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O PROBLEMA DA EFICÁCIA DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS PROGRAMÁTICAS NO DIREITO BRASILEIRO Alan Ramos da Silva 1 Naiele Niza Flores 2 RESUMO: Neste breve trabalho serão analisadas as normas constitucionais de eficácia programática, com foco aplicado aos direitos sociais previstos no artigo sexto da Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, de forma a compreender porque a sua aplicabilidade prática é tão problemática. Assim, foram ressaltados alguns pontos importantes relacionados ao tema que facilitarão a compreensão do que foi proposto. PALAVRA CHAVE: Normas programáticas; direitos sociais, eficácia. 1. BREVE HISTÓRICO SOBRE DIREITO CONSTITUCIONAL O Direito Constitucional foi consagrado há mais de um século e está ligado a alguns princípios ideológicos na organização do Estado. Tais princípios foram inspirados na Revolução Francesa, com o objetivo de formar políticas do Estado Liberal, além de limitar a autoridade estatal. A separação dos poderes (legislativo, executivo e judiciário) e a declaração de direitos foram tecnicamente necessárias para a limitação estatal, distribuindo todas as funções para fazer funcionar todo o ordenamento jurídico. Gradativamente, o constitucionalismo incorporou, em seu direito, uma estrutura de organização e funcionalidade do Estado, além das necessidades sociais, configurando-se atualmente no Direito Público fundamental. Desde 1824 o Brasil possui uma constituição dentro do seu ordenamento jurídico, e o seu último texto constitucional foi editado no ano de 1988, sob a égide de um Estado democrático de direito em uma república federativa, que é fundamental para garantia de determinados direitos sociais, que será visto adiante. 1 Estudante do 4º período matutino do curso de Bacharelado em Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas Professor Alberto Deodato, em Belo Horizonte/MG, e técnico de segurança do trabalho e meio ambiente. Email: [email protected] 2 . Estudante do 3º período matutino do curso de Bacharelado em Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas Professor Alberto Deodato, em Belo Horizonte/MG. Email: [email protected]

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O PROBLEMA DA EFICÁCIA DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS

PROGRAMÁTICAS NO DIREITO BRASILEIRO

Alan Ramos da Silva 1

Naiele Niza Flores 2

RESUMO: Neste breve trabalho serão analisadas as normas constitucionais de

eficácia programática, com foco aplicado aos direitos sociais previstos no artigo sexto da

Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, de forma a compreender porque a

sua aplicabilidade prática é tão problemática. Assim, foram ressaltados alguns pontos

importantes relacionados ao tema que facilitarão a compreensão do que foi proposto.

PALAVRA CHAVE: Normas programáticas; direitos sociais, eficácia.

1. BREVE HISTÓRICO SOBRE DIREITO CONSTITUCIONAL

O Direito Constitucional foi consagrado há mais de um século e está

ligado a alguns princípios ideológicos na organização do Estado. Tais princípios

foram inspirados na Revolução Francesa, com o objetivo de formar políticas do

Estado Liberal, além de limitar a autoridade estatal.

A separação dos poderes (legislativo, executivo e judiciário) e a

declaração de direitos foram tecnicamente necessárias para a limitação estatal,

distribuindo todas as funções para fazer funcionar todo o ordenamento jurídico.

Gradativamente, o constitucionalismo incorporou, em seu direito, uma

estrutura de organização e funcionalidade do Estado, além das necessidades

sociais, configurando-se atualmente no Direito Público fundamental.

Desde 1824 o Brasil possui uma constituição dentro do seu ordenamento

jurídico, e o seu último texto constitucional foi editado no ano de 1988, sob a égide

de um Estado democrático de direito em uma república federativa, que é

fundamental para garantia de determinados direitos sociais, que será visto adiante. 1 Estudante do 4º período matutino do curso de Bacharelado em Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas Professor Alberto Deodato, em Belo Horizonte/MG, e técnico de segurança do trabalho e meio ambiente. Email: [email protected] 2. Estudante do 3º período matutino do curso de Bacharelado em Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas Professor Alberto Deodato, em Belo Horizonte/MG. Email: [email protected]

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2. AS NORMAS CONSTITUCIONAIS DE EFICÁCIA PROGRAMÁTICA E SUA

IMPORTÂNCIA

Antes de se definir o que são Normas de eficácia programática, é preciso

compreender basicamente o que seriam normas jurídicas. E para expor o assunto,

segundo lições de Paulo Nader, as normas jurídicas devem ser entendidas como:

“O Direito Positivo, em todos os sistemas jurídicos, compõe-se de normas jurídicas, que são padrões de conduta social impostos pelo Estado, para que seja possível a convivência dos homens em sociedade. São fórmulas de agir, determinações que fixam as pautas do comportamento interindividual.” 3

Portanto, as normas jurídicas descrevem padrões de conduta de acordo

com o estabelecido por seu Estado. É amplo a classificação das normas jurídicas no

campo doutrinário, e este trabalho será voltado para as normas jurídicas

Constitucionais quanto ao seu tipo de eficácia. Em se tratando da aplicação de

direitos sociais, as normas constitucionais de eficácia programática serão o alvo

deste estudo.

Após o advento da Constituição Federal Brasileira de 1988, os direitos

sociais estabelecidos na carta magna passaram a ter um enfoque prioritário diante

do Estado democrático de direito, vivenciado até então pelo país. O texto

constitucional rígido contemplou expressamente uma gama de direitos básicos e

indispensáveis à vida em sociedade através do que a doutrina denomina de normas

constitucionais de eficácia programática. O ilustre Paulo Bonavides conceitua muito

bem as normas de eficácia programáticas como:

“aquelas normas jurídicas com que o legislador, ao invés de regular imediatamente certo objeto, preestabelece a si mesmo um programa de ação, com respeito ao próprio objetivo, obrigando-se a dele não se afastar sem um justificado motivo”.4

Dessa forma, tais normas necessitam de intervenções positiva do Estado,

para que tais direitos sejam garantidos a sociedade de forma plena. Para que isto

ocorra, deve haver uma integração tanto legislativa, no que tange a previsão

3 NADER, Paulo. Introdução ao Estudo do Direito. Norma Jurídica, p.99. 4 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito Constitucional, pag.248.

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normativa de direitos, quanto administrativa, que, neste caso, tem o papel de

executar os programas como garantia dos direitos sociais.

3. OS DIREITOS SOCIAIS OU DIREITOS PRESTACIONAIS

ESTABELECIDOS NA CRFB/1988

A Constituição da República Federativa do Brasil, diretamente em seu

artigo sexto5, expressa de forma taxativa e abstrata um conjunto de direitos sociais,

em que os entes federativos devem garantir a sociedade, sendo eles a educação,

saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à

maternidade e à infância, dentre outros, também conhecidos como direitos

prestacionais6, segundo Robert Alexy, pois estão relacionados a prestações

materiais de responsabilidade estatal para com a seu povo.

Para melhor compreensão desses direitos, é necessário visualizar a

trajetória percorrida pelos direitos fundamentais em diferentes dimensões7, de

5 CRFB/1988, Capítulo II – Dos Direitos Sociais. “Art. 6º - São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 64, de 2010)” 6 ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales. Centro de Estudios Constitucionales. Madrid,1997. “O direitos prestacionais compreendem todo direito relacionado a prestações materiais devidas pelo Estado na qualidade de garantidor de uma vida digna”. 7 Os direitos fundamentais de primeira dimensão possuem, fundamentalmente, natureza liberal-burguesa. Isso porque se destinam a limitar o poder do Estado em face do cidadão, corroborando os direitos individuais e fixando a autonomia do indivíduo frente ao poder estatal. Trata-se dos primeiros direitos reconhecidos pelas Constituições, voltados contra a opressão do monarca absolutista. Tais direitos, por traduzirem fundamentalmente uma abstenção do Estado em relação à esfera jurídica do indivíduo, são chamados também de direitos negativos ou de defesa. Embora se caracterizem essencialmente pelos direitos relacionados à liberdade, não se resumem a eles. São direitos fundamentais de primeira dimensão: os direitos à vida, à liberdade, à propriedade, à igualdade, à participação política, entre outros direitos que passaram a serem referidos genericamente como direitos civis e direitos políticos.

Os direitos de segunda dimensão, alvo deste estudo, são os direitos econômicos, sociais e culturais, bem como os direitos coletivos ou de coletividades. Foram consagrados a partir da influência da doutrina socialista e da teoria social da Igreja, como consequência da grave crise social advinda do período de industrialização, no século XIX. Partem das noções de igualdade e liberdade formais, trazidas pela primeira dimensão de direitos fundamentais, e traduzem primordialmente os direitos que, para serem concretizados, impõem ao Estado o dever de atuar positivamente, de modo a intervir na ordem econômica e social. Por isso são também denominados de direitos prestacionais, os quais são classificados pela doutrina em (i) direitos à proteção, (ii) direitos à organização e procedimento e (iii) direitos prestacionais em sentido estrito ou, simplesmente, direitos fundamentais sociais.

Na terceira dimensão dos direitos fundamentais encontram-se os ditos direitos de solidariedade e fraternidade, cuja consagração decorre dos impactos ocasionados pela evolução tecnológica e científica. A principal diferença entre eles e os anteriormente citados, encontra-se na questão da titularidade. Isso porque, ao contrário das dimensões anteriores, aqui a titularidade pertence a todo o gênero humano, como os direitos difusos e os direitos coletivos. São dessa

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acordo com Paulo Bonavides8, para que estes fossem contemplados, até

alcançarem o texto constitucional.

É importante salientar que os direitos sociais ampliam a liberdade do

indivíduo no seu livre-arbítrio existencial. Por este motivo, não há o que dizer que o

tema trata-se de direitos negativos, como existiu na primeira dimensão dos direitos

fundamentais, pois exigem ações positivas por parte do Estado e da sociedade.

O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, mesmo não

sendo taxativamente incorporado no artigo sexto da Constituição Federal, deve ser

considerado como direito social, pois é essencial a vida humana e assim como os

demais direitos, necessita de intervenções estatais para se manter disponível e

sustentável para as futuras gerações. O texto constitucional garantiu em seu artigo

Duzentos e vinte e cinco9 o direito ao meio ambiente, e em seu parágrafo primeiro

estabeleceu, ao poder público, ações comissivas para a preservação de todo o

ecossistema em âmbito nacional, editando uma recente legislação infraconstitucional

para regulamentar a matéria ambiental.

dimensão os direitos relativos ao desenvolvimento, autodeterminação dos povos, à paz, ao meio ambiente e à qualidade de vida, à conservação e utilização do patrimônio comum da humanidade – histórico e cultural, e à comunicação.

Alguns autores mencionam a existência de direitos fundamentais de quarta dimensão. Varia, entretanto, o conteúdo de tais direitos. Para Paulo BONAVIDES a quarta dimensão de direitos fundamentais decorre do fenômeno da globalização dos direitos fundamentais e compreendem direitos como o direito à informação, à democracia e ao pluralismo. Fonte: BONAVIDES, Paulo. Curso de direito Constitucional. 8 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito Constitucional. 9 CRFB/1988, Título VIII – Da ordem social. Capítulo VII – Do meio ambiente. “Art. 225 - Todos têm

direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. § 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas; II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético; III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção; IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade; V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente; VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente; VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua unção ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.(...)

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É importante mencionar que os direitos sociais possuem alguns pontos

negativos que dificultam o sua plenitude existencial, sendo eles: não são claros,

definidos e determinados para fundamentar a pretensão da prestação a ser

ministrada pelo Estado; A escassez de meios financeiros; e a falta de mecanismos

processuais de proteção imediata.

A seguir, estão elencados os conceitos de cada direito social definido por

este trabalho.

3.1 Direito à educação

O direito à educação é um direito de todos, tendo o Estado e a própria

família o dever de garanti-lo, e, com o apoio da sociedade. A educação deverá ser

promovida e incentivada a fim de garantir o pleno desenvolvimento da pessoa,

preparando-a para exercer a cidadania e se qualificar para o trabalho.

3.2 Direito à saúde

Assim como o direito à educação, o direito à saúde é um direito de todos

e dever do Estado, que por meio de políticas sociais e econômicas tem a função de

garantir proteção e recuperação, visando à redução do risco de doenças e ao

acesso igualitário e universal aos serviços de saúde disponibilizados. Os serviços de

saúde têm relevância pública e cabe ao poder público regulamentar, fiscalizar e

controlar, onde sua execução ocorre de forma direta ou através de terceiros.

3.3 Direito a alimentação

Apesar do atraso para a previsão constitucional em relação ao direito à

alimentação adequada, o poder público deve adotar as políticas e ações públicas

necessárias para garantir a segurança alimentar e nutricional da população, tendo

em vista que tal direito é fundamental do ser humano e inerente à dignidade da

pessoa humana.

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3.4 Direito ao trabalho

O Direito ao trabalho tem em vista assegurar uma existência digna a

todos os cidadãos. Somente na atual Carta Magna que este direito foi reconhecido

como um dos direitos sociais, visto que nas anteriores situava-se no âmbito da

ordem econômica e social. É garantido pela Constituição Federal em seu artigo

sexto, contudo não existe um instrumento formal que garanta trabalho a todos os

brasileiros, apenas leis que amparam os trabalhadores, garantindo uma

humanização do trabalho e evitando que ele seja insalubre ou prejudicial à saúde. A

forma que o Governo encontrou de amparar os trabalhadores foi cadastrando,

qualificando profissionalmente e encaminhando-os para o mercado de trabalho, e,

no caso dos desempregados, dando assistência por meio do seguro desemprego.

3.5 Direito à moradia

Tendo em vista a dignidade da pessoa humana, assim como o direito à

intimidade e à privacidade, é fácil perceber que o direito à moradia compreende um

direito a uma habitação digna e adequada, sendo dever dos entes federativos

combater as causas de pobreza e marginalização.

Amparada no artigo sexto, da Constituição Federal, a Lei 8.009/90, que

dispõe sobre impenhorabilidade do bem de família, é uma forma de assegurar a

moradia, tendo a ressalva no caso do fiador que, ao se colocar em tal situação, pode

ter seu único imóvel penhorado, quando o locatário de torna inadimplente. Isso

porque como ninguém é obrigado a se colocar na situação de fiador, assumindo tal

encargo terá que arcar com as responsabilidades.

Outra ressalva a ser feita é em relação à decisão em tribunal

extraordinário quanto às taxas e cobranças de impostos de predial ou territorial,

considerando-as constitucionais, desde que não violem o direito à moradia e

propriedade.

É difícil definir o significado da palavra Lazer, pois além de existirem

vários conceitos, o lazer é visto como um fenômeno problemático e ambíguo. Pode-

se dizer, então, que lazer é quando o indivíduo tem a liberdade de se ocupar com o

que lhe é de interesse, seja repousar, se divertir, recrear ou até mesmo participar de

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ações sociais de forma voluntária, diferenciando-se das obrigações profissionais e

familiares.

Por fim, o direito ao lazer é de suma importância para a manutenção da

integridade, tanto física como mental do trabalhador e da saúde, em que, se destina

a refazer as forças depois de uma jornada diária e semanal de trabalho. Cabe

salientar ainda que é dever do Poder Público incentivar o lazer como forma de

promoção social.

3.6 Direito ao lazer

É difícil definir o significado da palavra Lazer, pois além de existirem

vários conceitos, o lazer é visto como um fenômeno problemático e ambíguo. Pode-

se dizer, então, que lazer é quando o indivíduo tem a liberdade de se ocupar com o

que lhe é de interesse, seja repousar, se divertir, recrear ou até mesmo participar de

ações sociais de forma voluntária, diferenciando-se das obrigações profissionais e

familiares.

Por fim, o direito ao lazer é de suma importância para a manutenção da

integridade, tanto física como mental do trabalhador e da saúde, em que, se destina

a refazer as forças depois de uma jornada diária e semanal de trabalho. Cabe

salientar ainda que é dever do Poder Público incentivar o lazer como forma de

promoção social.

3.7 Direito à segurança

O significado de segurança expresso no caput do artigo quinto, da CF/88,

tem sentido diverso do exposto no artigo sexto, pois enquanto neste segurança está

relacionada à segurança pública, em que é dever do Estado, direito e

responsabilidade de todos à preservação da ordem pública e a segurança das

pessoas e do patrimônio, já naquele, tem ligação com a ideia de garantia individual.

3.8 Direito à previdência social

A previdência social pode ser entendida como um conjunto de direitos

relativos à seguridade social, sendo dever do poder público organizá-la. A

Constituição Federal de 1988 instituiu a Seguridade Social, integrada pelos setores

da Saúde, da Previdência e Assistência Social e Seguro – Desemprego, conforme

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seu artigo Cento e noventa e quatro. Tal Constituição ainda estabeleceu prazos para

o Poder Público organizar a seguridade social, porém, não foram cumpridos, pois o

executivo não observou os prazos nem formulou o projeto de Lei de Organização da

Seguridade Social como previstos pela Constituição, sendo somente em 1991, com

três anos de atraso, elaborada tal Lei.

3.9 Direito à maternidade e infância

Segundo a Carta Magna, é indiscutível a proteção à maternidade como

direito social, tendo como natureza o direito previdenciário e o direito assistencial. É

garantido a gestante a licença à maternidade de 120 dias (é assegurada tal licença

também nos casos de adoção). Recentemente, por meio do Programa Empresa

Cidadã, a licença maternidade pode ser prorrogada por mais 60 dias, totalizando

180 dias, dependendo da vontade do empregador. Cabe ressaltar que a

administração pública está autorizada a instituir tal prorrogação para as servidoras

públicas.

É importante observar que a proteção à infância tem natureza assistencial

e é expressa na CF/88, em seu artigo Duzentos e vinte e sete, sendo que a previsão

de proteção à criança e ao adolescente que diz que é dever da família, da sociedade

e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito

à vida, á saúde, á alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura,

à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de

colocá-los a salvo de toda forma de negligência, violência, crueldade e opressão.

3.11 Assistência aos desamparados

Basicamente, tal direito afirma que qualquer pessoa que necessite da

assistência social terá acesso, independente de contribuição à seguridade social.

3.12 Direito Ao Meio Ambiente

Apesar de não estar expresso no artigo sexto, da CRFB/88, o direito ao

meio ambiente pode ser considerado um direito social, pois é dever tanto do Estado

como da coletividade defendê-lo e preservá-lo as presentes e futuras gerações.

Além disso, é direito de todos ter um meio ambiente ecologicamente equilibrado, de

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uso comum e essencial a uma vida saudável, podendo dizer que não é nem de

direito público nem privado.

Com isso, a Constituição estabelece uma justiça distributiva entre as

gerações, tendo em vista que a atual geração tem o dever de preservar o meio

ambiente para que as futuras possam dele usufruir com qualidade de vida.

4 A EFICÁCIA DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS RELATIVAS AOS DIREITOS

SOCIAIS E SUA APLICABILIDADE PROBLEMÁTICA

E para fazer valer a aplicação dos direitos sociais é necessário dentre

vários requisitos, o da eficácia10, “que significa afirmar que a respectiva norma

jurídica realmente produziu os efeitos sociais planejados”.

A norma só atinge sua plenitude quanto à eficácia a partir do momento

em que realmente se vincula ao caso concreto. Anterior à realidade é mera

potencialidade de eficácia, como menciona o grandioso Paulo Bonavides11:

“Considerada em nível abstrato, a normatividade do texto é, num primeiro momento, a potencialidade da eficácia; não é ainda a eficácia propriamente dita. Esta só ocorre, e deixa de ser uma possibilidade, quando o texto normativo se vincula ao caso constitucional, isto é, ao problema que se coloca perante a Constituição em busca de solução;”

A dignidade da pessoa humana, como princípio amplo e universal, é o

principal pressuposto para tornar eficaz a defesa dos direitos sociais.

As importantes características dos direitos fundamentais em sentido

amplo fazem com que sua eficácia seja de extrema necessidade. Por serem

inalienáveis, imprescritíveis e irrenunciáveis, os direitos fundamentais devem ser

garantido a cada pessoa, independente de qualquer distinção.

Em parâmetros gerais, diz-se que as normas definidoras de direitos

fundamentais tem sua aplicação imediata, mas os direitos sociais, devido ao seu

complexo desenvolvimento, tendem a ser de eficácia limitada, de princípios

programáticos e de aplicabilidade indireta, por isso que são definidos em normas

constitucionais de eficácia programática, conforme o título II deste trabalho. Dessa

10 NADER, Paulo. Introdução ao Estudo do Direito: Eficácia da Norma, p.116. 11 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito Constitucional, p.636.

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forma, exercem relevante função, porque quanto mais se aperfeiçoam e adquirem

eficácia, mais se fortalecem como garantias da democracia e de efetivo exercício

dos demais direitos fundamentais. Ainda sobre eficácia, Michel Temer faz uma

interessante distinção entre eficácia social e eficácia jurídica, a saber:

“Eficácia social se verifica na hipótese de a norma vigente, isto é, com potencialidade para regular determinadas relações, ser efetivamente aplicada a casos concretos. Eficácia jurídica, por sua vez, significa que a norma está apta a produzir efeitos na ocorrência de relações concretas; mas já produz efeitos jurídicos na medida em que sua simples edição resulta na revogação de todas as normas anteriores que com ela conflitam.”12

Os direitos sociais são fundamentais para garantir a plenitude da

dignidade da pessoa, que é um dos princípios sensíveis da CRFB/88, sendo dever

de cada ente federado (União, Estados, Municípios e Distrito Federal) a

responsabilidade concorrente em garantir este princípio, ou seja, cada um deles tem

a sua competência para implementar, materialmente, esses direitos. É o que está

expresso no artigo Vinte e três da CRFB/8813, no que tange aos entes cuidar da

educação, saúde, lazer, meio ambiente, moradia, e outros de forma direta e indireta,

como é o caso do combate às causas da pobreza. Neste mesmo pensamento, as

Leis são elaboradas para definir condutas e garantir direitos, e foi o que o legislador

constituinte concluiu ao editar o artigo Vinte e quatro da Constituição14,

12 TEMER, Michel. Elementos de direito constitucional, p. 23. 13 CRFB/1988, Título III – Da organização do Estado. Capítulo II – Da União. “Art. 23: É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: I - zelar pela guarda da Constituição, das leis e das instituições democráticas e conservar o patrimônio público; II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência; III - proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos; IV - impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de obras de arte e de outros bens de valor histórico, artístico ou cultural; V - proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência; VI - proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas; VII - preservar as florestas, a fauna e a flora; (...) IX - promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico; X - combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização, promovendo a integração social dos setores desfavorecidos; (...) 14 CRFB/1988, Título III – Da organização do Estado. Capítulo II – Da União. “Art. 24: Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: (...) VI - florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição; VII - proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico;

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estabelecendo a cooperação entre os entes federados na elaboração de Leis com o

intuito de compartilharem a tarefa de garantir esses direitos ao povo. Tal cooperação

entre os entes federados é tão importante que, inclusive, se por parte de algum

destes, houver comprovadamente o descumprimento dos princípios sensíveis da

dignidade da pessoa humana ou do corte no repasse de verbas para a educação e

saúde, que são resultados da existência dos direitos sociais, poderá a União intervir

nos Estados membros ou estes intervirem em seus municípios para reestabelecer a

execução destes princípios fundamentais, se sua eficácia inexistir. É o que está

expresso no artigo trinca e quatro do texto Constitucional15.

E atualmente, a eficácia normativa se tornou um problema a partir do

momento em que o Estado firmou o compromisso de garantir a sociedade

determinados direitos, e até então, não os cumpre efetivamente por alegar escassez

de recursos frente a grande demanda de tarefas a realizar, na tentativa de relativizar

tais direitos.

5 TEORIA DA RESERVA DO POSSÍVEL COMO MECANISMO DE

RELATIVIZAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS.

Para compreender porque o Poder executivo não consegue implementar,

de forma concreta e eficiente, o conteúdo programático dos direitos sociais a

realidade, é imprescindível conhecer um mecanismo que tem a finalidade de

relativizar o que deva ser garantido ao social. Tal mecanismo, chamado de teoria da

reserva do possível, segundo Fernando Borges MÂNICA, pode ser entendida como:

VIII - responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico; IX - educação, cultura, ensino e desporto; X - criação, funcionamento e processo do juizado de pequenas causas; XI - procedimentos em matéria processual; XII - previdência social, proteção e defesa da saúde; XIII - assistência jurídica e Defensoria pública; XIV - proteção e integração social das pessoas portadoras de deficiência; XV - proteção à infância e à juventude; (...) 15 CRFB/1988, Título III – Da organização do Estado. Capítulo VI – Da intervenção. “Art. 34: A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para: (...) VII - assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais: (...) b) direitos da pessoa humana; e) aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde. (...)

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“insuficiência de recursos, também denominada reserva do financeiramente possível, portanto, tem aptidão de afastar a intervenção do Poder Judiciário na efetivação de direitos fundamentais apenas na hipótese de comprovação de ausência de recursos orçamentários suficientes para tanto. Tal viés da teoria da reserva do possível é importante e deve ser entendido com o objetivo de vincular o direito à economia, no sentido de que as necessidades – mesmo aquelas relacionadas aos direitos sociais – são ilimitadas e os recursos são escassos”.16

É óbvio que fatores econômicos são decisivos para concretizar os direitos

sociais. Portanto, quanto mais é desfalcada a ordem econômica de um país ou

Estado, maior será a debilidade desses direitos.

Para fazer eficazes os direitos sociais, o Estado precisa aplicar duas

formas de garantia: a garantia jurídica, de natureza normativa, e a garantia

econômica, de natureza material. Na maioria das vezes, o mesmo Estado alega

insuficiência material para realizar o que estabelece o ordenamento jurídico.

Dia da escassez de recursos e as diversas necessidades sociais, cabe ao

Estado definir escolhas, estabelecendo critérios e prioridades. Estas escolhas

devem ser implementadas através de políticas públicas, que dependem de previsão

orçamentária. No entendimento de Maria Paula Dallari BUCCI, políticas públicas

são:

“programas de ação governamental visando a coordenar os meios à disposição do estado e as atividades privadas, para a realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados”.17 Acrescente-se que a política pública não se confunde com o plano ou o programa, apesar de, normalmente, exteriorizar-se por meio deste. Nas palavras da autora: “A política pública é mais ampla que o plano e define-se como o processo de escolha dos meios para a realização dos objetivos do governo, com a participação dos agentes públicos e privados”.18

A implementação de políticas públicas devem ser pautadas pela

Constituição Federal. Em um Estado democrático de Direito, o orçamento define as

politicas públicas e dele depende a concretização dos direitos fundamentais. A

seguinte decisão do Superior Tribunal de Justiça exprime este entendimento:

“(...) Releva notar que uma Constituição Federal é fruto da vontade política nacional, erigida mediante consulta das expectativas e das possibilidades do que se vai consagrar, por isso que cogentes e eficazes suas promessas,

16 MÂNICA, Fernando Borges. Racionalidade Jurídica e Racionalidade Econômica na Constituição de 1988. 17 BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito Administrativo e Políticas Públicas, p. 241. 18 BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito Administrativo e Políticas Públicas, p. 259.

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sob pena de restarem vãs e frias enquanto letras mortas no papel. Ressoa inconcebível que direitos consagrados em normas menores como Circulares, Portarias, Medidas Provisórias, Leis Ordinárias tenham eficácia imediata e os direitos consagrados constitucionalmente, inspirados nos mais altos valores éticos e morais da nação sejam relegados a segundo plano. Prometendo o Estado o direito à saúde, cumpre adimpli-lo, porquanto a vontade política e constitucional, para utilizarmos a expressão de Konrad Hesse, foi no sentido da erradicação da miséria que assola o país. O direito à saúde da criança e do adolescente é consagrado em regra com normatividade mais do que suficiente, porquanto se define pelo dever, indicando o sujeito passivo, in casu, o Estado. (...) A determinação judicial desse dever pelo Estado, não encerra suposta ingerência do judiciário na esfera da administração. Deveras, não há discricionariedade do administrador frente aos direitos consagrados, quiçá constitucionalmente. Nesse campo a atividade é vinculada sem admissão de qualquer exegese que vise afastar a garantia pétrea. (...) Afastada a tese descabida da discricionariedade, a única dúvida que se poderia suscitar resvalaria na natureza da norma ora sob enfoque, se programática ou definidora de direitos. Muito embora a matéria seja, somente nesse particular, constitucional, porém sem importância revela-se essa categorização, tendo em vista a explicitude do ECA, inequívoca se revela a normatividade suficiente à promessa constitucional, a ensejar a acionabilidade do direito consagrado no preceito educacional. As meras diretrizes traçadas pelas políticas públicas não são ainda direitos senão promessas de lege ferenda, encartando-se na esfera insindicável pelo Poder Judiciário, qual a da oportunidade de sua implementação. Diversa é a hipótese segundo a qual a Constituição Federal consagra um direito e a norma infraconstitucional o explicita, impondo-se ao judiciário torná-lo realidade, ainda que para isso, resulte obrigação de fazer, com repercussão na esfera orçamentária. (...)”.19

A teoria da reserva do possível deve ser entendida como um mecanismo

de razoabilidade na reinvindicação de efetivação dos direitos sociais. Desse modo,

as pretensões concretas levadas ao poder judiciário deverão ser verificadas

mediante o critério de proporcionalidade na ponderação de bens. Nesse raciocínio

se manifestou Marçal JUSTEN FILHO:

“(...) a proporcionalidade se relaciona com a ponderação de valores. Não há homogeneidade absoluta nos valores buscados por um dado Ordenamento Jurídico, pois é inevitável atrito entre eles. Pretender a realização integral e absoluta de um certo valor significaria inviabilizar a realização de outros. Não se trata de admitir a realização de valores negativos, mas de reconhecer que os valores positivos contradizem-se entre si. Assim, por exemplo, a tensão entre Justiça e Segurança é permanente em todo sistema normativo. A proporcionalidade relaciona-se com o dever de realizar, do modo mais intenso possível, todos os valores consagrados pelo

19 STJ, REsp 577836 / SC, Primeira Turma, Rel. Min. LUIZ FUX, DJ 28.02.2005, g. n.

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Ordenamento Jurídico, O princípio da proporcionalidade impõe, por isso, o dever de ponderar os valores”.20

Com isso, a ponderação de valores deve levar em conta que as

necessidades são ilimitadas e os recursos são limitados, além da preocupação

acerca do impacto econômico e social das decisões. A propósito da

proporcionalidade, o Ministro Gilmar MENDES assim descreveu em seu voto na

decisão que julgou improcedente o pedido de intervenção federal no Estado de São

Paulo, em face do não pagamento de precatórios judiciais:

“(...) Em síntese, a aplicação do princípio da proporcionalidade se dá quando verificada restrição a determinado direito fundamental ou um conflito entre distintos princípios constitucionais de modo a exigir que se estabeleça o peso relativo de cada um dos direitos por meio da aplicação das máximas que integram o princípio da proporcionalidade. São três as máximas parciais do princípio da proporcionalidade: a adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito. Tal como já sustentei (...) há de perquirir-se, na aplicação do princípio da proporcionalidade, se em face do conflito entre dois bens constitucionais contrapostos, o ato impugnado afigura-se adequado (isto é, apto para produzir o resultado desejado), necessário (isto é, insubstituível por outro meio menos gravoso e igualmente eficaz) e proporcional em sentido estrito (ou seja, se estabelece uma relação ponderada entre o grau de restrição de um princípio e o grau de realização do princípio contraposto)” 21

O custo envolvido para a concretização dos direitos sociais não pode

servir de barreira insuperável para sua efetivação, mas deve ser levado em conta no

processo de ponderação de bens. Neste sentido, posições extremadas acerca da

possibilidade de intervenção do judiciário podem ser descabidas em face do

princípio da Separação dos poderes22 e da legalidade orçamentária, e ao contrário,

em outros casos, torna-se preponderante inclusive no sequestro de recursos

públicos. Assim deve ser compreendida a teoria da reserva do financeiramente

possível. Neste contexto de ponderações, o Superior Tribunal de Justiça analisou a

seguinte situação, visando à proporcionalidade:

20 JUSTEN FILHO, Marçal. Empresa, Ordem Econômica e Constituição. Revista de Direito Administrativo, n.212, abr./jun. 1998, p. 118. 21 STF, IF 139-1/SP ; Órgão Pleno, Rel. Min. Gilmar Mendes, julg. 19.03.03. 22 PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES: “Estabelece que são órgãos independentes entre si, cada qual atuando dentro de sua parcela de competência constitucionalmente estabelecida e assegurada quando da manifestação do poder constituinte originário e, assim, sendo mais adequado falar em órgãos que exercem funções, típicas (inerentes a essência) e atípicas (do órgão, mas sem ser a sua essência). Dessa Forma, diante do princípio da indelegabilidade de atribuições, nenhum poder poderá transferir função que lhe é típica ou expressamente prevista como atípica a outra.” – Pedro Lenza, Direito Constitucional Esquematizado, p. 1152.

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“(...) Requer o Ministério Público do Estado do Paraná, autor da ação civil pública, seja determinado ao Município de Cambará/PR que destine um imóvel para a instalação de um abrigo para menores carentes, com recursos materiais e humanos essenciais, e elabore programas de proteção às crianças e aos adolescentes em regime de abrigo. (...) Ainda que assim não fosse, entendeu a Corte de origem que o Município recorrido "demonstrou não ter, no momento, condições para efetivar a obra pretendida, sem prejudicar as demais atividades do Município". No mesmo sentido, o r. Juízo de primeiro grau asseverou que "a Prefeitura já destina parte considerável de sua verba orçamentária aos menores carentes, não tendo condições de ampliar essa ajuda, que, diga-se de passagem, é sua atribuição e está sendo cumprida". (...)”.23

Não obstante, muitas vezes percebe-se que a justificação estatal sob a

alegação da teoria da reserva do possível, para sua omissão, está fundada em

razões de impossibilidade financeira, que se investigadas afinco, advém de um

desorganizado planejamento de recursos públicos, da má aplicação destes recursos

ou de corrupção. É o que entende Régis Fernandes de OLIVEIRA:

“Evidente que não se inclui na órbita da competência do Poder Judiciário a estipulação nem a fixação de políticas públicas. No entanto, não se pode omitir quando o governo deixa de cumprir a determinação constitucional na forma fixada. A omissão do governo atenta contra os direitos fundamentais e, em tal caso, cabe à interferência do Judiciário, não para ditar política pública, mas para preservar e garantir os direitos constitucionais lesados”. 24

Nesta mesma linha de pensamento está o Supremo Tribunal Federal por

entender que a mera alegação de falta de recursos não é justificativa para se eximir

do dever legal de efetivar os direitos fundamentais sociais, como se observa na

decisão proferida na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental citada

abaixo:

“(...) É que a realização dos direitos econômicos, sociais e culturais – além de caracterizar-se pela gradualidade de seu processo de concretização – depende, em grande medida, de um inescapável vínculo financeiro subordinado às possibilidades orçamentárias do Estado, de tal modo que, comprovada, objetivamente, a incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal, desta não se poderá razoavelmente exigir, considerada a limitação material referida, a imediata efetivação do comando fundado no texto da Carta Política. Não se mostrará lícito, no entanto, ao Poder Público, em tal hipótese – mediante indevida manipulação de sua atividade financeira e/ou político-administrativa – criar obstáculo artificial que revele o ilegítimo, arbitrário e censurável propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar o estabelecimento e a preservação, em favor da pessoa e dos

23 STJ, REsp 208893 / PR ; T 2 - Segunda Turma, Rel. Min. Franciulli Netto, DJ 22.03.2004, g. n. 24 OLIVEIRA, Régis Fernandes de. Curso de Direito Financeiro, p. 405.

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cidadãos, de condições materiais mínimas de existência. Cumpre advertir, desse modo, que a cláusula da “reserva do possível” – ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível – não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade. (...)”.25

Portanto, é perceptível que a problemática da aplicação concreta dos

direitos sociais está na constante justificação do poder público em se negar a

cumprir os dispositivos constitucionais garantidores da ordem social. E como os

direitos fundamentais possuem uma proteção normativa como garantia da dignidade

da pessoa humana, a teoria da reserva do possível não pode ser utilizada

meramente como escudo para omitir a falta de compromisso do executor das

políticas públicas, cabendo a este o dever de priorizar a efetiva adoção de medidas

para assegurar o bem estar social.

6 HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL COMO GARANTIA DE EFICÁCIA

A hermenêutica é um instituto jurídico responsável pelas várias

interpretações existentes nas normas jurídicas. No que tange ao campo

constitucional, a hermenêutica é responsável para garantir as interpretações mais

adequadas ao texto constitucional. Será ela a responsável por guiar a reflexão do

jurista frente ao caso concreto.

A hermenêutica jurídica possui diversos métodos interpretativos26 para

garantir a proporcionalidade, a ponderação de interesses, a necessidade e

25 STF, ADPF n. 45, Rel. Min. Celso de Mello, julg. 29.04.04, g. n. 26 MÉTODOS DE INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL - Método jurídico ou hermenêutico clássico: Todos os métodos tradicionais de hermenêutica deverão ser utilizados na tarefa interpretativa valendo-se dos elementos genérico, gramatical, lógico, sistemático, histórico, teleológico, popular, doutrinário e evolutivo. - Método tópico-problemático: Parte-se de um problema concreto para a norma, atribuindo-se à interpretação um caráter prático na busca da solução dos problemas concretizados. - Método hermenêutico-concretizador: Parte do texto constitucional para o problema, valendo-se dos pressupostos subjetivos, objetivos e do círculo hermenêutico. - Método científico-espiritual: A analise do texto constitucional não se fixa na literalidade da norma, mas parte da realidade social e dos valores subjacentes da Constituição Federal. - Método normativo-estruturante: Deve ser analisada a luz da concretização da norma em sua realidade social. A norma terá de ser concretizada não só pela atividade do legislador, mas, também pela atividade do judiciário, da administração, do governo, etc. - Método da comparação constitucional: Compara os vários ordenamentos jurídicos de diferentes países. Fonte: LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado, p. 145.

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adequação. Todos os métodos tem a sua importância, uso doutrinário e prático, que

tem diferentes formas de compreender o ordenamento constitucional, e são

baseados em elementos com a finalidade de interpretar a norma jurídica vigente de

acordo com sua a atual aplicabilidade social, buscando a análise de um todo, a

harmonia lógica das normas constitucionais, as justificativas para a elaboração da

norma, os embasamentos doutrinários, os problemas existentes, as várias camadas

da sociedade, a sua evolução temporal, entre outros. Este presente trabalho não

visa optar por um ou outro método em específico como o mais adequado para a

interpretação, mas sim, confirmar que cada um tem a sua relevância perante as

difíceis decisões para garantir a eficácia dos direitos sociais, podendo ser todos

utilizados numa mesma situação.

Salienta-se que a hermenêutica constitucional surge em socorro aos

direitos fundamentais, para torná-los realmente cumpridos ou levados a supremacia

em ordenamentos onde a justiça e igualdade ainda não possuem mecanismos

suficientes de concretização.

Os direitos sociais, por interpretação favorável a finalidade social, são

equiparados aos direitos fundamentais individuais, pois ambos garantem a dignidade

da pessoa humana, e sendo assim, merecem proteção rígida contra alterações

legislativas. É o que se percebe no quarto parágrafo do artigo sessenta da

Constituição Federal27, que estabelece uma cláusula de rigidez contra emenda de

legislador constituinte de segundo grau tendente a abolir direitos e garantias

individuais.

A dignidade da pessoa humana abrange uma diversidade de valores

existente na sociedade, e por ser uma forma ampla de direitos, abrange também os

direitos sociais, que são indispensáveis à vida social. Esta dignidade é tida como

princípio que é basilar nos fundamentos do Estado Democrático de Direito, e está

previsto no primeiro artigo da Constituição Federal28 e como bem assinalado pelo

eminente Desembargador Ricardo Raupp Ruschel, “a colocação de tal direito social

27 CRFB/1988, Título IV – Da organização dos Poderes. Capítulo I – Do poder Legislativo. Seção VII – Do processo legislativo. Subseção II – Da emenda a Constituição: “Art. 60: A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: (...) § 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:(...) IV - os direitos e garantias individuais”. (...) 28 CRFB/1988, Título I – Dos Princípios Fundamentais. “Art. 1º - A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:(...) III - a dignidade da pessoa humana”; (...)

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(a educação) em patamar tão elevado deve-se ao fato de que este direito se

encontra intimamente ligado à tão propalada dignidade da pessoa humana,

fundamento da República Federativa do Brasil, nos termos do artigo 1º, III, da CF.” 29

Os direitos prestacionais proporcionam maior igualdade e são condições

indispensáveis para o desenvolvimento individual e de toda a sociedade. Por este

motivo, é importante considerar que tais direitos, indiretamente, são condições

básicas para o alcance dos objetivos fundamentais da República Federativa do

Brasil, citados no artigo terceiro do texto constitucional30.

Inclusive na ordem econômica nacional, que é baseada na valorização do

trabalho, também terá a sua eficácia apoiada indiretamente nos direitos sociais, que

são fundamentais para redução da desigualdade social, conforme previsto no artigo

cento e setenta, inciso sete, da CRFB/88.31

Pelas razões mencionadas acima, se os direitos sociais não são

concretizados com êxito, por consequência, outros objetivos e fundamentos

defendidos constitucionalmente pelo Brasil não atingirão sua eficácia. Por este

motivo, é essencial garantir a aplicabilidade destes direitos, para que o Brasil

alcance patamares de desenvolvimento que permitam a vida digna de seu povo.

O Estado social de direito, à medida que implementa seus respectivos

direitos sociais, garantindo-os, não pode mais retroagir ao ponto de desconsiderar

tais direitos, sendo papel do legislador, do administrador público e do judiciário

observar o seu não-retrocesso. É o que a doutrina denomina de princípio do não

retrocesso social ou da proibição da evolução reacionária32, encontrado na obra de

CANOTILHO:

29 TJRS, Apelação Cível nº 70014628671, Sétima Câmara Cível, Rel.: Ricardo Raupp Ruschel, julg. 24/05/2006.g.n. 30 CRFB/1988, Título I – Dos Princípios Fundamentais. “Art. 3º - Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.” 31 CRFB/1988, Título VII – Da ordem econômica e financeira. Capítulo I – Dos princípios gerais da atividade econômica: “Art. 170 - A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (...) VII - redução das desigualdades regionais e sociais;” (...) 32 CANOTILHO, J.J.Gomes, Direito Constitucional e teoria da Constituição, p.468.

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“O princípio da democracia económica e social aponta para a proibição de retrocesso social. A ideia aqui expressa também tem sido designada como proibição de ‘contra-revolução social’ ou da ‘evolução reaccionária’. Com isso quer dizer que os direitos sociais e económicos, uma vez alcançados, passam a constituir, simultaneamente, uma garantia institucional e um direito subjectivo”.

Diante do exposto, em qualquer dos poderes, seja ele legislativo,

executivo ou judiciário, a hermenêutica exerce papel fundamental na busca pela

compreensão em garantir a defesa plena dos preceitos constitucionais.

7 CONTROLE JURÍDICO DE CONSTITUCIONALIDADE COMO GARANTIA DOS

DIREITOS SOCIAIS

Quando a aplicabilidade dos direitos fundamentais está ameaçada, ora

pela revelia do Legislador, ora pela omissão do poder executivo, cabe ao poder

judiciário, que tem o dever de garantir a supremacia constitucional, intervir em

determinadas situações, como forma de controle da ordem constitucional, para

tornar plenos estes direitos, sem ferir o princípio da separação dos poderes.

Cabe expressar que o poder judiciário exerce um papel importante e

fundamental no contexto de garantia dos direitos sociais, pois, em diversos casos,

ele tem o poder de viabilizar a eficácia das normas em prol de sua verdadeira

finalidade coletiva, devido à omissão estatal pela alegação de falta de recursos. No

conjunto julgados que já foram apresentados em temas anteriores, e os que serão

apresentados a seguir, a doutrina e jurisprudência tomaram postura firme no sentido

de defender a supremacia dos direitos fundamentais, cuja efetivação se sobrepõe a

qualquer outro princípio ou fundamento de fato ou de direito, sendo majoritário o

entendimento nos Tribunais ordinários e extraordinários.

Para ilustrar esta realidade, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

proferiu a seguinte decisão para garantir o direito à saúde a um cidadão, mais

precisamente, uma criança brasileira que necessitava de uma cirurgia nos Estados

Unidos para tratamento de distrofia muscular:

“Não se há de permitir que um poder se imiscua em outro, invadindo esfera de sua atuação específica sob pretexto da inafastabilidade do controle jurisdicional e o argumento do prevalecimento do bem maior da vida. O respectivo exercício mostra amplitude bastante para sujeitar ao Judiciário exame das programações, planejamentos e atividades próprias do Executivo, substituindo-o na política de escolha de prioridades na área da

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saúde, atribuindo-lhe encargos sem o conhecimento da existência de recursos para tanto suficientes. Em suma: juridicamente impossível impor-se sob pena de lesão ao princípio constitucional da independência e harmonia dos poderes obrigação de fazer, subordinada a critérios, tipicamente administrativos, de oportunidade e conveniência, tal como já se decidiu (...)”33

Nesse sentido, em caso semelhante ao mencionado anteriormente, o

Tribunal de Justiça de Santa Catarina reconheceu o direito de uma criança em ter

seu tratamento no exterior, com custo superior a 150 mil dólares, custeado pelo

Estado. Eis a decisão:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO CAUTELAR INOMINADA. LIMINAR DETERMINANDO AO ESTADO O DEPÓSITO DE NUMERÁRIO PARA TRATAMENTO DA DISTROFIA MUSCULAR DE DUCHENE EM CLÍNICA NORTE AMERICANA. DEFERIMENTO INAUDITA ALTERA PARCIALMENTE ADMISSIBILIDADE EXCEPCIONAL. TRANSPLANTE DE CÉLULAS. RESULTADOS NÃO COMPROVADOS CIENTIFICAMENTE. RELUTÂNCIA DO PODER PÚBLICO EM CUSTEAR A TERAPIA. DIREITO À SAÚDE E À VIDA. PRIORIDADE ABSOLUTA A CRIANÇAS E ADOLESCENTES. ARTS. 196 E 227, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ART. 153 DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL. PRINCÍPIO DA EFETIVIDADE. APARENTE CONFLITO DE NORMAS CONSTITUCIONAIS. PREVALÊNCIA DA QUE TUTELA O BEM JURÍDICO MAIS RELEVANTE” (...)34

Nos tribunais extraordinários o tema também se consolida, conforme

decisões abaixo:

ADMINISTRATIVO – CONTROLE JUDICIAL DE POLITICAS PÚBLICAS – POSSIBILIDADE EM CASOS EXCEPCIONAIS – DIREITO À SAÚDE – FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS – MANIFESTA NECESSIDADE – OBRIGAÇÃO DO PODER PÚBLICO – AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES – NÃO OPONIBILIDADE DA RESERVA DO POSSÍVEL AO MÍNIMO EXISTENCIAL. 1. Não podem os direitos sociais ficar condicionados à boa vontade do Administrador, sendo de fundamental importância que o Judiciário atue como órgão controlador da atividade administrativa. Seria uma distorção pensar que o princípio da separação dos poderes, originalmente concebido com o escopo de garantia dos direitos fundamentais, pudesse ser utilizado justamente como óbice à realização dos direitos sociais, igualmente fundamentais. 2. Tratando-se de direito fundamental, incluso no conceito de mínimo existencial, inexistirá empecilho jurídico para que o Judiciário estabeleça a inclusão de determinada política pública nos planos orçamentários do ente político, mormente quando não houver comprovação objetiva da incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal.

33 TJSP, Ag. Inst. n. 42.530.5/4, Rel. Des. Alves Bevilacqua, julg. 11.11.97, g. n. 34 TJSC, Ag. de Inst., n. 97.000511-3, Rel. Des. Relator: Des. Sérgio Paladino, julg. 18/09/1997, g. n.

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3. Incasu, não há empecilho jurídico para que a ação, que visa a assegurar o fornecimento de medicamentos, seja dirigida contra o município, tendo em vista a consolidada jurisprudência desta Corte, no sentido de que "o funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS) é de responsabilidade solidária da União, Estados-membros e Municípios, de modo que qualquer dessas entidades têm legitimidade ad causam para figurar no pólo passivo de demanda que objetiva a garantia do acesso à medicação para pessoas desprovidas de recursos financeiros" (...)35 AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONSTITUCIONAL. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS. POSSIBILIDADE. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. NÃO OCORRÊNCIA. RESERVA DO POSSÍVEL. INVOCAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES. 1. Esta Corte já firmou a orientação de que o Ministério Público detém legitimidade para requerer, em Juízo, a implementação de políticas públicas por parte do Poder Executivo de molde a assegurar a concretização de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos garantidos pela Constituição Federal, como é o caso do acesso à saúde. 2. O Poder Judiciário, em situações excepcionais, pode determinar que a Administração pública adote medidas assecuratórias de direitos constitucionalmente reconhecidos como essenciais sem que isso configure violação do princípio da separação de poderes. 3. A Administração não pode invocar a cláusula da “reserva do possível” a fim de justificar a frustração de direitos previstos na Constituição da República, voltados à garantia da dignidade da pessoa humana, sob o fundamento de insuficiência orçamentária. 4. Agravo regimental não provido.(...)36

Já o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, relativo ao

direito a educação, em nível básico infantil, proferiu sentença favorável à garantia

e manutenção dos direitos sociais quando entendeu pertinente a garantia de vaga

escolar para criança em rede pública de ensino próximo a sua residência, ou se não

possível, a onerosidade por parte do Município em assegurar vaga em instituição

privada de ensino:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. MUNICÍPIO DE CANOAS. VAGA PARA EDUCAÇÃO INFANTIL – CRECHE. PRELIMINAR DE AUSÊNCIA DE PRETENSÃO RESISTIDA AFASTADA. DESNECESSIDADE DE PEDIDO ADMINISTARTIVO. DIREITO À EDUCAÇÃO. GARANTIA FUNDAMENTAL. DIREITO SOCIAL. OBRIGAÇÃO DO MUNICÍPIO EM SENTIDO AMPLO. ARTS. 6º E 208 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ART. 54 DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. 1- Desnecessário precedente pedido administrativo, pois que, de acordo com o disposto no artigo 5º, XXXV, da CF, a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. Para

35 REsp 771.537/RJ, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJ 3.10.2005. Agravo regimental improvido. 36 STF. AI 674764/AgR/PI; Rel. Min. Dias Toffoli; Primeira Turma; Julgamento 04/10/2011.

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pleitear-se a vaga em creche, a legislação pátria não exige que haja a utilização da via administrativa. 2 - O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é um direito público subjetivo (art. 208, §1º, da CF), sendo que os Municípios devem garantir atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade (art. 208, IV, da CF e art. 54, IV, do ECA, e arts. 4º, IV, e 11, ambos da Lei nº 9.394/96). (...)”37

Relativo ao direito a segurança, também decidiu o Supremo Tribunal

Federal:

DIREITO CONSTITUCIONAL. SEGURANÇA PÚBLICA AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PROSSEGUIMENTO DE JULGAMENTO. AUSÊNCIA DE INGERÊNCIA NO PODER DISCRICIONÁRIO DO PODER EXECUTIVO. ARTIGOS 2º, 6º E 144 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 1.O direito a segurança é prerrogativa constitucional indisponível, garantido mediante a implementação de políticas públicas, impondo ao Estado a obrigação de criar condições objetivas que possibilitem o efetivo acesso a tal serviço. 2. É possível ao Poder Judiciário determinar a implementação pelo Estado, quando inadimplente, de políticas públicas constitucionalmente previstas, sem que haja ingerência em questão que envolve o poder discricionário do Poder Executivo. Precedentes. 3. Agravo regimental improvido. (...)38

Dessa forma, no poder judiciário, tanto na esfera ordinária (juízos e

tribunais) quanto na esfera extraordinária (tribunais superiores), é perceptível que os

magistrados, em sua maioria, tem interpretado e entendido o quanto é importante

garantir os direitos sociais a quem necessitar, sendo assim, uma forma eficaz de

materialidade frente à ausência da eficácia normativa.

CONCLUSÃO

É evidente a existência de problemas de eficácia das normas

constitucionais no direito brasileiro, pois há uma distância real e dificultosa entre o

que a lei determina e aquilo que o Estado possa cumprir. Em outras palavras, o

problema de eficácia pode ser definido como um distanciamento entre o “Dever ser”

(a norma) e o próprio “ser” (realidade). Passado mais de duas décadas da

37

TJRS, Ag. de Inst, n. 70.04572905-0, Rel. Dr. Roberto Carvalho Fraga, julg. 11/01/2012, g. n. 38 559646 PR , Relator: Min. ELLEN GRACIE, Data de Julgamento: 07/06/2011, STF, Segunda Turma.

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promulgação do texto constitucional, ainda é preocupante a omissão do poder

público em relação ao cumprimento dos preceitos constitucionais, e muitas vezes, se

defendendo basicamente sob a teoria da reserva do possível, como visto em tópico

anterior, mas na realidade, procuram esconder a falta de competência de seus

profissionais, ora por se omitirem, ora pela desorganização institucional, ou até

mesmo pela ganância da corrupção, que é um mal que assola a nação brasileira.

Neste contexto, percebe-se que o poder judiciário vem desempenhando

um importante controle de constitucionalidade em defesa do que preconiza o topo do

ordenamento jurídico, sob a édige da Constituição Federal Brasileira.

Diante de todo o exposto, para que tal problema possa ser solucionado ou

minimizado, é necessário que se efetive um compromisso por parte de cada membro

da sociedade, desde os representantes políticos, os representantes do poder

judiciário e o executivo, incluindo também toda a massa popular, para que, dessa

forma, haja maior alcance das normas à realidade social, concretizando assim, um

verdadeiro Estado democrático de direito. É válido observar que a eficácia das

normas constitucionais depende de uma interpretação jurídica voltada para as

garantias do direito à sociedade, portanto, perante os impasses e dificuldades, é

sempre importante optar para aquela que defenda a efetividade do ordenamento

constitucional.

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REFERÊNCIAS

ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales. Centro de Estudios

Constitucionales. Madrid, 1997.

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