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INTRODUÇÃO
A Ética a Nicômaco, representa o pensamento maduro de
Aristóteles. Além desta, escreveu ainda outras duas éticas;
Ética a Eudemo e a Grande Ética. Ética significa, c iência dos
costumes.
Disse Aristóteles, que o fim próprio da atividade humana,
é a felicidade, que não reside no prazer subjetivo, mas sim na
beleza e na perfeição do ser. 1
O prazer é uma conseqüência de tal perfeição, poré m não é
o fim último. O bem de todo ser consiste em alcança r a
perfeição que lhe é própria. Assim como a atividade própria do
homem é a racional, a sua perfeição reside nesta at ividade. A
virtude consiste, pois, no viver consoante a razão, e quem age
consoante a razão é feliz. A vida consoante a virtu de está
conjugado o prazer, não como dela constitutivo, mas como o que
a acompanha. Os bens exteriores e corpóreos, contri buem para
realizar a felicidade, mas não a formam positivamen te. Uma
grande infelicidade não torna certamente feliz um h omem
virtuoso, porém, não pode fazê-lo desgraçado. Em po ucas
palavras, pode-se dizer que para Aristóteles, a fel icidade
consiste na atividade perfeita de todo indivíduo, e esta é a
virtude. 2
1 No seu agir o homem tende a um fim (supremo bem) que é a felicidade, e esta, para ele, como para todo ser, acha-se no plen o desenvolvimento da natureza própria e no exercício da atividade própri a desta. (R. Mondolfo) 2 Para Sócrates os virtuoso também são felizes: faze r o bem é o mesmo que viver bem: às leis morais é intrínseca, uma san ção moral natural, pela qual o bom é justo e feliz, e o mau ou injusto é in feliz. Mas o bom e justo, segundo Sócrates, não leva em conta somente o benef ício e a felicidade próprios, mas também o aperfeiçoamento próprio e o alheio; nisto e na ação desinteressada e inspirada pelo amor, encontram a m ais alta satisfação interior e a maior aproximação ao divino. A justiça, ao invés, representa o mal e a maior in felicidade, porque não só terna pior (e por isso perigoso ao injusto) quem a recebe, mas ainda porque mancha da pior maneira a alma de quem a come te. Por isso, para Sócrates é um mal menor receber do que cometer inju stiça: e cometê-la, ou seja, violar as leis, é faltar a uma espécie de pac to que todo cidadão
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O presente trabalho, não trata diretamente da ques tão da
virtude, porém, se faz necessário explicitar o seu valor, ou
seja, que relação ela tem com o que será tratado. O homem não é
só razão, é também apetite que, mesmo destituído de razão, pode
ser dirigido e disciplinado pela razão. Aristóteles distingue
duas espécies de virtudes: as virtudes intelectivas ou
dianoéticas (que consistem no exercício da razão) e as virtudes
práticas ou éticas, que consistem no domínio da raz ão sobre os
apetites sensíveis para formar o bom "costume" (eth os). Somente
estas últimas formam o objeto próprio da ética. As virtudes em
geral se fundam sobre certas disposições naturais. É virtude do
olho, por exemplo, ver, porque o ver é função própr ia do olho.
Todo órgão tem sua função, que, exercitada consoant e a
natureza, constitui a sua virtude. A virtude, enqua nto ética,
reside na vontade. As disposições naturais, com o e xercício da
vontade, se transformam em hábitos, e é virtuoso o homem que
tem o hábito da virtude. Diz Aristóteles: "Uma ando rinha não
faz verão". Assim, uma única ação virtuosa não faz o homem
virtuoso: é necessário o contínuo exercício, de mod o que a
virtude se torne uma Segunda natureza. Errava, port anto,
Sócrates quando identificava o saber com a virtude: uma coisa é
o conhecimento do bem, outra sua aplicação. A virtu de não é
teoria ou conhecimento, mas exercício, domínio sobr e as paixões
por meio da razão.
A razão é quem guia o uso prático vontade, e sob e ste
aspecto está o intelecto prático (phrónesis ou sabe doria), que
prescreve a própria vontade se mantenha distante do s extremos
de excesso e de defeito. A virtude prática reside p recisamente
no justo meio. Com efeito, é ela "o hábito de escol her o justo
meio adequado à nossa natureza, como é determinado pela razão e
como poderia precisá-lo o sábio". Entre a covardia e a
temeridade o justo meio (virtude) é a coragem entre a
contraiu com as leis pátrias, de que goza os benefí cios, e por esse motivo
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abstinência e o abuso, a temperança; entre a avarez a e a
prodigalidade, a liberdade etc. mas das virtudes ét icas não é
possível dar uma determinação unívoca, pois são con sideradas em
relação ao sujeito agente. Por exemplo, o que é cor agem para um
homem pode ser covardia ou temeridade par um outro. A máxima
virtude ética é a justiça, que consiste na equânime
distribuição dos bens consoante os méritos de cada um: os bens
distribuídos para duas pessoas estão entre si como os méritos
respectivos deles. A justiça comutativa, ao contrár io, preside
os contratos e é corretiva: igualar as vantagens e as
desvantagens entre os dois contraentes. É ela símil a uma
proporção aritmética (simples igualdade).
Superior às virtudes éticas são as virtudes dianoé ticas,
que se reportam à atividade própria do intelecto, c omo a
ciência (capacidade demonstrativa), a arte (capacid ade de
produzir qualquer objeto), a sabedoria (saber disce rnir o que é
bem ou mal para o homem). Acima de todas, a sapiênc ia (sóphia)
ou contemplação (teoria), que consiste no possuir n ão apenas a
capacidade demonstrativa (ciência), mas também a de julgar da
verdade dos próprios princípios. Assim o cume da at ividade
ética é colocado na contemplação de Deus, como para Platão era
colocado na idéia do Bem.
1 ARISTÓTELES, ÉTICA A NICÔMACO.
1.2 A VIDA.
Aristóteles nasceu no ano de 384 a. C., em Estagir a,
cidade - colônia grega da Macedônia, na península t rácia de
Calcídia. Seus antepassados haviam sido médicos dos reis
daquela nação. E é de supor que se familiarizasse a ssim desde
tenra idade com a ciência médica que o encaminhou p ara a
empenha-se em manter o respeito e a observância das mesmas. (R. Mondolfo)
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observação empírica da natureza, bem antes de se co nsagrar à
ética dos socráticos, à retórica dos sofistas ou à metafísica
de Platão. Moço ainda aos 17 ou 18 anos, dirigiu-se a Atenas,
que se pode considerar sua verdadeira pátria espiri tual. Ali
viveu a maior parte de sua vida, só abandonando-a q uando se viu
forçado ao desterro político.
Logo ao chegar, recebeu-o Platão como discípulo em sua
Academia, que Aristóteles freqüentou até a morte do Mestre. O
ambiente daquele período de expansão do helenismo e de
esplendor do pensamento grego exerceu profunda infl uência em
Aristóteles. Sendo sobretudo o influxo de Platão, o que mais
sobressai, quer na Filosofia teorética, quer na prá tica, não
obstante a atenção que devotou aos filósofos antigo s,
especialmente aos da escola jônica. Refere-se Olimp iodoro a um
discurso epidictico composto por Aristóteles em hom enagem a
Platão, e a um poema elegíaco em honra dum amigo qu e morrera, o
cipriota Eudemo, onde numa passagem o elogio do mor to se mescla
à expressão de imensa admiração por Platão ainda vi vo.
Não impediu, contudo, essa admiração por Platão, a cujas
doutrinas aderiu inteiramente de início, que dele d ivergisse
mais tarde em certas questões fundamentais. Mas a e xplicação de
sua atitude, muita vez mal interpretada e combatid a com paixão
que descabe no campo da especulação pura, encontram o-la numa
bela frase em que afirma dever ser-nos a verdade ma is cara que
o melhor amigo, e que pela verdade devemos renuncia r até as
nossas próprias convicções.
Aristóteles conheceu vicissitudes e agitações em s ua vida.
Muito cedo ficou órfão de pai e mãe, porém a boa fo rtuna o
encontrar carinhosos pais adotivos em Proxeno e sua mulher, que
lhe guiaram os primeiros passos no caminho da vida e da
probidade, e custodiaram fielmente seu apreciável p atrimônio
paterno.
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Depois da morte de Platão transferiu-se Aristótele s para
Atenas, na Ásia Menor, a convite do príncipe Hérmia s, de que
era amigo desde a Academia. Sobrevinda a queda e o assassínio
desse príncipe, dirigiu-se a Lesbos, após ter salvo pela fuga
Pítias, sobrinha e filha adotiva de Hérmias, com qu em se casou.
Mas logo a levou a morte. E embora tenha contraído novo enlace
com Herpile de Estagira, lembra ainda carinhosament e a primeira
esposa no seu testamento. De Herpile teve seu filho e discípulo
Nicômaco, a quem devemos a mais completa das Éticas , que nos
ficaram do autor do ORGANON.
Recebeu, em 343, um convite do rei Filipe da Maced ônia
para se encarregar da educação do filho, Alexandre. Aceito o
convite, nasceu da convivência entre o Mestre e o d iscípulo
sólida amizade. Sempre alimentou Aristóteles grande simpatia
para com Alexandre Magno, em cujo espírito exercera benéfica
influência. Mas tal simpatia nunca o levou a aprova r a conduta
do grande general e conquistador, como soberano, po is ele nem
sempre seguiu os ensinamentos do Mestre. Alexandre se empolgou
no remoinho da ambição e dos vícios da época, o que lhe torna
às vezes opacas a glória e as realizações.
Aos 50 anos regressou o Mestre a Atenas. No Liceu, ginásio
que ficava ao pé do templo de Apolo Liceu, fundou s ua escola,
que se denominou Perípatos, ou escola peripatética (nome
oriundo do passeio coberto do Liceu), a qual chegou a eclipsar
a Academia, nessa época dirigida pelo discípulo de Platão,
Espeusipo, cujas idéias combate na ÉTICA e alhures.
Pouco antes de morrer, perseguiu-o uma série de
infortúnios. Enorme desgosto lhe causou o saber que Alexandre,
embriagado, matara num acesso de cólera um sobrinho dele,
Calístenes, filósofo que zombara dos fastos orienta is e das
pretensões divinas do filho de Filipe e de Olímpias .
Quando morreu Alexandre, vítima de seus excesso, e a
notícia chegou a Atenas, Aristóteles, que fora semp re fiel e
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grata favores, viu-se alvo da mais triste ingratidã o por parte
da cidade que muito lhe devia por interferência del e junto à
corte Macedônia. Acusaram-no do delito religioso de tributar
honras divinas a um mortal, crime gravíssimo naquel e tempo.
Embora sempre se tivesse alheado da política de Ale xandre,
alcançaram-no as manifestações do ódio longamente s ufocado,
contra o poderio macedônio. Condenaram-no à morte p or sedição.
Subtraiu-se Aristóteles à fúria do povo, o mesmo po vo que já
condenara Sócrates, votando-se ao desterro voluntár io.
E no verão de 322 a. C., na cidade de Cálcis de Eu béia,
que acolhera o exule, morreu Aristóteles, o maior d os sábios
que fizeram a glória e a eternidade da tradição clá ssica da
Hélade.
1.3 AS OBRAS.
Já no tempo de Platão começou Aristóteles a const ruir sua
obra, que tamanha influência viria exercer nas suce ssivas
experiências e fases do pensamento humano através d as idades.
Compõe seus primeiros escritos, tomando por modelo o chefe da
Academia, tanto na matéria quanto na forma de expos ição.
Infelizmente se perdeu a maior parte de sua obra li terária,
principalmente os diálogos, gênero altamente apreci ado na
Antigüidade, dos quais apenas restam poucos e insig nificantes
fragmentos.
Embora muito lhe houvesse aproveitado o modelo pla tônico,
não chegou Aristóteles a ombrear com o autor da REP ÚBLICA na
beleza da forma; mas neste ponto constitui glória p ara o
Estagirita o ter sido classificado por Cícero no se gundo lugar,
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depois de Platão, quanto ao modo de expor suas dout rinas, assim
do ponto de vista didático como estético.
A forma dos escritos doutrinários que chegaram até nossas
mãos admite supor que não são obras definitivas e d estinadas a
amplos círculos de leitores, senão apontamentos das lições
aristotélicas, nos quais, decerto, se entremeteram fragmentos
procedentes de épocas várias e que freqüentemente d iscrepam
entre si. Para desfigurar o texto aristotélico orig inal
contribuíram o primitivo dos meios de reprodução, a s
compilações e traduções incompletas e descuidadas, as
tendências partidárias dos copistas e adaptadores, que sem
cerimônia acrescentavam, suprimiam ou transpunham, no afã de
acomodação e justificação de suas próprias idéias. Esses
escritos, muito embora se deva reconhecer neles vig or,
profundeza e prática de expressão, deixam às vezes muito a
desejar, e mesmo em questões de monta, com respeito à
exposição. Deparam-se repetições inúteis, e inoport unas; surgem
explicações deslocadas e extemporâneas, e por vezes pecam até
por obscuridade. Ora uma concisão excessiva, ora um a expressão
equívoca tornam ininteligível mais de um trecho.
Possuímos de Aristóteles escritos “lógicos”, colec ionados
desde a Antigüidade sob o título de ORGANON, instru mento do
saber científico, especialmente os dois livros anal íticos, com
a teoria da conclusão (a mais importante aquisição lógica de
Aristóteles), os pequenos escritos sobre as CATEGOR IAS e sobre
a PROPOSIÇÃO e os TÓPICOS, com o escrito sobre as c onclusões
sofísticas, instrumento da arte de discutir. No do mínio das
ciências naturais, existe a FÍSICA, com os escritos SOBRE O
CÉU, GERAÇÃO E CORRUPÇAÕ E METEROLOGIA. Em prossegu imento da
FÍSICA, conforme a ordenação de suas obras, segue-s e o escrito
sobre os princípios do ser, sobre a Filosofia “prim eira”, cuja
colocação casual deu à disciplina ali tratada o nom e de
METAFÍSICA, é dizer “depois da física”, “mais além da física”.
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Na Zoologia, a sua contribuição, foi a HISTÓRIA DOS ANIMAIS,
obra essencialmente comparativa de anatomia e fisio logia. Sobre
Psicologia escreveu o DA ALMA. Ainda, as três Ética s: a ÉTICA
DE NICÔMACO, a ÉTICA DE EUDEMO e a GRANDE ÉTICA, qu e se juntam
com a POLÍTICA, onde culmina a ética aristotélica; da POLÍTICA
fazia parte, como material de estudo e pesquisa, um escrito que
expunha as Constituições de muitos Estados gregos, dos quais
foi conservado o ESTADO ATENIENSE. Por fim, a RETÓR ICA e a
POÉTICA.
Durante a evolução do pensamento filosófico, desde a
decadência grega até os nossos dias, observa-se que , inúmeros
filósofos, ou que de tal fizeram profissão, antigos , medievais
e até modernos, procuraram invariavelmente, quase c omo um
dever, estabelecer uma rigorosa e integral oposição sob todos
os aspectos entre o pensador da Academia e o sábio do
Perípatos.
A limitada visão dalguns chegou até a sugerir, o q ue
refoge ao âmbito de toda especulação e aberra das i nvestigações
filosóficas, a supor questão pessoal, rivalidade, i nveja...
Semelhante modo de encarar o assunto deixou, entret anto, de
merecer consideração e exame. O progresso do pensam ento humano
trouxe consigo a superação das classificações puram ente
extrínsecas de simplistas, e busca em maiores horiz ontes um
sentido e uma compreensão mais amplos e profundos. Não mais
somos escravos da fórmula, da partição e divisão ex terior, não
tem mais sentido discutir se a individualidade huma na é uma
composição do elemento “corpo” com o elemento “alma ”.
Aristóteles divergiu, discordou, criou, mas nunca r epudiou
inteiramente as idéias de Platão, nem o poderia faz er. Sempre
os uniu a ambos um traço comum e indelével, que foi o clima
espiritual, o ambiente intelectual em que se formar am. O
Estagirita jamais deixou de ser um legítimo grego, grego como
Platão, discípulo e continuador da obra de Platão.
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Entretanto, ante o rumo tomado pelas suas especula ções,
lembra-nos o criador das “Idéias”, como poeta-entus iástico e
religioso, como pensador, como reformador social e político, os
vultos de Tales, Pitágoras, Parmênides, investigado r,
experimentador, observador e sistematizador, obreir o incansável
do material da experiência objetiva, recordado tipo genuíno do
sábio que desde Anaxágoras e Demócrito surgira no m undo
helênico. Mas fora de todo impróprio opor irremedia velmente o
“idealismo” platônico ao “realismo” aristotélico, e equiparar
assim suas atitudes a antíteses inconciliáveis, mui to
especialmente se levarmos em conta a considerável d iferença do
conteúdo daquelas expressões, dos conceitos de idea lismo e
realismo, que se transformaram fundamento nos vário s estágios
do pensamento filosófico. Impossível, hoje, no sent ido vivo da
palavra, considerar Aristóteles um “realista”, em t ermos de
Filosofia moderna.
1.4 A ÉTICA.
A Ética de Aristóteles chegou até nós em três reda ções: a
ÉTICA DE NICÔMACO, em dez livros; a ÉTICA DE EUDEMO , em oito
livros, e a GRANDE ÉTICA, em dois livros. Muito se discutiu a
autenticidade e a época em que foram escritas aquel as obras.
Mas hoje a tendência á considerar que não só a NICO MAQUÉIA como
a EUDEMIA e a GRANDE ÉTICA são autênticas, pertence ndo as duas
últimas a um período anterior do pensamento aristot élico. A
NICOMAQUÉIA parece refletir, segundo as autoridades , a doutrina
do período mais maduro, porque sobrepuja largamente as outras
pela ordem, pela inteireza, pelo valor literário, c hegando a
ser considerada, por antonomásia, a Ética de Aristó teles.
O nome de Ética significa “ciência do costume”. Te nha-se
presente sempre que ao tratar da atividade prática, o objeto
peculiar da Ética, Aristóteles distingue nitidament e pontos de
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vista inteiramente diversos; um propriamente dialét ico, filiado
ao conceito aristotélico da DIANOIA (lei do que em nós é
propriamente humano); o outro, metafísico, e filiad o ao
conceito do NOUS (a vida do divino em nós, a inteli gência
pura).
A Ética de Aristóteles se une estreitamente aos co nceitos
fundamentais da Metafísica. De cada ser é própria u m certa
essência e com tal essência uma certa atividade, qu e é
justamente a expressão, a exteriorização em ato daq uela
essência. Mas semelhante atividade é determinada po r um fim: a
forma que atua no ser é simultaneamente o fim (telo s), a que se
endereça a atividade dele.
Mas qual vem a ser o fim? O fim que é o “sumo bem” do
homem? Esse fim é chamado EUDEMONIA. Mas em que con siste a
eudemonia, a felicidade? (note-se que a palavra “fe licidade”
não corresponde exatamente a “eudemonia” grega; tem novo e mais
rico sentido subjetivo). Divergem as opiniões dos f ilósofos.
Aristóteles, porém, segue outro rumo: seu ponto de vista não é
o bem supremo, senão a essência do homem e a ativi dade que por
sua essência lhe é adequada. O homem é um “ser raci onal”: a
atividade racional do (NOUS), o pensamento é a EXPR ESSÃO da
essência dele, o meio para a realização de seu fim, de seu bem
supremo. No pensamento consiste, portanto, a “virtu de” do
homem, a vida teórica sobrepõe-se à vida prática, a vida
contemplativa é a melhor de todas as vidas, é a vid a perfeita,
“divina”. Mas as próprias virtudes práticas de domí nio de si
mesmo, de temperança, de magnanimidade, e outras, r evelam a
superioridade da razão no procedimento. E a influên cia da razão
consiste em que esta conserva sempre a justa medida , a mediania
universalmente válida entre o excesso e a falta. Po r isso toda
virtude é o termo médio entre dois extremos, ou doi s vícios.
Não simplesmente um termo médio aritimético-mecânic o, senão
verdadeiramente racional. Deste modo a fortaleza é o verdadeiro
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termo médio entre a covardia e a audácia, a tempera nça o justo
meio entre a intemperança e a insensibilidade, a li beralidade
entre a prodigalidade e a avareza, a conservação da
personalidade a reta medida entre a renúncia do pus ilânime e a
presunção do orgulhoso, Aqui se nos depara o juízo, lidimamente
grego de medida e equilíbrio, de harmonia e beleza.
O homem é um ser feito para a CONVIVÊNCIA SOCIAL (é um
ser POLÍTICO no sentido grego da palavra, que aqui não
representa homem de Estado, mas sim o homem de vida pública). O
sumo bem não se realiza, portanto, na vida individu al humana,
porém no organismo superindividual do Estado: a éti ca vai
culminar na Política. Aristóteles renuncia ao Estad o ideal
utópico, à unidade abstrata ideal; antes pelo contr ário, ele
busca o mais íntimo contato com a realidade polític o-histórica.
Partindo das constituições em voga, procura discern ir em cada
uma a forma degenerada e a forma justa e racional; e aqui
também encontra o ideal no justo meio.
Um dos pontos que devemos ter sempre em mente para a
compreensão da Ética grega, e também de muitos dos seus
conceitos e idéias, é o liame indissolúvel entre os conceitos
de beleza e bondade. A união daqueles dois conceito s é para nós
dificílima, visto que ambos são muito diferentes do s seus
correspondentes modernos; para o grego, entanto, er a natural e
claro passar dum a outro. O espírito grego era domi nado pela
idéia da medida e da simetria, do que dá mostra a d outrina
pitagórica. O excesso e a falta o desagradavam igua lmente.
Amava a vida, mas sem ardor, considerando-a aprazív el quando
bela; se não, fora preferível morrer. A exuberância de energias
era nele mitigada por instintiva elegância e comedi mento no
sentir. Necessitava de ação, porém, de ação harmoni osa, Essa
disposição espiritual coloriu também a Filosofia gr ega, cujo
mérito principal será sempre o de ter com maravilho sa finura de
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intuição apreendido as antíteses que se acham para além da
realidade, buscando-lhes a concordância.
A teria platônica das idéias deu o nome àquele “id ealismo”
que na esfera do “ideal” vê o domínio duma realidad e mais
elevada e ainda o sentido profundo de toda existênc ia real.
Diante deste idealismo e neste sentido, Aristóteles se mostra
como um “realista”, guardando-se, como já se observ ou, as
devidas proporções quanto à significação das palavr as. De fato,
realista o torna seu imenso conhecimento de fatos, resultado de
infatigável atividade de pesquisador. Mas tampouco se livrou
Aristóteles do perigo que corre o “realista”, princ ipalmente
onde trata de coisa humanas: “o perigo de considera r eternas as
realidades de hoje, ou talvez já de ontem”.
Pode-se, pois, dizer que a verdadeira e principal
continuação científica da Filosofia grega e da obra de Platão
se encontra na obra de Aristóteles, que no seu lega do
intelectual transmite com vigorosa expressão o teso uro da
experiência e do pensamento do seu tempo.( 3)
3 Esta biografia, vida e obra de Aristóteles, foi ti rada literalmente da coleção....
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2 O CONCEITO DE “ÉTICA” EM ARISTÓTELES.
Na origem etimológica da palavra ética, encontra-s e dois
termos grego para designar o seu sentido real. O pr imeiro termo
no entanto, tem o significado de costumes, uso, man eira
exterior de proceder. Sendo assim, este termo tem m uito a ver
com o uso que fazemos das coisas. Com efeito, pode- se dizer que
este termo quer expressar de uma maneira mais geral o ser do
homem, ou seja, o seu modo de ser, um afeiçoamento que
adquirimos no uso constante de uma determinada cois a, com a
maneira exterior de proceder em que diariamente est amos em
contato.
No entanto, o segundo termo trás consigo um signifi cado
mais específico, ou seja, de morada habitual, toca, maneira de
ser, caráter. Todavia, este segundo termo nos parec e indicar
aquilo que é o próprio do ser humano, seu jeito hab itual de
ser. Aquilo que ele é aparece na sua maneira de ser , em seu
caráter.
Com efeito, não se pode entender estas duas concep ções do
termo separando-as uma da outra. Mas, como pode-se ver no
decorrer deste trabalho, o homem só pode adquirir u ma virtude
praticando atos de virtude, já que ela não é inata a natureza
humana, ou seja, a sua disposição de caráter tem um a parcela de
fundamento em seus costumes. Conclui-se então, que para a
formação de uma virtude, dispensa-se a suposta divi são que na
etimologia da palavra ética é encontrado, e toda vi rtude provem
dos atos que são considerados atos de virtude.
Aristóteles, diz que a ética é uma virtude que con tém as
duas espécies, ou seja, trás em si os dois sentidos que o termo
expressa. As duas concepções que deriva da ética se consuma na
virtude. Em sua obra “Ética a Nicômaco”, pode ser percebido
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que estas concepções são caracterizadas como sendo uma virtude
moral e a outra virtude intelectual.
A ética, sendo uma virtude intelectual, tem o seu campo de
desenvolvimento na área do ensino, como uma discipl ina escolar
e o seu desenvolvimento chegará a plenitude com a e xperiência e
o tempo. A virtude intelectual, no entanto, tem a f inalidade de
tornar o homem bom, caso contrário, seria inútil o esforço que
leva a sua compreensão, ou seja, para nada serviria a não ser
para adquirir um simples conhecimento a mais, sem c onexão e nem
possibilidade de transformação da vida humana. Port anto, tanto
o tempo como a experiência são condições indispensá vel para que
ela possa se desenvolver e chegar a plenitude de su a
potencialidade.
A ética, sendo uma virtude moral, somente poderá s er
adquirida em resultado da prática constante de hábi tos
considerados bons, afirma Aristóteles. Somente assi m, alguém
poderá ser de fato virtuoso, pois não é considerado virtuoso,
aquele que praticou um ato bom, mas sim, aquele que tem esta
prática como habito.
Todavia, o termo usado por Aristóteles para designa r a
virtude intelectual é ( εθοζ) que é uma pequena modificação da
palavra Éthos E o termo ( ηθοζ), da palavra Êthos, que tem o
significado de morada habitual, toca, maneira de se r, caráter.
Tanto a virtude moral como a intelectual caracteri zada por
Aristóteles, não são de natureza humana. É no desen volvimento
da vida (no dia a dia), que o homem vai adquirindo- a, como uma
formação de seu caráter. Todavia, se faz necessário levar em
consideração, o fato de que nada que venha existir naturalmente
no homem, pode formar um hábito contrário a sua nat ureza. Se
algum a hábito lhe é inato, este tem como finalidad e conduzi-lo
para uma perfeição, ou para um bem qualquer. Sendo assim, todo
hábito considerado bom se torna uma condição, uma p ossibilidade
que o homem tem para adquirir a virtude, e chegar a perfeição.
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Aristóteles diz, que o ser humano é adaptado por na tureza a
receber as virtudes. Mas, as virtudes não são natur eza sua,
pois como já foi feito presente elas são adquiridas pelo
hábito.
De tudo aquilo que o homem tem por natureza, prime iro a
tem em potência, como possibilidade, condição. Some nte depois é
exteriorizada em atos. Isto nós podemos perceber em nossos
sentidos, como por exemplo; o ato de ver é secundár io, pois
antes de ver nós já se possui a visão, e não se pos sui pelo
uso, mas por natureza pois, ela pertence a natureza humana. No
entanto, não é assim que acontece com a virtude, co m ela se dá
justamente o contrário, pois, ela é adquirida pelo exercício da
prática de atos bons e não por natureza. O homem se torna justo
praticando atos justos, pois, a virtude da justiça é adquirida
pela constância na prática destes mesmos atos.
No entanto, com relação ao Estado, Aristóteles diz que o
que torna bom os cidadãos são os hábitos que os gov ernantes
lhes incutem, pois, esta é a sua função. Portanto, é assim que
se classifica, ou seja, que se pode averiguar o bom e o mau
governo.
A justiça ou injustiça é conseqüência dos atos jus tos ou
injustos que praticamos em nossas relações com os h omens. Sendo
assim, podemos concluir então, que será a prática d os atos que
constituirá o bom e o mau caráter.
A Ética considera o indivíduo; a Política, o Estad o (que
para o grego, como é sabido, consiste na polis, cid ade): a
diferença, portanto, é qualitativa, além de quantit ativa. O
verdadeiro bem do indivíduo coincide com o da polis : “O fim
último de toda arte e ciência é o bem, e maximament e daquela
que está acima de todas, a ciência política”. Em su a obra; “A
Política”, ele diz: “Em todas as ciências e em toda s as artes o
alvo é um bem; e o maior dos bens acha-se principal mente
naquela dentre todas as ciências que é a mais eleva da; ora,
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essa ciência é a política, e o bem em política é a justiça,
isto é, a utilidade geral. Pensam os homens, que a justiça é
uma espécie de igualdade e concordam, até um certo ponto, como
os princípios filosóficos que expusemos em nosso tr atado de
Moral. Nele explicamos o que é a justiça, e a que e la se
aplica; e dissemos que a igualdade não admite difer ença alguma
entre aqueles que são iguais. Mas não se deve conti nuar na
ignorância do que sejam a igualdade e a desigualdad e. É, com
efeito, um assunto um tanto obscuro, que interessa à Filosofia
política”.( 4)
4 Aristóteles. Livro IX. (A política), III, VII, I.
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3 CONCEITO DE FELICIDADE.
3.1 A FELICIDADE É ATIVIDADE VIRTUOSA.
A felicidade é o fim da natureza humana. Ela é aut o
suficiente, algo desejável que se dá na atividade h umana, por
isso não é uma disposição, como tendência, vocação, mas algo
buscado na atividade.
Com efeito, é comum as pessoas pensarem que recrea ções,
lazeres, enfim tudo que é agradável, sejam da mesma natureza da
felicidade. Mas ao contrário, tais coisas somente n egligenciam
os corpos e os bens materiais. No entanto, muitas p essoas se
acham felizes, porque encontram um refúgio em tais tipos de
passatempo. No entanto, se assim fosse, as pessoas que são
hábeis em proporcionar momentos agradáveis, seriam altamente
estimadas por todos. Mas acontece que a virtude e a razão são
decorrentes das boas atividades e não dependem da p osição de
outrem. Com tudo, até mesmo os prazeres proveniente s do corpo
não deveriam ser mais almejados que a felicidade, p orque há
pessoas que se entregam totalmente a tais prazeres, sem que
alguma vez na vida tenha experimentado um prazer pu ro e
generoso. Por conseguinte, todas as coisas que para o homem bom
são valiosas e aprazíveis, são aquelas que concorda m com sua
disposição de caráter. Estas são as atividades mais desejáveis
pelo homem bom e consequentemente concordam com a v irtude.
No entanto, a felicidade não provem, ou seja, não é
originada desta espécie de prazer. Seria, de certo modo
inadequada a afirmação de que a felicidade nasce do prazer. Com
tudo, os homens passam a vida inteira em busca dela , mas não
neste sentido. Tudo que buscamos, escolhemos, procu ramos, etc.,
é com mira em uma outra coisa e não por ela mesma. Mas não
acontece assim com a felicidade, pois ela tem um fi m em si
mesma. Todavia, o divertimento é uma espécie de rel axamento e
18
este é importante para o homem, porque ninguém trab alha
ininterruptamente, todo homem precisa de momentos d e relaxação.
Uma vida virtuosa é uma vida feliz. A virtude, no entanto,
não é adquirida sem um grande esforço, exige muito trabalho e
não se dá simplesmente no divertimento. As coisas s érias são
melhores que as risíveis e as relacionadas com o di vertimento.
Com efeito, a atividade da melhor entre as duas é a mais séria.
A atividade na melhor é superior e participa mais d a
felicidade. Com tudo, uma pessoa qualquer, até mesm o um escravo
pode desfrutar dos prazeres do corpo do mesmo modo que o melhor
de todos os homens. No entanto, o primeiro não é pa rtícipe da
felicidade, pois ela não reside nos prazeres corpor ais, mas
sim, nas atividades virtuosas. 5
3.2 A FELICIDADE CONSISTE NA ATIVIDADE DO PENSAMENT O.
Com efeito, a felicidade perfeita está na atividad e
virtuosa. Esta espécie de atividade, sempre estará em
concordância com a virtude, pois esta é a mais plen a que
existe. Todavia, esta atividade é contemplativa.
Contudo, isso está de acordo com a própria verdade e a
razão é a melhor coisa que existe no homem, como os objetos da
razão são os melhores dentre os objetos considerado s
cognoscíveis. Portanto, a contemplação da verdade é a mais
contínua que qualquer outra espécie de atividade. E a mais
aprazível das atividades virtuosas é a atividade da sabedoria
filosófica, pois, os que sabem passam o tempo mais
prazerosamente que os que indagam.
5 A vida feliz parece ser a conforme com a virtude; mas esta é uma vida de sério esforço e não de divertimento. Chamamos me lhores às coisas sérias do que às alegres e divertidas, e mais séria a ativ idade, seja do homem ou na parte que é sempre melhor nele: ora, o que prové m do melhor já é superior e mais apto a produzir felicidade. (R. Mondolfo. So bre, Et. n., X, 6, 1 176-7).
19
A auto suficiência da felicidade pertence a ativid ade
contemplativa. Portanto, o filósofo é o mais auto s uficiente de
todos os homens. E quanto mais sábio ele for, tanto melhor
poderá contemplar a verdade. Contudo, mesmo sozinho ele pode
contemplar a verdade.
A felicidade não consiste no lazer, na festa, ou n o
recreio, assim como não trabalhamos para ter de des canso, e não
fazemos guerra para obter a paz. Crê-se, que os exe rcícios das
virtudes práticas, consiste nos assuntos políticos e militares,
mas suas ações não encerram em coisa parecida com l azer. As
ações do estadista tem como objetivo as honras e o poder e
quando no mínimo a felicidade para seus concidadãos .
Portanto, as ações virtuosas tanto militar quanto
políticas, não encerram em lazeres e não são desejá veis em si
mesmas, pois, ninguém faz guerra para estar em guer ra. No
entanto, a atividade da razão, que é contemplativa é superior e
mais valiosa que qualquer outra espécie de atividad e, pois, não
visa nenhum fim além de si mesma. Com efeito, a ati vidade da
razão é intensificada pelo seu próprio prazer. Port anto, a
felicidade completa do homem, será aquelas qualidad es
atribuídas a ele, que se relacionam com essa ativid ade, ou
seja, com a atividade da razão que é contemplativa.
A razão é divina em comparação com o homem, no ent anto, a
vida conforme a razão é divina em comparação com a vida humana.
Considera-se, as preocupações com as coisas humanas , vã. Deve-
se, pois, os homens se tornar imortais e direcionar todo seu
esforço para viver de acordo com o que há de melhor em si. O
que vale não é o tamanho mas o valor, o poder. Com efeito, este
elemento é o próprio homem, pois, esta é a parte do minante que
ele tem e consequentemente a melhor. Conclui-se, qu e a vida
conforme à razão é a mais aprazível, pois, a razão é o próprio
20
homem. Portanto, esta, entre todas as outras é a vi da mais
feliz. 6
3.3 A BEATITUDE HUMANA E A BEATITUDE DIVINA.
Um homem, que tem a sua vida em consonância com as
virtudes militares e políticas, ou seja, que vive d e acordo com
esta espécie de virtude, tem uma vida feliz. Com ef eito, esta é
considerada como sendo de segundo grau, em relação as virtudes
da razão, que são contemplativas, pois, também esta s estão de
acordo com a nossa condição humana.
A sabedoria prática e o caráter virtuoso estão liga dos
entre si, no entanto, os princípios da sabedoria pr ática
concordam com as virtudes morais e a retidão moral concorda com
ela.
Todavia, as virtudes morais são virtudes humanas e tais
virtudes pertencem a natureza composta. Assim, tamb ém são de
condições humanas a vida e a felicidade que a elas
correspondem. As virtudes da razão, assim como as v irtudes
morais, precisam de bens exteriores, embora menos.
6 Se a felicidade é ativa conforme a virtude, é rac ional que seja conforme à virtude mais excelente, e esta será da p arte melhor.... Ora, se a atividade do intelecto parece sobressair por seried ade, sendo contemplativa, e não tender para nenhum fim exterior a si mesma, e Ter um prazer seu próprio que aumenta a sua atividade, e bastar-se a si mesma, e ser estudiosa, infatigável por tudo o que é dado ao hom em (e tudo o que se atribui ao bem-aventurado parece encontrar-se nessa atividade): então a perfeita felicidade do homem será esta, quando cons iga a perfeita duração da vida.... Mas semelhante vida será superior à humana , pois o homem não a viverá como homem, porém enquanto um que de divino nele estiver presente.... Ora, não é necessário, como pregam alguns, que o ho mem, por ser tal, conceba somente coisas humanas, e, como mortal, unicamente coisas mortais, mas que ma medida do possível, se torne imortal, e faça tod o o possível para conseguir viver de acordo com o que há de mais exce lente nele: pois se como massa é uma coisa pequena, por potência e dignidade supera em muito a todas. E pode parecer antes que cada um consista nesta par te, se ela é dominadora e mais saliente nele.... Com efeito, o que, por natur eza, é próprio a cada um, é também para cada um, a melhor e mais doce coisa. Logo, para o homem (é tal) a vida conforme ao intelecto, pois este é, sob retudo, o que constitui o homem. Por isso, esta é a vida mais feliz (R. Mondo lfo. Sobre, Ét. n., X, 7, 1 177-8).
21
O trabalho do estadista se ocupa mais com as coisas do
corpo que as coisas da alma. Porem, a necessidade q ue ambas tem
de bens exteriores não é tão grande como geralmente se pensa,
mas naquilo que precisam para o exercício de suas a tividades
haverá grande diferença. Contudo, o homem para prat icar seus
atos de virtude, carece de algo exterior. Diz Arist óteles: “O
homem liberal necessita de dinheiro para a prática de seus atos
de liberalidade e o homem justo para a retribuição de serviços
(pois é difícil enxergar claro nos desejos, e mesmo os que não
são justos aparentam o desejo de agir com justiça); e o homem
corajoso necessita de poder para realizar qualquer dos atos que
correspondem à sua virtude, e o temperante necessit a de
oportunidade: pois de que outro modo poderíamos rec onhecer
tanto a ele como a qualquer dos outros”? 7
Pode-se perguntar, o que é mais essencial para a vi rtude,
o ato ou a vontade. Aristóteles no entanto, afirma que a
perfeição da virtude envolve os dois, e que os atos , quanto
mais nobres, mais coisas exigem. Todavia, para a co ntemplação
da verdade, dispensa-se tais coisas que para os ato s são
necessárias para o exercício de sua atividade. Esta s coisas a
que se refere, para a contemplação podem ser obstác ulos, se não
servir exclusivamente para a contemplação.
Mas não se pode esquecer da condição humana, pois, os
homens vivem em sociedade, ou seja, se relaciona co m os outros
homens e tais coisas facilitam a complexidade da vi da humana.
3.4 A FELICIDADE PERFEITA CONSISTE NA CONTEMPLAÇÃO.
Todavia, a felicidade perfeita parece não ser a do
estadista, pela sua dependência em outras coisas, m as, a
atividade contemplativa. Aristóteles fala a respeit o da
felicidade dos deuses: “Admitimos que os deuses sej am, acima de
7 Os Pensadores. Abril Cultural. Aristóteles, pg. 43 0.
22
todos os outros seres, bem-aventurados e felizes: m as que
espécie de ações lhes atribuiremos? Atos de justiça ? Não
pareceria absurdo que os deuses firmassem contratos ,
restituíssem depósitos e outras coisas do mesmo jae z? Atos de
coragem, então, arrostando perigos e expondo-se a r iscos,
porque é nobre proceder assim? Ou atos de liberalid ade? A que
fariam eles dádivas? Muito estranho seria se os deu ses
realmente tivessem dinheiro ou algo dessa espécie. E em que
consistiriam os seus atos de temperança? Não será r idículo
louvá-los por isso, uma vez que não tem maus apetit es?
Se as analisássemos uma por uma, as circunstâncias da ação
se nos mostrariam triviais e indignas dos deuses. N ão obstante,
todos supõem que eles vivem e, portanto, são ativos ; não
podemos concebê-los a dormir como Endimião. Ora, se a um ser
vivente retirarmos a ação, e ainda mais a ação prod utiva, que
lhe restará a não ser a contemplação? Por conseguin te, a
atividade de Deus, que ultrapassa todas as outras p ela bem-
aventurança, deve ser contemplativa; e das atividad es humanas,
a que mais afinidade tem com esta é a que mais deve participar
da felicidade”.( 8)
Crê-se, que a atividade dos deuses é contemplativa , e no
entanto, as atividades do homem que mais tem afinid ade com a
dos deuses é a que mais participa da felicidade.
Os animais não participam da felicidade, pois, por
natureza são completamente privados da atividade da
contemplação. Bem-aventurados e felizes são os deus es, porque
sua atividade repousa puramente na contemplação e e sta é a mais
sublime de toda atividade. Felizes também são todos aqueles
homens que possuem algo desta espécie de atividade. Fora o
homem, nenhum outro animal pode ser feliz, por esta r privado
desta atividade. Portanto, considera-se que a felic idade
perfeita se dará somente pela pura contemplação.
8 Os Pensadores. Abril Cultural. Aristóteles, pg. 4 31.
23
3.5 O HOMEM NÃO PODE SER COMPLETAMENTE FELIZ.
Devido a sua condição humana, todo homem necessita de
prosperidade exterior, a saber, saúde, alimentação, cuidados
entre outras coisas do gênero. Nenhum homem pode se r supramente
feliz, mas para ser feliz não precisa-se de grandes coisas,
como bens exteriores. Até mesmo esta espécie de fel icidade, que
não dispensa os bens, pode fazer com que o homem pr oceda
virtuosamente. Contudo, tanto um déspota como um ho mem
particular pode praticar atos dignos, sendo que o s egundo, pode
praticar mais em relação ao primeiro, e o homem que age segundo
a virtude será feliz.
Solom também faz referência ao homem feliz e diz q ue este
deve ser moderadamente provido de bens exteriores. Anaxágoras
em conformidade com Solom, também propõe que o home m feliz não
seja rico e nem um déspota.
De fato, quem exerce e cultiva a razão, desfruta a o mesmo
tempo da melhor disposição de espírito. O homem mai s apreciado
pelos deuses é o filósofo. O exercício e o cultivo da razão
mais de que ninguém a ele pertence. Também será ele o mais
feliz dentre todos os homens, pois, é o filósofo aq uele que
constantemente está exercitando a razão.
As virtudes não são objeto puramente do conhecimen to. Ela
não desvela todo seu vigor àqueles que a possui com o objeto de
especulação. O seu potencial é mostrado na prática da mesma,
pois, o homem bom não é aquele que conhece as virtu des, e sim
aqueles que as praticam.
Os argumentos racionais não são o bastante para to rnar os
homens bons, caso bastassem eles teriam grandes rec ompensas.
Contudo, o conhecimento das virtudes, parece ser um estímulo e
um encorajamento, para a juventude se tornar amiga de tudo o
24
que é nobre e até mesmo para receber a virtude. Mas , mesmo
assim não consegue incutir nobreza e bondade na mul tidão.
Geralmente, os homens não obedecem por natureza a um
sentimento de vergonha, gerado pelo que pode ferir a
honestidade, mas unicamente ao medo. E não deixam d e praticar
as mas ações, porque elas são mesquinhas, desprezív eis, infame,
mas, pelo temor ao castigo. Vivem pelas paixões, pr ocurando um
bem estar nos prazeres e nos meios para se consegui r tal
prazer. Foge de todo sofrimento de uma vida contrár ia a esses
princípios. Contudo, estes nunca sentiram o gosto d o que é
nobre e verdadeiramente agradável.
Algumas pessoas, pensam que os homens se tornam bo ns por
natureza, outras, que é pelo hábito, e outros ainda pensam que
os homens se tornam bons através do ensino. No enta nto, a
contribuição da natureza não depende somente dos ho mens, mas,
de certas coisas que são divinas. No tocante ao ens ino e a
argumentação, parece não ter muita influência sobre os homens.
Mas, o que realmente pode ter influência sobre ele é o ato de
cultivar o estudo por meio de hábitos. Somente assi m, o homem
terá possibilidade de obter as mais nobres alegrias . Portanto,
é preciso tomar cuidado com as paixões, pois, ela t orna surdo
os homens em relação aos argumentos da razão e ao q ue diz o
ensinamento das virtudes.
A paixão luta contra o argumento (conhecimento, ra zão). É
preciso de antemão, ter uma espécie de caráter que esteja com
uma certa afinidade com a virtude. Também não se po de desprezar
o querer gostar do que é nobre e nem desprezar com vicissitude
tudo que é mesquinho.
De fato, para se ter tal disposição de caráter, se ria
necessário que desde jovem, os homens estivessem so b a
observância de leis apropriadas para ter na alma o gosto por
isso e desprezo por aquilo, como convém. No entanto , esta
observância possibilitaria aos homens, uma vida mai s
25
temperante, mas, não é isto que causa atração, enca nto ou
fascínio, a maioria das pessoas, principalmente em relação a
juventude. Todavia, o que exige uma vida temperante , não seria
tão doloroso, difícil ou complicado, se desde cedo fizesse
parte da vida dos homens, como coisas habituais. Ta is leis não
devem atingir somente a juventude, mas é preciso se r
acompanhada por estes cuidados, por toda vida. Com efeito, se
verifica nas pessoas, uma obediência maior as neces sidades que
aos argumentos, mais a punição que ao sentimento no bre.
Diz Aristóteles, em relação a isto: “Por isso pens am
alguns que os legisladores deveriam estimular os ho mens à
virtude e instigá-los com o motivo do nobre, partin do do
princípio de que aqueles que já fizeram consideráve is
progressos, mercê da formação de hábitos, serão sen síveis a
tais influências; e que conviria impor castigos e p enas aos que
fossem de natureza inferior, enquanto os incuravelm ente maus
seriam banidos de todo. O homem bom (pensam eles), vivendo como
vive, com o pensamento fixo no que é nobre, submete r-se-á à
argumentação, ao passo que o homem mau, que só dese ja o prazer,
será corrigido pela dor, como uma besta de carga. E por isso
dizem também que as dores infligidas devem ser as q ue forem
mais contrárias aos prazeres que esses homens amam” . 9
3.6 O HOMEM BOM É OBSERVANTE DA LEI.
Para que o homem possa ser bom, deve ser bem adestr ado e
acostumado a viver sob os ditames das leis. Sendo a ssim, suas
ocupações serão dadas somente com coisas dignas. To davia, estas
leis tem o poder em si mesmas, tirando a força do g overno
paterno. Seu poder seria baseado numa espécie de ra zão prática.
O que acontece geralmente é que as pessoas são disc ordes dos
homens que contrariam seus instintos, mas, mesmo as sim, tais
9 Os Pensadores. Abril Cultural. Aristóteles. pg. 43 3.
26
leis não lhes seria motivo de peso ao saber que lhe
proporcionam o que é bom, pois tudo que o homem pro cura
adquirir com seus atos, consciente ou não é aquilo que é bom.
De fato, na maioria dos estados, as leis são de li vre
arbítrio de cada um, ou seja, cada um ou cada famíl ia, designa
para si e para os seus o que é o melhor. No entanto , seria
conveniente que estas leis fossem de encargo públic o, sob a
responsabilidade do Estado, e todo o povo as acatas se
generosamente. Mas como se percebe, as leis não são observadas
o bastante, tanto quanto necessário pela maioria da s pessoas.
Portanto, recomenda-se que cada um exorte o seu pró ximo, a
seguir os caminhos da virtude.
Sendo assim feito, o domínio público será exercido pela
própria lei. Portanto, boas leis controlariam o púb lico. Mas,
estas leis não devem ter como alvo, a educação de u m indivíduo
ou determinado grupo, como é o caso da música, da g inástica
etc. Os preceitos e hábitos do pai, tem força de ca ráter sob a
família. Tendo o pai como um modelo, os filhos cria m desde o
princípio uma disposição para obedecer, que mais ta rde lhes
será muito útil, e não muito distante será exercida na vida
pública par o bem do Estado. O controle poderá ser melhor
observado, quando for privado, ou seja, na família, ou no caso
de algum grupo, pois, assim cada um teria maior pos sibilidade
de receber o que convém a seu caso.
Contudo, o mais habilitado dentre os homens para c uidar
destas coisas, são aqueles que tem um conhecimento geral do que
é bom para cada um, ou a determinada espécie de pes soa. Os
melhores, ou seja, os mais habilitados, cuidam melh or de si
mesmos, embora não saibam cuidar dos outros. Aquele que deseja
ser mestre numa arte ou ciência, deve sempre buscar o
universal, e procurar conhece-lo o quanto melhor po ssível,
pois, são com eles de que se ocupam a ciência e as artes.
27
Portanto, se é possível tornar-se bom pela observâ ncia das
leis, então todo aquele que se dedica no ofício par a melhorar
os homens, são estes, aqueles que são capazes de fa zer tais
leis. No entanto, não são muitas as pessoas que se dispõem a
prática deste ofício. Pois, a formação do caráter d e alguém não
é tarefa para qualquer um.
Diz Aristóteles, em relação aos homens que devem le gislar:
“E, se é pelas leis que nos podemos tornar bons, se guramente o
que se empenha em melhorar homens, sejam estes muit os ou
poucos, deve ser capaz de legislar. Por quanto refo rmar o
caráter de qualquer um, do primeiro que lhe colocam na frente
não é tarefa para qualquer um; se alguém pode fazer isso, é o
homem que sabe, exatamente como na medicina e em to dos os
outros assuntos que exigem cuidado e prudência”. 10
Aristóteles disse que este assunto foi considerado como
fazendo parte da ciência dos negócios políticos. Em outras
ciências, percebe-se que as mesmas pessoas praticam e se
oferecem para ensiná-las. Contudo, os sofistas ensi navam a
política, mas, estão longe de as praticarem. Eles e nsinam,
graças a uma habilidade ou experiência, mas não pel o
raciocínio. Conclui-se, que os sofistas com seus en sinamentos
não eram capazes de fazer estadistas, porque se o f ossem teriam
feito estadistas todos os seus filhos e amigos. Cer tamente o
que eles realmente podiam oferecer era a habilidade e
experiência de que possuíam. Todavia, percebe-se qu e a
contribuição que a sua experiência pode oferecer nã o foi tão
pequena assim, pois, era ela que tornava os sofista s políticos.
Crê-se então, que os sofistas eram políticos formad os pela
habilidade e experiência. No entanto, aqueles que d esejam
conhecer a arte da política precisam também da expe riência.
Os sofistas tinham a arte como profissão, mas não eram
capazes de ensinar, e nem ao menos sabiam que espéc ie de coisa
10 Os Pensadores. Abril Cultural. Aristóteles. pg. 43 4.
28
é a arte política, caso contrário não teriam classi ficado, como
sendo igual a retórica e nem mesmo diriam ser fácil legislar,
somente por se ter a mais elaborada das leis. 5
Todavia, as leis são as obras da arte política. Ma s se as
leis são obras da arte política, deve-se aprender a legislar
bem, não com as obras da política, mas com a própri a política.
De fato, não se pretende com isso, tirar o mérito d a lei, mas é
certo que sendo ela obra da política não é mais que a política.
Seu valor está em ajudar os homens a distinguir o q ue é bom do
que é mau. No entanto, para isso é preciso a experi ência para o
reto discernimento.
E assim, se dá por concluído a exposição que foi p roposta,
ou seja, uma explanação sobre o conceito de felicid ade.
29
4 O CONCEITO DE JUSTIÇA EM ARISTÓTELES.
4.1 A JUSTIÇA É UMA DISPOSIÇÃO DE CARÁTER.
No que toca a justiça e injustiça, deve ser consid erado
três pontos: no primeiro ponto, deve ser considerad o com que
espécie de ações elas se relacionam, no segundo pon to deve ser
considerado que espécie de meio termo é a justiça, e no
terceiro ponto deve-se considerar entre que extremo s o ato
justo é intermediário.
Estes três pontos são de extrema importância, porq ue é a
partir deles que será desenvolvido o conceito de ju stiça. O
desenvolvimento do conceito, será basicamente uma a claração a
respeito destes três pontos.
A justiça é uma disposição de caráter que torna as pessoas
propensas a fazer o que é justo, desejar o que é ju sto e agir
justamente. Contudo, é como se fosse um ânimo, uma força que
nos empurra a desejar praticar atos de justiça. Ass im, como a
justiça provoca nas pessoas tais desejos para a prá tica de tudo
que é justo, para o agir corretamente, de maneira s emelhante a
injustiça também é uma disposição, embora com funçã o inversa.
Ela é como uma força, que pressiona o homem a prati car
constantemente atos que são considerados injustos. No entanto,
esta força que nos impulsiona, seja ela, a justiça ou a
injustiça é uma disposição. O que destingue uma da outra é o
seu destino.
Estes pontos são de consideráveis importância porq ue, se
tornam a base para Aristóteles definir o conceito d e justiça. É
a partir daí que ele começa a desenvolver o conceit o de
justiça.
Uma disposição de caráter é um de dois contrários, e não
produz resultados opostos. Por exemplo; “em razão d a saúde não
fazemos o que é contrário à saúde, mas só o que é s audável,
30
pois dizemos que um homem caminha de modo saudável quando
caminha como o faria um homem que gozasse saúde”.
Muitas vezes um estado é conhecido pelo seu contrá rio, ou
seja, quando se conhece a boa condição, a má condiç ão também se
torna conhecida. Um exemplo é, se a boa condição fo r a firmeza
da carne é necessário que, não só a má condição sej a a flacidez
da carne, mas que o saudável seja aquilo que torna a carne
firme.
Com efeito, se um dos contrários for ambíguo o out ro
também será. Os termos, justiça e injustiça parecem ser
ambíguos. Mas, a ambigüidade escapa da visão, porqu e muitas
vezes seus diferentes significados se aproximam uns dos outros.
Todo homem justo é considerado respeitador da lei e probo,
e o homem injusto sem lei e ímprobo. Mas, o homem i njusto nem
sempre escolhe para si o maior mas também nem o men or. Mas como
o mal menor em certo sentido é considerado bom, e a ganância se
dirige para o bom, pensa-se que esse homem é gananc ioso.
Assim, todos os atos legítimos em certo sentido sã o
justos, porque se diz que o homem justo é respeitad or da lei, e
todos os atos praticados conforme a lei são justos.
Nas disposições, as leis tem em mira a vantagem co mum, ou
seja, na sua essência não existe um direcionamento para tal
grupo ou determinada espécie. Ela é feita com a int enção de
atingir se possível a todos, de modo que justos são aqueles que
tendem produzir e a preservar para a sociedade polí tica, a
felicidade e os elementos que as compõem.
4.2 A JUSTIÇA E A LEI.
O homem justo, é respeitador das leis. No entanto, ele
praticará cada vez mais atos justos, na medida em q ue tais leis
forem melhores elaboradas. Por isso a justiça, muit as vezes é
considerada a maior entre todas as virtudes. Ela é uma virtude
31
completa e aquele que a possui, pode exercê-la não só sobre si
mesmo mas também em ralação ao seu próximo. Sendo q ue existem
homens que a possuem, mas não em sentido pleno, e s ão capazes
de exercê-la em seus assuntos privados, porém, não em suas
relações com os outros. Por isso é considerado verd adeiro o
dito de Bias, “que o mando revela o homem”.
O pior dos homens segundo Aristóteles é aquele que exerce
sua maldade, tanto para consigo mesmo como para com seus amigos
e consequentemente o melhor de todos os homens não aquele que
exerce sua virtude para consigo mesmo, mas para com o outro.
Sendo assim, a justiça não pode ser considerada co mo uma
parte da virtude, pois ela é a virtude inteira, ass im como a
injustiça também não é parte do vício, pois ela é o vício
inteiro. Virtude e justiça são a mesma coisa, mas n ão na sua
essência. Aquilo que em relação ao próximo é justiç a, como
disposição de caráter em si mesmo é virtude.
O homem injusto, pratica vários tipos de maldade e assim
age realmente mal, mas não é a prática de sua malda de que o
torna ganancioso, como por exemplo, o homem que ao se expressar
fala duramente, mas por mau humor. Por outro lado, o homem
injusto pode ser ganancioso sem mesmo praticar atos maus. A
injustiça em um sentido mais amplo, comporta em si uma outra
espécie de injustiça. Este é o uso que fazemos da p alavra
injusto que corresponde a uma parte do que é injust o em sentido
de contrário a lei.
Por outro lado, ainda distingue-se o injusto do
intemperante. Todavia, um homem que comete adultéri o e ganha
dinheiro com isto é injusto, mas um outro que prati ca o mesmo
ato levado pelo apetite instintivo é intemperante e não
ganancioso. Não se faz necessário que o injusto sej a
intemperante. Porém, todo ato injusto é atribuído a alguma
espécie de maldade. Sendo assim, todo ato injusto t orna
presente alguma espécie de maldade.
32
Todas as espécies de injustiça são atribuídas à al guma
espécie particular de maldade. Como por exemplo; o adultério à
intemperança, o abandono de um companheiro em comba te à
covardia, a violência física à cólera. Todavia, se por ventura
um homem tira proveito de sua ação, esta não é atri buída a
nenhuma forma de maldade se não a injustiça.
O termo injustiça, compreende um sentido mais univ ersal e
um outro mais particular. As duas compressões consi ste numa
relação para com o próximo, sendo uma no tocante a honra,
dinheiro ou à segurança, sendo seu motivo o prazer
proporcionado pelo lucro e a outra no entanto, diz respeito a
todos os objetos com os quais o homem bom se relaci ona.
Percebe-se então, que existe inúmeras espécies de justiça,
e uma delas se distingue da virtude no pleno sentid o da
palavra. Sendo assim, o que importa é determinar qu al o seu
gênero e a sua diferença específica. O significado de ambas,
consiste numa ralação para com o próximo, mas uma d estas
injustiças diz respeito à honra, ao dinheiro ou à s egurança, e
o seu motivo é o prazer proporcionado pelo lucro; n o entanto a
outra diz respeito a todos os objetos com que se re laciona o
homem bom. 11
4.3 O JUSTO E O INJUSTO.
Ao fazer menção no que se refere a distinção do ho mem
justo do injusto, classifica-se como sendo o injust o dividido
em ilegítimo e ímprobo e o justo em legítimo e prob o. 12 A este
respeito, diz Aristóteles: “O injusto foi dividido em ilegítimo
e ímprobo e o justo em legítimo e probo. Ao ilegíti mo
corresponde o sentido de injustiça que examinamos a cima. Mas,
11 Há duas espécies da justiça particular e do justo conforme ela, que se aplica à distribuição das horas, das riquezas e das outras coisas, de todas as que po9dem distribuir-se entre o membros de um E stado. (R. Mondolfo. Sobre, Et. n., V, 2, 1 130). 12 De caráter íntegro, justo, honrado.
33
como ilegítimo e ímprobo não são a mesma coisa, mas diferem
entre si como uma parte do seu todo (pois tudo que é ímprobo é
ilegítimo, mas nem tudo que é ilegítimo é ímprobo), o injusto e
a injustiça no sentido de improbidade não se identi ficam com a
primeira espécie citada, mas diferem dela como a pa rte do todo.
Com efeito, a injustiça neste sentido é uma parte d a injustiça
no sentido amplo, e, do mesmo modo, a justiça num s entido o é
da justiça do outro. Portanto, devemos também falar da justiça
e da injustiça particular, e da mesma forma a respe ito do justo
e do injusto”. 13
A justiça corresponde à virtude completa, sendo as sim, ela
é o próprio exercício da virtude, enquanto que a in justiça
corresponde ao exercício do vício completo. Ambos e stão
relacionados com o próximo. A maioria dos atos orde nados pela
lei são aqueles que são prescritos do ponto de vist a da virtude
como um todo, pois como foi visto, há também uma vi rtude que é
parte do todo da virtude em seu âmbito mais geral. A lei
todavia, entre suas várias funções, também tem a fu nção de
proibir a prática de qualquer espécie de vício, e a o mesmo
tempo está como que uma seta indicando para a obser vância de
toda virtude. 14 A educação para o bem comum é aquela originada
da lei, pois é esta que produz a virtude como um to do e não
aquela que tem a finalidade de tornar o homem bom, mas, um bom
cidadão.
13 A justiça é uma virtude perfeita, mas não em sent ido absoluto, porém relativo. E por isso, parece, amiúde, a maior entre as virtudes; nem Héspero nem Lúcifer inspiram semelhante admiração, e cita-s e como provérbio o verso: “na justiça acha-se contida toda virtude”.... A jus tiça, portanto, não é parte de virtude, mas a virtude inteira; nem, por o utra parte, a injustiça é parte de vício, mas o vício inteiro. Torna-se, pois , claro em que diferem a virtude e esta justiça: porque esta é a mesma, mas não idêntica por sua essência; porém enquanto é relativa a outro, é jus tiça, e como um hábito determinado, é virtude. (R. Mondolfo. Sobre, Et. n. , V, 1, 1 130). 14 É evidente como se distinguem o justo e o injusto , de acordo com estes conceitos: porque quase todas as ações de conformid ade com a lei, são prescritas pela virtude em geral, pois a lei ordena uma vida conforme com toda virtude e impede a conforme com todo vício. (R . Mondolfo. Sobre, Et. n., V, 2, 1 130).
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Aristóteles diz, a respeito da justiça: “Da justiç a
particular e do que é justo no sentido corresponden te, (A) uma
espécie é a que se manifesta nas distribuições de h onras, de
dinheiro ou das outras coisas que são divididas ent re aqueles
que tem parte na constituição (pois aí é possível r eceber um
quinhão igual ou desigual ao de um outro); e (B) ou tra espécie
é aquela que desempenha um papel corretivo nas tran sações entre
indivíduos. Desta última há duas divisões: dentre a s
transações, (1) algumas são voluntárias, e (2) outr as são
involuntárias, voluntárias, por exemplo, as compras e vendas,
os empréstimos para consumo, as arras 15, o empréstimo para uso,
os depósitos, as locações (todos estes são chamados voluntários
porque a origem das transações é voluntária); ao pa sso que das
involuntárias, (a) algumas são clandestinas, como o furto, o
adultério, o envenenamento, o lenocínio 16, o engodo 17 a fim de
escravizar, o falso testemunho, e (b) outras são vi olentas,
como a agressão, o seqüestro, o homicídio, o roubo a mão
armada, a mutilação, as invectivas e os insultos” 18.
Entre o homem injusto e o ato injusto, existe um p onto
intermediário entre os dois, que se chama iniquidad e, pois em
toda ação onde existe o mais e o menos, também há o igual. Com
efeito, foi tratado o injusto iníquo e o justo eqüi tativo,
sendo o igual um ponto intermediário, então o justo será um
meio-termo. O termo igual implica ao menos duas coi sas.
Portanto, o homem justo deve ser também ao mesmo te mpo
intermediário, igual e relativo. No entanto, o term o justo,
diferentemente do termo igual, implica em si pelo m enos outros
quatro termos. Dois em relação as pessoas para quem ele é de
fato justo, e dois em relação as coisas em que se m anifesta.
15 Garantia ou sinal de um contrato. 16 Crime contra os costumes, caracterizado sobretudo pelo fato de se prestar assistência a libidinagem alheia, ou dela s e tirar proveito, e cujas modalidades são o proxenetismo o rufianismo e o trá fico, de mulheres; alcovitice, alcoviteirice. 17 Coisa com que se engoda ou seduz alguém. 18 ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco, V, 2, 1 131a.
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Com efeito, todo aquele que age injustamente, demo nstra um
excesso e o que é injustamente tratado, demonstra q ue tem muito
pouco do que é bom. Todavia, com relação ao mal per cebe-se o
inverso, donde o mal menor será comparado com o mal maior, e
consequentemente o mal menor será considerado como um bem em
relação ao mal maior. Diante destas duas espécies d e males, ou
seja, diante do mal maior e o mal menor, o segundo será sempre
o escolhido, parecendo ser ele um bem, enquanto é m al, pois
entende-se que tudo aquilo que é digno de escolha é bom. Essa é
portanto, uma das espécies do justo. 19
4.4 A JUSTIÇA CORRETIVA.
Visto que são várias as espécies do justo, uma out ra
parece ser a corretiva. Esta, é fruto que brota em relação com
transações tanto voluntárias como involuntárias. No entanto
esta espécie de justo, é diferente daquela que foi vista. A
justiça que distribui posses comuns está sempre de acordo com a
proporção que foi mencionada. Sendo assim, a injust iça que é
contrária a esta espécie de injustiça é aquela que viola a
proporção. Portanto, no que se refere a justiça nas transações
entre dois homens é a igualdade, onde em suas trans ações um não
leva vantagem no negócio em prejuízo do próximo. De sta forma,
conclui-se então que toda injustiça é uma espécie d e
desigualdade. Portanto, a lei não procura fazer jul gamento
19 Como o injusto é desigual e o desigual injusto, é evidente que há também um meio entre os desiguais, e este é o igual : pois em cada ação, onde se dão mais e o menor, dá-se também o igual.... É m ister, pois, que o justo seja eqüidistância e igualdade, a respeito de coisa s e de pessoas.... E deve haver a mesma igualdade nas pessoas e nas coisa, po rque na relação em que estão as coisas, nela (devem estar) também as pesso as que as possuem; se, com efeito, não são iguais, não deve haver coisas i guais, antes, surgem aqui contendas e lamentos, quando os iguais tem posses e distribuições desiguais, e os desiguais iguais.... O justo acha-se, pois, em uma espécie de proporção.... O justo encontra-se na relação entre quatro termos, pelo menos, e a relação deve ser a mesma, porque devem d iferir igualmente as pessoas e as coisas. Então, como A:B, assim deve C: D, e alternando como A:C, assim B:D.... De modo que a união de A com C e B co m D, proporcionam a
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analisando se o que foi prejudicado pela transação era um homem
mau ou não, mas considera o caráter distintivo do d elito, ou
seja, ela trata as partes como iguais, por isto não importa
quem cometeu ou sofreu o delito, mas sim, que é a v ítima e a
autora do delito. A injustiça aparece como uma desi gualdade na
relação. Diante de um caso assim, onde um foi o que feriu e o
outro o que foi ferido, seja qual for a espécie de ferimento, o
juiz procurará igualar a distribuição por meio da p ena,
retirando uma parte do ganho do acusado. O termo in termediário
entre o maior e o menor é o igual e os termos ganho e perda são
maiores e menores em sentido contrários. Portanto, o termo
igual será o intermediário dentre o maior e o menor . Maior
quantidade do bem e menor quantidade do mal é ganho , o resto é
perda. Com efeito, a justiça corretiva será o inter mediário
entre os dois, ou seja, entre o ganho e a perda.
Esta é a razão porque as pessoas que se encontram em
questões de disputas procuram o juiz. A natureza do juiz é de
ser uma espécie de justiça animada. O juiz é procur ado como um
intermediário nas questões que envolve disputas. Qu ando o juiz
consegue distribuir o meio termo para aqueles que s e encontram
em disputa, a justiça se estabelece.
O termo justo é um meio termo, pois, a igualdade é o justo
para ambas as partes. As pessoas que se encontram e m disputa,
recorrem ao juiz com esperança de que a justiça se estabeleça,
ou seja, em busca da reparação de um dano sofrido. Alcançar o
meio termo significa conseguir o que é justo, e é f unção do
juiz ser o mediador, o intermediário entre os litig antes que
procuram o meio termo.
É o juiz quem restabelece a igualdade, fazendo com que
ambas as partes recebam o que lhes pertence, ou sej a, recebam o
igual.
justiça distributiva . E os matemáticos chamem, à tal proporção, geométr ica (R. Mondolfo. Et. n., V, 3, 1 131).
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Todavia, perda e ganho, procedem das trocas efetua das
voluntariamente. Ter mais do que lhe pertence, sign ifica
ganhar, assim como ter menos do que lhe pertence, s ignifica
perder. Portanto, numa transação de compras e venda s onde os
indivíduos estabelecem as suas próprias condições, onde cada
qual não recebe nem mais nem menos do que lhe perte nce, julgam
não ter ganhado nem perdido, mas obtido o que é seu .
Portanto, o justo é intermediário entre ganho e pe rda, ou
seja, o justo é o intermediário entre os que são in voluntários.
Todavia, a quantidade deve ser igual tanto antes co mo depois de
toda e qualquer transação. 20
4.5 A RECIPROCIDADE E A JUSTIÇA.
Os pitagóricos diziam ser a reciprocidade justa, p ois, era
assim que eles definiam a justiça e no entanto muit os outros
assim pensavam. Mas, esta afirmação em certo sentid o, não tem
afinidade nenhuma com a justiça distributiva e nem com a
corretiva. A reciprocidade em muitos casos não diz nada com
relação a justiça corretiva, afirma Aristóteles com estes
exemplos: “se uma autoridade infligiu um ferimento, não deve
ser ferida em represália, e se alguém feriu uma aut oridade, não
apenas deve ser também ferido, mas castigado além d isso.
Acresce que há grande diferença entre um ato volunt ário e um
ato involuntário. Mas nas transações de toca essa e spécie de
justiça não produz a união dos homens: a reciprocid ade deve
fazer-se de acordo com uma proporção e não na base de uma
retribuição exatamente igual. Porquanto é pela retr ibuição
proporcional que a cidade se mantém unida. Os homen s procuram
20 A outra espécie é a comutativa , que surge nas mudanças voluntárias e involuntárias.... O justo nos contratos é uma igual dade, e o injusto é uma desigualdade, mas não de acordo com a dita proporçã o, mas segundo a aritmética... De onde não resulta mais nem menos, mas o mesmo pa ra as mesmas pessoas, eles dizem de Ter o próprio sem perda e se m ganho: pois, o justo é o meio entre ganho e perda....: ou seja Ter o mesmo antes e depois da troca (R. Mondolfo. Et. n., V, 4, 1 132).
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pagar o mal com o mal e, se não podem fazê-lo, julg am-se
reduzidos à condição de simples escravos e o bem co m o bem, e
se não podem fazê-lo não há troca, e é pela troca q ue eles se
mantêm unidos. Por esse mesmo motivo dão uma posiçã o
proeminente ao templo das Graças: promover a retrib uição dos
serviços é característico da graça, e deveríamos se rvir em
troca aquele que nos dispensou uma graça, tomando n outra
ocasião a iniciativa de lhe fazer o mesmo”. 21
Contudo, a retribuição proporcional deve ter igual dade
proporcional na troca de produtos, para ocorrer a a ção
recíproca, caso contrário a permuta não será válida , pois o
trabalho de um pode ser superior ao do outro e a tr oca de
produtos de seus trabalhos devem ser igualadas para que possa
ser justa a troca, assim, nem um nem outro será les ado.
Assim, também deve ser em todas as outras artes, c omo na
medicina, na agricultura, na arquitetura, etc., poi s a troca
sempre é feita com pessoas diferentes. Portanto, to das as
coisas que são objetos de troca devem ser comparáve is. Todavia,
por medir todas as coisas, o dinheiro foi introduzi do como um
meio termo. No caso de um agricultor querendo efetu ar uma
troca, sendo que o produto de seu trabalho é o alim ento, o
dinheiro é quem mede a proporção de alimento para a efetivação
da troca com o produto do trabalho de um arquiteto, sendo ele
uma casa. A quantidade igualará os dois neste caso. A troca não
deve ser feita enquanto ambas as partes não forem i gualadas.
O dinheiro, por ser aquele que tudo mede, tornou-s e uma
espécie de representante da procura. No entanto, el e não existe
por natureza, mas pela determinação de uma lei, e e stá sob a
responsabilidade do homem torná-lo sem valor.
Portanto, o que determina a reciprocidade é a igua ldade
entre a proporção com relação aos objetos de troca.
21 ARISTÓTELES. Et. n., V, 1 133 a
39
O dinheiro é a garantia da sanidade das necessidad es
futuras do homem. Se não é necessário uma determina da coisa no
presente, pode ser no futuro, mas tendo posse do di nheiro pode-
se possuí-la no futuro, quando esta se fizer necess ária. Tanto
o valor dos bens como do dinheiro, nem sempre são o s mesmos,
mas o dinheiro tende ser o mais estável.
Aristóteles afirma: “seja A uma casa, B dez minas, C uma
cama. A é a metade de B, se a casa vale cinco minas ou é igual
a elas; a cama, C, é um décimo de B; torna-se assim evidente
quantas camas igualam uma casa, a saber: cinco. Não há dúvida
que a troca se realizava desse modo antes de existi r dinheiro,
pois nenhuma diferença faz que cinco camas sejam tr ocadas por
uma casa ou pelo valor monetário de cinco camas". 22
Parece ficar definido o justo e o injusto. Com efe ito, a
ação justa é pois, intermediária entre o agir injus tamente e o
ser vítima de injustiça. O agir injustamente signif ica ter de
mais, enquanto ser vítima de injustiça é ter demasi adamente do
que é de direito. Como já é sabido, a justiça é uma espécie de
meio termo, porém, em sentido diferente das outras virtudes,
mas, justamente porque seu relacionamento é com uma quantia ou
quantidade intermediária, enquanto a injustiça se r elaciona com
os extremos. A justiça é caracterizada por aquilo q ue o homem
justo pratica por vontade própria, pois, o homem ju sto é aquele
que distribui de maneira igual de acordo com a prop orção. Tem
uma ralação semelhante a injustiça para com o injus to. Sua
ralação sempre é de excesso e de falta, excesso de uma parte e
falta da outra. A vítima de injustiça é aquele que na ação
injusta recebe demasiadamente pouco, enquanto que a quele que
recebe demais é o autor do agir injustamente.
4.6 AS VÁRIAS ESPÉCIES DE JUSTIÇA E INJUSTIÇA.
22 ARISTÓTELES. Et. n., V, 1 133 b 25.
40
É preciso pois, verificar que tipo de ação injusta faz com
que o homem seja injusto, sendo que nem todo tipo d e ação
injusta faz dele um homem injusto. Um homem pode nã o ser ladrão
apesar de ter roubado, nem adúltero apesar de ter c ometido
adultério e do mesmo modo em todos os outros casos.
Aristóteles afirma que: “a justiça política é enco ntrada
entre homens que vivem em comum tendo em vista a au to-
suficiência, homens que são livres e iguais, quer
proporcionalmente, quer aritmeticamente, de modo qu e entre os
que não preenchem esta condição não existe justiça política,
mas justiça num sentido especial e por analogia”. 23
No entanto, somente poderá existir justiça entre o s homens
cuja as relações mutuas são governadas pela lei. A função da
lei é censurar a injustiça, e a justiça legal é a d iscriminação
do justo e do injusto. Logo, onde há injustiça entr e os homens,
certamente poderá também haver ações injustas, mas pelo fato de
haver ações injustas consequentemente não significa que haja
também injustiça.
O homem que governa, tende vir a ser um tirano, po is é
tentado a fazer tudo em seu próprio benefício. O ma gistrado é o
protetor da justiça e da igualdade. Supõe-se, que e le não
possua mais do que lhe pertence se realmente é just o, ele deve,
portanto, ser recompensado e sua recompensa deve se r a honra e
o privilégio. Todavia, torna-se tirano aqueles que não se
contentam com tais recompensas.
Ninguém voluntariamente fere a si mesmo, assim não existe
injustiça contra si próprio. Portanto, não é em rel ações desta
espécie que a justiça e injustiça dos cidadãos se m anifesta. A
justiça dos cidadãos como já foi visto, se relacion a com a lei
e com pessoas sujeitas a lei. Portanto, estas pesso as tem
partes iguais em governar e ser governadas. Por iss o é mais
fácil manifestar verdadeira justiça para com a espo sa do que
23 Ética a Nicômaco, livro V, pag., 330.
41
para com os filhos e servos. Trata-se, nesse caso, de justiça
doméstica, a qual, também difere da justiça polític a.
4.7 A JUSTIÇA POLÍTICA: NATURAL E LEGAL.
A justiça política se divide em duas partes; justi ça
natural e justiça legal. A justiça natural, tem sem pre a mesma
força e não depende daquilo que os homens pensam. A justiça
legal no entanto, é o cumprimento de um lei que foi
estabelecida.
Muitos pensam que toda justiça é desta espécie, na tural ou
legal pelo fato de que as coisas que são natural sã o imutáveis
e por toda parte tem a mesma força e a legal ou é p or lei ou
por convenção. Com efeito, isto não é verdadeiro de modo
absoluto, mas somente em certo sentido.
Existe uma certa diferença entre o ato de injustiç a e o
que é injusto, da mesma forma difere o ato de justi ça do que é
justo. Uma coisa é injusta por lei ou por natureza, mas, é
somente depois que alguém à põe em prática é que el a se torna
um ato de injustiça. No entanto, antes que alguém a pratique é
apenas injusta. Da mesma forma ocorre com a justiça .
Aqui, se deve uma análise mais detalhada no tocant e à
natureza e o número de suas espécies, bem como a na tureza com
que se relaciona.
4.8 O CARÁTER VOLUNTÁRIO DO ATO.
Os atos justos e injustos, somente pode ser assim
considerados quando praticados voluntariamente. É o caráter
voluntário que determina se tal ato é justo ou inju sto. Assim,
existem coisas que são injustas sem que no entanto sejam atos
de injustiça. Portanto, o ato para ser justo ou inj usto,
precisa ser voluntário.
42
Ato voluntário é tudo aquilo que um homem tem o po der de
fazer e que o faz com conhecimento de causa. Um ato voluntário
não ignora a pessoa atingida, nem o instrumento usa do, nem o
fim que à de alcançar com tal ato.
Contudo, se alguém for coagido a praticar um ato p or um
terceiro, este não será voluntário, pois não houve intenção de
quem o praticou. Ainda há muitos processos que cien temente são
realizados e experimentados e que não podem ser qua lificados de
voluntários ou involuntários, como por exemplo enve lhecer ou
morrer.
Um ato pode ainda ser apenas acidental, diferentem ente do
ato voluntário e do involuntário. Não podemos dizer que um
homem praticou um ato de justiça ou que agiu justam ente, quando
por exemplo, restitui um valor depositado em suas m ãos
involuntariamente, coagido por medo, covardia, etc. , a não ser
por acidente.
Todavia, são praticados atos voluntários, por esco lha ou
não. Por escolha são aqueles atos praticados após a deliberação
e por não escolha aqueles praticados sem que ates h ouvesse uma
deliberação.
Há três espécies de danos nas transações entre um homem e
outro. Crê-se, que quando o dano ocorre contrariand o o que era
razoavelmente de esperar, é um infortúnio. Quando n ão é
contrário a uma expectativa razoável, mas, tampouco implica
vício, é um engano. Quando age com o conhecimento d o que faz,
mas sem deliberação prévia, é um ato de injustiça. São estes os
três tipos de dano que um homem pode sofrer nas tra nsações.
Os atos originados da cólera são impremeditados, p ois, a
causa do mal não é o homem que agiu sob o impulso d a cólera,
mas aquele que o provocou, ou seja, aquele que incu tiu a
cólera, este é o responsável pela causa do mal.
Se um homem prejudica um outro por escolha, age
injustamente. Do mesmo modo um homem é justo quando age
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justamente por escolha, mas age justamente se sua a ção é apenas
voluntária.
Entre os atos voluntários estão alguns que são
desculpáveis e outros não. Desculpáveis são aqueles que os
homens cometem na ignorância e por ignorância. Inde sculpáveis
portanto, são aqueles atos voluntários praticados c om
conhecimento de causa, motivados por uma paixão que não é
natural, que não se assemelha aquelas que o ser hum ano está
sujeito.
4.9 A JUSTIÇA E INJUSTIÇA DO ATO.
Praticar um ato injusto, não é o mesmo que agir
injustamente, e nem sofrer injustiça é o mesmo que ser
injustamente tratado. Pois, como já foi visto anter iormente é
impossível ser injustamente tratado, sem um outro a ja
injustamente ou ser justamente tratado a não ser qu e ele aja
com justiça. O agir injustamente é prejudicar volun tariamente a
alguém.
Uma homem pode por causa da incontinência, sofrer algum
mal voluntariamente da parte de outro que age volun tariamente,
de modo que seria possível ser injustamente tratado por seu
próprio querer. Para que alguém possa ser injustame nte tratado
é preciso que alguém o trate injustamente, pois, o ser tratado
injustamente não é voluntário.
Portanto, se uma pessoa pagar uma quantia maior qu e o
combinado, por um determinado serviço prestado, tra ta a si
mesmo com injustiça. Se a paga foi praticada volunt ariamente
com conhecimento de causa, no máximo sofre um dano, não cabendo
este ato ser chamado de injusto, pois, os virtuosos pegam menos
para si que para o seu próximo. Também, se o ato fo r praticado
sem conhecimento de causa, sua ação não é injusta c om respeito
a justiça legal.
44
Todavia, muitos pensam que, como o agir injustamen te
depende deles, é fácil também ser justo, mas engana m-se. Ferir
ou subordinar alguém depende de si mesmo e realment e é fácil. O
difícil é fazer estas coisas em resultado de uma di sposição de
caráter.
O agir injustamente como ferir ou subornar alguém, não
está em praticar estas coisas, mas sim em praticá-l as como
resultado de uma certa disposição de caráter.
4.10 A EQUIDADE E O EQÜITATIVO.
Aqui será feito uma explanação a respeito da equid ade e do
eqüitativo, e as suas relações com a justiça e o ju sto. No
entanto, estas coisas não são idênticas umas das ou tras, e se o
justo e o eqüitativo são diferentes, um deles não é bom. Mas se
ambos são bons tem de ser a mesma coisa.
Estas são as considerações que dão origem ao probl ema em
torno do eqüitativo. Embora, o eqüitativo seja supe rior a uma
espécie de justiça, é justo, e não como coisa de cl asse
diferente que é melhor do que o justo. Todavia, emb ora o
eqüitativo e o justo sejam bons, o eqüitativo é sup erior.
O problema está em que o eqüitativo é justo, mas n ão no
sentido de legalmente justo, mas numa correção da j ustiça
legal. Sendo toda lei universal não é possível faze r uma
afirmação universal que seja correta. Toda espécie de erro não
se encontra na lei, nem no legislador, mas, na natu reza da
própria coisa, já que os assuntos práticos são dess a espécie
por natureza.
Portanto, o eqüitativo é justo e superior a uma es pécie de
justiça, não a justiça absoluta, mas, ao erro prove niente do
caráter absoluto da disposição legal. Assim, a natu reza do
eqüitativo consiste em uma correção da lei, quando ela é
deficiente em razão da sua universalidade. Por isso nem todas
45
as coisas são determinadas pela lei e em torno de a lgumas é
preciso ser criado um decreto.
O homem considerado eqüitativo é aquele que escolh e e
pratica tais atos, que não se aferra aos seus direi tos em mau
sentido, mas tende a tomar menos do que é de seu di reito,
embora tenha a lei por si. Esta disposição de carát er é a
equidade, e esta, é uma espécie de justiça e não um a diferente
disposição de caráter.
A classe dos atos considerados justos são aqueles atos que
estão em consonância com alguma espécie de virtude e que são
preferidos pela lei. Quando um homem causa dano a u m outro
violando a lei, este age injustamente. Todavia, um agente
voluntário é aquele que conhece tanto a pessoa a qu em atinge
com o seu ato, como o instrumento que usa para prat icá-lo. No
entanto, se alguém voluntariamente fere a si própri o, pratica
um ato contrariando a reta razão da vida e isso a l ei não
permite, portanto, age injustamente. Ninguém é inju stamente
tratado voluntariamente, e sendo assim, não é para com sigo
mesmo que age injustamente, mas, para com o Estado. É por isso
que o Estado pune o suicida, pois sua ação é de inj ustiça
contra o Ele.
Em certo sentido, o homem que age injustamente con forme a
primeira explicação, é apenas injusto e não complet amente mau,
pois, não é possível tratar injustamente a si mesmo . O homem
injusto é mau de certa maneira particularizada, poi s o seu ato
injusto não manifesta maldade em sentido geral, poi s, tanto o
justo como o injusto envolve sempre mais de uma pes soa.
É evidente que ambas as coisas, ou seja, ser injus tamente
tratado e agir injustamente são más, por que uma si gnifica ter
mais e a outra ter menos do que a quantidade median a. Mas, o
agir injustamente é de certa maneira pior, porque e nvolve vício
e por isso merece censura. Todavia, nem toda ação i njusta
voluntária implica a injustiça como disposição de c aráter e o
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ser tratado injustamente não envolve vício, nem inj ustiça na
própria pessoa. Ser tratado injustamente é menos ma u, porém,
nada impede que seja acidentalmente um mau maior.
E assim, é dado por encerrada esta exposição a res peito do
conceito de justiça.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Trad. Leonel Vallandro e Gerd
Bornheim. Coleção Os Pensadores, vol. IV. Editora A bril
Cultural S/A, São Paulo, 1973. 533 p.
BRÉHIER, Émile. História da Filosofia . Trad. Eduardo Sucupira
Filho. São Paulo, Editora Mestre Jou, 1977. 133 p.
MONDOLFO, Rofolfo. O Pensamento Antigo . Trad. Lycurgo Gomes da
Motta. São Paulo, Editora Mestre Jou, 1965. 455. p.
SCIACCA, Michele F. História da filosofia . Trad. Luís
Washington Vita. São Paulo, Editora Mestre Jou. 196 6. 257. p.