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1

O PLURALISMO JURÍDICO COMO OPÇÃO À INACESSIBILIDADE DA

JUSTIÇA.

Bruno Andre Souza Colodel1

RESUMO

O presente artigo tem como objeto demonstrar a possibilidade das práticas extraoficias

para resolução de conflitos quando o Estado é omisso nas suas ações. O judiciário é o

órgão competente para dizer o direito e resolver os conflitos legalmente, porém

restritivo quanto no seu acesso. Como os indivíduos não podem ficar sem respostas e

sem resolução de seus conflitos as responsabilidades para soluções das adversidades

ficam nas mãos da sociedade, convalidando, neste sentido, o Pluralismo Jurídico:

sistema que trata de uma multiplicidade de manifestações ou práticas normativas,

dentro de uma mesma localidade, formal ou informal, a fim de dar garantia às

necessidades individuais, portanto, concorrente ao ordenamento jurídico imposto pelo

Estado.

PALAVRAS-CHAVE: pluralismo jurídico; acesso à justiça.

INTRODUÇÃO

O estudo pretende demonstrar a possibilidade da utilização de práticas

extralegais para resolver conflitos que deveriam ser de responsabilidade do Estado,

mas que não o são em vista que o Poder Judiciário não tem um acesso pleno e eficaz à

justiça, o que precisa ainda muito evoluir. Desta forma, o pluralismo jurídico apresenta

viabilidade para a resolução dos conflitos, busca da paz, tranqüilidade e harmonia

entre os indivíduos de um determinado local.

O foco para o qual converge o pluralismo jurídico é a afirmação de que o

Estado não é o centro único detentor do poder e também não é fonte exclusiva para

produção do direito.

1 Acadêmico do curso de Direito das Faculdades Integradas do Brasil – UniBrasil orientado

pelo professor Ms. Flavio Bortolozzi Junior.

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Na ânsia da sociedade buscar um direito mais justo e acessível é que surge o

desejo de utilizar, de diferentes formas, as leis instituídas pelo Estado a fim de resolver

os conflitos, como uma alternativa válida.

Eugen EHRLICH bem coloca que diante de uma sociedade formada por

diversas organizações e associações humanas que se interrelacionam, estas interagem

entre si e conservam uma autonomia diante do Estado. Cada entidade cria

internamente a sua própria norma, independente e sem interferências de outras

organizações, revelando-se a primeira e a mais fundamental forma de direito,

objetivando ir alem do convencional e buscar valores emergentes e criativos,

priorizando não mais a segurança e a certeza, mas os riscos e os desafios.2

Assim, atualmente, o pluralismo é um modelo válido na busca alternativa para

dirimir os conflitos, quando se depara com as inacessibilidades da justiça formal, uma

vez que esta é precária e apresenta diversas restrições.

1 PLURALISMO JURIDICO

Os grupos sociais apresentam formas diversificadas de vida. Novos padrões vão

se criando para atender as necessidades básicas dos indivíduos que a cada dia buscam

incansavelmente a dignidade da pessoa humana. A convivência social torna-se

complicada demais, pois cada pessoa busca a satisfação própria, e em virtude dessa

busca incessante pela melhor qualidade de vida, surge à necessidade de uma

regulamentação para esta convivência.

A diversificação de grupos sociais faz com que haja necessidade de uma

multiplicidade de direitos para atender os mais diversos interesses locais de cada

entidade.

Com o fim da Idade Média e com o surgimento dos estados modernos a

discussão do pluralismo jurídico abre espaço para uma nova proposta, fundamentada

na ideologia liberal. A consolidação de uma nova sociedade capitalista impõe uma

2 EHRLICH, Eugen. Fundamentos da sociologia do direito. Brasília: UnB, 1986. p.27-29,

286.

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nova concepção do político e do jurídico e uma crescente autonomia das ciências,

livres do domínio religioso.3

Denota-se que o poder estatal não possui mais um sistema fechado e também

não é o único ator para a criação de leis e aplicação do Direito. O multiculturalismo

social é totalmente pluralista. As demandas da sociedade são carentes de atendimento,

e ao conferir esta carência, é imprescindível a resolução de conflitos e interesses

através de meios alternativos.

Ao final do século XIX e meados do século XX, constata-se uma forte reação

de doutrinas pluralistas, diante das manifestações de uma sociedade burguesa em seu

apogeu, da clara expressão do capitalismo industrial e do amplo domínio do

individualismo filosófico, do liberalismo político-econômico e do dogma do

positivismo jurídico estatal.

Eugen EHRLICH aduz que “a função primordial do direito em todos os lugares

não é a resolução dos conflitos, mas sim a instituição de uma ordem pacifica interna

das relações sociais de qualquer associação humana”.4

O autor ainda afirma que o direito não pode ser unicamente aquele proveniente

do Estado, positivado. Este direito estatal é fechado e não consegue abranger a

sociedade como um todo, mas sim composta por organizações diversificadas ou

associações humanas que se interrelacionam, concluindo que cada associação cria seu

próprio ordenamento jurídico, autônomo do Estado e à qualquer outra forma de

organização.5

No pluralismo é fundamental a participação da sociedade nas relações que as

envolvem, a fim de incessantemente buscarem a ordem mais satisfatória do bem-estar

e pacificação. Seja em qualquer sociedade o direito está intrinsecamente inserido para

promover a solução dos conflitos.

Quando a sociedade está insatisfeita com a aplicação do direito estatal e a fim

de proporcionar meios para a satisfação dos conflitos é que surgem os direitos

3 MALISKA, Carlos Augusto. Pluralismo Jurídico e Direito Moderno: notas para pensar a

racionalidade jurídica da modernidade. Curitiba: Juruá, 2000. p.23. 4 EHRLICH, Eugen. Op.cit. p.25.

5 Ibidem, p.110.

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paralelos, de aplicação social, eficácia imediata, restritiva, criados pela própria

sociedade, configurando-se assim o pluralismo jurídico.

Este fenômeno é uma realidade social concreta, encontrada em diversos

Estados, e percebida especificamente em países marginalizados economicamente

(como exemplo o Brasil).

Boaventura Sousa SANTOS explicita que: “o pluralismo jurídico surge para

preencher a lacuna promovida pela ausência do Estado em determinadas localidades”.6

Neste sentido, Antonio Carlos WOLKMER designa pluralismo jurídico: “como

a multiplicidade de práticas jurídicas existentes num mesmo espaço sócio-político,

interagidas por conflitos ou consensos, podendo ser ou não oficiais e tendo sua razão

de ser nas necessidades existenciais e culturais”.7

Os conceitos de pluralismo jurídico são amplos e não definem essencialmente o

sistema em si, mas deixam claro que o modelo refere-se a múltiplos ordenamentos

para satisfação das necessidades de associações de indivíduos, em contrariedade a

unicidade do direito positivista, para o qual o direito é único e exclusivo e advém do

Estado.

Ademais, ressalta-se que: “nem toda prática que se apresente como extraoficial

e não abrangida pelos códigos deve ser entendida como pluralismo jurídico. O simples

fato de uma prática ser não oficial não é suficiente para sua legitimidade; deve

fundamentar-se em preceitos de democracia e justiça.8

A sociedade é formada através da soma das vontades individuais e coletivas, e

destas surgem demandas que precisam ser resolvidas. Quando impossível a resolução

desses conflitos através do ordenamento jurídico formal, os indivíduos por si só

buscam alternativas para verem seus anseios atendidos.

Desta maneira, o pluralismo busca resolver os conflitos, privações, necessidades

fundamentais e reivindicações, focado objetivamente nas denuncias, contestações,

6 SANTOS, Boaventura Sousa. O discurso e o poder. Ensaios sobre a sociologia retórica

jurídica. Porto Alegre: SAFE, 1988. p.7-99. 7 WOLKMER, Antonio Carlos. Pluralismo Jurídico: fundamentos de uma nova cultura no

direito. 3.ed. São Paulo: Alfa Omega, 2001. p.219. 8 BORTOLOZZI JUNIOR, Flavio. Pluralismo jurídico e a crise da modernidade. Curitiba,

2005. 66 f. Monografia (curso de direito). Pontifícia Universidade Católica do Paraná. p. 38.

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rupturas e a adoção desses novos direitos, de acordo com a vontade de uma sociedade

marginalizada na iminente busca por melhores condições de vida. Quando os

segmentos passam por privações, carências e exclusões são motivadas a criarem seus

próprios direitos.

Portanto, reconhecer e valorizar as ações das associações na busca pela

resolução dos conflitos é uma realidade e realmente funcionam como modelos

alternativos de justiça, totalmente adequados principalmente nas comunidades

periféricas marginalizadas, inseridas em determinados modelos culturais e referindo-se

à criação de modelos mais democráticos de justiça.

O pluralismo é um projeto diferenciado para superar as tradicionais formas de

democracia e construir um sistema jurídico que resulte em práticas sociais insurgentes,

motivadas para a satisfação das necessidades que são essenciais aos indivíduos.

Muitas comunidades adotaram o pluralismo jurídico como forma influente em

suas comunidades, pois a desigualdade social, característica inerente ao forte

capitalismo, transforma os indivíduos em seres alienados, espoliados e desiguais, sem

valores, sem animo para a busca do direito positivado. A vida precária, de exclusão,

abandono, descaso e falta de atenção do Estado, configura a razão da adoção nas

comunidades do ordenamento mais favorável e que possa atender as necessidades

básicas de cada individuo.

Assim sendo, o Estado deve evitar condutas desviantes das funções de ajuda às

associações em constantes conflitos, tal que esta apatia estatal é tão verdadeira, não

propiciando subsídios para os indivíduos resolverem seus conflitos, que se torna

válido, na busca da dignidade da pessoa humana, a prática de medidas alternativas,

como fonte de satisfação das necessidades básicas. Incontestável, portanto, a presença

do pluralismo jurídico na realidade, trazendo consigo uma democratização e

socialização do direito, não podendo ser ignorado pelo Estado mas visto como meio de

evolução jurídica.

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2 O ACESSO À JUSTICA E O PLURALISMO JURIDICO

Os costumes, com o tempo, moldam a sociedade. Os anseios da população são

os mais diversos, acarretando certas frustrações quando estes não são satisfeitos.

Muitas ações legitimas são desviadas da direção do Estado, a fim de poder valorizar a

vida de comunidades que não possuem condições de buscá-las através dos meios

oficiais. Os costumes culturais de cada localidade vão se estabelecendo na sociedade

conforme desejos de cada indivíduo que estão inseridos nestas comunidades.

O sistema do pluralismo jurídico é uma tentativa de sistematizar os primeiros

indícios e os sintomas de uma realidade que já existe informal, subjacente e

subterraneamente, enquanto referencial de validade. Não é uma imposição dogmática,

mas uma postura estimuladora em constante redefinição, – “não tem a pretensão de

buscar e oferecer uma resposta estanque e pronta pra tudo”, pois trata de um modelo

aberto e contextualizado que se vai completando na medida em que se efetiva através

da cotidianidade dos consensos nas diferenças.9

O papel para a resolução desses conflitos, através da atuação efetiva do Poder

Judiciário frente aos problemas que residem numa sociedade diversificada e em busca

da pacificação, deveria ser do Estado. Ocorre que o judiciário carece de urgentes

reformas para atender as novas demandas de multidões cada vez mais exigentes e

diferentes.

Mauro CAPPELLETTI e Bryant GARTH lembram que no capitalismo a

pobreza inerente ao sistema, fruto da questão social, impede vários segmentos da

população, a buscarem seus direitos, fazendo as seguintes colocações:

Afastar a pobreza no sentido legal – a incapacidade que muitas pessoas têm de utilizar

plenamente a justiça e suas instituições – não era preocupação do Estado. A justiça, como

outros bens, no sistema do laissez-faire, só podia ser obtida por aqueles que pudessem

enfrentar seus custos; aqueles que não pudessem fazê-lo eram considerados os únicos

responsáveis por sua sorte. O acesso formal, mas não efetivo à justiça, correspondia à

igualdade, apenas formal, mas não efetiva.10

9 MELO, Raissa de Lima e. Pluralismo jurídico: para alem da visão monista. Campina

Grande: EDUEP, 2002. p.355. 10

CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Porto Alegre: SAFE, 1988. p.

09.

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7

As desigualdades sociais são agravadas em virtude da globalização econômica,

acrescendo as marcas da pobreza e da exclusão social. Flavia PIOVESAN em sua obra

afirma que a “pobreza é ameaça sistêmica fundamental em um mundo que se

globaliza”. É preciso uma redefinição do papel do estado no tocante à implementação

dos direitos econômicos, sociais e culturais.11

O acesso à justiça “é ir alem do acesso aos fóruns, tribunais, processos, a fim de

assegurar direitos e exigir deveres; o acesso à tutela jurisdicional da função estatal

compete ao Poder Judiciário, mas o acesso à justiça não somente restringe-se aos

meandros da função deste órgão”12

, mas conduz Horacio Wanderlei RODRIGUES “a

uma ordem de valores e direitos fundamentais para o ser humano, e não restritos ao

ordenamento jurídico processual”.13

O pluralismo jurídico é fator determinante para atender os anseios dos grupos

vulneráveis de assistência judiciária. O meio que viabiliza a resolução de conflitos

interpessoais é amplo e não consegue atender todas as demandas necessárias como

contribuição de uma sociedade pacífica.

Os problemas que assolam o efetivo acesso à justiça são trazidos como

obstáculos que precisam ser transpostos. Mesmo não existindo um conceito sobre

efetividade, a sua ausência é significado de inacessibilidade à justiça.

Dentre os obstáculos encontrados, Mauro CAPPELLETTI e Bryant GARTH

citam: custas judiciais, possibilidade das partes e problemas especiais dos interesses

difusos.14

Outros problemas encontrados são: burocracia, lentidão e elevados custos para

intentar uma ação. O caráter limitado, formalista, rebuscado e ineficiente do Poder

Judiciário. O elevado valor das custas judiciais e honorários advocatícios, alem das

altas taxas para interpor recursos e, mais importante, a pobreza, como maior causa de

11

PIOVESAN, Flavia. Direitos humanos e justiça internacional: um estudo comparativo

dos sistemas regionais europeu, interamericano e africano. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 23. 12

CESAR, Alexandre. Acesso à justiça e cidadania. Cuiabá: UFTM, 2002. p.49. 13

RODRIGUES, Horacio Wanderlei. Acesso à justiça no direito processual brasileiro. São

Paulo: Acadêmica, 1994. p.28. 14

CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Op.cit. p.15.

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desigualdade e afastamento dos indivíduos das práticas formais de acesso à justiça. A

falta de cultura, informação e educação, deixam os indivíduos na ignorância para se

aproximarem das práticas judiciais.

As desigualdades e injustiças sociais estão claramente visíveis em toda

sociedade e, com isso, gera certo grau de insegurança e inconformismo na população,

alem da falta de informação que acarreta uma evasão dos indivíduos da procura de

meios viáveis para propor demandas formais.

Paulo Cesar Santos BEZERRA confirma que: “o ordenamento nacional carece

de uma abertura maior e de flexibilidade de suas normas. Mostra-se extremamente

rígido e fechado”.15

De fato, é preciso que o Estado abra as portas do judiciário e abasteça o povo de

informações, para que estes possam ser conhecedores que o órgão é acessível a todos e

busca uma sociedade mais justa e democrática. O judiciário precisa ser revestido de

credibilidade para alcançar seus objetivos, pautando-se na concepção de que o direito é

criação da própria sociedade como o dever de estar sempre a serviço desta, a fim de

buscar a democracia e realizar a justiça, conforme dizeres de João Batista

HERKENHOFF.16

A falta de efetividade no cumprimento das leis bem como o distanciamento do

judiciário das classes sociais pobres acarreta visivelmente a possibilidade da inserção

do discurso pluralista em determinadas localizações geográficas, como muito bem

coloca Paulo Cesar Santos BEZERRA:

Quando o ordenamento é por demais rígido e distante das realidades e necessidades sociais as

comunidades criam seus próprios mecanismos e ignoram as leis os remédios estatais. Quando

o acesso à justiça é negado a determinados segmentos da sociedade, obviamente aos mais

pobres, a comunidade como que cria mecanismos de sobrevivência e acaba por instituir regras

próprias que lhes possibilite sobreviver.17

15

BEZERRA, Paulo Cesar Santos. Acesso à justiça: um problema ético-social no plano da

realização do direito. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p.101. 16

HERKNHOFF, João Batista. O papel progressista do direito, dos juristas e dos juízes.

In:_____ (Org.). Direito e utopia. São Paulo: Acadêmica, 1993. p. 31-38. 17

BEZERRA, Paulo Cesar Santos. Op.cit. p.104.

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9

Já que as ações estatais são omissas, os indivíduos devem superar a inércia das

decisões dando garantia para os direitos inerentes aos cidadãos. São imprescindíveis

iniciativas destes para introduzir uma melhor participação nas decisões estatais e não

aceitar apenas imposições, garantindo a efetividade dos direitos.

A justiça deveria ser perfeitamente alcançada por todas as camadas sociais, mas

para isso são necessárias amplas reformas para atingir os pertinentes objetivos. É

preciso viabilizar uma justiça rápida e menos custosa que atenda os anseios da

população sem discriminação. Por outro lado, a sociedade precisa estar consciente e

exercer sua cidadania coerentemente, conhecendo as formalidades do sistema estatal a

fim de que possa também ser contribuinte para uma justiça eficaz.

São precisas soluções eficazes para a busca de uma justiça mais efetiva e

democrática, bem como reavaliar os obstáculos já colocados, tais como: a melhoria

dos instrumentos e condições de trabalho, aprimoramento dos procedimentos judiciais,

preparação dos operadores do direito, primar por medidas processuais céleres, adotar

postura de garantias efetivas dos direitos humanos e da dignidade da pessoa humana,

entre tantas outras possibilidades de melhorias.

O parâmetro de democratização do Poder Judiciário também é proposta viável

de reforma, concernente a questão da abertura de suas portas para os setores mais

carentes da população. Salienta-se ainda a desburocratização das exigências legais,

através da simplificação dos procedimentos, pautado pela economia de tempo e custos,

sem colocar em risco as garantias do devido processo legal e dos direitos individuais.18

Incumbe, portanto, ao Estado a organização de meios alternativos para dirimir

os conflitos da sociedade, alem daqueles tradicionais já existentes. Quando o Estado

não se organiza, essas práticas alternativas passam para as mãos dos indivíduos que

visam satisfazer suas necessidades básicas.

Enquanto não se consolidam leis, emendas, instituições de órgãos aptos para

atenderem as demandas que surgem, estes grupos buscam a forma alternativa para

consolidar seus litígios.

18

SADECK, Maria Tereza Aina. Poder judiciário: perspectiva de reforma. Disponível em:

<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-62762004000100002&lang=pt>

Acesso em: 16 abr 2009.

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A sociedade contemporânea, carente de valores, informações, regrada no

individualismo e distante das decisões estatais procura, cada vez mais, o

contentamento de suas incoerências jurídicas através de praticas extralegais. Tem-se a

plena convicção que estas práticas informais e necessárias empregadas por grupos

sociais são legítimas e válidas no seio social em que estão inseridos.

Convenientemente, Antonio Carlos WOLKMER dispõe que: “por mais ampla,

forte e totalizadora que possa ser esta regulamentação jurídica da sociedade moderna

por parte do Estado, este não consegue erradicar e inviabilizar todo fenômeno de

regulação informal proveniente de outros grupos sociais não-estatais”.19

E estas modalidades de práticas descentralizadas e mecanismos de auto-regulamentação

espontâneas provenientes fundamentalmente dos setores majoritários, marginalizados,

reprimidos e injustiçados compreendem aquilo que se passará a designar como o alternativo.

Ainda que se possa reconhecer uma multivocidade de sentidos e toda uma gama de

deslocamentos diversos, a dimensão do alternativo na inserção do fenômeno jurídico traduz

uma variante de juridicidade distinta da que foi instituída como obrigatória e burocratizada, ou

seja, outro procedimento normativo espontâneo distinguindo-se do introjetado e formalmente

imposto pelo poder oficial dominante.20

O pluralismo jurídico está consignado na sociedade quando o Estado distancia-

se da sua função de proporcionar a segurança jurídica de todos os sujeitos coletivos,

indistintamente, propicia a manifestação de ordens jurídicas paralelas que, de certo

modo, são valoradas como normas próprias.

O judiciário deve ser visto como garantidor de justiça não somente com a

legalidade da aplicação do direito, mas também com a legitimidade de atos inerentes

ao órgão.

Resta claro que o pluralismo jurídico tem presença incontestável na sociedade,

que diante das dificuldades de acessibilidade à justiça, almeja a todo momento a

resolução de seus conflitos.

O canal encontrado pelos sujeitos que necessitam litigar é a prática de condutas

alternativas que levam a resolução de suas demandas. O meio prospectivo de criação

de leis ainda é do Estado, entretanto, como este é falho em suas ações, as práticas

19

WOLKMER, Antonio Carlos. Op.cit., p.286. 20

Ibidem, p.287.

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11

pluralistas ganham forças, construindo formas de satisfação das necessidades

fundamentais.

Objetiva-se, contudo, restar demonstrada a possibilidade das associações,

grupos e indivíduos, por si só, buscarem a extinção dos litígios existentes na sociedade

em que vivem, através das práticas pluralistas. A justiça necessita abrir as portas de

sua atuação e intervir nos litígios existentes a fim de poder dar crédito para o Estado, o

qual precisa ser mais atuante e preocupado com os problemas sociais, até porque, o

ente público deve preservar e garantir a dignidade da pessoa humana e proporcionar as

garantias dos direitos humanos de toda sociedade, propondo uma sociedade mais justa

e pacífica.

Acreditar na justiça é preciso. O Estado tem o dever de propor práticas para

melhorar a acessibilidade da justiça, porém, enquanto as restrições estiverem

presentes, os indivíduos manifestam-se através das práticas pluralistas, aceitando-as

como legitimas, válidas e justas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Assim sendo, cabe considerar a viabilidade das práticas alternativas para

obtenção de uma sociedade mais digna e humana e também na necessidade de um

melhor atendimento das classes através do respaldado órgão que é o Poder Judiciário.

A democracia plena e integral não pode ser alcançada sem a garantia de uma

ordem jurídica justa, onde os direitos possam ser reivindicados e atendidos de forma

célere e eficaz, através do Estado ou não. O reconhecimento da existência e

imprescindibilidade de mecanismos alternativos de produção e aplicação de direitos

fora do âmbito estatal faz-se necessário.

Em razão da falta de análise do Poder Judiciário e sua impossibilidade de

solucionar questões, o ideal é encontrar soluções extrajudiciais para resolver conflitos,

dando causa para a prática do pluralismo jurídico.

O pluralismo jurídico se torna necessário para resolver as demandas que não se

aproximam do Poder Judiciário. Imprescindível a busca pela paz e a dignidade. O

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12

Estado é parcialmente subsidiário do bem-estar social, portanto, cabe aos indivíduos

buscarem, através de seus próprios meios a pacificação restante, e assim, mesmo

diante das desigualdades, sintam-se satisfeitos com um mínimo necessário de

dignidade da pessoa humana.

REFERÊNCIAS

BEZERRA, Paulo Cesar Santos. Acesso à justiça: um problema ético-social no plano

da realização do direito. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.

BORTOLOZZI JUNIOR, Flavio. Pluralismo jurídico e a crise da modernidade.

Curitiba, 2005. 66 f. Monografia (curso de direito). Pontifícia Universidade Católica

do Paraná.

CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Porto Alegre: SAFE,

1988.

CESAR, Alexandre. Acesso à justiça e cidadania. Cuiabá: UFTM, 2002.

EHRLICH, Eugen. Fundamentos da sociologia do direito. Brasília: UnB, 1986.

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In:_____ (Org.). Direito e utopia. São Paulo: Acadêmica, 1993. p. 31-38.

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pensar a racionalidade jurídica da modernidade. Curitiba: Juruá, 2000.

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Grande: EDUEP, 2002.

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comparativo dos sistemas regionais europeu, interamericano e africano. São Paulo:

Saraiva, 2006.

RODRIGUES, Horacio Wanderlei. Acesso à justiça no direito processual brasileiro.

São Paulo: Acadêmica, 1994.

SADECK, Maria Tereza Aina. Poder judiciário: perspectiva de reforma. Disponível

em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-

62762004000100002&lang=pt> Acesso em: 16 abr 2009.

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SANTOS, Boaventura Sousa. O discurso e o poder. Ensaios sobre a sociologia

retórica jurídica. Porto Alegre: SAFE, 1988.

WOLKMER, Antonio Carlos. Pluralismo Jurídico: fundamentos de uma nova

cultura no direito. 3.ed. São Paulo: Alfa Omega, 2001.