o perfil de um designer brasileiro: aloisio magalhães

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O perfil de um designer brasileiro: Aloisio Magalhães Isis Fernandes Braga 1 Esta comunicação origina-se de minha tese, apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Artes Visuais na linha de pesquisa Estudos da Imagem e das Representações Culturais da Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro, constituindo um pré-requisito para a obtenção do título de Doutor. Dito deste modo fica, entretanto, desconhecida a sua gênese, que é fundamental ser aqui mostrada, porque revela a continuidade que ela dá no campo da Comunicação Visual tendo o uso do computador como ferramenta, campo no qual atuo como professora. Esses assuntos foram examinados por mim na minha dissertação de mestrado apresentada ao mesmo Programa e na mesma linha de pesquisa. Nela fiz um estudo de caso de uma agência de publicidade, a Denison Propaganda, que havia sido uma das maiores do Brasil e que, tendo basicamente um só cliente, chegou ao ponto de, algum tempo depois da minha pesquisa, extinguir-se 2 . É preciso deter-me um pouco mais naquele exame, porque o começo das coisas vai nos dizer aonde se vai chegar. Assim, durante aquela defesa, tendo como membros da banca examinadora o Professor Emérito do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais-IFCS/UFRJ, Doutor Mário Barata e o Prof. Dr. Rogério Medeiros, também meu orientador, tive completando a banca, a Profa. Dra. Rosza Vel Zoladz, da EBA/UFRJ, que chamou a minha atenção para aspectos relacionados com os perfis identificatórios do design no Brasil que, estes sim, configuravam questões problematizadas com reflexos nos planos econômicos e de aceitação do designer entre nós e internacionalmente, e não o inverso, ou seja, o plano econômico como o aspecto mais frágil da produção dos designers no Brasil. A Profa. Rosza Vel Zoladz, com a sua lucidez conhecida, apontava os problemas dessa área de produção num binômio inverso: a pouca clareza de uma identidade influindo nos obstáculos à comercialização da produção dos designers no Brasil. Ficava claro para mim que eu deveria debruçar-me sobre essas relações, indo ao encontro, segundo a mesma professora, das proposições originalmente feitas pelo renomado designer brasileiro Aloisio Magalhães, conforme era enfatizado por ela. Passei a refletir sobre o que fora por mim ouvido durante aquele exame; pensei muito no assunto e cheguei a uma conclusão quase que óbvia: era o que deveria constituir a minha tese da doutorado e, em um único impulso, defini meses mais tarde, em voz alta - que foi ouvida pela Professora Rosza - a minha intenção, propondo-me a enfrentar a complexidade embutida nas questões quanto ao " o que é ser brasileiro? O que revela o design por nós criado?" Senti-me estimulada a estudá-las e o encorajamento e o apoio recebidos da Profa. Rosza, com a qual já havia feito cursos - foram definitivos para concretizar uma tese em nível de doutorado. O que passou a constituir o meu interesse principal fazia com que eu me deparasse com uma bibliografia escassa quanto aos assuntos ligados à atuação de Aloisio Magalhães entre nós. Felizmente essa questão acha-se hoje resolvida com os extraordinários empenhos dos designers João de Souza Leite e Felipe Taborda 3 , que cadastraram artigos, ensaios, em número de dezesseis, de pessoas que foram de alguma forma vinculadas a Aloisio Magalhães. 1 Doutora em Artes Visuais pelo PPGAV/EBA/UFRJ. Docente do Departamento de C omunicação Visual da EBA/UFRJ. Curso de Desenho Industrial. 2 BRAGA, Isis. O caso da Denison : mutações recentes no campo da comunicação visual. Dissertação de mestrado, Programa de Pós-Graduação da Escola de Belas Artes/UFRJ, Rio de Janeiro, 1998. 3 Aloisio Magalhães: A Herança do olhar . A edição desse belíssimo livro muito deve a Clarice Magalhães e a Solange Magalhães, pelo seu empenho em disponibilizar materiais, acervo e fotos de Aloisio Magalhães.

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Perfil do designer Aloisio Magalhães - Comunicação oriunda da tese apresentada por Isis Fernandes Braga ao Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais na linha de pesquisa Estudos da Imagem e das Representações Culturais da Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

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O perfil de um designer brasileiro: Aloisio Magalhães

Isis Fernandes Braga 1

Esta comunicação origina-se de minha tese, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais na linha de pesquisa Estudos da Imagem e das RepresentaçõesCulturais da Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro, constituindoum pré-requisito para a obtenção do título de Doutor. Dito deste modo fica, entretanto,desconhecida a sua gênese, que é fundamental ser aqui mostrada, porque revela acontinuidade que ela dá no campo da Comunicação Visual tendo o uso do computadorcomo ferramenta, campo no qual atuo como professora. Esses assuntos foram examinadospor mim na minha dissertação de mestrado apresentada ao mesmo Programa e na mesmalinha de pesquisa. Nela fiz um estudo de caso de uma agência de publicidade, a DenisonPropaganda, que havia sido uma das maiores do Brasil e que, tendo basicamente um só cliente,chegou ao ponto de, algum tempo depois da minha pesquisa, extinguir-se2. É preciso deter-me umpouco mais naquele exame, porque o começo das coisas vai nos dizer aonde se vai chegar.

Assim, durante aquela defesa, tendo como membros da banca examinadora o ProfessorEmérito do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais-IFCS/UFRJ, Doutor Mário Barata e o Prof. Dr.Rogério Medeiros, também meu orientador, tive completando a banca, a Profa. Dra. Rosza VelZoladz, da EBA/UFRJ, que chamou a minha atenção para aspectos relacionados com os perfisidentificatórios do design no Brasil que, estes sim, configuravam questões problematizadas comreflexos nos planos econômicos e de aceitação do designer entre nós e internacionalmente, e não oinverso, ou seja, o plano econômico como o aspecto mais frágil da produção dos designers noBrasil.

A Profa. Rosza Vel Zoladz, com a sua lucidez conhecida, apontava os problemas dessa áreade produção num binômio inverso: a pouca clareza de uma identidade influindo nos obstáculos àcomercialização da produção dos designers no Brasil. Ficava claro para mim que eu deveriadebruçar-me sobre essas relações, indo ao encontro, segundo a mesma professora, das proposiçõesoriginalmente feitas pelo renomado designer brasileiro Aloisio Magalhães, conforme era enfatizadopor ela.

Passei a refletir sobre o que fora por mim ouvido durante aquele exame; pensei muito noassunto e cheguei a uma conclusão quase que óbvia: era o que deveria constituir a minha tese dadoutorado e, em um único impulso, defini meses mais tarde, em voz alta - que foi ouvida pelaProfessora Rosza - a minha intenção, propondo-me a enfrentar a complexidade embutida nasquestões quanto ao " o que é ser brasileiro? O que revela o design por nós criado?" Senti-meestimulada a estudá-las e o encorajamento e o apoio recebidos da Profa. Rosza, com a qual já haviafeito cursos - foram definitivos para concretizar uma tese em nível de doutorado.

O que passou a constituir o meu interesse principal fazia com que eu me deparasse com umabibliografia escassa quanto aos assuntos ligados à atuação de Aloisio Magalhães entre nós.Felizmente essa questão acha-se hoje resolvida com os extraordinários empenhos dos designersJoão de Souza Leite e Felipe Taborda3, que cadastraram artigos, ensaios, em número de dezesseis,de pessoas que foram de alguma forma vinculadas a Aloisio Magalhães.

1 Doutora em Artes Visuais pelo PPGAV/EBA/UFRJ. Docente do Departamento de C omunicação Visual daEBA/UFRJ. Curso de Desenho Industrial.2 BRAGA, Isis. O caso da Denison : mutações recentes no campo da comunicação visual. Dissertação demestrado, Programa de Pós-Graduação da Escola de Belas Artes/UFRJ, Rio de Janeiro, 1998.3Aloisio Magalhães: A Herança do olhar. A edição desse belíssimo livro muito deve a Clarice Magalhães e aSolange Magalhães, pelo seu empenho em disponibilizar materiais, acervo e fotos de Aloisio Magalhães.

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Devo confessar que não me foi dado o privilégio de conviver com Aloisio Magalhães, masconhecia alguns dos seus trabalhos e, à medida que me aprofundava no estudo das faces culturaisdo design no Brasil percebi o quanto se tornava oportuno um estudo mais aprofundado de suaatuação . Na verdade, falar de design no Brasil é falar de Aloísio Magalhães (Recife, 1927 - Pádua-Itália4, 1982). E mais: todo o designer gráfico fundador dessa área, e posterior a ele, teve a suainfluência; a maioria das logomarcas, produzidas pessoalmente, ou por seu escritório de design, sãousadas até hoje; algumas modificações gráficas e plásticas foram tentadas e resultaram emenfraquecimento do legado deixado por Aloisio Magalhães. Seu trabalho é impregnado de idéiastão fortes que inviabilizam qualquer modificação.

Criador de formas, artista plástico, incentivador e produtor cultural, homem público, primeiroSecretário de Cultura do Brasil, Aloísio Magalhães mostrou-se uma personalidade polimorfa masque, curiosamente, contém uma unidade coerente, como se verá ao longo dessa minha pesquisa. Éisso que chama a atenção, nas formas pelas quais o seu talento, a sua capacidade criadora, a suamaneira de ser, o seu tato com as pessoas e a sua liderança, se manifestam.

Procurei, portanto, mostrar o que é contido no título da minha tese que, a cada passo que eudava, se desvelava e levava até Aloisio Magalhães que, atuando em várias frentes, procuravasempre uma identidade brasileira para esse seu design que influenciou e continua a influenciar umagrande quantidade de designers brasileiro5. Curiosamente, Aloisio voltou-se em direção ao fazersimples, para as bases do bom artesanato, instigando designers a voltarem-se para aspectos dacultura brasileira no que lhe é mais peculiar, ou seja a sua pluralidade. No seu trato comcolaboradores, amigos ou clientes, mostrou-se fidalgo, incentivador, companheiro, e principalmentepossuidor de grande capacidade gregária, que via em todos e em cada um que dele se aproximavaum possível amigo.

É evidente que todas essas afirmativas não são resultantes de minhas vivências - pois não oconheci pessoalmente, mas pude chegar a essas observações de uma maneira invertida. E qual éessa maneira? Para organizar os assuntos que compõem os tópicos por mim elaborados visando daruma forma acadêmica a esse estudo fui levada, em primeiro lugar, a redesenhar a rede de relaçõescom a qual Aloisio Magalhães teceu a sua vida pessoal, social e política. Nela experimentei maisclaramente a sensação de ter o biografado mais vivo, mais próximo, tornando viável redigir umabiografia na forma sugerida por Franco Ferrarotti, que a propõe construída como interação. Istoquer dizer que "a biografia sociológica não é unicamente uma narração de experiências vividas, elaé, igualmente, uma "micro-relação" social. (FERRAROTTI, 1981, 52)

Mas o interesse primordial do récit, ou melhor da narrativa, é o que ela constrói, como é atrajetória (BOURDIEU, 1998, 183) e o que orienta a série de relações objetivas que aparecem comounificadoras dos estados sucessivos do campo no qual ela se desenrolou. São esses os pressupostosque justificaram transformar um procedimento usual no âmbito da pesquisa de campo, a entrevista,dando-lhe forma de depoimento. Para isso retirei a minha questão e arrumei as entrevistas demaneira à torná-las relatos que se interligavam coerentemente, tomando como modelo Oscar Lewis,que assim procedeu para organizar o seu magistral relato sobre uma família mexicana por eleestudada Ele assim justifica essa forma de proceder:

Ao preparar a publicação das entrevistas eu eliminei minhas perguntas e escolhi, arranjei e organizeios materiais para fazer deles récits coerentes. Se nós partilharmos a opinião de Henry James segundoa qual a vida é toda inclusão e confusão enquanto que a arte é discriminação e seleção, bom, estesrécits pertencem ao mesmo tempo à arte e à vida. Eu creio que isso não diminui em nada aautenticidade dos dados nem o seu interesse para a ciência. Para os meus colegas que estivereminteressados nos materiais brutos, eu mantenho as fitas gravadas à sua disposição. (LEWIS, 1972, 25)

4 Ele fora participar de um congresso de Ministros da Cultura da América Latina promovido pela UNESCO(United Nations Educational, Scientific and Cultural Organizatin - Organização das Nações Unidas para aEducação, Ciência e Cultura) em Veneza, e foi levado ãs pressas para um hospital especializado em Pádua.No momento e mque sofreu o derrame Aloisio dirigia o congresso, eleito por seus pares.5 Como colaboradores de Aloisio Magalhães, foram relacionados cerca de 100 (cem) pessoas. Cf. SOUZALeite, João e TABORDA, Felipe. Aloisio Magalhães, a herança do olhar (2003, 276) a consultoria foi de suaviúva, Solange Magalhães e de sua filha Clarice Magalhães.

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Devo dizer que apresentei a cada um dos entrevistados uma única pergunta: "Como foi o seurelacionamento com Aloisio Magalhães?" querendo com isso obter o retrato fiel do relacionamentoque tiveram com ele. Em outras palavras, queria que os entrevistados "contassem tudo que sabiamsobre Aloisio". No entanto, a força da emoção, da sensibilidade, contida no que ouvia, não eramuitas vezes, passível de ser mostrada em palavras.

O trabalho de campo, para mim apresentado desde a minha pesquisa sobre a DenisonPropaganda, para a elaboração da dissertação de mestrado foi, para mim, um verdadeiro "rito deiniciação", isto é, me proporcionou buscar o outro, ao mesmo tempo tempo que me proporcionavadesfazer o estranhamento do desconhecido e passar a me conhecer melhor. Quando passei a estudara figura de Aloisio Magalhães, esse fato se repetiu, isto é, sentia-me como tendo transposto essesritos de passagem e me tornava, ao longo das entrevistas, familiarizada com o assunto. Estava pois,no meu entender, pronta para empreender essa pesquisa cujo objeto muito me interessava.

Logicamente achei que deveria começar pela pessoa que foi mais próxima dele, a sua viúvaSolange Magalhães. A ela e a sua filha Clarice devo inúmeros agradecimentos pela acolhida e pelosmuitos subsídios e orientações sobre quem procurar e endereços de pessoas que com eleconviveram, além de reproduções iconográficas de obras suas. Estas entrevistas foram realizadas noRio de Janeiro, como também a entrevista com Anna Letycia, gravadora, amiga e sócia na GravuraBrasileira/GB, galeria especializada em obras sobre papel, e as demais entrevistas feitas no Rio, queforam muitas. Fui ‘a Pernambuco em busca se sua juventude e seus estudos. Descobri um Aloísioentusiasta, empreendedor e muitos amigos e sua família ali representada pelo irmão Ageu deMagalhães. Mas eu buscava o designer e fui encontra-lo em depoimentos de seus aluos na ESDI ecolaboradores no Escritório de Design.

Este constituiu o segundo bloco de entrevistas, quando entrevistei Alexandre Wollner eGustavo Goebel Weyne, pioneiros que falaram sobre a criação da ESDI, Leonardo Visconti,Joaquim Redig de Campos, Sérgio Andrade, Roberto Verschleisser, Alberto Ferreira de Freitas,Arísio Rabin, João de Souza Leite, Rafael Rodrigues, Nair de Paula Soares, Washington DiasLessa, que foram seus alunos e alguns colaboradores mais tarde; eles estão relacionados no segundobloco de depoimentos, assim como Freddy van Camp, atual diretor da ESDI e Pedro Luiz Pereira deSouza, ex-diretor; finalmente consegui entrevistar o designer Gui Bonsiepe, ex-aluno da HfG-ULM(Hochschule für Gestaltung - Alemanha)6 , e seu colega de estudos Alexandre Wollner, queconviveram com Aloisio quando professores de design da ESDI. Essas entrevistas com os designerscariocas que com ele fundaram a ESDI, foram seus alunos ou trabalharam em seu escritório, muitome esclareceram através de depoimentos concisos e claros e me ajudaram a compor o perfil dessedesigner brasileiro. Seus alunos na ESDI dele falaram com emoção e admiração. Seus amigos,como o professor e designer Gustavo Goebel Weyne, com muito carinho. Todos são unânimes emdeclarar que o escritório funcionava como uma subsidiária da ESDI, como enfatizaram os designersJoaquim Redig de Campos e Washington Dias Lessa.

Considero essas entrevistas as fontes mais decisivas para os meus propósitos de pesquisa,pois só depois que começei a entrevistar as pessoas que com ele conviveram, a sua figura dedesigner realmente tomou forma concreta e se delineou para mim em toda a sua verdadeiragrandeza, pois até então a frieza dos periódicos e livros não me levara a alcançar a estatura éticadesse homem.

No direcionamento dessas entrevistas e na compreensão de sua importância foram-meespecialmente úteis os textos de Franco Ferrarotti em seu livro "Histoire et histoires de vie: lamethode b iografique dans les sciences sociales" assim como os ensinamentos de Max Weber emseus livros "Ensaios de sociologia" (1982) e "Metodologia das ciências sociais" (WEB, 2001) parachegar a uma interpretação dos depoimentos conseguidos.

Marieta de Moraes Ferreira, autora de literatura especializada em metodologia de pesquisa,enfatiza (1994, 9), que

O uso de entrevistas orais como fonte para pesquisas já era procedimento até certo ponto correnteentre cientistas sociais, mas antes não havia a preocupação de, a partir da relação entre depoente e

6 Escola Superior de Forma

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pesquisador, mediada por gravador, produzir documentos. A novidade dos programas de História Oraldo CPDOC e do Departamento de História da Universidade Federal de Santa Catarina foi exatamentecompor a constituição de acervos de depoimentos orais de História de Vida de representantes da elitepolítica brasileira.

Essas testemunhas, que eu consultei, constituíram uma fonte preciosa para a reconstituiçãodo corpus da vida profissional, privada e pública de Aloísio Magalhães.

O DesignerAloisio Magalhães manteve o seu escritório por cerca de 10 anos, e o que foi produzido

enquanto ele esteve à sua frente, marcou uma época.Por design, entendemos arte direcionada para uma meta, isto é, arte projetual. Por arte,

entendemos toda a sorte de produtos, frutos de um trabalho livre não direcionados para a finalidadeutilitária, desprovidos de visão extra-artística. A criação plástica é exercida e executada à vontadedo artista, como conseqüência de uma escolha estética pessoal, sem referências a destinatárioseventuais. Ela não está submetida a uma ligação com regras e conceitos propostos e adotados porum público externo. Essa distinção entre o artista e todo aquele que cria com a finalidade de ter seutrabalho aplicado sobre outro suporte que não uma tela ou parede, levou o público e os apreciadoresdas Belas Artes a considerarem secundária toda arte aplicada, aquela cujo caráter é determinadopara servir a um propósito determinado. Estão enquadrados nesta categoria o design de produto e odesign gráfico, assim como todas as artes gráficas, inclusive a ilustração.

André Villas Boas (1997, 23), explica como tal se dá:No Brasil, acompanhando uma convenção mundial determinada historicamente, o design gráfico éuma disciplina da comunicação visual, ou programação visual que, por sua vez é uma habilitação dodesenho industrial (a outra habilitação mais coerente é a de projeto de produto), um curso de nívelsuperior regulamentado pelo Ministério da Educação. A distinção entre comunicação visual e projetode produto é hoje uma questão recorrente dos estudos sobre design (...). Embora pertença a uma áreade conhecimento específica e mais ou menos consolidada enquanto campo intelectual, o design gráficoé essencialmente interdisciplinar, tendo estreita interface principalmente com a comunicação social, asartes plásticas e a arquitetura.

Essa discussão sobre a natureza do design gráfico tem sido abordada por teóricos elevada a fóruns apropriados como simpósios realizados por organizações de classe ou pelasrevistas especializadas. A designer Edna Lúcia Cunha Lima (1994, 21) assim se manifestasobre o assunto:

A investigação histórica em design no Brasil, ainda que iniciante, tem levantado algumas questões quetranscendem o seu campo de ação. A mais importante delas diz respeito à própria atitude conceitualdiante do que vem a ser design brasileiro.

Na verdade, o design, como é entendido hoje no Brasil, não desempenha um papel de arteaplicada secundária, e esse reconhecimento atual deve um grande tributo à atuação de AloisioMagalhães e de seu escritório. Certamente antes dele já se praticava design no Brasil, mas comcaracterísticas diferentes: no século dezenove Arnaud Pallière, o primeiro litógrafo a trabalhar noBrasil, provava como a maioria dos objetos gráficos poderia ser traduzida pela técnica que eledominava. Ilustrações de revistas, rótulos de bebidas, embalagens, tudo comunicava e tudo eratratado pela técnica litográfica7:

O francês Arnaud Pallière chegou ao Rio de Janeiro em 1917, a convite de D. João VI, trazendo seumaterial de litógrafo e atuando como pioneiro e professor dessa técnica no Brasil. Trabalhava paraparticulares, com fins comerciais, e foi o autor das primeiras etiquetas gravadas no país – criadas paraos pacotes de rapé Scarferlati.

7 Gráfica, arte e indústria no Brasil: 180 anos de história. Mário de Camargo (org). São Paulo: Bandeirantes(2003, 22)

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O artista plástico Eliseu Visconti, pintor, autor de peças de publicidade, cartazes, objetostridimensionais e objetos decorativos, também foi um dos precursores dessa atividade profissionalno Brasil

A afirmação de que devemos a Aloisio Magalhães a legitimação de um design comcaracterísticas brasileiras encontra fundamentos em muitos depoimentos, como o do crítico ehistoriador de arte Frederico de Morais 8 que se manifestou como se segue, no artigo publicadoapós a morte do nosso maior designer:

Aloisio Magalhães foi a imaginação no poder...E se não foi tempo perdido para ele, também não parece ter sido para o "nosso design" (...) Os jornaisdo país, ao anunciarem sua morte, insistiram na condição de artista plástico de Aloisio Magalhães. Istosoou um tanto estranho, considerando que ele foi tantas coisas simultaneamente, inclusive o nossomais conhecido graphic designer. Mas, pensando bem, o que marcou profundamente a sensibilidadede Aloisio foi mesmo as artes plásticas. Certa vez eu vi, na casa de um amigo pernambucano, umapequena paisagem que ele pintou com uns verdes muito bonitos. Vendo essa paisagem, anterior aosseus tempos do "Gráfico Amador", entendi a contribuição que ele deu ao nosso design, descontraindo-o, tornando-o menos rígido, menos suiço, alegre. Foi uma espécie de designer tropical, dando à cor,por exemplo, uma função altamente comunicativa. Caso de sua marca para a Petrobrás ou o símbolodo IV Centenário do Rio de Janeiro, que logo se tornou popular, reproduzido em cada muro da cidade,na calçada ou no barraco da favela. Sempre que podia, Aloisio puxava o design para o campo da arte,ou melhor, fazia-o mais brasileiro, ou encontrava tempo para dedicar-se à arte, aproveitando nela,também as lições do design. Seus Cartemas foram uma grande descoberta. Através da definição daslinhas de força de uma imagem padrão (a do cartão-postal) conseguia reciclar essa mesma imagemcom uma nova com uma nova carga informacional e, sobretudo, estética. Através desses Cartemas elereafirmava aquilo que cada cidade brasileira é de fato: São Paulo é dura, é Salvador é pictórica etc. (...)sempre que podia Aloisio puxava o design para o campo da arte.

Se relembrarmos a máxima as Bauhaus, aquilo que sempre foi defendido por seus professorese estudantes, veremos a visão de adequação que estava sempre presente, conforme Lucy Niemeyeratesta: “Na Bauhaus o fator estético, defendido por artistas e artesãos devia ser adequado àsnecessidades de crescimento da produção industrial” (NIEMEYER, 2000, 44). Foi essedesenvolvimento monstuoso das indústrias que motivou homens de visão a produzirem meios de secriar objetos, utensílios, móveis, etc. possuindo valor agregado, logo seguido pelo design gráfico.

A respeito do design gráfico no Brasil cito, mais uma vez, Edna Lúcia Cunha Lima (1994,22):

O desenvolvimento industrial criou possibilidades e demandas diferenciadas em cada setor do design.A indústria gráfica, no caso específico de programação visual, possibilitou, nos anos que antecedem oadvento do ensino do desenho industrial a ocorrência, em vários pontos do país, de experimentosrelevantes de projetos de livros como os publicados pelas editoras: Hipocampo, Amigos do Livro, OGráfico Amador. Estamos, nestes livros, diante de verdadeiros projetos gráficos contrastando com aprodução comercial da época, cuja dissociação entre capa/miolo/forma/conteúdo, levou a designer AnaLuísa Escorel a denominá-los de objetos sem projeto. Distantes vinte anos desta análise nós vemos, naslivrarias de hoje, o efeito benéfico do ensino do design gráfico com a gradual melhora dos projetos delivros que chegam até mesmo a requintes, como os de uma Companhia das Letras.

O interesse de intelectuais e artistas gráficos em produzirem publicações de qualidade,preocupando-se com a composição, imagem, texto, da forma como foi apresentada nos poucosvolumes do Gráfico Amador, veio desenvolver e aguçar o gosto do público, que se tornou maisexigente em relação ao livro. A imagem modifica-se, acompanhando a estética de sua época. Aprópria natureza do design é um fenômeno multinacional e interdisciplinar. As vanguardas artísticastiveram um impacto direto sobre a evolução do design no Brasil, com sua versão de produto, emmóveis projetados por arquitetos como Gregori Warchavchik e Flávio de Carvalho, ou em pintoresligados diretamente à Semana de Arte Moderna de 1922, em São Paulo, Anita Malfatti ou comoLazar Segall. Na área do design gráfico este impacto fez-se sentir mais objetivamente, pelaprodução de cartazes, rótulos de bebidas. O estilo gráfico tornou-se despojado, prenunciando o uso 8 MORAES, Frederico de. Aloisio Magalhães foi a imaginação no poder.Rio de Janeiro: O Globo (16/06/82)

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de módulos lineares, de formas claras, simples e cores primárias. Estudou-se o equilíbrio dasmassas e composição, sem esquecer da tipografia, que se tornou elemento formal.

O designer Pedro Luiz Pereira de Souza, tem opinião formada sobre Aloisio: “ele era umhomem do moderno, da questão do modernismo, herdeiro do próprio movimento de 22. Ele possuíaum caráter experimental que caracterizou a modernidade.” Outros já o classificam de maneiradiferente. O jornalista José Cordeiro9 publicando entrevista com Aloisio, trata o designer como o“Homem dos Símbolos”. Nessa reportagem é Aloisio mesmo quem afirma:

Nossa civilização é a civilização da imagem. A todo instante o cidadão das grandes cidades sofresolicitações visuais: os cartazes, os anúncios, os periódicos, os livros ilustrados. A televisão, e ocinema dominam seus habitantes impondo-lhes hábitos e gostos e hábitos. Por isso, acho que não temmais sentido o artista isolado, o artesão para poucos. A meu ver, o artista hoje, se realiza plenamentequando se transforma em programador visual, ou seja, num profissional que emprega recursostecnológicos e científicos para provocar receptividade visual na massa quando cria marcas de firmas,cartazes, símbolos, diagramação de livros e periódicos, etc. Só assim poderá o artista manter suasituação em nossa sociedade industrial. Repito: o desenhista industrial, o designer, atividade da qualfaz parte o programador visual, é o artista contemporâneo.

A arte atual vive um tempo de multiplicidade, tempo de contrastes, tempo de preocupações.Na categoria de delatores dos problemas, de acusadores do mal que o homem tem feito a si mesmo,aos seus irmãos e ao seu meio ambiente, se encontram o artista e o comunicador visual, o designer.Estes têm uma grande responsabilidade social, e o design traz uma resposta para as necessidades dasociedade e tem vida própria cada vez que lhe é dado espaço. Ele ocupa um contexto e correspondea intervenções que o profissional desse campo do conhecimento faz no seio da sociedade.

Cabe a essas duas categorias, o artista e o designer, o papel de "advogados do diabo", mas édelas, também, o papel de direcionar o gosto e a esperança do homem por um futuro melhor. É umpapel muito importante e talvez muitos deles ainda não se tenham dado conta disso. Cabe-lhesacusar, questionar, buscar, procurar respostas, mostrar o que é apropriado ou o que não deve serusado para assim, participar da melhoria da qualidade de vida .

Este papel foi magistralmente desempenhado por Aloisio Magalhães nessas duas categorias.Ele anteviu o mercado de trabalho ainda inexistente, para o pintor que se tornaria designer gráfico.Naquela época não havia no Brasil uma instituição que formasse este profissional. Assim, atrajetória de Aloisio Magalhães como designer incluiu uma etapa preparatória, ainda que fora docircuito acadêmico normal. Isso se deu nos Estados Unidos, quando onde ele foi visitar oPhiladelphia Museum School of Art, em 1956. Ele estava muito interessado neste museu, que teveorigem na grande exposição do centenário da independência em 1876. Interessado pelo museu esem conhecer a escola de arte, ele teve a oportunidade de conversar, na ocasião, com seu diretor E.M. Benson. Dessa conversa resultou um convite para retornar e permanecer dois meses comoprofessor convidado.

Ainda na Filadélfia, Aloisio descobriu, por acaso, a exposição de prints de Eugene Feldman,diretor da The Falcon Press . O advogado e professor Joaquim Falcão10, seu grande amigo até amorte, me disse que Aloisio era muito curioso, se interessando por tudo:

... a curiosidade era uma característica dele em tudo, ele era um camarada que, quando ele comia umprato, queria a receita. Então a curiosidade dele é que o leva a pesquisar a cultura brasileira, quer dizeressa vontade de conhecer era uma característica, e de conhecer “o outro”; ele também se conheciamuito bem, fez análise durante anos, então ele se conhecia muito bem e tinha essa curiosidade deconhecer “o outro.”

Essa curiosidade levou-o a procurar o autor dos impressos de que tanto tinha gostado, e desseconhecimento resultou uma grande amizade, e também o aprendizado ou, eu diria, as experiênciasem gráfica offset, e em design editorial. Esse contato com Eugene Feldman despertou o designer emtoda a sua plenitude, e resultou na publicação dos livros Doorway to Portuguese (1957) e Doorwayto Brasília (1959). Doorway to Portuguese foi idealizado por Aloisio empregando textos em 9 Revista Manchete 20/11/1966, p. 56 extraido no texto inédito de José Cláudio.10 Joaquim Falcão, me concedeu entrevista em 1 de outubro de 2003, na Fundação Getúlio Vargas.

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português, palavras ou frases soltas. Este foi o primeiro livro produzido na The Falcon Press eganhou três medalhas de ouro do Art Director´s Club da Filadélfia.

A viagem à América do Norte teve repercussões no Brasil. O jornal Correio Paulistano11

publicou o seguinte:

Pintor brasileiro realiza conferencias na Escola de Artes do museu FiladélfiaEncontra-se nos Estados Unidos realizando uma série de conferencias, sob o patrimônio da

Escola de Artes do Museu de Filadélfia, o pintor brasileiro Aloisio Magalhães. O artista estálecionando técnica de impressão em “offset” e trabalhando na confecção de um livro, intitulado“Doorway to Brasília”. (...)Aloisio Magalhães já expôs no Museu de Arte Moderna de Nova Iorquee nas galerias Aenlle e na União Pan-americana, em Washington. Sua ultima apresentação no Rioteve lugar em setembro do ano passado, quando expôs os seus quadros no Museu de ArteModerna.“Existe muita coisa em matéria de equipamento e de técnica que nós, brasileiros, podemosaprender nos Estados Unidos e, por outro lado, parece-me que há também alguma coisa que estamosem condições de ensinar” — declarou Aloisio Magalhães sobre os objetivos do trabalho a que sevem dedicado presentemente. “Os norte-americanos possuem conhecimentos atualizados domecanismo e métodos de trabalho. Mas ficam de tal maneira absorvidos nestes processos.

A partir de 1960 ele mantém um bem sucedido escritório de design no Rio de Janeiro. Esseescritório começou numa parceria com dois amigos, Artur Lício Pontual e Noronha. Era oMagalhães+Noronha+Pontual e funcionava no atelier de dois irmãos fotógrafos os Franceschi.

Essa foi uma opção que ele manteve durante dez anos. Ele anteviu, também como pintor, aameaça à identidade cultural e mesmo a sobrevivência física do homem brasileiro em perigo.Quando ganhou o concurso para o símbolo da Bienal de São Paulo, ele declarou12: "O desenhoindustrial é uma atividade recente, surgida após a guerra, e tornou-se a melhor forma para acomunicação visual".

O amigo designer João Leite13, que fez parte da equipe, em recente depoimento me relatoualguns casos interessantes da história do escritório de comunicação visual, PVDI, como a troca denomes. Essa troca de nomes também está explicada na página de abertura da brochura QualificaçãoTécnica da PVDI14 e reproduzida nos anexos.

Nessa mesma brochura podemos ler o seguinte sobre as origens do escritório de programaçãovisual:

AberturaPVDI começou como atividade profissional de Aloisio Magalhães, que de uma experiência em pinturae gráfica, voltou-se à solução dos emergentes problemas de manipulação da imagem, gerados pelaindustrialização brasileira que então – 1960 – se afirmava. A atividade se concentrou inicialmente empropor a organização da imagem gráfica através da foram visual ou da Gestalt, concretizadaprincipalmente no Símbolo ou na marca empresarial, a partir da qual se desenvolviam outros tipos detrabalho, particularmente impressos, embalagens e sistemas de sinalização para empresas einstituições em geral. A capacida de uso – programado e espontâneo - do Símbolo do QuartoCentenário da Cidade do Rio de Janeiro, como exemplo representativo no campo institucional (1965),assim como a capacidade informativa do Símbolo da Light, como exemplo representativo no campo

11 Matéria “Pintor brasileiro realiza conferencias na Escola de Artes do museu Filadélfia”, publicada noCorreio Paulistano/ São Paulo, em 29 de maio de 195912 O Jornal do Brasil, 15 de julho de 1965, idem13 João Leite me relatou durante entrevista realizada em sua casa no Rio de Janeiro: quando no Leme, oescritório era só Aloisio Magalhães Programação Visual (AMPV), quando ele vai para Botafogo é que eleacrescenta o Desenho Industrial (AMPVDI)e depois sai o AM e fica só o PVDI.” Mas o que acontece é queaquele momento é um momento de mudança de escala, depois vai acontecer outra mudança de escala, mas éaquele momento ali em 66 e 67 que ele sai do atelier quase individual, do estudo quase individual paraalguma coisa que necessitava de uma estrutura maio”. Ele enfatiza a generosidade de Aloisio ao declinar deseu nome em benefício do coletivo.14 Estas páginas estão reproduzidas nos anexos.

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comercial (1966), se afirmam claramente como soluções novas para problemas novos que enão seformulavam.

Este concurso acima referido, para o símbolo do 4o Centenário da Cidade do Rio de Janeiro,foi um dos que maior satisfação trouxeram ao seu criador, porque a solução de Aloisio caiu nogosto do público e sua imagem foi usada como decoração de biquinis, desenhada em calçadas,colocada em carrocinhas de ambulantes, transformada em desenhos de crianças, enfim, ele afirmaque “foi pensando no povo, na enorme gama de grupos sociais que compõem a Cidade de SãoSebastião que o símbolo foi concebido15”. Reproduzo aqui na íntegra o trecho publicado no livro deJoão Leite16:

Como se pôde ver adiante no tempo, a apropriação do símbolo por parte da população do Rio deJaneiro foi excepcional. A esse respeito nada melhor que o trecho de uma das crônicas de CarlosDrummond de Andrade, Imagens do Rio, que apresenta testemunhos definitivos quanto à validade dosímbolo criado por Aloisio: O primeiro é de Max Bense, teorizador eminente da arte de nosso tempo eprofessor da Universidade de Stuttgart, que vai reproduzi-lo na capa de seu próximo livro. O segundoé um ferreiro de Duque de Caxias, que o fundiu e pendurou à porta de sua oficina. Posso citar umterceiro, também concludente. Vi um garoto de cinco anos desenhando na areia da praia o símbolo deAloisio. Vinha a onda e acabava com o desenho, mas o garoto insistia em gravar ali a idéia dacomemoração que para ele seria outra coisa: talvez uma primeira forma da organização do mundo emlinhas inteligentes, bonitas, fáceis de fazer.

A Profa. Dra. Rosza Vel Zoladz produziu e fez o roteiro de um filme Super 8, “Invenções deum signo” depois transformado em vídeo pelo cineasta João Emanuel17, então muito jovem ainda.Nesse filme é mostrada a utilização, pela população, do símbolo do Quarto Centenário da Cidade doRio de Janeiro. A Profa.Rosza havia voltado da França, de férias em seus estudos para o doutoradoe pediu ao Cineasta Silvio Tendler para lhe explicar como fazer um filme. Comprou uma câmerasimples e filmou, junto com Edyala Iglesias e Márcia Jaimovitch o filme etnográfico sobre Alosio.A Profa.Rosza filmou as fotos que Aloisio lhe deu e gravou sua voz em casa, durante umdepoimento por ele concedido.

Em 1965, convidado por Max Bense, seu trabalho em design foi exposto na TechnischeHochscule, Stuttgart, Alemanha. Nesta exposição o Símbolo do quarto Centenário ganha destaque eé capa de livro de Bense.

Aloísio vence todos os concursos dos quais participa e recebe trabalhos dos mais variadostipos. Seus colaboradores são unânimes em afirmar que ele convencia todos os clientes, por maiscéticos que fossem

O escritório continua em expansão, chegando a ter cerca de 40 funcionários, segundo TherezaMiranda me informou em depoimento: executa trabalhos para bancos: Banco Central; Banco doBrasil, Grupo Boavista; Banco Mercantil de Pernambuco, e muitos outros; realiza trabalhos paraempresas de economia mista, e particulares de grande porte, como os laboratórios Maurício Vilela;Grupo Gerdau; Companhia Souza Cruz; as Estacas Franki, Nova América Tecidos; COBE;Companhia Construtora Bragança e muitas outras mais. A sinalização do Jardim Zoológico éentregue ao escritório em 1976; o Sistema de Sinalização de Trânsito para a Cidade do Rio deJaneiro em 1976; a Sinalização da Área de Lazer do Parque do Flamengo, em 1977; o Sistema deSinalização Interna e Externa para o Campus Universitário da então Universidade do Estado daGuanabara, hoje UERJ, em 1973; foram todas realizadas pela equipe sob o comando de Aloísio.Sistemas gráficos de identificação, que reúnem marca, papelaria, aplicações em frota de veículos,etc. foram feitos para a Petrobrás, 1970; Furnas Centrais Elétricas, 1972; Companhia de Gás de SãoPaulo/Comgás, 1971; para a Itaipu Binacional, em 1974; para a Comlurb,Companhia Municipal deLimpeza Urbana, em 1975; para o Riocentro, Centro Internacional da Riotur S.A,em 1977; para o

15 Cf. LEITE, João de Souza. A herança do olhar: o design de Aloisio Magalhães (2003:p. 175)16 idem.17 Hoje João Emanuel continua fazendo vídeos e é autor da novela “Da cor do pecado”, exibida recentementena TV Globo.

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Autódromo da Cidade do Rio de Janeiro em 1977; para a Embratur também em 1977; o Símbolo daLight, que é feito após concurso vencido por ele, o símbolo sendo criação dele mesmo18. Sãoinúmeros os trabalhos que o escritório realiza na década de setenta.

Em meados da década de 70 o nome do escritório muda mais uma vez e se transforma naPVDI, isso para atender a projetos em um âmbito mais amplo. Nair de Paula sores, já presentenaquela época, me contou as razões para essa mudança:

a mudança de nome, que eu acho que foi em 76, quando Aloisio não queria... daí você já tem um dadoque você... ele demonstra generosidade dele com as novas gerações: estava incomodando a ele dizer:ah! isso quem fez foi o Aloisio, foi o Aloisio. Inclusive, deu certos equívocos: que, na realidade o “foio Aloisio”, na realidade foi o escritório do Aloisio Magalhães, que se chamava Aloisio MagalhãesProgramação Visual e Desenho Industrial. E aí como Rafael e Joaquim já tinham amadurecido muitono drive do escritório - ele usava muito essa expressão... Quando ele avaliava as pessoas, ele dizia:“Fulano tem drive, Fulano não tem drive”. Era a pessoa que conseguia conduzir seu posto profissionalcom uma independência boa. E ele daí teve essa generosidade de neutralizar o nome do escritório efocando com essas duas atividades, ou seja, programação visual e desenho industrial. Daí a siglaPVDI.

Ele participou do concurso para um desenho novo para as notas do cruzeiro, e o venceu. Oconcurso foi instituído pelo Banco Central, por meio da Gerência do Meio Circulante, em virtude daReforma do Sistema Monetário Brasileiro. Essa vitória também lhe trouxe enorme prestígio e,embora ele tenha projetado outras notas, ficou conhecido como “o homem do barão”, por causa daefígie do Barão do Rio Branco estampada nas notas de dinheiro.

Todos os seus antigos alunos que eu entrevistei foram unânimes em afirmar que o escritóriofuncionava como uma espécie de sucursal da ESDI. Joaquim Redig de Campos foi seu sócio naPVDI e tem alguns textos publicados sobre Aloisio. Em entrevista a mim concedida, ele refletesobre o funcionamento do escritório:

Ele foi antes de tudo um mestre para mim, então claro que eu fui aluno dele, mas não na Escola, fuialuno dele no escritório. O escritório dele era uma escola, para mim era uma extensão da Escola, abiblioteca do Aloisio era excelente, a gente recebia as melhores publicações, a gente estudava, a gentelia, se correspondia com pessoas do mundo inteiro, então o escritório dele era uma Escola, fora o fatode que entrava muita gente e saia muito gente, era como se fosse uma escola mesmo. Sempreestagiários entrando e saindo, alguns ficando. E o escritório, sempre crescendo também ao longo dotempo, até eu sair de lá, eu sai de lá em oitenta e um, quer dizer, quando a gente desfez a sociedade. Eaté então, um ano antes, o escritório sempre crescendo, crescia, crescia...

No escritório, Aloisio usava sempre métodos didáticos. Em recente visita à PVDI, que aindaestá no mesmo endereço, à rua Mena Barreto 137, o seu diretor Rafael Rodrigues me mostrou afamosa parede, citada por muitos de meus depoentes, na qual eram pendurados os projetos emcurso, quando Aloisio comentava os projetos e mostrava soluções, caminhos a serem seguidos nodesenvolvimento dos mesmos.

As suas atividades de designer desenvolveram-se os durante dez anos em que ele esteve àfrente de seu escritório. Mesmo como homem público, político, ele não deixava de visitar seuescritório, embora já não o fizesse com a freqüência anterior. Desta forma, considera-se AloísioMagalhães, o designer cujo perfil de atuação procurou ser fiel às características da cultura brasileira.

Referências BibliográficasBOURDIEU, P. A ilusão biográfica. in AMADO, J.; Moraes Ferreira,M.de (org.). Usos e abusos da história

oral. 1998BRAGA, I. O caso da Denison: mutações recentes no campo da comunicação visual. Dissertação de

mestrado, Programa de Pós-Graduação da Escola de Belas Artes/UFRJ, Rio de Janeiro, 1998.LEITE, J.de S.(org.). A herança do olhar: o design de Aloisio Magalhães. Rio de Janeiro:

ARTVIVA/SENAC, 2003.FERRAROTTI, F. Histoire et histoires de vie, la methode biographique dans les sciences sociales. [traduit de

l'italien par Marianne Modack]Paris: Librairie des Méridiens, 1983.

18 Muitas dessas marcas estão reproduzidas nos anexos.

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LEWIS, O. Les enfants de Sanchez: autobiographie d'une famille mexicaine. France: Gallimard, 1972.LIMA E. L. C. Estudos em Design. Rio de Janeiro: AEND, 1994.MORAES, F.de. Cronologia das artes plásticas no Rio de Janeiro,1816-1994 , Rio de Janeiro: Top-books,

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Dissertação (Mestrado em Comunicação e Cultura) ECO/UFRJ, 1997WEBER, M. Ensaios de sociologia. (org.,introd. H. H. Gerth e C. Wrigth Mills) Rio de Janeiro: LTC, 1982.Metodologia das ciencias sociais. Parte 1 e parte 2 [trad. Augustin Wernet]. São Paulo: Cortez, 2001.