o princÍpio do acesso À justiÇa e as atuais … · imprescindível um sistema processual...

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Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 9 | n. 18| Jul./Dez. 2007 97 O PRINCÍPIO DO ACESSO À JUSTIÇA E AS O PRINCÍPIO DO ACESSO À JUSTIÇA E AS O PRINCÍPIO DO ACESSO À JUSTIÇA E AS O PRINCÍPIO DO ACESSO À JUSTIÇA E AS O PRINCÍPIO DO ACESSO À JUSTIÇA E AS ATU TU TU TU TUAIS REFORMAS NO CÓDIGO DE AIS REFORMAS NO CÓDIGO DE AIS REFORMAS NO CÓDIGO DE AIS REFORMAS NO CÓDIGO DE AIS REFORMAS NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL PROCESSO CIVIL PROCESSO CIVIL PROCESSO CIVIL PROCESSO CIVIL Gilberto Ferreira Marchetti Filho 1 Resumo: O acesso à justiça, como garantia constitucional, não deve ser interpretado tão-somente à luz do art. 5º, XXXV, da CF. É muito mais abrangente do que isso, pois busca muito além da simples inafastabilidade do Poder Judiciário. Visa, precipuamente, uma garantia de prestação jurisdicional justa, de acordo com a lei e em tempo razoável, nos termos do art. 5º, LXXVIII, da CR, introduzido pela EC nº 45/2004. Para tanto, imprescindível um sistema processual condizente com as necessidades de uma sociedade moderna, repleta de evoluções tecnológicas. E por isso, a grande necessidade de reformas, a fim de se atualizar a legislação processual à essas evoluções. Mas, o sistema processual, como a prática tem comprovado, não é o único fator responsável pelo malferimento à acessibilidade à justiça. Meras reformas processuais não são suficientes para tornar um processo ágil, sem a adoção de outras medidas. Palavras-chave. Acesso à Justiça. Princípio da Razoável Duração do Processo. Reformas Processuais. THE PRINCIPLE OF ACCESS TO JUSTICE AND THE CURRENT REFORMATIONS ON THE CODE OF CIVIL PROCESS. Abstract: The access to Justice, as a constitutional guarantee, should not be interpreted solely at the light of the 5 th Art., XXXV, of the C. F. It’s much wider than that, for it seeks far more than the simple of the Judiciary Power. It seeks to, mainly, a guarantee of fair jurisdictional service, according to the law and in a reasonable schedule, under the terms of the 5 th Art., LXXVII, of the CR, introduced by the EC n° 45/2004. For such, it’s required a proceeding system related to the needs of a modern society, full of technological evolutions. And so, the great need of reforms, seeking to update the proceeding legislation to these evolutions. But, the proceeding system, as the practice has proved, is not the only factor responsible for the misdeeds to the accessibility to Justice. Mere proceeding reforms are not enough to turn a proceeding agile, without the adoption of other measures. Keywords: Access to Justice. Principle of the Reasonable Duration of the Proceeding. Proceeding reforms. 1 Bacharel em Direito e Pós-graduado lato sensu em Direito Civil e Processo Civil pelo Centro Universitário da Grande Dourados – UNIGRAN. Assessor Jurídico da 6ª Vara Cível da Comarca de Dourados – MS. Professor de Direito Civil no Centro Universitário da Grande Dourados – UNIGRAN. Professor de Direito Civil no biênio 2006/2007 na Faculdade

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Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS | v. 9 | n. 18| Jul./Dez. 2007 9 7

O PRINCÍPIO DO ACESSO À JUSTIÇA E ASO PRINCÍPIO DO ACESSO À JUSTIÇA E ASO PRINCÍPIO DO ACESSO À JUSTIÇA E ASO PRINCÍPIO DO ACESSO À JUSTIÇA E ASO PRINCÍPIO DO ACESSO À JUSTIÇA E ASAAAAATUTUTUTUTUAIS REFORMAS NO CÓDIGO DEAIS REFORMAS NO CÓDIGO DEAIS REFORMAS NO CÓDIGO DEAIS REFORMAS NO CÓDIGO DEAIS REFORMAS NO CÓDIGO DE

PROCESSO CIVILPROCESSO CIVILPROCESSO CIVILPROCESSO CIVILPROCESSO CIVIL

Gilberto Ferreira Marchetti Filho1

Resumo: O acesso à justiça, como garantia constitucional, não deve ser interpretadotão-somente à luz do art. 5º, XXXV, da CF. É muito mais abrangente do que isso, poisbusca muito além da simples inafastabilidade do Poder Judiciário. Visa, precipuamente,uma garantia de prestação jurisdicional justa, de acordo com a lei e em tempo razoável,nos termos do art. 5º, LXXVIII, da CR, introduzido pela EC nº 45/2004. Para tanto,imprescindível um sistema processual condizente com as necessidades de uma sociedademoderna, repleta de evoluções tecnológicas. E por isso, a grande necessidade dereformas, a fim de se atualizar a legislação processual à essas evoluções. Mas, o sistemaprocessual, como a prática tem comprovado, não é o único fator responsável pelomalferimento à acessibilidade à justiça. Meras reformas processuais não são suficientespara tornar um processo ágil, sem a adoção de outras medidas.

Palavras-chave. Acesso à Justiça. Princípio da Razoável Duração do Processo. ReformasProcessuais.

THE PRINCIPLE OF ACCESS TO JUSTICE AND THECURRENT REFORMATIONS ON THE CODE OF CIVILPROCESS.

Abstract: The access to Justice, as a constitutional guarantee, should not be interpretedsolely at the light of the 5th Art., XXXV, of the C. F. It’s much wider than that, for it seeksfar more than the simple of the Judiciary Power. It seeks to, mainly, a guarantee of fairjurisdictional service, according to the law and in a reasonable schedule, under theterms of the 5th Art., LXXVII, of the CR, introduced by the EC n° 45/2004. For such,it’s required a proceeding system related to the needs of a modern society, full oftechnological evolutions. And so, the great need of reforms, seeking to update theproceeding legislation to these evolutions. But, the proceeding system, as the practicehas proved, is not the only factor responsible for the misdeeds to the accessibility toJustice. Mere proceeding reforms are not enough to turn a proceeding agile, withoutthe adoption of other measures.

Keywords: Access to Justice. Principle of the Reasonable Duration of the Proceeding.Proceeding reforms.

1 Bacharel em Direito e Pós-graduado lato sensu em Direito Civil e Processo Civil pelo Centro Universitário da GrandeDourados – UNIGRAN. Assessor Jurídico da 6ª Vara Cível da Comarca de Dourados – MS. Professor de Direito Civilno Centro Universitário da Grande Dourados – UNIGRAN. Professor de Direito Civil no biênio 2006/2007 na Faculdade

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Introdução

Um assunto que nunca esteve em tamanha evidência é o atinente à celeridadeprocessual, ou melhor, o efetivo acesso à justiça, caracterizado por um processoque tem uma solução concreta dentro de um tempo razoável. Isso por causa daEmenda Constitucional nº 45/2004, que, dentre várias disposições, acrescentouo inciso LXXVIII no art. 5ªº da CR.

Outro tema de grande debate, principalmente na esfera processual civil, são asreformas recentes da legislação processual, que o legislador tem promovido,principalmente nos três últimos anos.

Várias modificações foram introduzidas, nos institutos criados, outros quedeixaram de existir. Tudo despertando críticas furiosas ou elogios apaixonantes.

Mas um ponto que se deve debater, e que tem se deixado de lado, é a interligaçãoentre o acesso à justiça e as reformas processuais. Traduz-se: se as reformasprocessuais são capazes, em seus efeitos práticos, de melhorar e garantir o acessoà justiça amplo, com a efetiva prestação da tutela jurisdicional, no tempo razoávelde duração.

Também não se tem tocado no fato da possibilidade de outros fatores extralegislativos serem a causa da prejudicialidade no acesso à justiça.

Este trabalho, sem a intenção de esgotar o tema ou propor soluções, visarealçar justamente essa discussão, à baila de comentários de doutrinadores expertsna legislação constitucional e processual.

1. Do princípio constitucional do acesso à justiça

Antes de se adentrar especificamente no tema, é necessária uma abordagem,

ainda que sucinta, no Princípio do Livre Acesso ao Judiciário, para se compreender

sua significação e amplitude dentro do direito.

1.1 Noções Gerais. Conceito de Princípio

A palavra princípio é uma das mais comuns no Direito. Aliás, ela não só estápresente no Direito, mas em qualquer ramo da ciência. Isso, pela sua própria

significação.

Portanto, princípios são preceitos básicos de uma ciência, ou seus fundamentos

basilares, norteadores 2. E isso se aplica à ciência do Direito. Tanto “auxiliam na

compreensão do conteúdo e extensão do comando inserido nas normas jurídicas

de Direito da Universidade Federal da Grande Dourados – UFGD. E-mail: [email protected] Apud CORREIA, Marcus Orione Gonçalves. Teoria Geral do Processo. 4. ed. São Paulo, Saraiva, 2007. p. 22.

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quanto, em caso de lacuna, atuam como fator de integração dessa omissão”. 3

Além dos princípios gerais que norteiam toda a ciência do Direito, cada

subdivisão de estudo dessa ciência tem seus princípios específicos. Assim é no

Direito Civil, no Direito Administrativo, no Direito Penal, no Direito Tributário,

etc. E, o Direito Processual, especificamente o Civil, não poderia ser diferente. O

Processo Civil, como ciência, também trilha princípios específicos, que o regem,

de acordo com o sistema.

Através de uma operação crítica, a ciência processual moderna fixouos preceitos fundamentais que dão forma e caráter aos sistemasprocessuais. Alguns princípios básicos são comuns a todos os sistemas;outros vigem somente em determinados ordenamentos. Assim, cadasistema processual se calca em alguns princípios que se estendem atodos os ordenamentos e em outros que lhe são próprios e específicos.É do exame dos princípios gerais que informam cada sistema queresultará qualificá-lo naquilo que tem de particular e de comum comos demais, do presente e do passado. 4

Disso, tem-se os chamados “princípios gerais do direito processual”, que

“devem ser tidos como proposições que se colocam na base da ciência jurídico-

processual, informando-a” .5

De conseguinte, o princípio do livre acesso ao judiciário está inserido como

uma princípio da ciência do direito processual, informando-o como preceito

fundamental.

1.2 O Princípio do Acesso à Justiça como GarantiaConstitucional

Como dito, a ciência processual é norteada por uma gama de princípios. E taisprincípios, em sua grande maioria, estão previstos explicita ou implicitamente na

Constituição Federal, sendo elevados à categoria de garantias do indivíduo.

Do princípio do Estado de direito deduz-se, sem dúvida, a exigênciade um procedimento justo e adequado de acesso ao direito e derealização do direito. Como a realização do direito é determinada pelaconformação jurídica do procedimento e do processo, a Constituiçãocontém alguns princípios e normas designados por garantias gerais deprocedimento e de processo. 6

3 CORREIA, Marcus Orione Gonçalves. Op. cit. p. 22.4 GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Teoria Geral do Processo. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 56.5 CORREIA, Marcus Orione Gonçalves. Op. cit. p. 22.6 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. Coimbra: Almedina, 1993. p. 385. Apud CORREIA,Marcus Orione Gonçalves. Op. cit. p. 23.

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Nessa trilha, a Magna Carta de 1988 dispõe no art. 5º, inciso XXXV, que “a leinão excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.

Como é trivialmente sabido, com o Estado Democrático de Direito, ainadmissibilidade da autodefesa se tornou latente. O Estado avoca para si, afunção de resolver os conflitos de interesses (poder jurisdicional), atribuindo-lhe,na divisão de poderes de Montesquieu, ao Poder Judiciário. Daí o porquê daConstituição garantir que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciáriolesão ou ameaça a direito”.

Na verdade, como destacou Pontes de Miranda, “este princípio já poderia sertido como presente na Constituição de 1891, porque na verdade estava implícitona sistemática constitucional então adotada”. 7 Mas, expressamente, esse princípiosurgiu na Constituição de 1946, que tinha redação semelhante à atual. 8

Tal princípio também é chamado de princípio da inafastabilidade do controlejudicial ou da jurisdição, ou ainda, princípio do direito de ação. Trata-se de umadecorrência do vetor da legalidade, estabelecido no art. 5º, II, da CR 9.

Por esse princípio, “nenhuma das espécies normativas do art. 59 da Carta de1988 pode inviabilizar a tutela jurisdicional, preventiva ou repressiva, de direitoindividual, coletivo, difuso ou individual homogêneo” 10. “Assim, emendasconstitucionais, decretos legislativos, resoluções, leis complementares, ordináriase delegadas não podem ser objeto de propostas tendentes a impedir, direta ouindiretamente, a apreciação do Poder Judiciário de lesão ou ameaça a direito” 11.

Como assevera José Afonso da Silva, tal princípio “constitui em verdade, aprincipal garantia dos direitos subjetivos” 12. “Posta-se como uma liberdade públicasubjetiva, genérica, cívica, abstrata e incondicionada, conferida às pessoas físicas ejurídicas, nacionais e estrangeiras, sem distinções ou retaliações de nenhumaespécie”.13

Nessa trilha, “acesso à justiça pode ser encarado como o requisito fundamental– o mais básico dos direitos humanos – de um sistema jurídico moderno eigualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos” 14.

Nada obstante, é de se entender que a abrangência do princípio do acesso ajustiça é muito mais amplo do que parece, isto é, não está meramente restrita ànegativa legal de acesso ao Poder Judiciário.

Cândido Rangel Dinamarco, ao escrever sobre a instrumentalidade do processo

7 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 221.8 “A lei não poderá excluir da apreciação do Pode Judiciário qualquer lesão de direito individual”.9 Nesse sentido: BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 481.10 Idem.11 Idem.12 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 433.13 BULOS, Uadi Lammêgo. Op. cit. p. 481.

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e o acesso à justiça, asseverou:

Falar em instrumentalidade do processo ou em sua efetividade significa,

no contexto, falar dele como algo posto à disposição das pessoas com

vistas a fazê-las mais felizes (ou menos infelizes), mediante a eliminação

dos conflitos que as envolvem, com decisões justas. Mais do que um

princípio, o acesso à justiça é a síntese de todos os princípios e

garantias do processo, seja a nível constitucional ou infra-

constitucional, seja em sede legislativa ou doutrinária e jurisprudencial.15

E continua afirmando:Nem a garantia do contraditório tem valor próprio, todavia, apesar de

tão intimamente ligada à idéia do processo, a ponto de hoje dizer-se

que é parte essencial deste. Ela e mais as garantias do ingresso em

juízo, do devido processo legal, do juiz natural, da igualdade entre as

partes – todas elas somadas visam a um único fim, que é a síntese de

todas e dos propósitos integrados no direito processual constitucional:

o acesso à justiça. Uma vez que o processo tem por escopo magno a

pacificação com justiça, é indispensável que todo ele se estruture e

seja praticado segundo essas regras voltadas a fazer dele um canal de

condução à ordem jurídica justa. 16

Nessa ordem de idéias, interpretando-se o acesso à justiça como garantiafundamental do cidadão, tem-se que ele abrange uma série de outros princípiosprocessuais, que, somados e aplicados no processo estruturado segundo essespreceitos, levam, via de conseqüência, a uma “ordem jurídica justa”.

1.3 A Efetividade do Princípio do Acesso à Justiça

Não basta o mero acesso à justiça, interpretado apenas como garantia deacesso ao Judiciário. Deve-se garantir que essa justiça realmente impere, ao invésde se tornar uma via crucis para o jurisdicionado, que bate às portas do Judiciário,em busca daquilo que entendeu seu.

Dessa forma, “falar em efetividade do processo, ou da sua instrumentalidadeem sentido positivo, é falar da sua aptidão, mediante a observância racional dessesprincípios e garantias, a pacificar segundo critérios de justiça” 17.

E quando se fala na justiça efetiva, traduz-se também na celeridade processual,tema esse que está sempre em debate.

14 CAPPELLETTI, Mauro et al. Acesso à justiça. Tradução de Elen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1988, p. 12.15 DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1993. p. 303.16 Ibidem. p. 305.

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Por conseguinte, o legislador tem se empenhado alterando a legislação, sobretudoa processual, a fim de que o processo possa ter uma tramitação mais célere,assegurando assim, o já garantido acesso à justiça. Tema que será abordado adiante.

1.4 O Princípio da Razoável Duração dos Processos eo Acesso à Justiça

É interessante notar que o Código de Processo Civil, desde 1973, mais detrinta anos antes da EC 45/2005, já previa em seu art. 125, inciso II, que “o juizdirigirá [...], competindo-lhe velar pela rápida solução do litígio”. Portanto, muitoantes, a legislação processual já previa a razoável duração do processo, comodever do magistrado.

Entrementes, o legislador constituinte derivado achou por bem elevar oprincípio da razoável duração do processo à categoria de garantia constitucional.De maneira que a sobredita EC 45/2004 inseriu no art. 5º, o inciso LXXVIII,com a seguinte redação: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, sãoassegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridadede sua tramitação”.

A interpretação desse dispositivo deve ser dada à luz do princípio do acesso àjustiça, esculpido do inciso XXXV, daquele artigo. Mesmo porque, não há acessoà justiça efetivo, se a tutela jurisdicional não se apresenta no tempo razoável, deacordo com a complexidade da causa.

Rafael Bielsa e Eduardo Graña, citados por José Rogério Cruz e Tucci, afirmam:

Um julgamento tardio irá perdendo progressivamente seu sentido

reparador, na medida em que se postergue o momento do

reconhecimento judicial dos direitos; e, transcorrido o tempo razoável

para resolver a causa, qualquer solução será, de modo inexorável,

injusta, por maior que seja o mérito científico do conteúdo da decisão.18

Por conseguinte, o resultado de um processo

Não apenas deve outorgar uma satisfação jurídica às partes, como

também, para que essa resposta seja a mais plena possível, a decisão

final deve ser pronunciada em um lapso de tempo compatível com a natureza

do objeto litigioso, visto que – caso contrário – se tornaria utópica a tutela

jurisdicional de qualquer direito. Como já se afirmou, com muita

razão, para que a Justiça seja injusta não faz falta que contenha equívoco,

basta que não julgue quando deve julgar! 19

17 Idem.18 BIELSA, Rafael A., e GRAÑA, Eduardo R. El tiempo y el processo. Revista del Colegio de Abogados de La Plata ,55:1994. Apud: CRUZ E TUCCI, José Rogério. Tempo e processo. São Paulo: RT, 1997. p. 65.19 Idem. Grifo no original.

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O pronunciamento judicial que cumpre com sua nobre missão de comporuma controvérsia intersubjetiva ou um conflito de alta relevância social (na esferapenal) no momento oportuno proporciona às partes, aos interessados e aosoperadores do direito grande satisfação. Mesmo aquele que sai derrotado nãodeve lamentar-se da pronta resposta do Judiciário, uma vez que, sob o prismapsicológico, o possível e natural inconformismo é, sem dúvida, mais tênue quandoa luta processual não se prolonga durante muito tempo. 20

Em suma:O direito ao processo sem dilações indevidas, consagrado em váriosordenamentos jurídicos, é conceituado como um direito subjetivoconstitucional, de caráter autônomo, de todos os membros dacoletividade (incluídas as pessoas jurídicas) à tutela jurisdicional dentro de

um prazo razoável.[...]À luz da atual legislação brasileira não basta, pois, que se assegure oacesso aos tribunais, e, conseqüentemente, o direito ao processo. Delineia-se inafastável, também, a absoluta regularidade deste (direito no processo), coma verificação de todas as garantias resguardadas ao consumidor dajustiça (due process of law), em um breve prazo de tempo, isto é, dentro de umtempo justo, para a consecução do escopo que lhe é reservado. 21

É de se notar queOs instrumentos existentes nos ordenamentos jurídicos são ineficazespara resolver aspectos do problema que transcendem o universoformal e esbarram nos aspectos políticos, econômicos e sociais. Issoporque os custos visíveis com as demandas judiciais, somados àdescrença com a competência e seriedade de alguns órgãosjurisdicionais, afetam as transações comerciais ainda não atingidas poruma disputa jurisdicional, ao embutir nelas um custo pelo risco deuma possível demora, caso se faça necessária uma possível demora,caso se faça necessária uma demanda judicial.A morosidade da justiça, além de ofensa a direito fundamental do serhumano ao acesso à justiça, aqui entendido como o direito à prestaçãoda justiça de maneira efetiva – justa, completa e eficiente, pronta eobjetiva -, é causa de inúmeros outros ônus sociais, como os encargoscontratuais, as dificuldades de financiamentos e investimentos e aslesões aos direitos do consumidor.Na vida privada, a insegurança jurídica e os altos custos trazidos pelademora na prestação da justiça representam contratos mais onerosospara as partes, recheados pela preocupação presente em garantir oavençado com títulos executivos já convencionados e outras formasde execução extrajudicial. 22

20 CRUZ E TUCCI, José Rogério. Op. cit. p. 64.21 Ibidem. p. 144-145.22 WAMBIER, Tereza Arruda Alvim (coord). Reforma do Judiciário. São Paulo: RT, 2005. p. 283.

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Desse modo, juízes e tribunais são chamados a decidir o caso concreto,acolhendo ou rejeitando a pretensão formulada. Se o pedido forplausível, os membros do Poder Judiciário não poderão furtar-se aoexame da lide, pois a prestação jurisdicional é indeclinável. 23

Nessa seqüência de raciocínio, pode-se dizer

A garantia de um processo mais célere, o que significa dizer, de umatutela tempestiva, envolve não apenas questões procedimentais, mastambém um maior comprometimento por parte dos Poderes Públicosem estruturar o Poder Judiciário e maior conscientização de todos osoperadores de direito da importância de suas atitudes para contribuirpara a sua obtenção. 24

Na verdade, ao contrário do dito popular, em tema de prestação jurisdicional,

a justiça que tarda, muitas vezes falha, pois não atinge sua finalidade: dar a cada

um o que é seu, conforme o direito, de acordo com a lei e pelos meios por ela

garantidos. E porque não acrescer, no tempo adequado. Até porque, “en el processo

el tiempo es algo más que oro: es justiça” 25.

2. As reformas no Código de Processo Civil e o acessoà justiça

2.1 A Necessidade de reformas. Evolução da leiprocessual

De outro norte, como já dito, não se pode negar a grande importância das

alterações na lex processual, ocorridas nos anos de 2005 e 2006.

Como ilustra Dinamarco:

O que recebe destaque, agora, é a necessidade de incrementar o sistema processual,com instrumentos novos e novas técnicas para o manuseio dos velhos, comadaptação das mentalidades dos profissionais à consciência do emprego doprocesso como instrumento que faça justiça às partes e que seja aberto ao maiornúmero possível de pessoas. 26

Dessa forma, a evolução do sistema processual também imprescindível. Até

23 BULOS, Uadi Lammêgo. Op. cit. p. 481.24 Wambier, Tereza Arruda Alvim (coord). Reforma do Judiciário. São Paulo: RT, 2005. p. 39-40..25 COUTURE, Eduardo J. Proyecto de Codigo de Procedimiento Civil. Montevideo: s/ed, 1945. Apud: CRUZ E TUCCI,José Rogério. Op. cit. p. 8 e 146.26 DINAMARCO, Cândido Rangel. Op. cit. p. 305.

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porque, a sociedade está em constante mudança, sempre surgindo fatos novos e

modernas técnicas, que podem ser empregadas na máquina judiciária, para garantir

aquela razoável duração do processo.

Como se sabe, o acesso à justiça não se esgota no acesso ao Judiciário.

Mas se de um lado se deve ter o cuidado de não reduzi-lo à criação de

mecanismos processuais, e seus problemas aos existentes nesse âmbito,

de outro lado não se pode omitir a importância dos instrumentos

processuais para que esse acesso seja efetivo. Segundo Watanabe, o

direito de acesso à justiça é também direito de acesso a uma justiça

adequadamente organizada, e o acesso a ela deve ser assegurado por

instrumentos processuais aptos à efetiva realização do direito. 27

A lei processual tem grande papel na garantia do acesso à justiça, pois, bem

aplicada, é o caminho a seguir para a satisfação do direito material. E, para isso,

vem se modernizando a cada ano, adequando seus mecanismos. Sobretudo, para

atender o pregado Acesso à Justiça.

Em geral, todos os ordenamentos jurídicos do mundo necessitam de

mecanismos processuais mais céleres, efetivos e menos custosos. Já é

clássica entre nós a obra “Acesso à Justiça”, de Mauro Capelletti e

Bryant Garth, editada pela Sérgio Antonio Fabris Editor. Nela, os

autores escancaram as mazelas judiciais. Dizem, inclusive que os grandes

problemas são mais sentidos pela classe pobre, que possuem menos

mecanismos de buscas judiciais.

Os obstáculos criados por nossos sistemas jurídicos são mais

pronunciados para as pequenas causas e para os autores individuais,

especialmente os pobres; ao mesmo tempo, as vantagens pertencem

de modo especial aos litigantes organizacionais, adeptos do uso do

sistema judicial para obterem seus próprios interesses.

Após apontarem os pesares, apresentam eventuais soluções, sobretudo

focado no acesso à justiça, exigindo o estudo crítico e reformatório

de todo o aparelho judicial. Propõem a criação de legislações mais

adequadas aos fatos sociais, dotando-os inclusive de tribunais

específicos sobre suas temáticas.

Também destacam que a atenção dos modernos reformadores está

muito mais voltada às alternativas ao Judiciário (arbitragem, mediação,

juizados informais etc), do que propriamente à reforma do próprio

Poder. Contudo, reconhecem que muitos direitos são impassíveis de

solução senão mediante o Judiciário, daí a necessidade de readequá-lo.

Depois destacam a reforma processual que alguns países têm

experimentado, incorporando definitivamente princípios como o da

oralidade, da identidade física do juiz, da isenção de custas etc. A

França, citam, eliminou em 1977 todas as custas processuais.

Portanto, é tendência mundial a busca incessante de modelos

27 Wambier, Tereza Arruda Alvim (coord). Reforma do Judiciário. Op. cit. p. 283.

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processuais mais ágeis, e que desenvolvam sua função social: “a função

social do processo”, pregada por José Carlos Barbosa Moreira. 28

As grandes alterações na sociedade e no meio científico ocorridas,

principalmente nas últimas décadas acarretaram numa imprescindibilidade contínua

de modernização da lei, processual inclusive.

2.2 As Reformas do Código de Processo Civil

À vista dessa necessidade de evolução da legislação processual, e seguindo asreformas processuais no mundo, o legislador brasileiro também procurou adequarsua legislação processual.

A tentativa de facilitar o acesso à Justiça e de tornar cada vez mais

efetiva a prestação jurisdicional vem sendo uma preocupação unânime

dos processualistas da atualizada. Prova dessa preocupação está

estampada nas últimas reformas que a legislação processual civil sofreu,

dando bastante relevância às tutelas de urgência e atribuindo maior

poder aos magistrados para interpretar normas de conteúdo vago e

aplicar sanções para garantir a pronta e rápida efetivação de suas

decisões. 29

Nessa linha, Humberto Theodoro Junior faz a apresentação da sua obra sobrea reforma da execução extrajudicial, asseverando:

Numa época em que a Constituição impõe aos Serviços Públicos

organizarem-se segundo não apenas o princípio da legalidade, mas

também, e obrigatoriamente, conforme os ditames da moralidade e

da eficiência (CF, art. 37), as implicações do direito processual com a

efetividade da prestação jurisdicional assumem proporções nunca

dantes imaginadas.

A essencialidade dos serviços judiciários e seus vínculos com várias

garantias fundamentais, como o acesso à justiça, o devido processo

legal e, mais recentemente, a garantia de tramitação do processo em

tempo razoável e sob regras fomentadoras da celeridade

procedimental, fazem com que as reformas do Código de Processo

Civil se vinculem, cada vez mais, ao compromisso com resultado

práticos e eficientes à pronta realização da vontade concreta do direito

material. 30

28 ALMEIDA JÚNIOR, Jesualdo Eduardo. A terceira onda de reformas no Código de Processo Civil – Leis 1.232, de 22de dezembro de 2005, 11.277 e 11.276, ambas de 07 de fevereiro de 2006. Disponível em: http://bdjur.stj.gov.br/dspace/bitstream/2011/2719/1/A_Terceira_Onda.pdf. Acessado em 29.07.2007. p. 02-03.29 Ibidem. p. 38-39.30 THEODORO JÚNIOR, Humberto. A reforma da execução do título extrajudicial. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p.VII.

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Demonstrada a necessidade de reformas na lei processual, para melhor seadequar as mudanças sociais e científicas, passa-se à análise do Código de ProcessoCivil brasileiro.

O atual sistema processual, fundamentado, sobretudo pelo Digesto de FormasCíveis, foi introduzido pela Lei 5.869, de 11 de janeiro de 1973, em substituiçãoà lex processual de 1939. Esse sistema

Era constantemente achincalhado, acusando-lhe – e com razão – de

moroso, paternalista, custoso, e principalmente preocupado com as

tutelas patrimoniais em detrimento das tutelas protetivas dos direitos

de personalidade.

A situação era tão grave que engendrava uma “litigiosidade contida”.

Os indivíduos descontentes com a resposta judicial, amiúde lenta e

insatisfatória, simplesmente abdicavam de seu constitucional e digno

direito à prestação jurisdicional, resignando-se amarga e

frustrantemente ao desrespeito aos seus direitos. 31

Atento à essa pesada situação, e procurando dar maior celeridade ao processo,o legislador, ao invés de elaborar um novo Código, optou por adotar a sistemáticade micro-reformas, tendo em vista a morosidade para se aprovar todo um textoprocessual novo 32.

Visando dar maior credibilidade ao processo, em busca de uma

“efetividade na prestação jurisdicional”, sobrevém no final do ano de

1994, a primeira onda reformista do Código de Processo Civil. A

comissão presidida pelo então Ministro do Superior Tribunal de

Justiça, Sálvio De Figueiredo Teixeira, elaborou vários projetos setoriais

de modificação do Código. Contudo, alguns anos antes já houve

mudanças significativas do Código processual. 33

Na verdade, as alterações no Código de Processo Civil iniciaram em 1992,com a Lei 8.455, que modernizou a sistemática da prova pericial, dispensando,dentre outras coisas, p compromisso de Peritos e Assistentes Técnicos. E, em1993, com a Lei 8.710 estendeu a admissibilidade do ato citatório via correio emqualquer caso, salvo as exceções que nela constavam.

Logo em seguida, no ano de 1994, tem-se a primeira alteração no procedimentode liquidação, introduzindo a liquidação por meros cálculos aritméticos pelospelo exeqüente (Lei 8.898). Nesse mesmo ano, outras quatro leis foram editadas.A primeira (Lei 8.950) buscou dar maior agilidade à sistemática recursal. A segunda

31 ALMEIDA JÚNIOR, Jesualdo Eduardo. Op. cit. p. 04.32 Como exemplo dessa morosidade, é só tomar por base o tempo de tramitação do atual Código Civil, que vagou pelacasa legislativa federal desde 1975, sendo aprovado somente em 2001, graças a um acordo político, levado a efeito peloentão relator Ricardo Fiúza.33 ALMEIDA JÚNIOR, Jesualdo Eduardo. Op. cit. p. 04.

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(Lei 8.951) criou a consignação em pagamento extrajudicial. Já a terceira (Lei8.952) implantou o instituto da tutela antecipada, com a adoção de medidascoercitivas para cumprimento das decisões judiciais. Por fim, a quarta (Lei 8.953)modificou superficialmente o processo de execução.

O encerramento desse primeiro ciclo de reformas se deu com a Lei 9.079/1995, que criou a ação monitória no direito processual brasileiro.

Essas “modificações eram substanciais, contributivas sem dúvida. Mas aindainsuficientes. Inicia-se, então, a segunda grande onda reformista do CPC” 34.

Em 2001, publicou-se duas leis: a de nº 10.352, que mais uma vez modifica osistema recursal, sobretudo, o reexame necessário; e a Lei 10.358, que modifica oprocesso de conhecimento e solidifica as decisões mandamentais e sua eficácia.Uma terceira lei veio em 2002 (Lei 10.444), que modificou novamente o processode execução.

Por fim, a terceira onda de micro-reformas iniciou-se em 2005. Primeiramente,com a reforma procedimental e na aplicabilidade do agravo de instrumento eretido (Lei 11.187/2005). Ao depois, adveio a reforma do processo de execuçãode sentença, que se extinguiu, formando-se o cumprimento de sentença (Lei11.232/2005). Em terceiro, nova reforma do sistema recursal (Lei 11.276/2006),bem como a criação a sentença de improcedência prima facie (Lei 11.277/2006).Empós, mudanção no processo de conhecimento (Lei 11.280/2005), sublinhando-se a alteração do art. 219, § 5º, atribuindo ao juiz o poder-dever de pronunciar aprescrição ex officio 35. Por fim, a reforma do processo de execução de títuloextrajudicial (Lei 11.382/2006).

Foram, portanto, nos últimos 7 (sete) anos, cerca de 9 (nove) leis reformadoras,que criaram novos dispositivos, modificaram outros e revogaram aqueles quenão mais interessavam para o sistema processual eficaz que se busca. Anote-seainda que mais reformas ainda estão por vir, principalmente no campo do processocoletivo.

Impende ressaltar que o modelo reformista de 2001 e 2002 “bem comoaquele vivenciado na ‘terceira onda de reformas’, adotaram o sincretismo dastutelas como forma de agilização da resposta judicial” 36.

Isso porque o Código de Processo Civil adota a teoria clássica de divisão dastutelas: tutelas de conhecimento, execução e cautelar. Surgida a pretensão, ingressava-se no Judiciário, para a tutela do direito material, pelo processo de conhecimento,que poderia ser garantido pelo processo cautelar. Uma vez sentenciado, com

34 Ibidem. p. 06.35 Nesse sentido: NERY JÚNIOR. Nelson Nery. Op. cit. p. 407-408.36 ALMEIDA JÚNIOR, Jesualdo Eduardo. Op. cit. p. 06.

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trânsito em julgado, o vencedor tinha um título executivo judicial 37 Dispunha oart. 584, do CPC, revogado pela Lei nº 11.232, de 2005:

Art. 584. São títulos executivos judiciais:

. Com esse título, deveria ingressar novamente em juízo, agora com um processode execução 38.

Humberto Theodoro Júnior assevera:

A primeira reforma teve como ponto culminante a eliminação dasistemática de completa separação entre processo de conhecimento eo processo de execução, quando este tenha por base a sentença. Paradar realidade à força da condenação, o credor, embora apoiado emacertamento judicial definitivo de seu direito, tinha, segundo oprocesso civil clássico, de recorrer à propositura de uma nova ação.Duas ações distintas, portanto, eram forçosamente impostas ao credor,para atingir uma única e originária pretensão, que, desde os antecedentesda demanda, visava diretamente a exigir do devedor o cumprimentoda prestação insatisfeita; sem falar na eventualidade de verdadeirasações incidentais de conhecimento que o sistema ensejava, para liquidara condenação genérica e propiciar a resistência do devedor à execução,já que tudo isso reclamava a instauração de novas relações processuaisa envolver petições iniciais, amplo debate e exaustiva instruçãoprobatória, até atingir novas sentenças de mérito e a viabilizar sucessivosrecursos de apelação, com reiteradas e cansativas subidas dos autos aoTribunal de segundo grau de jurisdição. Não raras as vezes o credortinha que passar pelo suplício de até cinco ações – condenação,liquidação, execução, embargos do devedor e embargos a arrematação– para afinal chegar à satisfação de seu direito líquido, certo e exigível,já então extenuado e desiludido com a precariedade da tutelajurisdicional posta a seu alcance. 39

Ou seja, havia no mínimo dois processos para buscar um único fim: a efetivaprestação jurisdicional. E, por óbvio, isso não contribuía em nada para a celeridadeprocessual, nem atendia ao princípio da economia. Alias, é dispensável dizer quetudo isso é de extrema morosidade. Por si só, o comentário acima transcrito já sebasta para essa conclusão.

37 Dispunha o art. 584, do CPC, revogado pela Lei nº 11.232, de 2005:Art. 584. São títulos executivos judiciais:I - a sentença condenatória proferida no processo civil;II - a sentença penal condenatória transitada em julgado;III - a sentença homologatória de conciliação ou de transação, ainda que verse matéria não posta em juízo;IV - a sentença estrangeira, homologada pelo Supremo Tribunal Federal;V - o formal e a certidão de partilha;VI - a sentença arbitral.38 Dessa forma, determinava o art. 583. do CPC: “Art. 583. Toda execução tem por base título executivo judicial ouextrajudicial”.39 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Op. cit. p. 01-02.

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Contrapondo-se a essa concepção há o sincretismo das tutelasprocessuais, garantindo ao juiz, e, por conseguinte àquele que busca atutela judicial, que se lhe defiram medidas executivas já no curso doprocesso de conhecimento, de maneira muito mais ágil e eficiente.Ademais, o direito fundamental à efetiva tutela jurisdicional, pautadana tempestividade e adequação do processo ao direito material, aliadoà constatação que as situações em sociedade não são iguais, acarreta aimpossibilidade de tratamento processual uniforme aos conflitossociais. Com efeito, certas situações sociais merecem tratamentodiferenciado: novas formas de tutela. 40

E é exatamente isso que as novas reformas processuais têm buscado: a superaçãoda clássica divisão de processo de conhecimento e processo de execução, isto é,dualidade de mecanismos jurisdicionais, que visão um mesmo fim: efetivar obem da vida.

Isso se vislumbra primeiramente, com a instituição da tutela antecipada; aodepois, com mecanismos que reconhecem

os efeitos mandamentais e executivos nos processos deconhecimentos, possibilitando-se, destarte, cognição e execução emuma única demanda, dispensando a subseqüente relação executiva,bastando serem realizados atos executivos no próprio processocognitivo para atingir a satisfação fática imposta pela decisão de mérito,seja ela provisória ou definitivo. 41

Logo, as reformas têm grandes méritos, ao menos conceitualmente. Já a práticaé que traduzirá se efetivamente vão atender suas finalidades.

2.3 Os Efeitos Práticos das Reformas e o Acesso àJustiça

Não obstante todas as reformas dantes mencionadas, sobretudo, nos de 2005e 2006, discute-se se todas essas alterações podem promover uma verdadeiraprestação jurisdicional, garantindo o efetivo acesso à justiça ou quais seriam osefeitos práticos das medidas adotadas, principalmente no que se refere à execução,ponto maior da última reforma.

Sobre a matéria, Araken de Assis formula o seguinte comentário em nota àsua 10. ed. da obra Execução de Sentença:

Nada mais igual do que a execução antes e depois da reforma promovida

40 ALMEIDA JÚNIOR, Jesualdo Eduardo. Op. cit. p. 08.41 Ibidem. p. 08-09.

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pela Lei 11. 232/2005.O nosso generoso e fiel leitor há de compreender, de saída, a razãodessa afirmação. Ela se prende a um aspecto decisivo da teoria geraldo processo.Uma sentença não tem força executiva, porque os atos executivos serealizam no mesmo processo. A sentença terá força executiva quandoos atos de execução recaírem em bens integrantes do patrimônio dovencedor. E terá simples efeito executivo quando, ao invés, os atosexecutivos atingirem bens integrantes do patrimônio do vencido.Logo, a Lei 11.232/2005 não transformou todas as sentenças emexecutivas e, muito menos, em “executivas lato sensu”, por sinal expressãoaltamente imprópria, pois subentende uma sentença executiva strictosensu. E não logrou o referido diploma transformar água em vinho,porque a classificação das sentenças por suas forças e por seus efeitos– declaração, constituição, condenação, execução e mandamento –assenta no direito material. Nele, há longos séculos, abriga-se o princípioda responsabilidade patrimonial, explicitado no art. 391, do CC-02, noqual nem se fala em abrir mão. Tudo ficará como sempre, portanto,antes e depois da reforma: condenar [...] alguém desprovido depatrimônio – por exemplo, o catador de papel usado que arranhou ocarro do leitor com sua carroça de metal – é perfeitamente inútil.Mas, dizer da mudança legislativa em si, fitando tão-só a execução? ALei 11.232/2005 pretendeu concentrar atos do procedimentoexecutivo, economizando tempo e esforços. O objetivo é elogiável.Sucede que, entre a intenção e a realização, vai grande distância. Sãomodificações introduzidas com propósitos “econômicos” [...].Tudo isso é bom? Pondere-se, em relação a cada uma das novidades(na verdade, um sopão com ingredientes reaproveitados, ao qual sedeitou um imperceptível e fraco tempero novo, prato louvado comoobra-prima de chef laureado...) o seguinte. [...] 42

E continua ele tecendo diversas e severas críticas às alterações no processo deexecução, na maneira como foi feita.

Ernani Fidelis, ao falar sobre a Lei 11.382, no entanto, assevera:

Certo é que, assim como no cumprimento da sentença houve e estáhavendo certa relutância da doutrina em dar à lei o sentido de facilitaçãoformal das execuções, o mesmo talvez aconteça com a execução dostítulos executivos extrajudiciais, mas para o aplicador do direito nãoimporta se as leis são boas ou más e sim que devem ser aplicadasdentro do escopo em que se revelam.Pelas dificuldades práticas por que passa a Justiça, sempre acusada deanacrônica e morosa, já que temos nova lei, o ideal é que se procuretambém a melhora da aplicação jurisdicional, reservando-se os ideaisindividuais apenas para as hipóteses de lege ferenda, mas para as de lege lata,que o aplicador do direito procure extrair do novo sistema o melhor

42 ASSIS, Araken de. Op. cit. p. 07.

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que possa oferecer, em combate aos vícios apontados.É o que se espera!!!43

A bem da verdade é que a prática tem demonstrado que as alterações, aprincípio, em nada mudaram, nem agilizaram a efetivação da tutela, sobretudo, àreferente ao cumprimento de sentença. Os dispositivos da lei não são claros eabrem margem para interpretações diversas. O que sucede é que cada magistradoadota uma posição diversa, seguindo o “ao meu sentir”, sem qualquerfundamentação e sem se atentar para a finalidade da norma reformadora: agilizara prestação jurisdicional.

Sábias as palavras do Desembargador mineiro. Não cabe agora discutir se sãoboas ou ruins tais reformas. Já que existem, “o que não há remédio, remediadoestá”. Ou seja, cabe ao aplicador do direito extrair o máximo que a lei lhe traz,tornando-a ágil e eficaz no cumprimento da tutela jurisdicional, e assim, garantindoo acesso à justiça.

Dorival Renato Pavan, magistrado no Estado do Mato Grosso do Sul, naintrodução de sua obra, afirma:

Outras modificações ainda virão e se fazem necessárias para emprestarao processo civil a característica de ser diploma que permitirá aocidadão amplo acesso à atividade jurisdicional e, mais do que isso, deobter a efetividade do próprio processo como instrumento apto atutelar plenamente a satisfação de seus direitos e interesses, defendidosem juízo.Enganam-se contudo aqueles que pensam que as reformasinfraconstitucionais, como essas que se realizaram através das lei antesmencionadas e de outras que as antecederam desde 1994, solucionarama tormentuosa questão da morosidade das decisões judiciais.É preciso que o legislador tenha coragem para enfrentar os verdadeirosproblemas do Poder Judiciário e promova uma reforma que toque odedo na ferida e, doa a quem doer, outorgue a esse Poder a necessáriaindependência, chave-mestra para a efetividade de suas decisões.[...]As leis que foram promulgadas e que estão por entrar em vigor – a doagravo já está vigorando – são mero paliativos para questõesprocedimentais que não resolvem, infelizmente, o conteúdo de todaa problemática que envolve o Poder Judiciário Brasileiro, [...]. 44

Conjugando-se, então, o até aqui dito, tem-se que as reformas têm causadograndes rebuliços nos meios forenses, mas poucos resultados práticos. Muitosdebates, pouca efetividade.

43 SANTOS, Ernani Fidelis dos. As reformas de 2006 do Código de Processo Civil: execução dos títulos extrajudiciais.São Paulo: Saraiva, 2007. p. XIII.44 PAVAN, Dorival Renato. Comentários às Leis n. 11.187 e 11.232, de 2005. São Paulo: Pillares, 2006. p. 18-20.

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Considerações finais

O acesso à justiça, encontrável no art. 5°, XXXV, da CR, pelo princípio dainafastabilidade do Poder Judiciário, é muito mais amplo do que se parece. Nãobasta à lei, garantir esse acesso. É necessário que o acesso seja efetivo. Nisso,compreende-se uma tutela jurisdicional rápida, primando pelo tempo razoávelde duração de um processo, já disposto no art. 125, II, do CPC, e elevado àcategoria de garantia constitucional pela Emenda 45/2004, que acrescentou oinciso LXXVIII no art. 5°.

Uma justiça acessível é aquela que se mostra eficaz no tempo certo. O temporazoável no processo grande uma prestação jurisdicional justa. Um processomoroso causa prejuízos irreparáveis, tanto para o jurisdicionado, quanto para opróprio Poder Judiciário, que tem sua imagem execrada pela sua morosidade.

O processo tem o seu tempo. Como uma árvore tem o seu momento paraproduzir o fruto, que também no seu prazo estará pronto para colheita, o processotambém tem o seu tempo para produzir o fruto (bem da vida) e para colheitadesse fruto. Se anteceder a esse ponto, pode-se malferir princípios procedimentaise constitucionais do processo. Mas, por óbvio, se ultrapassar, o prejuízo torna-seirreparável. Por isso diz-se do “processo maduro para sentença”.

O jurisdicionado, ao bater nas portas do Judiciário, clama por uma solução doseu conflito. E, muitas vezes, por vir tardiamente, a solução não mais satisfaça ogrande prejuízo que sofreu, ou a dor que reclama.

Mecanismos processuais modernos aprimoram esse acesso à justiça. Nessatoada, é de se ressaltar a grande importância das atuais reformas do Digesto deFormas Cíveis. Mesmo que seus efeitos práticos ainda não tenham se verificado.

Mas, caindo no risco de ser redundante e pernóstico, deve-se registrar que nãobasta meras reformas processuais, como já dito. As reformas são simimprescindíveis, até, como mecanismos de adequação da norma à sociedade esua modernização.

A vivência dos corredores forenses tem mostrado que leis não são suficientespara, por si só, promover o acesso à justiça efetivo. Há uma série de outros fatosque devem ser considerados, a começar pelos magistrados, passando-se pelosadvogados, defensores públicos, representantes do Parquet, serventuários da justiçaaté chegar na na ferida do orçamento.

A grande verdade é que o acesso à justiça não se efetiva com meras reformasprocessuais. É preciso muito mais do que isso.

E para concluir, repete-se: A justiça que tarda, muitas vezes falha, pois nãoatinge sua finalidade: dar a cada um o que é seu, conforme o direito, de acordocom a lei, pelos meios por ela garantidos e no tempo adequado.

“En el processo el tiempo es algo más que oro: es justiça” 45.

45 COUTURE, Eduardo J. Op. cit. Apud: CRUZ E TUCCI, José Rogério. Op. cit. p. 8 e 146.

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