“o problema são os tribunais”

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O agregador da advocacia 6 Abril de 2011 www.advocatus.pt Entrevista Paulo Monteverde, sócio da BMA “O grande problema em Portugal são os tribunais. Na área da Propriedade Intelectual, a morosidade é especialmente grave, porque o Tribunal do Comércio, que é o responsável por este tipo de processos, tanto julga casos deste ramo jurídico, como processos de insolvência”, afirma Paulo Monteverde, sócio fundador da Baptista Monteverde e Associados, uma boutique especializada em Propriedade Industrial Ramon de Melo “O problema são os tribunais” morosidade. Na área da Propriedade Intelectual, esta delonga é especial- mente grave porque o Tribunal do Comércio, que é o responsável por este tipo de processos, tanto julga casos deste ramo jurídico, como processos de insolvência. Advocatus I O que espera do novo tribunal especializado, a criar em santarém, que está em discussão? PM I Saiu agora a notícia que a Câ- bo bem a necessidade de se criar um tribunal especializado a 100kms de Lisboa, mas com certeza haverão motivos. Há ainda o problema de deslocalizar até Santarém os juízes, que também têm a sua vida organi- zada em Lisboa. Advocatus I O balanço que faz da magistratura especializada em Propriedade Intelectual é positivo? PM I Sim. Já trabalho nesta área há mara Municipal de Santarém e o Governo assinaram um protocolo, e que as obras estão para começar. É urgente a entrada em funcionamen- to deste tribunal, apesar de não ser conveniente para os advogados e demais agentes da justiça. Advocatus I Como assim? PM I Apenas devido ao facto de não ser em Lisboa, mas compreen- do que seja em Santarém, devido a uma questão de custos. Não perce- Tatiana Canas jornalista tc@briefing.pt Advocatus I A legislação portu- guesa relacionada com a Proprie- dade Intelectual é satisfatória? Paulo Monteverde (PM) I Sim, aliás, nesta área a legislação está muito harmonizada com as normas a nível internacional e comunitário. O gran- de problema em Portugal são os tri- bunais. Advocatus I Em que medida? PM I Como em todas as outras áre- as, os tribunais sofrem duma grande

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“O problema são os tribunais”

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O agregador da advocacia6 Abril de 2011

www.advocatus.ptEntrevista

Paulo Monteverde, sócio da BMA

“O grande problema em Portugal são os tribunais. Na área da Propriedade Intelectual, a morosidade é especialmente grave, porque o Tribunal do Comércio, que é o responsável por este tipo de processos, tanto julga casos deste ramo jurídico, como processos de insolvência”, afirma Paulo Monteverde, sócio fundador da Baptista Monteverde e Associados, uma boutique especializada em Propriedade Industrial

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“O problema são os tribunais”

morosidade. Na área da Propriedade Intelectual, esta delonga é especial-mente grave porque o Tribunal do Comércio, que é o responsável por este tipo de processos, tanto julga casos deste ramo jurídico, como processos de insolvência.

Advocatus I O que espera do novo tribunal especializado, a criar em santarém, que está em discussão?PM I Saiu agora a notícia que a Câ-

bo bem a necessidade de se criar um tribunal especializado a 100kms de Lisboa, mas com certeza haverão motivos. Há ainda o problema de deslocalizar até Santarém os juízes, que também têm a sua vida organi-zada em Lisboa.

Advocatus I O balanço que faz da magistratura especializada em Propriedade Intelectual é positivo?PM I Sim. Já trabalho nesta área há

mara Municipal de Santarém e o Governo assinaram um protocolo, e que as obras estão para começar. É urgente a entrada em funcionamen-to deste tribunal, apesar de não ser conveniente para os advogados e demais agentes da justiça.

Advocatus I Como assim?PM I Apenas devido ao facto de não ser em Lisboa, mas compreen-do que seja em Santarém, devido a uma questão de custos. Não perce-

Tatiana Canasjornalista

[email protected]

Advocatus I A legislação portu-guesa relacionada com a Proprie-dade Intelectual é satisfatória?Paulo Monteverde (PM) I Sim, aliás, nesta área a legislação está muito harmonizada com as normas a nível internacional e comunitário. O gran-de problema em Portugal são os tri-bunais.

Advocatus I Em que medida?PM I Como em todas as outras áre-as, os tribunais sofrem duma grande

Abril de 2011 7O agregador da advocacia

www.advocatus.pt Entrevista

muito tempo e sinto-me bastante habilitado a comentar as sentenças que saem do Tribunal de Comércio. Mas, como dizia há pouco, proces-sos de falência e insolvência tam-bém passam por estes profissionais, o que prejudica a celeridade das de-cisões em Propriedade Intelectual.

Advocatus I Os especialistas em Propriedade Intelectual nunca se conseguiram concertar num lóbi para negociar com o Governo?PM I Existe a Associação dos Con-sultores de Propriedade Intelectual (ACPI), da qual já fui vice-presidente durante cinco anos, que tem vindo a tentar dialogar com o Governo, no-meadamente para discutir o projec-to do novo Código de Propriedade Intelectual (2008). Na altura recebe-mos o projecto de lei para analisar-mos num prazo de 10 dias. E não es-tamos a falar de um Decreto-Lei com 10 artigos, mas de um Código com 300 e tal normas, quando a urgência na sua promulgação e consequente publicação em Diário da República era nenhuma.

Advocatus I Existe alguma relação de cooperação institucional entre a ACPI e o Círculo da Concorrên-cia? PM I Não. Sendo áreas que se to-cam pontualmente, nunca se junta-ram para prosseguir nenhuma ini-ciativa conjunta. O Governo não tem tido vontade de falar com a ACPI nem tem sido sensível às questões da Propriedade Intelectual que lhe são sistematicamente colocadas. Nós não queremos negociar nada. Queremos é discutir questões im-portantes para Portugal.

Advocatus I Tais como?PM I O Acordo de Londres, que é um documento que Portugal está prestes a ratificar e vem permitir que a língua portuguesa deixe de ser um idioma de trabalho a nível de paten-tes. O facto de haver um interesse económico por detrás desta iniciati-va, não significa que o Governo seja insensível a estas observações. Por-que ainda não houve nenhuma expli-cação cabal sobre esta negociação. O Governo não esteve disponível para ouvir o sector.

Advocatus I E relativamente ao mercado dos genéricos, já têm a sua vida mais facilitada em Portu-gal?PM I Não, nem em Portugal, nem em nenhum país da Europa, ou do mundo. O que se passa em Portugal é que a discussão em torno da en-trada dos genéricos no mercado foi mal colocada. Em Portugal, discute-se se um genérico pode ou não en-trar no mercado num tribunal admi-nistrativo. Porque se discute se uma determinada autorização é ou não susceptível de afectar as patentes. Esta questão, noutros países, não se discute nestes termos. O que se discute é se um genérico é ou não susceptível de infringir uma patente. E se o genérico viola a patente não deve estar no mercado, como é evi-dente. O problema é simples de ser entendido.

Advocatus I E qual tem sido a sensibilidade dos tribunais a este respeito?PM I Os tribunais [administrativos] são completamente insensíveis ao tipo de patente que está a ser invo-cado e ao facto do genérico violar ou não uma dada patente, e portanto cria-se uma jurisprudência impre-visível que não beneficia ninguém. Os tribunais não analisam os casos, chegam às suas conclusões de for-ma perfeitamente abstracta, sem referir nenhum tipo de factualidade. Não há qualquer explicação técnica ou factual para as decisões proferi-das.

Advocatus I Qual a justificação de raiz para que os processos de Pro-priedade Intelectual sejam remeti-dos para os tribunais administra-tivos, quando a maioria deles vão para o Tribunal de Comércio?PM I Voltamos ao início desta con-versa, quando falávamos da lenti-dão dos tribunais de comércio que, apesar do admirável esforço que os seus juízes fazem, têm um tempo de decisão extremamente lento. A des-localização de processos para os tribunais administrativos resulta de uma forma habilidosa que algumas empresas arranjaram para protege-rem os seus direitos de Propriedade Intelectual.

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“não percebo bem a necessidade de

se criar um tribunal especializado a

100 kms de lisboa, mas com certeza

haverão motivos. Há ainda o problema

de deslocalizar até santarém os juízes,

que também têm a sua vida organizada

em lisboa”

“A deslocalização de processos

para os tribunais administrativos resulta de uma

forma habilidosa que algumas empresas

arranjaram para protegerem os seus

direitos de Propriedade Intelectual”

“Como é possível um tribunal administrativo chegar a uma conclusão quanto à matéria

de facto sem fazer um julgamento? É impossível. Há uma certa preguiça

intelectual em tentar resolver as questões sem ter de analisar a factualidade”

O agregador da advocacia8 Abril de 2011

www.advocatus.ptEntrevista

Edição vídeo desta entrevista

em www.advocatus.pt

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Advocatus I Através de que expe-diente jurídico?PM I No Tribunal de Comércio pede-se a condenação a uma não comer-cialização do medicamento. Num tribunal administrativo pede-se que a AIM (Autorização de Introdução no Mercado) seja suspensa ou anulada. Os réus, num tribunal administrativo, não são as empresas de genéricos, mas o Infarmed ou a Direcção Geral dos Assuntos Económicos (DGAE) que são as entidades responsáveis por atribuir os preços dos medica-mentos.

Advocatus I A argumentação utili-zada surpreende-o?PM I Nem por isso, achei-a interes-sante. E, como os nossos tribunais administrativos são muito formalis-tas, achei que seria procedente. Os tribunais administrativos são muito renitentes quanto ao facto de faze-rem julgamentos. Ora, como é possí-vel um tribunal administrativo chegar a uma conclusão quanto à matéria de facto sem fazer um julgamento?

Advocatus I Essa era, exactamen-te, a minha próxima pergunta…PM I E eu respondo-lhe: É impos-sível. Existe aqui uma certa pregui-ça intelectual em tentar resolver as questões sem ter de analisar a fac-tualidade. Encontra-se um conjunto de silogismos jurídicos ignorando a factualidade concreta de cada caso. É impossível um juiz de um tribunal administrativo dar uma opinião sobre se há ou não infracção duma paten-te porque não tem conhecimentos de química. Isso implicaria contratar um especialista que o assistisse, o que por sua vez arrastaria o tempo de decisão, pelo que é muito mais simples tomar uma decisão formal.

Advocatus I O mercado da contra-facção tem, naturalmente, vindo a proliferar com a crise. Onde é que isto se nota mais, a nível de Pro-priedade Intelectual?PM I Com a crise e com a pobreza, a contrafacção aumenta. Pega-se numa marca conhecida, aposta-se numa roupa ou numa garrafa, e vende-se como se fosse original. Existem áreas onde se sente mais a contrafacção em Portugal, como

“É impossível um juiz dum tribunal administrativo dar uma opinião sobre se há ou não infracção duma patente porque não tem conhecimentos de química”

Paulo Monteverde é casado e tem duas filhas. Em criança, enquanto os outros miúdos pensavam em ser bombeiros ou polícias, quis, só e apenas, tornar-se advogado, influenciado pelas séries televisivas e por uma linhagem familiar ligada ao Direito. A seguir ao avô, que dei-xou editados dois dicionários jurídicos, e a dois tios, foi o quarto mem-bro da família a interessar-se por esta área. Apreciador de jazz, elege John Coltrane e Wynton Marsalis como músicos de eleição. Isso não o impede, contudo, de ser fã da pop, sendo, os Florence and the Ma-chine uma das suas bandas favoritas e Pedro Abrunhosa “um músico exemplar”. Nos tempos livres, adora fotografia “desde sempre” e joga ténis, ainda que “menos vezes do que gostaria”. Para uma viagem de sonho, não hesita em apontar a bússola à Austrália. “Nunca estive tão longe e gostava mesmo muito de ir até ao outro lado do globo”.

Gosta de jazz e sonha com a AustráliaPERFIl

a dos têxteis, sobretudo no norte do país e em zonas fronteiriças, como Valença, onde as fábricas funcionam durante o dia a mando de uma em-presa conhecida, e durante a noite produzem para venda directa, a um preço muito mais baixo.

Advocatus I E os titulares das mar-cas queixam-se formalmente ou são passivos?PM I Queixam-se. Mas o que vemos, é que existe tanta contrafacção de determinadas marcas, que se torna difícil e dispendioso para os lesados intervirem contra todo ou qualquer tipo de contrafacção. É sabido que nas feiras acontece isso. Já parti-cipei nalgumas acções em que as fábricas tiveram de descontinuar a sua produção e foi feita a apreensão de toda a mercadoria. Um fenómeno que se tem sentido, e os tribunais de comércio estão agora mais sensíveis nessa parte, é à contrafacção no sen-tido lato do termo. Às vezes, o que se imita não é propriamente a marca nominativa, imitam-se as formas. As marcas também podem ser tridi-mensionais, pode ser a forma de um produto. A forma da garrafa da Co-ca-Cola é o exemplo disso mesmo. Advocatus I A Baptista Monte-verde e Associados é uma firma pequena, com 12 profissionais. Define o escritório como uma

boutique de Propriedade Indus-trial?PM I Sim. Começámos, essencial-mente, ligados à Propriedade Indus-trial e Intelectual. Como projecto, arrancámos há três anos e tentámos lidar com a Propriedade Industrial de uma forma jovial, célere e profunda, e isso acabou por ser apelativo para muitas empresas. A nossa estraté-gia passa por aproveitar nichos de mercado a que nem sempre as so-ciedades de advogados procuram apontar, como a área tecnológica, comunicação, base de dados ou software.

Advocatus I A crise não o assusta? PM I Agora, não. Assustou-me numa fase inicial, porque começou mais ou menos quando arrancámos. Posso dizer que já nascemos com a crise. Mas o nosso crescimento, apesar de sermos pequenos, tem sido enorme. Praticamente duplicámos a nossa facturação de um ano para o ou-tro. O fenómeno da crise gera mais trabalho em algumas matérias, não tanto na Propriedade Industrial, mas em áreas conexas. As empresas tor-nam-se mais agressivas do ponto de vista comercial e, se isso acontece, estão dispostas a correr mais riscos, pelo que têm mais contra-ordena-ções, logo, os advogados têm mais trabalho. Até agora, a crise tem-nos sido positiva.