o problema do paradoxo do zero e outros escritos · resumo o principal objetivo de nosso trabalho...
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O PROBLEMA DO
PARADOXO DO ZERO E
OUTROS ESCRITOS
PRIMEIRA EDIÇÃO
2015
WILSON LUQUES COSTA
FILOSOFIA BRASILEIRA
Para a minha esposa Raquel, farol que me ilumina.
Todos os direitos para Wilson Luques Costa
.
A IMPORTÂNCIA PREPONDERANTE DOS PROBLEMAS
FILOSÓFICOS FRENTE A QUALQUER OUTRO ELEMENTO
DA FILOSOFIA COMO UM TODO
5
Resumo
O principal objetivo de nosso trabalho
é justificar A importância preponderante dos
problemas filosóficos frente a qualquer outro
elemento da filosofia como um todo. Para
tanto, centrar-no-emos na necessidade da
aritmética, especialmente em Kant e Frege que
parecem acreditar em seus pressupostos. No
desenvolvimento de nosso trabalho,
procuraremos demonstrar a possível
precariedade da sua justificativa racional,
sobretudo, quando lidamos com o número
6
zero. Queremos também enfatizar que não é
objeto desse trabalho a audácia de questionar
filósofos universais, mas colocar perguntas
que poderão despertar o desejo de respondê-las
ou problematizá-las por aqueles que,
porventura, puderem se interessar pelo
assunto.
7
Palavras-chave
Necessidade, Contradição, Verdade, Filosofia, Kant, Frege.
8
Abstract
The main objective of our work is to
justify the overriding importance of
philosophical problems facing any other
element of philosophy as a whole. Therefore,
we will focus on the need of arithmetic,
especially Kant and Frege who seem to believe
in their assumptions. In the development of
our work, we aim to show the potential
precariousness of their rationale, especially
when dealing with the number zero. We also
want to emphasize that this work is not subject
to universal philosophers audacity to question,
9
but to ask questions that might arouse the
desire to answer them or problematize them by
those who, perhaps, may be interested in the
subject.
10
Keywords
Need, Contradiction, Truth, Philosophy, Kant, Frege.
11
Introdução
O presente trabalho tem como escopo
mostrar que não podemos ainda considerar a
chamada ciência matemática como a mais fiel
portadora daquilo que se denomina
necessidade. Podemos ainda dizer que a
palavra necessidade é um conceito muito
usado pelos filósofos para demonstrar algo que
está próximo da verdade ou que não contém
contradição. Consoante as palavras do filósofo
12
alemão Immanuel Kant (1724 – 1804), “o uso
dogmático da razão sem crítica conduz (...) a
afirmações infundadas” (KANT, 1988, p.34).
Por isso que para justificar o nosso trabalho,
pretendemos apontar algumas inconsistências
na matemática, sobretudo na aritmética,
quando envolvemos o número zero numa
relação multiplicativa. Ao longo desse
trabalho, vamos relacionar os nossos
apontamentos críticos a algumas passagens de
textos do filósofo alemão Immanuel Kant e do
matemático alemão Gottlob Frege (1848 –
1925), para ao cabo dele propormos um olhar
mais atento para a aritmética antes de
considerá-la como exemplo de necessidade e
de não contradição. Esperamos também que o
13
fazer filosófico aponha o seu olhar de coruja
vigilante diante de estados tidos como já dados
e que vele pela verdade somente demonstrada
pelas justificativas racionais que não lhe
apontem uma contradição, como parece
acontecer ainda quando tratamos da aritmética.
Não obstante tratarmos de conceitos
filosóficos mais adstritos a quem se interesse
pelo filosofar aparentemente mais esotérico,
pensamos que esse trabalho aponta para uma
clareza de entendimento que só será percebida
quando houver a vontade livre de compreender
do que ele trata. Assim sendo, o nosso trabalho
tem o propósito de fazer um elogio às
problematizações.
14
Um olhar de espanto sobre a necessidade aritmética
Há com efeito em todo filosofar um
processo dialógico com os textos. Para tanto,
é necessário embrenhar-se de tal forma com
eles para que se efetive a sua compreensão. E
foi por ter contatado como o livro Crítica da
razão pura do filósofo alemão Immanuel Kant,
que percebemos a nossa não compreensão da
certeza depositada por ele naquilo que se
denomina matemática. A nossa dúvida
emanou-se quando percebemos que, não
obstante a matemática gozar de um status
racional em suas relações, a razão nem
sempre está ali para acudi-la com os seus
critérios. É o caso, quando, por exemplo, numa
15
relação multiplicativa envolvemos o chamado
número natural zero. É comum aceitarmos em
nossos afazeres diários e acharmos até natural
que 1 x 0 = 0 é uma relação que resulta numa
verdade incontestável e absoluta. Todavia, ao
procurarmos nos estribar nos critérios
racionais, percebemos que temos dificuldades
extremas em justificar essa denominada
verdade. E foi pensando nisso que viemos
propor um olhar mais atento àquilo que
julgamos ser uma possível contradição. O fato
de citarmos o pensador de Königsberg, não
tem a intenção de imiscuirmo-nos em seu
tratado magno, nem muito menos tangenciar o
seu pensamento ou tentar denegá-lo; muito
pelo contrário, pretendemos isto sim
16
simplesmente dialogar com alguns excertos
seus para alertar que a sua compreensão e
conceituação de juízo a priori como necessário
e universal colocam-se em xeque, quando o
filósofo alemão toma como fundamento para
as suas explicações à chamada matemática e
principalmente a aritmética. O mesmo pode-se
dizer em relação ao matemático alemão
Gottlob Frege, que também à maneira de Kant
aponta a aritmética como exemplo de
necessidade. O nosso propósito, portanto, é
fazer um contato com algumas pequenas
asserções, principalmente dos dois pensadores
já citados, para tentarmos apontar que as suas
certezas ainda carecem de uma justificativa do
tipo racional.
17
Pretendemos também elaborar uma
conclusão propondo um olhar mais atento às
aporias matemáticas e justificar com o nosso
pequeno trabalho a importância da
contribuição do perguntar e das
problematizações para o processo filosófico.
Sempre é de bom tom saber que a filosofia
é um diálogo sobre as conceituações como
também sobre os ajustes e retificações que se
fazem necessários, quando erros e desvios
impregnam-se na linguagem. É sabido que
verdades arbitrárias e não fundadas no estrito
juízo da razão pressupõem outras tantas
arbitrariedades. Sendo assim, não devemos dar
desprezo a pontos fulcrais da filosofia que
possam aparentar meras vaidades egocêntricas
18
que não nos servem para nada. É, por
exemplo, quando se trata da própria ciência ou
da própria ética. No livro Crítica da razão
pura, o filósofo alemão Immanuel Kant vai
tratar da definição do que é experiência e não
experiência, para poder tratar de juízos a priori
e não a priori, ou tratar antes da matemática
para firmar a sua conceituação e por fim para
tratar, desde que tudo racionalmente fundado,
das nossas ações em outros textos ou livros.
De modo que o conceitual interfere no factual
e o factual, menos talvez, no conceitual. E é
por isso que é preciso fazer uma revisão nas
afirmações, para que essas possam ser
fundadas pela própria razão e não pelo
consenso dos princípios das autoridades; Kant
19
é claro em aceitar que "ciência é algo que
progride, que avança, que acumula" por isso "
o conhecimento científico deve pois ser
necessário, universal e acumulativo ou
extensivo.” E foi pensando nisso que
propusemos uma leitura sobre os fundamentos
da aritmética para nos convencer, após disso,
de sua necessidade e universalidade e, por
conseguinte, de suas fundamentações
ulteriores; no Capítulo primeiro do livro
Crítica da razão pura, Kant fará uma distinção
entre o Conhecimento Puro e Empírico: “Os
conhecimentos“ a priori” ainda podem dividir-
se em puros e impuros. Denomina-se
conhecimento “a priori” puro ao que carece
completamente de qualquer empirismo”
20
(KANT, 1988, p. 22); e para isso ele vai se
valer da importância da experiência como a
base da linguagem e por consequência de
nossos conhecimentos. Parece ser o propósito
de Kant primeiro fazer uma distinção entre o
conhecimento empírico do não empírico, para
poder, depois disso, fazer a distinção ou
distinções que podem ocorrer naquilo que se
denomina de a priori, ou seja, o conhecimento
que não passa pela experiência. É sabido que
Kant não nega o valor da experiência, pois o
próprio Kant inicia o I parágrafo da Crítica da
razão pura afirmando o caráter primordial da
experiência para a aquisição de nossos
conhecimentos; ele já enceta o parágrafo
confirmando o valor da experiência: “não se
21
pode duvidar de que todos os nossos
conhecimentos começam com a experiência”
(KANT, 1988, p. 21). Todavia, percebemos
que ao invés de Kant começar definindo o que
é experiência, ele prefere fazer uma primeira
explicação tomando como base não uma
definição conceitual que virá no final do
parágrafo, mas a relação de nossos sentidos
com os chamados objetos sensíveis, o que
pode dificultar a leitura e o entendimento do
texto, porque Kant parece supor que todos já
compreendam o que é experiência: “como
haveria a exercitar-se a faculdade de se
conhecer, se não fosse pelos objetos que,
excitando os nossos sentidos, de uma parte,
produzem, por si mesmos, representações, e de
22
outra parte, impulsionam a nossa inteligência a
compará-los entre si, a reuni-los ou separá-los,
e deste modo à elaboração da matéria informe
das impressões sensíveis para esse
conhecimento das coisas que se denomina
experiência? (KANT, 1988, p. 21). Parece ser
o intuito de Kant fixar-se menos na
experiência do que no a priori, porque para
Kant o a priori, ao contrário do conhecimento
empírico, tem o caráter da necessidade e, por
conseguinte, da universalidade. Kant bem
define no próprio capítulo citado o que é
conhecimento a priori, pois para ele são “todos
aqueles que são absolutamente independentes
da experiência.” (KANT, 1988, p. 22). Mas
esse não seria a nosso ver o problema que nos
23
leva a citá-lo; Kant quando distingue o
empírico do a priori, envolve-se numa não
aparente tão difícil tarefa de também distinguir
os conhecimentos a priori em puros e em
impuros. Entretanto, em meio a tantas
particularidades da obra magna do mestre de
Königsberg, o que nos faz focar em parte de
sua obra é a sua fé, digamos assim, do caráter
necessário da aritmética; pois acreditamos que
a matemática ainda não possui a
universalidade e necessidade tão esperadas,
porquanto incorre em não soluções ensejadas
em seu próprio núcleo, que preferimos
provisoriamente denominá-las de anomalias.
É preciso antes compreender que não
são, a nosso parecer, para Kant a matemática e
24
a aritmética o seu foco principal. Kant as
utiliza mais no sentido de dar uma base
fundadora para as suas argumentações.
Entretanto, não podemos tergiversar e assim
dar crédito às suas argumentações por se tratar
de Kant. É necessário compreender de onde
provém essa necessidade da aritmética que
muitos acreditam sem tanto questionar ou
colocar-lhe suspeitas como sobre as coisas
metafísicas. Sabemos que Kant vai colocar a
Metafísica abaixo da ciência matemática por
não conseguir responder às fundamentações
racionais, mas será que, não obstante a sua
linguagem artificial criada pelos homens, a
aritmética não cai nesse impasse se também
não responde a muitas outras fundamentações?
25
O caráter de nossa suspeita tem uma
explicação, se não lógica pela sua própria
fundamentação, porque percebemos que, e não
desdenhando outras tantas anomalias que já
possam ocorrer (Parece que fica difícil
também saber se os números são finitos ou
infinitos) a chamada aritmética não consegue
explicar porque um determinado número
natural, a saber, zero, quando se envolve numa
relação multiplicativa com outros números ou
com o próprio zero cria algo, por um tipo de
condição de prova, anômalo ou não
explicativo, o que não ocorre com os demais
números denominados de naturais. E foi por
perceber esse estado anômalo que procuramos,
pela via da filosofia e não da matemática,
26
questionar esse talvez provisório problema,
para que não sejam justificadas as palavras do
próprio Kant que já nos diz sobre esses
possíveis embaraços, porque “o desejo de
estender os nossos conhecimentos é tão grande
que só detém seus passos quando tropeça
numa contradição claríssima” (KANT, 1988,
p. 26). Como pretendemos ampliar essas
questões num trabalho de maior fôlego,
intencionaremos aqui tão somente fazer
algumas demonstrações para poder compará-
las posteriormente com a obra do próprio Kant
e de outro grande matemático, Frege, que
também parece depositar uma fé inabalável na
chamada aritmética. Somos sabedores dos
abismos que poderemos encontrar, ao tentar
27
trabalhar com um tema de especialistas e de
difícil consenso, porém julgamos serem
necessárias as exposições de nossas dúvidas,
sobretudo quando acreditamos que fizemos se
não completa alguma razoável inserção pela
compreensão dos problemas, através de
leituras e de releituras dos próprios autores
como de seus mais diretos comentadores. Por
isso que para o bom funcionamento didático
de nossa exposição, preferiremos tratar de
alguns assuntos que procurarão seguir uma
determinada ordem.
28
De onde provém a necessidade da aritmética?
É comum, mesmo entre os filósofos,
acreditar na necessidade da aritmética. Porém
seria de se perguntar: De onde provém a
necessidade da aritmética? São sabidamente
conhecidas e reconhecidas as dúvidas que se
colocam quanto às questões de Deus,
liberdade, alma etc. O próprio filósofo alemão
Immanuel Kant nos dá esse exemplo, quando
aborda sobre a Metafísica, dizendo-nos que
“sua marcha é, no princípio, dogmática; quer
dizer, ela enceta confiadamente o seu trabalho
sem ter provas de potência ou impotência de
nossa razão para tão grande empresa” (KANT,
1988, p. 25). Mas deixa de elaborar a mesma
pergunta à matemática e principalmente à
29
aritmética por acreditá-la e creditá-la ao que
parece infalível. Kant em seu livro já nos
informa de sua necessidade e universalidade,
sem pelo menos nos explicitar o porquê dessa
certeza; ao contrário, mostra-nos essa
confiança como coisa simplesmente dada de si
para si, sem ao menos questioná-la: “pois
desfrutando de certeza uma parte de nossos
conhecimentos, a Matemática, concebe-se a
fagueira esperança de que os demais cheguem
ao mesmo ponto” (KANT, 1988, p. 26). O que
efetivamente estamos procurando fazer é um
perguntar a essa certeza kantiana. Será que
Kant não percebia que essa certeza estava
possivelmente eivada de um possível processo
indutivo? Como poderia Kant depositar essa
30
certeza sobre os números se não o conhecemos
em sua plena totalidade? Sabemos que o
processo indutivo, que parte do particular para
o geral, não nos afirma nada sobre a totalidade
das coisas; por isso também que,
independentemente da dúvida da condição da
prova que proporemos nesse trabalho,
julgamos precipitada essa certeza kantiana,
que deveria ser antes tratada, para se chegar às
suas questões transcendentais. É como que,
como grande filósofo que foi e é se
desinteressasse ou não percebesse a dimensão
deste possível problema. Nesse sentido, Kant,
a nosso ver, não procurou usar os instrumentos
da razão para creditar a razão e posteriormente
os seus tão elementares e transcendentais
31
argumentos. Como bem nos informa uma
passagem do livro: A filosofia a partir de seus
problemas, “o núcleo essencial da filosofia não
é constituído de crenças tematicamente
definidas e racionalmente fundadas, senão de
problemas e soluções”. No texto trabalhado no
curso de Especialização em Docência em
Filosofia pela Unesp, podemos destacar que
aprendemos com Antonio Trajano Menezes de
Arruda que filosofia é espanto; “ com efeito,
nada é capaz de provocar espanto/perplexidade
a não ser um problema, uma questão”
(ARRUDA, 2011, p.11). Por isso esse trabalho
não tem a objetivação primeira de definir um
problema e, por conseguinte, a sua solução,
que seria, a nosso ver, uma tarefa um tanto
32
quanto despropositada para o momento; esse
trabalho vem mais no intuito de se fazer um
elogio às problematizações filosóficas que,
excetuando alguns poucos trabalhos até o
momento publicados, não vem se constituindo
como o leitmotiv de um filosofar que pretenda
sair do seu secular “comentarismo”, pois “o
“comentarismo” é o principal fator que tem
entravado o aparecimento na universidade
brasileira de uma reflexão filosófica original
regular e consistente.” Outro ponto que nos
leva à consecução do que aqui se pretende
tratar é a tentativa de mostrar que é necessário
fazer um ajuste na chamada aritmética, se se
pretende tê-la como um paradigma de uma
ciência que se constitui nas bases seguras da
33
necessidade e universalidade. Sem pretender
adentrar e nem sequer perpassar as obras
titânicas de Kant e Frege, objetiva-se aqui
também mostrar que a conceituação de a priori
coloca-se em xeque na matemática, quando ela
não consegue explicitar pelos próprios
instrumentos da razão as suas possíveis aporias
e contradições. Mas como demonstrar essas
possíveis contradições e aporias que a
matemática e, sobretudo, a
aritmética incidem? Como encetar e embasar
o método ou caminho? São justamente essas
perguntas que também se colocam à própria
ciência, porquanto é deveras difícil demonstrar
uma razão, sem que se aponte para perguntas
que já se problematizam. Por isso que em face
34
dessas dificuldades que gerariam outras
dificuldades, pretende-se não tirar o foco do
assunto e seguir num abrir de janelas que não
poderiam ser fechadas, funcionando menos
como janelas esclarecedoras, que é o propósito
desse trabalho. Para isso, agora, pretendemos
apresentar aquilo que preferimos denominar de
condição da prova. Podemos dizer que a
condição da prova é um tipo de fórmula, a
saber, a x b = c sse c : b = a que tenta explicar
a não contradição dos números nela aplicados
num efeito de multiplicação e divisão. Não
obstante, a dificuldade de esclarecer ou
justificar lógica ou racionalmente como essa -
vamos chamá-la provisoriamente assim -
condição da prova se deu, deve-se, no entanto,
35
atentar como e por que os elementos nela
testados (chamemos de números naturais)
apresentam-se ora como imagens idênticas, ora
não. Apresentada a condição da prova,
passaremos a aplicar os elementos numéricos
naturais para a justificação das imagens. Na
condição da prova, chamaremos valores de
verdade e de não contradição quando os
elementos possuírem a mesma imagem, e não
incidirem em contradição e chamaremos de
contradição ou aporia, quando houver pelo
menos uma ou mais imagens diferentes, ou
imagens idênticas, mas que geram contradição.
Para tanto, embasamo-nos nas ideias do
filósofo austríaco Wittgenstein acerca das
regras: “somente por meio do seguimento
36
correto da regra pode-se demonstrar, ou seja,
julgar se uma demonstração tem força
comprobatória.” (BUCHHOLZ, 2008, p.37).
Exemplo 1. a = 2 b = 3 c = ? Escolhidos
esses números, vamos aplicá-los na Condição
da Prova: 2 x 3 = 6 sse 6 : 3 = 2. Após a
aplicação da condição da prova aos elementos
naturais escolhidos acima, podemos perceber
que as imagens são idênticas para a, b e c;
sendo a = 2 b = 3 e c = 6.
Sendo assim, podemos considerar
dentro das regras estabelecidas como
verdadeiros e não contraditórios. Agora vamos
escolher os números maiores ou iguais a zero,
a saber, a = 1 b = 0 c = ? -- escolhidos esses
números, vamos à aplicação da condição da
37
prova: 1 x 0 = 0 sse 0 : 0 = 1. Feita a aplicação
da condição da prova, envolvendo agora o
número zero, percebemos que para as imagens
serem idênticas, haveria que ocorrer uma
contradição na matemática ou aritmética, o
que concorreria para algumas análises que
pretendemos fazer, ou melhor, nessas
condições apresentadas, ocorreu uma
contradição num juízo a priori e a aritmética
colocou-se em xeque diante dos juízos da
razão: Princípio da Identidade, Princípio do
Terceiro Excluído, Princípio da Causa
Eficiente, Princípio da não Contradição.
Verificamos que o número zero causa um
problema para a justificação racional de seu
produto. Desse modo, parece que nos
38
encontramos diante de um problema na
matemática e, em particular, na aritmética.
Evidente é que quando tentamos colocar esse
problema, não estamos advogando, nem nos
embasando na frase conhecida de Marx (1818
– 1883) que afirma que “a tradição de todas as
gerações mortas oprime como um pesadelo o
cérebro dos vivos” (GIANNETTI, 2008, p.25)
-- e é diante disso que preferimos a definição
de que “um problema é formulável na
linguagem, em uma sentença interrogativa” e
estribando-nos nessa definição que
formulamos a seguinte pergunta: Por que a
condição da prova aponta uma contradição na
matemática e, em particular, na aritmética,
quando trabalhamos com o número zero? Se
39
retornarmos ao livro A filosofia a partir de
seus problemas (de Mario Ariel Gonzáles
Porta), vamos encontrar a seguinte afirmação:
“O núcleo essencial da filosofia não é
constituído de crenças tematicamente definidas
e racionalmente fundadas, senão de problemas
e soluções”. Nesse sentido, é oportuno apontar
para a necessidade primeira de um perguntar e
dialogar, do que propriamente a volição de
uma problematização e a consequente solução;
mister é pois destacar que, não obstante o tema
tratar das problematizações, o intuito é um
perguntar, posto haver, em nosso
entendimento, uma diferença de grau entre o
perguntar e o problematizar. Entendemos que
há uma diferença de grau entre o perguntar e o
40
problematizar, já que o perguntar traria em seu
bojo menos um conhecimento holístico dos
problemas tratados; o perguntar seria a ante-
sala das problematizações, porquanto traz em
si ainda a não compreensão plena das
problematizações; no perguntar subjaz, talvez,
a pátina das compreensões parciais; o
perguntar seria uma primeira etapa que precisa
ser trabalhada e polida, seria a escada que
poderia levar às problematizações, mas não o
seu patamar. Se o perguntar é a ante-sala das
problematizações, a problematização, por seu
turno, é o patamar do perguntar ao problema;
de maneira que enquanto a pergunta duvida
tout court, a problematização pergunta para os
problemas, ou melhor dizendo, sabe dos
41
problemas, por isso pergunta; a
problematização é um perguntar consciente,
porque tem seu alvo, seu télos; a
problematização seria um diálogo interposto
entre outros diálogos, por isso dialético. Como
bem se afirma, “se o público em geral não
entende o que os filósofos fazem e crê que
cada um simplesmente diz o que quer isso se
deve, em grande medida, ao fato de que não
entende o problema ou, mais ainda, não toma
consciência de um problema”.
Por isso são, com efeito, de vital
importância para a filosofia os problemas
filosóficos, porque ao problematizarem
mostram e denotam que o filosofar é um in
fieri e que as problematizações vêm adicionar
42
ou corrigir alguns pontos não tão claros ou
evidentes; mas para isso como bem nos
informa o texto trabalhado em nosso curso “é
preciso desvencilhar-se do hábito, pois “o
hábito, embora seja em geral uma coisa
vantajosa, pois sem ele teríamos que estar
sempre reaprendendo as coisas e as
habilidades, tem o inconveniente de gerar uma
impressão falsa de conhecimento‟‟ e “para
neutralizar esse inconveniente, é preciso
vencer a tendência para se comportar segundo
a inércia do hábito, do costume” e a pergunta é
como fazer para desvencilhar-se do hábito já
que o hábito é um empecilho para o caminho
das problematizações? Por isso, “a coragem
intelectual” é um meio de quebrar esses
43
grilhões que nos acorrentam. Todavia, não é o
ser simplesmente corajoso que valida as
problematizações, porque um homem corajoso
é somente um homem corajoso; é preciso
saber dos problemas; coragem sem
conhecimento é um modo temerário de postar-
se diante dos problemas; a coragem filosófica
exige o denodo pela compreensão intelectual;
e é nisso que a filosofia diferencia-se da
prática do senso comum; por isso a filosofia
não é um perguntar simplesmente vazio.
Voltando às problematizações, podemos dizer
que elas são também a tentativa de um ajuste
que enjeita por isso uma teleologia sistêmica,
porque, conforme Kant, “todos os filósofos
que construíram sistemas viveram num intenso
44
sentimento de fragilidade.” (BOTUL, 2000, p.
54) e elas muitas vezes não são e nem
pretendem ser a negação (apóphasis) ou a
eliminação de um paradigma, nem muito
menos uma aceitação passiva; as
problematizações são um estímulo ao filosofar
e ao espanto; é também uma penetração
obsessiva pelos textos, ou melhor, um
mergulho constante nos seus enredamentos, ou
seja, um auscultar mais de perto e não um
simples passar; não se problematiza a filosofia
e os filósofos, se não lemos ou conhecemos as
suas obras e os seus mais argutos
comentadores. Depois de abordarmos sobre o
perguntar e as problematizações, cabe agora
interpor uma pergunta entre dois filósofos, não
45
no escopo de problematizar, já que fizemos a
distinção entre problema e pergunta; e a
pergunta surge no intuito de tentar elucidar,
antes, se ela é cabível. Mas antes gostaríamos
de tomar o quadrado dos opostos para tentar
demonstrar o nosso perguntar primeiro para
Kant e depois para Frege. O quadrado dos
opostos é uma figura crida pelos “lógicos
medievais” (CHAUI, 2010, p.129). Essa figura
possibilita, segundo as suas regras, “visualizar
as proposições segundo a qualidade,
quantidade, a modalidade e a relação.”
(CHAUI, 2010, p.129). Desse modo,
procuraremos, abaixo, apresentar o quadrado
dos opostos para facilitar a nossa análise. O
quadrado dos opostos é constituído de “vogais
46
minúsculas que indicam a quantidade e a
qualidade (a, e, i, o)” (CHAUI, 2010, p. 129),
onde (a) Universal Afirmativa e (o) Particular
negativa. Pelo quadrado dos opostos, somos
informados pelas suas regras que (o) coloca-se
em contradição com A. Sendo assim, tomamos
como proposição universal para (a) Toda
aritmética é necessária e (o) Alguma aritmética
não é necessária. Nesse sentido, podemos dizer
que quando a razão não consegue justificar
racionalmente por que 1 x 0 = 0 , devemos
alocá-la em (o) – numa sentença particular que
irá contraditar a universalidade de sua
necessidade.
47
(A) Toda aritmética é necessária
(O) Alguma aritmética não é necessária
Posta essa concisa e breve explicitação,
urge apor as seguintes perguntas: 1. De onde
provém a necessidade da aritmética e se é de
fato verdadeira? De onde provém
racionalmente tal assertiva? Desenvolvidas
48
essas breves considerações anteriores, iremos
tratar dos princípios da razão relacionados com
o problema ou o perguntar colocado pela
aporia. Para isso é preciso, antes, darmos uma
pequena definição desses princípios. Como
bem nos informa o livro Introdução à filosofia
de Marilena Chauí, a razão tem os seus
princípios, pois “desde seus primórdios, a
filosofia considerou que a razão opera segundo
certos princípios...” (CHAUI, 2010, p.71).
Podemos assim dizer que são quatro os
princípios que constituem a razão: 1. Princípio
da Identidade 2. Princípio da não contradição
3. Princípio do Terceiro Excluído 4. Princípio
da Causa Suficiente.
49
Antes de tudo, pretendemos deixar
claro que não é objeto desse trabalho a
problematização desses princípios, embora
problematizáveis. Todavia, queremos nos
escorar em pelo menos dois desses princípios
para podermos elaborar um tipo de teste, já
que sem tais princípios a razão ficaria
comprometida. Ao observarmos, na condição
da prova, a expressão 1 x 0 = 0 sse 0 : 0 = 1,
vamos reparar que o que resulta no teste fere
de um certo modo o princípio da contradição
que “ afirma que uma coisa ou uma ideia da
qual algo é afirmado e negado, ao mesmo
tempo e na mesma relação, são coisas ou
ideias que se negam a si mesmas e que por isso
se autodestroem.” (CHAUI, 2010, p.72).
50
O que queremos destacar é que,
conforme a nossa exposição, para ser verdade
que 1 x 0 = 0, é preciso reconhecer que 0 : 0 =
1 (ad hoc), o que parece não ser aceito
momentaneamente na matemática. Assim
sendo, e tomando como critério o princípio
citado, não queremos reconhecer, conforme
esse princípio enuncia “que as coisas e as
ideias contraditórias são impensáveis e
impossíveis” (CHAUI, 2010, p.72). Desse
modo, pretendemos apontar para uma
preocupação com o impasse criado e não com
a destruição de um paradigma que vem sendo
aceito até com muita eficácia. Somos, com
efeito, sabedores dos avanços da chamada pós-
modernidade; sabemos ainda que é quase
51
impossível e de um esforço hercúleo abranger
a totalidade dos avanços e descobertas tanto na
ciência como entre outros campos; mas isso
não nos impede de tratar questões que estão
em meio à sociedade. Entretanto, aprendemos
ainda que, ao menos no senso comum, há o
falso (F) e o verdadeiro (V), sobretudo e
particularmente na aritmética. Se temos 2 x 3
= 6 não pode resultar cinco, dadas as devidas
regras e não seria possível ser 5, nem 4, nem 2.
Sabemos também, embora questionável a
nosso ver, da universalidade da causação, ou
seja, 2 x 3 é a causa de 6. Se entendemos que
2 x 3 é a causa de 6, a pergunta é: qual é ou
são a causa e/ou causas de Zero (0)? E por que
para ser verdade que 1 x 0 = 0, ou seja, que
52
zero posposto à igualdade é consequência de 1
x 0 ser 0 : 0 a causa do 1? O que desejamos
demonstrar com os exemplos citados é que são
gerados problemas para a aritmética e por
consequência em parte substancial da chamada
matemática universal. Vale lembrar que se
tomarmos o número cinco, é possível
especular sobre as suas quase infindas causas,
a saber, (30/6), (2 + 3), (60/12) etc (isso seria a
nosso ver também outro problema) -- só para
citarmos alguns poucos exemplos. Já no que
concerne ao número zero, teríamos algumas
dificuldades em provar a sua causalidade no
estrito juízo da razão, a saber, 1 x 0 (?); 2 x0
(?) ad infinitum. Nos exemplos citados acima,
estamos tratando da causalidade, quando
53
consideramos o envolvimento de relações e
sinais da regra do jogo; não estamos
considerando os números simplesmente dados
e colocados numa sequência como no exemplo
(0, 1, 2, 3, 4...). Embora o enfoque de nosso
trabalho repouse sobre a possível contradição
que se estabelece quando aplicamos o número
zero numa multiplicação e divisão, caberia
ressaltar também que aqui consideramos o
conceito de número a priori, ou seja,
independente de qualquer experiência. O
próprio matemático alemão Johann Gottlob
Frege já nos diz que “a aritmética não tem
absolutamente nada a ver com sensações.”
(FREGE, 1989, p.89). O foco desse trabalho
não é a questão se o número pode relacionar-se
54
funcionalmente, e isto Frege já confirma em
seu livro Os Fundamentos da Aritmética: “para
que uma verdade seja a posteriori requer-se
que sua demonstração não se possa manter
sem apelo a questão de fato.” (FREGE, 1989,
p.89). Por isso, Frege já define a matemática a
priori: “é possível conduzir a demonstrar
apenas a partir de leis gerais que não admitem
nem exigem demonstração.” (FREGE, 1989,
p.89). É preciso antes notar e saber que a nossa
demonstração não se refere à demonstração de
fato, ou seja, empírica.
55
Um passar por Kant e Frege
Em seu livro Crítica da razão pura, o filósofo
alemão Immanuel Kant faz uma alusão ao
conhecimento a priori, ou seja, o
conhecimento que se dá sem o uso da
experiência e faz a seguinte afirmação
referindo-se à matemática e ao próprio
conhecimento a priori: “ora, é fácil demonstrar
que no conhecimento humano existem
realmente juízos de um valor necessário e na
mais rigorosa significação universal; por
conseguinte, juízos puros, a priori. Se se quer
um exemplo da própria ciência, basta reparar
em todas as proposições da matemática.”
(KANT, 1988, p.23). Claro está que não
pretendemos adentrar a perquerição do que é
56
matemática para Kant no século XVIII. É do
conhecimento por aqueles que se interessam
por Kant o que Kant entendia como
matemática. Todavia, essa afirmação, mesmo
que a matemática não contemplasse na visão
de Kant o que entendemos hoje matemática
com o seu avanço e a sua dinâmica, parece-nos
um pouco precipitada; primeiro, talvez, porque
Kant possuísse uma inabalável fé na
matemática; segundo porque não acreditava
numa possível contradição ou aporia. Nesse
sentido, podemos considerar que um juízo a
priori para Kant, no caso a matemática,
porquanto a aritmética entrega o corpus da
matemática universal, deixa ser necessário e
universal e não a priori. Se considerarmos que
57
há uma aporia ou uma não justificação
racional, então poderíamos questionar se a
matemática é necessária e universal? Como
vimos, necessidade implica não contradição e
a contradição coloca em xeque também a sua
universalidade. Kant parece ter uma fé
extrema de que o a priori é sinônimo também
de necessidade e vice-versa, pois é resoluto
mais uma vez ao informar em seu livro, mais
precisamente no capítulo II de sua Introdução:
“se encontramos uma proposição que tem que
ser pensada com caráter de necessidade, tal
proposição é um juízo “ a priori”( KANT
1988, p.23). Sendo assim, poderíamos também
perguntar ao texto de Kant que, se assim for, a
matemática não é mais um a priori? Quanto à a
58
prioridade da matemática, podemos dizer que,
a nosso ver, essa não seria afetada, apesar de
Kant afirmar na sua Crítica da razão pura mais
o seguinte: “ um juízo, pois, pensado com
rigorosa universalidade, quer dizer, que não
admite exceção alguma, não se deriva da
experiência e sem valor absoluto a priori”
(KANT, 1988, p.23). Mas a nossa resposta a
contrapelo de Kant é dizer que o que
caracteriza o a priori, antes de ser a sua
necessidade e universalidade, é a sua
capacidade de se estabelecer
independentemente de toda e qualquer
experiência. Por isso, a necessidade de tentar
corrigir os desvios e anomalias do sistema,
antes de se tentar eliminar paradigmas
59
seculares. O objetivo é mostrar as anomalias
da aritmética e que a sua verdade absoluta está
longe de nos confortar.
Com efeito, Frege (1848-1925) foi um
matemático que revolucionou a lógica, a partir
do século XIX. Podemos ainda dizer que Frege
é um desses luminares do mesmo coturno de
Kant e que a sua contribuição talvez não possa
ainda ser mensurada com a devida e ilibada
capacidade. Todavia julgamos que não seria de
todo uma afronta à sua capacidade, se
pudéssemos estabelecer um pequeno diálogo
como o seu pensamento. Para isso, entretanto,
e não ignorando a extensa bibliografia que gira
em torno do seu pensamento, pretendemos nos
valer de alguns excertos retirados do excelente
60
artigo do professor da Unesp, Lúcio Lourenço
Prado, intitulado “ Frege e o Elogio da razão
pura”, publicado na revista Cognitio, número
2, volume 10. Nesse artigo, podemos, para o
nosso propósito, destacar a seguinte afirmação
“a demonstração de qualquer teorema da
aritmética, se a consideramos analítica em
sentido fregiano, deve, pois, ser levada adiante
até que se chegue aos primeiros princípios
lógicos elementares, como os de não
contradição ou de identidade.” No texto,
vamos encontrar a crença de Frege na
aritmética, quando no texto se compara a
aritmética com a geometria ou com as demais
matemáticas e principalmente quando se
afirma sobre a aritmética: “mas não se pode,
61
de maneira alguma conceber alguma outra
aritmética na qual os princípios sejam outros
[...] “portanto, para Frege, aritmética é, como a
lógica, a manifestação pura dessas leis
necessárias da razão.” [...] “ A aritmética é,
pois, ao contrário da geometria, absolutamente
universal em sua aplicação e abrangente, pois,
se aplica a todo universo do entendimento
humano. Apresentados esses pequenos
excertos do artigo sobre Frege, poderíamos
perguntar se não caberia, antes do problema,
uma dúvida acerca dessas supostas certezas.
Se ocorrer, de fato, uma contradição na
aritmética ou se não for resolvido esse impasse
ou aporia, não seria temeroso, sob os estritos
ritos da razão, aceitarmos essas „certezas´?
62
Em seu livro Discurso do Método, o filósofo
francês René Descartes (1595 - 1650) já nos
alerta sobre o “nunca aceitar, por verdadeira,
cousa nenhuma que não conhecesse como
evidente” (DESCARTES, ????., p.63). Nesse
sentido, observamos que alguns aspectos da
aritmética, se não são inteiramente
paralógicos, causam-nos ao menos uma dúvida
ou uma suspeita diante dos critérios de ordem
racional; o pai da filosofia moderna, Descartes,
ainda nos ensina que se deve “evitar
cuidadosamente a precipitação e a prevenção;
e nada incluir em “nossos” juízos que não se
apresentasse tão clara e distintamente...”
(DESCARTES, ????, p.63); e isso significa
dizer que a clareza e a distinção exigidas da
63
aritmética encontram-se a nosso juízo sob
suspeição. Após tratarmos do perguntar da
necessidade e universalidade da aritmética e,
por conseguinte, da matemática universal,
pensamos já estarmos em condições de, ao
invés de responder aos impasses apresentados,
formular a seguinte pergunta: Por que a
matemática goza de uma aceitação plena de
sua necessidade e universalidade, sem que se
tenha ainda pelo que apresentamos o estofo
suficiente para isso? Kant no prefácio à
Segunda Edição da Crítica da Razão Pura
(1787) confirma que “a matemática, desde as
eras mais longínquas a que remonta a história
da razão humana, ingressou, entre o povo
64
admirável dos gregos, no caminho seguro de
uma ciência” (KANT, 1988, p.32).
65
Conclusão
Com isso, pretendemos também
considerar justificados os nossos esforços na
escolha do tema proposto por essa ínclita
universidade: A importância preponderante
dos problemas filosóficos frente a qualquer
outro elemento da filosofia como um todo. Por
outro lado, queremos esclarecer que isso não
significa dizer que a ciência matemática foi
relegada a uma metafísica menor; muito pelo
contrário: o que se deseja aqui com esse
singelo trabalho é alertar para as possíveis
falhas dos sistemas e para as suas possíveis
correções, para que a ordem do discurso
racional não se coloque sub-judice filosófico.
Nesse sentido, podemos dizer que esse
66
trabalho, não obstante aparentar um discurso
com laivos matemáticos coloca-se e insere-se
naquilo que compreendemos como o processo
do espanto filosófico e das suas
problematizações. É em certa medida, e em
última instância, tudo isso um distanciamento
e um olhar “oblíquo de Capitu” para as
questões matemáticas e de ordem racional que,
de uma maneira ou outra, interferem
decididamente nos discursos filosóficos e
quiçá estéticos e políticos. É sabido que
discursos de teor estético talvez não gozem de
tanta razão como a matemática tem gozado;
talvez porque o belo não necessite da razão
como a própria razão necessita dela da própria
razão. O belo, embora passível de
67
discordância, nos espanta pela sua própria
razão, porque pode ser apenas uma
concordância ou uma contradição entre a causa
eficiente e o sujeito cognoscente; já a razão
impõe-nos as suas próprias leis, se
objetivamos, com efeito, segui-la.
68
NOTAS
[1] Necessidade lógica: Conforme o Dicionário
Básico De Filosofia (JUPIASSÚ, p.198), “ é
necessária a proposição cuja contraditória
implica a contradição, seja em termos absolutos,
seja dependendo de certos pressupostos do
universo do discurso.
[2] Tomamos a figura da coruja como símbolo da
vigilância filosófica.
[3] Aqui consideramos o tipo de verdade
necessária, aquela que se daria “independente da
experiência “. O conceito de verdade é um
campo aberto às discussões filosóficas. Mas para
o que pretendemos no texto, esse conceito
parece-nos bem apropriado.
[4] Para as nossas considerações, aplicamos o
sentido de esotérico no sentido de tradição, o que
equivale a dizer que se aplica “aos iniciados”, ou
melhor, para aqueles que sabem do que se trata.
[5] Aqui não pretendemos dizer que pode ser
outro o resultado, mas mostrar a precariedade da
prova.
69
[6] Tratamos no texto rapidamente sobre Juízo a
priori. Entendamos aqui Juízo a priori como
aquele que não passa pela experiência.
O que focamos é que parece que para Kant é
dado que Juízo a priori possui as
características já inerentes de necessário e
universal e é esse o nosso propósito mostrar que
Kant talvez se engane.
[7] Justificativa do tipo racional é principalmente
a que segue as leis da razão citadas no próprio
texto.
[8] Conforme Murachco, a carência, necessidade.
A nosso ver, conforme ainda Murachco, seria
melhor áporos: difícil, sem saída. p.465
[9] Colocamos não experiência no sentido
daquilo que não passa pelos sentidos.
[10] Factual no sentido dos fatos; das coisas
vividas.
[11] Revista Cognitio, v.10 – n.2 –
julho/dezembro, 2009.
[12] Objetos Sensíveis são tudo aquilo que
sensibiliza os sentidos.
[13] Já explicitamos numa nota anterior.
[14] Essa afirmação será demonstrada à frente.
[15] É preciso saber que, para esse singelo
trabalho, não é a obra monumental de Kant que
nos interessa, mas sim as suas assertivas acerca
da matemática.
[16] Para uma maior compreensão desse tema,
sugestionamos o livro A Filosofia a partir de
seus problemas. (Vide Bibliografia).
70
[17] Embora tenhamos também uma crença de os
números serem infinitos, nada ainda pode provar
essa verdade, a nosso parecer. Aliás, o conceito
infinito cairia numa contradição se provado.
Pensamos que confundimos conceitualmente
infinito com extenso.
[18] Esse tema deverá ser aprofundado com
outros diálogos. Mas julgamos que o que aqui
está exposto, já nos dá uma base suficiente para
o que objetivamos propor.
[19] A Filosofia a partir de seus problemas
(PORTA, Mario Ariel Gonzáles Porta), São
Paulo. Loyola, 2002, p.25
[20] Texto de Antonio Trajano Menezes Arruda.
Unesp. Filosofia Geral e Problemas Metafísicos.
(d01). São Paulo, 2011.
[21] Arruda, op. cit., p.34
[22] Adotamos simplesmente um tipo de regra
para um jogo acordado entre os jogadores. A
ideia é trabalhar com um tipo de resposta padrão.
O desvio é considerado anômalo. Esse é um
assunto que gera um filosofar sem fim, que é a
nosso ver o que move o processo filosófico.
[23] Usamos a Condição da prova para nos dar
um pouco do exemplo de possível não solução; é
preciso compreender que o intuito não é
demonstrar a condição da prova, mas perceber
que aquilo que pode ser questionado pela razão,
comprova a razão. Para esse caso, julgamos ser
necessária uma análise mais pormenorizada em
outro trabalho.
[24] Ao fazermos a demonstração da condição da
prova, observamos que a aritmética responde de
modo contraditório ao que se tem respondido.
71
[25] Arruda, op. cit. pp.11/12
[26] Porta, op. cit. p.25
[27] Porta, op. cit. p.26
[28] Arruda, op. cit. p.5
[29] Arruda, op. cit. p.6
[30] Língua grega: visão semântica, lógica,
orgânica e funcional. 2.ed. São Paulo. Discurso
Editorial. Petrópolis: Editora Vozes, 2002.2v.
[31] Ao tentarmos elaborar essa sucinta
demonstração, pretendemos menos obscurecer
do que clarificar, pois julgamos que o Quadrado
dos Opostos pode nos auxiliar na nossa
argumentação.
[32] Figura retirada da internet para auxiliar-nos
na explicitação da contradição.
[33] É bem possível problematizar os juízos da
razão, mas não é esse por ora o nosso objetivo.
[34] Intencionamos somente apontar para um
desvio ou um problema que poderá ser
solucionado.
[35] São esses a nosso ver outros problemas que
pretendemos trabalhar em outro trabalho.
[36] Os excertos referentes acerca de Kant foram
extraídos do Livro Crítica da Razão Pura. Trad.
J. Rodrigues de Mereje. EMMANUEL (sic)
Kant. Crítica da Razão Pura. São Paulo. Ediouro.
Consultamos, todavia, outros tantos livros que
não foram aqui citados. Cotejamos os textos com
o livro com tradução de Valerio Rhoden e Udo
Baldur. São Paulo. Nova Cultural. Como nesse
trabalho não nos apoiamos no texto original ou
em outras línguas modernas, vale considerar as
nossas posições diante dos textos traduzidos. É
sabido que a tradução muitas vezes subverte o
72
texto original, mas não cremos que esse seja o
caso em tela. Preferimos o texto da Ediouro,
porque julgamos mais simples e esclarecedor,
sem a similaridade com a língua alemã sintética.
[37] Cognitio. op. cit.,
[38]Cognitio. op. cit. p.274
[39] Cognitio. op. cit. PP. 274/275
[40] Referimo-nos às certezas do senso comum
ou do princípio da autoridade ou não justificadas
pelos critérios da razão. O filósofo inglês Francis
Bacon faz uma abordagem pertinente a esse
assunto, quando trata daquilo que ele denomina
ídolos.
73
Bibliografia
ARRUDA, Antonio Trajano Menezes. In:
Filosofia Geral e Problemas Metafísicos. São
Paulo. Unesp/Redefor. 2011.
BOTUL, Jean-Baptiste. A vida sexual de
Immanuel Kant. Trad. Isabel Maria Lureiro.
São Paulo. Unesp. 2002.
BUCHHOLZ, Kai. Compreender Wittgenstein.
Trad. Vilmar Schneider. Editora Vozes.
Petrópolis, RJ: Vozes, 2008.
CHAUI, Marilena. Iniciação à filosofia:
ensino médio, volume único. São Paulo: Ática
-2010.
74
DESCARTES, René. Discurso do Método.
Trad. João Cruz Costa. São Paulo. Ediouro.
S/D.
FREGE, Gottlob. Os fundamentos da
aritmética. Trad. Luiz Henrique dos Santos. 4.
Ed. São Paulo: Nova Cultural. 1989. (Os
Pensadores).
GIANNETTI, Eduardo. O livro das citações:
um breviário de idéias replicantes. São Paulo:
Companhia das Letras. 2004.
JAPIASSÚ, Hilton. Dicionário básico de
filosofia / Hilton Japiassú e Danilo Marcondes.
4 ed. Atual. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. Ed,
2006.
75
KANT, Imannuel. Textos Seletos. In: Prefácio
à Segunda Edição da Crítica da Razão Pura
(1787). Vozes. Petrópolis, 1985. Trad.
Raimundo Vier. Edição Bilíngue.
______________Crítica da Razão Pura. Trad.
Valerio Rohden e Udo Baldur Mosburger. São
Paulo: Nova Cultural, 1991. (Os Pensadores).
_______________ Crítica da Razão Pura.
Trad. J. Rodrigues de Merege.
Ediouro.1988(?).
MURACHCO, Henrique Graciano. Língua
Grega: visão semântica, lógica, orgânica e
funcional. 2 ed. São Paulo. Discurso Editorial.
Petrópolis. Editora vozes, 2002, 2v.
76
PORTA, Mario Ariel Gonzáles. A filosofia a
partir de seus problemas. São Paulo. Loyola,
2002.
PRADO, Lúcio Lourenço. Revista Cognitio –
Volume 10 – Número 2 - Julho – Dezembro
2009. In: `Frege e o “ Elogio da Razão Pura”.
77
78
OUTROS ESCRITOS
WILSON LUQUES COSTA
ANO 2015
79
Leituras
Estive lendo uma entrevista de Gerd Bornheim. E eu fico pensando: como tivemos e temos intelectuais bem preparados no Brasil, mas que ficam confinados entre os seus. Bornheim estudou com Piaget, Merlau-Ponty, só não conheceu Heiddeger por injunção própria. Sabia grego, latim, alemão. E pelo que parece era bem bonachão. O mesmo pode-se dizer de Fausto Castilho que traduziu do alemão, que tento a duras penas entender, Ser e Tempo. E nada sobre as suas vidas. Ninguém quase os conhece. Quando digo quase ninguém, digo o povo. Atenas conhecia Sócrates. Mas estamos longe, bem longe, da pólis ateniense. Ao invés de Bornheim, Fausto Castilho, conhecemos mais outros faustos infaustamente.
80
Missiva
Estamos vivenciando um mundo de
polaridades.
De um lado, a erosão de paradigmas
consagrados por um tipo de ação moral
engendrada por uma razão natural ou por
legiferações que, não obstante a história
procurar perquirir, muitas vezes não
sabemos.
Não é mais incomum vermos nas ruas, nas
famílias, nas escolas, no trabalho, a
pluralidade de gêneros.
Já não é mais o maniqueísmo que impera, ou
aquela engessada e dicotômica estrutura
masculino x feminino.
Ao mesmo tempo, vemos surgir, do outro lado
do polo, um conservadorismo só comparado
aos tempos de terríveis pogroms ou
escravidão.
Como os polos caminham por sendas
distintas, torna-nos possível avistar duas
paisagens.
De um lado, a falência do fulcro falocentrista;
do outro, a sua ereção nos moldes arcaicos e
primitivos, tabulando toda uma moralidade
embasada num machismo sem qualquer
precedente na história.
81
Os polos ainda não se tocaram, mas eu quero
ver quem será o bombeiro que apagará o
incêndio, quando a faísca se der.
O duro vai ser contar o rescaldo e saber do
fogo enquanto estávamos distraídos.
O duro vai ser quando o bellum falo quiser a
toda força, mais uma vez, beijar-nos.
82
26/10/2011
Pensando sobre Kant
Tenho me ocupado, ultimamente, a ler textos
sobre a Crítica da razão pura de Kant. Dos
textos que tenho lido, sinto que explicam, mas
no fim, parece-me, falta alguma coisa. Penso
que muitos que tentam explicar Kant não o
compreendem muito bem, e isso os indulta e
me indulta também, porque quando saiu a
Crítica da razão pura, com Kant já com seus
57 anos, notou-se um certo não entender
pelos seus scholars contemporâneos daquele
catatau. Não é a minha pretensão explicar
aqui Kant, e muito menos a Crítica da razão
pura. O que quero fazer é procurar explicar
para mim mesmo o que a crítica quer dizer.
Eu tenho pensado comigo assim: 1 - Devo
primeiro compreender o que é experiência; 2 -
Depois preciso compreender o que é
- palavra derivada do grego -- ou mesmo
tentar definir para compreender
experiência; 3 - Preciso saber o que Kant
83
pretende objetivar com o seu livro e depois
divagar. Vamos primeiro tentar definir o que é
experiência: a) podemos dizer que
experiência é a relação de nossos sentidos
com os objetos sensíveis ( pronto: o que são
objetos sensíveis?); então vamos tentar
defini-los: a1) objetos sensíveis são tudo
aquilo que sensibilizam os sentidos –
exemplo: quando ouvimos uma música, o
som é o objeto sensível, porque sensibiliza
um dos nossos sentidos - mais
especificamente a audição; portanto ouvir
uma música denominamos de experiência -- e
a experiência é uma maneira de conhecer o
mundo, ou melhor, de captá-lo pelo nosso
ser; isso significa dizer que o mundo é o que
passa por nós, e que o mundo sem nós, Kant
denomina de [o não apreendido por
nós], que não sabemos o que é, -- Kant
também o denomina de a coisa em si; o que
não é a coisa em si é o fenômeno, portanto
fenômeno é o que captamos pelos sentidos.
Dito isto, precisamos compreender porque
toda essa divagação tola, assim poderiam
84
perguntar. E a resposta é que o mundo não
passa só pelos sentidos, embora tenha que
ter passado antes, porque precisamos
aprender uma linguagem, língua, códigos; e
tudo isso deve passar pelos sentidos;
portanto é preciso dizer que não dá para
pensar sem que tenhamos usado antes
qualquer sentido. Mas como havia falado
anteriormente, o mundo não é só fenômeno,
ou seja, um mundo sensível; é um mundo das
ideias ou que não passa pelos sentidos, vide
os conceitos: alma, Deus, felicidade, número
etc. Essas coisas abstratas, vamos chamá-las
assim, são aquilo que se denomina de coisas
metafísicas. E a pergunta é: é possível a
metafísica ser universal e necessária? Ou
seja, é possível provar essas coisas a priori?
(a priori é tudo que não passa pelos sentidos);
por exemplo: Deus. É possível provar Deus
como se prova um a priori como 2 x 5 = 10? E
por que essa pergunta? Porque sabemos que
é possível provar que 2 x 5 = 10. Não
pretendo provar aqui nesse espaço, mas há
um método insofismável para a sua prova;
85
todavia Deus, que também é um a priori, por
que não pode ser provado? E Kant vai dizer
que não é possível ter a metafísica uma
necessidade (não contradição) e
universalidade. Vejam, Kant não diz que Deus
não existe como podem pensar os ateus mais
afoitos; o que Kant diz é que a metafísica não
é possível como ciência. E que matemática e
física são, como já foi abordado. A pergunta
da metafísica como ciência surge,
provavelmente por ter as mesmas
características da matemática que é, vamos
dizer assim, teórica, no lugar de a priori. Mas
o que precisa ficar claro é que a matemática é
uma linguagem engendrada pelo homem; é o
homem que cria os seus critérios e Deus não
é um critério legiferado pelo homem; não
confundir regras com conceitos, o homem
nomeou algo de: Deus, mas não criou
critérios universais, uma porque o que se
entende é que Deus é um além da physis e
do homem, é o que está fora ( não vamos
entrar nos aspectos religiosos agora) -- o
problema é que há uma distinção entre
86
matemática e alguns conceitos que são
considerados a priori; ou seja, Deus é um a
priori, os números também, mas a identidade
cessa aí. O que seria tema para outras tantas
outras futuras divagações. Kant simplesmente
coloca o homem no lugar onde deve estar, no
tópos de humildade e fica em dívida sobre a
resposta sobre Deus.
87
Sobre o conhecimento
Outro fator que julgo de imprescindível
necessidade notar é que o conhecimento é
um in fieri, um gignestai constante. A
dependência dos sentidos faz com que o
conhecimento sofra alterações e
prolongamentos constantes. Tomemos um
recém-nascido (Lockeano ou
Piagetiano) onde a tabula rasa ainda se
manifesta: como poderemos determinar a
ação do objeto? Em que consiste uma
letra `A´ em sua primeira visão? Nesse
sentido, embora tenha para mim que à
psicologia cabe esse estudo, podemos dizer
que o `A´ proposto e reconhecido em sua
primeiridade por uma determinada
comunidade como a primeira letra do alfabeto
nem sempre teria para a tal criança essa
validade, se aquela não lhe for bem colocada.
De maneira que o que mais intriga é o