o planejamento no cotidiano de uma instituiÇÃo ... · tinha algo além do sarampo; você...

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA INSTITUTO DE SAÚDE COLETIVA Rua Basílio da Gama, s/n Canela Salvador Bahia Fone fax - (071) 3336-0173 e-mail: [email protected] Ana Angélica Ribeiro de Meneses e Rocha O PLANEJAMENTO NO COTIDIANO DE UMA INSTITUIÇÃO HIPERCOMPLEXA: O CASO DA SES/SERGIPE Salvador, abril/2008

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA INSTITUTO DE SADE COLETIVA Rua Baslio da Gama, s/n Canela Salvador Bahia Fone fax - (071) 3336-0173 e-mail: [email protected]

Ana Anglica Ribeiro de Meneses e Rocha

O PLANEJAMENTO NO COTIDIANO DE UMA INSTITUIO HIPERCOMPLEXA: O CASO DA

SES/SERGIPE

Salvador, abril/2008

2

UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA INSTITUTO DE SADE COLETIVA Rua Baslio da Gama, s/n Canela Salvador Bahia Fone fax - (071) 3336-0173 e-mail: [email protected]

Ana Anglica Ribeiro de Meneses e Rocha

O PLANEJAMENTO NO COTIDIANO DE UMA INSTITUIO HIPERCOMPLEXA: O CASO DA

SES/SERGIPE

Tese apresentada ao Programa de Ps-Graduao do Instituto de Sade Coletiva da Universidade Federal

da Bahia, como requisito parcial para obteno do ttulo de doutor em Sade Pblica, rea de

concentrao em Planejamento e Gesto em Sade

Orientadora: Prof Dr PhD Leny Alves Bonfim Trad

Salvador, abril/2008

3

Ficha Catalogrfica Elaborao: Maria Creuza F. Silva CRB 5-996

______________________________________________________________________

R672p Rocha, Ana Anglica Ribeiro de Meneses e. O Planejamento no cotidiano de uma instituio hipercomplexa: o caso da SES Sergipe. / Ana Anglica Ribeiro de Meneses e Rocha. Salvador: A.A.R.M Rocha, 2008.

156 p.

Orientador (a): Prof. Dr. Leny Alves Bomfim Trad. Tese (doutorado) Instituto de Sade Coletiva. Universidade Federal da Bahia

1. Planejamento Estratgico em Sade. 2. Prticas de Planejamento. 3. Gesto Estadual em Sade. 4. Polticas de Sade. 5. Mtodos de Planejamento 6. Sistemas Locais de Sade. I. Ttulo.

CDU 614.2 __________________________________________________________________________

4

Ana Anglica Ribeiro de Meneses e Rocha

O PLANEJAMENTO NO COTIDIANO DE UMA INSTITUIO HIPERCOMPLEXA: O CASO DA

SES/SERGIPE

Data de aprovao: 4 de abril de 20 Banca examinadora: Prof. Francisco Javier Uribe River Prof. Hugo Spinelli ( Universidad d Prof. Jairnilson Silva Paim (ISC/U Prof. Carmen Fontes Teixeira (ISC

Prof. Leny Alves Bonfim Trad (or

Sal

Tese apresentada ao Programa de Ps-Graduao do Instituto de Sade Coletiva da Universidade Federal

da Bahia, como requisito parcial para obteno do ttulo de doutor em Sade Pblica, rea de

concentrao em Planejamento e Gesto em Sade

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a (ENSP/FFIOCRUZ)

e Lanus, Argentina)

FBA)

/UFBA)

ientadora) (ISC/UFBA)

vador, abril/2008

5

Concluso

No seja eu a que mutila ou abandona

No seja eu a que devora ou aniquila

No seja eu a que transforma a praa

Em tocaia e luto

No seja eu a que carrega o vendaval nos cabelos

Nem a que dorme todas as noites

No sangue derramado do povo.

No sendo eu,

Posso morrer na madrugada

Tendo nos lbios uma rosa

E, nos olhos

A ltima estrela da noite.

Nbia Marques, poetisa sergipana

In Verde Outono.

6

AGRADECENDO

Olhando para a trajetria de construo de uma tese de doutoramento, no momento de

dedicar o trabalho e agradecer o apoio recebido, surge a grande questo: a quem eu devo dedicar e agradecer? E as lembranas vo surgindo:

Eu lembro que, sempre perguntam s crianas, o que elas querem ser quando crescerem.

Eu respondia que seria Doutora, e, contam que, mame chorava, pensando que nunca poderia mandar um filho para estudar Medicina em Salvador. Mas ela conseguiu formar filhas, filhos e, at hoje, ainda assume tarefa de ajudar os netos e bisnetos a estudar. Por tudo, minha me, muito obrigada. Agora, sem lgrimas, eu posso lhe dizer: Vim para Salvador e voc tem uma filha doutora!

Eu lembro danando com voc a minha valsa de formatura. E, da sua preocupao em

no estragar seus sapatos novos. Eu disse: Pai, esquea isso e vamos danar! Muito mais voc gastou para que eu chegasse at aqui. Porque voc me levava para a escola, segurando na minha mo. Principalmente no primeiro dia de aula. E foi assim at a aula inaugural da faculdade. Muito obrigada, meu pai, hora de chamar a turma para comemorar e danar muito, at gastar os sapatos.

Eu lembro das vrias vezes que saamos de casa ainda era noite e amos sentido o cheiro

da madrugada, e vendo o sol ir, lentamente, clareando o horizonte por trs dos eucaliptos da estrada. E, voc dizia: Durma, descanse! No meio do caminho, eu via voc molhar o rosto para espantar o cansao e o sono. Assim, eu conseguia cumprir a minha agenda de compromisso a tempo. E, quando eu saa do ISC (confusa com os seminrios avanados e questes epistemolgicas) ou da SES (cansada dos embates tcnicos e polticos, frustrada pelas omisses/decises equivocadas) voc estava l, me esperando. Voc dizia: Deixe que eu cuide de tudo, se concentre nos estudos! E voc cuidou de tudo e de todos. Quando meu filho casou, quem deu o n na gravata dele? Quem levou minha filha para o hospital na cirurgia de urgncia? Quem estava l, tambm, quando meu pai e minha me adoeceram? Quando as netas nasceram? Eu sempre contei com voc. Muito obrigada, Bem, por todos os minutos de dedicao. Eu no sabia que precisava tanto, e, voc estava ali! Com a mo forte e o abrao, com fora e f, e, conseguimos. Como voc dizia: Bem, chegamos! Ao fim da jornada.

Lembro de receber, em minhas mos, os seus corpinhos quando vieram ao mundo. Eu

sempre dizia, a cada um: Seja bem vindo! Oscar Augusto, Ana Rachel e Ana Catherinne me ensinaram a ser me, (tarefa difcil!!!) entre a brandura do corao e o rigor, na forma de ensinar a andar no mundo. Obrigada, meus filhos, s vocs sabem o tamanho do meu amor.

E, todos os sobrinhos, afilhados, filhos do corao. Com vocs aprendi a ser pediatra, me das crianas do mundo e a lutar para que todos tivessem acesso aos cuidados, por fora das leis divinas, da natureza e dos homens. Obrigada, meus queridos, por me ensinar a cuidar.

Eu lembro de voc, era magrinho, tinha um 5 ou 6 anos. Eu lhe atendi em um bero de

madeira, em uma enfermaria infantil de um hospital do interior, onde comeamos a nossa trajetria profissional; voc apresentava o quadro clssico de sarampo. Lembro do contraste do exantema em sua pele, do calor que emanava do seu corpo febril, dos lbios ressequidos. Mas, tinha algo alm do sarampo; voc desenvolveu uma encefalite. Encaminhei-o ao hospital de referncia e, na mesma ambulncia voc voltou. O colega mandou dizer que eu cuidasse do caso, no tinha vaga no hospital. Eu cuidei, com os poucos recursos disponveis e, um dia, a Irm Nomia me chamou e disse: Veja, ele acordou e pediu po e a encarregada pela nutrio deu! Ficamos, eu, a Irm e Bete olhando voc comer o po, aos bocadinhos. Voc estava salvo, diferentes de tantos que morreram e eu, revoltada, tinha que assinar os atestados de bito por

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causas evitveis!!! Eu ficava pensando se haveria uma forma de resolver essas questes, eu sabia que a sade devia ser diferente do que me ensinaram na faculdade, da prtica desenvolvida nos hospitais e ambulatrios. Muito obrigada, pois, por vocs, a revolta deu lugar militncia.

Lembro dos colegas e companheiros, dos estados, dos municpios, do ministrio, das

universidades, que, em face aos desafios das instituies, tiveram coragem e determinao para elaborarem planos e projetos que ajudaram a construir este Sistema nico de Sade. Hoje, o menino dessa histria deve ser um homem, ter famlia, filhos, e, com certeza, esto protegidos por uma equipe de sade da famlia, resultado da luta de todos. Se eu for declinar os nomes, encherei muitas pginas; ento, ao lerem essa tese e sabendo que fizeram parte dessa histria, vo ler, nas entrelinhas, os seus nomes. Mas, permitam eu representar vocs em uma pessoa: Maria Jos. Agradecendo a ela dizer a todos: muito obrigada, por ainda estarmos aqui, lutando pelo SUS, procurando constru-lo e entend-lo.

A essa lembrana, vo somando-se outras que me fizeram buscar respostas nos

programas de sade e, por fim, na Sade Coletiva. E, ao procurar ajuda para construir uma cartilha de sade pblica que fosse alm do discurso higienista, conheci o ISC/UFBA atravs do grupo da Comunicao e Sade; e da, foi se criando laos com outros grupos, com pessoas, da Biblioteca, das Secretarias, dos Projetos, da Informao, da Epidemiologia, da Avaliao, do Diretrio de Planejamento, do Plo, da Escola de Enfermagem, do FASA. Encontrei um lugar onde aprendi a sonhar com os ps no cho. A todos vocs, muito obrigada.

Porm, permitam que eu destaque algumas pessoas que, em especial, quero agradecer: a

Tet Marques, pela coragem (me deu o incentivo e apoio para iniciar essa jornada), a Carmem, por sua generosidade e a Jairnilson, pelo acolhimento. Sempre afirmo que conviver com nossas referncias bibliogrficas surpreendente e instigante.

Eu lembro que quando pensei em me candidatar ao mestrado no ISC a grande questo

era conseguir um orientador (uma regra ptrea nos programas de ps-graduao) e, todos falavam da relao que vai se estabelecendo nesse processo como uma incgnita (e um tabu) para os alunos que esto ingressando nos mestrados e doutorados. Eu encontrei Leny e entre ns se estabeleceu uma relao de confiana, com momentos de partilha e cumplicidade nos desafio cotidiano dos diversos trabalhos desenvolvidos pelo grupo FASA. Voc traduz muito bem o rigor, a curiosidade e entusiasmo com o equilbrio necessrio para realizar atividades de ensino, pesquisa e cooperao tcnica. De uma forma muito especial eu digo: Muito obrigada Leny, por tudo, pelo apoio tcnico e o apoio clido. Voc foi a rgua e o compasso que eu encontrei na Bahia, uma ajuda preciosa na difcil tarefa de me tornar pesquisadora, um ombro amigo nesses longos anos de trabalho.

Mas, tudo isto passa a ter um sentido muito maior por causa de Ana Jlia, Ana Sofia e

Geovana, minhas netas, a quem eu dedico essa Tese, esperando continuar lutando por um mundo melhor para vocs, com meu trabalho e, sobretudo, com o meu amor.

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RESUMO

ROCHA, A. A. R. M. O planejamento no cotidiano de uma instituio hipercomplexa: o caso da SES-Sergipe. Salvador, 2008. p. Tese (Doutorado em Sade Pblica) Instituto de Sade Coletiva Universidade Federal da Bahia. Entender o planejamento como objeto de investigao pressupe identificar suas vrias concepes e usos na construo do sistema de sade brasileiro. O local de investigao uma Secretaria Estadual de Sade, instituio em processo de redefinio de papis e de atribuies que exige mudanas na sua forma de pensar, de se organizar e de se relacionar tanto no ambiente interno, quanto no ambiente externo, assumindo caractersticas de uma instituio hipercomplexa (Testa, 1997). A estratgia de pesquisa escolhida foi o estudo de caso. O objetivo geral do estudo procurou entender como e por que polticas e projetos foram formulados, se existia coerncia entre os propsitos e as atividades desenvolvidas; identificar as concepes tericas, as metodologias utilizadas e as possveis transformaes tecnolgicas e polticas no mbito da SES-SE, no perodo de 2003-2006. O modelo terico proposto para entender a problemtica articula a teoria da produo social, os tringulos de governo e de ferro (Carlos Matus,1997) e o postulado da coerncia (Mrio Testa, 1997) para auxiliar a anlise da relao entre os cenrio poltico, de sade e do governo e a trajetria do planejamento (coerncia entre os propsitos, os mtodos e a organizao). O desenho organizacional fragmentado, a ausncia de propsitos comuns entre a SES e o Governo, a situao de escassez tcnica, administrativa e poltica foram as fragilidades identificadas. O estabelecimento de parcerias aumentou a governabilidade e a capacidade de governo. Entre os produtos e processos institudos, a construo da Agenda e o mtodo de planejamento e avaliao se revelam como processo de planejamento com base na ao comunicativa voltada para compromissos (Rivera, 1995). O mtodo utilizado teve potncia para influenciar o desenho da organizao, foi se consolidando com o tempo, apoiado no fazer (saber operante) e no suporte tcnico externo. A manuteno dos propsitos foi mais consistente em trs reas: na organizao do sistema (atravs da Ateno Bsica e HPP), do sistema de informao e da regulao. A maior fragilidade identificada foi no nvel organizativo pela no formalizao da mudana organizacional proposta. O vrtice mais consistente do tringulo de ferro foi o sistema de prescrio e prestao de contas, indicando o momento de avaliao como espao no qual se criou demanda pelo planejamento, permitindo corrigir rumos e onde os sujeitos assumiram o resultado do seus trabalhos. Esses achados parecem refletir a criao de uma identidade coletiva e de gerao de inovaes na esfera pblica (nos servios) e privada (na subjetividade). A SES-SE como sujeito coletivo, assume o papel de gestor estadual do sistema de sade. As dificuldades na implementao de polticas pblicas para o SUS e as dificuldades de manuteno de processos mais democrticos parecem conter elementos de crise do Estado, como mostram as contradies no resolvidas entre instituio, o governo, determinadas pelas caractersticas histricas do Estado brasileiro.

DESCRITORES: Planejamento Estratgico em Sade. Prticas de Planejamento. Gesto Estadual em Sade. Polticas de Sade. Mtodos de Planejamento. Sistemas Locais de Sade.

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ABSTRACT ROCHA, A. A. R. M. The planning in the daily life of an institution hipercomplexa: the case of SES-Sergipe. Salvador, 2008. Q. Thesis (Doctor of Public Health) - Office of Public Health - Federal University of Bahia. To understand the planning as inquiry object estimates to identify to its some conceptions and uses in the construction of the Brazilian health system. The inquiry place is one State Health Department, institutions in the process of redefinition of papers and attributions that demands changes in its forms of think, of if organizing and if relating in such a way in the internal environment, how much in the external environment, assuming characteristics of institution hipercomplexa (Testa, 1997). The strategy was chosen to search the case study. The general objective of the study looked for to understand how and why politics and projects had been formulated, if coherence between the intentions and developed activities existed; to identify the theoretical concepts, methods used, and the possible technological transformation and politics within the scope of the SES-SE in the period 2003-2006. The theoretical model to understand the problematic articulates the theory of social production, the triangles of government and iron(Carlos Matus, 1997) and the postulate of the coherency (Mario Testa, 1997) to assist the analysis of the relationship enters the scene politician of the government and the trajectory of planning (coherence between the intentions, methods and organization). The fragmented organizational drawing, the absence of common intention between the SES and the government, the situation of scarceness technical, administrative and politics had been the identified fragilities. The establishment of partnerships increased the governance and the capacity of government. Between the products and processes of planning established, the construction of Agenda, the method of planning and evaluation if disclose as planning process, based on communication action oriented commitments (Rivera, 1995). The used method had power to influence the drawing of the organization, and was if consolidating with the time, supported in making (to learn operative) and in the support external technician. The maintenance of the intentions was more consistent in three areas: in the organization of the system (through Primary Care of Health and HPP), of the system of information and regulation. The biggest identified fragility was in the organizational level, for not the formalization of the organizational change. The vertex most consistent of the triangle of iron was the system of prescription and accountability, indicating the evaluation as space in which if it created demand for the planning, allowing correct routes and where the subjects had assumed the result of its works. These findings they seem to reflect the creation of a collective identity and generation of innovations in the public sphere (in the services) and private (in the subjectivity). The collective SES-SE as subject, it assumes the role of state administrator of the health system. The difficulties in the implementation of public politics for the SUS and the difficulties of maintenance of more democratic processes seems to contain elements of crisis of the state, as they show the contradictions not decided between institution, the government, determined for the historical characteristics of the Brazilian state. Keywords: Strategical Planning in Health. Practical of Planning. State Management in Health. Politics Health. Methods of Planning Local Systems of Health.

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LISTA DE QUADROS

Quadro I - Atribuies, macro funes e macroprocessos de trabalho das SES..........................26

Quadro II - Descrio da Funes Especiais de Sade Pblica...................................................28

Quadro III - Planilha demonstrativa do material coletado...........................................................52

Quadro IV Plano de Anlise......................................................................................................54

Quadro V - Distribuio dos eventos e projetos da SES-SE no perodo de 2003 2006...........69

Quadro VI - Demonstrativo das instituies parceiras da SES-SE..............................................72

ESQUEMAS

Esquema I - Teoria da Produo Social......................................................................................35

Esquema II - Tringulo de Governo............................................................................................36

Esquema III - Tringulo de Ferro de Governo.............................................................................39

Esquema IV - Postulado da Coerncia.........................................................................................40

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LISTA DE ABREVIATURAS E SMBOLOS

AB Ateno Bsica

ACS Agente Comunitrio de Sade

CASE Centro de Ateno Especial de Sergipe

CEFEP Centro de Formao e Educao Permanente

CENDES Centro de Estdios del Desarrollo

CIB Comisso Intergestora Bipartite

CIT Comisso Intergestora Tripartite

CONASEMS Conselho Nacional de Secretrios Municipais de Sade

CONASS Conselho Nacional de Secretrios de Sade

COSEMS Conselho de Secretrios Municipais de Sade

CPPS Centro Pan-americano de Planificacion de Salud

ENSP Escola Nacional de Sade Publica

ESF Equipes de Sade da Famlia

HGJAF Hospital Governador Joo Alves Filho

HPP Hospitais de Pequeno Porte

IBAM Instituto Brasileiro de Administrao Municipal

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica

IPEA Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada

ISC/UFBA - Instituto de Sade Coletiva da Universidade Federal da Bahia

LOS Lei Orgnica da Sade

MS - Ministrio da Sade

NOB - Normas Operacionais Bsicas

NUPENS- Ncleo de Pesquisas Epidemiolgicas em Nutrio e Sade-

OPS Organizao Pan-americana de Sade

PACTOS - Pacto da Ateno Bsica, das Vigilncias e o Pacto pela Sade

PAS Programao Anual de Sade

PCEDEN - Programa de Controle das Endemias do Nordeste

PES Planejamento Estratgico Situacional

PDI Plano Diretor de Investimento

PDR Plano Diretor de Regionalizao

Pes Plano Estadual de Sade

P&G - Planejamento e Gesto

PPI Programao Pactuada Integrada

PRODOC - Projeto de Cooperao

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POLONORDESTE Projeto de Desenvolvimento de Aes de Sade do Nordeste

PROSADE Projeto de Apoio a Ateno Bsica dos Municpios

SES Secretarias Estaduais de Sade

SES-SE Secretaria Estadual de Sade de Sergipe

SILOS - Sistemas Locais de Sade

SMS - Secretarias Municipais de Sade

SPT 2000 Sade para Todos no ano 2000

SUS - Sistema nico de Sade

UBS- Unidade Bsica de Sade

UBSF- Unidade Bsica de Sade da Famlia

UGP Unidade de Gerenciamento de Projeto

UNICAMP - Universidade Estadual de Campinas

UNESCO Organizao das Naes Unidas para a Educao, Cincia e Cultura

UNICEF Fundao das Naes Unidas para a Infncia

USP Universidade de So Paulo

VIGISUS Projeto de Vigilncia Sade do SUS

SUMRIO

AGRADECIMENTOS RESUMO ABSTRACT LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS 1 INTRODUO 14 2 QUADRO TERICO 2.1 A conduo de polticas pblicas de sade: o papel das SES 2.2 O Planejamento e suas racionalidades: entre os meios e os fins 2.3 Escolhendo elementos para anlise

25 25 31 33

3 METODOLOGIA 3. 1 O caso e o campo de investigao 3.2 O tipo de investigao e a posio do pesquisador 3.3 Coleta, processamento e anlise dos dados 3.4 Plano de anlise 3.5 Aspectos ticos da pesquisa

45 45 46 48 53 55

4 RESULTADOS E DISCUSSO 4.1 A situao inicial 4.1.1 Explicitando a situao do Sistema de Sade e da SES de Sergipe. 4.1.2 Mobilizando recursos polticos e tecnolgicos: em busca de consensos 4.2 Construindo propsitos ou projetos de Governo: principais fatos e acumulaes

4.2.1 Poltica: arte e capacidade de mobilizao de sujeitos 4.2.2 Construindo um mtodo de trabalho

4.3 Entre o tringulo de ferro e a questo da coerncia: a organizao, os. sujeitos e a construo de mudanas

4.3.1 Entre a desconstruo e a reconstruo da estrutura: as mudanas possveis 4.3.2 A implicao dos sujeitos nas mudanas: novos processos de trabalho?

4.3.3 A avaliao: momentos isolados ou sistema de prestao de contas?

4.4.Resistindo a ruptura: entre oposies veladas e explcitas 4.4.1 As ameaas e processos interrompidos 4.4.2 Entre frgeis alianas e os equvocos estratgicos 4.4.3 Resistindo ruptura: entre oposies veladas e explcitas

56 56 59

62

66 71 78

83

83

87 91

102 102 109 117

5 CONCLUSO O planejamento na SES-SE: seus sentidos e reflexos na prtica institucional

122

REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS 136 APNDICES A - Roteiro de entrevistas e grupos focais B - Roteiro de anlise de documentos C - Termo de consentimento D - Consentimento livre e esclarecido E - Memria dos eventos internos e externos da SES-SE (2003-2006) F - Roteiro de Oficina de Trabalho

143 144 148 149 151 152 156

14

Dor o lugar mais fundo... Epa raio machado trovo Epa justia de guerreiro...

Vou aprender a ler Para ensinar meus camaradas..

Yy Massemba Roberto Mendes e Capinan

1 INTRODUO

O Brasil vem empreendendo h mais de duas dcadas reforma em estruturas de

governo/estado e uma das mais amplas , sem dvida, a chamada Reforma Sanitria. No

caminho de sua redemocratizao, o pas procurou romper com as formas de pensar sade,

nas relao entre os entes federados e as formas de prestar servios populao. Tendo

como base os princpios gerais de ordem doutrinaria como a universalidade, integralidade,

equidade e controle social, se constri o Sistema nico de Sade (SUS) que passa a

constituir um direito fundamental do povo brasileiro na rea social.

Logo, para consecuo desses princpios, foi necessrio desencadear

transformaes em estruturas de estado, nas relaes entre esferas de governo, em

instituies pblicas e privadas e nas formas de tomada de deciso no setor sade. Foram

institudas mudanas no sistema atravs de princpios organizativos permeados por

mecanismos de descentralizao, hierarquizao de servios e de novas estruturas de

gerenciamento e regionalizao. Sistemas de sade so considerados organizaes

extraordinariamente complexas da sociedade contempornea por apresentar

particularidades quanto ao seu modo de funcionamento, em particular, o sistema de sade

no Brasil (MINTZBERG, 1995).

Embora sejam apontados avanos na implantao do SUS que ajudaram a

solucionar muitos problemas no acesso ateno sade e na democratizao da gesto,

porm, os diversos contextos de redefinies de funes, atribuies e relaes trazem

questes muito complexas ao sistema, entre os quais a situao das Secretarias Estaduais

de Sade (SES), que se situam em posio intermediria entre o poder central e os poderes

locais e traz para o seu bojo necessidades de mudanas, tanto no mbito interno como

externo que se constituem em desafios a serem superados.

Os prprios secretrios estaduais reconhecem que suas instituies vivem

situaes difceis, que alguns no hesitam em caracterizar como crtica, segundo

relatrios de uma srie de eventos promovidos pelo Ministrio da Sade (MS) e do

Conselho Nacional de Secretrios de Sade (CONASS, 1999) onde so citados velhos e

15

novos problemas, e, no que diz respeito capacidade gestora do sistema, podem ser

destacados dois blocos de questes. O primeiro grupo de problema diz respeito s questes

de definio de papis e responsabilidades nas trs esferas de governo e s dificuldades das

relaes, que refletem tenses e disputas entre as instncias executivas e o aparato de

controle social.

O outro grupo de problemas que afetam as funes de gesto composto por: a

gesto no profissionalizada, aliada alta rotatividade e ao despreparo dos dirigentes, a

fragilidade das estruturas institucionais para anlise e avaliao, os modelo de

planejamento assistemtico1 e a inadequao dos instrumentos de acompanhamento e

avaliao.

Com base nos desafios apontados pode-se deduzir, com facilidade, que a

redefinio do papel dos gestores estaduais uma das tarefas mais importantes para a

consolidao do SUS na conjuntura atual. Com efeito, parece que a soluo de muitos

desses problemas relacionados passa, necessariamente, por uma atuao eficaz da

conduo do sistema estadual, porm as SES entram em uma crise de identidade, entre o

papel histrico de prestadores de sade que devem deixar de ser e o novo papel de gestores

intermedirios que devem assumir para os avanos exigidos na construo do SUS.

O processo de descentralizao de aes e servios de sade, desencadeado

pelo conjunto de Normas Operacionais Bsicas do Sistema nico de Sade (NOBSUS)2,

conduzido pelo nvel central (MS), expe a necessidade de reconstruo de

responsabilidades gerenciais regionais e locais. Notadamente com a NOBSUS/96, que

determina o repasse da rede de unidades das SES para os municpios, esvaziando-as das

funes de prestadoras diretas de servios, com destaque para a execuo direta da

Ateno Bsica3 (AB) pelos municpios considerando a proposta de reorganizao do

modelo assistencial.

Em contrapartida, institu-se uma srie de funes, que fortificam o papel do

Estado nos sistemas de sade, como as aes reguladoras e reordenadoras dos complexos

1 O termo assistemtico parece ser referido forma pontual e desconectada como os instrumentos legais de gesto so produzidos, porm no o mesmo que improvisao. Para Matus (1993, p.55), o planejamento, como expresso tecnolgica, pode assumir um formato estruturado definindo ao ser regulamentado por procedimentos prticos normatizados, ou um formato no estruturado (clculo estratgico) sem requisitos de formalidade (ver Vilasbas, 2006). 2 Para Viana et all(2002) ao analisar as NOBs dos anos 90, as identificam como conjunto contnuo, visto que cada norma criou uma srie de contradies que passaram a ser resolvidas pela Norma subseqente, numa tentativa ascendente de adequar o processo de descentralizao setorial racionalidade sistmica, aos modelos de ateno sade e ao financiamento. 3 O termo Ateno Bsica corresponde a Ateno Primria Sade respeitando a terminologia como referida nos documentos oficiais do Ministrio da Sade e na Agenda de Sade do Estado de Sergipe.

16

sistemas de proviso dos servios e mecanismos de operao do SUS que exige ampla

negociao entre dirigentes das trs esferas administrativas. O processo de definio de

responsabilidades, objetivos e metas para cada esfera de governo exige a formulao de

polticas com base no conhecimento da realidade sanitria e social, que se traduz em um

conjunto de instrumentos ditos de gesto e, na sua construo, pressupe existir um

conhecimento, uma prtica e processos de conduo de planejamento.

No se pode imaginar que essas funes possam ser implementadas de forma

improvisada, nem sob repetio de erros histricos, sob a gide de formas de planejamento

autoritrio, de carter vertical. Para Lotufo (2000) essa questo mais que crise de

identidade e decorre, sim, de outros fatores.

...configura-se uma situao que pode ser entendida como resultante das

limitaes das instituies gestoras em termos da sua capacidade de governar o SUS, especificamente, em uma crise da capacidade de governo das SES com relao ao desempenho das macro-funes exigidas no processo de consolidao do SUS ao nvel estadual (LOTUFO,2001, p.14)

Ao delimitar o campo de atuao das SES como gestor estadual, percebe-se que

algumas questes no so, habitualmente, enfocadas quando do estabelecimento de

processos de planejamento nas instituies, por sua natureza complexa e multifacetada,

permeada por lgicas distintas e, em muitos casos, ausncia de consensos.

As atividades de planejamento so identificadas como responsabilidades das

instituies componentes do SUS por esfera de governo, tanto do ponto de vista da gesto

como quanto no arcabouo jurdico do SUS. Ou seja, o planejamento e seus produtos so

definidos como funes da Unio, dos Estados e dos Municpios de acordo com as regras

jurdicas do sistema.

A experincia de construo do I Plano Nacional de Sade, em 2004,

evidenciou a dificuldade institucional e a baixa incorporao de atividades do

Planejamento em todas as esferas da gesto do SUS. A partir dessa constatao o MS

assumiu a iniciativa de construir um Sistema de Planejamento do SUS (PLANEJASUS),

definido como a atuao contnua, articulada, integrada e solidria das reas de

planejamento das trs esferas de gesto do SUS, atravs de um processo de construo

coletiva com as secretarias estaduais e municipais de sade (BRASIL, MS, 2007a p.7).

O artigo 165 da Constituio Federal determina que o Plano Plurianual, as

diretrizes oramentrias e os oramentos anuais so estabelecidos por leis de iniciativa do

Poder Executivo; define prazos, contedos e um sistema de prestao de contas sob forma

17

de relatrios bimestrais resumidos e publicados e que os planos e programas nacionais e

regionais e setoriais devem ter consonncia com os planos plurianuais. No artigo 195, fica

estabelecido que os recursos da sade faam parte da proposta de oramento da seguridade

social e, na Emenda Constitucional 29/2000, fica definido o percentual de recurso

oramentrio mnimo a ser aplicado em sade por esfera de governo. A lei de

responsabilidade fiscal (lei complementar 101/2000) estabelece planos, oramentos,

prestaes de contas e relatrios, como instrumentos de transparncia da gesto fiscal.

Segundo a Lei Orgnica da Sade (LOS 8.080/90) responsabilidade das trs

esferas de governo a elaborao de Plano de Sade, e, nela, so apontados elementos de

anlise tcnica de plano e o repasse de recursos financeiros segundo critrios

demogrficos. A lei 8.142 dispe sobre o papel da Conferncia e do Conselho de Sade,

assim como, da forma de rateio de recursos da Unio para estados e municpios. Alm das

leis apontadas existe uma srie de normatizaes emitidas por decretos federais e portarias

do MS, resultado de deliberaes da Comisso Intergestora Tripartite (CIT), que dispem

sobre atividades de planejamento, como, por exemplo, no Pacto pela Sade de 2006 que

inclui o PLANEJASUS.

A anlise da legislao sobre o planejamento como elemento legal do SUS

(BRASIL,MS, 2007b p-35) aponta caractersticas do planejamento que devem ser

obedecidas por fora de lei, dentre as quais, o carter ascendente do planejamento, a

garantia da participao social e a existncia de reas responsveis pela articulao do

planejamento nas instituies. O Plano de Sade por esfera de governo apontado como

base de todas as programaes e, tambm, as normas legais definem os prazos e formas de

avaliao.

Alguns consensos e questes se delineiam quando se reflete sobre os resultados

apontados nessa reviso legislativa e leva a repensar suas aplicaes e as prticas

institucionais na criao dos chamados instrumentos de gesto do SUS, que compem um

elenco de documentos, como Planos de Sade, Programao Anual de Sade e Relatrios

de Gesto, Plano Diretor de Regionalizao (PDR), Programao Pactuada Integrada

(PPI), Plano Diretor de Investimento (PDI) e outras iniciativas, como o Pacto da Ateno

Bsica, das Vigilncias e o Pacto pela Sade, tentando articular um termo de compromisso

comum entre as esferas.

Diante da importncia dada ao Planejamento no contexto normativo do SUS,

cabe indagar como se efetiva as atividades de planejamento nas instituies, ou seja, como

18

se d a insero do planejamento no campo da gesto, considerando os seus aspectos

histricos e as suas prticas como produtos sociais.

Ao pesquisar a utilizao do planejamento em sade no mbito internacional

percebe-se que o termo se reflete em reas especficas, como a questo do planejamento

familiar, ligado a problemas e agravos especficos como a AIDS, tuberculose, fraturas em

idosos, doenas cardiovasculares, abordando programas de controle referentes a faixas

etrias especificas (crianas e idosos) e ao gnero (mulheres). A maioria dos trabalhos

oriunda de pases perifricos da frica, sia, Caribe e Amrica Latina. Os pases centrais,

como Canad, Reino Unido, Alemanha e pases nrdicos apresentam trabalhos ligados

afetividade, custos e qualidade do sistema de sade.

No existem muitos relatos referentes ao uso do planejamento em nvel

internacional como elemento central no desenvolvimento de polticas pblicas. Um grupo

de pesquisa das Universidades de Cardiff e Glamorgan, do Pas de Gales, (BOYNE, 2004)

acompanhou a implantao de um novo sistema de planejamento em nvel nacional, que

tinha como objetivo melhorar o desempenho de servios pblicos essenciais profissionais

(educao, servios sociais e habitao) e no profissionais (transporte pblico,

manuteno de servios urbanos e coleta de lixo).

A ao governamental foi avaliada em um jurisdio local no Reino Unido sob

a referncia de Planejamento Racional, a anlise dos dados da pesquisa utilizou um proxy

de variveis tcnicas (recursos financeiros, expertcia em planejamento e tamanho da

populao coberta pelos servios) e variveis polticas (controle gerencial por membros do

Partido Trabalhista e percepo do processo por gerentes eleitos e nomeados).

Os resultados evidenciaram que o planejamento racional difcil por problemas

tcnicos, como a obteno e interpretao de dados relevantes, pela competio entre

planejadores e executores; no resultado final a dimenso tcnica (falta de recursos e

experincia) influenciou mais que a dimenso poltica. Os locais com maior capacidade e

experincia organizacional apresentam melhor performance. O desempenho foi

influenciado pelo nmero de funes, pela experincia prvia e pelo suporte de uma

unidade poltica de planejamento. Os pesquisadores concluram que um novo sistema de

planejamento no entra num vcuo institucional, mas sim, tem melhor resposta em

estruturas com processos organizacionais pr-existentes e cujos componentes aderem ao

novo regime.

Ao estudar o uso incipiente do planejamento em paises em desenvolvimento,

Green (1995) aponta como determinante a utilizao de projetos e no de planos, a

19

implantao de polticas atravs de organizaes no governamentais, decorrente da

tendncia de retirada do Estado na proviso de servios de sade.

Outro estudo realizado no Caribe analisa, em contexto de descentralizao, que

planos de execuo pormenorizados financiados por agentes externos tiveram como

elementos restritivos da execuo a questo cultural (ligada herana burocrtica) e as

atitudes do servio pblico, sindicatos e mdicos que se opunham s mudanas (MILL et

all, 2002). Resultado semelhante foi apontado por Fleury, Dennis e Sicotte (2003) ao

analisar a implantao de plano regional de sade mental no Canad, considerando a

possibilidade de tornar o planejamento uma ferramenta gerencial e de organizao dos

servios.

Na Amrica Latina, surgem vrios movimentos ou mtodos na rea de

planejamento originando em diferentes acumulaes como a programao de aes de

sade oriunda do mtodo Cendes-OPS (Centro de Estdios del Desarrollo CENDES,

1965); a formulao de polticas de sade atravs da proposta do Centro Pan-americano de

Planificacion de Salud (CPPS) (1975); a planificao de sistemas de sade (enfoque

gerencial) da proposta SPT 2000 (Sade para todos 2000) e a derivao de administrao

estratgica em sistemas locais de sade (SILOS); o planejamento estratgico situacional de

Carlos Matus (PES), a formulao do pensamento estratgico de Mrio Testa e a

formulao da Escola de Medelin.

O campo cientfico da Sade Coletiva engloba vrias tendncias e matizes

filosficos, e a produo do conhecimento sobre o planejamento em sade no Brasil

resultado do trabalho de grupos de estudo como o Departamento de Administrao e

Planejamento em Sade da Escola Nacional de Sade Publica (ENSP); o Departamento de

Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da Universidade de So Paulo (USP); o

Instituto de Sade Coletiva da Universidade Federal da Bahia (UFBA); e o Departamento

de Medicina Preventiva e Social da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).

Reflete-se tambm na produo cientifica do campo em varias fases da construo do SUS

e na trajetria de suas polticas. (LEVCOVITZ et al, 2003).

A contribuio do planejamento como elemento de anlise da gesto pode se

reduzir a avaliaes centradas no processo de descentralizao para a gesto municipal ou

para a construo de instrumentos de planejamento ou de gesto. Ao explorar a relao de

induo do nvel federal Heimann et al (1998) mostram as atividades de planejamento

como aes limitadas ao cumprimento de exigncias legais para garantir transferncia

financeira de recursos da unio ou restritas a utilizao de dados da esfera socioeconmica,

20

epidemiolgica, administrativa e demogrfica (GERSCHMAN, 2001); tambm o

planejamento no aparece com escore alto nos processos de avaliao de implantao da

descentralizao, mesmo em municpio classificado como de gesto mais avanada

(VIEIRA DA SILVA et al, 2002).

A descentralizao normatizada atravs de polticas emanadas do nvel central

parece ter um carter indutor e os municpios, ao fazerem parte de processos complexos de

negociao, ampliam a sua capacidade gerencial, notadamente os que esto em gesto

plena do sistema, (VIANA et al, 2002). Outras pesquisas apontam que, a partir da

NOB/SUS/96, houve melhora no aporte de recursos financeiros, mediante adeso de

propostas de reorganizao da assistncia (ARRETCHE, 2003, MARQUES e MENDES,

2003). O processo de tomada de deciso colegiada e instncias gestoras, assim como as

instncias regionais relacionadas s estruturas organizacionais e prticas de gesto so

reas importantes de estudo do SUS (MIRANDA, 2003 e LIMA, 2003).

A relao de induo de elementos externos esfera de governo foi referida por

Kalil e Paim (1987) ao identificarem que as prticas de planejamento foram introduzidas

nas administraes estaduais de sade seguindo tendncias histricas do desenvolvimento

de polticas nacionais orientadas e impulsionadas por incentivos e presses externas aos

governos, como o Banco Mundial, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BIRD) e

outras organizaes.

As prticas de planejamento da Secretaria de Sade da Bahia foram estudadas

por Kalil (1983), que assinala a predominncia da instncia ideolgica nessas aes, cujos

efeitos se fazem no nvel das representaes (uma prtica discursiva) que toma por objeto a

imagem que fazem os tcnicos das condies de sade da populao. J apontava a

ausncia dos meios de verificao (avaliao) dos resultados das proposies racionais e

organizadas. A autora menciona resultado de estudo em poca em que o crescimento da

rede e sua manuteno e possveis impactos nas condies de sade da populao no

parecem ser resultado do objeto do planejamento. Essas prticas, para a autora, eram

marcadas por grande nfase na idia do planejamento como recurso racionalizador e como

soluo para os problemas. Conclui que, em decorrncia da subordinao tcnica s classes

dominantes, no havia como exercitar um planejamento comprometido com a mudana,

incidindo sobre as foras sociais em movimento. Nessas circunstncias, o planejamento

uma prtica sobre instrumentos, organizadas pelo saber tcnico, que o meio de trabalho

da prtica do planejamento.

21

Estudo realizado na mesma instituio (COELHO, 2000), passadas quase duas

dcadas, encontra a mesma situao de induo, em que a obrigatoriedade de planos e

avaliaes requeridas pelos financiadores de projetos criam um ar de cobrana e costumam

trazer uma srie de problemas e mal estar; as atividades restringem-se a um grupo ou setor,

baseado em um saber prtico, (SCHRAIBER, 1999) composto por tcnico-servidores de

carreira, com longo tempo de experincia em cargos comissionados e com acmulo de

poder tcnico administrativo e de conhecimento sobre a instituio. As prticas

desenvolvidas por esses sujeitos tm caractersticas autoritrias, e eles se mantm e se

autoconsolidam atravs dessa prtica, tanto no planejamento como na gesto.

Mesmo diante de propostas polticas mais avanadas, ou momentos favorveis

para a utilizao de processos ascendentes e participativos, o planejamento no parece ser

institucionalizado e o produto desses processos se limita construo de planos (PAIM,

2002) como tambm ressalta o estudo de Lotufo (2002) realizado em ambiente de evoluo

e riquezas de mudanas implementadas na Secretaria de Estado da Sade de Mato Grosso.

Para Lotufo, apesar do Plano Estadual de Sade de Mato Grosso conter

propostas inovadoras, potencial para mudanas, alto grau de governabilidade, foram

identificadas dificuldades na mediao das propostas e na prtica de trabalho referente ao

gerenciamento das aes no dia a dia da organizao. A autora identificou que a

implementao da poltica foi comprometida pela baixa capacidade de governo nos

microsistemas de trabalho ...esses no davam respostas ao esforo permanente de mudanas

liderado pelo governante, onde os gerentes e a mquina no so capazes de cumprir as decises dos governantes constatado no mal estar quanto ao baixo grau de concretizao das decises e projetos estratgicos; mesmo as utilizaes de grupos de trabalho, no garantiram a articulao interna e careceu de uma coordenao estratgica. As mudanas foram mais de ordem operacional, pragmtica que conceitual metodolgica de modo a permitir a difuso e penetrao de novas idias ( LOTUFO, 2002. p. 131)

As causas apontadas foram a insuficincia de mtodos e organizao dos

processos de trabalho, assim como os aspectos negligenciados das reformas

administrativas no setor pblico, aliados no qualificaes de gerentes e equipes. Os

mtodos de planejamento e gesto so introduzidos de forma desordenada, catica,

fragmentada, pontual, sem uma opo institucional explcita - um mix de mtodos onde

cada um aprende de um jeito e tenta aplic-los realidade. (op. Citada, p. 131) Por outro

lado, os governantes se ocupam de programas e polticas, mas no so capazes ou no

22

valorizam a importncia da tomada de deciso sobre a metodologia de planejamento... o

que resulta em srios problemas de conduo"(ibdem).

Utilizando a Teoria das Macroorganizaes, Lima(2003) estudou a

descentralizao em uma regional de sade do Rio Grande do Sul, relacionando a

conformao da misso, o sistema de prestao de contas e a gerncia por operaes.

Mostrou que a regional construiu sua misso e os objetivos da ao junto aos municpios,

mas a dificuldade na organizao do tempo e a ausncia do sistema de prestao de contas

no potencializaram o processo de organizao pretendido.

No mesmo estado, Mottin (1991) avaliou a elaborao de planos municipais de

sade em 35 municpios, quanto ao seu processo, s dificuldades, coerncia e

consistncia internas de seu contedo propositivo e sua importncia para a gesto.

Ressalta a importncia dos planos para a gesto e identifica que ter um suporte terico

metodolgico auxilia os gestores a superar as fragilidades. Os elementos restritivos dos

processos so a falta de pessoal com preparo tcnico, dificuldade de executar as diversas

fases do plano e dificuldade de obter apoio da prpria equipe. Soma-se a essa situao a

baixa governabilidade dos secretrios e suas equipes no que diz respeito formulao de

seus planos, responsabilidade municipal, que vem ocorrendo desde 1990. Por outro lado,

aponta como elementos que auxiliam a superao das dificuldades o apoio da gesto

estadual e do conselho municipal, a orientao e suporte tcnico e experincia acumulada

na gesto.

Estudo sobre as prticas de planejamento e a implementao de polticas no

mbito de uma Secretaria Municipal da regio Nordeste do Brasil mostra a predominncia

de prticas no estruturadas de planejamento de natureza estratgica, sustentando a ao da

equipe dirigente. Verifica que a ausncia de institucionalizao de prticas estruturadas de

planejamento contribui para fragilizao da capacidade de governo por no sustentar a

programao e avaliao do projeto de sade (VILAS BAS, 2006).

Spinelli e Testa (2005) apontam o Brasil como o pas que mais produziu

reflexes sobre planejamento em sade nestes ltimos trinta anos, em termos de textos

publicados e Paim e Teixeira (2006) em balano do estado da arte em planejamento e

gesto, assinalam essa rea como a que, no mbito da sade coletiva, expressa com mais

clareza a dupla dimenso (saber e prtica). Alertam para o fato de que o conhecimento

produzido responde a problemas e desafios colocados pelos sujeitos em sua ao poltica

23

em determinados contextos histricos e que resultam em uma produo de relatos e

experincias centradas nos sujeitos das prticas.

Contudo, a PP&G no tem sido alvo de estudos sistemticos sobre os

seus objetos, mtodos e tcnicas numa perspectiva histrica e epistemolgica. A interface entre teoria e prtica, gerada pela crtica epistemolgica e pela experimentao de mtodos e tcnicas marca a singularidade da rea. Essa se caracteriza pela busca de desenvolvimento tecnolgico que estabelea a mediao entre os conceitos, mtodos e instrumentos com a ao de sujeitos concretos no mbito das organizaes de sade, tendo em vista a interveno sobre problemas, necessidades e demandas polticas em sade. (Teixeira e Paim, 2006, p. 78)

Corroborando com os autores, basta perceber como os produtos dos diversos

grupos de pesquisa j citados (ENSP, USP, ISC/UFBA, UNICAMP e outros que se

debruam sobre outros aspectos centrais para o sistema de sade brasileiro) so usados

como marcos referenciais em estudos realizados por outros pesquisadores e so aplicados

em experincias prticas por todo pas4.

O que se encontra, contudo, uma situao paradoxal. Por um lado, o

Planejamento, enquanto produto social da cincia poltica latina americana, provocou

movimentos no campo cientfico e ideolgico atravs de proposies e metodologias

potentes. Mas, ao mesmo tempo, parece existir uma fora contrria ao processo de

institucionalizao do planejamento, o que leva os seus produtos a cumprir um papel

puramente ritualstico contribuindo para construir o SUS no papel.

Paim (2002 p. 425-426) faz uma reflexo sobre a produo do planejamento, as

relaes de governo e o Estado e afirma que no cabe cobrar da planificao aquilo que

ela no pode dar e as encruzilhadas da planificao no parece ser uma crise especficas

de suas teorias e mtodos, mas, no Estado, na sociedade e na poltica , e afirma, citando

Testa toda crise uma crise de estado.

Aponta, tambm, para a tendncia de planejadores falarem sobre planejadores e

isso tambm alertado por Testa ao se referir s interaes como um elemento recursivo.

Ibez (1991) chama ateno sobre la causalidad recursiva, que caracteriza o trabalho

com o referencial da cincia social, e que, como diz o autor, uma circularidade similar

aos sistemas autopoiticos de Maturana que so auto-referentes, paradoxais.

Ao se analisar o caminho percorrido pelo Planejamento, surge uma indagao:

ser que os autores/agentes dos ambientes cientficos e institucionais, debruados sobre as

4 importante ressaltar a quantidade de trabalhos nessa rea apresentado em congressos, mostras de experincias exitosas e outros encontros produzidos no pas.

24

investigaes deste campo provocaram uma tendncia, mediada pela recursividade do

pensar e da produo social, de se fecharem na anlise de si mesmas e de seus produtos?

Paim (2002b, p.426 e 427), baseado em Castoriadis, tambm discute essa recursividade e

faz uma provocao ao indagar:

Em vez de reforar a encruzilhada do planejamento ou de aprisionar-se no tringulo de governo matusiano por que no triangular a produo terica, a experincia tcnico-institucional e a militncia para, considerando o postulado da coerncia (Testa,1992) fazer Histria?(Paim, 2002, p.427)

Pergunta-se, por fim, em que medida os conhecimentos produzidos vo se

incorporando no cotidiano das instituies, na fase atual em que o SUS enfrenta desafios

para traduzir a sade como direito, em aes concretas no cotidiano dos servios?

Levcovitz et al (2003, p 63-64) apontam para a necessidade de estudos e produo

cientfica de gestores intermedirios do sistema como as SES e as regies de sade e sobre

as instituies, na anlise de suas normas, regras, saberes e prticas e aponta tambm para

a necessidade de estudos sobre o processo de gesto do sistema, da autonomia decisria

por nvel de governo e nas relaes de poder instituda.

Esse trabalho sobre o planejamento, sobre um ciclo de atividades que

compreende o enfrentamento de problemas a partir de uma dada situao que se quer

mudar, da construo de propostas para transformar essa realidade encontrada, o

acompanhamento e a avaliao do que foi executado. No um trabalho de avaliao de

impacto ou do grau de cumprimento de um plano ou de uma agenda. uma investigao

sobre o planejamento no cotidiano institucional e o seu efeito sobre a instituio e sobre os

sujeitos que fizeram parte do trabalho.

Concretiza-se no acompanhamento das aes que se configuraram no

planejamento da Secretaria de Estado da Sade de Sergipe (SES-SE), em um contexto de

redefinio de papis e de atribuies como gestor estadual do sistema de sade que exigiu

empreender mudanas na sua forma de pensar, de se organizar e de se relacionar tanto no

ambiente interno, quanto no ambiente externo. Procurar entender como e por que polticas

e projetos foram formulados, se existe coerncia entre os propsitos e as atividades

desenvolvidas; que tipo(s) de concepo (es) terica(s) subjaz (em) s metodologias

utilizadas e, em que medida reflete transformaes tecnolgicas e polticas no mbito da

SES-SE, no perodo de 2003-2006.

25

"Al rematar la tarea percibo o significado de lo que he estado haciendo, que no es otra cosa que perseguir el sentido de tanto que hacer" Testa, M. Saber en salud,1997 p. 22

2 QUADRO TERICO

2.1 A conduo de polticas pblicas de sade: o papel das SES

Antes de buscar elementos tericos de apoio ao estudo do planejamento no

cotidiano de um gestor estadual do SUS, necessrio se debruar sobre as concepes e

formulaes que analisam as secretarias estaduais de sade, presentes no campo cientfico

e institucional.

A primeira abordagem terica diz respeito crise de identidade das SES a

partir da contribuio de Saldanha (2004), no sentido de entender por que essas instituies

tm dificuldade de superar o papel desenhado ao longo de sua criao histrica. A autora

utiliza o esquema explicativo de Hinings e Grenwood (1988/1993) segundo o qual, os

membros de uma instituio completam o desenho do organograma formal, desprezando

ou preenchendo as estruturas atravs de um processo dirio de interaes emergentes e no

formalmente descritas.

Essa ao mediada por crenas e valores, idias e significados distribudos na

instituio. As articulaes entre as estruturas e o sistema de gesto formam o que os

autores chamam de Arqutipo, ou seja, uma srie de estruturas e sistemas formais e

informais cuja coerncia assegurada por associaes de idias, valores e crenas ou

esquemas explicativos. De acordo com a capacidade de traduzir seus interesses em arranjos

organizacionais, decorrentes de diferentes graus de poder, os grupos dominantes defendem

esquemas explicativos e estruturas prevalentes, resultando em espaos de adaptao,

alterao ou disputas.

No caso das SES, elas vm-se mantendo em um arqutipo de prestadora de

servios criando dificuldades institucionais, uma incapacidade ou resistncia em mudar os

seus processos internos, quando ainda agem de forma conflitante. Como no so mais

prestadoras de servios, a tendncia da SES ver os municpios como concorrentes, num

processo de competio negativa, o que no favorece as suas atividades de gesto.

26

O MS, procurando identificar os principais problemas e auxiliar na

transformao da situao, com vista s necessidades de descentralizao e gesto, deu

incio, em junho de 2001, a um Projeto de Fortalecimento e Apoio ao Desenvolvimento da

Gesto Estadual do SUS, sob a responsabilidade da Secretaria de Polticas de Sade do

Ministrio da Sade. O projeto teria entre seus objetivos ordenar, aprofundar teoricamente

e sistematizar conceitos e idias respeito do desenvolvimento da poltica de sade no

Brasil e, em particular, dos processos de mudana em curso no mbito institucional das

Secretarias de Estado da Sade (LAVRAS, 2003).

O que foi percebido como o novo papel das secretarias estaduais de sade

(SES) est, em princpio, bem delineado pelo conjunto daquilo que se vem chamando de

macro-funes das SES, a partir da tese de doutorado de Lavras (2003), que descreve

aspectos centrais a respeito do processo de trabalho desenvolvidos ou que deveriam ser

desenvolvidos nessas instituies, conforme quadro a seguir.

Quadro I Atribuies, macro funes e macroprocessos de trabalho das SES

ATRIBUIES MACRO FUNES MACROPROCESSOS DE

TRABALHO

Planejar e formular estratgias, planos, programas e projetos em sade. Normatizar, regulamentar, acompanhar e avaliar o sistema estadual de sade. Contribuir com o desenvolvimento de RH em sade. Promover o desenvolvimento cientfico e tecnolgico em sade.

No mbito especfico do SUS: Cooperar tecnicamente com os municpios; Promover articulao regional; Gerenciar e executar aes e servios de sade supra-municipal ou suplementar; Participar do financiamento; Participar do provimento da infra-estrutura.

Formulao de polticas, planos, programas e projetos em sade. Desenvolvimento de aes e servios de sade. Regulao do Sistema Estadual de Sade. Financiamento e administrao de recursos. Gerenciamento institucional

Planejamento e gesto interna da SES. Desenvolvimento da assistncia sade no SUS. Desenvolvimento de projetos e atividades de vigilncia sanitria e meio ambiente. Desenvolvimento de projetos e atividades de vigilncia epidemiolgica. Controle, avaliao e auditoria o Sistema Estadual de Sade. Programao em sade. Gesto da informao em sade. Desenvolvimento da Comunicao Social em sade. Gesto e Recursos Humanos em sade. Administrao Geral. Administrao Financeira. Desenvolvimento de projetos estratgicos de natureza diversa.

Fonte: Lavras, 2003, p.66

27

A primeira das macro-funes implica em formular e implementar as

polticas de sade, considerando o atual perfil epidemiolgico da populao do estado,

suas tendncias e seus fatores de risco. Implica tambm em contribuir para o

desenvolvimento de polticas intersetoriais do governo estadual, visando melhoria da

qualidade de vida e elevao dos nveis de sade da populao. Ademais, as SES devem

ser co-responsveis pelo financiamento do sistema de sade no estado.

A segunda das macro-funes desenvolvimento de aes de sade envolve as

aes de assistncia, vigilncia epidemiolgica e sanitria, no que extrapola o poder de

interveno dos municpios, tendo um carter suplementar e supra-municipal. Alm

disso, deve coordenar a rede de hematologia e hemoterapia e da assistncia farmacutica.

Na prestao de servios mdico-hospitalares, pode ainda definir e executar servios que

ficaro sob a gesto e/ou gerncia estadual, de acordo com a pactuao na Comisso

Intergestores Bipartite.

A terceira macro-funo refere-se regulao do sistema de sade no mbito

do estado, competindo-lhe a normatizao do sistema estadual a partir da anlise das

tendncias da situao de sade e da oferta de servios. Envolve tambm assegurar a

alocao de recursos segundo critrios de distribuio que favoream a eqidade.

Finalmente, implica em realizar a avaliao tecnolgica da capacidade instalada e dos

investimentos previstos no SUS.

A macro-funo de financiamento e administrao de recursos compreende

o aprimoramento das funes gestoras das secretarias nas diversas reas tanto para o SUS

como para a prpria instituio. Cumpre-lhe desenvolver mecanismos de gesto financeira,

de pessoas, de materiais, e assinalada por ltimo, como macro funo de gerenciamento

institucional.

Em janeiro de 2004, o Conselho Nacional de Secretrios de Sade (CONASS)

estabeleceu uma relao de cooperao com a Organizao Pan-americana de Sade

(OPAS/OMS) com vistas a promover a adaptao do instrumento Funes Essenciais da

Sade Pblica para sua aplicao no mbito das Secretarias Estaduais de Sade. O projeto

desenvolvido pelo CONASS foi aprovado pela OPAS e, posteriormente, veio a ser apoiado

pelo Ministrio da Sade atravs do Departamento de Apoio a Descentralizao (DAD) da

Secretaria Executiva. Atualmente faz parte do programa de apoio aos gestores do SUS, o

PROGESTORES, co-financiado pelo MS.

28

A Organizao Pan-americana de Sade (OPAS), em colaborao com os

Centros de Controle e Preveno de Doenas (CCPD) e do Centro Latino-Americano de

Investigaes em Sistemas de Sade (CLAISS) desenvolveu um instrumento de medio

do desempenho das funes essenciais de sade pblica, prprias dos gestores da sade

(Autoridade Sanitria), como parte da iniciativa A Sade Pblica nas Amricas. Esse

instrumento, depois de ser aprovado pelo Conselho Diretor da OPAS, foi aplicado em 41

pases da Regio das Amricas e adaptado pelo CONASS para ser aplicado sob forma de

auto-avaliao nas administraes sanitrias estaduais.

As Funes Essenciais da Sade Pblica (FESP) so entendidas como

atribuies indispensveis a serem exercidas pelos rgos gestores da sade a fim de

permitirem melhorar o desempenho das prticas de sade por meio do fortalecimento das

suas capacidades institucionais e identificadas como cruciais para a prtica da sade

pblica nos pases. (CONASS, PROGESTORES, 2003 e 2007)

QUADRO II

Descrio das Funes Especiais de Sade Pblica

Funo

Essencial

Descrio

N. 1 Monitoramento, anlise e avaliao da situao de sade da populao.

N. 2 Vigilncia, investigao e controle dos riscos e danos na sade pblica.

N. 3 Promoo da Sade N. 4 Participao dos cidados na sade. N. 5 Desenvolvimento de polticas e capacidade institucional de

planificao e gesto em sade pblica. N. 6 Fortalecimento da capacidade institucional de regulao e

fiscalizao em sade pblica. N. 7. Avaliao e promoo ao acesso eqitativo da populao aos

servios de sade necessrios N. 8 Desenvolvimento de recursos humanos e capacitao em

sade pblica. N. 9 Garantia a melhoria de qualidade dos servios de sade

individuais e coletivos. N. 10 Investigao essencial para o desenvolvimento e

implementao de solues inovadoras em sade pblica N. 11 Reduo do impacto de emergncias e desastres em sade.

Fonte: CONASS Progestores- 2007

29

O documento que introduziu a questo da FESP na SES-SE (CONASS, 2004,

p.3, Documento Preliminar) considerava, porm, pertinente aprofundar a discusso,

considerando os aspectos metodolgicos e ideolgicos contidos no termo sade pblica.

Assinalava que havia uma evoluo conceitual diferenciada no Brasil, e que essa

polissemia, discutida em vrios textos publicados recentemente, uma das questes a

serem abordadas no processo de adaptao das FESP ao SUS (Op. citada).

As funes gestoras no SUS so identificadas nas publicaes do CONASS

(PROGESTORES, 2007, p. 30) como "um conjunto articulado de saberes e prticas de

gesto necessrios para a implementao de polticas na rea da sade" e lista quatro

grandes grupos de funes (macro-funes) gestoras na sade: a formulao de

polticas/planejamento; o financiamento; a coordenao, regulao, controle e avaliao do

sistema/ redes e dos prestadores pblicos ou privados; e, a prestao direta de servios de

sade.

Essas concepes contribuem com a definio do papel e atribuies da gesto

estadual do SUS, porm, trazem duas questes: as condies das SES como instituies e

os processos de planejamento e gesto necessrios para assumir os novos papis. A SES

apresenta uma estrutura bsica (organograma) complexa, mecanismos sofisticados de

operao e mltiplos mecanismos de coordenao e deciso, uma rede articulada de forma

orgnica, um espao de exerccio de tipos distintos de poder: tcnico, administrativo e

poltico.

Ao se afastarem da funo de prestadora de servio, as SES se aproximam da

figura de uma instituio responsvel pela criao do conhecimento, ou seja, de apresentar

produtos que as institui como loccus de uma inteligncia sanitria, com o compromisso

de avaliar os servios prestados e os necessrios para a populao. Mais que uma crise de identidade, portanto, configurava-se uma situao

que pode ser entendida como resultante das limitaes das instituies gestoras em termos da sua capacidade de governar o SUS, especificamente, em uma crise da capacidade de governo das SES com relao ao desempenho das macro-funes exigidas no processo de consolidao do SUS ao nvel estadual(Lotufo, 2003, p.14)

Essa funo exige novos aspectos institucionais, uma outra organicidade, a

criao de uma rede de compromissos e responsabilidades com objetivos institucionais

redefinidos (TESTA, 1997, p17). Na pertinncia de que o ambiente pressiona a instituio

por outros processos de trabalho se cria um novo valor de uso e um novo valor social.

30

uma ao que se constri como vivel, iniciada como um projeto, uma motivao e para

um futuro. Ou seja, o motivo para (diferente das razes histricas originais que a

sustentam) e um motivo porque (as razes da motivao para formular em definitivo

esse projeto particular) (SCHUTZ, apud TESTA, 2003, p. 22).

Neste sentido, a instituio responsvel pela ao, um sujeito social cujas

caractersticas esto enraizadas em sua prpria histria e lhe do potncia para realizar

tarefas que, por sua vez, so construtores da histria (op. Citada p. 23). Essa construo

ou consolidao um aspecto abordado por Testa como a constituio dos sujeitos sociais

(coletivos), ou seja, uma instituio que precisa superar seus limites e assumir novos

projetos como sujeito coletivo e com os recursos que a compem (mesmo em regime de

escassez).

Nessa situao, a tomada de decises institucionais no pode se dar com base

em critrios formais, matematicamente calculados, sendo, ento, necessrio desencadear

um processo de construo de viabilidade para os projetos para que se tente desenvolver,

ou para a consolidao da viabilizao prvia dos projetos em marcha dentro da

instituio (TESTA, 1997 p. 24-25). A consecuo desses projetos intra-institucional

exige deflagrar processos que so espaos de incorporao de propostas de reforma

poltico gerencial e administrativa que implica na adoo de mtodos, tcnicas e

instrumentos de gesto oriundos de diversas correntes de pensamento (LOTUFO, 2003, p-

17), sendo fundamental estabelecerem quais so as prticas preponderantes na instituio,

seus limites e possibilidades, a partir da identificao de concepes, mtodos e estratgias

de planejamento nas prticas institucionalizadas na SES.

Como ao social, o planejamento pode ser estabelecido em uma organizao

de forma a torn-la mais coerente com os seus propsitos sendo necessrio identificar as

SES como ente responsvel de poltica de sade, sendo autor e ator no desencadeamento

dessas atividades, no sentido matusiano de ator social, referido por Artman ( 1993). O ator social uma organizao e no seu extremo, uma personalidade

que cumpre os seguintes requisitos: tem um projeto, ainda que incoerente; controla algum recurso relevante para o jogo situacional, tem capacidade para acumular e desacumular fora e portanto tem capacidade para produzir fatos no jogo social; participa de algum jogo parcial ou no grande jogo social; tem organizao estvel que lhe permite atuar com o peso de um coletivo coerente ou, no caso de uma personalidade, tem uma presena no sistema que lhe permite conquistar com suas idias um coletivo social. Matus distingue esta categoria de outras que se referem a agrupaes humanas, como agente, extrato social ou multido. (Artman, 1993, p.13)

31

Esses processos e essas razes conferem SES a necessidade de criar uma

organicidade prpria que a faa semelhante a um ser vivo, possuidora de uma alma. Em

Testa, (1997, p.47) se encontra um marco para entender essa alma institucional a partir da

desconstruo (referente inverso dos valores correntes na instituio a partir da crtica,

da anlise situacional), da investigao (mediada pela reflexo, na aquisio de novos

conhecimentos, de compreender melhor o ambiente externo, sendo capaz de analis-lo e

produzir informao), da poltica (redefinies de seus motivos para e os motivos porqu)

e, por fim, uma nova instituio (como elemento de concretude da atividade social).

Esses elementos podem auxiliar no entendimento da situao histrica e

institucional que circunscreve os gestores estaduais de sade, as SES e, nessa abordagem,

podem ser consideradas como estruturas hipercomplexas, porque esto em situao em que

se manifesta todos los problemas institucionales em su mxima dificultad(TESTA, 1997,

p17).

2.2 O Planejamento e suas racionalidades: entre os meios e os fins

Dentre as vrias concepes correntes sobre planejamento e gesto podem ser

citadas: planejamento como instrumento de gesto, como prtica de um processo social ou

como ideologia, entre crenas e concepes versus um fazer, ou at numa viso marxista,

como forma sublimada de luta de classes. (PAIM, 2002a apud DONANGELO e IANI, p.

27).

Neste sentido, Schraiber (1999, p.230) aponta que, apesar da rica e bem

completa pliade de proposies de planejamento em sade na Amrica Latina, chama

ateno pelo alto teor prescritivo e com orientaes bastante apuradas do agir (em

planejamento). O entendimento corrente da ao de planejar confunde-se com a produo

de uma pea propositiva (o plano), que contm um projeto (de ao futura, uma proposta

para articular outras aes), uma futura organizao (formas de gerenciamento do trabalho

produtor dos servios).

Essas propostas de gesto incorporam modos de operar e organizar o trabalho

previsto, com as tecnologias ou um saber operante capaz de conduzir a forma planejada de

realizar o trabalho em sade. O planejador, nessa dimenso, atua como se fosse um

trabalhar sobre trabalhos, fundado na necessidade de racionalizao do trabalho produtor

direto dos cuidados (ibdem, op. citada). Fica, assim, o planejamento com a finalidade de

32

instruir, de construir, e cumpre gesto processar as instrues sobre as intervenes em

sade. O planejamento e a gesto, enquanto trabalho em sade, realizam uma ao

estratgica como forma de apoiar as resolues concretas e particulares que o cotidiano dos

servios demanda.

Mario Testa (1997) critica a tendncia funcionalista que define a poltica como

objetivo e a estratgia como o instrumento para alcan-lo, pela dicotomia entre o fim e

o meio. Para o autor, a poltica pode surgir como estratgia, tal como esta o

instrumento da poltica, em um dilogo circular, tornando-se um movimento recursivo que

no tem princpio nem fim.

Outra concepo compreende o uso do planejamento como um espao

metodolgico e tecnicamente compreendido entre o processo de formulao de polticas de

sade e a administrao de organizaes ou servios de sade (PAIM, 2002c, p.149).

Para Rivera & Artmann (2003) e Rivera (2003), com base na integrao da

abordagem do Agir Comunicativo de Habermas e do Planejamento Estratgico Situacional,

o planejamento visto como um conjunto de prticas que permitam uma gesto por

compromissos, um modelo de gesto negociado, de ajustamento mtuo e comunicativo.

Nessas bases, o planejamento uma ferramenta organizacional, um meio de desenhar e

acompanhar a execuo de proposies destinadas a operacionalizar decises institucionais

uma ferramenta para conduo da ao, porm mediada/subordinada cultura das

organizaes.

Tratando sobre os vrios entendimentos sobre o planejamento na construo do

quadro terico de anlise de prticas de planejamento no mbito municipal, Vilasbas

(2006) aponta: O planejamento tem sido designado como um processo social,

um mtodo, uma tcnica, uma ferramenta ou tecnologia de gesto, uma mediao entre as diretrizes polticas de uma organizao e a subjetividade de seus trabalhadores...... como um processo de carter social que tem uma funo orientadora no desenvolvimento da humanidade.....uma prtica scio histrica concreta, parte indivisvel da realidade social, que no se restringe sua natureza instrumental, mediadas por valores, crenas e prticas ... (Vilasbas,2006, p.18)

Entende-se que as vrias concepes5 trazem em si a questo de um mtodo e

de um sistema organizacional para implementao do propsito desenhado, uma

formulao, estruturada ou no, para resolver uma determinada situao. Essa razo

5 Essas concepes se apiam em GIORDANI, 1979; MATUS,1993; MERHY, 1995; SCHRAIBER et al, 1999; PAIM,2002; CAMPOS,2003; RIVERA e ARTMANN, 2003; ALBRECHTS, 2003

33

instrumental, segundo Campos (2000, p. 724), colocou o planejamento dos anos noventa

em meio a um dilema fundamental: como fugir do papel controlador, advindo da razo

instrumental, sem perder a prpria instrumentalidade, no deixando de ter valor de uso?

Diversas racionalidades alimentam as prticas institucionais, e, nesse sentido,

pode se considerar que a planificao enquanto processo social, no se reduz a um

mtodo propriamente, mas propicia um clculo, um raciocnio, um pensamento, um

dilogo, enfim, a produo de fatos polticos e sociais. Consequentemente no se encerra

num mtodo ou em tecnologias para a ao humana (PAIM, 2002 b, 427 e 428)

A emergncia, difuso e incorporao do Planejamento em Sade na Amrica

Latina e no Brasil revelam um processo sciocientfico que procurou superar a viso

puramente econmica para um movimento tico-poltico cuja cadeia de snteses resulta do

desenvolvimento dialtico, da passagem do objetivo para o subjetivo, da necessidade para a

liberdade (JESUS, 2006, p. 12).

Estabelece-se aqui uma concordncia com os autores: discutir planejamento

discutir poltica e, discutindo poltica, se discute ideologia, filosofia, ou pelo menos,

concepes filosfico-conceituais que parecem est sempre em processo de superao

(Jesus, op citada); e o planejamento, em suas distintas racionalidades, tem o papel de

orientao da ao humana dirigida para o alcance de uma dada finalidade uma ao

social (VILASBAS, 2006).

2.3 Escolhendo elementos para anlise

O Planejamento Estratgico Situacional (PES) formulado por Carlos Matus,

segundo Rivera, (2003a) contribui para pensar, pragmaticamente, o planejamento como

gerncia descentralizada de problemas abordados criativa e interativamente. Para Matus,

planejar significa pensar antes de atuar, com mtodo, de maneira sistemtica; uma

ferramenta para pensar e criar o futuro (HUERTAS,1994) e planifica quem governa, em

um momento presente, atravs de um clculo situacional de problemas e oportunidades,

sendo inseparvel da gesto e necessariamente poltica.

Dessa forma, o PES corrobora com a idia que a formulao de polticas d-se

em diversos nveis de governo e mbitos de gesto e em diversos nveis de abrangncia:

34

geral, particular e singular, havendo, assim, uma exigncia de formulao de polticas que

dem conta dos problemas de sade a cada nvel de governo (MATUS,1997b).

Essa formulao uma ao social que se estabelece atravs de um clculo

sistemtico que apresenta como requisito existncia de corpos ideolgicos, tericos e

metodolgicos que apiam o calculo que precede e preside a ao. Eles imprimem

coerncia e racionalidades particulares ao; conseqentemente, a sistematicidade

diferencia o planejamento da improvisao (MATUS, 1993, p.55).

Em contexto de tomada de deciso negociada, como acontece no Sistema

nico de Sade, necessrio que se analise, explique e aprecie a realidade a partir da viso

de vrios interessados e que esto imersos na situao concreta que precisam transformar e,

para isso, necessrio compreend-los a partir dos aspectos polticos, econmicos e

ideolgicos-culturais da ao do homem na sociedade (ARTMAN,1993).

Matus (1982, p.21) elabora um desenho explicativo chamado de Teoria da

Produo Social, definida como produo de bens e servios econmicos e tudo que o ser

humano cria a partir de suas capacidades polticas, ideolgicas, cognitivas, econmicas,

organizativas e culturais, como um processo de produo social que altera por sua vez,

estas prprias capacidades. A teoria explicada por 3 nveis ou planos bsicos da

formao social que interagem, mantendo relaes de condicionamento e determinao:

Nvel 1 chamado de fatos/fluxos de produo ou da

fenoproduo, no qual se situa todo e qualquer fato entendido como bens,

servios de natureza econmica, poltica ou social, produzido por algum e de

alguma forma.

Nvel 2 da acumulao ou das fenoestruturas refere-se ao

espao em que esses fatos ou fluxos so produzidos, e que se acumulam sob a

forma de estoques de recursos de poder, organizativos, econmicos, cognitivos

dos atores sociais e definem a capacidade de produo de fatos por esses atores,

em sistemas organizativos e em tecnologias de produo.

Nvel 3 das regras ou das genoestruturas corresponde ao

plano das determinaes no qual esto as leis bsicas que regem todo o sistema,

sendo o nvel que determina o possvel, construdo historicamente e por isso

tambm passvel de mudanas pela mesma ao social.

35

Esquema I Teoria da Produo Social

REGRAS ACUMULAES FLUXOS E FATOS

NORMAS TRADICIONAIS (regras de direito, mando, costumes, tica, moral e de mercado)

CAPACIDADES (acumulao positiva) INCAPACIDADES (acumulao negativa) ESTOQUES ATORES

OPERAES AES ATOS DE COMUNICAO ATOS DE FALA

Direcionalidade (Misso) Departamentalizao Governabilidade Responsabilidade

Existncia de uma Agenda Existncia de um sistema de petio e prestao de contas Gerencia por operaes

Criao de fatos polticos Produo de bens e servios Produo de conhecimento Produo de regras, sistema e organizaes

Matus, C. PES Gua de Anlisis Terico Seminario de Gobierno y Planificacin Mtodo PES, 1994

A partir da contribuio de Rivera (1995, p.176) pode se identificado que se

situa no mbito dos fatos a maioria dos comportamentos sanitrios e sociais, os produtos

administrativos, epidemiolgicos e demogrficos, a produo de bens e servios, assim

como os resultados (traduzidos nos indicadores, nas expresses dinmicas de variaes e

comportamentos sociais, como aumento, diminuio, piora, melhora). Nesse nvel, tambm

se colocam todas as expresses polticas (planos, programas e projetos) como fluxos da

produo social.

No nvel das acumulaes colocam-se as caractersticas de poder ou domnio

de racionalidades, a capacidade de produo, de oferta de servios, de distribuio de

recursos e os sistemas de gesto e as caractersticas permanentes dos grupos sociais.

No plano das leis bsicas situam-se o arcabouo jurdico legal, constitucional e

infraconstitucional, as normas e a poltica de sade, assim como os elementos gerais do

sistema social (de natureza econmica, poltica, ideolgica).

Entre os trs nveis, estabelecem-se relaes que so muito importantes,

envolvendo a capacidade tcnica, de gesto e tecnologias requeridas no enfrentamento de

problemas. As relaes tcnicas podem ser definidas/observadas atravs da capacidade de

escolha de problemas a serem enfrentados, na produo/desenho de planos e intervenes

para dar conta desse problema e na prestao de contas das atividades executadas

(circulao da informao); as relaes de poder que podem ser definidas/observadas

atravs da avaliao dinmica interna do processo, principalmente ligada

(inter)subjetividade, em expresses concretas cotidianas de mecanismos de

sustentabilidade de projetos e as relaes referentes capacidade operativa - que podem

36

ser definidas/observadas atravs da manuteno de atividades previstas, de acordo com

diversos nveis de acumulao institucional;

Graficamente, essa formulao se traduz no tringulo de governo de Matus

onde, cada vrtice corresponde a uma dimenso do governo.

ESQUEMA II

TRINGULO DE GOVERNOPROJETO DE GOVERNO

1 - Agenda, Plano, Projeto, Contedo Programtico2 - Depende do interesse, da possibilidade de ao e a sua capacidade de desenhar propostas

3 - Nenhum plano melhor do que a capacidade de escolher problemas e desenhar interveno

GOVERNABILIDADE CAPACIDADE DE GOVERNOGrau de exigncia e de demanda Capacidade de conduo, direo,aliada a expertcia Est relacionada ao conjunto de variveis que Compreende o total de tcnica, mtodos e habilidades o ator necessita para realizar o seu projeto que ele dispe (racionalidades ou saberes )

No vrtice superior, encontramos o PROJETO DE GOVERNO, ou seja, a

agenda, o plano, o contedo programtico que dependem do interesse, da possibilidade de

ao e da capacidade de desenhar propostas. Para Matus, nenhum plano melhor do que a

capacidade de escolher problemas e desenhar interveno.

No outro vrtice, temos a GOVERNABILIDADE, ou seja, o grau de

exigncia e de demandas relacionada ao conjunto de variveis que o ator necessita para

realizar o seu projeto. Por fim, no lado oposto temos a CAPACIDADE DE

GOVERNO, ou seja, a capacidade de conduo e de direo, aliada expertcia do

dirigente isto , ao total de tcnica, mtodos e habilidades que ele dispe.

Os principais elementos ou categorias que compem a capacidade de

governo so: (MATUS, 1997:27)

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1- Percia dos dirigentes, que envolve o conjunto de qualidades, como

liderana, conhecimentos, habilidades, experincia que conformam capacidade de

mobilizar vontades e conduo do projeto poltico.

2- Sistemas de trabalho utilizados pelos dirigentes, que compreende os

macrosistemas ou macroprticas, ou seja, os processos de tomada de deciso,

incorporao de tecnologia de gesto (incluindo a a agenda do dirigente e sua

assessoria tecnopoltica e capacidade de manejo de crises). Dentro dessas

macroprticas, Matus inclui: o planejamento estratgico (envolvendo a

identificao, seleo e anlise regular de problemas, definio de objetivos e

elaborao de operaes); a criao do programa direcional, com construo de

cenrios, estratgias e objetivos em longo prazo, ou seja, a grande estratgia, como

o autor denomina; a elaborao do oramento programa (definio da alocao de

recursos e elaborao dos mdulos oramentrios); monitoramento e avaliao;

gerncia por operaes e treinamento para formao de quadros ou Escola de

Governo (MATUS, 1997:144)

Essa formulao matusiana bastante utilizada como referencial terico para

estudos nacionais sobre planejamento e gesto. O vrtice superior representa o projeto de

governo, estando ligado pertinncia e ao cumprimento de propostas, identificao de

elementos do processamento tcnico-polticos dos problemas enfrentados e, como

complemento, lana-se mo dos modelos de avaliao de polticas pblicas. Esse aspecto

pode limitar o pesquisador, centrando a avaliao em graus de cumprimento dos planos.

O vrtice da governabilidade engloba a identificao dos recursos necessrios

que se tem que controlar para execuo dos planos. Nessa dimenso, a tendncia recair

no discurso crnico de deficincias e escassez de recursos financeiros, humanos e de infra-

estrutura a que se circunscrevem os diagnsticos de situao nas instituies de sade.

Anlise que, como discute Testa, (1997:18-20), j limita e desanima os indivduos, mesmo

quando realizado em condies democrticas, tendendo a ser uma fase de um processo de

dominao.

Repete-se, em espao micro, a preponderncia do poltico sobre o individuo, ao

ressaltar as variveis de recursos escassos, as incapacidades institucionais,

aumentando a desigualdade e as diferenas entre o geral (institucional) e os particulares.

Resta aos indivduos envolvidos a sensao de impotncia e de coisificao, reduzidos a

recursos humanos. So os outros que precisam melhorar, os grupos que precisam ser

38

ampliados. Os aspectos econmicos e estruturais tornam-se preponderantes ( a todas luces

un excesso de la razn) procura de uma teoria que auxilie na correta tomada de deciso

em detrimento de uma visin verdadeiramente social de la problemtica institucional

(TESTA, 1997 p.21).

O vrtice capacidade de governo, sem dvidas, deve ser o mais utilizado para

analisar a capacidade de conduo e de direo, principalmente centrado nas variveis

lideranas e expertcia do(s) dirigente(s) e no desenho institucional disponvel para

executar o conjunto de operaes/aes e das estratgias necessrias para ampliar a

governabilidade.

Esse desenho institucional analisado a partir de formulaes tericas sejam as

clssicas (expressas por Durkheim, Weber e Marx) ou as formulaes mais modernas

(positivistas, fenomenologistas ou existencialistas) Ou ainda, nas anlises recentes

construdas a partir de noes sistmicas e ambientalistas, edificadas sobre os paradigmas

de sistemas organizacionais e das relaes (considerando ambientes externo, social,

poltico e econmico), como a classificao por metforas de Morgan, (1996). Citando

Motta, (2000 apud Lavras, 2003) pode-se observar que nenhuma delas consegue dar conta

da complexidade do objeto, na medida em que realizam recortes muito especfico para as

respectivas abordagens (LAVRAS, 2003, p. 17).

A formulao de projetos e planos dentro de uma instituio influenciada pelo

padro planejado de organizao em servios de sade, ainda que virtual em muitas

organizaes pblica no contexto brasileiro, e requer a identificao das distintas

racionalidades que competem entre si no processo decisrio. (PAIM, 2002b, P. 412)

Nessa ambincia, Matus (1994,1996) identifica que setores coexistem e

competem sob a coordenao de regras aceitas entre si. Mais que uma organizao

estruturada, estabelece-se um jogo social entre os atores em torno da presena ou

ausncia dessas regras (direcionalidade versus ingovernabilidade absoluta ou parcial;

departamentalizaao versus centralismo; responsabilidade versus irresponsabilidade).

A formulao grfica que expressa o grau de baixa ou alta responsabilizao e a

articulao do sistema de trabalho, entre os macro e micro sistemas, constitui o Tringulo

de Ferro da Gesto, composto pela agenda do dirigente, pelo sistema de petio e prestao

de contas por desempenho e pela gerncia por operaes. (MATUS,1996:352)

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ESQUEMA III

TRINGULO DE FERRO DO GOVERNO

SISTEMA DE CONFORMAO DA AGENDA (maneja os 2 recursos mais escassos o tempo e o foco de ateno do dirigente)

O uso desses recursos determinam o menu dirio de decises - MDDTraduz o interesse e a deciso do dirigente sobre o que importante frente as urgncias

PETIO E PRESTAO DE CONTAS GERENCIA OPERACIONALGrau de demanda por avaliao de desempenho Base da ao criativa e descentralizada da aoTraduz-se como um sistema diretivo entre a baixa Decidem a batalha da eficincia e eficcia, entre a rotina

e a alta responsabilizao e a mediocridade pela ao criativa e descentralizada

O vrtice superior representado pela agenda do dirigente responsvel pela

manuteno dos propsitos, definido pelo tempo empregado para cumpri-los (e o tempo

um recurso escasso, rgido, limitado e reversvel) e o foco de ateno que dado pelo

dirigente e seu entorno (compreendendo formao de assessoria, prticas utilizadas e

mtodos).

Em relao gerncia op