o poder da linguagem - a arte retórica de aristóteles

Upload: stephanas-padilha-costa-soares

Post on 11-Jul-2015

285 views

Category:

Documents


1 download

TRANSCRIPT

SiMTESE NOVA FASE V. 22 N . 71 (1995): 513-522

O PODER DA LINGUAGEM A ARTE RETRICA DE ARISTTELESLuiz Rohden Horizonte, MG

CES

- Belo

To TE Tap a^Tifle K Q I T O Su|!ti[ico iSeiv, (ia 5 E

O M . O I O V TCO KCII O I

aX.T)9ei rn auni e o T i avOpcTiOL irpo T O aX.Ti6E

jiinjKaoiv i K a v o j K U L za n)Uii nrjxctvoiioi r r i ; a.T)aEiao

5io npo xa evSoa oxoxaoTinu exeiv xov ojioioj o^iotox; C O T K G i Ttpo TT|v a ^ r i f i G i a v e o T i v * . X VO

Resumo: O ponlo de partida da nossa teUexo que a Filosofia atualmente sofre a tentaro de se reduzir i razo lgiro-m a temtica. Na tentativa de mostrar novas d i menses do problema da razo, apresentaremos o conceito de retrica anterior a Arisltdcs, e em seguida o que esti explicitado na Arte Retrica. A partir disso explicitaremos o conceito de racionalidade retrica articulado com a lgica, a lca e a poltica. Concluiremos apresentando, dentro de um conceito mais amplo de filosofia, os limites da filosofia aristotlica. Palavras-chave: Retrica, racionalidade retrica, persuaso, Aristteles. Abstract: The investigation starts consdering the altempt to reduce philosophy nowadays to a logical and malhematical reasoning. In order Io demonstratc new dimensions of the problem of reasontng lhe author presenls firsl the idca of rhetoric prior Io Arislotle, and second, lhe freh line of research as deait wilh n Arislotle's work O n Rheloric. Based on these sludies lhe dca of ralonal rhetoric wll be explicit^ted in conjunction wilh lugic, ethics, and politics. The conclusion deals wth the limitalions of Arislotelian philosophy in relation to a largcr conccpt of philosophy. Key words: Rheloric. relhorical reasoning, persuasion, Aristolle.

Sntese Nova Fase, Belo Horizonte, v. 22, n. 71. 1995

\ 513

1. A retrica

antes de Aristteles

A

o r a l r i a f o i c o n c e b i d a i n i c i a l m e n t e c o m o u m a deusa p o d e r o sa. H o m e r o a c o n s i d e r a v a u m a d d i v a d i v i n a c o n c e d i d a h u m a n i d a d e para v i v e r m e l h o r . O s a r g u m e n t o s p o s s u a m u m cara'ter m a i s d e i n s p i r a o d i v i n a e psicolgica q u e c o n c e i t u a i .

Nas t r a g d i a s , a oratria retrata o p o d e r d a l i n g u a g e m m a n u s e a d o pelos h o m e n s a f i m d e c o n t e s t a r e m a ltima p a l a v r a d a s d i v i n d a d e s , acerca d o d e s t i n o sobre os h o m e n s . A necessidade d e usar o p o d e r d a l i n g u a g e m para reaver bens fez c o m q u e C r a x e Tsias escrevessem o p r i m e i r o t r a t a d o sobre oratria o q u e c o n s t i t u i a arte retrica a q u a l e n s i n a v a a m a n e i r a d e g a n h a r as causas d i a n t e d o s t r i b u n a i s . C o m os sofistas, p r i n c i p a l m e n t e G r g i a s e P r o t g o r a s , a arte retrica a s s u m i u u m a feio r e l a t i v i s t a . E n f a t i z a r a m a f u n o persuasiva d a l i n g u a g e m para o b t e n o d o p o d e r poltico e p o r essa r a z o d e s e n v o l v e r a m u m a retrica c o m f u n e s basicamente estilsticas. C o m isso a l i n g u a g e m volta-se sobre si m e s m a , a t r a v s d o u s o c o r r e t o das palavras s e m f u n d a m e n t - l a s n u m a r e a l i d a d e e x t e r i o r a elas. C o m e o u - s e a d a r f o r m a racioualidade retrica. Para I s c r a t e s , a arte retrica era u m i n s t r u m e n t o d e e d u c a o ticopoltica para p r o m o v e r a justia, e x p r i m i r a glria e i n c r e m e n t a r a c u l t u r a . Er\faIizou a r a c i o n a l i d a d e retrica c o m o r a c i o n a l i d a d e p r . i l i c a , m e n o s p r e z a n d o toda e q u a l q u e r a b s t r a o e t e o r i a q u e n o tivessem r e p e r c u s s o prtica i m e d i a t a . R e c o m e n d o u , e m o p o s i o c o n c e p o d e Filosofia d a L i n g u a g e m e x p l i c i t a d a pelos sofistas, o e m p r e g o verd a d e i r o e j u s t o d a p a l a v r a para c r i a r o estado d e p e r f e i o h u m a n a q u e a eudaiiiioiiia. I*lalo c o m p a r o u a arte retrica prtica c u l i n r i a , n o s e n t i d o d e q u e a m b a s p r o c u r a m apenas a g r a d a r , causar prazer. D e s p r e z o u - a p o r ela se f u n d a m e n t a r n o m u n d o d a dxa q u e , para P l a t o , n o faz p a r l e d a f i l o s o f i a , p a r a q u e m os discursos d e v e m ser e s t r u t u r a d o s p e l o saber verdadeiro, rigorosamente d e m o n s t r a t i v o , cujo m o d e l o c a verdade g e o m t r i c a . C r i t i c o u a r a c i o n a l i d a d e retrica n o s u b o r d i n a d a tica. N o u t r o m o m e n t o , Plato t e n t o u justific-la filosfica m e n t e . A c o n c e p o p e j o r a t i v a d a r a c i o n a l i d a d e retrica, e m e r g e n t e e m Plato nasce d a c o n f u s o acerca d o p r p r i o conceito d e Filosofia q u e pressup e c o m o v l i d o u n i c a m e n t e o saber r i g o r o s a m e n t e d e m o i i s l r a l i v o . A g r a n d e lio platnica q u a n t o retrica q u e ela n o d e v e p r o c u r a r a g r a d a r aos h o m e n s , m a s d e m o n s t r a r a v e r d a d e .

514 I Sntese Nova Fase. Belo Horizonte, u. 22, n. 71,1995

2. A Arte Retrica

de Aristteles

Aristteles s o u b e recolher as d i f e r e n t e s v i s e s acerca d o u s o do p o d e r da l i n g u a g e m e integr-las e m sua Arte Retrica, o q u e para n s const i t u i u m a d a s o r i g e n s d a Filosofia d a L i n g u a g e m . A s d i f e r e n t e s c o l o r a e s q u e a a r t e retrica f o i recebendo e o c o n f l i t o e n t r e as m e s m a s decorrem das diferentes concepes d e racionalidade. C o n f l i t o que, e m ltima a n l i s e , m o s t r a u m c o n f u s o conceito d e r a z o , i s t o , d a prpria filosofia. O m t o d o p r p r i o d a Retrica o e m p r e g o d e e n t m e m a s , q u e s o s i l o g i s m o s c o m premissas p r o v v e i s e f r e q e n t e s . Seu objeto c o n s t i t u i se p e l o m u n d o d a s o p i n i e s , d o v e r o s s m i l , d o p r o v v e L cuja f u n o n o s o m e n t e p e r s u a d i r , m a s ver os m e i o s d e p e r s u a d i r e m cada caso, r e c o n h e c e n d o o q u e , o u n o , p e r s u a s i v o e m cada s i t u a o . Sua u t i l i d a d e f a c u l t a r q u e os pleiteanies d e u m a d i s c u s s o n o sejam v e n cidos p o r q u e m esl e m e r r o . U m a viso holstica d a obra d e Aristteles d e i x a c l a r o q u e a Arte Retrica n o p o d e ser i m o r a l n e m p r e j u d i c a r a v i d a poltica d a q u a l ela u m a r a m i f i c a o ' . C o m p a r a d o a 1'lato, Aristteles n o m e n o s p r e z o u a r a c i o n a l i d a d e retrica, n e m a s u b o r d i n o u r a c i o n a l i d a d e e p i s t m i c a , u m a v e z q u e seu d o m n i o n o p o d e ser l i m i t a d o v e r d a d e p u r a , necessria, u n i v e r sal e q u e , na v i d a c o t i d i a n a , n s n o nos a p o i a m o s s e m p r e sobre v e r d a d e s absolutas, m a s n o r m a l m e n t e r e g r a m o s nossa c o n d u t a pelas verossimilhanas e probabilidades, o que constitui a racionalidade retrica. Isto , n o m b i t o d a Filosofia d a L i n g u a g e m d e f e n d e m o s q u e i m p o s s v e l p r o c e d e r m o s , n a m a i o r i a das vezes, d e m o d o l g i c o malemtico. Aristteles p d e s u p e r a r os e q u v o c o s q u e r e d u z i a m a r a c i o n a l i d a d e retrica a u m a d i m e n s o o u m e r a m e n t e prtica, o u e p i s t m i c a , a o estabelecer a d i v i s o d o saber e m trs aspectos: e p i s l m i c o , p r t i c o e poitico. U m a v e z q u e "a e x a t i d o m a t e m t i c a n o se d e v e e x i g i r e m todos os casos"^ toda pesquisa s o m e n t e "sor a d e q u a d a se t i v e r tanta clareza q u a n t o c o m p o r t a o a s s u n t o , p o i s n o se d e v e e x i g i r a p r e c i s o e m t o d o s os raciocnios p o r i g u a l " ^ . p r p r i o da f i l o s o f i a buscar "a preciso, e m cada g n e r o d e coisas, apenas n a m e d i d a e m q u e a a d m i t e a n a t u r e z a d o assunto. E v i d e n t e m e n t e , n o seria m e n o s insensato aceitar u m r a c i o c n i o p r o v v e l da p a r t e de u m m a t e m t i c o d o q u e e x i g i r p r o v a s cientficas d e u m retrico"''. C o m esse p o n l o d e p a r t i d a , p o d e m o s c r i t i c a r a Filosofia d a L i n g u a g e m q u e se r e d u z m e r a a n lise s e m n t i c a d a l i n g u a g e m e j u s t i f i c a m o s assim u m a Filosofia d a L i n g u a g e m adequada realidade humana.

Sntese Nova Fa&e, Belo Horizonte, u.

22,11.

71,

515

3. A racionalidade

retrica

na obra de Aristteles

A r a c i o n a l i d a d e retrica e s l r u h i r a - s e sobre e n t m e m a s cujas premissas s o p r o v v e i s e as c o n c l u s e s tm o m e s m o c a r t e r , p o r q u e assim a n a t u r e z a da p r x i s , p o i s as a e s l i u m a n a s se s u s t e n t a m sobre juzos q u e p o d e r i a m ser d e o u t r a m a n e i r a , e m o p o s i o r a c i o n a l i d a d e a p o d t i c a q u e p o s s u i premissas v e r d a d e i r a s , i m u t v e i s , e a c o n c l u s o d e c o r r e necessariamente, "more gconictrico". A v a l i d a d e das premissas d o s e n t m e m a s se o b t m cx homologoiiiiiiotj, o u seja, " d a q u i l o sobre q u e se est de a c o r d o " , d e m a n e i r a q u e isto o q u e faz " d e m o n s t r a t i v o s " os raciocnios retricos. O u seja, d o q u e se a d m i t e , ek tit dokoiton, "do q u e p l a u s v e l " , nasce a v e r o s s i m i l h a n a dos e n u n c i a d o s r e t r i c o s q u e no p o d e m ser objeto d a d e m o n s t r a o cientfica. A f i n a l , " d e l i b e r a m o s sobre coisas q u e d e p e n d e m d e ns e so f a c t v e i s " \ isto , d e l i b e r a m o s sobre a doxa, sobre d i f e r e n t e s poss i b i l i d a d e s d e escolha. E o possvel c o r r e s p o n d e doxa s i g n i f i c a n d o " a q u i l o q u e n o necessariamente falso; e m o u t r o s e n t i d o , o q u e v e r d a d e i r o ; e, e m o u t r o a i n d a , o q u e p o d e ser v e r d a d e i r o " ' ' . O s a r g u m e n t o s dxicos se r e f e r e m p o s s i b i l i d a d e . A r a c i o n a l i d a d e retrica u m a r a c i o n a l i d a d e " a b e r t a " ( n o necessitaria, e m s e n t i d o d o v e r b o a l e m o m s s e n ) , q u e se c o m p e d o u n i v e r s o d o p e r s u a s i v o e m q u e os temas tico-poli lie os p r o c u r a m ser o r g a n i z a d o s n u m a a r q u i t e l o n i a r a z o v e l . R a c i o n a l i d a d e c o m poder, o q u e d e v e ser c o m p r e e n d i d o c o m o : 1". A l i n g u a g e m p o s s u i p o d e r , n o s e n t i d o q u e carrega u m a fora histrica i n d e p e n d e n t e d e u m a s i t u a o d e t e r m i n a da. Por e x e m p l o , o c o n c e i l o de Estado, d e L i b e r d a d e , est c a r r e g a d o de u m c o n j u n t o d e d i f e r e n t e s sentidos, c o n o t a e s q u e a histria nos apresenta. 2". Falamos e m "Poder da Linguagem" p o r q u e a retrica u m a r a c i o n a l i d a d e s i t u a d a e n t r e a l i n g u a g e m n e u t r a (cientfica, m a t e m t i c a ) : " p o r isso os t r a t a d o s m a t e m t i c o s n o p o s s u e m u m carter m o r a l , p o r q u e eles n o c o m p o r t a m n e n h u m a i n t e n o moral"(R