e) dependem do próprio particular (licitante).

O “R” não é disciplinado no edital de modo preciso e fechado,85 o que não afasta a possibilidade de haver uma cláusula impondo o seu limite máximo. Por outro lado, a fixação de um limite mínimo é vedada em termos meramente monetários. Ou seja, a proibição da fixação de preço mínimo nos editais é relativa, e não absoluta, tanto é verdade que a ordem jurídica rejeita o preço inexequível.

4. 4. o que refletem o “e” e o “r”?

O “E” representa o que a Administração precisa para satisfazer a sua necessidade. O “R” representa o que o contratado precisa para

84 O chamado jogo de planilhas é um mecanismo que tem por finalidade dar flexibili-dade para melhorar o “R” durante a execução do contrato. Ele ocorre efetivamente na fase contratual. No entanto, os atos preparatórios são realizados na fase externa.

85 Isso só ocorrerá em situação muito específica.

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cumprir o compromisso assumido e, ainda, viabilizar o indispensável retorno financeiro pela exploração da atividade econômica.

Então, a dimensão econômica do “E” equivale à expressão monetária do “R”. O “R” traduz (financeiramente) a dimensão eco-nômica do “E”.

Assim, o “R” deve refletir o custo e as despesas para executar o “E”, sem deixar de assegurar o lucro pretendido, que é o retorno esperado pela exploração da atividade econômica. Sem a existência do lucro, todo o sistema econômico corre risco, principalmente o setor público, que viabiliza suas receitas em razão da exploração da atividade econômica pelas empresas e pelos profissionais do setor privado, mediante arrecadação tributária.

5. 5. equação econômico-financeira

Por tudo o que tratamos até aqui, é fácil perceber que há uma relação indissociável entre o “E” e o “R”, visto que o “R” é, essen-cialmente, formatado com base no “E”.

A relação “E” e “R” é estabelecida no momento da apresenta-ção das propostas, conforme considera a própria ordem jurídica.86 Nesse momento, forma-se a denominada equação econômico-finan-ceira. A equação antecede, em princípio, a própria formalização do contrato.

Equação econômico-financeira é a relação de equivalência entre “E” e “R”, pois “E” é igual a “R”.

No momento da apresentação da proposta, é formada uma equação econômico-financeira em relação a cada proposta apre-sentada. Em princípio, em uma licitação, pode-se formar uma, duas, várias ou nenhuma relação desse tipo. Mas apenas uma delas será

86 É possível sustentar, no entanto, que a equação econômico-financeira é constituída, em termos mais precisos, com a definição da ordem de classificação final das propostas.

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fundamental para a Administração – a que traduzir a melhor relação benefício-custo.

Quando analisamos e julgamos a proposta, avaliamos se o “E” ali previsto equivale ao “E” definido no edital e, também, se o “R” é ou não aceitável, sob o ponto de vista da ordem jurídica e das condi-ções do edital. Portanto, a proposta traduz a dimensão econômica do “E” e a sua expressão financeira (que é o “R”). É preciso que a solu-ção (E) proposta seja, sob o ponto de vista técnico, compatível com a solução (E) definida pela Administração no edital, bem como que o preço seja exequível e justo.

Cada vez mais a proposta se resumirá ao aspecto preço, ou seja, se limitará a expressar o “R”. A propósito, essa tendência fica mais evidente com o pregão eletrônico. Acreditamos que em um curto espaço de tempo, para um conjunto de bens padronizados, não se avaliará mais a conformação do objeto proposto com o objeto licitado. A análise do preço terá como pressuposto tal conformação ou compatibilidade. Portanto, a responsabilidade pela adequação do objeto proposto com o licitado será transferida para a fase de execu-ção e será de inteira responsabilidade do licitante. A tendência é que a proposta se limite a indicar o “R”. É importante, no entanto, escla-recer que essa possibilidade somente poderá ser adotada para a con-tratação de bens e serviços comuns, isto é, para o pregão. E, é claro, desde que também se utilize o pregão de forma adequada, não como ocorre atualmente em muitos casos, inadequadamente. Se o objeto é bem e serviço comum, o ideal é a análise das propostas se limitar ao “R”, isto é, ao preço do licitante. Aliás, a tendência é que isso ocorra também em relação aos documentos de habilitação no pregão, desde que o sistema de registro cadastral seja utilizado adequadamente. Com isso, a licitação (pregão) seria reduzida à definição do “R”.

Atualmente, quando desclassificamos uma proposta, reconhe-cemos que o “E” nela previsto não foi atendido, total ou parcialmente, ou, se atendido, o “R” é inaceitável.

Nos termos da legislação vigente, o “R” é inaceitável quando não revela uma adequada relação de equivalência com o “E”. Tal equi-valência tem conteúdo, predominantemente, objetivo. É admissível

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uma pequena variação na representação monetária, para mais ou menos, desde que justificável. Normalmente, a variação ocorre: a) em razão da qualidade do benefício definido; b) da margem do lucro que cada licitante define; e c) do potencial de risco que a contratação envolve. É possível fazer uma análise econômico-financeira dos três requisitos indicados e compreender como eles interagem na forma-ção dos preços, ou seja, na fixação do “R”.

Essencialmente, o negócio mais vantajoso pode ser traduzido como a melhor equação econômico-financeira obtida na contrata-ção, de acordo com o tipo de licitação adotado. E a proposta ven-cedora é aquela que revela o negócio mais vantajoso e respeita as regras do jogo.

A aceitação da equivalência entre “E” e “R” gera um equilíbrio que deve ser assegurado enquanto durar a relação contratual. Afirmar que a equação econômico-financeira é intangível é dizer que sempre que ela for alterada, violada ou desrespeitada, deverá ser recomposta. O problema central aqui não é se a equação pode ou não ser alterada ou modificada pela Administração, pois não há dúvida que isso possa ocorrer. A questão diz respeito ao dever (obrigação) de a Administra-ção recompor (reequilibrar) a equação sempre que ela for alterada em decorrência de ato da própria Administração, fundamentalmente. A manutenção da equação original (formada com a apresentação da proposta) é um valor garantido constitucionalmente.

Portanto, o fato de a relação econômico-financeira ser intan-gível não significa que a Administração não possa alterar o “E” nem que o licitante ou o contratado não possa reduzir o “R”. As alterações podem ser feitas, mas dentro dos limites legais.

6. 6. formalização do contrato

Contrato administrativo é, basicamente, o negócio jurídico representado por um encargo (“E”) e uma remuneração (“R”) equivalentes.

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Esse negócio é materializado em um instrumento. Nele cons-tam, de forma organizada, o encargo e a remuneração, bem como a quem caberá cumprir cada qual deles. Esse instrumento recebe vários nomes legais, como termo de contrato, nota de empenho, carta-con-trato, autorização de compra e ordem de execução de serviços.

Na prática, o termo de contrato é o instrumento mais completo entre os apontados e se destina a materializar os negócios de maior vulto e os que implicam obrigações futuras, a exemplo da terceiri-zação de serviços e da execução de obras de engenharia e serviços técnicos.

Formalizar um contrato é simplesmente realizar o encontro entre o “E” e o “R”. É unir em um mesmo documento o que já está formalizado em outros: edital e proposta vencedora. Se não fosse por uma questão de organização administrativa, nem seria necessário formalizar o termo de contrato, pois, em razão do conteúdo do edital e da proposta vencedora, ele já está formalizado.

Se o contrato é um acordo de vontades com a finalidade de criar obrigações recíprocas, com o edital e a proposta vencedora estão definidos o acordo de vontades e as obrigações recíprocas (E + R).

A formação do acordo de vontades nas relações contratuais de que participa o Poder Público é distinta da que, normalmente, ocorre no setor privado. No setor público toda a definição do “E” é instrumentalizada no edital. Ou seja, primeiro o Poder Público diz o que quer (de forma escrita e completa). Com base nisso, o particular diz quanto cobrará para cumprir o que foi definido.

A inexistência de um termo de contrato escrito não autoriza-ria a afirmação de que não há contrato. Também não autorizaria a alegação de que não há contrato escrito. Ora, contrato é acordo de vontades. Assim, o edital mais a proposta vencedora atendem à exi-gência do acordo de vontades. Tanto o edital como a proposta vence-dora são instrumentos escritos. Logo, tem-se um acordo de vontades por escrito.

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Não queremos dizer que não se deva materializar o acordo em um único documento (termo de contrato), pois isso facilita a organi-zação e o controle. Mas se isso não ocorrer, não podemos dizer que não há contrato nem que ele não é escrito. Até se pode querer punir o agente por ter deixado de cumprir uma obrigação de ofício (unir as vontades que formam o acordo em um único documento), mas não é lógico afirmar que não há contrato. Alegar isso é desconhecer a ver-dadeira essência do Direito.

Para sintetizar:

Contrato = E + R

Ou melhor:

Contrato = edital + proposta vencedora

Ademais, a instrumentalização de termo de contrato tem um limite material a ser observado, ou seja, em princípio, não se pode inovar na relação contratual. Não é possível, por exemplo, ampliar o “E” nem reduzir o “R”, porque isso equivaleria a uma alteração do próprio contrato.

Qualquer mudança que represente alteração nas condições previstas no edital ou na proposta vencedora é inovação contratual, pois o contrato é firmado durante a própria licitação, e não quando da instrumentalização do seu termo. As mudanças, porventura neces-sárias, devem observar as condições próprias para a alteração do con-trato, conforme previsto na Lei nº 8.666/93.

Como é uma afirmação original na área da contratação pública, vale reiterar: o contrato é, em verdade, firmado durante a própria licitação,87 e não depois dela. Depois que a licitação se encerra, ocorre a formalização ou instrumentalização do contrato fir-mado durante a licitação, e não a celebração do próprio contrato (o

87 O mais adequado é dizer que ele se forma durante a fase externa do processo de contratação, visto que a licitação não é a única forma de realizar referida fase. No entanto, dizer que ele se forma durante a licitação é mais fácil de entender (não de aceitar).

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acordo de vontades). Essas duas coisas, como muitas outras, estão sendo confundidas no seu sentido essencial.

Não é verdadeira a máxima de que a licitação é o antecedente necessário do contrato, e este o seu consequente. Não é razoável a afirmação de que o contrato, enquanto acordo de vontades que cria obrigações recíprocas, é constituído após o encerramento da licita-ção. É equivocado pensar que para que o contrato nasça, é preciso que a licitação tenha o seu fim, pois o contrato nasce e se concretiza durante a licitação, e não depois dela.

Para entender bem a figura do contrato, é fundamental distin-guir o seu conteúdo material da sua dimensão formal. Todo contrato possui as duas dimensões, ou seja, a de natureza material (conteúdo do “E” e do “R”) e a de natureza formal (formalização ou instrumen-talização do “E” e do “R”). Na contratação pública, tanto o aspecto material quanto o formal são atendidos plenamente, ao contrário do que ocorre com frequência no campo privado.88 Os contratos públi-cos tendem a ser muito melhores do que os privados, e se não são, não é por falta de marco regulatório.

Como o contrato é um acordo de vontades, importante iden-tificar em que momento do processo de contratação ele ocorre e como é formado. A vontade da Administração é integralmente mani-festada no edital. Logo, ele traduz a vontade completa da Adminis-tração. Tal manifestação é escrita, pois o edital é assinado por agente competente da Administração. Além de tudo isso, a manifestação de vontade é publicada na imprensa oficial e, em muitos casos, tam-bém em jornal privado de grande circulação. Pela importância do ato de manifestação de vontade, a lógica conduz à conclusão de que é a autoridade superior que deve assinar o edital, e não outro agente (presidente da comissão ou pregoeiro, por exemplo), salvo situação de delegação. Portanto, com o edital, a Administração explicita a sua manifestação de vontade. E só quem pode fazer isso

88 No campo privado, é comum a não formalização das condições que envolvem o “E” e o “R”, daí a ideia em torno da boa-fé objetiva para tentar resolver o problema, que é um princípio que norteia a contratação.

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é quem tem competência ou poder para vincular a Administração contratualmente.

As propostas apresentadas pelos licitantes nada mais são do que manifestações de vontades. Depois da devida análise das pro-postas, a Administração escolhe, de acordo com o critério objetivo, uma, que é aceita como a manifestação de vontade que faltava para concretizar o acordo. Essa aceitação ocorre por meio da adjudica-ção. Nesse momento nasce o contrato, ou seja, o acordo de von-tades. Portanto, o contrato nasce com a adjudicação, e não com o termo de contrato.

Por outro lado, a doutrina e a jurisprudência reiteram que o adjudicatário tem apenas mera expectativa em relação ao contrato. Isso significa que o adjudicatário ainda não tem garantia do con-trato, mas apenas mera expectativa. Esse é um equívoco que precisa ser repensado, pois com a adjudicação o contrato se torna um negó-cio perfeito e, em princípio, válido. A Administração não precisa firmar nenhum contrato, pois ele já está firmado. Ela pode materia-lizar, em um único instrumento, o contrato que foi firmado, o que é bem diferente. Não se deve confundir coisas distintas.

A única expectativa que pode surgir com a adjudicação é em relação ao início da execução do encargo, e nenhuma outra. E se houver outra, será em relação ao recebimento da remuneração (preço), após o cumprimento do encargo. Com a adjudicação, está firmado o ajuste, acordo, negócio. Isso não impede a Administração de rescindi-lo, como poderia em qualquer outra situação, desde que haja motivo suficiente para justificar tal rescisão. É importante obser-var que falamos em rescisão, e não em revogação. Revoga-se o ato e rescinde-se o negócio (contrato).

É possível sustentar que o contrato, mesmo perfeito e válido, não é eficaz, pois isso dependeria de publicação do seu extrato na imprensa oficial. Ainda que se possa contrapor o argumento, a refe-rência que se faz aqui é em relação à perfeição e validade.

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7. 7. execução do “e” e cumprimento do “r”

Após a formalização do “contrato”, cabe à Administração exigir que o contratado execute o “E” tal como definido no edital. Cumprido rigorosamente o “E”, a Administração deve pagar o “R”, de acordo com o que foi previsto na proposta. Há cumprimento do contrato quando cada uma das partes realiza o que foi acordado.

A Administração terá um representante para acompanhar a execução do “E”, e o contratado, um preposto para zelar pela sua realização.

O representante da Administração deve anotar todas as ocor-rências em registro próprio (livro ou outro meio). Se necessário, o representante pode ser assistido por um terceiro.

Como o contratado deve executar fielmente o “E”, cabe ao representante da Administração determinar a regularização das falhas ou defeitos constatados. O representante (fiscal) não pode alterar o “E”, deve se limitar a exigir o seu cumprimento, tal como cons-tante do contrato. A alteração do “E” somente pode ser determinada pela autoridade competente para contratar, pois representa alteração contratual.

O contratado é obrigado a reparar, corrigir, remover, reconstruir ou substituir, às suas expensas, no total ou em parte, o encargo (“E”) quando forem verificados vícios, defeitos ou incorreções resultantes da execução ou dos materiais empregados.

O contratado somente pode repassar a terceiros a execução de parte do “E”, se permitido pela Administração. A permissão e o seu limite devem constar do edital, não podendo ser autorizada na fase contratual quando não admitida no edital, exceto em situações excepcionais.

A Administração deve receber o “E”. O “E” será recebido inte-gralmente ou parcialmente, conforme definido no edital, em razão do planejamento. O recebimento importará na aceitação ou rejeição do “E”, que podem ser total ou parcial.

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Executado o “E”, deve ser pago o “R”, de acordo com as regras previstas no edital. O pagamento do “R” pode ser feito de uma só vez ou em partes, à medida que o “E” é executado. O princípio que nor-teia essa questão, no entanto, é o de que, para que o “R” seja pago, é preciso antes cumprir o “E”. Essa é uma norma de Direito Finan-ceiro. Existem exceções que podem ser admitidas, em face de certas condições especiais ou peculiaridades que informam as práticas de mercado.

8. 8. alterações do “e”

O “E” não é imutável e pode, por várias razões, sofrer altera-ções durante a execução do contrato.

Somente a Administração pode alterar unilateralmente o “E”, o contratado não.

A alteração do “E” pode ser unilateral ou por acordo. Tanto uma como a outra têm limites a serem observados.

As alterações unilaterais envolvem, basicamente, o objeto e representam modificações nas suas especificações (qualitativa) e dimensões (quantitativa).

O limite para a alteração unilateral quantitativa do “E” é, como regra, de até 25%. O limite para a alteração qualitativa é a não desnaturação da solução e do objeto definidos. Não haveria, em princípio, um limite percentual fixo, mas o limite seria a preser-vação da solução (“E”) identificada para resolver o problema (neces-sidade). Assim, haveria extrapolação do limite sempre que a altera-ção implicasse nova solução e, por decorrência, novo objeto. Entre-tanto, para o TCU o limite é de até 25%, conforme consta da Decisão nº 215/1999 – Plenário.

A alteração contratual unilateral deve ser devidamente justifi-cada, e os fundamentos são, basicamente, dois: a) mudança super-veniente ocorrida em relação à necessidade da Administração que ensejou o processo de contratação ou b) necessidade de alteração do

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próprio “E”. Em outras palavras, ou é o problema (necessidade) que se alterou, ou é a solução para o problema (“E”) que precisa mudar.

No primeiro caso (a), pode acontecer que, em razão de uma situação fática superveniente, haja uma alteração na configuração da necessidade, ou seja, o problema se altera e, por força disso, a solu-ção definida para resolver o problema se torna inadequada nos ter-mos inicialmente fixados. Portanto, é preciso alterar o encargo “para melhor adequação às finalidades de interesse público, respeitados os direitos do contratado”, utilizando os exatos termos do inc. I do art. 58 da Lei nº 8.666/93.

No segundo caso (b), a necessidade permanece a mesma, ou seja, o problema não se altera, apenas a solução definida para o pro-blema é alterada. Quem sofrerá alteração é o “E”.

A alteração do “E” pode ocorrer, basicamente, por duas razões: a) a solução tal como definida se revelou inadequada ou b) novas condições de mercado tornaram inaplicável ou desvantajosa a manu-tenção da solução contratada. Seja qual for o motivo, a alteração não pode desnaturar a solução (“E”), sob pena de ser reputada ilegal. Na hipótese (a), pode haver a responsabilização do agente que definiu a solução.

O limite de até 25% para cima (aumento) do “E” é, em princí-pio, vedado, e para baixo (redução) é apenas relativo, pois, havendo concordância do contratado, a redução além do limite fixado torna--se possível. O fato de haver uma vedação para o acréscimo acima do limite de 25% não significa que ele seja absoluto.89

Os percentuais de acréscimos e supressões previstos no § 1º do art. 65 da Lei nº 8.666/93 aplicam-se a todos os contratos firma-dos pela Administração, independentemente se resultaram de lici-tação ou não. O fato de o procedimento pré-contratual ter seguido o rito da licitação, ou ter observado as exigências determinadas para

89 Na edição anterior, utilizamos a palavra “absoluto” para qualificar a vedação. Por isso nos penitenciamos nesta nova edição. Aliás, essa é uma das razões que justifi-cam as edições subsequentes: para confessar os nossos erros, se necessário.

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a dispensa ou inexigência, não é capaz de afastar a incidência do regime jurídico contratual previsto na Lei nº 8.666/93. Não é certo imaginar que os percentuais legais de acréscimo ou supressão devem ser observados apenas nos casos em que o contrato decorreu de lici-tação. Em princípio, todas as disposições previstas na Lei nº 8.666/93 relativas aos contratos administrativos aplicam-se a todos os negócios jurídicos firmados pela Administração, independentemente de serem decorrentes de licitação, dispensa e inexigência.

Uma das condições legais previstas na ordem jurídica e que condiciona a ação dos agentes públicos é a que fixa limite máximo para a realização de acréscimo quantitativo no objeto do contrato. A fixação do limite previsto no § 1º do art. 65 da Lei nº 8.666/93 impõe, entre outras exigências, que a Administração prime pelo pla-nejamento adequado da contratação, sob pena de a necessidade administrativa não ser plenamente atendida pelos termos originais do contrato. No entanto, não parece razoável afirmar que a ordem jurí-dica não permite realizar um acréscimo contratual além do limite previsto no § 1º do art. 65 da Lei nº 8.666/93. Esse comando não pode ser interpretado em sentido absoluto, mas apenas relativo. Tam-bém não se pode pensar que a vedação prevista no § 1º do art. 65 pode ser simplesmente ignorada. O que se pretende é dar aos termos do referido preceito uma interpretação adequada, pois em determi-nadas situações não será possível simplesmente dizer que o limite é intransponível e constitui condição absoluta.

Nenhuma condição prevista na ordem jurídica pode ser con-siderada absoluta, nem mesmo quando o texto preveja proibição literal. A evolução em torno da interpretação jurídica possibilitou compreender que não se pode confundir o enunciado prescritivo (texto) com a norma que dele pode ser extraída. Aliás, nem mesmo a vida – que é o valor mais importante da ordem jurídica – é conside-rado como absoluto, basta ver que o Código Penal acolhe a legítima defesa, o exercício geral de direito e o estado de necessidade.

Mas apenas como pano de fundo, vamos imaginar que o limite do acréscimo contratual previsto no § 1º do art. 65 da Lei nº 8.666/93 encerrasse uma condição absoluta. Sendo assim, como resolver a situação na qual, para obter a solução desejada para atender à

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integral necessidade da Administração, fosse necessário realizar um acréscimo cujo percentual é superior ao do limite definido no refe-rido preceito? E mais, que se reconheça que não é possível ter outro prestador ou contratado para executar a quantia que excede o limite, pois se trata de uma solução de caráter personalíssimo ou de natu-reza integrada, que deve ser feita pelo próprio contratado, ou, ainda, que a contratação de um terceiro tornaria oneroso demais o negócio. Ora, se o limite fosse absoluto, não haveria como resolver o pro-blema, não haveria meios de satisfazer a necessidade da Administra-ção, que é a razão que justifica a própria contratação. Porém, não se pode reconhecer simplesmente que o acréscimo não poderá exceder o limite. A finalidade desse limite é impedir outras coisas, e não que a necessidade seja satisfeita. Aliás, a plena satisfação da necessidade é o valor mais importante do regime jurídico da contratação pública. Mais importante do que o próprio princípio da igualdade. Esse não é um entendimento de mero foro íntimo, mas de uma condição do próprio inc. XXI do art. 37 da CF.

Por outro lado, se a necessidade que ensejou o acréscimo além do limite decorrer de falha ou inadequado planejamento de deter-minado agente público, é ele que deve ser responsabilizado, e não o interesse público. Reconhecer que o limite é absoluto é punir o inte-resse público. Em situações excepcionais, é possível sim extrapolar os limites previstos no § 1º do art. 65 da Lei nº 8.666/93, sem pre-juízo da responsabilização do agente faltoso. Idêntica solução deve ser adotada em relação à contratação por emergência com funda-mento no inc. IV do art. 24 da Lei nº 8.666/93, ainda que resulte de desídia ou falta de planejamento. No referido caso, é lícito realizar a contratação emergencial, bem como é indispensável responsabi-lizar quem deveria ter promovido a licitação no prazo adequado e não o fez, pois uma coisa não impede a outra. A desídia do agente público não obsta a contratação direta por emergência, mas possi-bilita a sua própria responsabilização. Evidentemente, todas as jus-tificativas devem ser devidamente apresentadas e materializadas no processo, a fim de que os órgãos incumbidos da fiscalização possam apreciá-las. Nos casos indicados, extrapolar o limite não é ilegal; a eventual ilegalidade estará em não extrapolá-lo e deixar a necessi-dade da Administração sem pleno atendimento.

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Portanto, cumpre reafirmar que o contratado não pode alterar unilateralmente o “E”. Somente a Administração pode fazê-lo. Essa é uma possibilidade que traduz o que se denomina de cláusula exor-bitante em favor da Administração. A alteração unilateral do “E” pelo contratado configura descumprimento contratual e enseja a devida punição.

9. 9. alterações do “r”

É vedado à Administração, de forma unilateral, alterar o “R”.

A alteração do “R” pela Administração é apenas reflexiva, no sentido de que a alteração do “E” modifica o “R”, por consequência. Sem alteração do “E”, não é possível que a Administração modifique o “R”.

Também, de forma unilateral, o contratado não poderá aumen-tar o “R”, mas poderá reduzi-lo. A alteração do “R” pelo contratado pode ser unilateral (para reduzir) ou por acordo (para aumentar ou reduzir).

A alteração do “R” é determinada, em princípio, em razão da alteração do “E”. Existem casos, no entanto, em que o “E” perma-nece o mesmo, e o “R” é modificado. Também é possível que o “E” seja alterado e o “R” permaneça igual.

A alteração do “E” e do “R” é sempre motivada por fatores ou razões de ordem objetiva. A redução do “R” pode ser fundada em razões subjetivas (hipótese de redução do “R” pelo próprio contra-tado), sem causa objetiva, mas isso é excepcional.

10. 10. desequilíbrio da equação e recomposição

Uma das questões jurídicas mais tormentosas para a doutrina e os tribunais diz respeito à recomposição da equação econômico--financeira dos contratos. A questão central é saber quando há

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desequilíbrio na equação e, em razão dele, quando haverá necessi-dade de sua recomposição.

“E” é igual a “R”. Ora, se é assim e se o “E” tem um conteúdo econômico, e “R” financeiro, deve haver uma relação de equivalên-cia entre ambos, em função da qual repousa a ideia de equilíbrio e recomposição.

Então, diante dessa equivalência, é preciso saber se qualquer situação ou fato que provoque seu rompimento (causando desequilí-brio) ensejará a necessidade de sua recomposição ou se esta somente ocorrerá frente a certos pressupostos.

A ordem jurídica vigente protege o equilíbrio entre “E” e “R”.

Essa proteção é dada, em princípio, pelo inc. XXI do art. 37 da Constituição da República, quando revela que a licitação deve assegurar o pagamento pela execução do “E” e, ainda, que as condi-ções efetivas da proposta do licitante vencedor devem ser mantidas. A condição mais importante da proposta é a definição do “R”. Então, diz a Constituição que o “R” deve ser mantido, isto é, deve ser preser-vado na relação de equivalência com o “E”, durante todo o contrato.

A par da disciplina constitucional, a Lei nº 8.666/93 também regula a manutenção da relação entre “E” e “R” na alínea “d” do inc. II do art. 65, nestes termos:

Art. 65 (...)

II - (...)

d) para restabelecer a relação que as partes pactuaram inicialmente entre os encargos do contratado e a retribuição da Administração para a justa remuneração da obra, serviço ou fornecimento, objetivando a manuten-ção do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, na hipótese de sobrevirem fatos imprevisíveis, ou previsíveis, porém de consequên-cias incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, con-figurando álea econômica extraordinária e extracontratual.

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Diz o texto legal que existem situações que podem configu-rar “álea econômica extraordinária e extracontratual” e que ela pode causar desequilíbrio à relação. E, mais, que tal desequilíbrio deve ser corrigido por acordo das partes (inc. II do art. 65).

A palavra “álea” provém de aleatório e significa, segundo o Dicionário Aurélio, o que “depende de fatores incertos, sujeitos ao acaso; casual, fortuito, acidental”. Portanto, álea é um risco, algo incerto, que não se pode precisar se acontecerá ou não.

Quando fixamos o “E”, definimos aquilo que será realizado pelo contratado. Para que o contratado estime o “R”, ele deve saber o que terá de executar, pois é com base nisso que dimensionará a sua remuneração (“R”).

Quando definimos o que ele irá executar, fixamos para o futuro contratado o que podemos chamar de álea econômica ordinária e contratual. É álea porque representa o risco (encargo) que o contra-tado irá assumir. É ordinária porque é normal, é usual, é habitual e decorre da própria atividade econômica que o contratado explora. Quem explora uma atividade econômica corre risco, que deve ser, em razão do seu caráter comum, devidamente previsto. É contratual porque está prevista, foi incluída no contrato, é parte daquilo que o contratado considerou ou deveria ter considerado quando estimou o “R”. Por isso, a exata previsão do “E” no edital é fundamental para precisar o que é ou não contratual.

A álea extraordinária e extracontratual é o risco incomum, anor-mal, não usual, não habitual e que não foi previsto no contrato por não integrar o “E”.

Essa álea extraordinária não foi considerada porque o era total-mente imprevisível ou, ainda que possível sua previsão, não havia razão lógica para a sua inclusão no “E”, pois incerta a sua ocorrên-cia. Sob esse rótulo, incluem-se também as situações previsíveis cujas consequências são incalculáveis.

Em princípio, o contrato deve ser revisto sempre que houver desequilíbrio da relação entre “E” e “R” ocasionado por situações e

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fatos extraordinários e extracontratuais. Nos demais casos não há de se falar em revisão, mas em reajuste ou repactuação.

O reajuste e a repactuação são, salvo exceções, situações pre-vistas no contrato. Logo, não podem ser consideradas extracontratu-ais, mas próprias do contrato.

Por outro lado, é necessário esclarecer que a equação envolve dois binômios ou dois termos: “E” e “R”. Então, o desequilíbrio pode ser causado por situações que atingem diretamente o “E” ou o “R”. Para facilitar a compreensão do problema, avaliaremos as principais situações e fatos que podem incidir sobre o “E” e sobre o “R”.

11. 11. fatos que incidem sobre o “e” e o “r”

Com base na afirmação de que “E” é igual a “R” e que tal rela-ção pode ser representada com uma balança de dois pratos, no prato da esquerda colocaremos o “E”, e no da direita, o “R”.

Quando o edital é publicado, o prato da esquerda (do “E”) fica na posição inferior e, com a proposta vencedora, o prato da direita (do “R”) desce até atingir a mais exata posição horizontal. Nesse momento, há o equilíbrio perfeito, que deve ser assegurado em toda a duração do contrato.

No entanto, em determinado momento da licitação, inicia-se o que poderíamos chamar de “pesagem” do “R”, que é o julgamento das propostas.

Ao julgar as propostas, é como se colocássemos cada uma delas no prato da direita e observássemos o que ocorre. Quando o prato da direita descer muito além da linha horizontal, é provável que o “R” seja excessivo.

Por outro lado, se o prato da direita fica muito próximo à sua posição inicial, significa que estamos (provavelmente) diante de um “R” inexequível.

A posição ideal é a horizontal.

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A ideia de equivalência horizontal não revela uma igualdade absoluta, isto é, não existe uma equivalência exatamente métrica entre o “E” e o “R”, mas apenas jurídica.

De qualquer forma, quando decidimos qual é a proposta vence-dora, constituímos uma situação de equivalência jurídica, que deverá ser respeitada. Também, quando desclassificamos todas as propostas por preço excessivo, rejeitamos o “R” e, igualmente, afirmamos que aquela equivalência não pode ser aceita.

Quando, diante da desclassificação de todas as propostas, fixa-mos prazo para que novas propostas sejam apresentadas, proporcio-namos nova oportunidade para viabilizar a equivalência jurídica.

Há fatos que incidem sobre o “E” e sobre o “R”, ocasionando o rompimento da equação ou do equilíbrio formado. Portanto, é pre-ciso identificar todas essas situações que comprometam a equivalên-cia jurídica e analisá-las.

Com efeito, podem causar o desequilíbrio na equação e ensejar a necessidade de recomposição:

a) Alterações qualitativas (especificações) do “E”;

b) Alterações das quantidades do “E”;

c) Alterações dos custos dos materiais empregados;

d) Alterações dos custos da mão de obra;

e) Alterações dos impostos ou encargos legais (fato do príncipe);

f) Eventos naturais (caso fortuito);

g) Eventos humanos (força maior); e

h) Eventos da própria Administração (fato da Administração).

Importante lembrar que os pratos da balança tanto podem subir como descer. Com isso, o rompimento do equilíbrio tanto pode ser para aumentar o “R” como para reduzi-lo. A recomposição é uma via de mão dupla. A situação deve ser analisada à luz de cada caso concreto.

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11.1. 11.1. Alterações das especificações do “E”

Em razão do princípio da supremacia do interesse público, que ainda vigora sem algumas necessárias restrições, a Administração pode alterar, de forma unilateral, o “E” para melhor adequação às suas finalidades. Em outras palavras, a Administração, independente-mente da concordância do contratado, pode alterar a solução identi-ficada para resolver o seu problema.

O raciocínio é: se o que determina a deflagração do processo de contratação é a necessidade administrativa e, com base nela, é definido o “E”, havendo alteração na necessidade, deverá haver, por conseguinte, a alteração do “E”. Por isso, se a necessidade é o pro-blema, e o “E” a solução, alterada a necessidade, é preciso proceder, quando for o caso, à alteração da solução. Em algumas situações, é possível que a alteração no “E” não tenha fundamento direto na alte-ração da necessidade. Nesse caso, a alteração seria da própria solu-ção identificada.

O fundamental aqui é reconhecer que se houver alteração nas especificações do “E”, será preciso também alterar o “R”, salvo em situações específicas. O “R” tanto poderá ser aumentado como redu-zido. Cada situação concreta determinará o que ocorrerá com o “R”, isto é, se ele aumentará ou se será reduzido.

Desse modo, se o “E” aumenta, o “R” também aumentará na mesma proporção, de modo a preservar o equilíbrio, que nada mais é do que a equivalência inicial. Há casos em que a alteração do “E” não importa em alteração no “R”, isso ocorre quando a alteração no “E” equivale a trocar “seis por meia dúzia”. Ou seja, há alteração, mas não desequilíbrio, pois o que foi excluído equivale ao que foi incluído. Houve alteração do “E”, mas ela não proporcionou dese-quilíbrio ao “R”.

Extrai-se disso uma importante conclusão: nem todas as altera-ções implicam desequilíbrio. Somente haverá recomposição quando houver desequilíbrio, tendo ou não havido alteração no “E”.

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Em princípio, não há um limite legal definido de forma clara e inquestionável para a denominada alteração qualitativa. A rigor, está vedada a desnaturação do “E”. Assim, é viável realizar alterações nas especificações, desde que não haja a descaracterização do “E”. A título de exemplo, não é possível licitar vigilância eletrônica e alterar para vigilância armada. A ideia de desnaturação está mais ligada ao núcleo do “E”, que é o seu objeto, do que às demais obrigações; mas em relação a elas, em determinadas situações, também pode haver desnaturação da solução.

Como se trata de uma alteração que pode agregar novas condi-ções ao “E”, poderá ocorrer discussão em torno do novo valor a ser acrescido ao “R”. A solução deve, preferencialmente, ser a consen-sual. Para chegar a um acordo, é preciso recorrer aos preços pratica-dos no mercado e, com base neles, fixar o novo valor do “R”. Sem consenso, a discussão será, infelizmente, travada na via judicial.

11.2. 11.2. Alterações das quantidades do “E”

Em razão do princípio da supremacia, pode a Administração aumentar ou reduzir a quantidade do “E”.

Uma coisa é a alteração qualitativa, a outra é a alteração quan-titativa. Em função da primeira, são alteradas as especificações técni-cas do “E”; na segunda, as especificações são mantidas, sendo alte-rada, em princípio, apenas a sua quantidade. O “E” é mantido na sua essência e conteúdo, mas aumentado no seu volume e dimensão.

Se a Administração aumenta a quantidade do “E”, deve aumen-tar o “R”, sob pena de violar o equilíbrio. Por exemplo, se o contra-tado devia limpar uma área de 2.500m² e, em razão do acréscimo, passará a limpar 3.000m², deverá ser recompensado por isso.

É possível existir alteração qualitativa e quantitativa em um mesmo contrato, simultaneamente ou não. A alteração poderá envol-ver as duas coisas e isso poderá acontecer ao mesmo tempo ou em momentos distintos, bem como mais de uma vez durante o contrato, desde que respeitados os limites legais, salvo situações excepcionais.

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11.3. 11.3. Alterações dos custos dos materiais empregados

Em princípio, a alteração dos custos dos materiais empregados não integra o rol das situações extraordinárias e extracontratuais que ensejam a revisão dos contratos administrativos, por ser ordinária e contratual. Então, o que temos é simplesmente a aplicação de uma cláusula contratual, descartada a hipótese de algo extracontratual.

Em verdade, no caso de alteração dos custos dos materiais empregados, há o que se denomina de reajuste e repactuação. O reajuste e a repactuação são mecanismos idealizados com o objetivo de corrigir o desequilíbrio, que, já se sabe, ocorrerá com o tempo, em razão do processo inflacionário. Por isso, eles são utilizados em contratos de execução prolongada no tempo, como nos serviços de terceirização, que podem chegar a até 60 meses, ou na execução de obras e serviços de engenharia.

Os mecanismos de reajuste e repactuação atuam no sentido de devolver o poder de compra do “R”, que com o tempo vai dimi-nuindo. Antes de 1994, esses mecanismos eram utilizados mensal-mente para recompor as perdas em razão da inflação. Com o controle da inflação a partir de 1994, o reajuste e a repactuação passaram a ser anuais, ou seja, realizados a cada período de doze meses, a contar da data da apresentação das propostas.

11.4. 11.4. Alterações dos custos da mão de obra

À semelhança dos materiais, as alterações dos custos da mão de obra também desequilibram o “R”, pois os salários e benefícios a serem pagos sofrem modificações ao longo do período de execução do contrato. A periodicidade é anual, assim como a dos materiais. A diferença é que a mão de obra tem periodicidade distinta, pois segue a data-base da categoria profissional alocada no contrato, conforme legislação específica.

Então, haverá repactuação para a mão de obra um ano após o acordo, convenção ou dissídio anterior e que serviu de base para a fixação do “R”. Nesse caso, a periodicidade nada tem a ver com a

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data da apresentação da proposta ou da celebração do contrato, mas com a data do acordo, da convenção ou do dissídio.

11.5. 11.5. Alterações dos impostos ou encargos legais (fato do príncipe)

A alteração dos impostos ou encargos legais enseja a revisão do “R” sempre que sobre ele incidirem diretamente, agravando a situa-ção do contratado. Se ao formatar o “R”, o licitante considerou uma alíquota de 3% de imposto e esta aumentar para 5%, será devida a recomposição. Caberá a revisão (e não o reajuste ou a repactuação) porque o fato é, em princípio, extraordinário e extracontratual.

Aumento de tributo é o que se denomina de fato do príncipe, e ele é uma situação geral que repercute sobre o contrato, causando desequilíbrio.

11.6. 11.6. Eventos naturais (caso fortuito)

Caso fortuito é o evento da natureza que agrava, onera ou impede a execução do contrato. O impedimento pode ser absoluto ou relativo.

O impedimento absoluto enseja, obrigatoriamente, a rescisão do contrato, e o relativo, não necessariamente. Principalmente, no caso dos impedimentos relativos, o cumprimento do contrato pode onerar o contratado, pela diminuição do “R”. Para cumprir o contrato, o contratado terá de despender mais do que teria se não houvesse o evento natural. Por evento natural, podemos considerar um vendaval, uma inundação, um ciclone, a queda de uma ponte, a destruição de uma estrada e tantas outras situações.

Durante a execução do contrato, poderão acontecer eventos da natureza que tornem mais onerosa a execução do “E”. Quando alguma situação imprevisível ou mesmo previsível, mas de consequências incalculáveis, tornar mais onerosa a execução do contrato e não inte-grar a modalidade do risco ordinário, a revisão será devida.

É importante ter a clareza, no entanto, que pode haver um evento natural e não haver desequilíbrio na relação contratual. Então,

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não é todo evento natural que enseja revisão, mas somente aquele que viola, de forma efetiva e comprovada, o equilíbrio do contrato.

11.7. 11.7. Eventos humanos (força maior)

Os eventos humanos se equiparam aos da natureza, têm a mesma dimensão jurídica e assim devem ser considerados. Tudo o que afirmamos sobre os eventos da natureza se aplica para os eventos humanos.

11.8. 11.8. Eventos da própria Administração (fato da Administração)

Fato da Administração é a situação criada pela própria Admi-nistração e que agrava, impede ou onera o contrato. Isto é, por ação ou omissão da própria contratante, o contratado precisará despender mais recursos financeiros para cumprir o “E”.

Comprovado o desequilíbrio, caberá a recomposição.

12. 12. reVisão, reajuste e repactuação

Importante ter clareza quanto à distinção entre recomposição, revisão, reajuste e repactuação. São quatro figuras distintas e não devem ser confundidas, muito embora normalmente isso aconteça.

Não há, na doutrina, unanimidade quanto ao conteúdo das quatro figuras apontadas (recomposição, revisão, reajuste e repac-tuação). Isso cria uma espécie de Torre de Babel, onde ninguém se entende.

Toda palavra tem a finalidade de identificar algo a fim de distin-gui-lo dos demais, podendo ser uma realidade, um fenômeno, uma pessoa, um objeto. Toda palavra tem um conteúdo, e é ele que viabi-liza o processo de comunicação. Assim, é necessário deixar claro o conteúdo das palavras, sob pena de comprometer o entendimento e não viabilizar a comunicação entre as pessoas.

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Então, vamos começar esclarecendo o que é recomposição.

Recomposição é uma expressão genérica que designa todo e qualquer reequilíbrio da equação econômico-financeira, por força de revisão, reajuste ou repactuação. Sempre que for rompido o equi-líbrio entre “E” e “R”, será necessário promover a recomposição, independentemente do rótulo que se atribua ao fato que ensejou o rompimento.

Portanto, recomposição é o gênero do qual são espécies a revi-são, o reajuste e a recomposição.

Revisão é, por sua vez, a recomposição do “R” em razão de desequilíbrio extraordinário e extracontratual.

Ocorrendo o desequilíbrio e não havendo mecanismo previsto no contrato para promover o equilíbrio da relação, pois os fatos que romperam a equivalência entre “E” e “R” não foram previstos ou eram imprevisíveis ou, ainda, eram previsíveis, porém de consequências incalculáveis, a recomposição será realizada mediante revisão.

Dessa forma, na revisão, admitiremos que o equilíbrio do “R” em relação ao “E” foi rompido por um fato estranho à álea ordinária e contratual. Quando não houver um mecanismo no próprio contrato para recompor o “R”, estaremos diante da figura da revisão.

O reajuste e a repactuação, basicamente, são formas de recom-posição do “R” em razão de desequilíbrio ordinário e contratual, ocasionado pelo processo inflacionário. O reajuste e a repactuação recompõem a perda inflacionária relativamente ao material e à mão de obra que integram o “E”. O desequilíbrio é ordinário e contratual porque é normal e previsível.

O “R” é indispensável para que o “E” seja executado de forma regular. Em um contrato de terceirização, por exemplo, integram o “E” a mão de obra e o material a ser empregado (insumo). De acordo com as regras vigentes, anualmente, os custos da mão de obra e dos materiais empregados serão recompostos mediante reajuste ou repactuação.

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Reajustar é devolver para o contratado o poder de compra do “R”. Com o passar do tempo, é necessário mais dinheiro para remu-nerar a mesma mão de obra e adquirir os mesmos materiais. Então, é como se o “R” fosse, aos poucos, sofrendo um desgaste e, portanto, periodicamente, é preciso corrigir (recompor) esse desgaste.

A periodicidade definida na Lei nº 10.192/01 é a anual. Exis-tem duas formas de resolver o problema do desgaste do “R” em razão da inflação. A primeira é dizer aos interessados que eles não terão reajuste dos materiais e da mão de obra. Assim, eles terão de jogar uma gordura no seu “R” quando elaborarem as propostas, para fazer frente a eventual perda. A outra forma é deixar claro que, de acordo com certas condições e em periodicidade determinada, haverá rea-juste. Essa foi a opção do legislador e o modelo que deve ser seguido. Deixar de prever o reajuste e a repactuação, quando cabíveis, é vio-lar a ordem jurídica, e as consequências deverão ser assumidas pelo agente responsável por tal decisão.

O fato de não conhecer o índice da inflação em dado período não impede a previsão do mecanismo para a recomposição. Uma coisa nada tem a ver com a outra. Com efeito, se previsto no contrato o reconhecimento prévio do desequilíbrio da relação entre “E” e “R” em razão da inflação e, ainda, se determinada a forma de recomposi-ção, estaremos diante de reajuste ou repactuação.

O que diferencia o reajuste da repactuação é simplesmente o fato de que no reajuste, a recomposição do “R” é feita por meio de um índice geral ou específico. Na repactuação, a recomposição é realizada com base na variação dos custos dos insumos previstos em uma planilha de composição de preços.

O reajuste opera-se com base na variação de determinado índice, que foi adotado por ocasião do planejamento da contratação e divulgado no edital ou na minuta do contrato (parte integrante do edital).

Na repactuação, não se utiliza um índice, mas uma plani-lha. A planilha é o mecanismo mais eficiente e justo para promover

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a recomposição, pois, por meio dela, a manutenção do equilíbrio acontece de forma mais exata e precisa.

Ora, se o “R-1” é apurado com base em planilha específica, a forma mais justa de apurar o eventual desequilíbrio (“R-2”) é verificar a variação dos custos da referida planilha.

Após um ano da apresentação da proposta ou do orçamento a que a proposta se referir, analisa-se novamente a planilha para saber se houve ou não desequilíbrio e, ainda, se ele representará aumento ou redução do “R”.

A revisão não tem prazo ou data-base para ocorrer, o reajuste e a repactuação têm data e prazos definidos.

Portanto, o desequilíbrio é determinado pela variação dos cus-tos dos materiais ou da mão de obra e, se foi previsto mecanismo para a sua correção, a recomposição é denominada de reajuste ou repactuação.

A mão de obra deve ser reajustada ou repactuada, observada a periodicidade de um ano do dissídio, do acordo ou da convenção, sempre na data-base da categoria. O material que integra o “E” deve ser reajustado ou repactuado, observada a periodicidade anual, a contar da data da apresentação da proposta. São, portanto, dois even-tos distintos e que ocorrem em datas normalmente não coincidentes.

A recomposição, por meio de reajuste ou repactuação, deve ocorrer em dois momentos distintos, isto é, para recompor a mão de obra e para atender aos materiais, salvo se ocorrerem na mesma data, o que é raro. A mão de obra deve ser recomposta na data do dissídio; os materiais devem ser recompostos doze meses a contar da apresentação das propostas.

Por outro lado, se há desequilíbrio no “R” e o fato que o enseja não é a inflação relativa à mão de obra ou ao material empregado, não há de se falar em reajuste ou repactuação, mas em revisão.

Então, se o que desequilibra o “R” é o aumento da alíquota de um imposto ou de encargos sociais, bem como fatos imprevisíveis ou

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previsíveis, porém de consequências incalculáveis ou mesmo fatos da Administração, a recomposição será realizada por meio de revisão.

Além dessas características, o que diferencia a revisão do rea-juste e da repactuação é que a revisão pode acontecer a qualquer momento, não havendo para ela uma periodicidade certa e definida. A única condição é o fato que enseja a revisão ser posterior à data da apresentação da proposta ou, não sendo posterior, o seu conheci-mento deverá ser. Assim, o fato que desequilibra o “R” deve ser des-conhecido quando da elaboração da proposta.

Ademais, um contrato pode ser revisado várias vezes no mesmo ano, não há norma que impeça isso. O que determinará a revisão é a ocorrência de fato ou condição que lhe dê fundamento de validade.

Da mesma forma, um contrato poderá ser reajustado ou repac-tuado mais de uma vez no mesmo período de um ano, desde que não pelo mesmo motivo. Não há nenhum fundamento de validade para afirmar que o contrato somente pode ser reajustado ou repactuado uma única vez por ano. Isso é um despropósito, cujo fundamento legal não existe. É perfeitamente possível repactuar o contrato de ter-ceirização em razão do dissídio em março, e em julho repactuar os custos dos materiais. Da mesma forma, se o contrato de prestação de serviços é integrado por três categorias diferentes e cada qual tem uma data-base distinta, em cada uma dessas datas-base deverá ocor-rer a repactuação. Conceder a repactuação para a primeira categoria e negar para as duas últimas, sob o argumento de que a ordem jurí-dica só admite uma única repactuação por contrato, é lamentável.

13. 13. prazo de duração do contrato e prazo de execução do “e”

Existe uma diferença entre prazo de duração do contrato e prazo de execução do “E”.

Normalmente, o prazo de duração do contrato é maior do que o de execução do “E”, pois, após cumprir o “E”, a Administração deve receber, conferir e aceitar o encargo e, depois, realizar o pagamento

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do “R”, total ou a parcela remanescente. O prazo de execução, então, compreende o tempo necessário para executar o “E”, e o prazo do contrato, o tempo correspondente à execução do “E” mais o necessá-rio para cumprir o “R”.

Como regra, nos contratos de que participa a Administração Pública, para receber o “R”, é preciso antes cumprir o “E”.

O “E” não se resume ao objeto, pois, além dele, compreende outras obrigações e condições. O objeto é a essência do “dar” e do “fazer”, basicamente.

Temos obrigação de dar nos negócios que envolvem forneci-mento de bens, tais como compra e venda de veículos, equipamentos e materiais. É exemplo de obrigação de fazer os negócios que envol-vem a prestação de serviços, como elaboração de projetos, emissão de pareceres jurídicos, limpeza, vigilância e execução de obras.

Há dois tipos básicos de necessidades da Administração: (a) aquela que é continuada, isto é, nunca cessa e representa necessi-dade permanente da Administração; e (b) aquela que cessa em razão da execução do “E” pelo contratado.

Por isso, se um contrato é celebrado porque tem por objeto a solução (“E”) para um problema (necessidade) da Administração, a sua duração deve estar ajustada, em princípio, a essa realidade.

Não haveria sentido lógico determinar que o prazo máximo de um contrato de obra de engenharia é de dez meses, se ao final a obra não estiver concluída. Ou ainda, fixar que o prazo máximo para a conclusão de um programa de informática é de, no máximo, dois anos, se ao final a solução não estiver concluída. Nesses exemplos, a solução indispensável para atender à necessidade está diretamente vinculada ao que se chama de escopo, ou seja, o que interessa é obter a conclusão, e não apenas observar um prazo.

Não estamos dizendo que, nesses casos, o prazo de execução não tem nenhuma importância. Ele tem importância sim, apenas não é fundamental em razão de certos tipos de negócios. Também, não afirmamos que se o contratado assume a obrigação de executar o

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“E” em determinado prazo e não o faz, não haverá nenhuma con-sequência. Até porque se ele não observa o prazo de execução do “E”, deverá ser punido, nos termos previstos no edital, salvo se o fato que originou o descumprimento não puder ser a ele imputado.

No momento do planejamento da contratação, é preciso consi-derar que os contratos por prazo e os por escopo têm natureza distinta e devem se submeter a regime jurídico diverso. Se isso não ocorrer, é provável que haja sérios problemas para resolver na fase contratual. O que acontece nessa fase é o resultado do encargo (“E”) que defi-nimos na fase interna (planejamento). Por considerar, especialmente, que os contratos por escopo têm uma natureza distinta, o § 1º do art. 57 da Lei nº 8.666/93 possibilita a prorrogação do prazo de conclu-são, mediante o cumprimento de certas condições.

As atividades de conservação, limpeza, segurança, vigilância, transporte rotineiro, recepção, manutenção, etc. são necessidades permanentes, continuadas. Como regra, o escopo não se exaure, tal como ocorre em uma obra de engenharia. Portanto, esses contratos não podem ser por escopo, mas por prazo, sob pena de serem eterni-zados. Por essa razão, esses negócios devem ser firmados por prazo determinado. É possível cogitar a existência de um contrato de lim-peza ou transporte por escopo, porém, só de forma excepcional.

Em suma: existem negócios cuja duração tem relação direta com o cumprimento de um prazo certo, e outros que estão vincula-dos à conclusão da solução (objeto). No primeiro caso, a necessidade da Administração não se exaure ao término do prazo de duração do contrato. No segundo caso, com a entrega da solução, a necessidade é satisfeita.

A Lei estabeleceu um limite máximo para o dimensionamento do contrato por prazo, que é de 60 meses. O dimensionamento do prazo inicial pode ser feito pelo prazo de 60 meses ou por prazo menor.

Portanto, uma coisa é o prazo em que o contratado deve cum-prir a sua obrigação (encargo), e outra é o prazo do contrato, no qual as duas partes devem cumprir as suas obrigações (encargo e remuneração).

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14. 14. inexecução e rescisão do contrato

A inexecução dos contratos pode estar relacionada ao não cum-primento do “E” ou do “R”. O “E” é definido pela Administração para ser cumprido pelo contratado (particular). O “R” é estabelecido pelo contratado, na sua proposta, para ser cumprido pela Administração. Portanto, de um lado a Administração deve cumprir o “R” e, de outro, o contratado deve executar o “E”.

A inexecução do “E” pode ser culpa do contratado, da Adminis-tração, por ato de terceiros ou em decorrência de eventos da natureza.

A inexecução do “E” pode ser total ou parcial. A inexecução total conduz à rescisão do contrato. A inexecução parcial não produz necessariamente a rescisão, mas impõe consequências para quem deixa de cumprir as suas obrigações contratuais.

As consequências para a inexecução total ou parcial são as san-ções previstas no contrato e que constam da Lei nº 8.666/93 ou da Lei nº 10.520/02, conforme o regime jurídico aplicável. No caso de ine-xecução total do “E”, caberá rescisão do contrato e, ainda, conforme o caso, a aplicação de uma das sanções previstas legalmente. Assim, é possível a suspensão do direito de licitar e contratar e aplicação de multa compensatória. Na inexecução parcial, é preciso dimensionar a gravidade da falta e, de acordo com ela, poderá ser aplicada multa moratória ou simplesmente advertência.

Nos contratos bilaterais privados, quando uma parte não paga o “R”, a outra pode deixar de cumprir, total ou parcialmente, o “E”. No contrato administrativo, em princípio, o não cumprimento do “R” pela Administração não possibilita que o contratado deixe de cumprir o “E”, pelo menos pelo prazo de 90 dias. Essa condição é passível de questionamento, mas não será analisada nesta ocasião.

O art. 78 da Lei nº 8.666/93 indica os motivos que podem con-duzir à rescisão do contrato. Configurada uma das hipóteses do art. 78, isso não significa, necessariamente, que o contrato deverá ser rescindido. A rescisão dependerá das peculiaridades de cada caso.

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15. 15. a formalização das alterações contratuais

O contrato é um acordo de vontades que cria obrigações recí-procas. Ele se expressa por meio da relação existente entre “E” e “R”. Logo, o contratado deve cumprir o “E” tal como foi definido no con-trato, e a Administração deve pagar o “R” da mesma forma. Em prin-cípio, o acordo deve ser cumprido como definido, ou seja, sem que haja alteração.

No decorrer do contrato, podem surgir fatos que determinem mudanças tanto em relação ao “E” como em relação ao “R”. Esses fatos já foram analisados acima. Uma alteração referente ao “E” ou ao “R” não significa inovação contratual, ou seja, modificação das bases contratuais.

Em tese, o “R” pode ser alterado e o contrato continuar exata-mente o mesmo. Um exemplo de modificação que não expressa alte-ração é a descrita no § 8º do art. 65 da Lei nº 8.666/93, nestes termos:

a variação do valor contratual para fazer face ao reajuste de preços pre-visto no próprio contrato, as atualizações, compensações ou penaliza-ções financeiras decorrentes das condições de pagamento nele previs-tas, bem como o empenho de dotações orçamentárias suplementares até o limite do seu valor corrigido, não caracterizam alteração do mesmo, podendo ser registrados por simples apostila, dispensando a celebração de aditamento.

Em síntese, diz o dispositivo que a alteração do “R” decorrente de aplicação de cláusula prevista no próprio contrato não ensejará a elaboração de termo aditivo, mas será formalizada por meio de sim-ples apostilamento. Apostilar é registrar nos autos do processo que originou a contratação ou em livro ou termo à parte.

Sob o ponto de vista material, há duas situações a considerar: as que implicam modificações na base contratual e as que não pro-duzem alteração material.

Entende-se por alteração material a mudança que se processa nas condições originais do “E” ou do “R”. As mudanças que produzem

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alteração material devem ser formalizadas mediante termo aditivo, e as que não produzem tal alteração, por simples apostilamento. Assim, o termo aditivo é o documento que expressa uma alteração material no “E” ou no “R”, ou em ambos.

A regra diz que quando o acordo de vontades for modificado na sua essência, será necessário termo aditivo, pois as bases contra-tuais foram alteradas. Por outro lado, quando houver simples altera-ção nominal do “R” decorrente de condição já prevista no próprio “contrato”, não haverá necessidade de firmar termo aditivo, pois nada foi alterado. Nesse caso, bastará um simples registro dando conta do motivo da alteração nominal. Nada mais do que isso.

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Considerações Finais

o fenômeno da contratação pública é “3d”

1. A contratação pública é considerada tradicionalmente um fenô-meno do tipo “2D”, ou seja, é pensada com apenas duas dimen-sões: a licitação e o contrato. No entanto, de acordo com o que vem sendo defendido pela Zênite na última década, a contrata-ção é, na verdade, um fenômeno do tipo “3D”, estruturada em três diferentes dimensões: planejamento (fase interna), seleção da proposta (fase externa) e fase contratual. A dimensão mais importante é a do planejamento, que, pelo modelo tradicio-nal, é relegada a um terceiro plano, pois a preocupação é vol-tada para a realização da licitação e execução do contrato. Na visão tradicional, a finalidade da fase interna é a elaboração do edital, e não o planejamento da contratação. E o planejamento resulta da elaboração do edital, quando é este que deve ser o resultado final do planejamento.

2. A nova concepção defendida se diferencia do modelo tradicio-nal, entre outras, pelas seguintes razões:

a) Ampliação da visão em torno da dimensão do fenômeno da contratação;

b) Ênfase atribuída ao planejamento da contratação;

c) Organização e definição clara das etapas que integram o planejamento e finalidade de cada uma delas;

d) Foco no encargo a ser fixado;

e) Definição clara e sistêmica da relação entre as três fases do processo;

f) Importância da definição adequada do procedimento e da modalidade a serem utilizados na fase externa a fim de obter a melhor relação benefício-custo e reduzir riscos contratuais;

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g) Indicação precisa da formação do contrato administrativo; e

h) Clareza sobre a fonte dos problemas e como eles podem ser evitados.

a definição de processo de contratação pública

3. De acordo com a nova visão, o processo de contratação é definido como o conjunto de fases, etapas e atos estruturado de forma lógica para permitir que a Administração, a partir da identificação da sua necessidade, planeje com precisão o encargo desejado e minimize seus riscos, bem como selecione, em princípio, de forma isonômica, a pessoa capaz de satisfazer a sua necessidade pela melhor relação benefício-custo.

as três dimensões do processo

4. O processo de contratação pública é estruturado em três fases distintas, mas estritamente relacionadas: interna (na qual se desenvolve o planejamento), externa (em que ocorre a seleção da proposta) e contratual.

5. A fase interna (planejamento) se destina à identificação da necessidade, à definição do encargo, à análise e redução dos riscos envolvidos na contratação e à definição das regras de disputa – edital. É a fase mais importante do processo, a do planejamento, pois é nela que toda a contratação é pensada, definida e formalizada. O erro no planejamento contaminará as fases subsequentes e exigirá possível contingenciamento de problema futuro. Fundamentalmente, a finalidade do pla-nejamento da contratação é definir o encargo (E). O encargo expressa a vontade contratual da Administração e é materiali-zado no edital.

6. A fase externa viabiliza a análise das condições pessoais dos interessados e a seleção da melhor proposta, não necessaria-mente nessa ordem. É nela que será apurada a remuneração (R) a ser paga pela obtenção do encargo. A sua finalidade é apurar a melhor relação benefício-custo. Mas, em razão das análises

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feitas nas suas principais etapas, proporciona também a redução dos riscos que envolvem a contratação dimensionados na fase de planejamento. Daí a relação de interdependência entre elas.

7. É na fase externa que a licitação ocorre, bem como a dispensa e a inexigência. Portanto, é caracterizada por dois procedimentos básicos: a licitação e a contratação direta (dispensa e inexigên-cia). Os dois procedimentos decorrem diretamente do inc. XXI do art. 37 da Constituição Federal: “ressalvados os casos especi-ficados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes”.

8. Por fim, a fase contratual expressa o encontro entre encargo90 e remuneração.91 Durante a execução contratual, o encargo deve ser cumprido, e a remuneração, paga. A finalidade do contrato é, em princípio, atender plenamente à satisfação da necessi-dade identificada pela Administração e que motivou a instaura-ção do processo de contratação.

as fases são estruturadas por diferentes etapas

9. Cada uma das fases é constituída por etapas, e estas, por inú-meros atos.

10. A fase de planejamento (interna), por exemplo, em nossa con-cepção, é integrada por 14 diferentes etapas.

11. O número de etapas da fase externa será determinado de acordo com o procedimento adotado (licitação ou contratação direta). Se o procedimento for o da licitação, a quantidade de etapas variará de acordo com a modalidade e o tipo de licitação adotado. De modo geral, o pregão tem 5 etapas, e a concorrên-cia, por exemplo, tem 6.

12. A fase contratual também tem suas etapas específicas.

90 Definido na fase interna. 91 Apurada na fase externa.

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as 14 etapas do planejamento da contratação

13. O planejamento é um conjunto estruturado de ações (em etapas) cuja finalidade é fundamentalmente definir o futuro encargo contratual e elaborar o edital, de modo a regular a fase externa. Para conhecer todas as etapas que o constituem, ver figura na forma de ciclo, ao final da obra.

14. O planejamento não é atividade fácil, pois exige estruturação, organização e trabalho em equipe. A equipe deve ser multidis-ciplinar. A estrutura do planejamento proposta no ciclo serve para qualquer contratação: obras e serviços de engenharia, ser-viços técnicos em geral, bens e serviços comuns, etc.

as três primeiras etapas do planejamento

15. O marco zero do planejamento é a identificação da necessi-dade. Ele se inicia pela identificação do problema, não pela definição da solução, salvo em situações específicas. É preciso não confundir o problema com a solução.

16. As três primeiras etapas do planejamento respondem a três dife-rentes perguntas: a) qual o problema? b) qual a solução para o problema? e c) quanto custará a solução definida? As três per-guntas devem ser respondidas separadamente e materializadas em diferentes documentos, respectivamente: a) termo de refe-rência; b) projeto básico/executivo; e c) planilha de quantita-tivos e preços unitários. Também devem ser respondidas por ordem, em relação de sucessão, isto é, uma após a outra, de modo a observar o princípio da segregação. Responder à pri-meira e à segunda questão ao mesmo tempo acarretará, nor-malmente, confusão e um problema futuro para resolver.

17. Ao realizar as três primeiras etapas, é preciso lembrar que a solução deve se adequar ao problema, e não o problema se adaptar à solução. Não se pode confundir solução, objeto e encargo. O encargo é um conjunto de obrigações, cujo núcleo é o objeto. A necessidade condiciona a solução, e é esta que condiciona o objeto e as demais obrigações que integram o

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encargo. Toda solução (objeto) deve preservar uma qualidade mínima, pois sem ela não será possível satisfazer a necessidade. Por outro lado, sempre que aumentamos a qualidade da solu-ção, o preço a ser pago tende a ser maior. A relação é direta-mente proporcional. Assim, a descrição do objeto deve primar pela qualidade e ser calibrada pela economicidade.

18. Na descrição do objeto, existem dois ingredientes básicos: quali-dade e preço. É a qualidade (descrição) que condiciona o preço, e não o inverso. Isso vale para qualquer tipo de contratação, inclusive para as que decorrem de pregão. Definir o encargo é, além de satisfazer plenamente a necessidade, também diminuir os riscos com a contratação. Diminuir riscos representa impor restrições. E impor restrição é potencialmente reduzir a disputa, a competição. A ordem jurídica possibilita a restrição, mas impõe condições a serem observadas, sob pena de ilegalidade. Tudo o que for necessário para satisfazer a necessidade pode ser exi-gido e constar do objeto/encargo. Essa é a ideia essencial que norteia o regime jurídico da contratação. Portanto, além de aten-der à necessidade, garantir o padrão mínimo de qualidade e pre-servar a necessária economicidade, é fundamental também que a descrição não imponha restrição imotivada.

19. Além das três perguntas acima, existem inúmeras outras que devem ser respondidas em razão do planejamento. Nessa fase do processo de contratação, as perguntas estão atrás das res-postas. Assim, planejar a contratação é responder a perguntas de forma adequada e justificada.

as etapas são estruturadas por atos específicos

20. Cada uma das etapas é constituída por um conjunto de atos ou providências que lhe dão a necessária identidade e viabilizam a sua finalidade. O número de atos, em cada uma das etapas, poderá variar em razão de diferentes fatores e condições. Para conhecer os atos das principais modalidades de licitação que informam a fase externa do processo, por exemplo, basta con-sultar o ciclo no final desta obra.

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o grande desafio

21. Na visão tradicional, a fase interna destina-se a elaborar o edital e não possui relevância maior, pois o fundamental é realizar a licitação. De acordo com a nova ideia da contratação pública, a relevância se desloca da licitação para o planejamento da contratação; a licitação, portanto, passa a ter um papel secun-dário. Essa nova visão muda completamente os propósitos, as estratégias, as perspectivas e os objetivos dos gestores do pro-cesso de contratação no âmbito da Administração.

22. Em razão da nova concepção, é fácil perceber que a mais sim-ples das três fases é a externa, na qual se realiza a licitação. As mais difíceis são a do planejamento (interna) e a da gestão do contrato propriamente dito. Portanto, o grande desafio em rela-ção à contratação pública é melhorar (e muito) o planejamento, pois é nele que nascem os problemas enfrentados nas fases sub-sequentes, bem como aprimorar a gestão dos contratos. Para isso, é preciso ver o fenômeno da contratação integralmente (três fases), e não sob uma perspectiva limitada (duas fases – licitação e contrato), como tem sido até hoje.

os quatro pilares da contratação pública

23. O processo de contratação se sustenta em quatro pilares ou ideias fundamentais:

a) Existência de uma necessidade a ser satisfeita;

b) Identificação de uma solução (encargo/objeto) capaz de satisfazer a necessidade;

c) Seleção de uma pessoa com condições de viabilizar o encargo; e

d) Melhor equivalência entre o encargo a ser cumprido e a remuneração a ser paga.

24. Identificados e reconhecidos os pilares que sustentam o regime jurídico, devemos ter a clareza de que eles se relacionam numa perspectiva unitária, ou seja, constituem um verdadeiro sis-tema, organizado e lógico.

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25. O valor (pilar) mais importante da contratação pública é a identificação da necessidade, em torno do qual vão girar todas as demais exigências, principalmente a definição do encargo/objeto.

26. Assim, o fundamento de validade de todas as exigências a serem feitas nas contratações é a necessidade da Administração, que é condição objetiva. A legalidade deve ser aferida a partir dela, tanto pelos controles interno e externo quanto pelo Judiciário.

o perfil constitucional da contratação pública

27. O regime jurídico da contratação pública é fixado (construído) a partir do texto constitucional. Sua fonte de validade são essencialmente os valores constantes da Constituição, especial-mente o seu inc. XXI do art. 37, que determina: “ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os con-correntes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de paga-mento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensável à garantia do cumprimento das obrigações”. Com base no enunciado do inc. XXI do art. 37 da CF, é possível extrair a matéria-prima que deverá ser utili-zada para edificar o regime jurídico infraconstitucional. Como condição de validade, a legislação ordinária deve estar afinada com os seguintes valores e condições constitucionais:

a) A seleção do parceiro da Administração não é feita apenas por meio da licitação;

b) A licitação tem como pressuposto o tratamento isonômico;

c) Não há possibilidade de tratamento isonômico se o critério de julgamento não for objetivo;

d) Existem situações nas quais não se poderá definir critério objetivo de julgamento e, por consequência, tratamento iso-nômico, mesmo que se desejasse;

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e) Se não for possível garantir critério objetivo de julgamento, a competição deve ser considerada inviável;

f) É a viabilidade ou a inviabilidade de competição que deter-mina, fundamentalmente, o procedimento da fase externa do processo de contratação pública;

g) Sempre que a competição for inviável, a licitação não poderá ser realizada;

h) As hipóteses verdadeiramente de dispensa possibilitam a competição, mas a licitação é afastada por outros critérios;

i) O que pode dar fundamento de validade para uma hipótese de dispensa de licitação é outro valor de natureza constitu-cional, e não apenas pura e simples decisão legislativa no plano ordinário;

j) Sempre que a competição for viável, a licitação deverá ser realizada obrigatoriamente, salvo se houver hipótese legal de dispensa;

k) A inexigibilidade traduz as hipóteses nas quais a competição é inviável, assim, elas não podem ser confundidas com as de dispensa, que tratam de situações nas quais a competição é viável, mas a licitação não é exigida por outras razões;

l) Se viável a competição, o afastamento da licitação deve ser indicado taxativamente pelo legislador ordinário;

m) Se inviável a competição, não é necessária a indicação taxa-tiva das hipóteses que irão determinar o afastamento da lici-tação, bastando relação meramente exemplificativa;

n) Fundamentalmente, o que é inviável são os pressupostos da licitação, e não necessariamente a disputa entre possíveis competidores;

o) A ideia em torno da viabilidade de competição é a condi-ção mais importante para o regime jurídico da contratação pública, pois é ela que determina se a competição é ou não viável, se a licitação é ou não obrigatória;

p) Não é certo dizer que a licitação é a regra, e a inexigibili-dade, a exceção. Se a competição for viável, a licitação é a

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regra, mas se inviável, a regra é a inexigibilidade. Portanto, ser regra ou exceção é questão relativa;

q) A licitação é apenas o meio legal para obter a proposta mais vantajosa a partir de um pressuposto jurídico: o tratamento isonômico;

r) O valor mais importante da contratação pública não é o da igualdade, mas sim o da plena satisfação da necessidade. Esse foi o raciocínio que norteou a norma definida no inc. XXI do art. 37 da Constituição Federal. Se possível satisfa-zer plenamente a necessidade e, simultaneamente, garantir a igualdade na escolha do terceiro, a licitação é obrigatória, salvo hipóteses de dispensa. Caso contrário, a licitação deve ser afastada (ou seja, ela não deve ser exigida).

o regime jurídico da contratação pública

28. Por regime jurídico, entende-se o conjunto de normas que fixa as exigências, as condições e os limites para a realização das diversas fases, etapas e atos do processo e que deve ser obser-vado para viabilizar o planejamento da contratação, a condu-ção da fase externa e a gestão do contrato.

29. O processo de contratação pública tem seu fundamento e sua disciplina no regime jurídico vigente. Para que o processo seja conduzido, é preciso aplicar o conjunto de normas que decor-rem de atos legislativos e normativos.

30. A partir do inc. XXI do art. 37 da CF, foram editadas as Leis nºs 8.666/93 e 10.520/02,92 que basicamente estruturam o pro-cesso de contratação pública. Desses atos decorrem inúmeros outros (decretos, resoluções, portarias), que, na sua totalidade, formam o regime jurídico.

92 Propositalmente, excluímos os demais atos legislativos que também regulam a con-tratação pública: Leis nº 8.987/95 (concessão), nº 11.079/04 (PPP), nº 12.232/10 (publicidade) e nº 12.462/11 (RDC). A exclusão se deve ao fato de que tais Leis não foram objeto de análise no presente trabalho. No entanto, o que consta nesta obra tem plena aplicação no âmbito de incidência das referidas Leis.

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31. Para aplicar o regime jurídico da contratação pública, deve-se saber interpretá-lo a partir de uma perspectiva sistêmica e uni-tária. Para interpretá-lo adequadamente, é necessário conhe-cer seus pilares de sustentação, princípios, valores essenciais e principais institutos, bem como a finalidade de suas fases e etapas e o propósito específico de cada ato a ser praticado. A interpretação da ordem jurídica é a atividade mais difícil e com-plexa imposta aos que fazem do regime jurídico seu rotineiro instrumento de trabalho.

32. É preciso também reconhecer que o regime da Lei nº 8.666/93 e o da Lei nº 10.520/02 são necessários e devem coexistir simul-taneamente, pois se destinam à seleção de soluções distintas para atender às necessidades da Administração.

33. A Lei nº 10.520/02 (pregão) veio para corrigir um vício histórico do ordenamento jurídico brasileiro e tornar o sistema de con-tratação mais eficiente. Esse papel ela cumpriu muito bem, mas não se deve esperar dela o que ela não pode dar. O vício his-tórico era a existência de apenas uma forma de conduzir a lici-tação, independentemente do tipo de solução/objeto desejado, ou seja, compravam-se canetas da mesma forma que se contra-tava a execução de grandes obras e serviços técnicos especiali-zados. O pregão foi idealizado para resolver esse problema, de modo a viabilizar uma solução eficiente para a contratação de bens e serviços comuns.

34. Basicamente, a Lei nº 8.666/93 regula a fase externa e a fase contratual, e a Lei nº 10.520/02 (pregão), a fase externa, visto que ela foi editada para instituir nova modalidade, que é um fenômeno típico dessa fase. Nenhum dos dois atos dá ao pla-nejamento da contratação a importância que ele merece. A Lei nº 8.666/93, fundamentalmente, define os requisitos do edital (art. 40) e fixa algumas vedações e condições relativas à defi-nição do objeto, mas de forma assistemática e incipiente, tal como a Lei nº 10.520/02. Portanto, o planejamento da contrata-ção ainda não foi objeto de estrutura e organização sob o ponto de vista legal.

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35. A distinção entre o regime jurídico da Lei nº 8.666/93 e o da Lei nº 10.520/02 é a estrutura da fase externa (licitação), e não as demais fases do processo.

36. Dessa forma, é aceitável dizer que o que diferencia a licitação no regime da Lei nº 8.666/93 daquele da Lei nº 10.520/02 (pre-gão) é a inversão das etapas de habilitação e proposta. A inver-são é, de acordo com a nossa visão, de duas etapas, e não de duas fases. Os dois regimes indicados não se excluem; ao con-trário, complementam-se. É preciso saber aplicá-los adequada-mente, de modo o obter a maior eficiência possível, cumprindo o princípio fixado no caput do art. 37 da CF.

a definição do procedimento da fase externa

37. É na fase interna do processo de contratação que se define o procedimento a ser adotado na sua fase externa, e tal defini-ção ocorre mediante critério legal, cujo delineamento é traçado pelo inc. XXI do art. 37 da Constituição.

38. A fase externa do processo de contratação é conduzida de acordo com o rito da licitação ou da sua dispensa ou inexi-gência e processada conforme a estrutura do art. 43 da Lei nº 8.666/93, do art. 4º da Lei nº 10.520/02 ou do art. 26 da Lei nº 8.666/93.

39. A licitação tanto é uma regra a ser seguida como uma exceção a ser observada. Diante de uma situação de inexigência, não tem o agente público a faculdade de decidir se tornará ou não ine-xigível a licitação. Essa faculdade existirá apenas nos casos tipi-camente de dispensa. Muitas das hipóteses de dispensa indica-das no art. 24 da Lei nº 8.666/93 são, na verdade, casos típicos de inexigibilidade. Há mais casos de inexigibilidade indicados na Lei nº 8.666/93 do que propriamente de dispensa. Essa con-clusão se forma em razão do critério de classificação adotado e proposto neste estudo.

40. A licitação será obrigatória quando for possível realizar a esco-lha do terceiro para garantir a isonomia, por meio de critério

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objetivo e de modo a atender aos prazos legais definidos para o seu rito procedimental. Não é possível falar em tratamento isonômico se não for viável realizar uma escolha baseada em critério objetivo. Se o critério for subjetivo, a licitação será ine-xigível em razão da impossibilidade de assegurar o tratamento isonômico. Somente se poderá falar em igualdade quando garantida uma escolha objetiva. No regime jurídico da contra-tação pública, a igualdade pressupõe possibilidade de escolha objetiva.

41. Nos termos do caput do art. 25 da Lei nº 8.666/93, o que é invi-ável é fundamentalmente o atendimento dos pressupostos da licitação.

42. O próprio constituinte reconheceu e enunciou que existem situa-ções nas quais não se poderá garantir tratamento isonômico; elas seriam indicadas pelo legislador ordinário e tornariam a licitação uma condição não exigível para a seleção do terceiro. Por sua vez, o legislador ordinário foi muito preciso e, captando a deter-minação constitucional, prescreveu que não se deve exigir lici-tação quando não for possível garantir a necessária competição. Sem competição, não poderá haver igualdade e, também, sem critério objetivo de julgamento, não haverá escolha isonômica.

43. O afastamento da licitação, sob o ponto de vista constitucio-nal, tem como fundamento de validade a ideia de que o atendi-mento da necessidade tem primazia sobre a igualdade. O trata-mento isonômico não pode comprometer a plena satisfação da necessidade pública. A licitação será exigível (obrigatória) sem-pre que, simultaneamente, for possível atender à satisfação da necessidade e garantir o tratamento isonômico.

44. Não sendo possível assegurar tratamento isonômico e definir critério objetivo de julgamento, estaremos diante de inexigibi-lidade. Se presente a exigida isonomia, a fase externa do pro-cesso de contratação deverá ser conduzida de acordo com a licitação, salvo se houver hipótese de dispensa prevista legal-mente. Esse é o panorama no qual se insere a escolha do proce-dimento a ser adotado na fase externa do processo de contrata-ção de acordo com a ordem jurídica vigente.

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a licitação e a escolha da modalidade

45. A contratação pública é uma realidade jurídica integrada por três fases; a fase externa é uma delas. E a licitação é uma das formas específicas de realizar a fase externa do processo de contratação.

46. Cada fase da contratação é, por sua vez, integrada por diferen-tes etapas, e cada etapa, constituída por diversos atos. Nesse contexto, a licitação é um conjunto de etapas e atos que visa a apurar as condições pessoais dos interessados e a viabilizar a disputa entre os licitantes, a fim de saber quem propõe o melhor negócio, ou seja, quem é o titular da melhor relação benefício--custo. A finalidade da licitação é obter a melhor relação bene-fício-preço (ou custo), na respectiva ordem, ou seja, primeiro se garante o benefício e depois se aceita o preço.

47. Falar sobre licitação nada mais é do que falar sobre modalida-des, pois tais realidades constituem temas indissociáveis. A lici-tação se expressa por meio de uma modalidade, que é a forma específica de realizar a licitação, a fim de viabilizar a sua fina-lidade (melhor relação benefício-custo).

48. No tradicional regime jurídico da Lei nº 8.666/93, existem cinco modalidades previstas, as quais são definidas em razão de dois critérios básicos: a) valor estimado da contratação e b) natureza do objeto ou da obrigação a ser cumprida. Na Lei nº 10.520/02, o pregão, que é a única modalidade ali prevista, é adotado exclusivamente em função da natureza do objeto, ou seja, bens e serviços comuns.

49. A escolha da modalidade baseada no valor estimado da contra-tação é equivocada. O único critério razoável, sob o ponto de vista lógico, é o que se fundamenta na natureza do objeto ou da obrigação a ser cumprida pelo futuro contratado.

50. Em face do que dispõem a Lei nº 8.666/93 e a Lei nº 10.520/02, há dois procedimentos distintos e duas modalidades: o pregão e a concorrência. Fundamentalmente, a diferença entre o pregão

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e uma concorrência é a inversão das etapas. De acordo com a Lei nº 8.666/93, a análise da pessoa precede a da proposta; no pregão, ela é posterior.

51. Na ordem jurídica vigente, existem dois sistemas distintos: o pri-meiro adota o modelo de avaliação do tipo capacidade-preço, e o segundo considera a condição preço-capacidade. O pri-meiro modelo exige que o preço seja, necessariamente, condi-cionado pela capacidade técnica do licitante, isto é, só é possí-vel aceitar o preço se antes ele demonstrar que tem capacidade técnica de viabilizar o encargo (objeto) e garantir o benefício desejado. Há uma relação direta entre preço e capacidade. Por outro lado, se o encargo envolve bens e serviços comuns, o sis-tema é do tipo preço-capacidade, ou seja, a capacidade é apu-rada com base no preço.

52. Então, é a natureza da obrigação a ser cumprida pelo licitante que determina a escolha da modalidade de licitação. Assim, é preciso distinguir duas coisas: a complexidade do objeto e a complexi-dade da obrigação a ser cumprida pelo futuro contratado.

53. Escolher a modalidade é definir o regime jurídico e o rito que será adotado para conduzir a fase externa (licitação), ou seja, para definir a melhor relação benefício-custo. A obtenção de tal condição dependerá da modalidade de licitação adotada. Essa é a razão pela qual temos condenado a utilização generalizada do pregão e, principalmente, a sua adoção para obras e serviços intelectuais, sem a existência de uma pré-qualificação anterior dos licitantes.

54. Se o objeto/encargo envolve complexidade técnica e tem de ser feito sob encomenda por quem é contratado, o sistema a ser adotado deve ser do tipo capacidade-preço, ou seja, é a capacidade técnica que condiciona o preço, e não o contrário. Caso o objeto seja revestido de complexidade, mas o contra-tado é mero intermediário, isto é, alguém que não precisa pos-suir capacidade técnica para viabilizar diretamente a própria solução (objeto), o melhor sistema a ser adotado é o do tipo preço-capacidade.

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55. Uma solução que se propõe para a definição da modalidade é: no momento da escolha da modalidade de licitação, o agente deve fazer duas perguntas; em razão das respostas, será reali-zada a escolha da modalidade. A primeira pergunta é: o objeto licitado é complexo? Depois, uma segunda: o objeto deverá ser feito pelo próprio contratado?

56. Se a resposta for afirmativa para as duas perguntas, a contrata-ção deve seguir o sistema capacidade-preço, ou seja, a moda-lidade pregão não deve ser adotada. Caso contrário, se a res-posta for negativa para as duas perguntas, o pregão se revelará o modelo de contratação mais adequado. Mas o pregão será cabí-vel também se a primeira resposta for afirmativa, e a segunda, negativa, isto é, se o objeto for complexo e o futuro contratado for mero intermediário. A solução seria direta e eficiente.

57. A Lei nº 8.666/93 foi pensada e estruturada para selecionar pes-soas, por isso prioriza a habilitação (análise das condições pes-soais dos licitantes). E a Lei nº 10.520/02 (pregão), para sele-cionar objetos comuns, por isso prioriza o preço. Quando a solução (o objeto) desejada pela Administração é obra ou ser-viço técnico, a regra é que a escolha deve recair sobre uma das modalidades comuns definidas pela Lei nº 8.666/93, ou seja, o sistema a ser adotado deve ser do tipo capacidade-preço. Nos demais casos, a modalidade deve ser o pregão, de preferência processado na sua forma eletrônica.

a definição do regime de execução

58. Estabelecer o regime de execução é responder à pergunta: como será definido o preço a ser pago pela execução do objeto/encargo?

59. Os regimes de empreitada indicados na Lei nº 8.666/93 são: a) empreitada por preço global; b) empreitada por preço unitário; c) empreitada integral; e d) tarefa. Entende-se por empreitada o negócio jurídico por meio do qual a Administração atribui a um terceiro (empreiteiro) a obrigação de cumprir o encargo repre-sentado pela solução adequada para atender à sua necessidade.

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60. Os regimes de execução de empreitada por preço global e por preço unitário dizem respeito ao critério de apuração do valor da remuneração a ser paga em razão da execução do objeto (encargo).

61. Para entender os regimes de empreitada, é preciso ter clareza no tocante à distinção entre duas realidades: encargo e remu-neração. Para que a remuneração total possa ser definida, é pre-ciso que o encargo seja preciso no seu aspecto qualitativo e também quantitativo. Existem casos em que o aspecto quan-titativo não pode ser fixado, de forma precisa, antecipada-mente, mas apenas em razão da própria execução do contrato, tal como no caso de perfuração de poços artesianos, terraple-nagem ou fornecimentos de bens que dependam de demanda incerta. O regime de empreitada por preço unitário foi ideali-zado para resolver o problema da impossibilidade de fixação de preço certo e total para o caso de não ser possível definir, de forma antecipada, a quantidade do encargo.

62. Na prática, a dificuldade para entender o cabimento e a distin-ção entre empreitada por preço global e empreitada por preço unitário decorre da inadequada redação dada à alínea “b” do inc. VIII do art. 6º da Lei nº 8.666/93, pois a regra alude a “por preço certo de unidades determinadas”. A palavra “unidade” não tem, na alínea “b” do inc. VIII do art. 6º da Lei nº 8.666/93, o sentido de parte ou etapa de um objeto, mas o propósito de evidenciar a ideia de padrão de medida. Logo, a expressão “unidade determinada”, empregada no dispositivo citado, sig-nifica o mesmo que “padrão ou unidade de medida determi-nado”. As unidades de medidas que podem ser adotadas são, entre outras, as seguintes: metro quadrado (m²), metro cúbico (m³), metro linear (m), milheiro (mil), tonelada (t), quilograma (kg), homem/hora (h/h), hora/máquina (h/m), litro (l), etc.

63. O regime que deve ser adotado como regra é o de empreitada por preço global, pois, na maior parte dos casos, é possível fixar, na própria fase de planejamento, o encargo nos seus aspectos qualitativo e quantitativo. No regime de empreitada por preço

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unitário, o valor total da remuneração é definido em função da execução do contrato, por isso a fiscalização deve ser rigorosa.

64. A escolha de um ou outro regime de empreitada é norteada por critérios objetivos, e não por uma questão de mera opção pes-soal do agente público, pois o que determina o regime é a pos-sibilidade ou não de definir, de forma antecipada, o encargo total (aspectos qualitativo e quantitativo).

65. A empreitada por preço unitário, nos casos indicados, evita dis-torção da equação econômico-financeira, o que afasta eventual ilegalidade. Portanto, é fundamental saber escolher o regime de execução.

a formalização do edital

66. O edital é o instrumento que materializa o planejamento da contratação e expressa uma das vontades do futuro contrato – a da Administração. O que não estiver materializado nesse instru-mento não é parte do encargo e, portanto, não poderá ser exi-gido do licitante (e do contratado).

67. Planejar é tirar de dentro da cabeça e pôr no papel, ou seja, no edital. Não existe edital bom se o planejamento é ruim. E o pla-nejamento não começa pela elaboração do edital, mas deve ser encerrado nele. É a necessidade que dá fundamento (fático) de validade para o edital.

68. A sua finalidade precípua é definir o encargo a ser exigido do contratado, a fim de viabilizar a satisfação da necessidade da Administração. Ele restringe a disputa de modo a permitir que apenas os que possuem condição de atender à Administração possam participar. Portanto, é da natureza do edital restringir a disputa, desde que justificadamente.

69. Planejar é discriminar e restringir a disputa justificadamente. A ampliação da competição/disputa termina quando começa a necessária restrição. Restringir a disputa não é ilegal; a ilegali-dade está na restrição imotivada.

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70. O planejamento se submete a, pelo menos, dois grandes con-troles de legalidade: um na fase interna e outro na externa. O da fase interna é o da análise e aprovação do edital pela asses-soria jurídica, e o da fase externa é o da impugnação do edital.

71. O sucesso da contratação não pode depender da sorte de quem conduz a fase externa (licitação), mas da capacidade de quem a planeja.

o contrato

72. O contrato é o resultado do que ocorre nas fases interna (plane-jamento) e externa (seleção da proposta). Expressa uma relação entre encargo (E) e remuneração (R). O “E” é definido no edital e o “R” na proposta vencedora.

73. O contrato é acordo de vontades entre a Administração e um particular (o vencedor do certame). A vontade da Administração é materializada, por escrito, no edital, e a declaração de von-tade do particular é expressa, de forma também escrita, na sua proposta. O contrato resulta, então, do encontro de duas von-tades, que, sob os pontos de vista material e formal, estão con-substanciadas no edital e na proposta do vencedor. Com a adju-dicação, a relação é constituída, e o negócio jurídico torna-se perfeito, para os devidos fins jurídicos.

74. Nesse sentido, o contrato é acordo de vontades firmado durante a licitação, e não depois dela, como tem sido proclamado.

75. A relação entre “E” e “R” é de equivalência jurídica. Ela deve ser mantida durante toda a execução do contrato. Sempre que a equivalência for rompida, será necessário reequilibrá-la.

76. O reequilíbrio da equação é feito pela recomposição, expressa por meio de revisão, reajuste ou repactuação.

77. Pela execução do contrato obtém-se a satisfação da necessi-dade que motivou a contratação. Cumprido o encargo, é dever da Administração realizar o pagamento da remuneração. Por-tanto, é nesse ponto que o ciclo da contratação se fecha.

ANEXOS

Regimes Jurídicos

Lei nº 8.666/93Processo deContratação

PúblicaFases

Etapas

Atos

Lei nº 10.520/02

Planejamento

Seleção da Proposta

Contrato

Figura 1

Demonstra que o processo de contratação pública é estruturado a partir dos regimes jurídicos vigentes (Leis nºs 8.666/93 e 10.520/02) e constituído por fases, etapas e atos. As fases do processo são planejamento, seleção da proposta e contrato. A fase de seleção da proposta deve ser entendida em sentido amplo, pois ela compreende as análises das condições pessoais do interessado e a apuração da melhor relação benefício-custo. A licitação, por sua vez, é um dos procedimentos legais que visa à seleção da proposta, tal como a dispensa e a inexigibilidade.

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Necessidade

Pessoa

Preço(relação benefício-custo)

Solução(encargo)

Estrutura Lógica do Regime Jurídico da

Contratação Pública

(Os 4 pilares)

Figura 2

Destaca os quatro pilares que estruturam os regimes jurídicos das Leis nºs 8.666/93 e 10.520/02. O processo de contratação foi pensado e estruturado para que a Administração possa selecionar uma pessoa capaz de viabilizar uma solução para satisfazer uma necessidade pública pela melhor relação benefício-custo. Por benefício-custo devemos entender a relação entre a solução (encargo) visada e o preço a ser pago por ela.

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Licitação

FASE I FASE II

Contrato

Processo de Contratação

Pública (2 Fases) LI

CIT

ÃO

(I)

FASE

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ATO

(II

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Figura 3

Traduz a visão tradicional da contratação pública. Evidencia a concepção de que o processo tem apenas duas dimensões ou duas fases (licitação e contrato), enquanto ele, na verdade, tem três dimensões, ou seja, três fases (planejamento, seleção da proposta e contrato). A licitação deve ser vista como um dos procedimentos que viabiliza a seleção da proposta e é fenômeno típico da fase externa.

VISÃO TRADICIONAL

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Seleção da PropostaPlanejamento

FASE I FASE II FASE III

Contrato

Processo de Contratação

Pública (3 Fases)

PLANEJAMEN

TO (I)

FASE INTER

NA

SELEÇÃO DA PROPOSTA (II)

FASE EXTERNA

CO

NTR

ATO

(III)

FASE

CO

NTR

AT

UAL

Licitação

Dispensa

Inexigência

Figura 4

Retrata a moderna visão da contratação pública expressada nesta obra. A fase que se destina à seleção da proposta pode ser viabilizada, conforme demostra a representação, tanto por meio de licitação como de dispensa e inexigibilidade. Pode-se perceber também que não é a licitação que tem uma fase interna (planejamento), mas o processo de contratação.

NOVA VISÃO

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Processo de Contratação

Pública (3 Fases)

PLANEJAMEN

TO (I)

FASE INTER

NA

SELEÇÃO DA PROPOSTA (II)

CO

NTR

ATO

(III)

Edital

Figura 5

Evidencia que o edital materializa o planejamento e condiciona as duas etapas seguintes do processo. Por isso, o planejamento é considerado a atividade mais importante para a contratação pública. É lamentável que ele seja relegado a terceiro plano, como ocorre atualmente.

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Processo de Contratação

Pública (3 Fases)

FASE INTER

NA

FASE EXTERNA

FASE

CO

NTR

ATUAL

Vontade do Terceiro

Remuneração (R)

Licitação / Contratação Direta

Proposta

Aco

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RR

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Juríd

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Vontade da Administração

Encargo (E)

Planejamento

Edital

Figura 6

Mostra como o contrato administrativo (relação jurídica) é formado. Ele é o resultado do encargo que se define na fase de planejamento e da remuneração (preço) que se apura na fase externa. O contrato (C) tem duas dimensões: o encargo (E) e a remuneração (R). Portanto, é possível representar essa relação da seguinte forma: C = E + R. O encargo (E) expressa o aspecto econômico do contrato, e a remuneração (R), o seu aspecto financeiro. Daí falar em equilíbrio econômico-financeiro do contrato.

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Formalização

ExecuçãoPagamentoEtapas da Fase

do Contrato

Recebimento

Figura 7

Destaca as principais etapas estruturais (macro) da fase do contrato. A fase do contrato é o momento do processo no qual o encargo é cumprido e a remuneração equivalente é paga. Nas próximas edições desta obra, iremos detalhar a constituição analítica dos atos que integram as diferentes etapas acima indicadas.

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Que a definição do objeto atenda à efetiva necessidade daAdministração, garanta a indispensável qualidade, possibilitesolução econômica e não restrinja imotivadamente a disputa

III

IV

VVI

VII

VIII

Que o preço a ser pago peloobjeto seja justo e exequível

Que sejam observadas as exigências legais de naturezas orçamentária e financeira para a realização da despesa

Que as regras do jogo sejam claras, conhecidas, cumpridas e definidas,de modo a assegurar a obtenção do objeto desejado e a respeitar a ordem jurídica vigente

Que toda e qualquer discriminação adotada sejajustificável por razões de ordem técnica ou jurídica

e as exigências definidas sejam indispensáveispara assegurar e garantir o cumprimento do objeto

Que nenhum competidor seja eliminado, senão por motivo de

descumprimento de exigência essencial

Que todas as decisões adotadasrespeitem as exigências da ordem

jurídica, sejam devidamentemotivadas e possam ser discutidas

Que o vencedor seja definidopor critérios objetivos quando

a seleção das propostas for realizada por meio de licitação

Que haja competição efetiva entreos licitantes e que todos disponhamdas mesmas informações

IX

Que o contrato seja uma relação de equivalência jurídica entre encargo e remuneração (preço)

a ser obrigatoriamente respeitada durante toda a execução contratual X

A Essência do Regime Jurídico da

Contratação(10 Princípios)

I

II

Figura 8

Traduz em dez mandamentos essenciais todas as exigências e condições previstas nas Leis nºs 8.666/93 e 10.520/02. É como se o regime jurídico vigente fosse resumido em dez ideias fundamentais. Os dez princípios acima podem ser entendidos também como dez condições necessárias a serem observadas em toda e qualquer contratação. O descumprimento de qualquer das condições acima impede que se possa considerar legal a respectiva contratação.

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14 Etapas da Fase de Planejamento da Contratação

(Fase Interna)

Definição da necessidade (problema) e indicação da possível solução

ETAPA I

ETAPA VII

ETAPA II

ETAPA III

ETAPA IV

ETAPA V

ETAPA VI

Definição da solução, do objeto e das demais obrigações que integram o encargo

Definição do valor a ser pago pelo encargo

Definições orçamentária e financeira

Aprovação da autoridade competente

Definição do procedimento a ser adotado na fase externa e da modalidade de licitação, se for o caso

Definição do regime de execuçãoDefinição do tipo e dos critérios de julgamento da licitação

ETAPA VIII

Definição das condições pessoais de participação

ETAPA IX

Definição das condições de apresentação das propostas

ETAPA X

Definição das condições específicas de execução do contrato

ETAPA XI

Elaboração do edital e de anexos

ETAPA XII

Elaboração e aprovação do edital pela assessoria jurídica

ETAPA XIII

Envio do aviso do edital para publicação

ETAPA XIV

Figura 9

Indica as principais etapas da fase de planejamento da contratação pública. O objetivo do planejamento é possibilitar que a Administração, de forma adequada e eficiente, defina o encargo e, em decorrência disso, elabore o edital. O edital é o documento que materializa o planejamento e expressa a vontade contratual da Administração por meio do encargo a ser assumido pelo terceiro. As etapas II e XI serão mais bem detalhadas em duas outras figuras complementares, por isso elas aparecem em destaque.

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Definição do local de execução ou entrega

Definição do prazo de execução ou entrega

Definição da exigência degarantia do fabricante

Definição da exigência degarantia de execução do contrato

Definição da exigênciade suporte técnico

Definição da produtividadea ser respeitada

Definição da exigênciade treinamento

Definição dos recursos materiais (máquinas e equipamentos) a serem utilizados na execução do encargo

Definição dos recursos humanos a serem utilizados na execução do encargo

Definição dos recursos tecnológicos a seremempregados na execução do encargo

Definição de exigência de cessão de direitos, transferências de

tecnologias, dados e códigos, etc.

Definição da obrigaçãode auxiliar na transição docontrato para um terceiro

Definição de realizaçãode visita técnica

Definição da necessidadede realização de viagens

e deslocamentos

Definição de exigências deapresentação de amostras, relatórios

técnicos, testes, ensaios ou avaliaçõesdurante a licitação ou no

curso da execução do contrato

Exigências de recolhimentode tributos, contribuições, taxas,

tarifas e outros custos que tenhamrelação com o encargo a ser cumprido

Definição das Demais Obrigações e Condições que Integram o Encargo

da Contratação

Figura 10

Apresenta as principais providências que devem ser adotadas na etapa II do planejamento da contratação de acordo com a natureza do negócio a ser planejado. A referida etapa envolve a definição das demais obrigações que integram o encargo. Ao empregar o pronome “demais”, pretende-se dizer que tais providências devem ser adotadas além da definição do objeto, que é o núcleo do encargo. Somente após a definição das referidas condições será possível estimar o valor da futura contratação. Todas as condições acima indicadas têm repercussão direta sobre o preço ou a remuneração da proposta a ser apresentada pelos licitantes. Portanto, elas devem ser definidas antes da realização da pesquisa de preços. As diversas obrigações e condições foram tratadas no Capítulo 7 desta obra.

COMPLEMENTO DA ETAPA II DO PLANEJAMENTO

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Previsão da figura do gestordo contrato e necessidade de ocontratado indicar um preposto

Troca de informações entre as partes e como ocorrerá a definição

Fixação de obrigações específicasdas partes (deveres e disciplina)

Forma e critério deapuração da qualidade do objeto

Forma e critério deapuração da quantidade do objeto

Definição de data, formae condições de pagamento

Definição da possibilidadede reajuste ou repactuação,

se for o caso

Definição do prazode vigência do contrato

Definição dapossibilidade de prorrogação

do prazo de vigência do contrato

Definição dascondições e dos prazos

para o recebimento do objeto

Definição docronograma físico-financeiro

Definição das sanções para o caso dedescumprimento das obrigações

Definição das Condições

Específicas de Execução do

Contrato

Figura 11

Aponta as principais providências a serem adotadas no planejamento e que se relacionam diretamente com a fase de execução do contrato. As condições indicadas serão exigidas de acordo com o objeto.

COMPLEMENTO DA ETAPA XI DO PLANEJAMENTO

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Etapas da Licitação

(Lei nº 8.666/93)

Etapa VI • Controle

{ControleLegalidade

Conveniência

{Decisão

Adjudicação

Publicidade

Homologação

Anulação

Revogação

Etapa I • Publicidade e Preparação

Publicidade

Impugnação

Reunião, organização e preparação dos documentos pelos licitantes

Cumprimento de condições especiais(cadastramento, por exemplo)

Preparação e elaboração das propostas

Entrega dos envelopes

Recebimento dos envelopes

Etapa II • Habilitação

Abertura do envelope (sessão pública)

Conferência dos documentos

Análise dos documentos

Julgamento

Decisão

Publicidade da decisão

Recurso

Interposição

Impugnação

Análise e julgamento

Decisão

Publicação

Etapa V • Recurso

Interposição

Impugnação

Análise e julgamento

Decisão

Publicação

Etapa III • RecursoEtapa IV • Proposta

Abertura do envelope (sessão pública)

Conferência dos envelopes

Análise das propostas

Julgamento

Decisão

Publicidade

RecursoFigura 12

Destaca as etapas que integram a fase da licitação do processo de contratação. A estrutura das etapas retrata o regime jurídico da Lei nº 8.666/93. Para conhecer melhor os atos relativos às diversas etapas, veja o ciclo detalhado no final deste livro. As setas indicam a ordem cronológica dos atos de acordo com o processo legal. Segundo o entendimento adotado nesta obra, adjudicação é o ato subsequente ao de homologação e deve ser praticado, necessariamente, por autoridade que tenha poder de vincular a Administração contratualmente. As etapas III e V somente serão processadas se houver interposição de recurso.

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Etapas do Pregão

Presencial (Lei nº 10.520/02 e

Decreto nº 3.555/00)

Etapa V • Controle

{ControleLegalidade

Conveniência

{Decisão

Adjudicação

Publicidade

Homologação

Anulação

Revogação

Etapa III • Habilitação

Abertura do envelope

Conferência dos documentos

Análise dos documentos

Decisão

Declaração do vencedor

Recurso

Interposição

Impugnação

Análise e julgamento

Decisão

Publicação

Etapa IV • Recurso

Etapa I • Publicidade e Preparação

Publicidade

Impugnação

Reunião, organização e preparação dos documentos pelos licitantes

Cumprimento de condições especiais(cadastramento, por exemplo)

Preparação e elaboração das propostas

Entrega dos envelopes

Recebimento dos envelopes

Etapa II • Proposta

Abertura do envelope (sessão pública)

Análise da aceitabilidade do objeto

Fase de lances

Análise da aceitabilidade do preço

Decisão

Figura 13

Destaca as etapas que integram a licitação processada de acordo com o regime jurídico da Lei nº 10.520/02 (pregão presencial). Para conhecer melhor os atos relativos às diversas etapas, veja o ciclo detalhado no final deste livro. As setas indicam a ordem cronológica de acordo com o processo legal, exceto o ato de adjudicação. O ato de adjudicação (etapa V) aparece após a homologação, e não antes dela. Segundo a Lei nº 10.520/02, a adjudicação antecede a homologação (ordem cronológica). Portanto, adotamos aqui o critério lógico, e não cronológico, a fim de manter coerência com a concepção que adotamos neste trabalho e a natureza que atribuimos à adjudicação. No entanto, conforme o critério definido pela Lei nº 10.520/02, a adjudicação é ato que antecede a homologação e deve ser praticado, em princípio, pelo pregoeiro. Entendo como equivocada essa opção normativa. A etapa IV somente será processada se houver a interposição de recurso.

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Etap

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Etapa II

Etapa IV

Etapa V

Etapa I

Etap

a VI

6 Etapas da Licitação

(Lei nº 8.666/93)TIPO MENOR PREÇO

Publicidade e Preparação

HabilitaçãoControle

RecursoRecurso

Proposta

Etapa IEtapa II

Etap

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Etapa I

IIEtapa IV

5 Etapas da Licitação do

Pregão (Lei nº 10.520/02)

Publicidade e Preparação

Proposta

HabilitaçãoRecurso

Controle

Figura 14

Mostra, de forma comparativa, a estrutura da licitação de acordo com a Lei nº 8.666/93 e o pregão, tipo menor preço. O que diferencia os dois procedimentos, sob o ponto de vista estrutural, é a inversão das etapas de habilitação e proposta e a concentração da etapa de recursos no pregão.

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A Contratação Como Realidade Multidisciplinar

Gestor daContratação

Figura 15

Indica que o processo de contratação é uma atividade (missão) que deve ser cumprida por diversas áreas e agentes da Administração Pública. É preciso que as ações de planejar, selecionar a melhor proposta e gerir o contrato sejam realizadas de forma articulada e estrategicamente coordenada, sob pena de não se obter o melhor resultado possível. O gestor da contratação (em destaque) não pode ser confundido nem com o fiscal, nem com o gestor do contrato. O gestor da contratação (ou do processo de contratação) atua em todas as fases e coordena as ações em todas as etapas. No entanto, ele ainda não é uma realidade no cenário da contratação pública brasileira. É preciso começar a preparar os gestores da contratação pública do futuro, pois eles serão indispensáveis para viabilizar dois importantes princípios constitucionais: o da eficiência e o da economicidade na gestão dos recursos públicos.

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Publicação do aviso do edital

Fase de impugnação e esclarecimentos sobre o edital

Entrega e recebimento dos envelopes de habilitação e propostas

Realização da sessão pública

Conferência e separação dos envelopes recebidos

Credenciamento dos representantes dos licitantes

Abertura dos envelopes de habilitação

Conferência dos documentos pela comissão

Franqueamento dos documentos aos licitantes presentes para conferência, análise e rubrica

Análise dos documentos pela comissão e identificação de eventual restrição fiscal da ME ou EPP

Julgamento da habilitação

Intimação da decisão do julgamento da habilitaçãona própria sessão, se todos os licitantes estiverem presentes

Eventual desistência de recurso por todos os licitantes

Elaboração da ata e encerramento da sessão

Publicidade do resultado da habilitação

Fase de recurso da habilitação

Processamento, julgamento e publicidade do resultado da fase de recurso

Devolução dos envelopes de propostas aos inabilitados, observadas as exigências legais

Realização da sessão pública

Credenciamento dos representantes dos licitantes, se for o caso

Franqueamento dos envelopes de propostas aos licitantes

Abertura dos envelopes de propostas

Rubrica das propostas pela comissão Análise e rubrica das propostas pelos licitantes

Análise das propostas pela comissão

Julgamento das propostas

Estabelecimento da ordem de classificação

Verificação se a proposta mais bem classificada é de ME ou EPP

Se a ME ou EPP não for a primeira na ordem de classificação, apurar a existência de empate, nos termos do § 1º do art. 44 da LC nº 123/06

Em caso de empate, será convocada a pequena empresapara exercer seu direito de preferência,

de acordo com o disposto no inc. I do art. 45 da LC nº 123/06

Se a beneficiária da ordem não exercer o seu direito de preferência,deve ser convocada outra ME ou EPP em condição de empate

para o exercício do direito de que trata o inc. II do art. 45 da LC nº 123/06

Definição da nova ordem de classificação, em razão do exercício do direito de preferência

Eventual desistência de recurso por todos os licitantes

Comprovação da regularização dos documentos fiscais pela vencedora

Elaboração da ata e encerramento da sessão

Publicidade da decisão de julgamento das propostas e da regularizaçãodos documentos de regularidade fiscal pela vencedora (ME ou EPP)

Fase de recurso

Processamento, julgamento e publicidade do resultado da fase de recurso

Homologação e adjudicação

Publicidade da homologação e adjudicação

Concessão do prazo de dois dias úteis para que a vencedora (ME ou EPP) possa regularizar eventual restrição fiscal

Convocação para formalização do contrato

Decisão sobre a regularização dos documentos fiscais pela vencedora

Em caso de não regularização da restrição fiscal pela vencedora,convocação da licitante remanescente, na ordem de classificação,

para assinatura do contrato, nos termos do § 2º do art. 43 da LC nº 123/06

Formalização do instrumento do contrato

Entrega de documento que comprova a condição de ME ou EPP, quando for o caso, nos termos da LC nº 123/06 e da IN DNRC nº 103/07

Vistas para conferência dos envelopes pelos licitantes e rubricas

Ciclo Integral dos Atos da Licitação(Lei nº 8.666/93)

F a s e E x t e r n a

Figura 16

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Publicação do edital

Fase de impugnação eesclarecimentos do edital

Sessão pública (abertura)

Credenciamento dos interessados

Comprovação da condição de ME ou EPP,quando for o caso

Recebimento dos envelopes de propostas e habilitação

Abertura do envelopede propostas

Análise preliminar deaceitabilidade das propostas

Análise da aceitabilidade final da proposta e negociação

Fase de lances

Definição da ordemde classificação

Abertura do envelopede habilitação

Análise dos documentosde habilitação

Declaração do vencedor

Declaração de cumprimentodas condições habilitatórias

Fase de recurso

Adjudicação e homologação

Verificação de empate nos termos do art. 45 da LC nº 123/06

Exercício do direito de preferência pela ME ou EPP

Definição da nova ordem de classificação, em razão do exercício

do direito de preferência

Concessão do prazo de dois dias úteispara que a vencedora (ME ou EPP)

possa regularizar eventual restrição fiscal

Comprovação da regularização dosdocumentos fiscais pela vencedora

Decisão sobre a regularizaçãodos documentos fiscais pela vencedora

Análise preliminar da exequibilidade daproposta mais bem classificada

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F a s e E x t e r n a

Ciclo Integral dosAtos da Licitação no Pregão Presencial

(Lei nº 10.520/02 e

Decreto nº 3.555/00)

Convocação para formalização do contrato

Formalização do instrumento do contrato

Figura 17

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Fase de recursoFase de impugnaçãoe esclarecimentos do edital

Cadastramento no SICAF

Credenciamento no sistema eletrônico

Acesso ao sistema eletrônico para o envio da proposta e declaração de cumprimentodas condições habilitatórias

Sessão pública (abertura)

Acesso ao sistema eletrônico

Análise das propostas

Fase de lances

Análise da aceitabilidade finalda proposta e negociação

Fase de habilitação Definição da ordemde classificação

Declaração do vencedor

Publicação do edital

Concessão do prazo de dois dias úteispara que a vencedora (ME ou EPP) possa

regularizar eventual restrição fiscal

Verificação de empate nostermos do art. 45 da LC nº 123/06

Exercício do direito de preferência pela ME ou EPP

Definição da nova ordemde classificação, em razão do exercício

do direito de preferência

Comprovação da condiçãode ME ou EPP, quando for o caso

Comprovação da regularizaçãodos documentos fiscais pela vencedora

Decisão sobre a regularizaçãodos documentos fiscais pela vencedora

Análise preliminar da exequibilidade daproposta mais bem classificada

Ciclo Integral dosAtos da Licitação no Pregão Eletrônico

(Lei nº 10.520/02 e

Decreto nº 5.450/05)

Adjudicação e homologação

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F a s e E x t e r n a

Convocação para formalização do contrato

Formalização do instrumento do contrato

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Fase de recurso

Acesso ao sistema eletrônico para o envio da proposta e declaração de cumprimento das condições habilitatórias, de enquadramento como ME/EPP e de preenchimento das condições previstas no art. 5º do Decreto nº 7.174/10,se for o caso

Sessão pública (abertura)

Análise das propostas quanto ao objeto

Fase de lances

Análise da aceitabilidade finalda proposta e negociação

Fase de habilitação

Declaração do vencedor

Publicação do edital e início do prazo para sua impugnação e solicitação de esclarecimentos

Comprovação da regularizaçãodos documentos fiscais pela vencedora,

se for o caso

Decisão sobre a regularizaçãodos documentos fiscais pela vencedora,

se for o caso

Análise preliminar da exequibilidade daproposta mais bem classificada

Adjudicação e homologação

Publicidade

Convocação para formalização do contrato

Formalização do instrumento do contrato

Estabelecimento da ordem de classificação ao final da fase de lances (art 8º, caput, do Decreto nº 7.174/10)

Aplicação do direito de preferência das MEs e EPPs* (art. 45 da LC nº 123/06) e estabelecimento da nova ordem de classificação, se for o caso (art. 8º, inc. I, do Decreto nº 7.174/10)

Classificação das licitantes com preços até 10% superiores do menor até então obtido para exercício da preferência prevista no art. 3º da Lei nº 8.248/91 (art. 8º, inc. II, do Decreto nº 7.174/10)

Convocação das licitantes classificadas, observada a ordem de classificação, que tenham declarado** ter cotado produto desenvolvido com tecnologia nacional e produzido de acordo com o PPB para oferecer novo lance igual ou inferior ao menor obtido (art. 8º, inc. III, do Decreto nº 7.174/10)***

Não exercido o direito de preferência na etapa anterior, convocação das licitantes classificadas, observada a ordem de classificação, que tenham declarado** ter cotado produto desenvolvido com tecnologia nacional para oferecer novo lance igual ou inferior ao menor obtido (art. 8º, inc. IV, do Decreto nº 7.174/10)***

Não exercido o direito de preferência na etapa anterior, convocação das licitantes classificadas, observada a ordem de classificação, que tenham declarado** ter

cotado produto produzido de acordo com o PPB para oferecer novo lance igual ou inferior ao menor obtido (art. 8º, inc. IV, do Decreto nº 7.174/10)

Caso nenhuma empresa exerça o direito de preferência da Lei Complementar nº 123/06 e/ou da Lei nº 8.248/91, prevalecerá o resultado da licitação inicialmente obtido

(art. 8º, inc. V, do Decreto nº 7.174/10)

Concessão do prazo de dois dias úteis para que a vencedora (ME ou EPP) possa regularizar eventual restrição fiscal

Ciclo Integral dos Atos da

Licitação no Pregão Eletrônico

Aplicação dos direitos de preferência previstos na Lei

Complementar nº 123/06 e na Lei nº 8.248/91, de acordo

com o Decreto nº 7.174/10

F a s e E x t e r n

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Figura 19

Figura adaptada para a licitação de tecnologia da informação por Ricardo Alexandre Sampaio, Diretor de Produtos da Zênite e Professor na área de contratação pública. * Na licitação pela modalidade pregão, ao entregar/apresentar suas propostas, as licitantes deverão declarar se estão enquadradas como ME ou EPP, na forma do art. 3º da Lei Complementar nº 123/06. ** Na licitação pela modalidade pregão, as licitantes deverão declarar, no momento da entrega/apresentação de suas propostas, se o produto cotado se enquadra no incs. I, II ou III do art. 5º do Decreto nº

7.174/10, para posterior exercício da preferência prevista no art. 3º da Lei nº 8.248/91. *** Havendo licitantes MEs ou EPPs e licitantes médias/grandes empresas enquadradas nessa condição, as MEs e EPPs terão prioridade, independentemente da ordem de classificação, no exercício da preferência.

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