o problema do paradoxo do zero e miscelâneas
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O PROBLEMA DO PARADOXO DO ZERO
&
MISCELÂNEAS DA CONTEMPORANEIDADE
PRIMEIRA EDIÇÃO
2014
WILSON LUQUES COSTA
Para a minha esposa Raquel, farol que me ilumina.
Todos os direitos para Wilson Luques Costa
.
A IMPORTÂNCIA PREPONDERANTE DOS PROBLEMAS
FILOSÓFICOS FRENTE A QUALQUER OUTRO ELEMENTO
DA FILOSOFIA COMO UM TODO
5
Resumo
O principal objetivo de nosso trabalho
é justificar A importância preponderante dos
problemas filosóficos frente a qualquer outro
elemento da filosofia como um todo. Para
tanto, centrar-no-emos na necessidade da
aritmética, especialmente em Kant e Frege que
parecem acreditar em seus pressupostos. No
desenvolvimento de nosso trabalho,
procuraremos demonstrar a possível
precariedade da sua justificativa racional,
sobretudo, quando lidamos com o número
6
zero. Queremos também enfatizar que não é
objeto desse trabalho a audácia de questionar
filósofos universais, mas colocar perguntas
que poderão despertar o desejo de respondê-las
ou problematizá-las por aqueles que,
porventura, puderem se interessar pelo
assunto.
7
Palavras-chave
Necessidade, Contradição, Verdade, Filosofia, Kant, Frege.
8
Abstract
The main objective of our work is to
justify the overriding importance of
philosophical problems facing any other
element of philosophy as a whole. Therefore,
we will focus on the need of arithmetic,
especially Kant and Frege who seem to believe
in their assumptions. In the development of
our work, we aim to show the potential
precariousness of their rationale, especially
when dealing with the number zero. We also
want to emphasize that this work is not subject
to universal philosophers audacity to question,
9
but to ask questions that might arouse the
desire to answer them or problematize them by
those who, perhaps, may be interested in the
subject.
10
Keywords
Need, Contradiction, Truth, Philosophy, Kant, Frege.
11
Introdução
O presente trabalho tem como escopo
mostrar que não podemos ainda considerar a
chamada ciência matemática como a mais fiel
portadora daquilo que se denomina
necessidade. Podemos ainda dizer que a
palavra necessidade é um conceito muito
usado pelos filósofos para demonstrar algo que
está próximo da verdade ou que não contém
contradição. Consoante as palavras do filósofo
12
alemão Immanuel Kant (1724 – 1804), “o uso
dogmático da razão sem crítica conduz (...) a
afirmações infundadas” (KANT, 1988, p.34).
Por isso que para justificar o nosso trabalho,
pretendemos apontar algumas inconsistências
na matemática, sobretudo na aritmética,
quando envolvemos o número zero numa
relação multiplicativa. Ao longo desse
trabalho, vamos relacionar os nossos
apontamentos críticos a algumas passagens de
textos do filósofo alemão Immanuel Kant e do
matemático alemão Gottlob Frege (1848 –
1925), para ao cabo dele propormos um olhar
mais atento para a aritmética antes de
considerá-la como exemplo de necessidade e
de não contradição. Esperamos também que o
13
fazer filosófico aponha o seu olhar de coruja
vigilante diante de estados tidos como já dados
e que vele pela verdade somente demonstrada
pelas justificativas racionais que não lhe
apontem uma contradição, como parece
acontecer ainda quando tratamos da aritmética.
Não obstante tratarmos de conceitos
filosóficos mais adstritos a quem se interesse
pelo filosofar aparentemente mais esotérico,
pensamos que esse trabalho aponta para uma
clareza de entendimento que só será percebida
quando houver a vontade livre de compreender
do que ele trata. Assim sendo, o nosso trabalho
tem o propósito de fazer um elogio às
problematizações.
14
Um olhar de espanto sobre a necessidade aritmética
Há com efeito em todo filosofar um
processo dialógico com os textos. Para tanto,
é necessário embrenhar-se de tal forma com
eles para que se efetive a sua compreensão. E
foi por ter contatado como o livro Crítica da
razão pura do filósofo alemão Immanuel Kant,
que percebemos a nossa não compreensão da
certeza depositada por ele naquilo que se
denomina matemática. A nossa dúvida
emanou-se quando percebemos que, não
obstante a matemática gozar de um status
racional em suas relações, a razão nem
sempre está ali para acudi-la com os seus
critérios. É o caso, quando, por exemplo, numa
15
relação multiplicativa envolvemos o chamado
número natural zero. É comum aceitarmos em
nossos afazeres diários e acharmos até natural
que 1 x 0 = 0 é uma relação que resulta numa
verdade incontestável e absoluta. Todavia, ao
procurarmos nos estribar nos critérios
racionais, percebemos que temos dificuldades
extremas em justificar essa denominada
verdade. E foi pensando nisso que viemos
propor um olhar mais atento àquilo que
julgamos ser uma possível contradição. O fato
de citarmos o pensador de Königsberg, não
tem a intenção de imiscuirmo-nos em seu
tratado magno, nem muito menos tangenciar o
seu pensamento ou tentar denegá-lo; muito
pelo contrário, pretendemos isto sim
16
simplesmente dialogar com alguns excertos
seus para alertar que a sua compreensão e
conceituação de juízo a priori como necessário
e universal colocam-se em xeque, quando o
filósofo alemão toma como fundamento para
as suas explicações à chamada matemática e
principalmente a aritmética. O mesmo pode-se
dizer em relação ao matemático alemão
Gottlob Frege, que também à maneira de Kant
aponta a aritmética como exemplo de
necessidade. O nosso propósito, portanto, é
fazer um contato com algumas pequenas
asserções, principalmente dos dois pensadores
já citados, para tentarmos apontar que as suas
certezas ainda carecem de uma justificativa do
tipo racional.
17
Pretendemos também elaborar uma
conclusão propondo um olhar mais atento às
aporias matemáticas e justificar com o nosso
pequeno trabalho a importância da
contribuição do perguntar e das
problematizações para o processo filosófico.
Sempre é de bom tom saber que a filosofia
é um diálogo sobre as conceituações como
também sobre os ajustes e retificações que se
fazem necessários, quando erros e desvios
impregnam-se na linguagem. É sabido que
verdades arbitrárias e não fundadas no estrito
juízo da razão pressupõem outras tantas
arbitrariedades. Sendo assim, não devemos dar
desprezo a pontos fulcrais da filosofia que
possam aparentar meras vaidades egocêntricas
18
que não nos servem para nada. É, por
exemplo, quando se trata da própria ciência ou
da própria ética. No livro Crítica da razão
pura, o filósofo alemão Immanuel Kant vai
tratar da definição do que é experiência e não
experiência, para poder tratar de juízos a priori
e não a priori, ou tratar antes da matemática
para firmar a sua conceituação e por fim para
tratar, desde que tudo racionalmente fundado,
das nossas ações em outros textos ou livros.
De modo que o conceitual interfere no factual
e o factual, menos talvez, no conceitual. E é
por isso que é preciso fazer uma revisão nas
afirmações, para que essas possam ser
fundadas pela própria razão e não pelo
consenso dos princípios das autoridades; Kant
19
é claro em aceitar que "ciência é algo que
progride, que avança, que acumula" por isso "
o conhecimento científico deve pois ser
necessário, universal e acumulativo ou
extensivo.” E foi pensando nisso que
propusemos uma leitura sobre os fundamentos
da aritmética para nos convencer, após disso,
de sua necessidade e universalidade e, por
conseguinte, de suas fundamentações
ulteriores; no Capítulo primeiro do livro
Crítica da razão pura, Kant fará uma distinção
entre o Conhecimento Puro e Empírico: “Os
conhecimentos“ a priori” ainda podem dividir-
se em puros e impuros. Denomina-se
conhecimento “a priori” puro ao que carece
completamente de qualquer empirismo”
20
(KANT, 1988, p. 22); e para isso ele vai se
valer da importância da experiência como a
base da linguagem e por consequência de
nossos conhecimentos. Parece ser o propósito
de Kant primeiro fazer uma distinção entre o
conhecimento empírico do não empírico, para
poder, depois disso, fazer a distinção ou
distinções que podem ocorrer naquilo que se
denomina de a priori, ou seja, o conhecimento
que não passa pela experiência. É sabido que
Kant não nega o valor da experiência, pois o
próprio Kant inicia o I parágrafo da Crítica da
razão pura afirmando o caráter primordial da
experiência para a aquisição de nossos
conhecimentos; ele já enceta o parágrafo
confirmando o valor da experiência: “não se
21
pode duvidar de que todos os nossos
conhecimentos começam com a experiência”
(KANT, 1988, p. 21). Todavia, percebemos
que ao invés de Kant começar definindo o que
é experiência, ele prefere fazer uma primeira
explicação tomando como base não uma
definição conceitual que virá no final do
parágrafo, mas a relação de nossos sentidos
com os chamados objetos sensíveis, o que
pode dificultar a leitura e o entendimento do
texto, porque Kant parece supor que todos já
compreendam o que é experiência: “como
haveria a exercitar-se a faculdade de se
conhecer, se não fosse pelos objetos que,
excitando os nossos sentidos, de uma parte,
produzem, por si mesmos, representações, e de
22
outra parte, impulsionam a nossa inteligência a
compará-los entre si, a reuni-los ou separá-los,
e deste modo à elaboração da matéria informe
das impressões sensíveis para esse
conhecimento das coisas que se denomina
experiência? (KANT, 1988, p. 21). Parece ser
o intuito de Kant fixar-se menos na
experiência do que no a priori, porque para
Kant o a priori, ao contrário do conhecimento
empírico, tem o caráter da necessidade e, por
conseguinte, da universalidade. Kant bem
define no próprio capítulo citado o que é
conhecimento a priori, pois para ele são “todos
aqueles que são absolutamente independentes
da experiência.” (KANT, 1988, p. 22). Mas
esse não seria a nosso ver o problema que nos
23
leva a citá-lo; Kant quando distingue o
empírico do a priori, envolve-se numa não
aparente tão difícil tarefa de também distinguir
os conhecimentos a priori em puros e em
impuros. Entretanto, em meio a tantas
particularidades da obra magna do mestre de
Königsberg, o que nos faz focar em parte de
sua obra é a sua fé, digamos assim, do caráter
necessário da aritmética; pois acreditamos que
a matemática ainda não possui a
universalidade e necessidade tão esperadas,
porquanto incorre em não soluções ensejadas
em seu próprio núcleo, que preferimos
provisoriamente denominá-las de anomalias.
É preciso antes compreender que não
são, a nosso parecer, para Kant a matemática e
24
a aritmética o seu foco principal. Kant as
utiliza mais no sentido de dar uma base
fundadora para as suas argumentações.
Entretanto, não podemos tergiversar e assim
dar crédito às suas argumentações por se tratar
de Kant. É necessário compreender de onde
provém essa necessidade da aritmética que
muitos acreditam sem tanto questionar ou
colocar-lhe suspeitas como sobre as coisas
metafísicas. Sabemos que Kant vai colocar a
Metafísica abaixo da ciência matemática por
não conseguir responder às fundamentações
racionais, mas será que, não obstante a sua
linguagem artificial criada pelos homens, a
aritmética não cai nesse impasse se também
não responde a muitas outras fundamentações?
25
O caráter de nossa suspeita tem uma
explicação, se não lógica pela sua própria
fundamentação, porque percebemos que, e não
desdenhando outras tantas anomalias que já
possam ocorrer (Parece que fica difícil
também saber se os números são finitos ou
infinitos) a chamada aritmética não consegue
explicar porque um determinado número
natural, a saber, zero, quando se envolve numa
relação multiplicativa com outros números ou
com o próprio zero cria algo, por um tipo de
condição de prova, anômalo ou não
explicativo, o que não ocorre com os demais
números denominados de naturais. E foi por
perceber esse estado anômalo que procuramos,
pela via da filosofia e não da matemática,
26
questionar esse talvez provisório problema,
para que não sejam justificadas as palavras do
próprio Kant que já nos diz sobre esses
possíveis embaraços, porque “o desejo de
estender os nossos conhecimentos é tão grande
que só detém seus passos quando tropeça
numa contradição claríssima” (KANT, 1988,
p. 26). Como pretendemos ampliar essas
questões num trabalho de maior fôlego,
intencionaremos aqui tão somente fazer
algumas demonstrações para poder compará-
las posteriormente com a obra do próprio Kant
e de outro grande matemático, Frege, que
também parece depositar uma fé inabalável na
chamada aritmética. Somos sabedores dos
abismos que poderemos encontrar, ao tentar
27
trabalhar com um tema de especialistas e de
difícil consenso, porém julgamos serem
necessárias as exposições de nossas dúvidas,
sobretudo quando acreditamos que fizemos se
não completa alguma razoável inserção pela
compreensão dos problemas, através de
leituras e de releituras dos próprios autores
como de seus mais diretos comentadores. Por
isso que para o bom funcionamento didático
de nossa exposição, preferiremos tratar de
alguns assuntos que procurarão seguir uma
determinada ordem.
28
De onde provém a necessidade da aritmética?
É comum, mesmo entre os filósofos,
acreditar na necessidade da aritmética. Porém
seria de se perguntar: De onde provém a
necessidade da aritmética? São sabidamente
conhecidas e reconhecidas as dúvidas que se
colocam quanto às questões de Deus,
liberdade, alma etc. O próprio filósofo alemão
Immanuel Kant nos dá esse exemplo, quando
aborda sobre a Metafísica, dizendo-nos que
“sua marcha é, no princípio, dogmática; quer
dizer, ela enceta confiadamente o seu trabalho
sem ter provas de potência ou impotência de
nossa razão para tão grande empresa” (KANT,
1988, p. 25). Mas deixa de elaborar a mesma
pergunta à matemática e principalmente à
29
aritmética por acreditá-la e creditá-la ao que
parece infalível. Kant em seu livro já nos
informa de sua necessidade e universalidade,
sem pelo menos nos explicitar o porquê dessa
certeza; ao contrário, mostra-nos essa
confiança como coisa simplesmente dada de si
para si, sem ao menos questioná-la: “pois
desfrutando de certeza uma parte de nossos
conhecimentos, a Matemática, concebe-se a
fagueira esperança de que os demais cheguem
ao mesmo ponto” (KANT, 1988, p. 26). O que
efetivamente estamos procurando fazer é um
perguntar a essa certeza kantiana. Será que
Kant não percebia que essa certeza estava
possivelmente eivada de um possível processo
indutivo? Como poderia Kant depositar essa
30
certeza sobre os números se não o conhecemos
em sua plena totalidade? Sabemos que o
processo indutivo, que parte do particular para
o geral, não nos afirma nada sobre a totalidade
das coisas; por isso também que,
independentemente da dúvida da condição da
prova que proporemos nesse trabalho,
julgamos precipitada essa certeza kantiana,
que deveria ser antes tratada, para se chegar às
suas questões transcendentais. É como que,
como grande filósofo que foi e é se
desinteressasse ou não percebesse a dimensão
deste possível problema. Nesse sentido, Kant,
a nosso ver, não procurou usar os instrumentos
da razão para creditar a razão e posteriormente
os seus tão elementares e transcendentais
31
argumentos. Como bem nos informa uma
passagem do livro: A filosofia a partir de seus
problemas, “o núcleo essencial da filosofia não
é constituído de crenças tematicamente
definidas e racionalmente fundadas, senão de
problemas e soluções”. No texto trabalhado no
curso de Especialização em Docência em
Filosofia pela Unesp, podemos destacar que
aprendemos com Antonio Trajano Menezes de
Arruda que filosofia é espanto; “ com efeito,
nada é capaz de provocar espanto/perplexidade
a não ser um problema, uma questão”
(ARRUDA, 2011, p.11). Por isso esse trabalho
não tem a objetivação primeira de definir um
problema e, por conseguinte, a sua solução,
que seria, a nosso ver, uma tarefa um tanto
32
quanto despropositada para o momento; esse
trabalho vem mais no intuito de se fazer um
elogio às problematizações filosóficas que,
excetuando alguns poucos trabalhos até o
momento publicados, não vem se constituindo
como o leitmotiv de um filosofar que pretenda
sair do seu secular “comentarismo”, pois “o
“comentarismo” é o principal fator que tem
entravado o aparecimento na universidade
brasileira de uma reflexão filosófica original
regular e consistente.” Outro ponto que nos
leva à consecução do que aqui se pretende
tratar é a tentativa de mostrar que é necessário
fazer um ajuste na chamada aritmética, se se
pretende tê-la como um paradigma de uma
ciência que se constitui nas bases seguras da
33
necessidade e universalidade. Sem pretender
adentrar e nem sequer perpassar as obras
titânicas de Kant e Frege, objetiva-se aqui
também mostrar que a conceituação de a priori
coloca-se em xeque na matemática, quando ela
não consegue explicitar pelos próprios
instrumentos da razão as suas possíveis aporias
e contradições. Mas como demonstrar essas
possíveis contradições e aporias que a
matemática e, sobretudo, a
aritmética incidem? Como encetar e embasar
o método ou caminho? São justamente essas
perguntas que também se colocam à própria
ciência, porquanto é deveras difícil demonstrar
uma razão, sem que se aponte para perguntas
que já se problematizam. Por isso que em face
34
dessas dificuldades que gerariam outras
dificuldades, pretende-se não tirar o foco do
assunto e seguir num abrir de janelas que não
poderiam ser fechadas, funcionando menos
como janelas esclarecedoras, que é o propósito
desse trabalho. Para isso, agora, pretendemos
apresentar aquilo que preferimos denominar de
condição da prova. Podemos dizer que a
condição da prova é um tipo de fórmula, a
saber, a x b = c sse c : b = a que tenta explicar
a não contradição dos números nela aplicados
num efeito de multiplicação e divisão. Não
obstante, a dificuldade de esclarecer ou
justificar lógica ou racionalmente como essa -
vamos chamá-la provisoriamente assim -
condição da prova se deu, deve-se, no entanto,
35
atentar como e por que os elementos nela
testados (chamemos de números naturais)
apresentam-se ora como imagens idênticas, ora
não. Apresentada a condição da prova,
passaremos a aplicar os elementos numéricos
naturais para a justificação das imagens. Na
condição da prova, chamaremos valores de
verdade e de não contradição quando os
elementos possuírem a mesma imagem, e não
incidirem em contradição e chamaremos de
contradição ou aporia, quando houver pelo
menos uma ou mais imagens diferentes, ou
imagens idênticas, mas que geram contradição.
Para tanto, embasamo-nos nas ideias do
filósofo austríaco Wittgenstein acerca das
regras: “somente por meio do seguimento
36
correto da regra pode-se demonstrar, ou seja,
julgar se uma demonstração tem força
comprobatória.” (BUCHHOLZ, 2008, p.37).
Exemplo 1. a = 2 b = 3 c = ? Escolhidos
esses números, vamos aplicá-los na Condição
da Prova: 2 x 3 = 6 sse 6 : 3 = 2. Após a
aplicação da condição da prova aos elementos
naturais escolhidos acima, podemos perceber
que as imagens são idênticas para a, b e c;
sendo a = 2 b = 3 e c = 6.
Sendo assim, podemos considerar
dentro das regras estabelecidas como
verdadeiros e não contraditórios. Agora vamos
escolher os números maiores ou iguais a zero,
a saber, a = 1 b = 0 c = ? -- escolhidos esses
números, vamos à aplicação da condição da
37
prova: 1 x 0 = 0 sse 0 : 0 = 1. Feita a aplicação
da condição da prova, envolvendo agora o
número zero, percebemos que para as imagens
serem idênticas, haveria que ocorrer uma
contradição na matemática ou aritmética, o
que concorreria para algumas análises que
pretendemos fazer, ou melhor, nessas
condições apresentadas, ocorreu uma
contradição num juízo a priori e a aritmética
colocou-se em xeque diante dos juízos da
razão: Princípio da Identidade, Princípio do
Terceiro Excluído, Princípio da Causa
Eficiente, Princípio da não Contradição.
Verificamos que o número zero causa um
problema para a justificação racional de seu
produto. Desse modo, parece que nos
38
encontramos diante de um problema na
matemática e, em particular, na aritmética.
Evidente é que quando tentamos colocar esse
problema, não estamos advogando, nem nos
embasando na frase conhecida de Marx (1818
– 1883) que afirma que “a tradição de todas as
gerações mortas oprime como um pesadelo o
cérebro dos vivos” (GIANNETTI, 2008, p.25)
-- e é diante disso que preferimos a definição
de que “um problema é formulável na
linguagem, em uma sentença interrogativa” e
estribando-nos nessa definição que
formulamos a seguinte pergunta: Por que a
condição da prova aponta uma contradição na
matemática e, em particular, na aritmética,
quando trabalhamos com o número zero? Se
39
retornarmos ao livro A filosofia a partir de
seus problemas (de Mario Ariel Gonzáles
Porta), vamos encontrar a seguinte afirmação:
“O núcleo essencial da filosofia não é
constituído de crenças tematicamente definidas
e racionalmente fundadas, senão de problemas
e soluções”. Nesse sentido, é oportuno apontar
para a necessidade primeira de um perguntar e
dialogar, do que propriamente a volição de
uma problematização e a consequente solução;
mister é pois destacar que, não obstante o tema
tratar das problematizações, o intuito é um
perguntar, posto haver, em nosso
entendimento, uma diferença de grau entre o
perguntar e o problematizar. Entendemos que
há uma diferença de grau entre o perguntar e o
40
problematizar, já que o perguntar traria em seu
bojo menos um conhecimento holístico dos
problemas tratados; o perguntar seria a ante-
sala das problematizações, porquanto traz em
si ainda a não compreensão plena das
problematizações; no perguntar subjaz, talvez,
a pátina das compreensões parciais; o
perguntar seria uma primeira etapa que precisa
ser trabalhada e polida, seria a escada que
poderia levar às problematizações, mas não o
seu patamar. Se o perguntar é a ante-sala das
problematizações, a problematização, por seu
turno, é o patamar do perguntar ao problema;
de maneira que enquanto a pergunta duvida
tout court, a problematização pergunta para os
problemas, ou melhor dizendo, sabe dos
41
problemas, por isso pergunta; a
problematização é um perguntar consciente,
porque tem seu alvo, seu télos; a
problematização seria um diálogo interposto
entre outros diálogos, por isso dialético. Como
bem se afirma, “se o público em geral não
entende o que os filósofos fazem e crê que
cada um simplesmente diz o que quer isso se
deve, em grande medida, ao fato de que não
entende o problema ou, mais ainda, não toma
consciência de um problema”.
Por isso são, com efeito, de vital
importância para a filosofia os problemas
filosóficos, porque ao problematizarem
mostram e denotam que o filosofar é um in
fieri e que as problematizações vêm adicionar
42
ou corrigir alguns pontos não tão claros ou
evidentes; mas para isso como bem nos
informa o texto trabalhado em nosso curso “é
preciso desvencilhar-se do hábito, pois “o
hábito, embora seja em geral uma coisa
vantajosa, pois sem ele teríamos que estar
sempre reaprendendo as coisas e as
habilidades, tem o inconveniente de gerar uma
impressão falsa de conhecimento‟‟ e “para
neutralizar esse inconveniente, é preciso
vencer a tendência para se comportar segundo
a inércia do hábito, do costume” e a pergunta é
como fazer para desvencilhar-se do hábito já
que o hábito é um empecilho para o caminho
das problematizações? Por isso, “a coragem
intelectual” é um meio de quebrar esses
43
grilhões que nos acorrentam. Todavia, não é o
ser simplesmente corajoso que valida as
problematizações, porque um homem corajoso
é somente um homem corajoso; é preciso
saber dos problemas; coragem sem
conhecimento é um modo temerário de postar-
se diante dos problemas; a coragem filosófica
exige o denodo pela compreensão intelectual;
e é nisso que a filosofia diferencia-se da
prática do senso comum; por isso a filosofia
não é um perguntar simplesmente vazio.
Voltando às problematizações, podemos dizer
que elas são também a tentativa de um ajuste
que enjeita por isso uma teleologia sistêmica,
porque, conforme Kant, “todos os filósofos
que construíram sistemas viveram num intenso
44
sentimento de fragilidade.” (BOTUL, 2000, p.
54) e elas muitas vezes não são e nem
pretendem ser a negação (apóphasis) ou a
eliminação de um paradigma, nem muito
menos uma aceitação passiva; as
problematizações são um estímulo ao filosofar
e ao espanto; é também uma penetração
obsessiva pelos textos, ou melhor, um
mergulho constante nos seus enredamentos, ou
seja, um auscultar mais de perto e não um
simples passar; não se problematiza a filosofia
e os filósofos, se não lemos ou conhecemos as
suas obras e os seus mais argutos
comentadores. Depois de abordarmos sobre o
perguntar e as problematizações, cabe agora
interpor uma pergunta entre dois filósofos, não
45
no escopo de problematizar, já que fizemos a
distinção entre problema e pergunta; e a
pergunta surge no intuito de tentar elucidar,
antes, se ela é cabível. Mas antes gostaríamos
de tomar o quadrado dos opostos para tentar
demonstrar o nosso perguntar primeiro para
Kant e depois para Frege. O quadrado dos
opostos é uma figura crida pelos “lógicos
medievais” (CHAUI, 2010, p.129). Essa figura
possibilita, segundo as suas regras, “visualizar
as proposições segundo a qualidade,
quantidade, a modalidade e a relação.”
(CHAUI, 2010, p.129). Desse modo,
procuraremos, abaixo, apresentar o quadrado
dos opostos para facilitar a nossa análise. O
quadrado dos opostos é constituído de “vogais
46
minúsculas que indicam a quantidade e a
qualidade (a, e, i, o)” (CHAUI, 2010, p. 129),
onde (a) Universal Afirmativa e (o) Particular
negativa. Pelo quadrado dos opostos, somos
informados pelas suas regras que (o) coloca-se
em contradição com A. Sendo assim, tomamos
como proposição universal para (a) Toda
aritmética é necessária e (o) Alguma aritmética
não é necessária. Nesse sentido, podemos dizer
que quando a razão não consegue justificar
racionalmente por que 1 x 0 = 0 , devemos
alocá-la em (o) – numa sentença particular que
irá contraditar a universalidade de sua
necessidade.
47
(A) Toda aritmética é necessária
(O) Alguma aritmética não é necessária
Posta essa concisa e breve explicitação,
urge apor as seguintes perguntas: 1. De onde
provém a necessidade da aritmética e se é de
fato verdadeira? De onde provém
racionalmente tal assertiva? Desenvolvidas
48
essas breves considerações anteriores, iremos
tratar dos princípios da razão relacionados com
o problema ou o perguntar colocado pela
aporia. Para isso é preciso, antes, darmos uma
pequena definição desses princípios. Como
bem nos informa o livro Introdução à filosofia
de Marilena Chauí, a razão tem os seus
princípios, pois “desde seus primórdios, a
filosofia considerou que a razão opera segundo
certos princípios...” (CHAUI, 2010, p.71).
Podemos assim dizer que são quatro os
princípios que constituem a razão: 1. Princípio
da Identidade 2. Princípio da não contradição
3. Princípio do Terceiro Excluído 4. Princípio
da Causa Suficiente.
49
Antes de tudo, pretendemos deixar
claro que não é objeto desse trabalho a
problematização desses princípios, embora
problematizáveis. Todavia, queremos nos
escorar em pelo menos dois desses princípios
para podermos elaborar um tipo de teste, já
que sem tais princípios a razão ficaria
comprometida. Ao observarmos, na condição
da prova, a expressão 1 x 0 = 0 sse 0 : 0 = 1,
vamos reparar que o que resulta no teste fere
de um certo modo o princípio da contradição
que “ afirma que uma coisa ou uma ideia da
qual algo é afirmado e negado, ao mesmo
tempo e na mesma relação, são coisas ou
ideias que se negam a si mesmas e que por isso
se autodestroem.” (CHAUI, 2010, p.72).
50
O que queremos destacar é que,
conforme a nossa exposição, para ser verdade
que 1 x 0 = 0, é preciso reconhecer que 0 : 0 =
1 (ad hoc), o que parece não ser aceito
momentaneamente na matemática. Assim
sendo, e tomando como critério o princípio
citado, não queremos reconhecer, conforme
esse princípio enuncia “que as coisas e as
ideias contraditórias são impensáveis e
impossíveis” (CHAUI, 2010, p.72). Desse
modo, pretendemos apontar para uma
preocupação com o impasse criado e não com
a destruição de um paradigma que vem sendo
aceito até com muita eficácia. Somos, com
efeito, sabedores dos avanços da chamada pós-
modernidade; sabemos ainda que é quase
51
impossível e de um esforço hercúleo abranger
a totalidade dos avanços e descobertas tanto na
ciência como entre outros campos; mas isso
não nos impede de tratar questões que estão
em meio à sociedade. Entretanto, aprendemos
ainda que, ao menos no senso comum, há o
falso (F) e o verdadeiro (V), sobretudo e
particularmente na aritmética. Se temos 2 x 3
= 6 não pode resultar cinco, dadas as devidas
regras e não seria possível ser 5, nem 4, nem 2.
Sabemos também, embora questionável a
nosso ver, da universalidade da causação, ou
seja, 2 x 3 é a causa de 6. Se entendemos que
2 x 3 é a causa de 6, a pergunta é: qual é ou
são a causa e/ou causas de Zero (0)? E por que
para ser verdade que 1 x 0 = 0, ou seja, que
52
zero posposto à igualdade é consequência de 1
x 0 ser 0 : 0 a causa do 1? O que desejamos
demonstrar com os exemplos citados é que são
gerados problemas para a aritmética e por
consequência em parte substancial da chamada
matemática universal. Vale lembrar que se
tomarmos o número cinco, é possível
especular sobre as suas quase infindas causas,
a saber, (30/6), (2 + 3), (60/12) etc (isso seria a
nosso ver também outro problema) -- só para
citarmos alguns poucos exemplos. Já no que
concerne ao número zero, teríamos algumas
dificuldades em provar a sua causalidade no
estrito juízo da razão, a saber, 1 x 0 (?); 2 x0
(?) ad infinitum. Nos exemplos citados acima,
estamos tratando da causalidade, quando
53
consideramos o envolvimento de relações e
sinais da regra do jogo; não estamos
considerando os números simplesmente dados
e colocados numa sequência como no exemplo
(0, 1, 2, 3, 4...). Embora o enfoque de nosso
trabalho repouse sobre a possível contradição
que se estabelece quando aplicamos o número
zero numa multiplicação e divisão, caberia
ressaltar também que aqui consideramos o
conceito de número a priori, ou seja,
independente de qualquer experiência. O
próprio matemático alemão Johann Gottlob
Frege já nos diz que “a aritmética não tem
absolutamente nada a ver com sensações.”
(FREGE, 1989, p.89). O foco desse trabalho
não é a questão se o número pode relacionar-se
54
funcionalmente, e isto Frege já confirma em
seu livro Os Fundamentos da Aritmética: “para
que uma verdade seja a posteriori requer-se
que sua demonstração não se possa manter
sem apelo a questão de fato.” (FREGE, 1989,
p.89). Por isso, Frege já define a matemática a
priori: “é possível conduzir a demonstrar
apenas a partir de leis gerais que não admitem
nem exigem demonstração.” (FREGE, 1989,
p.89). É preciso antes notar e saber que a nossa
demonstração não se refere à demonstração de
fato, ou seja, empírica.
55
Um passar por Kant e Frege
Em seu livro Crítica da razão pura, o filósofo
alemão Immanuel Kant faz uma alusão ao
conhecimento a priori, ou seja, o
conhecimento que se dá sem o uso da
experiência e faz a seguinte afirmação
referindo-se à matemática e ao próprio
conhecimento a priori: “ora, é fácil demonstrar
que no conhecimento humano existem
realmente juízos de um valor necessário e na
mais rigorosa significação universal; por
conseguinte, juízos puros, a priori. Se se quer
um exemplo da própria ciência, basta reparar
em todas as proposições da matemática.”
(KANT, 1988, p.23). Claro está que não
pretendemos adentrar a perquerição do que é
56
matemática para Kant no século XVIII. É do
conhecimento por aqueles que se interessam
por Kant o que Kant entendia como
matemática. Todavia, essa afirmação, mesmo
que a matemática não contemplasse na visão
de Kant o que entendemos hoje matemática
com o seu avanço e a sua dinâmica, parece-nos
um pouco precipitada; primeiro, talvez, porque
Kant possuísse uma inabalável fé na
matemática; segundo porque não acreditava
numa possível contradição ou aporia. Nesse
sentido, podemos considerar que um juízo a
priori para Kant, no caso a matemática,
porquanto a aritmética entrega o corpus da
matemática universal, deixa ser necessário e
universal e não a priori. Se considerarmos que
57
há uma aporia ou uma não justificação
racional, então poderíamos questionar se a
matemática é necessária e universal? Como
vimos, necessidade implica não contradição e
a contradição coloca em xeque também a sua
universalidade. Kant parece ter uma fé
extrema de que o a priori é sinônimo também
de necessidade e vice-versa, pois é resoluto
mais uma vez ao informar em seu livro, mais
precisamente no capítulo II de sua Introdução:
“se encontramos uma proposição que tem que
ser pensada com caráter de necessidade, tal
proposição é um juízo “ a priori”( KANT
1988, p.23). Sendo assim, poderíamos também
perguntar ao texto de Kant que, se assim for, a
matemática não é mais um a priori? Quanto à a
58
prioridade da matemática, podemos dizer que,
a nosso ver, essa não seria afetada, apesar de
Kant afirmar na sua Crítica da razão pura mais
o seguinte: “ um juízo, pois, pensado com
rigorosa universalidade, quer dizer, que não
admite exceção alguma, não se deriva da
experiência e sem valor absoluto a priori”
(KANT, 1988, p.23). Mas a nossa resposta a
contrapelo de Kant é dizer que o que
caracteriza o a priori, antes de ser a sua
necessidade e universalidade, é a sua
capacidade de se estabelecer
independentemente de toda e qualquer
experiência. Por isso, a necessidade de tentar
corrigir os desvios e anomalias do sistema,
antes de se tentar eliminar paradigmas
59
seculares. O objetivo é mostrar as anomalias
da aritmética e que a sua verdade absoluta está
longe de nos confortar.
Com efeito, Frege (1848-1925) foi um
matemático que revolucionou a lógica, a partir
do século XIX. Podemos ainda dizer que Frege
é um desses luminares do mesmo coturno de
Kant e que a sua contribuição talvez não possa
ainda ser mensurada com a devida e ilibada
capacidade. Todavia julgamos que não seria de
todo uma afronta à sua capacidade, se
pudéssemos estabelecer um pequeno diálogo
como o seu pensamento. Para isso, entretanto,
e não ignorando a extensa bibliografia que gira
em torno do seu pensamento, pretendemos nos
valer de alguns excertos retirados do excelente
60
artigo do professor da Unesp, Lúcio Lourenço
Prado, intitulado “ Frege e o Elogio da razão
pura”, publicado na revista Cognitio, número
2, volume 10. Nesse artigo, podemos, para o
nosso propósito, destacar a seguinte afirmação
“a demonstração de qualquer teorema da
aritmética, se a consideramos analítica em
sentido fregiano, deve, pois, ser levada adiante
até que se chegue aos primeiros princípios
lógicos elementares, como os de não
contradição ou de identidade.” No texto,
vamos encontrar a crença de Frege na
aritmética, quando no texto se compara a
aritmética com a geometria ou com as demais
matemáticas e principalmente quando se
afirma sobre a aritmética: “mas não se pode,
61
de maneira alguma conceber alguma outra
aritmética na qual os princípios sejam outros
[...] “portanto, para Frege, aritmética é, como a
lógica, a manifestação pura dessas leis
necessárias da razão.” [...] “ A aritmética é,
pois, ao contrário da geometria, absolutamente
universal em sua aplicação e abrangente, pois,
se aplica a todo universo do entendimento
humano. Apresentados esses pequenos
excertos do artigo sobre Frege, poderíamos
perguntar se não caberia, antes do problema,
uma dúvida acerca dessas supostas certezas.
Se ocorrer, de fato, uma contradição na
aritmética ou se não for resolvido esse impasse
ou aporia, não seria temeroso, sob os estritos
ritos da razão, aceitarmos essas „certezas´?
62
Em seu livro Discurso do Método, o filósofo
francês René Descartes (1595 - 1650) já nos
alerta sobre o “nunca aceitar, por verdadeira,
cousa nenhuma que não conhecesse como
evidente” (DESCARTES, ????., p.63). Nesse
sentido, observamos que alguns aspectos da
aritmética, se não são inteiramente
paralógicos, causam-nos ao menos uma dúvida
ou uma suspeita diante dos critérios de ordem
racional; o pai da filosofia moderna, Descartes,
ainda nos ensina que se deve “evitar
cuidadosamente a precipitação e a prevenção;
e nada incluir em “nossos” juízos que não se
apresentasse tão clara e distintamente...”
(DESCARTES, ????, p.63); e isso significa
dizer que a clareza e a distinção exigidas da
63
aritmética encontram-se a nosso juízo sob
suspeição. Após tratarmos do perguntar da
necessidade e universalidade da aritmética e,
por conseguinte, da matemática universal,
pensamos já estarmos em condições de, ao
invés de responder aos impasses apresentados,
formular a seguinte pergunta: Por que a
matemática goza de uma aceitação plena de
sua necessidade e universalidade, sem que se
tenha ainda pelo que apresentamos o estofo
suficiente para isso? Kant no prefácio à
Segunda Edição da Crítica da Razão Pura
(1787) confirma que “a matemática, desde as
eras mais longínquas a que remonta a história
da razão humana, ingressou, entre o povo
64
admirável dos gregos, no caminho seguro de
uma ciência” (KANT, 1988, p.32).
65
Conclusão
Com isso, pretendemos também
considerar justificados os nossos esforços na
escolha do tema proposto por essa ínclita
universidade: A importância preponderante
dos problemas filosóficos frente a qualquer
outro elemento da filosofia como um todo. Por
outro lado, queremos esclarecer que isso não
significa dizer que a ciência matemática foi
relegada a uma metafísica menor; muito pelo
contrário: o que se deseja aqui com esse
singelo trabalho é alertar para as possíveis
falhas dos sistemas e para as suas possíveis
correções, para que a ordem do discurso
racional não se coloque sub-judice filosófico.
Nesse sentido, podemos dizer que esse
66
trabalho, não obstante aparentar um discurso
com laivos matemáticos coloca-se e insere-se
naquilo que compreendemos como o processo
do espanto filosófico e das suas
problematizações. É em certa medida, e em
última instância, tudo isso um distanciamento
e um olhar “oblíquo de Capitu” para as
questões matemáticas e de ordem racional que,
de uma maneira ou outra, interferem
decididamente nos discursos filosóficos e
quiçá estéticos e políticos. É sabido que
discursos de teor estético talvez não gozem de
tanta razão como a matemática tem gozado;
talvez porque o belo não necessite da razão
como a própria razão necessita dela da própria
razão. O belo, embora passível de
67
discordância, nos espanta pela sua própria
razão, porque pode ser apenas uma
concordância ou uma contradição entre a causa
eficiente e o sujeito cognoscente; já a razão
impõe-nos as suas próprias leis, se
objetivamos, com efeito, segui-la.
68
NOTAS
[1] Necessidade lógica: Conforme o Dicionário
Básico De Filosofia (JUPIASSÚ, p.198), “ é
necessária a proposição cuja contraditória
implica a contradição, seja em termos absolutos,
seja dependendo de certos pressupostos do
universo do discurso.
[2] Tomamos a figura da coruja como símbolo da
vigilância filosófica.
[3] Aqui consideramos o tipo de verdade
necessária, aquela que se daria “independente da
experiência “. O conceito de verdade é um
campo aberto às discussões filosóficas. Mas para
o que pretendemos no texto, esse conceito
parece-nos bem apropriado.
[4] Para as nossas considerações, aplicamos o
sentido de esotérico no sentido de tradição, o que
equivale a dizer que se aplica “aos iniciados”, ou
melhor, para aqueles que sabem do que se trata.
[5] Aqui não pretendemos dizer que pode ser
outro o resultado, mas mostrar a precariedade da
prova.
69
[6] Tratamos no texto rapidamente sobre Juízo a
priori. Entendamos aqui Juízo a priori como
aquele que não passa pela experiência.
O que focamos é que parece que para Kant é
dado que Juízo a priori possui as
características já inerentes de necessário e
universal e é esse o nosso propósito mostrar que
Kant talvez se engane.
[7] Justificativa do tipo racional é principalmente
a que segue as leis da razão citadas no próprio
texto.
[8] Conforme Murachco, a carência, necessidade.
A nosso ver, conforme ainda Murachco, seria
melhor áporos: difícil, sem saída. p.465
[9] Colocamos não experiência no sentido
daquilo que não passa pelos sentidos.
[10] Factual no sentido dos fatos; das coisas
vividas.
[11] Revista Cognitio, v.10 – n.2 –
julho/dezembro, 2009.
[12] Objetos Sensíveis são tudo aquilo que
sensibiliza os sentidos.
[13] Já explicitamos numa nota anterior.
[14] Essa afirmação será demonstrada à frente.
[15] É preciso saber que, para esse singelo
trabalho, não é a obra monumental de Kant que
nos interessa, mas sim as suas assertivas acerca
da matemática.
[16] Para uma maior compreensão desse tema,
sugestionamos o livro A Filosofia a partir de
seus problemas. (Vide Bibliografia).
70
[17] Embora tenhamos também uma crença de os
números serem infinitos, nada ainda pode provar
essa verdade, a nosso parecer. Aliás, o conceito
infinito cairia numa contradição se provado.
Pensamos que confundimos conceitualmente
infinito com extenso.
[18] Esse tema deverá ser aprofundado com
outros diálogos. Mas julgamos que o que aqui
está exposto, já nos dá uma base suficiente para
o que objetivamos propor.
[19] A Filosofia a partir de seus problemas
(PORTA, Mario Ariel Gonzáles Porta), São
Paulo. Loyola, 2002, p.25
[20] Texto de Antonio Trajano Menezes Arruda.
Unesp. Filosofia Geral e Problemas Metafísicos.
(d01). São Paulo, 2011.
[21] Arruda, op. cit., p.34
[22] Adotamos simplesmente um tipo de regra
para um jogo acordado entre os jogadores. A
ideia é trabalhar com um tipo de resposta padrão.
O desvio é considerado anômalo. Esse é um
assunto que gera um filosofar sem fim, que é a
nosso ver o que move o processo filosófico.
[23] Usamos a Condição da prova para nos dar
um pouco do exemplo de possível não solução; é
preciso compreender que o intuito não é
demonstrar a condição da prova, mas perceber
que aquilo que pode ser questionado pela razão,
comprova a razão. Para esse caso, julgamos ser
necessária uma análise mais pormenorizada em
outro trabalho.
[24] Ao fazermos a demonstração da condição da
prova, observamos que a aritmética responde de
modo contraditório ao que se tem respondido.
71
[25] Arruda, op. cit. pp.11/12
[26] Porta, op. cit. p.25
[27] Porta, op. cit. p.26
[28] Arruda, op. cit. p.5
[29] Arruda, op. cit. p.6
[30] Língua grega: visão semântica, lógica,
orgânica e funcional. 2.ed. São Paulo. Discurso
Editorial. Petrópolis: Editora Vozes, 2002.2v.
[31] Ao tentarmos elaborar essa sucinta
demonstração, pretendemos menos obscurecer
do que clarificar, pois julgamos que o Quadrado
dos Opostos pode nos auxiliar na nossa
argumentação.
[32] Figura retirada da internet para auxiliar-nos
na explicitação da contradição.
[33] É bem possível problematizar os juízos da
razão, mas não é esse por ora o nosso objetivo.
[34] Intencionamos somente apontar para um
desvio ou um problema que poderá ser
solucionado.
[35] São esses a nosso ver outros problemas que
pretendemos trabalhar em outro trabalho.
[36] Os excertos referentes acerca de Kant foram
extraídos do Livro Crítica da Razão Pura. Trad.
J. Rodrigues de Mereje. EMMANUEL (sic)
Kant. Crítica da Razão Pura. São Paulo. Ediouro.
Consultamos, todavia, outros tantos livros que
não foram aqui citados. Cotejamos os textos com
o livro com tradução de Valerio Rhoden e Udo
Baldur. São Paulo. Nova Cultural. Como nesse
trabalho não nos apoiamos no texto original ou
em outras línguas modernas, vale considerar as
nossas posições diante dos textos traduzidos. É
sabido que a tradução muitas vezes subverte o
72
texto original, mas não cremos que esse seja o
caso em tela. Preferimos o texto da Ediouro,
porque julgamos mais simples e esclarecedor,
sem a similaridade com a língua alemã sintética.
[37] Cognitio. op. cit.,
[38]Cognitio. op. cit. p.274
[39] Cognitio. op. cit. PP. 274/275
[40] Referimo-nos às certezas do senso comum
ou do princípio da autoridade ou não justificadas
pelos critérios da razão. O filósofo inglês Francis
Bacon faz uma abordagem pertinente a esse
assunto, quando trata daquilo que ele denomina
ídolos.
73
Bibliografia
ARRUDA, Antonio Trajano Menezes. In:
Filosofia Geral e Problemas Metafísicos. São
Paulo. Unesp/Redefor. 2011.
BOTUL, Jean-Baptiste. A vida sexual de
Immanuel Kant. Trad. Isabel Maria Lureiro.
São Paulo. Unesp. 2002.
BUCHHOLZ, Kai. Compreender Wittgenstein.
Trad. Vilmar Schneider. Editora Vozes.
Petrópolis, RJ: Vozes, 2008.
CHAUI, Marilena. Iniciação à filosofia:
ensino médio, volume único. São Paulo: Ática
-2010.
74
DESCARTES, René. Discurso do Método.
Trad. João Cruz Costa. São Paulo. Ediouro.
S/D.
FREGE, Gottlob. Os fundamentos da
aritmética. Trad. Luiz Henrique dos Santos. 4.
Ed. São Paulo: Nova Cultural. 1989. (Os
Pensadores).
GIANNETTI, Eduardo. O livro das citações:
um breviário de idéias replicantes. São Paulo:
Companhia das Letras. 2004.
JAPIASSÚ, Hilton. Dicionário básico de
filosofia / Hilton Japiassú e Danilo Marcondes.
4 ed. Atual. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. Ed,
2006.
75
KANT, Imannuel. Textos Seletos. In: Prefácio
à Segunda Edição da Crítica da Razão Pura
(1787). Vozes. Petrópolis, 1985. Trad.
Raimundo Vier. Edição Bilíngue.
______________Crítica da Razão Pura. Trad.
Valerio Rohden e Udo Baldur Mosburger. São
Paulo: Nova Cultural, 1991. (Os Pensadores).
_______________ Crítica da Razão Pura.
Trad. J. Rodrigues de Merege.
Ediouro.1988(?).
MURACHCO, Henrique Graciano. Língua
Grega: visão semântica, lógica, orgânica e
funcional. 2 ed. São Paulo. Discurso Editorial.
Petrópolis. Editora vozes, 2002, 2v.
76
PORTA, Mario Ariel Gonzáles. A filosofia a
partir de seus problemas. São Paulo. Loyola,
2002.
PRADO, Lúcio Lourenço. Revista Cognitio –
Volume 10 – Número 2 - Julho – Dezembro
2009. In: `Frege e o “ Elogio da Razão Pura”.
77
78
MISCELÂNEAS DA CONTEMPORANEIDADE
WILSON LUQUES COSTA
ANO 2014
79
Sou formado em jornalismo. Mas nunca atuei
num jornal. Formei-me nem sei por que
motivo.
Como eu gostava de futebol, optei por
jornalismo.
Talvez para suprir o meu sonho de ser
jogador de futebol.
Mas dista tanto tempo que nem sei o motivo
mesmo.
Fiz jornalismo na UMC.
Uma porque não passei na USP.
E eram essas as únicas opções para um
capiau da vila ré como eu que só gostava do
Corinthians e de jogar bola.
Eu não gostava nada nada de estudar.
Eu lia, se lia, só o frontispício do jornal
afixado na banca lá da vila granada.
Mas nem sei como se deu o vestibular na
UMC.
Consta que fui classificado em trigésimo
terceiro lugar.
A UMC é longe daqui, imagine nos anos 80.
80
Precisamente no ano de 1980.
E foram viagens naqueles trens
abarrotados de estudantes que eu ia todo dia
mas nem ligava para as aulas, como já tive
oportunidade de relatar aqui em outros posts.
Eu ia lendo alguns livros que a
Editora Brasiliense lançava.
De modo que a minha faculdade foi a
Brasiliense, as revistas, os jornais e não a
UMC.
Eu lia no trem, indo para a universidade e
voltando da universidade e depois em casa
até uma ou duas da manhã e depois logo
pela manhã voltava a ler nos ônibus lá pelos
cinco ou seis da manhã.
Li Kafka, Sartre, Simone de Beauvoir, Camus,
a Folha de São Paulo, Veja e até bula de
remédio.
Foram momentos de muitas leituras.
Principalmente literatura contemporânea da
época, clássicos como Balzac, Tolstoi,
Dostoievski etc e muita política.
Em dois anos eu já discursava melhor que
hoje - se querem saber.
Ou seja, me lembro de um dia que me peguei
lendo no fundo da sala de aula e um aluno
81
me dizendo que a aula tinha acabado e
que eu ia perder o trem.
Lembro-me também que eu descia para tomar
um café no intervalo e que subia rapidamente
para continuar alguma leitura.
Eu nem frequentava as aulas de redação nem
nada.
Não me recordo de nenhum professor nem
de colegas.
A não ser de alguns colegas que pegavam o
trem comigo.
Li quase tudo dos Primeiros Passos e uma
mancheia de livros e jornais, principalmente a
Folha de São Paulo.
Lembro-me que ficava sabendo das provas no
dia.
Alguém me dizia assim: você estudou para a
prova de sociologia?
E eu redarguia: mas que sociologia?
Ou: você preparou o trabalho de rádio?
E eu respondia com outra pergunta: mas qual
trabalho de rádio?
Ou seja: não fazia absolutamente nada. Eu
acho que nem caderno eu tinha.
82
Eu tinha livros.
Ah, isso eu tinha.
E não era um somente.
Eram vários.
Era uma biblioteca ambulante.
Só sei que certa vez tive que fazer às
pressas um programa de rádio.
Lembro-me que estava na seguradora onde
eu trabalhava.
Era hora do almoço e me pus a inventar uns
diálogos com um monte de LP que
eu colecionava.
Tinha de Djavan, Chico, Gil, Caetano, Alceu
Valença.
E eu inventava patrocinadores e colocava
música. Inventava notícias: roubos, festas,
assassinatos e colocava música.
Esse era o meu script, só para me livrar do
trabalho final.
Sei que cheguei na universidade e me
indicaram o estúdio que eu nem sabia onde
ficava.
83
Houve um colega que tinha uma família
suicida que me ajudou me dando os sinais
da locução.
Sei que fiz o trabalho e gostei da brincadeira.
Nem sei como entreguei a fita.
Era uma fita cassete.
Dizem que o professor era da Jovem Pan.
Chegando na Vila Ré, lá pelas onze horas,
parei no bar do Gérsão que era o meu point
e mostrei para uns colegas que colocaram a
fita no casset de um fusca.
Recordo-me que os caras gostaram pra
caramba.
Talvez pela minha voz que é forte e
que muitos já elogiaram e até hoje elogiam.
Mas nunca atentei para isso.
Podia ser um radialista como me dizem até
hoje.
Sei que estou formado por uma universidade
que nunca me envolvi a contento.
Fiz sim a Faculdade da Brasiliense.
Recordo-me ainda que fui com o meu colega
Geraldo fazer a minha colação.
84
Lembro-me muito bem da assinatura e do
orgulho da minha formação acadêmica.
Após a minha formação, entrei num processo
depressivo, porque queria trabalhar num
grande jornal e continuava a trabalhar numa
seguradora de pelegos para a época.
Hoje, todo mundo é revolucionário e
progressista! Arre!
Dali em diante nunca mais parei de estudar.
Ou seja, sempre fui um aluno virtual.
Como se diz: estou lá, mas estou sempre
por aqui, principalmente com os meus livros.
Eu fui, com efeito, talvez, o primeiro aluno
virtual que apareceu na história desse nosso
Brasil; se é que me faço entender.
Se eu tivesse entrado na USP, sinceramente,
não sei o que seria de mim nem daquela
minha parca biblioteca...
85
Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia
(Fernando Pessoa)
Falamos muito sobre esse sujeito é
conservado, como sinônimo de 'ele não tem
valor'.
Hoje, com a dissolução do maniqueísmo
esquerda/direita não sabemos o que querem
dizer com conservadorismo.
É fácil rotularmos as pessoas.
Eu sou liberal em certas coisas e em outras
não.
Nem por isso sou liberal ou totalmente
conservador.
No plano moral é a mesma coisa.
Clinton era um tipo democrata-liberal.
Mas vocês se lembram da Mônica?
Bush era conservador, mas era dependente
do álcool.
86
Nelson Rodrigues era conservador e escrevia
como um liberal da rua dos Andradas.
Machado era um sujeito de poucas palavras,
uma porque tartamudeava e até já se
suspeitou que Capitu tenha sido um ato falho
de sua parte.
Vejo homens da esquerda e poetas pós-
modernos vibrarem com Pound que era tido
como antissemita e até Nietzsche que era
declaradamente misógino.
Digo tudo isso porque antes de julgarmos o
valor de um pensamento, julgamos
moralmente a pessoa.
Eu que não bebo atualmente não lerei então
Bukowski?
Ou eu que não uso drogas não lerei Rimbaud
ou Villon, Poe ou Charles Baudelaire?
Já percebi que o fato de eu receber elogios
de Olavo de Carvalho descredencia o que
penso.
E o pior é que ninguém se interessa em
saber o porquê do panegírico do filósofo.
Pronto: se fosse de um homem de esquerda
aí sim os meus estudos teriam valor.
87
O que mais intriga é esse julgamento
precipitado até de supostos filósofos que
teriam no mínimo o dever de saber do que
estamos falando.
Não podemos revivenciar o não provei e não
gostei.
Por favor, senhores scholars, não morram
mais uma vez abraçados com as suas vis
ignorâncias.
88
Eu sei que muitos não podem acreditar, mas
não aceito do fundo do meu coração os
apodos de poeta e filósofo.
Já tive oportunidade de escrever sobre isso.
Mas torno a ele.
Muito menos escritor.
Eu gosto de pensar acerca dos problemas
que me incomodam sob o ponto de vista de
uma ratificação.
Eu gosto mesmo de fazer as minhas
anotações em cadernos ou folhas separadas.
Nem a atitude épica de um livro me agrada
muito ultimamente.
Eu sei que muitos não vão acreditar, mas é
isso que ocorre comigo.
Eu gosto de dividir informações, e nunca é no
intuito de exibir-me.
Embora eu tenha certeza que a maioria pensa
assim de mim.
Que sou metido e esnobe.
E isso não é verdade.
89
Eu fico no fundo até encabulado.
Também não gosto muito do estudo regular.
Gosto de estudar pelo prazer de estudar.
E isso vocês vão perceber pela minha
formação que é tardia e toda fragmentada.
Mas isso não significa dizer que nunca
estudei.
Aliás, estudava muito mais, mas muito mais
mesmo, antes do que agora.
O problema aqui no Brasil, infelizmente, é que
há uma competição muito grande em todas
as esferas.
E ninguém aceita uma relevância do outro.
Somos muito atrasados ainda nesse ponto.
Há um embate curricular que é detestável. É
o famoso: você sabe com quem está falando?
E saca as credenciais.
Alguém agora mesmo poderá pensando assim:
e você o que faz, não é isso a toda hora?
Mas essa pessoa não percebe que eu sou
meio sátiro.
90
Escrevo sempre rindo por dentro.
Porque sempre me encheram com isso.
E agora exagero.
Eu não quero criar inimizade com ninguém.
Mas ao mesmo tempo não deixarei de dizer o
que penso.
Chega de censura e o pior: de autocensura.
Se as pessoas ficam chateadas porque fui
elogiado por alguém que elas são rivais, eu
não tenho nada a ver com isso.
Por isso digo: fiquem tranquilos.
Porque não sou filósofo, poeta, escritor,
cantor, pintor, gênio ou qualquer coisa que o
valha.
Não pretendo tirar a cátedra de ninguém.
Eu só quero ser feliz e pensar.
O que as pessoas me dizem, pertence a elas,
não a mim.
91
Estudos Neokantianos
Estou a ler Estudos Neokantianos de Mario
Ariel Gonzáles Porta.
Leio e releio também a todo o momento
A filosofia a partir de seus problemas, que é
um livro de importância seminal para quem
estuda ou pretende estudar filosofia.
Para quem pensa que filosofia não serve para
nada, eu sugestiono a iniciação com esses
dois livros, porque aí o cara vai ter um pouco
mais de humildade e correrá atrás das
conceituações e de um bom arrazoado de
instrumentais.
Já deixei notório que tive
algumas dificuldades nas aulas do Mário
no Mestrado em Filosofia da PUC.
Talvez pela minha personalidade que é um
pouco forte também.
Mas não confundo as coisas e nem guardo
mágoas.
Sei separar o joio do trigo.
92
E tudo que leio, digo ou contraponho, é no
escopo de dialogar no plano filosófico.
Não levo para a casa as rusgas filosóficas e
é isso que todos deveriam fazer.
O livro Estudos Neokantianos é de difícil
leitura.
É necessária uma boa iniciação em Kant,
porque o livro dialoga com o pensamento de
Kant.
Portanto, é mister entender Kant para voltar a
ele.
E o livro a Filosofia a partir de seus
problemas pode nos auxiliar nessa
empreitada.
Há vários textos.
E pode-se iniciar pelo princípio ou pelo fim.
Eu faço muitas anotações.
Estou namorando o texto e toureando até
pegá-lo pelos chifres.
Vejo valores e vejo defeitos.
Não obstante o texto ter um sabor
estritamente filosófico, há alguns vícios na
93
escrita que julgo excessivos, como, por
exemplo, o uso da palavra decisivo:
“...e isso é decisivo (excesso); ou
´A filosofia não é outra coisa que....
A objetividade não é outra coisa que...
ou A experiência não é outra coisa que...”
Citei as frases ao meu bel prazer só para
dizer que há um uso excessivo dessas
construções no livro...
O professor poderia dizer p.e:
a filosofia é....
a experiência é....
a objetividade é...
E esse tipo de escrita que é derivada de sua
oralidade é até bonita e surpreendente num
primeiro momento, mas se desgasta e vai aos
pouco perdendo o seu brilho e se tornando
um vício, o que torna o que poderia ser mais
claro, menos transparente; o que transforma ,
por vezes, também a sua filosofia um pouco
mais nebulosa, fazendo-nos
94
parecer inacessível -- sem desconsiderar o
fato de que essa escrita pode esconder ou
homiziar ou tornar arcano aquilo que não se
poderia mesmo mostrar ou dizer.
Porque muitas vezes não temos mesmo muito
a dizer, mas dizemos pelo simples fato ou
instinto de dizer.
O que no caso poderia muito bem caber
aquela velha máxima wittgensteiniana.
95
21/12/2011
O editorial da Folha de hoje, mais uma vez,
faz crítica veemente à medida do governo em
nivelar as disciplinas de filosofia e sociologia
com as demais disciplinas, ficando, contudo
ainda, abaixo das disciplinas de matemática e
português.
Para variar, a crítica incorre em filosofia e
sociologia, disciplinas tidas pelo senso comum
desde a Grécia (Φιλοσοφία) como supérfluas.
E digo que são, sobretudo para aqueles que
têm uma visão muito superficial da filosofia e
da sociologia.
A justificativa é sempre que a filosofia leva de
nenhum lugar para lugar nenhum, pelo menos
é isso que compreendemos.
E isso é até justificável, na medida em que se
faz uma opção por um modus vivendi que
não pode ser questionado.
Mas o que mais me causa estranheza não é
o fato de se colocar a velha pergunta:
Filosofia serve para quê?
E eu efetivamente também confesso que não
sei responder.
96
Mas talvez contraditasse com outra questão:
e a vida serve para quê ?
Para comprar todo domingo a Folha de São
Paulo ?
Para ler os anúncios de carros zero
quilômetro, sem que peçamos todo esse
cabedal de besteira?
Mas há outra coisa que mais me intriga além
dessas perguntas já citadas que é perceber
que quem tenta discorrer sobre filosofia não
tem competência para questioná-la.
Porque a filosofia está tão elevada que só
pode ser criticada por filósofos ou amantes
da filosofia e não por editorialistas gazeteiros
que confundem o conceito experiência, como
se se estivesse desejando formalizar um
curriculum vitae, coisa que só interessaria aos
aduladores do homo faber capitalista.
De fato, a Folha com o seu editorial
comprova a tese de que não nascemos para
pensar e que sempre estaremos à disposição
para aqueles que pensam por nós e não por
nós.
O problema é que quando não pensamos o
corpo padece como já dizia a velha máxima.
Pensar cansa a alma, já dizia um filósofo.
97
Com efeito, temos, como diriam os gringos,
uma grande disposição para o não pensar,
e isso deverá se aguçar se tudo depender da
vontade da Folha de São Paulo que julga
possuir o mais dileto poder de
nossa autoridade. Me poupem, xô!
98
Eu não sei o que a literatura tem, mas que
tem algo de diferente tem. Mesmo que você
tenha feito o seu PhD em Roma ou Paris,
você não está satisfeito e irá publicar o seu
livro de contos, poesia ou romance. Dizem e
diziam que a literatura está com os dias
contados, mas não há um que não sucumba
ao seu encanto. A maré está cheia, está até
tendo vazante. O ideal mesmo é esperar o
tsunami passar. Depois que o tsunami passar
e o vulcão arrefecer é que poderemos contar
e salvar o rescaldo. É muita chama ardente. É
muito fogo-fátuo. Digo fátuo de fatuidade.
Na educação, estamos a todo tempo
tentando construir algo que não sabemos
muito bem o que é; e como não sabemos
como a construir ou a destruir,
invariavelmente a reformamos sobre os
seus mesmos pilares.
99
25/11/2011
Ou eu não estou entendendo patavinas
do que está acontecendo na USP ou alguém
está mentindo.
É verdade que num embate ou na guerra a
primeira a perder é a verdade.
Mas lendo blogues, jornais e outros tantos
meios não sabemos de que lado ficar,
correndo o risco de não percebermos uma
revolução que está para chegar ou acontecer.
E eu não quero ficar alheio a esse processo.
Não quero ser anacrônico, aliás eu sempre
propugnei pela extemporaneidade, se assim
me permitem.
E eu pergunto a todos vocês: o que
efetivamente está acontecendo na USP?
Quem com total moral ilibada poderá
nos fornecer essa informação?
Há algo de estranho no reino da USP.
De um lado alguns se sentindo jacobinos; do
outro, os girondinos os arrostando.
100
Nessa história, ainda não sabemos quem são
ou serão os Hamlets, os Iagos e os Otelos
dessa grande tragédia ou comédia.
Eu só temo mesmo que toda essa revolução
não seja mais um daqueles partinhos de um
ratinho numa imensa cratera bem repleta de
fumaça.
101
24/11/2011
Tenho lido os jornais ultimamente.
Retomei essa prática consuetudinária há
quase um ano, porque anos atrás eu a havia
abandonado por mera vontade.
Os jornais não me estavam acrescendo nada
e a minha irritabilidade agravava-se sem eu
saber por que; e esse era o motivo.
Mas voltei às Gazetas.
Continuo tendo o mesmo pensamento: que o
jornal nada me acresce e só me irrita e
instiga-me a um tipo de posicionamento
maniqueísta, quando eu deveria estar aquém
ou além e apesar dele.
Mas tudo isso para dizer que li umas
matérias legais, ou melhor: pequenos textos,
quase ensaios: o primeiro foi do Pondé sobre
as Universidades; o segundo do Juca Kfouri
sobre o timão e o Adriano e um outro hoje
do Antonio Prata, quando faz uma quase mea
culpa sobre a crítica aos movimentos
estudantis e sobretudo sobre os uspianos que
ele mesmo fez.
Concordo em parte com o seu pensamento; é
quase verdade que perdemos uma pouco
102
daquela nossa juventude e isso nos deixa
cáusticos e não utópicos.
Mas eu quando era jovem, eu era um
idealista muito independente e eu nunca fui
muito de manada; apesar de ficar bebendo
com os amigos e sonhando com a revolução.
Sempre fui librorum, e fui à luta também.
Mas nunca gostei que me dominassem o
pensamento.
Esses lances até que são muito legais,
notadamente a um jovem na flos tempi e as
suas externalidades nem sempre são a
transmutação do mundo, mas um beijo aqui,
uma transa acolá, uma bebedeira aqui, uma
noitada no apê da mina e com a mina do
seu melhor camarada (é verdade: os
camaradas também traem os amigos: o fogo
amigo), uma esbórnia acolá e aqui e é isso
que fica -- fica mais que qualquer revolução
que sonhamos por aí.
É verdade: recordo-me mais das minhas
inúmeras mil noitadas do que das minhas
lágrimas no Anhangabaú.
E é isso que fica quando nos tornamos um
pouco mais conservadores.
103
Certa vez li riscado na parede de uma
escola: teremos terríveis pesadelos, quando
não for mais possível sonhar. E eu creio que
são eles, esses terríveis pesadelos, que
eu estou tendo agora.
Em que lugar mesmo eu deixei a minha
juventude perdida?
Se vocês porventura a encontrarem por
aí, me avisem! Porque eu preciso
urgentemente e novamente sonhar!
104
22/11/2011
O papel da observação já coloca, parece-
me, outra pergunta, além da proposta:
estamos falando em verdade universal, na
qual prescindiríamos do sujeito cognoscente
homem?
Mas parece-me que a ideia de verdade
interessa unicamente ao homem.
De maneira que os sentidos lhe são de
fundamental importância; embora uma
verdade matemática pareça estruturar-se
sem a necessidade do homem.
Falar em universalidade e necessidade,
parece-me muitas vezes também perigoso e
temeroso.
Creio que a necessidade e universalidade
padeçam o mesmo mal dos sentidos em
sua eficácia, porque não temos, e não sei
se teremos, ainda um domínio de todo
sistema que compõe o cosmos.
De modo que julgo que há verdades
modulares, ou seja, que apontam para uma
105
aproximação mais fidedigna do objeto.
Quanto aos sentidos que é a pergunta
primeira e principal, acredito numa essência
de verdade, que seria similar do tipo
intersubjetiva.
Nesse sentido, julgo que tanto o sujeito,
quanto o objeto colaboram na constituição
da percepção sensorial.
Se fosse de outro modo, julgo que seria
quase impossível a compreensão e a
elaboração da própria linguagem.
É certo que desvios ocorram, mas
poderíamos situá-los mais no quesito das
disfunções sensoriais, que seriam também
objeto de estudo tanto de filósofos, quanto
de psicólogos que deveriam também ter
todos os atributos não disfuncionais, para
poderem melhor julgar.
106
Acerca da totalidade
Quando falo da totalidade do sistema,
poderíamos pensar que na matemática
haveria uma universalidade.
Mas qual é a garantia que temos de os
números se comportarem em lugares jamais
imaginados?
Vejamos os exemplos da própria aritmética
que vai incorrendo em não soluções, à
medida que vai se ampliando no seu
escopo.
Abordando um pouco mais sobre os
sentidos, é importante notar que há uma
hierarquia na experiência com os objetos do
mundo.
Por exemplo, fazemos o maior uso da visão
em relação a uma montanha; quanto a um
chocolate podemos dispensar talvez o tato
e a visão, privilegiando o paladar, embora
todos exerçam, de um modo ou outro, o
107
seu papel na chamada experiência.
Quando falamos no objeto sensível fogo,
qual seria o nosso conhecimento desse
objeto pelo paladar? E pela audição?
Notoriamente percebemos que o objeto fogo
é menos aberto a um sentido que outros.
Mas invariavelmente o definimos por um
sentido tido como mais essencial.
Poderíamos também perguntar sobre o
sabor da música; quanto ao seu tato etc.
Há quem sente a música, evidentemente
que sentimos a sua vibração, entretanto,
fazemos mais o uso da audição para poder
melhor defini-la.
Há objetos mais abertos à totalidade de
nossos sentidos; outros há que parecem se
destinar a um outro mais específico.
É o caso da montanha que se abre aos
nossos olhos, na mesma proporção que se
recalcitra ao nosso paladar.
108
15/11/2011
John Stuart Mill
Ontem estive na Livraria Cultura com a
Raquel. Lá na própria Livraria Cultura, fui ter
com alguns livros. Li uma boa parte da
autobiografia de John Stuart Mill, na qual
relata os seus primeiros anos de estudos.
Mill relata que foi iniciado no grego e no
latim numa idade nada provecta: dos três
aos oito anos, se não me falha a memória.
Creio que é a nossa obrigação acreditar
nos homens, sobretudo nos grandes homens
-- mas Mill conta-nos coisas de enrubescer
qualquer adulto iniciado no grego. Leu os
grandes autores na idade de cinco, seis
anos, e são autores seminais que eu até
hoje nem folheei. Não sei. Creio que seria
bom vocês julgarem antes de mim e irem
ao encontro de sua gostosa autobiografia.
Eu fiquei meio cismado. Sou um pouco
cético com certas coisas.
109
Donizete Galvão
Li, en passant, mas fixado nos poemas, o
último livro de Donizete Galvão O homem
inacabado. Achei-o regular. Há dois ou
três bons poemas, os demais mais para
compor o livro. O título do livro nos leva a
pensar que existe uma temática do homem
inacabado, mas não é o que ocorre, a meu
ver. Esse livro foi classificado para o
Telecom. Eu não sei quais são os critérios.
Ou sei?
110
Ferreira Gullar
Li mais uma vez o livro de Ferreira Gullar
Em Alguma Parte Alguma. Há poemas bons,
Ferreira leva-os bem. Outros ibidem
(DG). Mas como não esgotamos os livros
numa assentada, volverei a ele, Em Alguma
Parte Alguma, para um melhor garimpo. Nas
primeiras fornadas, uma pedra ou outra. Os
demais, normais para um poeta do seu
porte. Julgo, por enquanto, Muitas Vozes
superior. Questão de gosto ou desgosto.
111
Ademir Assunção
Também vi o poeta Ademir Assunção
conversando com Evandro Affonso Ferreira.
Cheguei até o Ademir e o cumprimentei.
Trocamos algumas ideias. Sou agradecido
ao Ademir e à Revista COYOTE que
publicaram um texto meu. O estranho de
tudo é que ambos ganharam meses depois
o Prêmio Jabuti. Posso estar errado, mas
isso tudo me lembra Shakeaspeare e algo
de errado no Reino da Dinamarca.
112
12/11/2011
Muita fumaça por nada
Tenho acompanhado muito de longe os
últimos acontecimentos da USP, envolvendo
novamente os estudantes e a Polícia Militar.
Eu, como todos sabem, não fiz a graduação na
USP. Fiz depois a distância uma especialização
em Psicologia e tive um conto meu constando
numa tese de mestrado de Geografia que já é
para mim uma honra.
Também não merecia estudar lá, quando me
formei no antigo colegial, porque eu não
estudava e não gostava de estudar, isso veio
acontecer a posteriori.
Mas eu fico receoso em dar uma opinião. Penso
que precisamos muitas vezes nos distanciar, para
podermos melhor analisar.
Nada como o tempo.
Mas quero tentar me posicionar:
1) Não fumo maconha e detesto o cheiro da
maconha e até aí nada contra quem fuma --
113
mas longe de mim;
2) Se a lei do antifumo é vigente em espaços
públicos, alguém deve estar ferindo essa lei, se
for extensiva à canabis;
3) Julgo esse movimento despropositado, porque
penso sim que a polícia deve atuar em todos os
espaços públicos e manter uma certa ordem;
4) Sou contra a todo tipo de violência;
5) Penso que se for a maconha a maior das
nossas reivindicações, estamos perdidos;
6) Muitos agora devem estar pensando que sou
um reacionário;
7) Talvez;
8) Não creio que a USP seja frequentada por
burgueses, como bem explica o texto do Alvaro
Pereira Junior na Folha de hoje na Ilustrada:
9) Sempre achei a maioria dos uspianos metidos;
10) Muitos se julgam gênios só porque estudam
ou estudaram lá;
11) Cito jornalistas, poetas, filósofos e muitos
que tem o rei na barriga, mas que percebemos
que vivem somente da etiqueta:
12) Normalmente são filhos da classe pobre ou
média que conseguem o acesso e procuram se
vingar dos que lá por inúmeros motivos não
estiveram e por aí vai (coisa de pobre mal
resolvido/ Freud explica));
114
13) Muitos podem me achar um ressentido à
maneira de Nietzsche, um fraco e fracassado;
14) Talvez;
15) Mas como disse, já tenho a sua etiqueta no
meu CV;
16) Eu creio que a USP e alguns uspianos (nem
todos) inebriaram-se demais e pararam no
tempo -- não obstante os avanços [meros
números estatísticos que nem sempre refletem a
realidade]:
17) Sem estudo não se chega a lugar nenhum e
isso vale para muitos uspianos que só vão
passear no campus;
18) Deve-se colocar pensamentos na cabeça e
não fumaça;
19) Temo que haja da minha parte uma
precipitação nessa minha sinceridade;
20) Temo que esse movimento desencadeie
outros e que todos esqueçam como tudo
começou (mera fumaça);
21) É o que sempre acontece, e depois dá uma
trabalheira danada para o historiador;
22) Gosto de todo movimento juvenil e
estudantil que propugne mudanças que elevem a
liberdade e o homem (não julgo a canabis
libertadora/ aliás alienante);
23) Por favor, não me chamem de reacionário;
115
24) Mas é que eu precisava dessa terapia;
25) Acho que tem muita fumaça por nada;
26) Como dizia um certo pensador: ´o único
direito da juventude é errar impunemente;
27) Desculpem-me, mas nessa eu não estarei
com vocês;
28) Quem sabe, quando pintar um revival
de maio de 68;
29) E aí podem me chamar que eu vou;
30) Vou na frente, lendo Simone, Camus na ala
dos desatinados com o megafone na mão;
31) Aí sim é que eu vou tirar o maior barato;
32) Vou meter sem dó todo Sartre pra dentro
da minha cabeça;
33) Aí sim, é que eu vou fazer a minha cabeça
com todos vocês, manos, minas e irmãos...!
116
O ESPANTO FILOSÓFICO
Que a filosofia é espanto parece-nos que
há uma concordância a princípio.
Todavia é elementar que a filosofia não
caia no cipoal das platitudes filosóficas.
Fica meio evidenciado que de um lado há o
senso comum do não espanto; os não-
filósofos com os seus meros problemas, as
suas meras angústias não percebidas, a sua
submissão não assumida, a sua estética
não construída, a sua moral mal resolvida e
a sua não ética por si escolhida.
E nesse maniqueísmo dicotômico,
apresentam-se os filósofos ou amantes da
filosofia que se espantam e que, por outro
lado, tem ou supõem ter a ação panaceica
do mundo pelo espanto.
E pensando e julgando dessa maneira,
julga-se que de um lado reside a não
verdade, pelo suposto que do outro ela já
existe -- e sendo assim, dando-se por
117
acabado o espanto e, por conseguinte, o
filosofar.
Sendo, desse modo, portanto, a atividade
filosófica da linha escatológica do mundo.
E é justamente aí que se diferencia o texto
de Trajano, que, no texto Filosofia Geral e
Problemas Metafísicos, nos ensina e nos
adverte:`
Portanto, uma primeira condição para trilhar
o caminho da epistéme, portanto da
Filosofia, é procurar desvencilhar-se da
inércia do hábito.
Somente vencendo a inércia do hábito
podemos fazer uma pergunta sobre
determinado objeto como se estivéssemos
vendo-o pela primeira vez. (Arruda, Página
5).
É evidente que esse excerto se lido na sua
não contextualização poderá nos indicar
aquilo que nós tentamos, no bom sentido,
criticar: que até os problemas do senso
comum filosóficos precisam ser
problematizados e que valem a pena
problematizá-los.
118
O problema é: como fazê-lo?
E a primeira coisa que pensamos é fazê-lo
não olhando para o exterior e sim para os
nossos órganons. Devemos primeiro nos
perguntar:
1 ) Onde se embasam as nossas certezas?
2) Através de qual linguagem as recebemos?
3) Por que as aceitamos?
4) Quais foram os métodos persuasivos,
pelos quais nos persuadimos?
5) Por que nos deixamos levar pela
persuasão da linguagem?
6) Por que a linguagem é um acordo
explícito e não uma derivação racional?
7) Por que questionamos a tradição com o
instrumento recebido pela tradição e não a
própria estrutura gramatical e literária?
8) É possível criar uma linguagem racional
que a critique, fora dela e não dentro dela?
9) Será que é possível filosofar dentro dos
limites da linguagem particular humana?
119
Esses são, a nosso ver, alguns problemas
que podemos criar, não obstante
dependentes da linguagem herdada.
Prosseguindo:
10) Será que é possível abdicar da
linguagem cotidiana e filosófica?
11) Romper os seus limites impostos?
12) Será que ao invés de filosofar não
fazemos um discurso pleonástico, onde as
sinonímias não são observadas pelos nossos
hábitos (mesmo que na condição de
aprendizes de filosofia)?
13) É possível a atividade filosófica?
Se a filosofia é uma atividade, ela é,
parece-nos, um processo, não um fim; ela
é um jogo, uma arte.
E se é jogo é mister que seja bem jogado
dentro das regras acordadas ou
racionalizadas.
Se é arte, é técnica; e técnica
não é substituir uma pedra pela outra.
Como nos assevera Arruda, (Página 5) ´...
nós estamos habituados a ver a chama sem
fazer muitas perguntas, porque a chama é
120
algo que vemos, e com que convivemos,
desde criança.´
E nesse sentido, acabamos percebendo que
a palavra espanto caiu simplesmente no
lugar comum, na ação maquinal dos que
perpassam pelo discurso filosófico.
O problema, e aí, a nosso ver, o grande
problema, é que problematizamos o mundo,
porque o mundo nos problematiza, antes de
problematizar a linguagem.
De maneira que aquilo que são problemas,
e não deixam de ser, são problemas mais
de ordem social, política, estética, moral,
são mais problemas axiológicos do que os
problemas da linguagem.
É comum nos depararmos e nos
espantarmos com a pobreza, com a
corrupção, com a ideia já quase
ultrapassada que vai vem e volta da
estética, mas são questões não da Filosofia
e sim de umas chamadas disciplinas
filosóficas.
Há, com efeito, que se ter um senso moral,
uma autonomia na escolha, é certo ou
quase certo. Mas a grande problematização
talvez seja aquela que eles, os outros e
todos nós ainda não percebemos.
121
É mister, urgente, descermos do Olimpo
para do vale nos espantarmos.
Eu não vejo a filosofia como um
phármakon ou um veneno. Penso num
desconstruir e reconstruir - não sei se isso
já está em Derrida -- mas desconstruir para
compreender a desnaturalização do mundo.
Não vejo a filosofia como salvacionista.
Aliás, creio que nenhum de nós será salvo,
muito menos pela filosofia. Nesse sentido,
considerar a filosofia sebastianista é lhe dar
características de um sagrado próximo e
muito atinente às religiões ou até mesmo
às fugas laicas - sem o embasamento de
um discurso que perpasse ou tente
perpassar por um discurso próximo ao
racional. O espanto seria, a meu ver,
apenas um leitmotiv para um procedimento
pensante acerca das coisas. A filosofia
pode, muitas vezes - antes de nos salvar -
fazer nos perder. E se esse perder nos levar
a outro espanto e a outra problematização,
é aí que ela, a filosofia, talvez, cumpre a
sua missão, se missão houver para a
filosofia.
122
É importante notar que a filosofia tem uma
data de nascimento, por assim dizer, e isso
significa que nem todo espanto ou
perplexidade é sinônimo de um processo
filosófico. Aliás, podemos dizer que quase
todo ser humano se espanta diante da
morte -- todavia nem todos seres humanos
problematizam a morte como o filósofo
problematiza - antes, muitos lamentam-na -
o que é diferente de uma problematização
do que é a morte ou a vida no sentido
filosófico-conceitual. Por isso ser a
linguagem uma das estruturas precípuas de
todo filosofar. É através da língua e
linguagem que dizemos vida, vita, bíos etc.
Com isso pretendo dizer que a língua
também é um importante componente
axiológico. Uma coisa é o brasileiro temer a
morte. No entanto, o que seria temer para
o próprio brasileiro thanatós ou mors? A
simbolização que se adquire com a língua
é, a meu ver, um fator que deve também
ser investigado. Ou seja, as representações
da linguagem em suas relações sistêmicas,
plurais e mesmo monodais.
123
O interesse da filosofia dá-se quando o
homem percebe que há uma construção
histórica e que o mundo é linguagem - para
tanto, todavia, é preciso ter uma apreensão
de uma linguagem e de toda uma
conceituação a ser retrabalhada. É preciso
voltar-se para si antes de voltar-se para o
mundo. O mundo está simbolicamente
construído e de uma maneira ou outra
assomamos num mundo em permanente
construção -- e num primeiro momento -
somos nós essa cera passiva que se
moverá mais adiante para demarcar e
remarcar os símbolos do mundo; e esse
movimento requer um método que nos
norteará numa dialética conosco mesmo,
com o mundo e com o outro; e isso servirá
até para nos demover de nossas certezas
que não sabemos se são tão certas assim.
O processo filosófico serve, muitas vezes,
mais para nos demover do que
para convencer o outro.
124
Sempre os bois de piranha
Há uma nova proposta circulando para a
educação. Foi publicada nos jornais e já
causa polêmica. Pela proposta, haveria uma
redução substancial das aulas de
matemática e português no Ensino Médio,
aumentando por outro lado a quantidade
de aulas de história, filosofia, sociologia,
espanhol -- matérias tidas invariavelmente
pela sociedade como dispensáveis e
supérfluas. Eu, como professor de filosofia
do Ensino Médio, estou longe de advogar
para mim qualquer proselitismo ou
monopólio -- sempre digo que não sou o
arauto da filosofia; mas o que quero
abordar não é nem se a carga de
português ou matemática deve ser ampliada
ou não, mas, outrossim, que a discussão da
carga torna-se inócua se não forem levados
a efeito os problemas básicos da educação.
Para mim, o problema não é de carga, mas
de assimilação e interesse. Há algo errado
no início de nossa educação e isso é
repassado como nas corridas do bastão;
desconhecimento gera mais
desconhecimento. O problema a meu ver
está na base. E nisso não foram os
professores de filosofia e sociologia que
125
falharam; e tentar suprimir ou diminuir as
disciplinas de filosofia e sociologia como
sugere a Folha de São Paulo é
simplesmente tapar o sol com a peneira. É
querer acrescer algo que deveria ter sido
feito no passado. A Folha diz que há uma
gama enorme de disciplinas para os alunos.
Até posso concordar. Mas se o aluno não
aprendeu a ler ou somar não é culpa da
sociologia ou filosofia, desculpem-me. Então
quer dizer que a Língua Portuguesa e a
Matemática vão nos ensinar que existiu um
Hitler, um Mussolini e que o racismo é uma
construção histórica, ou que a nossa língua
pátria é um tipo de linguagem, e que o
mundo é uma percepção dos sentidos, ou
que somos ou não uma tabula rasa, e que
passamos por alguns estágios, que a
verdade da Folha pode ser questionada sob
o ponto de vista filosófico e que do jeito
que se apresenta elimina uma característica
de toda sociedade que se pretende
democrática que é a chamada dialética? O
mundo não é só falar o português casto,
do tipo machadiano, ou fazer somas,
divisões ou multiplicações, e isso seria uma
das inúmeras questões que a sociologia e a
filosofia poderiam debater, sempre no
escopo de somar e jamais dividir ou
subtrair, se possível for isso um dia.
126
A FELICIDADE PRECIFICADA E O PRINCÍPIO DO PRAZER
A Pós-modernidade vem criando no Sistema
Capitalista o conceito de prazer precificado;
é o prazer advindo de uma relação não-
biunívoca com a materialidade e que pode
ser comprado como qualquer outra
mercadoria. Hoje, além de demandarmos o
produto material, naquilo que ele tem de
específico, demandamos também a
externalidade que seu prazer pode nos
proporcionar. Exemplo: quando compramos
um veículo, além de adquirirmos a sua
funcionalidade, adquirimos também o status
de possuí-lo, notadamente se esse veículo
for novo e belo; não há preço em ir numa
padaria com o nosso veículo ou
passearmos pelas nossas vicinais sendo
invejado pelos nossos vizinhos. Não
preocupa mais a alienação econômica e/ou
intelectual. Hoje, poucos, é verdade,
principalmente das classes média e baixa,
compram o seu prazer em 60 ou 50
prestações fixas ou num papagaio dilatado
em qualquer banco. Se isso é felicidade e
se pode ser comprada, por que então não
sacarmos os nossos cartões ou os nossos
127
talões de cheques? Quanto àqueles que se
decepcionam com essa condição, e que
ainda se indignam de seus reluzentes
apartamentos das Perdizes, Morumbi ou
Butantã, melhor mesmo seria comprar uma
gleba bem pertinho de Sierra Maestra ou
adjacências e imediatamente mudarem-se
para lá. É senso comum pensar que somos
apenas senso comum. Queremos sim, a
partir de agora, a nossa felicidade a
qualquer preço. Se vamos conquistá-la e
quitá-la um dia, só o futuro mesmo poderá
nos dizer!
128
Muitas vezes, a não fama ou a fama tardia
pode tornar-se um antídoto contra a morte.
Digo morte física, quanto
espiritual. Precisamos compreender que o
que vale não é a chegada, mas o percurso.
Como alguém já disse: a vida é como uma
cebola, mas somos nós que damos o
tempero a cada camada.
129
21/04/2011
Nesses dias assisti a dois filmes: Cartola e
O bandido da luz vermelha. Adorei
Cartola e não me entusiasmei tanto pelo
filme do Sganzerla, não obstante
reconhecer-lhe os méritos. É simplesmente
uma questão de gosto. Não sou cinéfilo e
não compreendo a técnica cinematográfica.
Falo como um insipiente. Entre hoje e
amanhã verei O Poderoso Chefão com
Marlon Brando.
130
20/04/2011
O PRIMEIRO LIVRO, BEM OU MAL, O AUTOR JAMAIS ESQUECE
No dia 17 de abril, fez 10 anos do
lançamento do meu primeiro livro Contos de
Arrabalde.
São 34 contos.
Há alguns contos que eu mudaria uma
coisa ou outra; outros eu suprimiria
totalmente.
Não sei, depois que se escreve não dá
mais para voltar atrás.
O que eu posso fazer é relançá-los com
outros contos um dia.
Mas não sei se irei fazer.
Um conto, bem ou mal, consta no Livro O
Céu Aberto na Terra, que é uma tese de
mestrado do Departamento de Geografia da
USP; outro foi motivo de prova, também de
Geografia, da Escola Estadual São Paulo; os
outros eu não sei. Livros são como filhos,
os geramos e eles se recriam.
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Os contos foram organizados pelo meu
amigo Camelo Ponte.
E se não fosse ele, eles estariam ainda num
disquete qualquer.
Sim, disquete sim!
Como há mudanças intermináveis nesse
meu mundo de meu deus.
Os contos de maior fôlego são os que
menos gosto; os contos curtos, curtíssimos,
são os de minha predileção.
Não obstante essa minha remissão, o livro
levou-me a organizar a primeira oficina
literária na Livraria Cortez, que poderá se
tornar algo histórico para a Livraria.
Eu não me considero um escritor. Necessito
me expressar pela escrita, e os contos
vieram em socorro àquela expressão
da época.
O que eu não posso prever é o que
efetivamente aonde tudo isso vai ou não vai
dar.
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LITERATURA
E
FILOSOFIA BRASILEIRAS
MISCELÂNEAS
DA
CONTEMPORANEIDADE
133
edição independente
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2014