o problema do paradoxo do zero e miscelâneas

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O PROBLEMA DO PARADOXO DO ZERO & MISCELÂNEAS DA CONTEMPORANEIDADE PRIMEIRA EDIÇÃO 2014 WILSON LUQUES COSTA

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Page 1: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

O PROBLEMA DO PARADOXO DO ZERO

&

MISCELÂNEAS DA CONTEMPORANEIDADE

PRIMEIRA EDIÇÃO

2014

WILSON LUQUES COSTA

Page 2: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas
Page 3: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

Para a minha esposa Raquel, farol que me ilumina.

Page 4: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

Todos os direitos para Wilson Luques Costa

.

A IMPORTÂNCIA PREPONDERANTE DOS PROBLEMAS

FILOSÓFICOS FRENTE A QUALQUER OUTRO ELEMENTO

DA FILOSOFIA COMO UM TODO

Page 5: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

5

Resumo

O principal objetivo de nosso trabalho

é justificar A importância preponderante dos

problemas filosóficos frente a qualquer outro

elemento da filosofia como um todo. Para

tanto, centrar-no-emos na necessidade da

aritmética, especialmente em Kant e Frege que

parecem acreditar em seus pressupostos. No

desenvolvimento de nosso trabalho,

procuraremos demonstrar a possível

precariedade da sua justificativa racional,

sobretudo, quando lidamos com o número

Page 6: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

6

zero. Queremos também enfatizar que não é

objeto desse trabalho a audácia de questionar

filósofos universais, mas colocar perguntas

que poderão despertar o desejo de respondê-las

ou problematizá-las por aqueles que,

porventura, puderem se interessar pelo

assunto.

Page 7: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

7

Palavras-chave

Necessidade, Contradição, Verdade, Filosofia, Kant, Frege.

Page 8: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

8

Abstract

The main objective of our work is to

justify the overriding importance of

philosophical problems facing any other

element of philosophy as a whole. Therefore,

we will focus on the need of arithmetic,

especially Kant and Frege who seem to believe

in their assumptions. In the development of

our work, we aim to show the potential

precariousness of their rationale, especially

when dealing with the number zero. We also

want to emphasize that this work is not subject

to universal philosophers audacity to question,

Page 9: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

9

but to ask questions that might arouse the

desire to answer them or problematize them by

those who, perhaps, may be interested in the

subject.

Page 10: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

10

Keywords

Need, Contradiction, Truth, Philosophy, Kant, Frege.

Page 11: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

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Introdução

O presente trabalho tem como escopo

mostrar que não podemos ainda considerar a

chamada ciência matemática como a mais fiel

portadora daquilo que se denomina

necessidade. Podemos ainda dizer que a

palavra necessidade é um conceito muito

usado pelos filósofos para demonstrar algo que

está próximo da verdade ou que não contém

contradição. Consoante as palavras do filósofo

Page 12: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

12

alemão Immanuel Kant (1724 – 1804), “o uso

dogmático da razão sem crítica conduz (...) a

afirmações infundadas” (KANT, 1988, p.34).

Por isso que para justificar o nosso trabalho,

pretendemos apontar algumas inconsistências

na matemática, sobretudo na aritmética,

quando envolvemos o número zero numa

relação multiplicativa. Ao longo desse

trabalho, vamos relacionar os nossos

apontamentos críticos a algumas passagens de

textos do filósofo alemão Immanuel Kant e do

matemático alemão Gottlob Frege (1848 –

1925), para ao cabo dele propormos um olhar

mais atento para a aritmética antes de

considerá-la como exemplo de necessidade e

de não contradição. Esperamos também que o

Page 13: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

13

fazer filosófico aponha o seu olhar de coruja

vigilante diante de estados tidos como já dados

e que vele pela verdade somente demonstrada

pelas justificativas racionais que não lhe

apontem uma contradição, como parece

acontecer ainda quando tratamos da aritmética.

Não obstante tratarmos de conceitos

filosóficos mais adstritos a quem se interesse

pelo filosofar aparentemente mais esotérico,

pensamos que esse trabalho aponta para uma

clareza de entendimento que só será percebida

quando houver a vontade livre de compreender

do que ele trata. Assim sendo, o nosso trabalho

tem o propósito de fazer um elogio às

problematizações.

Page 14: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

14

Um olhar de espanto sobre a necessidade aritmética

Há com efeito em todo filosofar um

processo dialógico com os textos. Para tanto,

é necessário embrenhar-se de tal forma com

eles para que se efetive a sua compreensão. E

foi por ter contatado como o livro Crítica da

razão pura do filósofo alemão Immanuel Kant,

que percebemos a nossa não compreensão da

certeza depositada por ele naquilo que se

denomina matemática. A nossa dúvida

emanou-se quando percebemos que, não

obstante a matemática gozar de um status

racional em suas relações, a razão nem

sempre está ali para acudi-la com os seus

critérios. É o caso, quando, por exemplo, numa

Page 15: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

15

relação multiplicativa envolvemos o chamado

número natural zero. É comum aceitarmos em

nossos afazeres diários e acharmos até natural

que 1 x 0 = 0 é uma relação que resulta numa

verdade incontestável e absoluta. Todavia, ao

procurarmos nos estribar nos critérios

racionais, percebemos que temos dificuldades

extremas em justificar essa denominada

verdade. E foi pensando nisso que viemos

propor um olhar mais atento àquilo que

julgamos ser uma possível contradição. O fato

de citarmos o pensador de Königsberg, não

tem a intenção de imiscuirmo-nos em seu

tratado magno, nem muito menos tangenciar o

seu pensamento ou tentar denegá-lo; muito

pelo contrário, pretendemos isto sim

Page 16: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

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simplesmente dialogar com alguns excertos

seus para alertar que a sua compreensão e

conceituação de juízo a priori como necessário

e universal colocam-se em xeque, quando o

filósofo alemão toma como fundamento para

as suas explicações à chamada matemática e

principalmente a aritmética. O mesmo pode-se

dizer em relação ao matemático alemão

Gottlob Frege, que também à maneira de Kant

aponta a aritmética como exemplo de

necessidade. O nosso propósito, portanto, é

fazer um contato com algumas pequenas

asserções, principalmente dos dois pensadores

já citados, para tentarmos apontar que as suas

certezas ainda carecem de uma justificativa do

tipo racional.

Page 17: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

17

Pretendemos também elaborar uma

conclusão propondo um olhar mais atento às

aporias matemáticas e justificar com o nosso

pequeno trabalho a importância da

contribuição do perguntar e das

problematizações para o processo filosófico.

Sempre é de bom tom saber que a filosofia

é um diálogo sobre as conceituações como

também sobre os ajustes e retificações que se

fazem necessários, quando erros e desvios

impregnam-se na linguagem. É sabido que

verdades arbitrárias e não fundadas no estrito

juízo da razão pressupõem outras tantas

arbitrariedades. Sendo assim, não devemos dar

desprezo a pontos fulcrais da filosofia que

possam aparentar meras vaidades egocêntricas

Page 18: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

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que não nos servem para nada. É, por

exemplo, quando se trata da própria ciência ou

da própria ética. No livro Crítica da razão

pura, o filósofo alemão Immanuel Kant vai

tratar da definição do que é experiência e não

experiência, para poder tratar de juízos a priori

e não a priori, ou tratar antes da matemática

para firmar a sua conceituação e por fim para

tratar, desde que tudo racionalmente fundado,

das nossas ações em outros textos ou livros.

De modo que o conceitual interfere no factual

e o factual, menos talvez, no conceitual. E é

por isso que é preciso fazer uma revisão nas

afirmações, para que essas possam ser

fundadas pela própria razão e não pelo

consenso dos princípios das autoridades; Kant

Page 19: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

19

é claro em aceitar que "ciência é algo que

progride, que avança, que acumula" por isso "

o conhecimento científico deve pois ser

necessário, universal e acumulativo ou

extensivo.” E foi pensando nisso que

propusemos uma leitura sobre os fundamentos

da aritmética para nos convencer, após disso,

de sua necessidade e universalidade e, por

conseguinte, de suas fundamentações

ulteriores; no Capítulo primeiro do livro

Crítica da razão pura, Kant fará uma distinção

entre o Conhecimento Puro e Empírico: “Os

conhecimentos“ a priori” ainda podem dividir-

se em puros e impuros. Denomina-se

conhecimento “a priori” puro ao que carece

completamente de qualquer empirismo”

Page 20: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

20

(KANT, 1988, p. 22); e para isso ele vai se

valer da importância da experiência como a

base da linguagem e por consequência de

nossos conhecimentos. Parece ser o propósito

de Kant primeiro fazer uma distinção entre o

conhecimento empírico do não empírico, para

poder, depois disso, fazer a distinção ou

distinções que podem ocorrer naquilo que se

denomina de a priori, ou seja, o conhecimento

que não passa pela experiência. É sabido que

Kant não nega o valor da experiência, pois o

próprio Kant inicia o I parágrafo da Crítica da

razão pura afirmando o caráter primordial da

experiência para a aquisição de nossos

conhecimentos; ele já enceta o parágrafo

confirmando o valor da experiência: “não se

Page 21: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

21

pode duvidar de que todos os nossos

conhecimentos começam com a experiência”

(KANT, 1988, p. 21). Todavia, percebemos

que ao invés de Kant começar definindo o que

é experiência, ele prefere fazer uma primeira

explicação tomando como base não uma

definição conceitual que virá no final do

parágrafo, mas a relação de nossos sentidos

com os chamados objetos sensíveis, o que

pode dificultar a leitura e o entendimento do

texto, porque Kant parece supor que todos já

compreendam o que é experiência: “como

haveria a exercitar-se a faculdade de se

conhecer, se não fosse pelos objetos que,

excitando os nossos sentidos, de uma parte,

produzem, por si mesmos, representações, e de

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outra parte, impulsionam a nossa inteligência a

compará-los entre si, a reuni-los ou separá-los,

e deste modo à elaboração da matéria informe

das impressões sensíveis para esse

conhecimento das coisas que se denomina

experiência? (KANT, 1988, p. 21). Parece ser

o intuito de Kant fixar-se menos na

experiência do que no a priori, porque para

Kant o a priori, ao contrário do conhecimento

empírico, tem o caráter da necessidade e, por

conseguinte, da universalidade. Kant bem

define no próprio capítulo citado o que é

conhecimento a priori, pois para ele são “todos

aqueles que são absolutamente independentes

da experiência.” (KANT, 1988, p. 22). Mas

esse não seria a nosso ver o problema que nos

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leva a citá-lo; Kant quando distingue o

empírico do a priori, envolve-se numa não

aparente tão difícil tarefa de também distinguir

os conhecimentos a priori em puros e em

impuros. Entretanto, em meio a tantas

particularidades da obra magna do mestre de

Königsberg, o que nos faz focar em parte de

sua obra é a sua fé, digamos assim, do caráter

necessário da aritmética; pois acreditamos que

a matemática ainda não possui a

universalidade e necessidade tão esperadas,

porquanto incorre em não soluções ensejadas

em seu próprio núcleo, que preferimos

provisoriamente denominá-las de anomalias.

É preciso antes compreender que não

são, a nosso parecer, para Kant a matemática e

Page 24: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

24

a aritmética o seu foco principal. Kant as

utiliza mais no sentido de dar uma base

fundadora para as suas argumentações.

Entretanto, não podemos tergiversar e assim

dar crédito às suas argumentações por se tratar

de Kant. É necessário compreender de onde

provém essa necessidade da aritmética que

muitos acreditam sem tanto questionar ou

colocar-lhe suspeitas como sobre as coisas

metafísicas. Sabemos que Kant vai colocar a

Metafísica abaixo da ciência matemática por

não conseguir responder às fundamentações

racionais, mas será que, não obstante a sua

linguagem artificial criada pelos homens, a

aritmética não cai nesse impasse se também

não responde a muitas outras fundamentações?

Page 25: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

25

O caráter de nossa suspeita tem uma

explicação, se não lógica pela sua própria

fundamentação, porque percebemos que, e não

desdenhando outras tantas anomalias que já

possam ocorrer (Parece que fica difícil

também saber se os números são finitos ou

infinitos) a chamada aritmética não consegue

explicar porque um determinado número

natural, a saber, zero, quando se envolve numa

relação multiplicativa com outros números ou

com o próprio zero cria algo, por um tipo de

condição de prova, anômalo ou não

explicativo, o que não ocorre com os demais

números denominados de naturais. E foi por

perceber esse estado anômalo que procuramos,

pela via da filosofia e não da matemática,

Page 26: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

26

questionar esse talvez provisório problema,

para que não sejam justificadas as palavras do

próprio Kant que já nos diz sobre esses

possíveis embaraços, porque “o desejo de

estender os nossos conhecimentos é tão grande

que só detém seus passos quando tropeça

numa contradição claríssima” (KANT, 1988,

p. 26). Como pretendemos ampliar essas

questões num trabalho de maior fôlego,

intencionaremos aqui tão somente fazer

algumas demonstrações para poder compará-

las posteriormente com a obra do próprio Kant

e de outro grande matemático, Frege, que

também parece depositar uma fé inabalável na

chamada aritmética. Somos sabedores dos

abismos que poderemos encontrar, ao tentar

Page 27: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

27

trabalhar com um tema de especialistas e de

difícil consenso, porém julgamos serem

necessárias as exposições de nossas dúvidas,

sobretudo quando acreditamos que fizemos se

não completa alguma razoável inserção pela

compreensão dos problemas, através de

leituras e de releituras dos próprios autores

como de seus mais diretos comentadores. Por

isso que para o bom funcionamento didático

de nossa exposição, preferiremos tratar de

alguns assuntos que procurarão seguir uma

determinada ordem.

Page 28: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

28

De onde provém a necessidade da aritmética?

É comum, mesmo entre os filósofos,

acreditar na necessidade da aritmética. Porém

seria de se perguntar: De onde provém a

necessidade da aritmética? São sabidamente

conhecidas e reconhecidas as dúvidas que se

colocam quanto às questões de Deus,

liberdade, alma etc. O próprio filósofo alemão

Immanuel Kant nos dá esse exemplo, quando

aborda sobre a Metafísica, dizendo-nos que

“sua marcha é, no princípio, dogmática; quer

dizer, ela enceta confiadamente o seu trabalho

sem ter provas de potência ou impotência de

nossa razão para tão grande empresa” (KANT,

1988, p. 25). Mas deixa de elaborar a mesma

pergunta à matemática e principalmente à

Page 29: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

29

aritmética por acreditá-la e creditá-la ao que

parece infalível. Kant em seu livro já nos

informa de sua necessidade e universalidade,

sem pelo menos nos explicitar o porquê dessa

certeza; ao contrário, mostra-nos essa

confiança como coisa simplesmente dada de si

para si, sem ao menos questioná-la: “pois

desfrutando de certeza uma parte de nossos

conhecimentos, a Matemática, concebe-se a

fagueira esperança de que os demais cheguem

ao mesmo ponto” (KANT, 1988, p. 26). O que

efetivamente estamos procurando fazer é um

perguntar a essa certeza kantiana. Será que

Kant não percebia que essa certeza estava

possivelmente eivada de um possível processo

indutivo? Como poderia Kant depositar essa

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30

certeza sobre os números se não o conhecemos

em sua plena totalidade? Sabemos que o

processo indutivo, que parte do particular para

o geral, não nos afirma nada sobre a totalidade

das coisas; por isso também que,

independentemente da dúvida da condição da

prova que proporemos nesse trabalho,

julgamos precipitada essa certeza kantiana,

que deveria ser antes tratada, para se chegar às

suas questões transcendentais. É como que,

como grande filósofo que foi e é se

desinteressasse ou não percebesse a dimensão

deste possível problema. Nesse sentido, Kant,

a nosso ver, não procurou usar os instrumentos

da razão para creditar a razão e posteriormente

os seus tão elementares e transcendentais

Page 31: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

31

argumentos. Como bem nos informa uma

passagem do livro: A filosofia a partir de seus

problemas, “o núcleo essencial da filosofia não

é constituído de crenças tematicamente

definidas e racionalmente fundadas, senão de

problemas e soluções”. No texto trabalhado no

curso de Especialização em Docência em

Filosofia pela Unesp, podemos destacar que

aprendemos com Antonio Trajano Menezes de

Arruda que filosofia é espanto; “ com efeito,

nada é capaz de provocar espanto/perplexidade

a não ser um problema, uma questão”

(ARRUDA, 2011, p.11). Por isso esse trabalho

não tem a objetivação primeira de definir um

problema e, por conseguinte, a sua solução,

que seria, a nosso ver, uma tarefa um tanto

Page 32: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

32

quanto despropositada para o momento; esse

trabalho vem mais no intuito de se fazer um

elogio às problematizações filosóficas que,

excetuando alguns poucos trabalhos até o

momento publicados, não vem se constituindo

como o leitmotiv de um filosofar que pretenda

sair do seu secular “comentarismo”, pois “o

“comentarismo” é o principal fator que tem

entravado o aparecimento na universidade

brasileira de uma reflexão filosófica original

regular e consistente.” Outro ponto que nos

leva à consecução do que aqui se pretende

tratar é a tentativa de mostrar que é necessário

fazer um ajuste na chamada aritmética, se se

pretende tê-la como um paradigma de uma

ciência que se constitui nas bases seguras da

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33

necessidade e universalidade. Sem pretender

adentrar e nem sequer perpassar as obras

titânicas de Kant e Frege, objetiva-se aqui

também mostrar que a conceituação de a priori

coloca-se em xeque na matemática, quando ela

não consegue explicitar pelos próprios

instrumentos da razão as suas possíveis aporias

e contradições. Mas como demonstrar essas

possíveis contradições e aporias que a

matemática e, sobretudo, a

aritmética incidem? Como encetar e embasar

o método ou caminho? São justamente essas

perguntas que também se colocam à própria

ciência, porquanto é deveras difícil demonstrar

uma razão, sem que se aponte para perguntas

que já se problematizam. Por isso que em face

Page 34: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

34

dessas dificuldades que gerariam outras

dificuldades, pretende-se não tirar o foco do

assunto e seguir num abrir de janelas que não

poderiam ser fechadas, funcionando menos

como janelas esclarecedoras, que é o propósito

desse trabalho. Para isso, agora, pretendemos

apresentar aquilo que preferimos denominar de

condição da prova. Podemos dizer que a

condição da prova é um tipo de fórmula, a

saber, a x b = c sse c : b = a que tenta explicar

a não contradição dos números nela aplicados

num efeito de multiplicação e divisão. Não

obstante, a dificuldade de esclarecer ou

justificar lógica ou racionalmente como essa -

vamos chamá-la provisoriamente assim -

condição da prova se deu, deve-se, no entanto,

Page 35: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

35

atentar como e por que os elementos nela

testados (chamemos de números naturais)

apresentam-se ora como imagens idênticas, ora

não. Apresentada a condição da prova,

passaremos a aplicar os elementos numéricos

naturais para a justificação das imagens. Na

condição da prova, chamaremos valores de

verdade e de não contradição quando os

elementos possuírem a mesma imagem, e não

incidirem em contradição e chamaremos de

contradição ou aporia, quando houver pelo

menos uma ou mais imagens diferentes, ou

imagens idênticas, mas que geram contradição.

Para tanto, embasamo-nos nas ideias do

filósofo austríaco Wittgenstein acerca das

regras: “somente por meio do seguimento

Page 36: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

36

correto da regra pode-se demonstrar, ou seja,

julgar se uma demonstração tem força

comprobatória.” (BUCHHOLZ, 2008, p.37).

Exemplo 1. a = 2 b = 3 c = ? Escolhidos

esses números, vamos aplicá-los na Condição

da Prova: 2 x 3 = 6 sse 6 : 3 = 2. Após a

aplicação da condição da prova aos elementos

naturais escolhidos acima, podemos perceber

que as imagens são idênticas para a, b e c;

sendo a = 2 b = 3 e c = 6.

Sendo assim, podemos considerar

dentro das regras estabelecidas como

verdadeiros e não contraditórios. Agora vamos

escolher os números maiores ou iguais a zero,

a saber, a = 1 b = 0 c = ? -- escolhidos esses

números, vamos à aplicação da condição da

Page 37: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

37

prova: 1 x 0 = 0 sse 0 : 0 = 1. Feita a aplicação

da condição da prova, envolvendo agora o

número zero, percebemos que para as imagens

serem idênticas, haveria que ocorrer uma

contradição na matemática ou aritmética, o

que concorreria para algumas análises que

pretendemos fazer, ou melhor, nessas

condições apresentadas, ocorreu uma

contradição num juízo a priori e a aritmética

colocou-se em xeque diante dos juízos da

razão: Princípio da Identidade, Princípio do

Terceiro Excluído, Princípio da Causa

Eficiente, Princípio da não Contradição.

Verificamos que o número zero causa um

problema para a justificação racional de seu

produto. Desse modo, parece que nos

Page 38: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

38

encontramos diante de um problema na

matemática e, em particular, na aritmética.

Evidente é que quando tentamos colocar esse

problema, não estamos advogando, nem nos

embasando na frase conhecida de Marx (1818

– 1883) que afirma que “a tradição de todas as

gerações mortas oprime como um pesadelo o

cérebro dos vivos” (GIANNETTI, 2008, p.25)

-- e é diante disso que preferimos a definição

de que “um problema é formulável na

linguagem, em uma sentença interrogativa” e

estribando-nos nessa definição que

formulamos a seguinte pergunta: Por que a

condição da prova aponta uma contradição na

matemática e, em particular, na aritmética,

quando trabalhamos com o número zero? Se

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39

retornarmos ao livro A filosofia a partir de

seus problemas (de Mario Ariel Gonzáles

Porta), vamos encontrar a seguinte afirmação:

“O núcleo essencial da filosofia não é

constituído de crenças tematicamente definidas

e racionalmente fundadas, senão de problemas

e soluções”. Nesse sentido, é oportuno apontar

para a necessidade primeira de um perguntar e

dialogar, do que propriamente a volição de

uma problematização e a consequente solução;

mister é pois destacar que, não obstante o tema

tratar das problematizações, o intuito é um

perguntar, posto haver, em nosso

entendimento, uma diferença de grau entre o

perguntar e o problematizar. Entendemos que

há uma diferença de grau entre o perguntar e o

Page 40: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

40

problematizar, já que o perguntar traria em seu

bojo menos um conhecimento holístico dos

problemas tratados; o perguntar seria a ante-

sala das problematizações, porquanto traz em

si ainda a não compreensão plena das

problematizações; no perguntar subjaz, talvez,

a pátina das compreensões parciais; o

perguntar seria uma primeira etapa que precisa

ser trabalhada e polida, seria a escada que

poderia levar às problematizações, mas não o

seu patamar. Se o perguntar é a ante-sala das

problematizações, a problematização, por seu

turno, é o patamar do perguntar ao problema;

de maneira que enquanto a pergunta duvida

tout court, a problematização pergunta para os

problemas, ou melhor dizendo, sabe dos

Page 41: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

41

problemas, por isso pergunta; a

problematização é um perguntar consciente,

porque tem seu alvo, seu télos; a

problematização seria um diálogo interposto

entre outros diálogos, por isso dialético. Como

bem se afirma, “se o público em geral não

entende o que os filósofos fazem e crê que

cada um simplesmente diz o que quer isso se

deve, em grande medida, ao fato de que não

entende o problema ou, mais ainda, não toma

consciência de um problema”.

Por isso são, com efeito, de vital

importância para a filosofia os problemas

filosóficos, porque ao problematizarem

mostram e denotam que o filosofar é um in

fieri e que as problematizações vêm adicionar

Page 42: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

42

ou corrigir alguns pontos não tão claros ou

evidentes; mas para isso como bem nos

informa o texto trabalhado em nosso curso “é

preciso desvencilhar-se do hábito, pois “o

hábito, embora seja em geral uma coisa

vantajosa, pois sem ele teríamos que estar

sempre reaprendendo as coisas e as

habilidades, tem o inconveniente de gerar uma

impressão falsa de conhecimento‟‟ e “para

neutralizar esse inconveniente, é preciso

vencer a tendência para se comportar segundo

a inércia do hábito, do costume” e a pergunta é

como fazer para desvencilhar-se do hábito já

que o hábito é um empecilho para o caminho

das problematizações? Por isso, “a coragem

intelectual” é um meio de quebrar esses

Page 43: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

43

grilhões que nos acorrentam. Todavia, não é o

ser simplesmente corajoso que valida as

problematizações, porque um homem corajoso

é somente um homem corajoso; é preciso

saber dos problemas; coragem sem

conhecimento é um modo temerário de postar-

se diante dos problemas; a coragem filosófica

exige o denodo pela compreensão intelectual;

e é nisso que a filosofia diferencia-se da

prática do senso comum; por isso a filosofia

não é um perguntar simplesmente vazio.

Voltando às problematizações, podemos dizer

que elas são também a tentativa de um ajuste

que enjeita por isso uma teleologia sistêmica,

porque, conforme Kant, “todos os filósofos

que construíram sistemas viveram num intenso

Page 44: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

44

sentimento de fragilidade.” (BOTUL, 2000, p.

54) e elas muitas vezes não são e nem

pretendem ser a negação (apóphasis) ou a

eliminação de um paradigma, nem muito

menos uma aceitação passiva; as

problematizações são um estímulo ao filosofar

e ao espanto; é também uma penetração

obsessiva pelos textos, ou melhor, um

mergulho constante nos seus enredamentos, ou

seja, um auscultar mais de perto e não um

simples passar; não se problematiza a filosofia

e os filósofos, se não lemos ou conhecemos as

suas obras e os seus mais argutos

comentadores. Depois de abordarmos sobre o

perguntar e as problematizações, cabe agora

interpor uma pergunta entre dois filósofos, não

Page 45: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

45

no escopo de problematizar, já que fizemos a

distinção entre problema e pergunta; e a

pergunta surge no intuito de tentar elucidar,

antes, se ela é cabível. Mas antes gostaríamos

de tomar o quadrado dos opostos para tentar

demonstrar o nosso perguntar primeiro para

Kant e depois para Frege. O quadrado dos

opostos é uma figura crida pelos “lógicos

medievais” (CHAUI, 2010, p.129). Essa figura

possibilita, segundo as suas regras, “visualizar

as proposições segundo a qualidade,

quantidade, a modalidade e a relação.”

(CHAUI, 2010, p.129). Desse modo,

procuraremos, abaixo, apresentar o quadrado

dos opostos para facilitar a nossa análise. O

quadrado dos opostos é constituído de “vogais

Page 46: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

46

minúsculas que indicam a quantidade e a

qualidade (a, e, i, o)” (CHAUI, 2010, p. 129),

onde (a) Universal Afirmativa e (o) Particular

negativa. Pelo quadrado dos opostos, somos

informados pelas suas regras que (o) coloca-se

em contradição com A. Sendo assim, tomamos

como proposição universal para (a) Toda

aritmética é necessária e (o) Alguma aritmética

não é necessária. Nesse sentido, podemos dizer

que quando a razão não consegue justificar

racionalmente por que 1 x 0 = 0 , devemos

alocá-la em (o) – numa sentença particular que

irá contraditar a universalidade de sua

necessidade.

Page 47: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

47

(A) Toda aritmética é necessária

(O) Alguma aritmética não é necessária

Posta essa concisa e breve explicitação,

urge apor as seguintes perguntas: 1. De onde

provém a necessidade da aritmética e se é de

fato verdadeira? De onde provém

racionalmente tal assertiva? Desenvolvidas

Page 48: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

48

essas breves considerações anteriores, iremos

tratar dos princípios da razão relacionados com

o problema ou o perguntar colocado pela

aporia. Para isso é preciso, antes, darmos uma

pequena definição desses princípios. Como

bem nos informa o livro Introdução à filosofia

de Marilena Chauí, a razão tem os seus

princípios, pois “desde seus primórdios, a

filosofia considerou que a razão opera segundo

certos princípios...” (CHAUI, 2010, p.71).

Podemos assim dizer que são quatro os

princípios que constituem a razão: 1. Princípio

da Identidade 2. Princípio da não contradição

3. Princípio do Terceiro Excluído 4. Princípio

da Causa Suficiente.

Page 49: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

49

Antes de tudo, pretendemos deixar

claro que não é objeto desse trabalho a

problematização desses princípios, embora

problematizáveis. Todavia, queremos nos

escorar em pelo menos dois desses princípios

para podermos elaborar um tipo de teste, já

que sem tais princípios a razão ficaria

comprometida. Ao observarmos, na condição

da prova, a expressão 1 x 0 = 0 sse 0 : 0 = 1,

vamos reparar que o que resulta no teste fere

de um certo modo o princípio da contradição

que “ afirma que uma coisa ou uma ideia da

qual algo é afirmado e negado, ao mesmo

tempo e na mesma relação, são coisas ou

ideias que se negam a si mesmas e que por isso

se autodestroem.” (CHAUI, 2010, p.72).

Page 50: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

50

O que queremos destacar é que,

conforme a nossa exposição, para ser verdade

que 1 x 0 = 0, é preciso reconhecer que 0 : 0 =

1 (ad hoc), o que parece não ser aceito

momentaneamente na matemática. Assim

sendo, e tomando como critério o princípio

citado, não queremos reconhecer, conforme

esse princípio enuncia “que as coisas e as

ideias contraditórias são impensáveis e

impossíveis” (CHAUI, 2010, p.72). Desse

modo, pretendemos apontar para uma

preocupação com o impasse criado e não com

a destruição de um paradigma que vem sendo

aceito até com muita eficácia. Somos, com

efeito, sabedores dos avanços da chamada pós-

modernidade; sabemos ainda que é quase

Page 51: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

51

impossível e de um esforço hercúleo abranger

a totalidade dos avanços e descobertas tanto na

ciência como entre outros campos; mas isso

não nos impede de tratar questões que estão

em meio à sociedade. Entretanto, aprendemos

ainda que, ao menos no senso comum, há o

falso (F) e o verdadeiro (V), sobretudo e

particularmente na aritmética. Se temos 2 x 3

= 6 não pode resultar cinco, dadas as devidas

regras e não seria possível ser 5, nem 4, nem 2.

Sabemos também, embora questionável a

nosso ver, da universalidade da causação, ou

seja, 2 x 3 é a causa de 6. Se entendemos que

2 x 3 é a causa de 6, a pergunta é: qual é ou

são a causa e/ou causas de Zero (0)? E por que

para ser verdade que 1 x 0 = 0, ou seja, que

Page 52: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

52

zero posposto à igualdade é consequência de 1

x 0 ser 0 : 0 a causa do 1? O que desejamos

demonstrar com os exemplos citados é que são

gerados problemas para a aritmética e por

consequência em parte substancial da chamada

matemática universal. Vale lembrar que se

tomarmos o número cinco, é possível

especular sobre as suas quase infindas causas,

a saber, (30/6), (2 + 3), (60/12) etc (isso seria a

nosso ver também outro problema) -- só para

citarmos alguns poucos exemplos. Já no que

concerne ao número zero, teríamos algumas

dificuldades em provar a sua causalidade no

estrito juízo da razão, a saber, 1 x 0 (?); 2 x0

(?) ad infinitum. Nos exemplos citados acima,

estamos tratando da causalidade, quando

Page 53: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

53

consideramos o envolvimento de relações e

sinais da regra do jogo; não estamos

considerando os números simplesmente dados

e colocados numa sequência como no exemplo

(0, 1, 2, 3, 4...). Embora o enfoque de nosso

trabalho repouse sobre a possível contradição

que se estabelece quando aplicamos o número

zero numa multiplicação e divisão, caberia

ressaltar também que aqui consideramos o

conceito de número a priori, ou seja,

independente de qualquer experiência. O

próprio matemático alemão Johann Gottlob

Frege já nos diz que “a aritmética não tem

absolutamente nada a ver com sensações.”

(FREGE, 1989, p.89). O foco desse trabalho

não é a questão se o número pode relacionar-se

Page 54: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

54

funcionalmente, e isto Frege já confirma em

seu livro Os Fundamentos da Aritmética: “para

que uma verdade seja a posteriori requer-se

que sua demonstração não se possa manter

sem apelo a questão de fato.” (FREGE, 1989,

p.89). Por isso, Frege já define a matemática a

priori: “é possível conduzir a demonstrar

apenas a partir de leis gerais que não admitem

nem exigem demonstração.” (FREGE, 1989,

p.89). É preciso antes notar e saber que a nossa

demonstração não se refere à demonstração de

fato, ou seja, empírica.

Page 55: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

55

Um passar por Kant e Frege

Em seu livro Crítica da razão pura, o filósofo

alemão Immanuel Kant faz uma alusão ao

conhecimento a priori, ou seja, o

conhecimento que se dá sem o uso da

experiência e faz a seguinte afirmação

referindo-se à matemática e ao próprio

conhecimento a priori: “ora, é fácil demonstrar

que no conhecimento humano existem

realmente juízos de um valor necessário e na

mais rigorosa significação universal; por

conseguinte, juízos puros, a priori. Se se quer

um exemplo da própria ciência, basta reparar

em todas as proposições da matemática.”

(KANT, 1988, p.23). Claro está que não

pretendemos adentrar a perquerição do que é

Page 56: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

56

matemática para Kant no século XVIII. É do

conhecimento por aqueles que se interessam

por Kant o que Kant entendia como

matemática. Todavia, essa afirmação, mesmo

que a matemática não contemplasse na visão

de Kant o que entendemos hoje matemática

com o seu avanço e a sua dinâmica, parece-nos

um pouco precipitada; primeiro, talvez, porque

Kant possuísse uma inabalável fé na

matemática; segundo porque não acreditava

numa possível contradição ou aporia. Nesse

sentido, podemos considerar que um juízo a

priori para Kant, no caso a matemática,

porquanto a aritmética entrega o corpus da

matemática universal, deixa ser necessário e

universal e não a priori. Se considerarmos que

Page 57: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

57

há uma aporia ou uma não justificação

racional, então poderíamos questionar se a

matemática é necessária e universal? Como

vimos, necessidade implica não contradição e

a contradição coloca em xeque também a sua

universalidade. Kant parece ter uma fé

extrema de que o a priori é sinônimo também

de necessidade e vice-versa, pois é resoluto

mais uma vez ao informar em seu livro, mais

precisamente no capítulo II de sua Introdução:

“se encontramos uma proposição que tem que

ser pensada com caráter de necessidade, tal

proposição é um juízo “ a priori”( KANT

1988, p.23). Sendo assim, poderíamos também

perguntar ao texto de Kant que, se assim for, a

matemática não é mais um a priori? Quanto à a

Page 58: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

58

prioridade da matemática, podemos dizer que,

a nosso ver, essa não seria afetada, apesar de

Kant afirmar na sua Crítica da razão pura mais

o seguinte: “ um juízo, pois, pensado com

rigorosa universalidade, quer dizer, que não

admite exceção alguma, não se deriva da

experiência e sem valor absoluto a priori”

(KANT, 1988, p.23). Mas a nossa resposta a

contrapelo de Kant é dizer que o que

caracteriza o a priori, antes de ser a sua

necessidade e universalidade, é a sua

capacidade de se estabelecer

independentemente de toda e qualquer

experiência. Por isso, a necessidade de tentar

corrigir os desvios e anomalias do sistema,

antes de se tentar eliminar paradigmas

Page 59: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

59

seculares. O objetivo é mostrar as anomalias

da aritmética e que a sua verdade absoluta está

longe de nos confortar.

Com efeito, Frege (1848-1925) foi um

matemático que revolucionou a lógica, a partir

do século XIX. Podemos ainda dizer que Frege

é um desses luminares do mesmo coturno de

Kant e que a sua contribuição talvez não possa

ainda ser mensurada com a devida e ilibada

capacidade. Todavia julgamos que não seria de

todo uma afronta à sua capacidade, se

pudéssemos estabelecer um pequeno diálogo

como o seu pensamento. Para isso, entretanto,

e não ignorando a extensa bibliografia que gira

em torno do seu pensamento, pretendemos nos

valer de alguns excertos retirados do excelente

Page 60: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

60

artigo do professor da Unesp, Lúcio Lourenço

Prado, intitulado “ Frege e o Elogio da razão

pura”, publicado na revista Cognitio, número

2, volume 10. Nesse artigo, podemos, para o

nosso propósito, destacar a seguinte afirmação

“a demonstração de qualquer teorema da

aritmética, se a consideramos analítica em

sentido fregiano, deve, pois, ser levada adiante

até que se chegue aos primeiros princípios

lógicos elementares, como os de não

contradição ou de identidade.” No texto,

vamos encontrar a crença de Frege na

aritmética, quando no texto se compara a

aritmética com a geometria ou com as demais

matemáticas e principalmente quando se

afirma sobre a aritmética: “mas não se pode,

Page 61: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

61

de maneira alguma conceber alguma outra

aritmética na qual os princípios sejam outros

[...] “portanto, para Frege, aritmética é, como a

lógica, a manifestação pura dessas leis

necessárias da razão.” [...] “ A aritmética é,

pois, ao contrário da geometria, absolutamente

universal em sua aplicação e abrangente, pois,

se aplica a todo universo do entendimento

humano. Apresentados esses pequenos

excertos do artigo sobre Frege, poderíamos

perguntar se não caberia, antes do problema,

uma dúvida acerca dessas supostas certezas.

Se ocorrer, de fato, uma contradição na

aritmética ou se não for resolvido esse impasse

ou aporia, não seria temeroso, sob os estritos

ritos da razão, aceitarmos essas „certezas´?

Page 62: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

62

Em seu livro Discurso do Método, o filósofo

francês René Descartes (1595 - 1650) já nos

alerta sobre o “nunca aceitar, por verdadeira,

cousa nenhuma que não conhecesse como

evidente” (DESCARTES, ????., p.63). Nesse

sentido, observamos que alguns aspectos da

aritmética, se não são inteiramente

paralógicos, causam-nos ao menos uma dúvida

ou uma suspeita diante dos critérios de ordem

racional; o pai da filosofia moderna, Descartes,

ainda nos ensina que se deve “evitar

cuidadosamente a precipitação e a prevenção;

e nada incluir em “nossos” juízos que não se

apresentasse tão clara e distintamente...”

(DESCARTES, ????, p.63); e isso significa

dizer que a clareza e a distinção exigidas da

Page 63: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

63

aritmética encontram-se a nosso juízo sob

suspeição. Após tratarmos do perguntar da

necessidade e universalidade da aritmética e,

por conseguinte, da matemática universal,

pensamos já estarmos em condições de, ao

invés de responder aos impasses apresentados,

formular a seguinte pergunta: Por que a

matemática goza de uma aceitação plena de

sua necessidade e universalidade, sem que se

tenha ainda pelo que apresentamos o estofo

suficiente para isso? Kant no prefácio à

Segunda Edição da Crítica da Razão Pura

(1787) confirma que “a matemática, desde as

eras mais longínquas a que remonta a história

da razão humana, ingressou, entre o povo

Page 64: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

64

admirável dos gregos, no caminho seguro de

uma ciência” (KANT, 1988, p.32).

Page 65: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

65

Conclusão

Com isso, pretendemos também

considerar justificados os nossos esforços na

escolha do tema proposto por essa ínclita

universidade: A importância preponderante

dos problemas filosóficos frente a qualquer

outro elemento da filosofia como um todo. Por

outro lado, queremos esclarecer que isso não

significa dizer que a ciência matemática foi

relegada a uma metafísica menor; muito pelo

contrário: o que se deseja aqui com esse

singelo trabalho é alertar para as possíveis

falhas dos sistemas e para as suas possíveis

correções, para que a ordem do discurso

racional não se coloque sub-judice filosófico.

Nesse sentido, podemos dizer que esse

Page 66: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

66

trabalho, não obstante aparentar um discurso

com laivos matemáticos coloca-se e insere-se

naquilo que compreendemos como o processo

do espanto filosófico e das suas

problematizações. É em certa medida, e em

última instância, tudo isso um distanciamento

e um olhar “oblíquo de Capitu” para as

questões matemáticas e de ordem racional que,

de uma maneira ou outra, interferem

decididamente nos discursos filosóficos e

quiçá estéticos e políticos. É sabido que

discursos de teor estético talvez não gozem de

tanta razão como a matemática tem gozado;

talvez porque o belo não necessite da razão

como a própria razão necessita dela da própria

razão. O belo, embora passível de

Page 67: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

67

discordância, nos espanta pela sua própria

razão, porque pode ser apenas uma

concordância ou uma contradição entre a causa

eficiente e o sujeito cognoscente; já a razão

impõe-nos as suas próprias leis, se

objetivamos, com efeito, segui-la.

Page 68: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

68

NOTAS

[1] Necessidade lógica: Conforme o Dicionário

Básico De Filosofia (JUPIASSÚ, p.198), “ é

necessária a proposição cuja contraditória

implica a contradição, seja em termos absolutos,

seja dependendo de certos pressupostos do

universo do discurso.

[2] Tomamos a figura da coruja como símbolo da

vigilância filosófica.

[3] Aqui consideramos o tipo de verdade

necessária, aquela que se daria “independente da

experiência “. O conceito de verdade é um

campo aberto às discussões filosóficas. Mas para

o que pretendemos no texto, esse conceito

parece-nos bem apropriado.

[4] Para as nossas considerações, aplicamos o

sentido de esotérico no sentido de tradição, o que

equivale a dizer que se aplica “aos iniciados”, ou

melhor, para aqueles que sabem do que se trata.

[5] Aqui não pretendemos dizer que pode ser

outro o resultado, mas mostrar a precariedade da

prova.

Page 69: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

69

[6] Tratamos no texto rapidamente sobre Juízo a

priori. Entendamos aqui Juízo a priori como

aquele que não passa pela experiência.

O que focamos é que parece que para Kant é

dado que Juízo a priori possui as

características já inerentes de necessário e

universal e é esse o nosso propósito mostrar que

Kant talvez se engane.

[7] Justificativa do tipo racional é principalmente

a que segue as leis da razão citadas no próprio

texto.

[8] Conforme Murachco, a carência, necessidade.

A nosso ver, conforme ainda Murachco, seria

melhor áporos: difícil, sem saída. p.465

[9] Colocamos não experiência no sentido

daquilo que não passa pelos sentidos.

[10] Factual no sentido dos fatos; das coisas

vividas.

[11] Revista Cognitio, v.10 – n.2 –

julho/dezembro, 2009.

[12] Objetos Sensíveis são tudo aquilo que

sensibiliza os sentidos.

[13] Já explicitamos numa nota anterior.

[14] Essa afirmação será demonstrada à frente.

[15] É preciso saber que, para esse singelo

trabalho, não é a obra monumental de Kant que

nos interessa, mas sim as suas assertivas acerca

da matemática.

[16] Para uma maior compreensão desse tema,

sugestionamos o livro A Filosofia a partir de

seus problemas. (Vide Bibliografia).

Page 70: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

70

[17] Embora tenhamos também uma crença de os

números serem infinitos, nada ainda pode provar

essa verdade, a nosso parecer. Aliás, o conceito

infinito cairia numa contradição se provado.

Pensamos que confundimos conceitualmente

infinito com extenso.

[18] Esse tema deverá ser aprofundado com

outros diálogos. Mas julgamos que o que aqui

está exposto, já nos dá uma base suficiente para

o que objetivamos propor.

[19] A Filosofia a partir de seus problemas

(PORTA, Mario Ariel Gonzáles Porta), São

Paulo. Loyola, 2002, p.25

[20] Texto de Antonio Trajano Menezes Arruda.

Unesp. Filosofia Geral e Problemas Metafísicos.

(d01). São Paulo, 2011.

[21] Arruda, op. cit., p.34

[22] Adotamos simplesmente um tipo de regra

para um jogo acordado entre os jogadores. A

ideia é trabalhar com um tipo de resposta padrão.

O desvio é considerado anômalo. Esse é um

assunto que gera um filosofar sem fim, que é a

nosso ver o que move o processo filosófico.

[23] Usamos a Condição da prova para nos dar

um pouco do exemplo de possível não solução; é

preciso compreender que o intuito não é

demonstrar a condição da prova, mas perceber

que aquilo que pode ser questionado pela razão,

comprova a razão. Para esse caso, julgamos ser

necessária uma análise mais pormenorizada em

outro trabalho.

[24] Ao fazermos a demonstração da condição da

prova, observamos que a aritmética responde de

modo contraditório ao que se tem respondido.

Page 71: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

71

[25] Arruda, op. cit. pp.11/12

[26] Porta, op. cit. p.25

[27] Porta, op. cit. p.26

[28] Arruda, op. cit. p.5

[29] Arruda, op. cit. p.6

[30] Língua grega: visão semântica, lógica,

orgânica e funcional. 2.ed. São Paulo. Discurso

Editorial. Petrópolis: Editora Vozes, 2002.2v.

[31] Ao tentarmos elaborar essa sucinta

demonstração, pretendemos menos obscurecer

do que clarificar, pois julgamos que o Quadrado

dos Opostos pode nos auxiliar na nossa

argumentação.

[32] Figura retirada da internet para auxiliar-nos

na explicitação da contradição.

[33] É bem possível problematizar os juízos da

razão, mas não é esse por ora o nosso objetivo.

[34] Intencionamos somente apontar para um

desvio ou um problema que poderá ser

solucionado.

[35] São esses a nosso ver outros problemas que

pretendemos trabalhar em outro trabalho.

[36] Os excertos referentes acerca de Kant foram

extraídos do Livro Crítica da Razão Pura. Trad.

J. Rodrigues de Mereje. EMMANUEL (sic)

Kant. Crítica da Razão Pura. São Paulo. Ediouro.

Consultamos, todavia, outros tantos livros que

não foram aqui citados. Cotejamos os textos com

o livro com tradução de Valerio Rhoden e Udo

Baldur. São Paulo. Nova Cultural. Como nesse

trabalho não nos apoiamos no texto original ou

em outras línguas modernas, vale considerar as

nossas posições diante dos textos traduzidos. É

sabido que a tradução muitas vezes subverte o

Page 72: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

72

texto original, mas não cremos que esse seja o

caso em tela. Preferimos o texto da Ediouro,

porque julgamos mais simples e esclarecedor,

sem a similaridade com a língua alemã sintética.

[37] Cognitio. op. cit.,

[38]Cognitio. op. cit. p.274

[39] Cognitio. op. cit. PP. 274/275

[40] Referimo-nos às certezas do senso comum

ou do princípio da autoridade ou não justificadas

pelos critérios da razão. O filósofo inglês Francis

Bacon faz uma abordagem pertinente a esse

assunto, quando trata daquilo que ele denomina

ídolos.

Page 73: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

73

Bibliografia

ARRUDA, Antonio Trajano Menezes. In:

Filosofia Geral e Problemas Metafísicos. São

Paulo. Unesp/Redefor. 2011.

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Immanuel Kant. Trad. Isabel Maria Lureiro.

São Paulo. Unesp. 2002.

BUCHHOLZ, Kai. Compreender Wittgenstein.

Trad. Vilmar Schneider. Editora Vozes.

Petrópolis, RJ: Vozes, 2008.

CHAUI, Marilena. Iniciação à filosofia:

ensino médio, volume único. São Paulo: Ática

-2010.

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Trad. João Cruz Costa. São Paulo. Ediouro.

S/D.

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Ed. São Paulo: Nova Cultural. 1989. (Os

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GIANNETTI, Eduardo. O livro das citações:

um breviário de idéias replicantes. São Paulo:

Companhia das Letras. 2004.

JAPIASSÚ, Hilton. Dicionário básico de

filosofia / Hilton Japiassú e Danilo Marcondes.

4 ed. Atual. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. Ed,

2006.

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KANT, Imannuel. Textos Seletos. In: Prefácio

à Segunda Edição da Crítica da Razão Pura

(1787). Vozes. Petrópolis, 1985. Trad.

Raimundo Vier. Edição Bilíngue.

______________Crítica da Razão Pura. Trad.

Valerio Rohden e Udo Baldur Mosburger. São

Paulo: Nova Cultural, 1991. (Os Pensadores).

_______________ Crítica da Razão Pura.

Trad. J. Rodrigues de Merege.

Ediouro.1988(?).

MURACHCO, Henrique Graciano. Língua

Grega: visão semântica, lógica, orgânica e

funcional. 2 ed. São Paulo. Discurso Editorial.

Petrópolis. Editora vozes, 2002, 2v.

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PORTA, Mario Ariel Gonzáles. A filosofia a

partir de seus problemas. São Paulo. Loyola,

2002.

PRADO, Lúcio Lourenço. Revista Cognitio –

Volume 10 – Número 2 - Julho – Dezembro

2009. In: `Frege e o “ Elogio da Razão Pura”.

Page 77: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

77

Page 78: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

78

MISCELÂNEAS DA CONTEMPORANEIDADE

WILSON LUQUES COSTA

ANO 2014

Page 79: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

79

Sou formado em jornalismo. Mas nunca atuei

num jornal. Formei-me nem sei por que

motivo.

Como eu gostava de futebol, optei por

jornalismo.

Talvez para suprir o meu sonho de ser

jogador de futebol.

Mas dista tanto tempo que nem sei o motivo

mesmo.

Fiz jornalismo na UMC.

Uma porque não passei na USP.

E eram essas as únicas opções para um

capiau da vila ré como eu que só gostava do

Corinthians e de jogar bola.

Eu não gostava nada nada de estudar.

Eu lia, se lia, só o frontispício do jornal

afixado na banca lá da vila granada.

Mas nem sei como se deu o vestibular na

UMC.

Consta que fui classificado em trigésimo

terceiro lugar.

A UMC é longe daqui, imagine nos anos 80.

Page 80: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

80

Precisamente no ano de 1980.

E foram viagens naqueles trens

abarrotados de estudantes que eu ia todo dia

mas nem ligava para as aulas, como já tive

oportunidade de relatar aqui em outros posts.

Eu ia lendo alguns livros que a

Editora Brasiliense lançava.

De modo que a minha faculdade foi a

Brasiliense, as revistas, os jornais e não a

UMC.

Eu lia no trem, indo para a universidade e

voltando da universidade e depois em casa

até uma ou duas da manhã e depois logo

pela manhã voltava a ler nos ônibus lá pelos

cinco ou seis da manhã.

Li Kafka, Sartre, Simone de Beauvoir, Camus,

a Folha de São Paulo, Veja e até bula de

remédio.

Foram momentos de muitas leituras.

Principalmente literatura contemporânea da

época, clássicos como Balzac, Tolstoi,

Dostoievski etc e muita política.

Em dois anos eu já discursava melhor que

hoje - se querem saber.

Ou seja, me lembro de um dia que me peguei

lendo no fundo da sala de aula e um aluno

Page 81: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

81

me dizendo que a aula tinha acabado e

que eu ia perder o trem.

Lembro-me também que eu descia para tomar

um café no intervalo e que subia rapidamente

para continuar alguma leitura.

Eu nem frequentava as aulas de redação nem

nada.

Não me recordo de nenhum professor nem

de colegas.

A não ser de alguns colegas que pegavam o

trem comigo.

Li quase tudo dos Primeiros Passos e uma

mancheia de livros e jornais, principalmente a

Folha de São Paulo.

Lembro-me que ficava sabendo das provas no

dia.

Alguém me dizia assim: você estudou para a

prova de sociologia?

E eu redarguia: mas que sociologia?

Ou: você preparou o trabalho de rádio?

E eu respondia com outra pergunta: mas qual

trabalho de rádio?

Ou seja: não fazia absolutamente nada. Eu

acho que nem caderno eu tinha.

Page 82: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

82

Eu tinha livros.

Ah, isso eu tinha.

E não era um somente.

Eram vários.

Era uma biblioteca ambulante.

Só sei que certa vez tive que fazer às

pressas um programa de rádio.

Lembro-me que estava na seguradora onde

eu trabalhava.

Era hora do almoço e me pus a inventar uns

diálogos com um monte de LP que

eu colecionava.

Tinha de Djavan, Chico, Gil, Caetano, Alceu

Valença.

E eu inventava patrocinadores e colocava

música. Inventava notícias: roubos, festas,

assassinatos e colocava música.

Esse era o meu script, só para me livrar do

trabalho final.

Sei que cheguei na universidade e me

indicaram o estúdio que eu nem sabia onde

ficava.

Page 83: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

83

Houve um colega que tinha uma família

suicida que me ajudou me dando os sinais

da locução.

Sei que fiz o trabalho e gostei da brincadeira.

Nem sei como entreguei a fita.

Era uma fita cassete.

Dizem que o professor era da Jovem Pan.

Chegando na Vila Ré, lá pelas onze horas,

parei no bar do Gérsão que era o meu point

e mostrei para uns colegas que colocaram a

fita no casset de um fusca.

Recordo-me que os caras gostaram pra

caramba.

Talvez pela minha voz que é forte e

que muitos já elogiaram e até hoje elogiam.

Mas nunca atentei para isso.

Podia ser um radialista como me dizem até

hoje.

Sei que estou formado por uma universidade

que nunca me envolvi a contento.

Fiz sim a Faculdade da Brasiliense.

Recordo-me ainda que fui com o meu colega

Geraldo fazer a minha colação.

Page 84: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

84

Lembro-me muito bem da assinatura e do

orgulho da minha formação acadêmica.

Após a minha formação, entrei num processo

depressivo, porque queria trabalhar num

grande jornal e continuava a trabalhar numa

seguradora de pelegos para a época.

Hoje, todo mundo é revolucionário e

progressista! Arre!

Dali em diante nunca mais parei de estudar.

Ou seja, sempre fui um aluno virtual.

Como se diz: estou lá, mas estou sempre

por aqui, principalmente com os meus livros.

Eu fui, com efeito, talvez, o primeiro aluno

virtual que apareceu na história desse nosso

Brasil; se é que me faço entender.

Se eu tivesse entrado na USP, sinceramente,

não sei o que seria de mim nem daquela

minha parca biblioteca...

Page 85: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

85

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana

Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia

(Fernando Pessoa)

Falamos muito sobre esse sujeito é

conservado, como sinônimo de 'ele não tem

valor'.

Hoje, com a dissolução do maniqueísmo

esquerda/direita não sabemos o que querem

dizer com conservadorismo.

É fácil rotularmos as pessoas.

Eu sou liberal em certas coisas e em outras

não.

Nem por isso sou liberal ou totalmente

conservador.

No plano moral é a mesma coisa.

Clinton era um tipo democrata-liberal.

Mas vocês se lembram da Mônica?

Bush era conservador, mas era dependente

do álcool.

Page 86: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

86

Nelson Rodrigues era conservador e escrevia

como um liberal da rua dos Andradas.

Machado era um sujeito de poucas palavras,

uma porque tartamudeava e até já se

suspeitou que Capitu tenha sido um ato falho

de sua parte.

Vejo homens da esquerda e poetas pós-

modernos vibrarem com Pound que era tido

como antissemita e até Nietzsche que era

declaradamente misógino.

Digo tudo isso porque antes de julgarmos o

valor de um pensamento, julgamos

moralmente a pessoa.

Eu que não bebo atualmente não lerei então

Bukowski?

Ou eu que não uso drogas não lerei Rimbaud

ou Villon, Poe ou Charles Baudelaire?

Já percebi que o fato de eu receber elogios

de Olavo de Carvalho descredencia o que

penso.

E o pior é que ninguém se interessa em

saber o porquê do panegírico do filósofo.

Pronto: se fosse de um homem de esquerda

aí sim os meus estudos teriam valor.

Page 87: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

87

O que mais intriga é esse julgamento

precipitado até de supostos filósofos que

teriam no mínimo o dever de saber do que

estamos falando.

Não podemos revivenciar o não provei e não

gostei.

Por favor, senhores scholars, não morram

mais uma vez abraçados com as suas vis

ignorâncias.

Page 88: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

88

Eu sei que muitos não podem acreditar, mas

não aceito do fundo do meu coração os

apodos de poeta e filósofo.

Já tive oportunidade de escrever sobre isso.

Mas torno a ele.

Muito menos escritor.

Eu gosto de pensar acerca dos problemas

que me incomodam sob o ponto de vista de

uma ratificação.

Eu gosto mesmo de fazer as minhas

anotações em cadernos ou folhas separadas.

Nem a atitude épica de um livro me agrada

muito ultimamente.

Eu sei que muitos não vão acreditar, mas é

isso que ocorre comigo.

Eu gosto de dividir informações, e nunca é no

intuito de exibir-me.

Embora eu tenha certeza que a maioria pensa

assim de mim.

Que sou metido e esnobe.

E isso não é verdade.

Page 89: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

89

Eu fico no fundo até encabulado.

Também não gosto muito do estudo regular.

Gosto de estudar pelo prazer de estudar.

E isso vocês vão perceber pela minha

formação que é tardia e toda fragmentada.

Mas isso não significa dizer que nunca

estudei.

Aliás, estudava muito mais, mas muito mais

mesmo, antes do que agora.

O problema aqui no Brasil, infelizmente, é que

há uma competição muito grande em todas

as esferas.

E ninguém aceita uma relevância do outro.

Somos muito atrasados ainda nesse ponto.

Há um embate curricular que é detestável. É

o famoso: você sabe com quem está falando?

E saca as credenciais.

Alguém agora mesmo poderá pensando assim:

e você o que faz, não é isso a toda hora?

Mas essa pessoa não percebe que eu sou

meio sátiro.

Page 90: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

90

Escrevo sempre rindo por dentro.

Porque sempre me encheram com isso.

E agora exagero.

Eu não quero criar inimizade com ninguém.

Mas ao mesmo tempo não deixarei de dizer o

que penso.

Chega de censura e o pior: de autocensura.

Se as pessoas ficam chateadas porque fui

elogiado por alguém que elas são rivais, eu

não tenho nada a ver com isso.

Por isso digo: fiquem tranquilos.

Porque não sou filósofo, poeta, escritor,

cantor, pintor, gênio ou qualquer coisa que o

valha.

Não pretendo tirar a cátedra de ninguém.

Eu só quero ser feliz e pensar.

O que as pessoas me dizem, pertence a elas,

não a mim.

Page 91: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

91

Estudos Neokantianos

Estou a ler Estudos Neokantianos de Mario

Ariel Gonzáles Porta.

Leio e releio também a todo o momento

A filosofia a partir de seus problemas, que é

um livro de importância seminal para quem

estuda ou pretende estudar filosofia.

Para quem pensa que filosofia não serve para

nada, eu sugestiono a iniciação com esses

dois livros, porque aí o cara vai ter um pouco

mais de humildade e correrá atrás das

conceituações e de um bom arrazoado de

instrumentais.

Já deixei notório que tive

algumas dificuldades nas aulas do Mário

no Mestrado em Filosofia da PUC.

Talvez pela minha personalidade que é um

pouco forte também.

Mas não confundo as coisas e nem guardo

mágoas.

Sei separar o joio do trigo.

Page 92: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

92

E tudo que leio, digo ou contraponho, é no

escopo de dialogar no plano filosófico.

Não levo para a casa as rusgas filosóficas e

é isso que todos deveriam fazer.

O livro Estudos Neokantianos é de difícil

leitura.

É necessária uma boa iniciação em Kant,

porque o livro dialoga com o pensamento de

Kant.

Portanto, é mister entender Kant para voltar a

ele.

E o livro a Filosofia a partir de seus

problemas pode nos auxiliar nessa

empreitada.

Há vários textos.

E pode-se iniciar pelo princípio ou pelo fim.

Eu faço muitas anotações.

Estou namorando o texto e toureando até

pegá-lo pelos chifres.

Vejo valores e vejo defeitos.

Não obstante o texto ter um sabor

estritamente filosófico, há alguns vícios na

Page 93: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

93

escrita que julgo excessivos, como, por

exemplo, o uso da palavra decisivo:

“...e isso é decisivo (excesso); ou

´A filosofia não é outra coisa que....

A objetividade não é outra coisa que...

ou A experiência não é outra coisa que...”

Citei as frases ao meu bel prazer só para

dizer que há um uso excessivo dessas

construções no livro...

O professor poderia dizer p.e:

a filosofia é....

a experiência é....

a objetividade é...

E esse tipo de escrita que é derivada de sua

oralidade é até bonita e surpreendente num

primeiro momento, mas se desgasta e vai aos

pouco perdendo o seu brilho e se tornando

um vício, o que torna o que poderia ser mais

claro, menos transparente; o que transforma ,

por vezes, também a sua filosofia um pouco

mais nebulosa, fazendo-nos

Page 94: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

94

parecer inacessível -- sem desconsiderar o

fato de que essa escrita pode esconder ou

homiziar ou tornar arcano aquilo que não se

poderia mesmo mostrar ou dizer.

Porque muitas vezes não temos mesmo muito

a dizer, mas dizemos pelo simples fato ou

instinto de dizer.

O que no caso poderia muito bem caber

aquela velha máxima wittgensteiniana.

Page 95: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

95

21/12/2011

O editorial da Folha de hoje, mais uma vez,

faz crítica veemente à medida do governo em

nivelar as disciplinas de filosofia e sociologia

com as demais disciplinas, ficando, contudo

ainda, abaixo das disciplinas de matemática e

português.

Para variar, a crítica incorre em filosofia e

sociologia, disciplinas tidas pelo senso comum

desde a Grécia (Φιλοσοφία) como supérfluas.

E digo que são, sobretudo para aqueles que

têm uma visão muito superficial da filosofia e

da sociologia.

A justificativa é sempre que a filosofia leva de

nenhum lugar para lugar nenhum, pelo menos

é isso que compreendemos.

E isso é até justificável, na medida em que se

faz uma opção por um modus vivendi que

não pode ser questionado.

Mas o que mais me causa estranheza não é

o fato de se colocar a velha pergunta:

Filosofia serve para quê?

E eu efetivamente também confesso que não

sei responder.

Page 96: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

96

Mas talvez contraditasse com outra questão:

e a vida serve para quê ?

Para comprar todo domingo a Folha de São

Paulo ?

Para ler os anúncios de carros zero

quilômetro, sem que peçamos todo esse

cabedal de besteira?

Mas há outra coisa que mais me intriga além

dessas perguntas já citadas que é perceber

que quem tenta discorrer sobre filosofia não

tem competência para questioná-la.

Porque a filosofia está tão elevada que só

pode ser criticada por filósofos ou amantes

da filosofia e não por editorialistas gazeteiros

que confundem o conceito experiência, como

se se estivesse desejando formalizar um

curriculum vitae, coisa que só interessaria aos

aduladores do homo faber capitalista.

De fato, a Folha com o seu editorial

comprova a tese de que não nascemos para

pensar e que sempre estaremos à disposição

para aqueles que pensam por nós e não por

nós.

O problema é que quando não pensamos o

corpo padece como já dizia a velha máxima.

Pensar cansa a alma, já dizia um filósofo.

Page 97: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

97

Com efeito, temos, como diriam os gringos,

uma grande disposição para o não pensar,

e isso deverá se aguçar se tudo depender da

vontade da Folha de São Paulo que julga

possuir o mais dileto poder de

nossa autoridade. Me poupem, xô!

Page 98: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

98

Eu não sei o que a literatura tem, mas que

tem algo de diferente tem. Mesmo que você

tenha feito o seu PhD em Roma ou Paris,

você não está satisfeito e irá publicar o seu

livro de contos, poesia ou romance. Dizem e

diziam que a literatura está com os dias

contados, mas não há um que não sucumba

ao seu encanto. A maré está cheia, está até

tendo vazante. O ideal mesmo é esperar o

tsunami passar. Depois que o tsunami passar

e o vulcão arrefecer é que poderemos contar

e salvar o rescaldo. É muita chama ardente. É

muito fogo-fátuo. Digo fátuo de fatuidade.

Na educação, estamos a todo tempo

tentando construir algo que não sabemos

muito bem o que é; e como não sabemos

como a construir ou a destruir,

invariavelmente a reformamos sobre os

seus mesmos pilares.

Page 99: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

99

25/11/2011

Ou eu não estou entendendo patavinas

do que está acontecendo na USP ou alguém

está mentindo.

É verdade que num embate ou na guerra a

primeira a perder é a verdade.

Mas lendo blogues, jornais e outros tantos

meios não sabemos de que lado ficar,

correndo o risco de não percebermos uma

revolução que está para chegar ou acontecer.

E eu não quero ficar alheio a esse processo.

Não quero ser anacrônico, aliás eu sempre

propugnei pela extemporaneidade, se assim

me permitem.

E eu pergunto a todos vocês: o que

efetivamente está acontecendo na USP?

Quem com total moral ilibada poderá

nos fornecer essa informação?

Há algo de estranho no reino da USP.

De um lado alguns se sentindo jacobinos; do

outro, os girondinos os arrostando.

Page 100: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

100

Nessa história, ainda não sabemos quem são

ou serão os Hamlets, os Iagos e os Otelos

dessa grande tragédia ou comédia.

Eu só temo mesmo que toda essa revolução

não seja mais um daqueles partinhos de um

ratinho numa imensa cratera bem repleta de

fumaça.

Page 101: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

101

24/11/2011

Tenho lido os jornais ultimamente.

Retomei essa prática consuetudinária há

quase um ano, porque anos atrás eu a havia

abandonado por mera vontade.

Os jornais não me estavam acrescendo nada

e a minha irritabilidade agravava-se sem eu

saber por que; e esse era o motivo.

Mas voltei às Gazetas.

Continuo tendo o mesmo pensamento: que o

jornal nada me acresce e só me irrita e

instiga-me a um tipo de posicionamento

maniqueísta, quando eu deveria estar aquém

ou além e apesar dele.

Mas tudo isso para dizer que li umas

matérias legais, ou melhor: pequenos textos,

quase ensaios: o primeiro foi do Pondé sobre

as Universidades; o segundo do Juca Kfouri

sobre o timão e o Adriano e um outro hoje

do Antonio Prata, quando faz uma quase mea

culpa sobre a crítica aos movimentos

estudantis e sobretudo sobre os uspianos que

ele mesmo fez.

Concordo em parte com o seu pensamento; é

quase verdade que perdemos uma pouco

Page 102: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

102

daquela nossa juventude e isso nos deixa

cáusticos e não utópicos.

Mas eu quando era jovem, eu era um

idealista muito independente e eu nunca fui

muito de manada; apesar de ficar bebendo

com os amigos e sonhando com a revolução.

Sempre fui librorum, e fui à luta também.

Mas nunca gostei que me dominassem o

pensamento.

Esses lances até que são muito legais,

notadamente a um jovem na flos tempi e as

suas externalidades nem sempre são a

transmutação do mundo, mas um beijo aqui,

uma transa acolá, uma bebedeira aqui, uma

noitada no apê da mina e com a mina do

seu melhor camarada (é verdade: os

camaradas também traem os amigos: o fogo

amigo), uma esbórnia acolá e aqui e é isso

que fica -- fica mais que qualquer revolução

que sonhamos por aí.

É verdade: recordo-me mais das minhas

inúmeras mil noitadas do que das minhas

lágrimas no Anhangabaú.

E é isso que fica quando nos tornamos um

pouco mais conservadores.

Page 103: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

103

Certa vez li riscado na parede de uma

escola: teremos terríveis pesadelos, quando

não for mais possível sonhar. E eu creio que

são eles, esses terríveis pesadelos, que

eu estou tendo agora.

Em que lugar mesmo eu deixei a minha

juventude perdida?

Se vocês porventura a encontrarem por

aí, me avisem! Porque eu preciso

urgentemente e novamente sonhar!

Page 104: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

104

22/11/2011

O papel da observação já coloca, parece-

me, outra pergunta, além da proposta:

estamos falando em verdade universal, na

qual prescindiríamos do sujeito cognoscente

homem?

Mas parece-me que a ideia de verdade

interessa unicamente ao homem.

De maneira que os sentidos lhe são de

fundamental importância; embora uma

verdade matemática pareça estruturar-se

sem a necessidade do homem.

Falar em universalidade e necessidade,

parece-me muitas vezes também perigoso e

temeroso.

Creio que a necessidade e universalidade

padeçam o mesmo mal dos sentidos em

sua eficácia, porque não temos, e não sei

se teremos, ainda um domínio de todo

sistema que compõe o cosmos.

De modo que julgo que há verdades

modulares, ou seja, que apontam para uma

Page 105: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

105

aproximação mais fidedigna do objeto.

Quanto aos sentidos que é a pergunta

primeira e principal, acredito numa essência

de verdade, que seria similar do tipo

intersubjetiva.

Nesse sentido, julgo que tanto o sujeito,

quanto o objeto colaboram na constituição

da percepção sensorial.

Se fosse de outro modo, julgo que seria

quase impossível a compreensão e a

elaboração da própria linguagem.

É certo que desvios ocorram, mas

poderíamos situá-los mais no quesito das

disfunções sensoriais, que seriam também

objeto de estudo tanto de filósofos, quanto

de psicólogos que deveriam também ter

todos os atributos não disfuncionais, para

poderem melhor julgar.

Page 106: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

106

Acerca da totalidade

Quando falo da totalidade do sistema,

poderíamos pensar que na matemática

haveria uma universalidade.

Mas qual é a garantia que temos de os

números se comportarem em lugares jamais

imaginados?

Vejamos os exemplos da própria aritmética

que vai incorrendo em não soluções, à

medida que vai se ampliando no seu

escopo.

Abordando um pouco mais sobre os

sentidos, é importante notar que há uma

hierarquia na experiência com os objetos do

mundo.

Por exemplo, fazemos o maior uso da visão

em relação a uma montanha; quanto a um

chocolate podemos dispensar talvez o tato

e a visão, privilegiando o paladar, embora

todos exerçam, de um modo ou outro, o

Page 107: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

107

seu papel na chamada experiência.

Quando falamos no objeto sensível fogo,

qual seria o nosso conhecimento desse

objeto pelo paladar? E pela audição?

Notoriamente percebemos que o objeto fogo

é menos aberto a um sentido que outros.

Mas invariavelmente o definimos por um

sentido tido como mais essencial.

Poderíamos também perguntar sobre o

sabor da música; quanto ao seu tato etc.

Há quem sente a música, evidentemente

que sentimos a sua vibração, entretanto,

fazemos mais o uso da audição para poder

melhor defini-la.

Há objetos mais abertos à totalidade de

nossos sentidos; outros há que parecem se

destinar a um outro mais específico.

É o caso da montanha que se abre aos

nossos olhos, na mesma proporção que se

recalcitra ao nosso paladar.

Page 108: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

108

15/11/2011

John Stuart Mill

Ontem estive na Livraria Cultura com a

Raquel. Lá na própria Livraria Cultura, fui ter

com alguns livros. Li uma boa parte da

autobiografia de John Stuart Mill, na qual

relata os seus primeiros anos de estudos.

Mill relata que foi iniciado no grego e no

latim numa idade nada provecta: dos três

aos oito anos, se não me falha a memória.

Creio que é a nossa obrigação acreditar

nos homens, sobretudo nos grandes homens

-- mas Mill conta-nos coisas de enrubescer

qualquer adulto iniciado no grego. Leu os

grandes autores na idade de cinco, seis

anos, e são autores seminais que eu até

hoje nem folheei. Não sei. Creio que seria

bom vocês julgarem antes de mim e irem

ao encontro de sua gostosa autobiografia.

Eu fiquei meio cismado. Sou um pouco

cético com certas coisas.

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109

Donizete Galvão

Li, en passant, mas fixado nos poemas, o

último livro de Donizete Galvão O homem

inacabado. Achei-o regular. Há dois ou

três bons poemas, os demais mais para

compor o livro. O título do livro nos leva a

pensar que existe uma temática do homem

inacabado, mas não é o que ocorre, a meu

ver. Esse livro foi classificado para o

Telecom. Eu não sei quais são os critérios.

Ou sei?

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110

Ferreira Gullar

Li mais uma vez o livro de Ferreira Gullar

Em Alguma Parte Alguma. Há poemas bons,

Ferreira leva-os bem. Outros ibidem

(DG). Mas como não esgotamos os livros

numa assentada, volverei a ele, Em Alguma

Parte Alguma, para um melhor garimpo. Nas

primeiras fornadas, uma pedra ou outra. Os

demais, normais para um poeta do seu

porte. Julgo, por enquanto, Muitas Vozes

superior. Questão de gosto ou desgosto.

Page 111: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

111

Ademir Assunção

Também vi o poeta Ademir Assunção

conversando com Evandro Affonso Ferreira.

Cheguei até o Ademir e o cumprimentei.

Trocamos algumas ideias. Sou agradecido

ao Ademir e à Revista COYOTE que

publicaram um texto meu. O estranho de

tudo é que ambos ganharam meses depois

o Prêmio Jabuti. Posso estar errado, mas

isso tudo me lembra Shakeaspeare e algo

de errado no Reino da Dinamarca.

Page 112: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

112

12/11/2011

Muita fumaça por nada

Tenho acompanhado muito de longe os

últimos acontecimentos da USP, envolvendo

novamente os estudantes e a Polícia Militar.

Eu, como todos sabem, não fiz a graduação na

USP. Fiz depois a distância uma especialização

em Psicologia e tive um conto meu constando

numa tese de mestrado de Geografia que já é

para mim uma honra.

Também não merecia estudar lá, quando me

formei no antigo colegial, porque eu não

estudava e não gostava de estudar, isso veio

acontecer a posteriori.

Mas eu fico receoso em dar uma opinião. Penso

que precisamos muitas vezes nos distanciar, para

podermos melhor analisar.

Nada como o tempo.

Mas quero tentar me posicionar:

1) Não fumo maconha e detesto o cheiro da

maconha e até aí nada contra quem fuma --

Page 113: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

113

mas longe de mim;

2) Se a lei do antifumo é vigente em espaços

públicos, alguém deve estar ferindo essa lei, se

for extensiva à canabis;

3) Julgo esse movimento despropositado, porque

penso sim que a polícia deve atuar em todos os

espaços públicos e manter uma certa ordem;

4) Sou contra a todo tipo de violência;

5) Penso que se for a maconha a maior das

nossas reivindicações, estamos perdidos;

6) Muitos agora devem estar pensando que sou

um reacionário;

7) Talvez;

8) Não creio que a USP seja frequentada por

burgueses, como bem explica o texto do Alvaro

Pereira Junior na Folha de hoje na Ilustrada:

9) Sempre achei a maioria dos uspianos metidos;

10) Muitos se julgam gênios só porque estudam

ou estudaram lá;

11) Cito jornalistas, poetas, filósofos e muitos

que tem o rei na barriga, mas que percebemos

que vivem somente da etiqueta:

12) Normalmente são filhos da classe pobre ou

média que conseguem o acesso e procuram se

vingar dos que lá por inúmeros motivos não

estiveram e por aí vai (coisa de pobre mal

resolvido/ Freud explica));

Page 114: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

114

13) Muitos podem me achar um ressentido à

maneira de Nietzsche, um fraco e fracassado;

14) Talvez;

15) Mas como disse, já tenho a sua etiqueta no

meu CV;

16) Eu creio que a USP e alguns uspianos (nem

todos) inebriaram-se demais e pararam no

tempo -- não obstante os avanços [meros

números estatísticos que nem sempre refletem a

realidade]:

17) Sem estudo não se chega a lugar nenhum e

isso vale para muitos uspianos que só vão

passear no campus;

18) Deve-se colocar pensamentos na cabeça e

não fumaça;

19) Temo que haja da minha parte uma

precipitação nessa minha sinceridade;

20) Temo que esse movimento desencadeie

outros e que todos esqueçam como tudo

começou (mera fumaça);

21) É o que sempre acontece, e depois dá uma

trabalheira danada para o historiador;

22) Gosto de todo movimento juvenil e

estudantil que propugne mudanças que elevem a

liberdade e o homem (não julgo a canabis

libertadora/ aliás alienante);

23) Por favor, não me chamem de reacionário;

Page 115: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

115

24) Mas é que eu precisava dessa terapia;

25) Acho que tem muita fumaça por nada;

26) Como dizia um certo pensador: ´o único

direito da juventude é errar impunemente;

27) Desculpem-me, mas nessa eu não estarei

com vocês;

28) Quem sabe, quando pintar um revival

de maio de 68;

29) E aí podem me chamar que eu vou;

30) Vou na frente, lendo Simone, Camus na ala

dos desatinados com o megafone na mão;

31) Aí sim é que eu vou tirar o maior barato;

32) Vou meter sem dó todo Sartre pra dentro

da minha cabeça;

33) Aí sim, é que eu vou fazer a minha cabeça

com todos vocês, manos, minas e irmãos...!

Page 116: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

116

O ESPANTO FILOSÓFICO

Que a filosofia é espanto parece-nos que

há uma concordância a princípio.

Todavia é elementar que a filosofia não

caia no cipoal das platitudes filosóficas.

Fica meio evidenciado que de um lado há o

senso comum do não espanto; os não-

filósofos com os seus meros problemas, as

suas meras angústias não percebidas, a sua

submissão não assumida, a sua estética

não construída, a sua moral mal resolvida e

a sua não ética por si escolhida.

E nesse maniqueísmo dicotômico,

apresentam-se os filósofos ou amantes da

filosofia que se espantam e que, por outro

lado, tem ou supõem ter a ação panaceica

do mundo pelo espanto.

E pensando e julgando dessa maneira,

julga-se que de um lado reside a não

verdade, pelo suposto que do outro ela já

existe -- e sendo assim, dando-se por

Page 117: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

117

acabado o espanto e, por conseguinte, o

filosofar.

Sendo, desse modo, portanto, a atividade

filosófica da linha escatológica do mundo.

E é justamente aí que se diferencia o texto

de Trajano, que, no texto Filosofia Geral e

Problemas Metafísicos, nos ensina e nos

adverte:`

Portanto, uma primeira condição para trilhar

o caminho da epistéme, portanto da

Filosofia, é procurar desvencilhar-se da

inércia do hábito.

Somente vencendo a inércia do hábito

podemos fazer uma pergunta sobre

determinado objeto como se estivéssemos

vendo-o pela primeira vez. (Arruda, Página

5).

É evidente que esse excerto se lido na sua

não contextualização poderá nos indicar

aquilo que nós tentamos, no bom sentido,

criticar: que até os problemas do senso

comum filosóficos precisam ser

problematizados e que valem a pena

problematizá-los.

Page 118: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

118

O problema é: como fazê-lo?

E a primeira coisa que pensamos é fazê-lo

não olhando para o exterior e sim para os

nossos órganons. Devemos primeiro nos

perguntar:

1 ) Onde se embasam as nossas certezas?

2) Através de qual linguagem as recebemos?

3) Por que as aceitamos?

4) Quais foram os métodos persuasivos,

pelos quais nos persuadimos?

5) Por que nos deixamos levar pela

persuasão da linguagem?

6) Por que a linguagem é um acordo

explícito e não uma derivação racional?

7) Por que questionamos a tradição com o

instrumento recebido pela tradição e não a

própria estrutura gramatical e literária?

8) É possível criar uma linguagem racional

que a critique, fora dela e não dentro dela?

9) Será que é possível filosofar dentro dos

limites da linguagem particular humana?

Page 119: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

119

Esses são, a nosso ver, alguns problemas

que podemos criar, não obstante

dependentes da linguagem herdada.

Prosseguindo:

10) Será que é possível abdicar da

linguagem cotidiana e filosófica?

11) Romper os seus limites impostos?

12) Será que ao invés de filosofar não

fazemos um discurso pleonástico, onde as

sinonímias não são observadas pelos nossos

hábitos (mesmo que na condição de

aprendizes de filosofia)?

13) É possível a atividade filosófica?

Se a filosofia é uma atividade, ela é,

parece-nos, um processo, não um fim; ela

é um jogo, uma arte.

E se é jogo é mister que seja bem jogado

dentro das regras acordadas ou

racionalizadas.

Se é arte, é técnica; e técnica

não é substituir uma pedra pela outra.

Como nos assevera Arruda, (Página 5) ´...

nós estamos habituados a ver a chama sem

fazer muitas perguntas, porque a chama é

Page 120: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

120

algo que vemos, e com que convivemos,

desde criança.´

E nesse sentido, acabamos percebendo que

a palavra espanto caiu simplesmente no

lugar comum, na ação maquinal dos que

perpassam pelo discurso filosófico.

O problema, e aí, a nosso ver, o grande

problema, é que problematizamos o mundo,

porque o mundo nos problematiza, antes de

problematizar a linguagem.

De maneira que aquilo que são problemas,

e não deixam de ser, são problemas mais

de ordem social, política, estética, moral,

são mais problemas axiológicos do que os

problemas da linguagem.

É comum nos depararmos e nos

espantarmos com a pobreza, com a

corrupção, com a ideia já quase

ultrapassada que vai vem e volta da

estética, mas são questões não da Filosofia

e sim de umas chamadas disciplinas

filosóficas.

Há, com efeito, que se ter um senso moral,

uma autonomia na escolha, é certo ou

quase certo. Mas a grande problematização

talvez seja aquela que eles, os outros e

todos nós ainda não percebemos.

Page 121: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

121

É mister, urgente, descermos do Olimpo

para do vale nos espantarmos.

Eu não vejo a filosofia como um

phármakon ou um veneno. Penso num

desconstruir e reconstruir - não sei se isso

já está em Derrida -- mas desconstruir para

compreender a desnaturalização do mundo.

Não vejo a filosofia como salvacionista.

Aliás, creio que nenhum de nós será salvo,

muito menos pela filosofia. Nesse sentido,

considerar a filosofia sebastianista é lhe dar

características de um sagrado próximo e

muito atinente às religiões ou até mesmo

às fugas laicas - sem o embasamento de

um discurso que perpasse ou tente

perpassar por um discurso próximo ao

racional. O espanto seria, a meu ver,

apenas um leitmotiv para um procedimento

pensante acerca das coisas. A filosofia

pode, muitas vezes - antes de nos salvar -

fazer nos perder. E se esse perder nos levar

a outro espanto e a outra problematização,

é aí que ela, a filosofia, talvez, cumpre a

sua missão, se missão houver para a

filosofia.

Page 122: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

122

É importante notar que a filosofia tem uma

data de nascimento, por assim dizer, e isso

significa que nem todo espanto ou

perplexidade é sinônimo de um processo

filosófico. Aliás, podemos dizer que quase

todo ser humano se espanta diante da

morte -- todavia nem todos seres humanos

problematizam a morte como o filósofo

problematiza - antes, muitos lamentam-na -

o que é diferente de uma problematização

do que é a morte ou a vida no sentido

filosófico-conceitual. Por isso ser a

linguagem uma das estruturas precípuas de

todo filosofar. É através da língua e

linguagem que dizemos vida, vita, bíos etc.

Com isso pretendo dizer que a língua

também é um importante componente

axiológico. Uma coisa é o brasileiro temer a

morte. No entanto, o que seria temer para

o próprio brasileiro thanatós ou mors? A

simbolização que se adquire com a língua

é, a meu ver, um fator que deve também

ser investigado. Ou seja, as representações

da linguagem em suas relações sistêmicas,

plurais e mesmo monodais.

Page 123: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

123

O interesse da filosofia dá-se quando o

homem percebe que há uma construção

histórica e que o mundo é linguagem - para

tanto, todavia, é preciso ter uma apreensão

de uma linguagem e de toda uma

conceituação a ser retrabalhada. É preciso

voltar-se para si antes de voltar-se para o

mundo. O mundo está simbolicamente

construído e de uma maneira ou outra

assomamos num mundo em permanente

construção -- e num primeiro momento -

somos nós essa cera passiva que se

moverá mais adiante para demarcar e

remarcar os símbolos do mundo; e esse

movimento requer um método que nos

norteará numa dialética conosco mesmo,

com o mundo e com o outro; e isso servirá

até para nos demover de nossas certezas

que não sabemos se são tão certas assim.

O processo filosófico serve, muitas vezes,

mais para nos demover do que

para convencer o outro.

Page 124: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

124

Sempre os bois de piranha

Há uma nova proposta circulando para a

educação. Foi publicada nos jornais e já

causa polêmica. Pela proposta, haveria uma

redução substancial das aulas de

matemática e português no Ensino Médio,

aumentando por outro lado a quantidade

de aulas de história, filosofia, sociologia,

espanhol -- matérias tidas invariavelmente

pela sociedade como dispensáveis e

supérfluas. Eu, como professor de filosofia

do Ensino Médio, estou longe de advogar

para mim qualquer proselitismo ou

monopólio -- sempre digo que não sou o

arauto da filosofia; mas o que quero

abordar não é nem se a carga de

português ou matemática deve ser ampliada

ou não, mas, outrossim, que a discussão da

carga torna-se inócua se não forem levados

a efeito os problemas básicos da educação.

Para mim, o problema não é de carga, mas

de assimilação e interesse. Há algo errado

no início de nossa educação e isso é

repassado como nas corridas do bastão;

desconhecimento gera mais

desconhecimento. O problema a meu ver

está na base. E nisso não foram os

professores de filosofia e sociologia que

Page 125: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

125

falharam; e tentar suprimir ou diminuir as

disciplinas de filosofia e sociologia como

sugere a Folha de São Paulo é

simplesmente tapar o sol com a peneira. É

querer acrescer algo que deveria ter sido

feito no passado. A Folha diz que há uma

gama enorme de disciplinas para os alunos.

Até posso concordar. Mas se o aluno não

aprendeu a ler ou somar não é culpa da

sociologia ou filosofia, desculpem-me. Então

quer dizer que a Língua Portuguesa e a

Matemática vão nos ensinar que existiu um

Hitler, um Mussolini e que o racismo é uma

construção histórica, ou que a nossa língua

pátria é um tipo de linguagem, e que o

mundo é uma percepção dos sentidos, ou

que somos ou não uma tabula rasa, e que

passamos por alguns estágios, que a

verdade da Folha pode ser questionada sob

o ponto de vista filosófico e que do jeito

que se apresenta elimina uma característica

de toda sociedade que se pretende

democrática que é a chamada dialética? O

mundo não é só falar o português casto,

do tipo machadiano, ou fazer somas,

divisões ou multiplicações, e isso seria uma

das inúmeras questões que a sociologia e a

filosofia poderiam debater, sempre no

escopo de somar e jamais dividir ou

subtrair, se possível for isso um dia.

Page 126: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

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A FELICIDADE PRECIFICADA E O PRINCÍPIO DO PRAZER

A Pós-modernidade vem criando no Sistema

Capitalista o conceito de prazer precificado;

é o prazer advindo de uma relação não-

biunívoca com a materialidade e que pode

ser comprado como qualquer outra

mercadoria. Hoje, além de demandarmos o

produto material, naquilo que ele tem de

específico, demandamos também a

externalidade que seu prazer pode nos

proporcionar. Exemplo: quando compramos

um veículo, além de adquirirmos a sua

funcionalidade, adquirimos também o status

de possuí-lo, notadamente se esse veículo

for novo e belo; não há preço em ir numa

padaria com o nosso veículo ou

passearmos pelas nossas vicinais sendo

invejado pelos nossos vizinhos. Não

preocupa mais a alienação econômica e/ou

intelectual. Hoje, poucos, é verdade,

principalmente das classes média e baixa,

compram o seu prazer em 60 ou 50

prestações fixas ou num papagaio dilatado

em qualquer banco. Se isso é felicidade e

se pode ser comprada, por que então não

sacarmos os nossos cartões ou os nossos

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127

talões de cheques? Quanto àqueles que se

decepcionam com essa condição, e que

ainda se indignam de seus reluzentes

apartamentos das Perdizes, Morumbi ou

Butantã, melhor mesmo seria comprar uma

gleba bem pertinho de Sierra Maestra ou

adjacências e imediatamente mudarem-se

para lá. É senso comum pensar que somos

apenas senso comum. Queremos sim, a

partir de agora, a nossa felicidade a

qualquer preço. Se vamos conquistá-la e

quitá-la um dia, só o futuro mesmo poderá

nos dizer!

Page 128: O problema do paradoxo do zero e miscelâneas

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Muitas vezes, a não fama ou a fama tardia

pode tornar-se um antídoto contra a morte.

Digo morte física, quanto

espiritual. Precisamos compreender que o

que vale não é a chegada, mas o percurso.

Como alguém já disse: a vida é como uma

cebola, mas somos nós que damos o

tempero a cada camada.

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21/04/2011

Nesses dias assisti a dois filmes: Cartola e

O bandido da luz vermelha. Adorei

Cartola e não me entusiasmei tanto pelo

filme do Sganzerla, não obstante

reconhecer-lhe os méritos. É simplesmente

uma questão de gosto. Não sou cinéfilo e

não compreendo a técnica cinematográfica.

Falo como um insipiente. Entre hoje e

amanhã verei O Poderoso Chefão com

Marlon Brando.

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20/04/2011

O PRIMEIRO LIVRO, BEM OU MAL, O AUTOR JAMAIS ESQUECE

No dia 17 de abril, fez 10 anos do

lançamento do meu primeiro livro Contos de

Arrabalde.

São 34 contos.

Há alguns contos que eu mudaria uma

coisa ou outra; outros eu suprimiria

totalmente.

Não sei, depois que se escreve não dá

mais para voltar atrás.

O que eu posso fazer é relançá-los com

outros contos um dia.

Mas não sei se irei fazer.

Um conto, bem ou mal, consta no Livro O

Céu Aberto na Terra, que é uma tese de

mestrado do Departamento de Geografia da

USP; outro foi motivo de prova, também de

Geografia, da Escola Estadual São Paulo; os

outros eu não sei. Livros são como filhos,

os geramos e eles se recriam.

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Os contos foram organizados pelo meu

amigo Camelo Ponte.

E se não fosse ele, eles estariam ainda num

disquete qualquer.

Sim, disquete sim!

Como há mudanças intermináveis nesse

meu mundo de meu deus.

Os contos de maior fôlego são os que

menos gosto; os contos curtos, curtíssimos,

são os de minha predileção.

Não obstante essa minha remissão, o livro

levou-me a organizar a primeira oficina

literária na Livraria Cortez, que poderá se

tornar algo histórico para a Livraria.

Eu não me considero um escritor. Necessito

me expressar pela escrita, e os contos

vieram em socorro àquela expressão

da época.

O que eu não posso prever é o que

efetivamente aonde tudo isso vai ou não vai

dar.

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LITERATURA

E

FILOSOFIA BRASILEIRAS

MISCELÂNEAS

DA

CONTEMPORANEIDADE

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edição independente

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2014