o perfil de mulheres vitimizadas e de seus agressores

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Rev. enferm. UERJ, Rio de Janeiro, 2008 jul/set; 16(3):307-12. p.307 Leôncio KL, Baldo PL, João VM, Biffi RG RESUMO: RESUMO: RESUMO: RESUMO: RESUMO: O objetivo da investigação foi analisar o perfil de mulheres vitimizadas e de seus agressores e as caracterís- ticas da violência sofrida. Foram revisados, neste estudo retrospectivo e documental, 446 boletins de ocorrência registrados em outubro e novembro de 2007, na Delegacia de Defesa da Mulher, em Ribeirão Preto — São Paulo. A violência física predominou com 200 (44,84%) casos; a separação conjugal foi o motivo desencadeante da agressão — 199 (44,62%); a residência foi o local mais freqüente da ocorrência — 343 (76%); o período de 1 a 15 dias para a denúncia se destacou — 244 (54%); o agressor mais identificado foi o parceiro — 219 (49,10%). A violência contra as mulheres deixa de envolver apenas questões pessoais e passa a representar questão de ordem político-social. Como problema de saúde pública, ela exige o preparo dos profissionais para seu enfrentamento, articulando ações preventivas e assistenciais humanizadas na perspectiva da atenção integral à mulher. Palavras-Chave: Palavras-Chave: Palavras-Chave: Palavras-Chave: Palavras-Chave: Violência contra a mulher; saúde da mulher; violência doméstica; violência na família. ABSTRACT ABSTRACT ABSTRACT ABSTRACT ABSTRACT: : : : : This investigation aims at analyzing the profile of victimized women and of their aggressors, the time elapsed between the aggression and the report, the type of violence at stake, the cause and place of the aggression, and the identification of the aggressor. The study is retrospective and documental and includes 446 police reports registered with the Women’s Defense Bureau of Ribeirão Preto, in the State of São Paulo, Brazil, in October and November, 2007. Physical violence predominated in 200 (44.84%) cases; the separation of the couple was the reason for unleashing the aggression in 199 (44.62%) cases; the home was reported to be the place with the highest rate of abuse - 343 (76%) cases; reporting occurred between 1 to 15 days after the aggression in 244 (54%) cases; and the partner proved to be the most common aggressor - 219 (49.10%) cases. In sum, violence against women is no longer a personal question but a political and social dilemma. As a public health issue, it requires the preparation of professionals to cope with it, articulating preventive actions and assistance for total support of women. Keywords: Keywords: Keywords: Keywords: Keywords: Violence against women; women´s health; domestic violence; violence in the family. RESUMEN: RESUMEN: RESUMEN: RESUMEN: RESUMEN: El objetivo de la investigación fue analizar el perfil de mujeres víctimas y de sus agresores y las características de la violencia sufrida. Se revisaron, en este estudio retrospectivo-documental, 446 partes policiales registradas en octubre y noviembre de 2007, en la Comisaría de Defensa de la Mujer, en Ribeirão Preto, interior del Estado de São Paulo- Brasil. La violencia física predominó con 200 (44,84%); la separación conyugal fue el motivo que llevó a la agresión 199 (44,62%); la residencia fue el local más frecuente del hecho - 343 (76%); el período de 1 a 15 días para la denuncia se destacó con 244 (54%); el agresor más identificado fue el compañero - 219 (49,10%). La violencia contra las mujeres deja de ser una cuestión personal y pasa a ser cuestión de orden político-social. Como problema de salud pública, ella exige preparación de los profesionales para su enfrentamiento, articulando acciones preventivas y asistenciales humanizadas en la perspectiva de la atención integral a la mujer. Palabras Clave: Palabras Clave: Palabras Clave: Palabras Clave: Palabras Clave: Violencia contra la mujer; salud de la mujer; violencia doméstica; violencia en la familia. O PERFIL DE MULHERES VITIMIZADAS E DE SEUS AGRESSORES PROFILE OF VICTIMIZED WOMEN AND OF THEIR AGGRESSORS PERFIL DE MUJERES VÍCTIMAS Y DE SUS AGRESORES Karla Lima Leôncio I Priscila Lapaz Baldo II Virgílio Malundo João III Raquel Gabrielli Biffi IV I Graduação em Enfermagem. Centro Universitário Barão de Mauá, Departamento de Enfermagem, Ribeirão Preto/SP II Graduação em Enfermagem. Centro Universitário Barão de Mauá, Departamento de Enfermagem, Ribeirão Preto/SP III Graduação em Enfermagem. Centro Universitário Barão de Mauá, Departamento de Enfermagem, Ribeirão Preto/SP. IV Doutora em Enfermagem em Saúde Pública pela Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto - USP. Professora do Centro Universitário Barão de Mauá, Departamento de Enfermagem, Ribeirão Preto/SP. Email: [email protected]. Artigos de Artigos de Artigos de Artigos de Artigos de Pesquisa Pesquisa Pesquisa Pesquisa Pesquisa I NTRODUÇÃO A relação entre homens e mulheres tem mostra- do caráter de dominação, sendo designado à mulher a condição de submissão, retratada em obediência, reprodução, fidelidade, cuidadora do lar e da educa- ção dos filhos. Os papéis destinados à mulher foram ao longo dos anos naturalizando-se, apresentando

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Sobre a violência contra as mulheres

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Rev. enferm. UERJ, Rio de Janeiro, 2008 jul/set; 16(3):307-12. • p.307

Leôncio KL, Baldo PL, João VM, Biffi RG

RESUMO: RESUMO: RESUMO: RESUMO: RESUMO: O objetivo da investigação foi analisar o perfil de mulheres vitimizadas e de seus agressores e as caracterís-ticas da violência sofrida. Foram revisados, neste estudo retrospectivo e documental, 446 boletins de ocorrência registradosem outubro e novembro de 2007, na Delegacia de Defesa da Mulher, em Ribeirão Preto — São Paulo. A violência físicapredominou com 200 (44,84%) casos; a separação conjugal foi o motivo desencadeante da agressão — 199 (44,62%);a residência foi o local mais freqüente da ocorrência — 343 (76%); o período de 1 a 15 dias para a denúncia se destacou— 244 (54%); o agressor mais identificado foi o parceiro — 219 (49,10%). A violência contra as mulheres deixa deenvolver apenas questões pessoais e passa a representar questão de ordem político-social. Como problema de saúdepública, ela exige o preparo dos profissionais para seu enfrentamento, articulando ações preventivas e assistenciaishumanizadas na perspectiva da atenção integral à mulher.Palavras-Chave: Palavras-Chave: Palavras-Chave: Palavras-Chave: Palavras-Chave: Violência contra a mulher; saúde da mulher; violência doméstica; violência na família.

ABSTRACTABSTRACTABSTRACTABSTRACTABSTRACT: : : : : This investigation aims at analyzing the profile of victimized women and of their aggressors, the timeelapsed between the aggression and the report, the type of violence at stake, the cause and place of the aggression, andthe identification of the aggressor. The study is retrospective and documental and includes 446 police reports registeredwith the Women’s Defense Bureau of Ribeirão Preto, in the State of São Paulo, Brazil, in October and November, 2007.Physical violence predominated in 200 (44.84%) cases; the separation of the couple was the reason for unleashing theaggression in 199 (44.62%) cases; the home was reported to be the place with the highest rate of abuse - 343 (76%) cases;reporting occurred between 1 to 15 days after the aggression in 244 (54%) cases; and the partner proved to be the mostcommon aggressor - 219 (49.10%) cases. In sum, violence against women is no longer a personal question but a politicaland social dilemma. As a public health issue, it requires the preparation of professionals to cope with it, articulatingpreventive actions and assistance for total support of women.Keywords: Keywords: Keywords: Keywords: Keywords: Violence against women; women´s health; domestic violence; violence in the family.

RESUMEN:RESUMEN:RESUMEN:RESUMEN:RESUMEN: El objetivo de la investigación fue analizar el perfil de mujeres víctimas y de sus agresores y las característicasde la violencia sufrida. Se revisaron, en este estudio retrospectivo-documental, 446 partes policiales registradas enoctubre y noviembre de 2007, en la Comisaría de Defensa de la Mujer, en Ribeirão Preto, interior del Estado de São Paulo-Brasil. La violencia física predominó con 200 (44,84%); la separación conyugal fue el motivo que llevó a la agresión 199(44,62%); la residencia fue el local más frecuente del hecho - 343 (76%); el período de 1 a 15 días para la denuncia sedestacó con 244 (54%); el agresor más identificado fue el compañero - 219 (49,10%). La violencia contra las mujeres dejade ser una cuestión personal y pasa a ser cuestión de orden político-social. Como problema de salud pública, ella exigepreparación de los profesionales para su enfrentamiento, articulando acciones preventivas y asistenciales humanizadasen la perspectiva de la atención integral a la mujer.Palabras Clave: Palabras Clave: Palabras Clave: Palabras Clave: Palabras Clave: Violencia contra la mujer; salud de la mujer; violencia doméstica; violencia en la familia.

O PERFIL DE MULHERES VITIMIZADAS E DE SEUS AGRESSORES

PROFILE OF VICTIMIZED WOMEN AND OF THEIR AGGRESSORS

PERFIL DE MUJERES VÍCTIMAS Y DE SUS AGRESORES

Karla Lima LeôncioI

Priscila Lapaz BaldoII

Virgílio Malundo JoãoIII

Raquel Gabrielli BiffiIV

IGraduação em Enfermagem. Centro Universitário Barão de Mauá, Departamento de Enfermagem, Ribeirão Preto/SPIIGraduação em Enfermagem. Centro Universitário Barão de Mauá, Departamento de Enfermagem, Ribeirão Preto/SPIIIGraduação em Enfermagem. Centro Universitário Barão de Mauá, Departamento de Enfermagem, Ribeirão Preto/SP.IVDoutora em Enfermagem em Saúde Pública pela Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto - USP. Professora do Centro Universitário Barão de Mauá,Departamento de Enfermagem, Ribeirão Preto/SP. Email: [email protected].

Artigos deArtigos deArtigos deArtigos deArtigos dePe squ i s aPe squ i s aPe squ i s aPe squ i s aPe squ i s a

INTRODUÇÃO

A relação entre homens e mulheres tem mostra-do caráter de dominação, sendo designado à mulhera condição de submissão, retratada em obediência,

reprodução, fidelidade, cuidadora do lar e da educa-ção dos filhos. Os papéis destinados à mulher foramao longo dos anos naturalizando-se, apresentando

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Mulheres vitimizadas e seus agressores

as mesmas características, de tal modo que nascer, vi-ver e morrer em situação de submissão tem se confi-gurado de forma comum na maioria das sociedades1.

Ao longo das décadas de 60 e 70 do século pas-sado, feministas de classe média, militantes políticascontra a ditadura militar e intelectual foram se so-mando a sindicalista e trabalhadores de diferentes se-tores, que se aglutinaram a uma série de grupos queatuaram cotidianamente a favor dos direitos por me-lhores condições de vida e igualdade de direitos entrehomens e mulheres. As feministas buscavam no mo-vimento a defesa de suas vidas e a mudança do Códi-go Civil de 1916, que alegava que a mulher deveriater a autorização do seu marido para trabalhar e pro-teger a família mesmo sendo pobre. Em relação aocasamento, via-se como necessidade retirar dele a ro-mântica união por amor substituindo-a pelo amor ci-vilizado, dotado de razão, excluindo a paixão, respon-sável pelos ciúmes passionais sangüinários2.

A violência contra a mulher só encontrou es-paço na agenda da saúde pública no final dos anos80 do século passado. Sua inclusão como problemade saúde fundamenta-se no fato de as mortes e trau-mas ocorridos por causas violentas virem aumentan-do a passos alarmantes nas regiões das Américas e,por isso, é considerada uma das principais áreastemáticas dos estudos feministas no Brasil3.

Com base no exposto, viu-se a necessidade derealizar uma investigação nos boletins de ocorrên-cia de mulheres vitimizadas pela violência para res-ponder as seguintes questões: Qual o perfil das mu-lheres que sofreram algum tipo de violência e de seusagressores? Quais as características das agressões?

A investigação é relevante para o reconheci-mento da população feminina vitimizada, bem comoas características das agressões e seus agressores, vi-sando ao estudo desse fenômeno e seu enfrentamento.

Portanto, o objetivo deste estudo foi analisar operfil das mulheres vitimizadas e seus agressores e ascaracterísticas da violência sofrida, mediante os re-gistros dos boletins de ocorrência da Delegacia dePolícia de Defesa da Mulher (DDM).

REFERENCIAL TEÓRICO

As políticas sociais voltadas para as mulheresno Brasil são lutas históricas dos movimentos femi-nistas, que deram um outro olhar à impunidade, sa-bendo que até a década de 80 do século passado eradifícil uma política pública voltada ao direito damulher4.

Para fazer frente às demandas de igualdade degênero, foi criado, em 1983, o primeiro ConselhoEstadual da Condição Feminina em São Paulo, e em1985 criou-se a primeira Delegacia de Defesa daMulher2 (DDM).

Com a criação das DDM, o quadro começou aser alterado; porém, em alguns locais, os serviçosnessas delegacias eram prestados por mulheres quehaviam sido criadas em culturas machistas e agiamde acordo com tais padrões. Foram necessários mui-tos treinamentos e conscientização para formar pro-fissionais (mulheres e homens) que entendessem quemeninas e mulheres tinham o direito de não aceitara violência cometida por pais, padrastos, maridos,companheiros e outros2

.

A violência é um dos eternos problemas da te-oria social e da prática política e relacional da hu-manidade. O que melhor explica tal processo de so-cialização é que nós, seres humanos, nascemos ma-chos e fêmeas e, diante do processo ideológico, nostornamos homens e mulheres aprendendo e adotan-do estereótipos na sociedade3,4.

A violência contra a mulher representa umarelação de forças que convertem as diferenças entreos sexos em desigualdade social, constituindo umamaneira pela qual os homens exercem controle so-bre as mulheres, sendo que a própria sociedade équem atribui status diferente para homens e mulhe-res e a própria sociedade3,5,6.

Em muitos países é mais freqüente a prevalênciacultural masculina e, muito menor, as culturas quebuscam soluções igualitárias para as diferenças degênero2. A violência de gênero ou contra a mulheracontece em praticamente todos os países com osmais diversos regimes políticos e econômicos6.

A violência é um fenômeno extremamentecomplexo com raízes profundas nas relações de po-der baseados no gênero, na sexualidade, na auto-identidade e nas instituições sociais e que, em mui-tas sociedades, o direito masculino de dominar amulher é considerado a essência da masculinidade7.

Os costumes e as tradições encobrem certaspráticas de violência que, em determinados locais,são até considerados normais. Age-se como se a de-sigualdade fosse uma norma estabelecida pela natu-reza da sociedade8.

A Assembléia Geral das Nações Unidas consi-dera a violência contra a mulher como qualquer atode violência de gênero que resulte, ou tenha proba-bilidade de resultar em prejuízo físico, sexual ou psi-cológico, ou ainda sofrimento para as mulheres, in-

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cluindo ameaça da prática de tais atos, a coação e aprivação da liberdade, tanto na esfera pública quan-to na privada9.

A violência contra a mulher é vista como umconjunto de comportamentos deliberados, autoritá-rios e impositivos, repetidos e progressivos, que semanifesta através de ameaças e agressões verbais oufísicas contra as mulheres, podendo ocorrer de vári-as formas4.

Assim, constata-se que a violência contra amulher é um problema complexo de ordem social,político, cultural, conjugal e emocional que refletediretamente no processo saúde/doença de mulheresexpondo-as a padrões distintos de sofrimento,adoecimento e morte.

METODOLOGIA

Foi realizado estudo do tipo análise documental,retrospectivo, de abordagem quantitativa. A pesqui-sa documental10 caracteriza-se como uma fonte decoleta de dados restrita a documentos, escritos ou não,constituindo o que se denomina de fontes primárias.

A investigação foi desenvolvida na DDM dacidade de Ribeirão Preto, no interior do Estado deSão Paulo. Suas atividades foram iniciadas em 30 dejaneiro de 1986, pelo Decreto nº 24.669/86, e amesma é especializada no atendimento às mulheresvítimas de violência, de toda e qualquer forma deagressão. São registrados em torno de 250 a 300 ocor-rências ao mês. Pesquisas4-11 mostram que os núme-ros de casos registrados nessa delegacia não refletema totalidade das agressões.

Essa DDM recebe apoio da Delegacia de In-vestigações Gerais (DIG), em casos que precisem deprisão em flagrante, nos finais de semana e de ma-drugada.

Foram analisados 446 boletins de ocorrênciaregistrados nos meses de outubro e novembro de2006. Tais boletins foram selecionados, ao acaso,pois, de acordo com a Delegacia de Defesa da Mu-lher, é grande a demanda pelo serviço, todos os me-ses do ano.

Os dados foram coletados mediante autoriza-ção do Delegado Seccional e da Delegada da DDMdo município estudado, e do Comitê de Ética emPesquisa do Centro Universitário Barão de Mauá,atendendo às normas regulamentares para o desen-volvimento de pesquisa com seres humanos, de acor-do com a Resolução nº 196/96, do Conselho Naci-onal de Saúde do Ministério da Saúde. Foi mantido

o sigilo das informações contidas nos boletins deocorrência.

Esses documentos continham informaçõesquanto ao perfil da vítima e seu agressor e dados sig-nificativos das agressões, os quais permitiram o de-senvolvimento do trabalho.

Em razão da ausência de um programainformatizado para registro de informações contidasnos processos, permaneceu-se em uma sala, ofereci-da pela Delegada do campo em estudo, para que osdados coletados fossem compilados manualmente,os quais são discutidos e analisados à luz doreferencial teórico que aborda o tema.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Das informações dos 446 boletins de ocorrênciainvestigados, referentes às denúncias de outubro enovembro de 2006, houve predomínio das mulheresde faixa etária acima de 35 anos — 152 (34,08%);quanto à etnia, a maioria era da raça branca — 338(75,78%); e quase a metade das vitimas era solteira— 197 (44,17%). Quanto à ocupação das mulheres,262 (58,74%) exerciam algum tipo de trabalho re-munerado formal ou informal e 166 (37,22%) possu-íam o ensino fundamental completo.

Em relação ao perfil do agressor, predominou afaixa etária acima de 35 anos — 183 (41,03%), sen-do a maioria pertencente à raça branca - 303(67,94%); o trabalho remunerado formal foi o maisidentificado entre eles - 164 (36,77%); e 61 (13,68%)tinham o ensino fundamental completo.

Este estudo mostrou que 244 (54,71%) dasmulheres agredidas demoraram de 1 a 15 dias entrea agressão e o tempo da denúncia formal na DDM,e 188 (42,15%) registraram a ocorrência no mesmodia. Apesar de ter sido identificado que as denúnci-as foram realizadas logo após a agressão, é importan-te lembrar que a decisão da denúncia nem sempre éimediata à primeira agressão.

Um estudo12 sobre violência contra a mulher,realizado em um Centro de Atendimento no interi-or do Paraná (PR), identificou que 33% das mulhe-res sofreram agressões por um período de até 1 ano,e uma proporção de 20,4% dos casos referia que vi-nham sofrendo agressões há mais de 10 anos até to-marem a decisão de denunciar o agressor.

Mesmo as mulheres que tomaram a atitude dedenunciar seus companheiros, muitas acabavam de-sistindo de manter a denúncia diante das promessasdo companheiro de não mais agredi-las, da falta de

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Mulheres vitimizadas e seus agressores

perspectiva e de condições materiais para um reco-meço, da vergonha e da falta de apoio da família eda sociedade, acabavam acreditando numa possívelreconciliação, o que gera o processo chamado derotinização da violência12.

Essa naturalização da violência contra a mu-lher pode ser encontrada em pesquisas realizadas empaíses emergentes, mostrando que as mulheres, emsua maioria, compactuam com a idéia da disciplinaexercida pelo homem, concordando, inclusive, como uso da força física caso seja necessário aplicá-la.Isto se traduz na obediência e submissão da mulhere na legitimação do direito do homem sobre ela.

Quanto ao tipo de violência, constatou-se quea violência física se destacou com 200 (44,84%) ca-sos; a violência verbal, 188 (42,15%); a psicológica,40 (8,97%); a sexual, 12 (2,69%); e a social, 6(1,35%).

A violência física é a mais identificada pelasmulheres13 e muitas vezes é acompanhada de estu-pro14. A violência doméstica se encontra envolta embrigas, empurrões, ofensas, humilhações e vergonha.Há uma constatação factual de que as marcas físicassão, principalmente, as mais encontradas. Entretan-to, deixam transparecer efeitos negativos na saúdemental dessas mulheres, principalmente pela humi-lhação, sofrimento e vergonha que afetam sua auto-estima e definem sua relação para com o outro1.

A violência pode ter inicício de forma lenta esilenciosa, que progride em intensidade e conseqü-ências. O autor de violência, em suas primeiras ma-nifestações, não lança mão de agressões físicas, masparte para o cerceamento da liberdade individual davítima, avançando para o constrangimento e humi-lhação. Com o passar do tempo, as atitudes doagressor mudam, tornando-se mais evidentes, masainda sutis. Então, a violência psicológica domésti-ca passa a manifestar-se verbalmente, com humilha-ções privadas ou públicas, exposição à situaçãovexatória, como no caso de ridicularizar o corpo davítima, chamando-a por apelidos ou característicasque lhe causam sofrimento15.

Os maus-tratos infligidos à mulher repercutemem perdas significativas na saúde física, sexual, psi-cológica e social, sendo necessário seu encaminha-mento a serviços de redes de apoio para oenfrentamentos desses problemas e melhoria de suaqualidade de vida. A mulher vitimizada evita de-nunciar e se isola dos sistemas de apoio, o que a tor-na ainda mais dependente do seu agressor. Os atosde violência representam, para a saúde da mulher,uma carga negativa semelhante ao HIV, às doenças

cardiovasculares, aos cânceres e à tuberculose. Asconseqüências dos agravos na vida da mulher sãomarcadas pela baixa auto-estima, pelo medo, peloisolamento social e sentimento de culpa16.

Surge com maior freqüência o sentimento detemor que paralisa e impede a mulher de buscarajuda, e, invariavelmente, a atitude de encobrir oabuso, minimizando a situação de violência em fun-ção de fatores como medo, falta de informação ede consciência sobre o que constitui realmente vi-olência, e ainda pelo desejo de crer que o parceironão seja tão mau.

O presente estudo mostrou que as agressõescontra as mulheres foram mais freqüentes em suaspróprias residências — 343 (76,91%) casos.

A literatura9,11-15 mostra que mais de 90% de atosde violência contra as mulheres ocorrem em ambi-ente doméstico. Esse local é o mais escolhido por serresguardado da interferência de outras pessoas, alémdo agressor contar com o medo e a vergonha damulher em denunciá-lo. Isso também acontece gra-ças à cumplicidade e indiferença da sociedade paracom a violência que ocorre no interior da família eque, muitas vezes, acaba por se constituir em um es-paço de arbítrio e violência. Essa naturalização eprivatização da violência, muitas vezes legitimadapor uma ordem patriarcal de organização familiar,dificulta uma atitude de resistência e ruptura por parteda mulher com essa situação.

O motivo que mais se destacou comodesencadeante da agressão foi a recusa da separaçãoconjugal, com 199 (44,62%) denúncias, seguida deoutros motivos como bebidas/drogas, com 89(19,96%) e ciúmes, com 64 (14,35%).

Quanto ao agressor, foi observado, nos bole-tins de ocorrência investigados, que os parceiros sãoos principais denunciados, sendo responsáveis por219 (49,10%) casos, seguidos de ex-parceiros, com81 (18,16%) ocorrências.

Os parceiros são os grandes responsáveis pelaviolência contra a mulher; a interrupção do matri-mônio tem sido motivo de grandes desavenças en-tre o casal, deixando marcas que nem sempre sãovisíveis, e não são facilmente diagnosticadas, muitasvezes se confundem com outros sintomas, mas quesão de caráter intenso, duradouros e subjetivos. Asubjetividade desses sintomas só se torna aparentequando são verbalizadas por quem os sente7,11,13.

Segundo estimativas do Banco Mundial, umamulher tem maior probabilidade de ser espancada,violada ou assassinada pelo seu parceiro atual ouanterior que por um estranho. A agressão praticada

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pelo parceiro íntimo constitui a forma mais endêmicade violência contra a mulher, porém ela não é legiti-mada como tal, sendo muitas vezes aceita como fe-nômeno cultural1. Assim, certos costumes e normasda sociedade que aceitam a violência exercida con-tra mulheres, como forma de ação disciplinar sobreesposas e filhas, reforçam padrões de comportamen-to de submissão e isolamento social17.

CONCLUSÃO

A violência contra a mulher não é um fenôme-no atual, e sim um acontecimento trazido cultural-mente nas relações de gênero, que define as diferen-ças entre homens e mulheres. Essas diferenças entreos dois sexos são delimitadas tanto no campo de atu-ação quanto nas leis elaboradas pelo próprio ser hu-mano que deixa claro as desigualdades entre eles.Os atos de violência praticados pelos agressores con-tra as vítimas deixam de envolver apenas questõespessoais e passam a representar questões políticas,culturais e de ordem social.

O estudo mostrou que as agressões contra amulher estão ocultas nos lares e exercidas pelos seuscompanheiros, em sua maioria, sob as mais diversasformas de violência.

Esse fato pode ser ainda agravado por pressõessociais, como vergonha de denunciar, falta de aces-so da mulher à informação jurídica, à assistência e àproteção, falta de meios educacionais e de outrasformas de combater as causas e as conseqüências daviolência6.

A complexidade que envolve as questões da vi-olência contra a mulher exige ações e articulações desegurança pública, assistência social, saúde/educação,planejamento e justiça, como uma ação conjugadapara modificar a cultura da subordinação de gênero.Apesar dos avanços obtidos do reconhecimento des-sa problemática, no âmbito do poder público, as in-tervenções ainda estão mais associadas às áreas de se-gurança pública e assistência social. Na área de saú-de, embora o tema venha conquistando espaço emestudos e pesquisas, ainda são poucos os serviços or-ganizados para atender os casos de violência12.

É importante que os casos de violência contraa mulher sejam reconhecidos como problema de saú-de, preparo dos profissionais para uma comunicaçãoefetiva com as mulheres que vivenciam essa situa-ção, articulação coordenada entre diferentes áreasde atuação e desenvolvimento de ações preventivase assistenciais humanizadas na perspectiva da aten-ção integral à mulher.

Vale ressaltar que uma das maiores dificuldadesdas mulheres que vivem em situação de violência éromper com a rotinização das agressões. Vários moti-vos levam a esse fracasso ou facilitação do problema;este caminho truncado de busca de alternativas foinomeado como rota crítica por pesquisadores da Or-ganização Panamericana de Saúde, e está repleto dedesencontros, desestímulos e falta de acesso a delega-cias, advogados e outras instituições. Estando na rotada maioria das mulheres, que por um motivo ou outroutilizam os serviços de saúde, esses têm o dever deconstituir-se como um local de acolhimento e elabo-ração de projetos de apoio, ao invés de ser mais umobstáculo na tentativa empreendida pelas mulheresde transformar a realidade cruel que as subjuga18.

Outras iniciativas podem ser adotadas para com-bater esse quadro de violência contra a mulher, comoa inserção da temática nas instituições de ensino, oque poderá permitir a ampliação das discussões sobreo assunto e a mudança na conduta dos futuros profis-sionais que poderão prestar atendimento à vitima 19,20.

REFERÊNCIAS

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Mulheres vitimizadas e seus agressores

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Recebido em 07.04.2008Aprovado em 20.06.2008