o pior inimigo da cozinha brasileira chama-se alex atala

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"O pior inimigo da cozinha brasileira chama-se Alex Atala"Alexandra Prado Coelho Quando comeou, o Brasil no acreditava nele. Ingredientes da Amaznia? Porqu? Mas o mundo acreditou, e Alex Atala tornou-se muito maior do que alguma vez imaginara. Hoje, o chef do D.O.M. est no topo, entre os melhores. Mas avisa que a cozinha brasileira no se pode resumir a ele. "Se no se criar uma nova gerao, ela vai sumir".

Este o tempo de Alex Atala.E o que faz um cozinheiro quando chega ao topo? Quando admirado e invejado, quando se torna um dos grandes do seu pas, considerado uma das pessoas mais influentes do mundo e todos querem saber o que ele pensa? O que lhe passa pela cabea? O desejo de voltar apenas a cozinhar? A ideia de deixar tudo e sair de cena? A vontade de salvar o mundo? A angstia do futuro?O brasileiro Atala faz, com o espanhol Ferran Adri e o dinamarqus Ren Redzepi, parte de uma gerao de homens que usaram a cozinha para transformar os seus pases e o mundo. Quando atravessa o seu restaurante, o D.O.M., em So Paulo, sente-se uma ligeira emoo a percorrer a sala, os olhares seguem-no discretamente quando entra na cozinha. um homem grande, imponente, cabelo grisalho, muito curto, barba ruiva a ficar grisalha, hoje mais comprida do que h uns anos, braos tatuados, sorriso simptico, olhar penetrante.Aproxima-se das mesas para cumprimentar alguns clientes. Um deles, sentado sozinho a uma mesa, termina a refeio e aguarda o momento de poder falar com o chef na cozinha. Atala autografa-lhe o livro que acabou de lanar D.O.M. Redescobrindo o Ingrediente Brasileiro e deixa-se fotografar com ele.Da a pouco est sentado nossa frente numa mesa na sala superior do D.O.M. J tem mais pessoas espera l em baixo. mais um dia corrido. E, sim, o futuro preocupa-o.Muitas pessoas conseguiram ficar famosas no Brasil depois de fazerem sucesso fora, porque o Brasil nunca acreditou na semente, sempre acreditou na florJ disse e vou continuar a repetir: o maior inimigo da cozinha brasileira chama-se Alex Atala. verdade. Se a gente no criar uma nova gerao, a cozinha brasileira vai sumir. Ela no pode ser mais minha. A cozinha brasileira s vai existir se ela no for minha, se for do povo, se for de outros chefs; seno, ela morre.A fama tem destas coisas. Ao princpio, no Brasil, ningum parecia acreditar muito no rebelde tatuado que cozinhava com ingredientes exticos com nomes que ningum, pelo menos em So Paulo ou no Rio, conseguia pronunciar. Muitas pessoas conseguiram ficar famosas no Brasil depois de fazerem sucesso fora, porque o Brasil nunca acreditou na semente, sempre acreditou na flor. Mas a flor, para crescer, tem de nascer de uma semente, diz. A minha reputao foi toda construda fora do Brasil para depois ser reconhecida c dentro. Se eu dependesse desse reconhecimento do Brasil, talvez nunca tivesse chegado onde cheguei.O Brasil esqueceu-se do BrasilCom o tempo, o mundo primeiro, e o Brasil depois, foi reconhecendo esse trabalho que Atala fez, de recuperao de ingredientes, e, cada vez mais, dizer Atala era dizer Amaznia. O que que o chef procurou na Amaznia? Uma cozinha brasileira original, pura, indgena? Os ingredientes que representam o Brasil antes da colonizao pelos portugueses? Uma Amaznia idealizada?Uma das palavras mais conhecidas do mundo Coca-Cola. O mundo inteiro conhece a garrafa, o mundo inteiro tem a memria de um sabor. Palavra to conhecida como essa Amaznia. O mundo inteiro tem uma imagem, ningum conhece o sabor. Eu tinha um elemento internacional para trabalhar e usei. O Brasil, mais uma vez, pegou e olhou s l de fora, e depois trouxe aqui para dentro. Foi o Brasil que se esqueceu de falar do prprio Brasil.Mas Amaznia, sendo uma palavra to forte, colou-se a Atala, e ficou mais difcil explicar que o seu trabalho passa por outros ingredientes que existem no Brasil e que no vm necessariamente da Amaznia. Uma das primeiras frutas que trabalhei neste restaurante, e que ficaram famosas, chama-se cambuci. As pessoas falavam nossa, essa uma fruta da Amaznia. Mas ns temos um largo em So Paulo que se chama Largo do Cambuci. Essa fruta daqui, de So Paulo. H uma miopia colectiva, as pessoas acham que tudo Amaznia e querem esquecer o resto do Brasil. natural que o mundo ficasse fascinado pela Amaznia, como deveria ser natural o Brasil ser fascinado pelo Brasil, e no pelas notcias que vm de fora.Alex cresceu, tornou-se grande, o mundo j fala da Amaznia, o Brasil tambm. E de repente todos querem ser iguais a ele. Como se faz?, perguntam-lhe. H chefs amigos que vm aqui falar comigo: Puxa, como que ningum me reconhece, voc conseguiu tudo, eu no consigo nada. S falta falar que ele cozinha melhor do que eu, diz, soltando uma gargalhada. E eu digo para ter calma, porque s vezes no s cozinhar bem, passar uma mensagem bem. importante entender isso. preciso uma mensagem que acrescente e que seja adequada ao momento que voc est passando.H chefs amigos que vm aqui falar comigo: Puxa, como que ningum me reconhece, voc conseguiu tudo, eu no consigo nada. S falta falar que ele cozinha melhor do que euNo h frmulas. preciso ter algo autntico para dizer e faz-lo no momento certo. A Espanha enviou essa mensagem para o mundo na hora que o mundo estava cansado de ouvir falar da cozinha francesa. A cozinha francesa no estava em crise, o mundo estava era cansado de Frana, Frana, Frana. Aparece um espanhol [Ferran Adri] e toda a ateno se vira para ele. O Brasil tinha muito boas cozinhas regionais, e tinha chefs que faziam boa cozinha francesa ou italiana, e ento apareceu um cara fazendo cozinha brasileira. natural que esse cara fosse chamar a ateno. Agora, se outro cara quer chamar a ateno no Brasil e vai fazer a mesma coisa que eu, ele no vai conseguir a mesma ateno, vai conseguir metade. Mas se ele fizer outro trabalho que seja autntico ele vai ganhar essa ateno.E preciso que apaream (como j esto a aparecer) essas outras vozes da cozinha brasileira at para garantir que Atala no se torna o pior inimigo desta, e que tudo no comeou e no acaba com ele. O problema que hoje toda a gente tem muita pressa, ningum quer esperar. A gente tem que conter as nossas ansiedades, principalmente quando falamos de tempo e de cozinha. A nouvelle cuisine foi uma moda passageira, durou uns 15 anos. O Ferran Adri um fenmeno, mas ele comeou a existir para o mundo no ano 2000. As pessoas tendem a olhar a gastronomia com a velocidade que a Internet quer. Mas ela orgnica, humana, natural, tem o tempo dela. Essas maturaes vo acontecer.Muito aconteceu j no ltimo meio sculo, diz. Houve a nouvelle cuisine, a onda da Espanha, o locavorismo [comer os produtos que existem na regio em redor, princpio defendido, por exemplo, pelo Noma, de Redzepi, em Copenhaga]. Cinquenta anos, s? So 50 anos de revolues. Se ns conseguirmos s pegar na essncia desses 50 anos, sem evoluir, mas aplicando-a nos prximos 50, a cozinha vai ser sensacional. S que ela tem a possibilidade de continuar a evoluir. Eu vou repetir: as pessoas tm miopias, tendem a olhar para estas coisas como um ano, dois. Ah, o Ferran Adri j acabou, no tem mais nada para falar. Vamos entender que estes movimentos so longos. Rubens Kato J ningum diferente por fazer espuma altura de introduzir uma pequena provocao. Dias antes tnhamos almoado com Carlos Alberto Dria, gastrnomo, crtico, estudioso, pensador e autor, juntamente com Atala, do livro Com Unhas, Dentes & Cuca Prtica Culinria e Papo-Cabea ao Alcance de Todos (editora Senac). E o que diz Dria? Este movimento de renovao gastronmica pendular. Tem um momento de tcnica e um momento de ingrediente. Desde que fechou o elBulli [o restaurante de Adri], vejo uma orfandade internacional de chefs. Mas por que fechou? Porque cumpriu o seu papel. Qualquer chef sabe hoje as tcnicas que o Ferran usava. Ningum se diferencia mais por fazer espuma, isso morreu. Ento, a competio desloca-se para outro terreno e, depois do fenmeno Noma, desloca-se para os ingredientes. Ento voc assiste a essa peregrinao pelo Brasil de chefs como o Alex Atala, a Ana Lusa Trajano [do restaurante Brasil a Gosto, tambm em So Paulo] e tantos outros, em busca de coisas diferentes. Acho que uma coisa que ter o seu momento e passar. No possvel voc sustentar uma culinria base de uma descoberta por dia.Concorda, Atala? Discordo, discordo, discordo. Historicamente, a cozinha evolutiva, nunca de maneira ordenada, mas sempre evolutiva. A gastronomia nunca descartou nenhuma das fases por que passou, nem de Carme [Frana, 1783-1833], nem de Escoffier [Frana, 1846-1935], nem de Point [Frana, 1897-1955], nem de Bocuse [Frana, 1926], nem de toda a nouvelle cuisine, e seguir no descartando nada nem ningum. Pelo contrrio, ns vivemos hoje um momento mundial onde a gastronomia cada vez mais generosa, menos competitiva e mais aberta a receber informaes da tecnologia ou da antropologia, das cincias exactas e das cincias humanas, e isso faz com que a gente viva uma cozinha de paz, de alegria, de sublimao, de prazer. As pessoas tentam categorizar muito. impossvel.A nouvelle cuisine foi uma moda passageira, durou uns 15 anos. O Ferran Adri um fenmeno, mas ele comeou a existir para o mundo no ano 2000. As pessoas tendem a olhar a gastronomia com a velocidade que a Internet quer Mas este , pelo menos no Brasil, um momento em que os ingredientes se sobrepem s tcnicas. Porque ns no Brasil temos essa riqueza. Como cada time de futebol, cada literatura, cada filosofia, nas suas regies ganha os contornos dessa regio. Hoje, na Amrica do Sul, a gente tem uma efervescncia de novos chefs trabalhando, todos com muito boa tcnica, mas todos muito debruados no ingrediente, que a nossa maior riqueza. Diferente talvez da Europa, onde os ingredientes j so todos conhecidos e a tcnica o caminho evolutivo.A diferena grande. Se pensarmos nesta ideia de ir ao mato e encontrar os seus prprios produtos, a Europa hoje conta, entre algas, verduras, legumes, flores, cogumelos, umas 400 espcies selvagens diferentes. Num primeiro levantamento que fizemos no Brasil, muito raso, sem grande estudo, achmos entre oito e dez mil variedades com grande potencial. S de cogumelos talvez a gente consiga mais de mil. E estamos falando de um terreno que foi muito pouco estudado ainda, de uma rea que tem muitas possibilidades. Os sul-americanos encontram hoje a sua melhor forma de expresso atravs do ingrediente, sim, mas acho que essa uma soluo para a Amrica do Sul, no para o mundo.Carlos Alberto Dria v algumas dificuldades nesta estratgia. O que hoje um ingrediente brasileiro? Os ingredientes tm uma histria, so descobertos, so esquecidos, redescobertos, transformados. Muitos chefs acham que a mandioca brava, venenosa, um produto natural. No . um produto desenvolvido pelos ndios como defensivo agrcola contra os predadores. Voc pega os feijes, por exemplo. So brasileiros? Tinha brasileiros, mas h os que vieram de frica, da sia. Os portugueses fizeram uma grande transaco internacional de ingredientes e as pessoas hoje consideram-nos afectivamente. A manga, que muita gente considera brasileira, indiana. por isso, defende o especialista, que a ideia de uma culinria nacional, indgena, est fora do seu tempo, porque no existe mais nao. Claro que h uma tentativa de fazer uma cozinha tnica, mas duvido desse projecto. O [chef peruano] Gaston Acrio, h dois ou trs anos na feira San Sebastian Gastronomika, disse que ia fazer uma apresentao mas no trazia nada do Peru. Disse: Os meus colegas vieram cheios de produtos, e eu do Peru trouxe o ceviche, mas o ceviche onde est? No o trouxe na mala, ele est na minha cabea. Vou pegar nos vossos peixes e fazer o ceviche.Tucupi e arroz com feijoNo Brasil, a grande fora tem sido a Amaznia e agora, cada vez mais, o cerrado, que tem uma diversidade de produtos provavelmente mais do que a Amaznia. Mas h, segundo Dria, uma questo de legitimidade e de legibilidade desta nova cozinha brasileira. Para explicar esta ideia, o melhor recorrer a um texto do prprio: Legitimidade se refere a algo brasileiro, a exemplo o tucupi [lquido retirado da mandioca, usado em vrios pratos da culinria amaznica], mesmo para quem jamais o tenha experimentado o que a maioria da populao brasileira. Afinal, nativo e suficientemente enraizado em parcela do nosso vasto territrio. Legibilidade diz respeito a algo que, nativo ou extico aclimatado, reconhecido claramente como brasileiro, a exemplo do arroz com feijo que todo o mundo conhece.No mesmo texto, intitulado Legitimidade e Legibilidade da Gastronomia Brasileira, no qual analisa estes dois caminhos seguidos por diferentes chefs (o da comida mais popular e o da mais extica), Dria refere-se a Atala. Alex Atala, h anos, tem feito um esforo hercleo para se apropriar da amazonidade em nossa culinria de ponta. Para tanto, lana mo do tucupi, jambu [uma erva que provoca uma dormncia na boca], priprioca [erva parente do junco e do papiro], formigas. Sabemos identificar o quanto de simblico h nisso tudo, mas s o tucupi popular na Amaznia, a priprioca nem sequer comestvel para os caboclos. A formiga reminiscncia das culinrias indgenas de norte a sul do pas hoje ocupa o papel de metonmia da culinria amaznica.Alex Atala, h anos, tem feito um esforo hercleo para se apropriar da amazonidade em nossa culinria de pontaQuando falamos de exotismo, estamos a falar de um nicho, explica Dria Revista 2. Se perguntar para as pessoas aqui em So Paulo, ningum conhece tucupi um ingrediente que no tem uma legibilidade fcil. S o pessoal de uma camada gourmet aceita experimentar essas coisas mais estranhas. E mesmo assim as resistncias so grandes, tanto estranheza como recuperao de comidas mais populares. Dria conta que Mara Sales, que recentemente transferiu o seu restaurante Tordesilhas, do outro lado da Avenida Paulista para a selecta zona dos Jardins (onde fica a maioria dos restaurantes mais in de So Paulo), se queixava que alguns dos clientes nesta nova localizao achavam que farinha de mandioca comida de pobre. E ela tinha mudado apenas quatro ou cinco quadras [quarteires]. Estamos a falar de um pedao de cidade mnimo, mas o facto que a maioria das pessoas no atravessa a Paulista.Falemos ento de formigas.Para Atala, elas so muito mais do que a apropriao simblica da culinria indgena. Elas so deliciosas. E so uma forma de nos pr a pensar em questes de sustentabilidade e do futuro da alimentao. A reaco das pessoas de fascnio, conta o chef. Eu s sirvo uma formiga, a sava, e ela realmente uma delcia. Vem uma por prato, com abacaxi gelado, a pessoa come e uma exploso de sabor. Acho que quando se encontra um insecto que seja realmente delicioso justo us-lo, mas no por isso que vou pegar em todos os insectos e coloc-los no meu restaurante.Quanto aos preconceitos que possam existir, tem argumentos para os derrubar. Hoje o mundo tem fazendas dedicadas produo de insectos, que so vendidos para fazer raes para animais. Porque que animal pode comer e a gente no pode? Porque que aceite como rao e no como alimentao, quando alguns insectos tm dez vezes mais protena que um pedao de carne? O Food and Drug Administration norte-americana aceita 86 partes por milho de insectos na manteiga de amendoim e 74 partes por milho no chocolate. Ns comemos insectos.A sobremesa de formiga com abacaxiSrgio Coimbra1 / 6Showingimage 1 of 6Percebe-se pela rapidez e entusiasmo com que fala que este um argumento que j repetiu muitas vezes. Mas vamos imaginar que comer insectos uma porcaria. A gente no come merda, pois no? A gente no come vmito, pois no? O que o mel? vmito de abelha. Existe um exerccio de abrir as nossas cabeas para olhar essas possibilidades de outra maneira. Ns comemos mel, e mel secreo de insecto. Devia ser nojento para a gente, mas delicioso. Existem possibilidades, sim, e elas no podem ser descartadas. Principalmente quando a gente fala do teor de protena e do nmero de vidas que podem ser salvas por essa possibilidade. Quanto ao aspecto dos insectos, sim, feio, to feio quanto o do camaro ou do caranguejo.Estvamos a falar de formigas, e agora estamos a falar de formas de ajudar o mundo. Porque isso que se espera tambm hoje de um chef que uma revista como a Time colocou entre as 100 figuras mais influentes do ano passado. E Atala tem essa preocupao. O uso que faz dos ingredientes tambm uma forma de ajudar produtores e populaes. Usando estes ingredientes hoje no Brasil e na Amrica do Sul, e principalmente se os conseguirmos exportar para a Europa porque h grandes produtos que j saram das Amricas , podemos ajudar as pessoas, a cultura, pode existir um benefcio social, econmico, ambiental e cultural."Ningum acerta primeira"Mas h tambm o reverso da medalha. Como aconteceu com a quinoa peruana, o sucesso de um produto no mundo pode significar que o seu preo sobe e que as populaes que o usavam como base da sua alimentao deixam de ter acesso a ele. facto. A alimentao uma actividade vital, a maior rede social do mundo no o Facebook, a cozinha, e natural que ela tenha defeitos. Mas a gente no pode fazer dos defeitos a razo da nossa vida. Sempre vai haver problemas. A Internet tem problemas. Vamos tirar a Internet das nossas vidas? Ningum acerta primeira. Eu nunca fiz uma receita e ela ficou pronta na primeira vez, nunca escrevi uma carta e ela ficou pronta logo. A gente vai construindo atravs dos erros, relendo, aprendendo.Reconhece os problemas. Eu nunca discordaria que o nosso modelo de mercado escolher uma quinoa, jogar para o mundo, e tudo o resto que ficou para trs, esquece. Mas acredito que uma nova filosofia de cozinha tem de ser imposta, que a do extrair e devolver. Eu no posso ir s Amaznia e tirar da Amaznia, isso foi feito a vida inteira. Est na hora de devolver para a Amaznia, e s vezes devolver no s dar dinheiro. s vezes, se voc der dinheiro, estar s aumentando os problemas sociais. Voc precisa de devolver tendo em ateno as necessidades de cada comunidade, tribo ou regio.Mas acredita no futuro. O mercado um problema mas no podemos fazer dele o nosso vilo nem o nosso deus. Se o mercado fosse a maior fora na minha vida, eu nunca faria cozinha brasileira. Comecei a fazer cozinha brasileira e as pessoas chamavam-me louco. Hoje o Brasil inteiro orgulha-se disso e sinto-me feliz. Ento vale a pena. [Com os projectos sociais, de trabalho com produtores] a gente no mudou a vida de uma famlia ou de dez famlias, a gente mudou a vida de uma regio inteira. Devolveu a alegria, deu um horizonte a quem j achava que no ia ter mais. Eu acredito que a cozinha bem exercida uma ferramenta social muito importante e que a gente vai aprender a lidar com isso.O mercado um problema mas no podemos fazer dele o nosso vilo nem o nosso deus. Se o mercado fosse a maior fora na minha vida, eu nunca faria cozinha brasileira Estamos ainda a aprender, e a gerao seguinte essa na qual Atala deposita a esperana de que continuar a trabalhar para manter a cozinha brasileira viva vai ser melhor que a actual. Sou cozinheiro h 27 anos e quando comecei a ser cozinheiro j no era s isso, j era preciso ter competncias administrativas, saber gerir uma cozinha. Nesses anos, uma srie de outras coisas aconteceram: comemos a dar aulas, a escrever livros, a falar na televiso, a usar o computador. Tudo isso era novo para a gente. Assim como a nova gerao aprendeu a usar o computador melhor que ns, vai tambm aprender a usar os ingredientes melhor do que ns, e a gerao a seguir melhor ainda. Esta uma evoluo que a cozinha pode ter: mais conscincia, mais sabedoria, uma aco um pouco mais profunda no acto de no somente servir comida.D.O.M.Foi o princpio da aventura. O prprio Atala confessa no seu livro D.O.M Redescobrindo Ingredientes Brasileiros que quando abriu o restaurante em So Paulo, em 1999, precisava ganhar algum dinheiro e no tinha grandes ambies. Mas o D.O.M. (Deo Optimo Maximo) tornou-se a principal montra da sua revoluo gastronmica.NaturezaOs ingredientes esto no centro de toda a sua filosofia de cozinha. Atala redescobriu produtos brasileiros que no eram usados na alta-cozinha, trabalhou-os, em alguns casos recuperou-os. Pregamos um retorno natureza e, para tanto, quanto mais natural esse ingrediente vier, quanto mais puro ele for colocado no prato, melhor, escreve no seu livro.FormigaFoi numa viagem ao Norte do Brasil que Atala perguntou cozinheira Dona Brazi que ervas colocara no prato. Formiga, respondeu ela simplesmente. Ele insistiu: queria saber as ervas. Menino, s tem formiga! Hoje, no D.O.M., h uma sobremesa de abacaxi e formigas-sava.IndgenasAtala conta a histria da comunidade indgena e pobre da Amaznia que quis ajudar, enviando uma cesta bsica para cada famlia. Seis meses depois, voltou l e ficou impressionado com a sujeira do local, cheio de caixas, plsticos, latas e embalagens. Alex, a culpa sua, disseram-lhe. Para ns, embrulho de fruta casca, embrulho de peixe escama e de boi couro. Ele diz ter aprendido que brincar de deus no fcil.RockAtala teve uma vida antes de ser um dos chefs mais influentes do mundo: foi um jovem rebelde, fez parte de uma banda punk, foi DJ, saiu de casa aos 14, 15 anos, viajou para a Europa, foi pintor de paredes. No perdeu um certo lado punk. Continua a gostar de tatuagens, de motos, bluses de cabedal, e de rock veja-se a capa da GQ Brasil deste ms.GalinhaFoi grande a comoo que Atala provocou quando, no encerramento do ltimo festival MAD, na Dinamarca, decapitou uma galinha em palco, enquanto usava uma T-shirt onde se lia Death happens. Foi acusado de crueldade gratuita. Mas o objectivo, explicou, era apenas lembrar s pessoas que consumir carne significa que aconteceu uma morte.AT o instituto gastronmico lanado por Atala para apoiar os produtores locais, promover uma cozinha de ingrediente e sustentvel, divulgar produtos menos conhecidos (mel de abelhas nativas, baunilha do cerrado, pimenta da comunidade indgena Baniwa) e ajudar as populaes que os produzem, com a cumplicidade de um grupo de amigos ligados a projectos em diferentes reas.Dalva e DitoAberto em 2009, dez anos depois do primeiro, o outro restaurante de Atala, onde faz uma cozinha mais simples que a do D.O.M., inspirada nos livros de receitas das mes, avs, tias e sogras, e com preos mais acessveis. Fica do outro lado da rua, em frente ao D.O.M.Retratos do Gosto O mini-arroz um exemplo de um produto que Atala incentivou. Com o gro pequeno e redondo, feito no Vale do Paraba por Francisco Ruzene, um arroz brasileiro nico no mundo e, diz o chef, representa uma oportunidade para criar novas receitas e apoiar produtores. um dos produtos da Retratos do Gosto, iniciativa que junta chefs e produtores e da qual Atala scio.InflunciaEm 2013, a revista norte-americana Time considerou Alex Atala uma das 100 pessoas mais influentes do mundo. Em Novembro do mesmo ano, a Time colocou-o na capa ao lado de Ren Redzepi, do Noma de Copenhaga, e David Chang, do Momofuku, e chamou-lhes Os Deuses da Comida. O D.O.M. considerado o 6. melhor restaurante do mundo pela lista The Worlds 50 Best, e o 2. melhor da Amrica Latina.A influncia portuguesaEstamos novamente a falar de um tempo longo, o tal tempo que no o da Internet e o da pressa dos chefs que querem a fama de um dia para o outro. Mas h um tempo muito longo mais de 500 anos de que ainda no falmos. altura de perguntar a Atala onde fica a influncia portuguesa em toda esta histria da renovao culinria brasileira.Afinal, entre os ingredientes que os portugueses trouxeram e levaram de um lado para o outro do mundo, incluindo o Brasil, esto alguns dos que hoje enchem de orgulho os brasileiros. E entre as tcnicas culinrias (quando os conquistadores chegaram, os ndios usavam um nmero reduzido de tcnicas) esto muitas introduzidas pelos portugueses. Nesta busca de uma Amaznia idealizada o discurso de seduo que hoje os chefs tm de ter, segundo Dria onde fica Portugal?Ouvimos primeiro o escritor. Num certo sentido, somos uma continuidade da cozinha portuguesa. A cebola, o alho, o refogado, so heranas portuguesas. No Nordeste, os embutidos [enchidos] so muito prximos dos dos portugueses e quando os chefs trabalham certo repertrio aproximam-se mais de Portugal. Mas o dilogo com Portugal faz-se mais com a cozinha popular brasileira do que numa linguagem mais moderna. A nfase mais na tradio portuguesa do que na inovao portuguesa.Sim, mas e o passado, a histria? De certa forma injusto fazer esta pergunta a Atala, que tem continuamente reconhecido essa influncia portuguesa (faz, inclusivamente, um Brs, usando palmito). Mas o facto que, para o mundo, o que fica a palavra Amaznia. Concordo em parte que o Brasil talvez no reconhea a influncia portuguesa nas nossas cozinhas, sobretudo em algumas cozinhas regionais. Fazem-se doces em calda em Minas Gerais, est na cara que isso uma influncia portuguesa.Num certo sentido, somos uma continuidade da cozinha portuguesa. A cebola, o alho, o refogado, so heranas portuguesas. No Nordeste, os embutidos [enchidos] so muito prximos dos dos portugueses e quando os chefs trabalham certo repertrio aproximam-se mais de Portugal Mas, quanto ao caminho que Portugal deve seguir se quiser ver a sua gastronomia reconhecida internacionalmente, defende que os discursos devem ser amplos. Talvez nos ltimos anos a Espanha tenha ofuscado muita coisa de Portugal. Mas, por exemplo, o ceviche no peruano, vai do Chile ao Mxico. Vamos brigar com o Peru, ou vamos agradecer ao Peru por ter levado o ceviche para o mundo porque todos ns seremos reconhecidos amanh? Vamos brigar com a Espanha porque ela roubou o brilho a alguns ingredientes portugueses, ou vamos imaginar que esses ingredientes reconhecidos geram mercado para Portugal? Vamos ficar com raiva da Amaznia porque a Amaznia brilhou, ou vamos querer aproveitar isso, esse brilho que a Amaznia tem, e ajudar o cerrado brasileiro, o pantanal, o Sul?Que preciso dar brilho cultura gastronmica portuguesa, uma ideia com que concorda. Estou falando dos peixes, dos vinhos, de todo o universo que vocs tm. Portugal tem chefs excepcionais, sou grande f, desde chefs mais jovens como Jos Avillez, at outros da minha gerao, como Vtor Sobral, voc vai encontrar uma diversidade de qualidade de cozinha incrvel em Portugal. Ingredientes, eu no preciso nem falar. Acho que j indubitvel que um dos melhores peixes do mundo, se no o melhor, est na costa portuguesa. Os vinhos tambm, j ningum mais duvida. s um no se afligir com o brilho dos outros e estar seguro de que a qualidade do produto vai triunfar.Deixa um conselho: ser genuno. Se Portugal tentar fazer igual Espanha, no consegue. Mas eu sou muito crente nessa cultura gastronmica e acho que vai vir o momento do reconhecimento. Tem de existir. At porque a imprensa curiosa, precisa de novidades. Se num momento mais ningum quis ouvir falar da Frana e quis ouvir falar de Espanha, e se num momento cansou um bocadinho da Espanha e quis ouvir a Dinamarca, Portugal est na fila, no sei se em primeiro, segundo ou ltimo, mas est na fila.Ele sabe, talvez melhor que ningum, o que a angstia de buscar o reconhecimento. Tal como sabe o que a angstia de estar no topo e, no meio da constante presso meditica, perguntar-se para onde seguir caminho. Isso cria todo o tipo de angstia, reconhece, sorrindo. O Joel Robuchon chegou aos 50 anos e renunciou. Disse que no fazia mais comida, mas voltou, e mais admirvel ainda. O Ferran Adri tambm. Eu desconheo um chef que esteja hoje no auge da carreira e no flirte com essa ideia. Qual a maior diferena entre Pel e Maradona? Os dois eram bons jogadores. O Pel parou de jogar no melhor momento, o Maradona, o mundo assistiu decadncia dele. Ento o Pel parece melhor. Todos os chefs que eu conheo da minha gerao entre o fazer e o pensar, existe um mundo, mas todos ns flirtamos com essa ideia um dia. E isso fruto de a gente achar que no vai ser capaz de manter o interesse dos outros. Todos ns.

Vera Moutinho Mas o sofrimento faz parte da festa. duro, duro. Brasil e Portugal nunca vo ser os melhores do mundo, mas temos de ter conscincia de que nunca fomos e nunca seremos os piores. Vamos sofrer sempre, ou por razes econmicas, ou porque Brasil muito grande, ou porque o vizinho pegou a gente vai sempre sofrer um pouquinho, mas acho que no um trauma. D para ser feliz. Srie especial do PBLICOEdio especial Brasil no dia 5 de Maro com Adriana Calcanhotto como directora por um diaMais desta edio Imagem da Semana

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