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O PLANO DIRETOR E A CIDADE SUSTENTÁVEL José Luiz Faraco (Coordenador da Pesquisa) (1); Nestor Razente; Denise J. Rossetto (Colaboradores) (1) (1) Professores do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Estadual de Londrina RESUMO Proposta: O artigo apresenta resultado de uma pesquisa sobre Plano Diretor no processo de planejamento de Curitiba. A cidade é referência no campo do planejamento urbano. Disciplina por muitos considerada ineficaz. Em 1990, durante congresso mundial de autoridades locais para um futuro sustentável, Curitiba recebeu o prêmio United Nations Environment, conferido pelo programa Award for Achievement da ONU. No mesmo ano, Curitiba foi premiada pelo International Institute of Energy Conservation – Award for Achievement in Global Energetic Efficiency por causa do sistema de transportes. É senso comum considerar Curitiba experiência bem sucedida. Cidade que teria alcançado elevados índices de qualidade de vida, resultantes da política de planejamento. As questões centrais que orientaram a pesquisa foram: a contribuição do Plano Diretor e o êxito de Curitiba. O caminho percorrido pela investigação foi na direção dos momentos de ruptura. O Plano Preliminar da SERETE (1965) é marco de uma profunda inflexão na trajetória da prática do planejamento na capital paranaense. O período pesquisado foi de 1960 a 2007. Ao final, o artigo apresenta as diretrizes dos Planos Diretores, as intervenções no tecido urbano e as realizações, cujos resultados sócio-espaciais e ambientais amparam o senso comum que reconhece em Curitiba uma experiência bem sucedida. Palavras-chave: Planejamento urbano, Plano Diretor, Desenvolvimento Humano, Cidade Sustentável. ABSTRACT Propose: The article presents the results of a research on the influence of a Master Plan in the planning process of Curitiba. This city is a reference in the urban planning area, which is considered by many as an inefficacious subject. In 1990, during the world congress of local authorities for a sustainable future, Curitiba received the “United Nations Environment” award, given by UN’s Award for Achievement programme. In the same year, Curitiba was also awarded by the International Institute of Energy Conservation with the “Award for Achievement in Global Energetic Efficiency” for its transports systems. It is common sense to consider Curitiba as a well-succeeded experience, as a city that has reached high levels of quality of life as a result of its planning policy. The main issues of this research were the contributions of The Master Plan to the success of Curitiba. The investigation went in the direction of the moments of rupture. The Preliminary SERETE Plan (1965) is a turning point of a deep inflexion in the history of the Planning Practice in the Capital city of Paraná. The researched period was from the years 1960 to 2007. Finally, this article presents the policies of the Master Plans, the interventions on the urban tissue and the achievements, whose socio-spatial and environmental results support the common sense which acknowledges Curitiba as a well-succeeded experience. Keywords: Urban planning, Master Plan, Human Development, Sustainable City - 731 -

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O PLANO DIRETOR E A CIDADE SUSTENTÁVEL

José Luiz Faraco (Coordenador da Pesquisa) (1); Nestor Razente; Denise J. Rossetto (Colaboradores) (1)

(1) Professores do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Estadual de Londrina

RESUMO

Proposta: O artigo apresenta resultado de uma pesquisa sobre Plano Diretor no processo de planejamento de Curitiba. A cidade é referência no campo do planejamento urbano. Disciplina por muitos considerada ineficaz. Em 1990, durante congresso mundial de autoridades locais para um futuro sustentável, Curitiba recebeu o prêmio United Nations Environment, conferido pelo programa Award for Achievement da ONU. No mesmo ano, Curitiba foi premiada pelo International Institute of Energy Conservation – Award for Achievement in Global Energetic Efficiency por causa do sistema de transportes. É senso comum considerar Curitiba experiência bem sucedida. Cidade que teria alcançado elevados índices de qualidade de vida, resultantes da política de planejamento. As questões centrais que orientaram a pesquisa foram: a contribuição do Plano Diretor e o êxito de Curitiba. O caminho percorrido pela investigação foi na direção dos momentos de ruptura. O Plano Preliminar da SERETE (1965) é marco de uma profunda inflexão na trajetória da prática do planejamento na capital paranaense. O período pesquisado foi de 1960 a 2007. Ao final, o artigo apresenta as diretrizes dos Planos Diretores, as intervenções no tecido urbano e as realizações, cujos resultados sócio-espaciais e ambientais amparam o senso comum que reconhece em Curitiba uma experiência bem sucedida.

Palavras-chave: Planejamento urbano, Plano Diretor, Desenvolvimento Humano, Cidade Sustentável.

ABSTRACT

Propose: The article presents the results of a research on the influence of a Master Plan in the planning process of Curitiba. This city is a reference in the urban planning area, which is considered by many as an inefficacious subject. In 1990, during the world congress of local authorities for a sustainable future, Curitiba received the “United Nations Environment” award, given by UN’s Award for Achievement programme. In the same year, Curitiba was also awarded by the International Institute of Energy Conservation with the “Award for Achievement in Global Energetic Efficiency” for its transports systems. It is common sense to consider Curitiba as a well-succeeded experience, as a city that has reached high levels of quality of life as a result of its planning policy. The main issues of this research were the contributions of The Master Plan to the success of Curitiba. The investigation went in the direction of the moments of rupture. The Preliminary SERETE Plan (1965) is a turning point of a deep inflexion in the history of the Planning Practice in the Capital city of Paraná. The researched period was from the years 1960 to 2007. Finally, this article presents the policies of the Master Plans, the interventions on the urban tissue and the achievements, whose socio-spatial and environmental results support the common sense which acknowledges Curitiba as a well-succeeded experience.

Keywords: Urban planning, Master Plan, Human Development, Sustainable City

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1 INTRODUÇÃO

O objeto da pesquisa é o processo de planejamento urbano que se desenvolve na cidade de Curitiba. As questões centrais que orientaram o desenvolvimento da mesma são: o decantado êxito de Curitiba no campo do planejamento urbano e a atribuição desse êxito ao Plano Preliminar de Urbanismo elaborado em 1965 pela sociedade SERETE de Estudos e Projetos Ltda, em parceria com o arquiteto Jorge Wilheim, e ao Plano Diretor elaborado pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba – IPPUC, aprovado pela Lei Municipal Nº. 2.828/1966. O percurso metodológico deslocou-se entre plano, realidade e seus espaços de mediação. Essa trajetória possibilitou o confronto entre o discurso sobre as qualidades encontradas em Curitiba, as propostas contidas nos planos e o que de fato veio a ser concretizado.

Em setembro de 1990, durante o Congresso Mundial de Autoridades Locais para um Futuro Sustentável, Curitiba recebeu o prêmio United Nations Environment, conferido pelo Programa Award for Achievement, da Organização das Nações Unidas. Em outubro de 1990, foi premiada pelo

International Institute of Energy Conservation – Award for Achievement in global Energetic Efficiency por causa do sistema integrado de transporte que prioriza o transporte coletivo. A revista do jornal The New York Times, publicado no dia 20 de maio de 2007, trouxe reportagem de oito páginas sobre Curitiba, onde destaca que a cidade tem sido destino de peregrinação de urbanistas de várias partes do mundo, em razão do sistema de transporte, reciclagem do lixo e rede de parques. Ken Livingston, prefeito de Londres, disse, por ocasião de sua participação na cúpula mundial das grandes cidades para o clima, realizado em Nova Iorque em maio de 2007, que: “Curitiba é o futuro. Sua solução para o transporte público é claramente a direção a ser seguida”. A Folha de São Paulo publicou, em 24 de março de 2001, uma pesquisa desenvolvida pelo IPEA, sobre a qualidade de vida nas principais cidades do país. A avaliação da qualidade de vida baseou-se no ICV médio do período de 1995 a 1999. Nessa pesquisa, Curitiba obteve o melhor índice; São Paulo ficou em segundo lugar; e Porto Alegre posicionou-se no terceiro lugar. Quanto ao Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M), apurado em 2000, Curitiba alcançou o segundo melhor índice, superado apenas pelo de Porto Alegre. Outrossim, o Índice de Carência na Oferta de Serviços Essenciais à Habitação (ICH), publicado pela Câmara dos Deputados, para divulgar os trabalhos da Comissão de Desenvolvimento Urbano e Interior (2004), mostra Curitiba com o melhor índice, juntamente com Belo Horizonte, dentre cidades sedes de Regiões Metropolitanas (Tabela 01).

Tabela 01 - Índices de Desenvolvimento Municipal

População % Crescimento IDH – M ICV ICH

CIDADES 1960 2000 1960/2000 2000 Média 1995/99 2000

Curitiba 361.309 1.586.848 339,19 0,856 0,808 0,973

Porto Alegre 641.173 1.360.033 112,12 0,865 0,805 0,966

Belo Horizonte 693.328 2.232.747 222,03 0,839 0,803 0,973

Rio de Janeiro 3.307.163 5.851.814 76,94 0,842 0,790 0,869

São Paulo 3.825.351 10.405.867 172,02 0,841 0,775 0,964

Fonte: IBGE - Censos Demográficos / Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil. PNUD/IPEA/FUNDAÇÃO JOAO PINHEIRO / Brasil. Congresso. Câmara dos Deputados. Comissão de Desenvolvimento Urbano e Interior / Jornal Folha de São Paulo

Esses índices indicam uma condição ainda mais favorável a Curitiba quando analisados frente ao crescimento demográfico experimentado pelas cidades analisadas. De todas elas, Curitiba foi a que apresentou, de longe, o maior crescimento relativo de sua população no período de 1960 a 2000. Tomando por base as maiores capitais do sul do país, observa-se que, enquanto Porto Alegre apresentou um crescimento relativo de sua população de 112%, no período retrocitado, Curitiba cresceu 339%. Esses números permitem constatar que o excessivo crescimento populacional experimentado pela cidade lhe impôs maiores dificuldades, em relação às demais, no suprimento de equipamentos urbanos e comunitários, e mesmo assim alcançou os melhores índices de

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desenvolvimento. Avaliada por diferentes métodos, índices e indicadores de origens em diferentes fontes, a cidade alcança, sempre, um lugar privilegiado no contexto nacional, no tocante às suas qualidades sócio-ambientais. Não são poucas as lideranças políticas e intelectuais que tecem elogios às políticas públicas desenvolvidas na capital paranaense, assim como são recorrentes as publicações na imprensa do Brasil e do exterior sobre as qualidades da cidade de Curitiba. Gilberto Bueno Coelho e Paulo Chieza, professores do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Paraná, em conferência na Mostra 25 Cidades Vistas por suas Escolas de Arquitetura ocorrida durante o XIX Congresso da União Internacional de Arquitetos, realizado em Barcelona – Espanha, em julho de 1996, defenderam: “Entre 1965 – data da formulação do último Plano Diretor para Curitiba – e 1995 foram 30 anos que transformaram Curitiba, dela fazendo uma ‘referência’ em planejamento urbano, freqüentemente citada como modelo ou exemplo a ser seguido. [...] Curitiba é vista pelo curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Paraná com orgulho e como fonte de uma visão positiva das cidades”. (COELHO, 1997, p. 1, 2). Assim, as transformações pelas quais passou Curitiba são associadas aos seguintes Planos Diretores.

2 O PLANO PRELIMINAR DE URBANISMO DA SERETE 1965

No diagnóstico, os autores do Plano destacavam a conformação alongada da cidade no sentido nordeste-sudoeste e salientavam a impropriedade das áreas situadas a leste da BR-116 para fins de expansão urbana pelos motivos das freqüentes inundações. Realçam a enorme quantidade de loteamentos clandestinos que, dos 1.800 loteamentos que calculavam existir, apenas 800 deles eram aprovados pela Prefeitura. A infra-estrutura precária é revelada. A rede de água atingia 44% da população e a rede de esgotos apenas 28% dos habitantes. A rede de energia elétrica chegava a 75% dos curitibanos, enquanto que a iluminação pública atingia apenas a 37% das vias. Dos 1.400 km de vias existentes, somente 24% eram pavimentadas. Quanto à coleta de lixo, esta atendia aproximadamente 43% da população. A quantidade de áreas verdes públicas não chegava a atingir à relação de 1m²/hab. Quanto aos meios de transportes coletivos, o diagnóstico dedica poucas linhas a esse serviço público e revela que não havia graves problemas de transportes coletivos na cidade. Em relação à legislação urbanística, a interpretação dada era que o zoneamento existente não se constituía em disciplina eficiente, já que acompanhara uma caótica situação espontânea.

Amparados na leitura que faziam e na cidade que idealizavam, os autores do Plano SERETE definiram as seguintes diretrizes: o crescimento linear de um centro servido por vias tangenciais de circulação rápida, a hierarquia de vias, o desenvolvimento preferencial da cidade no eixo nordeste-sudoeste conforme as tendências históricas e espontâneas, o policentrismo, o adensamento, a extensão e adequação das áreas verdes, a caracterização de áreas de domínio de pedestres e a criação de uma paisagem urbana própria.

Das diretrizes supracitadas, é plausível afirmar que a maioria independia do diagnóstico. Antes disso, eram idéias pré-concebidas pelo arquiteto Jorge Wilheim. Essas idéias podem ser encontradas no livro São Paulo Metrópole 65, onde Wilheim (1965) desenvolve vários estudos e propostas para a capital paulista. Sobre o sistema viário radial/ perimetral, Jorge Wilheim manifesta-se, ao tratar de São Paulo, contrário à esquematização viária por meio de avenidas radiais e perimetrais, pois esse esquema contraria o policentrismo que considera necessário à metrópole paulistana. Na defesa do policentrismo e de um sistema de vias rápidas que tangenciem os centros principais, Wilheim cita os exemplos de Roma, Londres e Paris: “Em Roma, após vários e debatidos planos, conseguiu-se adotar um plano pluricêntrico com vias de comunicação rápida que atravessam a cidade evitando qualquer centralização. Tanto Londres como Paris evitam cuidadosamente traçados que levem a um só centro, cruzando vias rápidas diametrais que às vezes tangenciam os centros principais” (WILHEIM, 1965, p.79) (grifo nosso). Segundo Wilheim, o conceito de vias radiais-perimetrais está congenitamente associado à idéia de centro único. O autor considera que o sistema de vias radiais-perimetrais, em cidades em crescimento, reforça a função do centro como núcleo de atração, sendo inevitável que as radiais se tornem insuficientes, e, por isso, adentra-se a um círculo vicioso de alargamento-sufocamento. Dá como exemplo o caso de Milão, onde as radiais que levam à Praça Duomo sufocaram o centro e foram necessários “enormes rasgos, sangrias de salvação e a um

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remanejamento do Plano.” (WILHEIM, 1965, p.79). Quanto ao crescimento linear de áreas centrais, Wilheim manifesta seu pensamento ao propor um anel de estacionamentos na área central de São Paulo. Sua proposta era ampliar as funções da via perimetral do Centro 1, projetada em 1962 pelo Departamento de Urbanismo, para além de suas funções de dispersão e circulação. Em nota explicativa, relativa a essa proposta de extensão do centro de São Paulo, Wilheim destaca que a “linearidade de uma zona central seria sempre preferível, a fim de tornar possível a sua expansão” (WILHEIM, 1965, p.97) (grifo nosso). A idéia de crescimento linear de um centro servido por vias tangenciais encontra assento nos princípios básicos do esquema dinápole de Doxiadis. Wilheim faz referência à teoria do centro contínuo do arquiteto grego Constantinos A. Doxiadis no livro São Paulo

Metrópole 65 (WILHEIM, 1965, p.18). Na época da elaboração do Plano SERETE, Doxiadis elaborava o Plano Diretor do Rio de Janeiro, o que contribuiu para irradiar suas idéias no Brasil. A leitura que faz Doxiadis é que, devido a expansão contínua da cidade, o centro espalhou-se pela área construída da periferia, alterando sua estrutura e criando problemas diversos. A partir disso, conclui que a expansão concêntrica da cidade estrangulou seu centro porque não deixou espaço para expansão. Essa opinião sobre o estrangulamento das áreas centrais é também compartilhada por Wilheim (1965, p.78, 79) ao manifestar-se contrário ao radialismo unicêntrico. Doxiadis defende como solução o que considera uma nova concepção de cidade. Uma cidade dinâmica – a dinápole – para ele, a cidade do futuro, concebida como uma cidade que pode expandir-se e estar sempre pronta a criar um novo centro

e novas áreas periféricas. Assim, considera que, enquanto houver expansão, o caos será evitado. Entende como essencial que o crescimento da cidade seja controlado de modo que a expansão ocorra numa só direção. No esquema dinápole, a expansão é em uma única direção e o centro cresce ao longo de um eixo controlador. Esse esquema passou a ser identificado como de uma cidade linear. No entanto, Doxiadis (1970, p.43) esclarece que a dinápole não se confunde com a cidade linear, pois esta última tem as mesmas dimensões em cada um de seus pontos ao largo do eixo, enquanto a dinápole não. A cidade linear cresce em ambas as direções, enquanto a dinápole cresce apenas em uma direção. A típica dinápole, de acordo com Doxiadis, é o seu projeto para Islamabad, a capital do Paquistão. Para ele, a dinápole não tem nenhuma forma pré-concebida, suas formas são resultado das análises de suas forças móveis. Cita como exemplo o Rio de Janeiro: “[...] mientras que en Río de Janeiro llevó a la creación de una trama que abarcaba todo el valle de Guanabara com muchos centros de varios órdenes. Lo que probablemente llevó a una identificación de alguna de mis ideas con la ciudad lineal es la Dynapolis ideal parabólica” (DOXIADIS, 1970, p.43). Em Curitiba, o crescimento linear da área central dar-se-ia, segundo a proposta do Plano SERETE, em uma única direção.

Expandir-se-ia a oeste em direção ao Batel. O centro foi delimitado por um anel viário de direção única, o eixo controlador tal qual defendia Doxiadis. A caracterização de áreas de domínio de pedestres, indicada como diretriz, é também proposta que Wilheim já defendera para São Paulo em 1964: “Já elaborara, em anos anteriores, propostas válidas que, no entanto, não frutificaram: propus (1964) a pedestrianização do centro de São Paulo e o zoneamento e reloteamento, por integração de lotes, de um anel perimetral ao centro.” (WILHEIM, 1985, p.25). Finalmente, diretrizes indicadas para Curitiba, como a criação de uma paisagem urbana própria e a extensão e adequação de áreas verdes, eram temas palpitantes à época. Wilheim trata desses temas em texto intitulado A paisagem

paulistana. (WILHEIM, 1965, p.51, 68). Assim, das diretrizes apontadas, que não encerram, diga-se, todas as propostas contidas no Plano Preliminar, pode-se apontar que apenas aquela que invoca o

Figura 01 – Hierarquia Viária – Plano SERETE

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desenvolvimento preferencial da cidade no eixo nordeste-sudoeste teve origem na realidade local. Todas as demais são teses pré-concebidas ou objetivos a serem alcançados, que Wilheim defendia principalmente para São Paulo e foram transpostas para Curitiba, constando do Plano SERETE.

A hierarquia de vias propostas pelo Plano SERETE consistia de rodovias de acesso, vias rápidas estruturais, anel perimetral do centro principal, vias coletoras, avenidas de ligação entre bairros, ruas, praças e alamedas de domínio de pedestres e demais vias. Todas as vias indicadas acima foram identificadas na trama viária existente ou eram vias projetadas anteriormente. O Plano SERETE não propunha novas vias, apenas ligações ou prolongamentos. As vias rápidas estruturais constituem-se no principal elemento da estrutura urbana projetada pelos autores do Plano. A identificação dessas vias norteou-se pelo abandono do sistema de vias radiais-perimetrais. Foram definidas duas vias rápidas estruturais, uma ao norte e outra ao sul do centro principal (Figura 01). As vias rápidas estruturais tangenciariam a área central, sem cruzá-la. Teriam largura constante com duas faixas rápidas e uma lenta, em cada sentido; não possuiriam cruzamentos a menos de 300 metros de distância; seriam cruzadas por viadutos transversais distanciados e não necessitariam de sinais semafóricos. Entrar-se-ia e sair-se-ia delas livremente, sempre na direção preferencial do fluxo. Objetivava-se, com tais características, garantir um fluxo rápido e constante, ligando o centro principal aos centros secundários propostos no Plano. O tangenciamento do centro principal e dos centros secundários pelas vias rápidas estruturais visava separar o tráfego dessas vias do tráfego lento e local. Na área central, o Plano SERETE propôs um anel de direção única, no sentido horário, que não se sobrepunha às vias rápidas estruturais. Além da dispersão dos veículos vindos das estruturais, o anel central objetivava viabilizar a diretriz de crescimento linear da área central e também o fechamento da Rua XV de Novembro, destinando-a exclusivamente como área de domínio de pedestres. O Plano SERETE propôs a expansão da cidade no eixo nordeste-sudoeste, amparando-se no que seus autores consideravam como tendências históricas e espontâneas. A cidade tomara uma conformação mais alongada, no sentido nordeste-sudoeste, em razão principalmente da ocupação ao longo dos caminhos que ligavam Curitiba a diversas colônias de imigrantes. Diagnosticavam os autores do Plano que a ocupação que ocorria a leste da BR-02, hoje BR-116, não poderia ser estimulada por razões de freqüentes inundações a que estavam suscetíveis aquelas áreas. Apesar do significativo crescimento da população nessas áreas, entendiam que essa ocupação era de caráter inorgânico. Para a definição das áreas de expansão da cidade, além dos aspectos acima considerados, o adensamento populacional era uma diretriz, uma vez que a distribuição espacial da população no território urbano era de tal modo dispersa que as densidades demográficas eram excessivamente baixas. No zoneamento os autores do Plano SERETE buscavam concretizar algumas das soluções que indicavam nas diretrizes urbanísticas. A criação de uma paisagem urbana própria vai ser traduzida no zoneamento pela definição das características de ocupação conferidas à zona residencial 2. Como se pode observar na Figura 02, a ZR2 abrange extensas áreas envoltórias do centro principal. Os parâmetros definidos para essa zona foram: a cada quarteirão de 1 a 1,5 hectares, seria permitida a edificação de até duas torres de habitação coletiva em lotes de área não inferiores a 1/5 do quarteirão para cada uma; as torres deveriam ter 15 pavimentos e não ocupar mais de 1/3 do lote; cada torre deveria distar pelo menos 20m uma da outra; a área do pavimento térreo, excedente da projeção da torre, seria ajardinada e mantida pelos condomínios, para fins recreativos e paisagísticos; cada torre marcaria significativamente a paisagem urbana. Nos demais lotes do quarteirão, seria permitida a edificação de habitações unifamiliares ocupando até 1/3 da área do terreno. Eram esses os critérios que levariam Curitiba a transformar-se em uma cidade com uma paisagem urbana própria. A diretriz do policentrismo, o zoneamento vai contemplá-la definindo as zonas de comércio secundário do Portão e do Cajuru, ambos tangenciados pela via rápida estrutural sul, e o centros secundários do Bacacheri e das Mercês, tangenciados pela via rápida estrutural norte. A justificativa para a criação dos centros secundários era evitar que a expansão de Curitiba levasse ao abafamento de seu centro principal pela exagerada concentração de funções. Quanto à diretriz de extensão e adequação de áreas verdes, o Plano SERETE propôs os seguintes Parques: Nossa Senhora da Luz, Cidade, Barreirinha e Tanque do Glaser. A oeste da área urbanizada, foi proposto um grande parque zoobotânico na Bacia do Rio Barigüi; e nas zonas industriais, propôs-se que estas fossem isoladas das zonas residenciais por cinturões verdes.

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Figura 02 – Zoneamento e Paisagem pretendida na ZR2 – Plano SERETE

Em larga medida, a estrutura urbana proposta pelo Plano SERETE, como vimos, encontra amparo nas idéias pré-concebidas de Wilheim, cuja origem nos remete a Doxiadis, mas, principalmente, às recomendações expressas pelos Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna (CIAMs), especialmente aquelas consignadas na Carta de Atenas, na versão de Le Corbusier. A hierarquia de vias rápidas estruturais, destinadas ao trânsito de passagem com cruzamentos distanciados, o anel central de tráfego lento e a via preferencial de pedestres encontram sua representação na Carta de Atenas quando esta estabelece que “as vias de circulação devem ser classificadas conforme sua natureza, e construída em função dos veículos e de suas velocidades [...]. A primeira medida útil seria separar radicalmente, nas artérias congestionadas, o caminho dos pedestres daquele dos veículos mecânicos. A segunda, dar às cargas pesadas um leito de circulação particular. A terceira, considerar, para a grande circulação, vias de trânsito independentes das vias usuais destinadas somente à circulação miúda” (LE CORBUSIER, 1993, n.p.). As zonas industriais ao longo dos eixos rodoviários, separadas das zonas residenciais por vegetação, como aparece na proposta de zoneamento do Plano, é também recomendação constante da Carta de Atenas, para a qual os setores industriais devem ser independentes dos setores habitacionais e separados uns dos outros por uma zona de vegetação. Até onde se possa ver, a criação de uma paisagem urbana constituída por meio de torres isoladas, com áreas ajardinadas no térreo, é também tradução de postulado que encontramos expressos na referida Carta: “as construções elevadas erguidas a grande distancia umas das outras devem liberar o solo para amplas superfícies verdes.” (LE CORBUSIER, 1993, n.p.). De modo geral, podemos concluir que, sem exceções, as diretrizes urbanísticas propostas pelo Plano SERETE assentavam-se nos postulados preconizados pela Carta de Atenas. A submissão do Plano a esses postulados é de tal ordem que, no parágrafo 1º, do artigo 1º, do projeto de lei proposto para o Plano, ficou expresso: “O Plano visa propiciar as melhores condições urbanas para a plena realização das funções de habitar, trabalhar, recrear e circular.” (SOCIEDADE SERETE, 1965, p.a5). Estas eram as chaves do urbanismo divulgadas pela Carta de Atenas.

3 PLANO DIRETOR DO IPPUC 1966

O IPPUC foi criado em dezembro de 1965, pela Lei Nº. 2.660/65, tendo como a primeira de suas finalidades a elaboração do Plano Urbanístico de Curitiba. Em maio de 1966, transcorridos onze meses após a conclusão do Plano SERETE e pouco mais de cinco meses da criação do IPPUC, o Poder

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Executivo Municipal encaminha à Câmara de Vereadores o anteprojeto de lei que institui o Plano Diretor. Paradoxalmente, este Plano que, acreditava-se, seria fase subseqüente de detalhamento do Plano SERETE, apresentou alterações substanciais em relação às diretrizes deste último; além disso, era muito mais simplificado. Segundo FERNANDES, “Quando mandamos a Lei do Plano Diretor, nós praticamente mandamos um Plano de Diretrizes Básicas, porque pensamos assim: o que é um Plano Diretor: Vamos mandar uma camisa de força? Vamos mandar mapas detalhados para a Câmara de Vereadores? Não é só isso que interessa, e nessa hora, na realidade, nós estávamos inventando uma fórmula de legalizar uma política urbana para o município de Curitiba. Nada foi detalhado, o detalhamento ficou por nossa conta” (FERNANDES, 1991, p.42). O Plano Diretor do IPPUC passou a ser oficialmente instituído, um Plano de Diretrizes, quando esse era o objetivo do Plano SERETE. Detalhamentos do Plano SERETE, que seriam tratados no Plano Diretor propriamente dito, deixaram de ser motivo de aprovação pela Câmara Municipal para ser a programação proposta pelo IPPUC. A Lei do Plano Diretor autorizou ainda o Executivo a criar e regulamentar setores especiais. Por conta de tudo isso, o IPPUC se confunde com o Plano. Aqui está a origem de debates que se sucedem até os dias de hoje sobre a competência do IPPUC de ‘legislar’ sobre matérias de caráter urbanístico.

As diretrizes básicas definidas no Plano Diretor do IPPUC foram: a estrutura do Planejamento Integrado, o desenvolvimento preferencial da cidade no eixo nordeste- sudoeste, a hierarquia de vias, o crescimento linear do centro principal servido por vias tangenciais de circulação rápida, a caracterização das áreas de uso preferencial ou exclusivo de pedestres, a extensão e adequação de áreas verdes, a criação de uma paisagem urbana própria, a renovação urbana e a preservação histórico-tradicional. Essas diretrizes indicam mudanças em relação às diretrizes básicas do Plano SERETE, entre elas a inclusão da estrutura do planejamento integrado, a renovação urbana, a preservação histórico-tradicional e, principalmente, a exclusão do adensamento e do policentrismo como diretrizes básicas.

A inclusão das diretrizes estrutura do planejamento integrado no Plano do IPPUC não representou mudanças efetivas na prática do planejamento urbano que se desenhava naquele momento. A expressão 'planejamento integrado' já aparecia quando da criação do IPPUC. Quanto à renovação urbana, essa não aparece no Plano SERETE, ao menos com as características propostas no Plano do IPPUC. A introdução de uma diretriz de renovação urbana, reservando ao detalhamento dessa diretriz toda uma seção da Lei do Plano Diretor, atendia às preocupações do prefeito municipal Ivo Arzua. O mesmo havia adotado a tese da renovação urbana como um dos símbolos de sua administração. No entanto, tal como formulada no Plano, acabou por não contribuir com quaisquer intervenções, diferentemente da diretriz da preservação histórico-tradicional que inspirou intervenções significativas na cidade. Por outro lado, o abandono da diretriz de adensamento pelo Plano do IPPUC só se explica pelos interesses imobiliários na ampliação do perímetro urbano proposto anteriormente pelo Plano SERETE. Já o abandono da diretriz do policentrismo se

explica pela mais significativa mudança definida no Plano do IPPUC, em relação ao Plano SERETE, qual seja, as mudanças nas características de ocupação do solo na zona residencial 2, priorizando a

Figura 03 – Zoneamento – Plano do IPPUC

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ocupação, por torres isoladas, somente nas vias rápidas estruturais.

Ao tratar da expansão do centro principal, o Plano Diretor do IPPUC preserva a proposta original do Plano SERETE de crescimento linear do centro principal em direção ao Batel, mas, nas áreas de expansão periférica, mesmo mantendo como diretriz o desenvolvimento preferencial da cidade no eixo nordeste-sudoeste, estabelece um perímetro que inclui áreas de expansão em todas as direções, deixando, assim, de observar o necessário adensamento preconizado pelo Plano SERETE, que seria atingido pelo controle da expansão urbana. Também desconsiderou as insistentes recomendações explicitadas no diagnóstico da SERETE de evitar a expansão da cidade a leste da BR-116. O Plano do IPPUC contrariava, por suas propostas de expansão da cidade, as linhas de força e as tendências históricas e espontâneas, como assinalava o Plano SERETE.

A proposta de sistema viário do Plano do IPPUC preserva em linhas gerais o sistema idealizado pelo Plano SERETE, mas promove algumas alterações e complementações. A mais significativa alteração proposta pelo Plano do IPPUC é o desvio do traçado da via rápida estrutural-norte, que não seria mais como proposto pelo Plano SERETE. Essa mudança reveste-se de importância, pois tocava a concepção das vias rápidas estruturais da SERETE, a qual fundava-se na interligação do centro principal com os centros secundários. Essa alteração mostrou-se também significativa, vista hoje, por tudo aquilo que representou como indutora do adensamento na Rua Pe. Anchieta, e também por tudo que veio a ocorrer no uso e na ocupação do solo na região oeste da cidade, decorrente de seu prolongamento. O prolongamento do tramo, agora oeste, da via rápida estrutural-norte, ao ultrapassar a Rua General Mário Tourinho e atingir área para a qual o Plano SERETE havia indicado um grande parque zoobotânico, transformou-se no zoneamento atual, no setor especial Nova Curitiba. E é nesse setor que se reproduz espacialmente a ocupação por torres isoladas, idealizadas originalmente pelo Plano SERETE, para grande parte da cidade e, depois, pelo Plano do IPPUC, somente para o setor estrutural. Essa ocupação difere da ocupação mais densa de outros trechos do setor estrutural. De um lado, os “paredões” das vias estruturais e, de outro, o que vem sendo denominado de “padrão paliteiro”, constituindo em espaços segregados sócio-espacialmente. É especialmente no zoneamento (FIGURA 03) que o Plano do IPPUC promove mudanças que alteram profundamente a estrutura urbana idealizada pelo Plano SERETE. A primeira delas é o abandono da diretriz do policentrismo, não estabelecendo as zonas dos centros secundários, como fazia o Plano SERETE. A segunda é transformação das vias estruturais em uma única zona. Diferentemente do Plano SERETE, somente nessa zona permaneciam os critérios relacionados à ocupação por torres isoladas. Permitia-se a edificação de até três torres de habitação coletiva, lotes não inferiores a 2000m2 para cada torre de habitação, altura obrigatória de 63m e distância mínima entre as torres não inferior a 30m. Nos demais lotes, permitia-se a edificação em dois pavimentos com coeficiente de aproveitamento de uma vez a área do lote. A terceira é a alteração nas características da zona residencial 2, que abrangia extensas áreas que circundavam praticamente todas as zonas comerciais e residenciais de alta densidade, e era destinada a abrigar as torres isoladas. No Plano do IPPUC, a característica de ocupação por torres isoladas passa a ser, como vimos, apenas do setor estrutural. A ZR-2 continua abrangente, mas com possibilidades de abrigar edifícios de no máximo quatro pavimentos. Essas foram as principais mudanças introduzidas pelo Plano do IPPUC em relação ao Plano SERETE, e a explicação para elas está na tentativa dos autores do Plano em aproximarem a estrutura urbana que projetavam à realidade existente do uso e da ocupação do solo urbano da capital e às exigências do mercado imobiliário.

4 O QUE FOI CONCRETIZADO

Não são poucas as diferenças entre as diretrizes básicas consagradas no Plano SERETE, no Plano Diretor do IPPUC, e o que de fato veio a se concretizar como prática concreta dos diferentes agentes que produzem a cidade, destacando o IPPUC na condução de um processo de Planejamento cuja resultante, em larga medida, ganhou as ruas transformando-se em realidade. Diferentemente do que era proposto pelos planos, crescimento alongado no sentido nordeste-sudoeste, a cidade expandiu-se em todas as direções, extravasando inclusive para áreas de municípios vizinhos limítrofes à Capital. O leste da BR-116, cuja ocupação não era recomendada, apresentou grande crescimento populacional, abrigando na atualidade os bairros mais populosos de Curitiba. A expansão linear do centro principal,

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tal como ocorre hoje, através da verticalização, adensamento e diversidade de uso no Setor Estrutural, não era diretriz nem do Plano SERETE e nem mesmo do Plano Diretor do IPPUC. O que esses Planos propunham era o crescimento linear do centro principal em direção ao Batel, controlado por um anel perimetral tangenciado por vias rápidas estruturais. Com o anel perimetral, procurava-se também evitar o tráfego diametral à Rua XV de Novembro de maneira a possibilitar a transformação desta em via preferencial de pedestres. O fechamento da rua XV de Novembro ao tráfego de veículos foi realizado em 1972, mas não foi eliminado o tráfego diametral. O sistema de vias rápidas estruturais foi idealizado no Plano SERETE para interligar o centro principal aos centros secundários que propunha. Eram vias que se prestariam exclusivamente ao trânsito rápido e constante. Por sua vez, o Plano Diretor do IPPUC abandonou o policentrismo, mas preservou as características das vias rápidas estruturais quanto ao tráfego de veículos. No entanto, o setor estrutural implantado foi concebido como prolongamento linear do centro principal, com base em um sistema trinário de vias que conjugou canaletas exclusivas para o transporte coletivo, vias de tráfego lento atendendo ao comércio e ao serviços e vias de fluxo rápido e constante para o tráfego de passagem. Assim consagrou-se a integração sistema viário, uso do solo e transporte coletivo, que não aparecia nos Planos. No Plano SERETE e no Plano Diretor do IPPUC, a ocupação dos lotes com testadas para as vias rápidas estruturais dar-se-ia por torres isoladas e de igual altura, objetivando com isso, segundo os autores, destacar o valor arquitetônico do arranha-céu e evitar a formação das ruas-corredor. Na busca de uma paisagem urbana própria, o Plano SERETE propunha a ocupação de grande parte da área urbana por torres isoladas, com obrigatórios quinze pavimentos de altura, incluindo parte das vias rápidas estruturais que teriam, exceção aos trechos centrais, as mesmas características das zonas que percorriam. O Plano Diretor do IPPUC alterou essa proposição. Transformou as vias rápidas estruturais em uma única zona e restringiu a essa (somente) a ocupação por torres isoladas de 63 metros de altura, dando-lhe a denominação de Setor Estrutural. No entanto, a paisagem urbana que se concretizou foi da concentração excessiva de grandes edifícios, configurando um paredão que não guarda nenhuma relação com a paisagem urbana idealizada nos Planos. A ocupação em determinados compartimentos do setor estrutural ocorreu com torres de diferentes alturas, umas muito próximas das outras, trazendo por conseqüência, de um lado, problemas relacionados à salubridade das edificações e, de outro, a possibilidade do adensamento necessário para otimizar o sistema de vias e de transporte coletivo implantados. O Plano SERETE e o Plano Diretor do IPPUC não contemplavam nenhuma proposta ou diretriz quanto ao sistema de transporte coletivo por meio de ônibus. O que se concretizou foi uma rede integrada de transporte coletivo. Esta realização é a que mais tem dado notoriedade à experiência curitibana no campo do planejamento urbano, tendo em vista a prioridade dada ao transporte coletivo, às inovações no sistema viário e sua integração com o uso do solo, e, ainda, às características dos veículos e das estações de embarque. Todos esses elementos conjugados conferiram eficiência ao sistema, reduzindo o tempo gasto em deslocamento pelos usuários. O Plano SERETE definiu a quantidade de áreas necessárias para abrigar as demandas do crescimento industrial, estimada em 320 hectares para o ano de 1980. Com base nisso e nos aspectos de caráter urbanísticos, foram definidas as zonas industriais ao longo dos eixos rodoviários. Por sua vez, o Plano Diretor do IPPUC pouco alterou as propostas do Plano SERETE. O que se concretizou foi um grande parque industrial (CIC), a partir de 1974, a oeste da malha urbanizada, com área treze vezes superior às demandas previstas pela SERETE, para o ano de 1980. A implantação da Cidade Industrial, não indicada nos Planos, significou profundas alterações na estrutura urbana: redirecionou a implantação do sistema viário, de infra-estrutura, de conjuntos habitacionais, enfim, de todo um conjunto de ações efetuadas por diferentes níveis de governo. A propósito das áreas verdes, o Plano SERETE assinalava as precárias condições das praças existentes e a quase total ausência de parques. Das propostas que fazia e, depois, incorporadas pelo Plano Diretor, destacam-se a construção de um Parque Zoobotânico, a oeste da área urbanizada, e a implantação de cinturões de áreas verdes, separando as zonas industriais das zonas residenciais. Essas propostas não se concretizaram. O IPPUC desenvolveu inúmeros trabalhos na área e, como resultado, 27 parques e bosques foram implantados no período de 1972 a 2000. Assim, Curitiba passou de 0,5m2 de área verde por habitante, em 1970, para 52m2 por habitante no ano 2000. O Parque Iguaçu e o Passaúna, que sozinhos representam 78% das áreas verdes no município, não apareciam nos Planos.

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5 CONCLUSÃO

Em síntese, as diretrizes do Plano SERETE e do Plano Diretor do IPPUC não se concretizaram tal como idealizadas, pois foram profundamente alteradas. O que se fez valer foi o processo capitaneado pelo IPPUC. Mas isso não desqualifica os planos, pois foi a elaboração dos mesmos que marcou a ruptura e deu início ao processo de planejamento que transformou Curitiba em referência no Brasil e fora dele. O resultado dos Planos SERETE e do IPPUC confirmam a hipótese de Costa (1994) de que: “a produção do instrumento institucional Plano Diretor constitui, em princípio, uma oportunidade histórica excepcional da sociedade e do Estado realizarem avanços significativos em sua capacidade de conduzir – de forma democraticamente deliberada – o processo de produção e organização da cidade”. Nesse momento em que grande parte das cidades brasileiras defronta-se com a elaboração e a implementação de Planos Diretores e, ainda, quando muito se questiona a validade dos mesmos, a experiência de Curitiba se mostra ainda mais relevante. Observa Lamparelli (1992) "que numa conjuntura tão incerta e nebulosa pode-se até duvidar da utilidade de planos. Mas a História demonstra que planos, controles de ação e dos objetivos são muito necessários ainda que flexíveis e sujeitos a constantes revisões." Maricato (2000) conclui que, “[...] apesar da história referida e do descrédito, o planejamento urbano é necessário para assegurar justiça social e a reposição dos pressupostos ambientais naturais para o assentamento humano. Não há como vislumbrar um futuro melhor para as cidades brasileiras sem planejamento [...]. Basta fazer a ressalva, bastante óbvia (e nem por isso praticada), de que a atividade de gestão deve prever um plano orientador e um sistema de planejamento e gestão que seja responsável pela revisão periódica do próprio plano”. Como visto, a experiência de Curitiba assenta-se nos pressupostos indicados por Maricato.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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