o pensamento económico colonial de antónio lobo almada negreiros : (1868-1939)

Upload: lisboa24

Post on 10-Apr-2018

221 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • 8/8/2019 O pensamento econmico colonial de Antnio Lobo Almada Negreiros : (1868-1939)

    1/136

    Carmen Pacheco

    O PENSAMENTO ECONMICO COLONIAL

    DE ANTNIO LOBO ALMADA NEGREIROS

    (1868-1939)

    FACULDADE DE LETRAS DA UNIVERSIDADE DO PORTO

    2004

  • 8/8/2019 O pensamento econmico colonial de Antnio Lobo Almada Negreiros : (1868-1939)

    2/136

    Carmen Pacheco

    O PENSAMENTO ECONMICO COLONIAL

    DE ANTNIO LOBO ALMADA NEGREIROS

    (1868-1939)

    DISSERTAO DE MESTRADO EM ESTUDOS AFRICANOS

    ORIENTADOR: PROF. IVO CARNEIRO DE SOUSA

    FACULDADE DE LETRAS DA UNIVERSIDADE DO PORTO

    2004

  • 8/8/2019 O pensamento econmico colonial de Antnio Lobo Almada Negreiros : (1868-1939)

    3/136

    Le Portugal peut inscrire la devise magnanime de sa

    mthode colonisatrice dans la phrase historique

    d^un de ses hommes d'Etat les plus minents - le

    marquis de Pombal : Doucement, pour aller vite.

    Les pas lents, mais fermes, que les portugais ont

    faits dans leurs colonies, y laisserontd"ternelles traces. Presque sans soldats et sans

    combats, le Portugal a atteint,

    l^aube du sicle actuel, un degr de prosprit

    coloniale

    guvaucun autre pays ne saurait surpasser.

    (Antnio Lobo de Almada Negreiros, Colonies Portugaises -

    Les Organismes Politiques Indignes, Paris, 1910, p. 37)

    3

  • 8/8/2019 O pensamento econmico colonial de Antnio Lobo Almada Negreiros : (1868-1939)

    4/136

    I. INTRODUO

    4

  • 8/8/2019 O pensamento econmico colonial de Antnio Lobo Almada Negreiros : (1868-1939)

    5/136

    Nas dcadas finais do sculo XIX e no comeo do sculo XX, a economia portuguesa

    atravessou vrias dificuldades, sofrendo tanto o impacto da especulao financeira como o

    demorado atraso na modernizao dos sectores directamente produtivos. Estes e vrios outros

    factores foram atraindo algumas publicaes e estudos econmicos, frequentemente pautados pela

    busca de pragmatismos bebidos em autores estrangeiros, perseguindo os optimismos do

    desenvolvimento tcnico, mas tambm perdendo-se nas mais simplistas observaes comuns . A

    multiplicidade de correntes de pensamento, propostas e programas de reforma econmicas organiza

    a histria do pensamento econmico portugus na viragem para novecentos e vai comeando, ainda

    que timidamente, a construir um pensamento econmico que passa a incluir tambm as colnias

    portuguesas de Africa nas preocupaes mais gerais de desenvolver um pas cada vez mais

    mergulhado nos fenmenos contemporneos de concorrncia colonial e de expanso do

    colonialismo europeu. Recordem-se, por isso, em termos panormicos alguns autores e obras mais

    marcantes que permitem sumariar este itinerrio que, sobretudo debruado sobre temas do Portugal

    metropolitano, acabar por produzir doutrina e aco sobre o mundo colonial.

    Antnio de Oliveira Marreca (1805-1889) aparece como um dos primeiros pensadores

    econmicos deste perodo finissecular, uma espcie de fundador de uma coleco variada de debates

    econmicos contemporneos. Defensor do livre-cambismo, da formao de uma classe mdia rural

    com o predomnio da pequena e mdia propriedades, os seus estudos sublinham tambm o interesse

    da pequena e mdia indstria, ideias que assumidamente retirara das leituras habituais de Adam

    Smith, Say e Ricardo.2 A esta gerao com interesse pelos temas econmicos pertence tambm Jos

    Joaquim Rodrigues de Freitas (1840-1896), destacando-se na anlise da crise financeira e bancria

    de 1876 para afirmar o valor do trabalho, as vantagens da maquinofactura e do progresso industrial,

    defendendo uma nova diviso do trabalho em que o progresso econmico estaria centrado no

    desenvolvimento tecnolgico, visitando mesmo bastante criticamente as frmulas clssicas tanto de

    Stuart Mill como do populacionismo de Robert Malthus . Pertence ainda a este debate disperso e

    multifacetado a obra de Anselmo de Andrade que, em ttulos como A Terra, visita uma renovada

    1 BASTIEN, Carlos, A Diviso da Histria do Pensamento Econmico Portugus em Perodos, Documento de Trabalhon 16, Lisboa, GHES - Gabinete de Histria Econmica e Social, Instituto Superior de Economia e Gesto,Universidade Tcnica de Lisboa, 2000, p. 16.2 CASTRO, Armando de, O Pensamento Econmico no Portugal Moderno, Lisboa, Biblioteca Breve, 1980, p. 100-101.3 CASTRO, Ob. Cit., p. 102.

    5

  • 8/8/2019 O pensamento econmico colonial de Antnio Lobo Almada Negreiros : (1868-1939)

    6/136

    ideia de economia nacional . A esta multiplicidade tantas vezes contraditria de debates econmicos

    convm mesmo aditar as posies que, entre histria, ensasmo e prefigurao das modernas

    cincias sociais, se devem inteligncia de Joaquim Pedro de Oliveira Martins (1845-1894),

    revelando preocupaes com as questes monetrias, bancrias e financeiras, mas preferindoanalisar aspectos econmicos concretos do pas, utilizando amide o mtodo comparativo quando

    destacava o que sucedia nas outras economias, assumindo esse estranho socialismo catedrtico

    sublinhando uma limitada interveno do Estado nos jogos do mercado5. Oliveira Martins marca,

    porm, uma certa transio no interesse pelo estudo geral do mundo colonial portugus, incluindo

    algumas reflexes econmicas que se podem frequentar em textos clebres como esse ttulo de 1881

    sobre O Brasil e as Colnias portuguesas6. De qualquer forma, trata-se de autores e publicaes

    que acolhem compsitas inspiraes, estendendo-se do acolhimento do liberalismo econmico sprimeiras recenses de um socialismo espalhado entre utopias e cooperativismo, assim se formando,

    na expresso inteligente de Carlos Bastien, uma multiplicidade de terceiras vias , no deixando de

    destacar as dificuldades de anlise de um pensamento econmico ainda no suficientemente

    autonomizado, tantas vezes perdido entre militncias polticas e redenes nacionais.

    As colnias portuguesas no ficaram alheias a esta fase do pensamento econmico portugus

    e, apesar da escassez de estudos prprios sobre os seus problemas econmicos, podem recensear-se

    alguns autores e ttulos que, integrando frequentemente a economia colonial em indagaes mais

    amplas nos campos da histria e das sociedades coloniais, permitem um levantamento bibliogrfico

    com algumas dezenas de entradas. Situando-nos no nosso caso de estudo em torno da Africa

    Colonial portuguesa, durante a segunda metade do sculo XIX e incio do sculo XX, visitem-se

    brevemente alguns dos autores mais significativos e as suas obras, entre formatos de estudos,

    monografias e simples relatrios. A abrir, seguindo uma ordem cronolgica, distingue-se Jos Maria

    de Sousa Monteiro, secretrio do Governo-geral de Cabo Verde, publicando em 1850 um

    4 Bastien, Carlos - A Diviso da Histria do Pensamento Econmico Portugus em Perodos, Documento de Trabalhon 16, Lisboa, GHES - Gabinete de Histria Econmica e Social, Instituto Superior de Economia e Gesto,Universidade Tcnica de Lisboa, 2000, p. 17.5 Confessando-se, ipsis verbis, socialista catedrtico, pelo menos quanto ao processo poltico, avana uma ideologiaque essa expresso infeliz forjada alm fronteiras no entanto confunde, visto tratar-se duma corrente doutrinal que nadatem de socialista, antes se orientando para uma interveno limitada no livre jogo do processo econmico espontneoregido pelas leis do mercado e da propriedade privada dos meios de produo (CASTRO, Armando, O Pensamento

    Econmico no Portugal Moderno, Lisboa, Biblioteca Breve, 1980, p. 104-105).SILVA, Innocencio Francisco e ARANHA, Brito; Diccionario Bibliographico Portuguez, Biblioteca Virtual dos

    Descobrimentos Portugueses, Lisboa, 2001, Volume XII, p.125-1277 Bastien, Carlos - A Diviso da Histria do Pensamento Econmico Portugus em Perodos, Documento de Trabalho

    n 16, Lisboa, GHES - Gabinete de Histria Econmica e Social, Instituto Superior de Economia e Gesto,Universidade Tcnica de Lisboa, 2000, p. 17.

    6

  • 8/8/2019 O pensamento econmico colonial de Antnio Lobo Almada Negreiros : (1868-1939)

    7/136

    Diccionario geographico das provncias e possesses portuguezas no ultramar, oferecendo entre

    informaes sobre histria, costumes e religio e algumas consideraes econmicas para, em 1855,

    editar na revista Panorama uns Estudos sobre a Guin e Cabo Verde8. Seguidamente, Simo

    Soriano, deputado s cortes na provncia de Angola em 1853, escreveu em 1846 uma Memriasobre os sertes e a costa ao sul de Benguella na provncia de Angola, escripta sobre documentos

    officiaes, que existem na Secretaria d'estado dos negcios da marinha9. Bernardo de S Nogueira

    Figueiredo foi ministro da guerra e escreveu em 1862 sobre a Cultura do algodo. Noticia sobre

    esta cultura, e modo e trazer o seu producto ao commercio, ttulo somado a vrias memrias que,

    divulgadas na dcada de 1840, tratavam do tema da escravatura10. Antnio de Figueiredo foi juiz de

    Direito substituto em Luanda e organizou um ndice dos boletins officiaes da provncia de Angola

    desde a sua origem, 1845, at 1862 inclusive, ttulo estampado em 186611

    . Neste mesmo ano,encontra-se a obra Apontamentos apresentados commisso encarregada dos melhoramentos da

    provncia de Cabo Verde de Sebastio Lopes de Calheiros e Menezes, governador-geral de Angola

    entre 1866-1867, escrevendo ainda em 1867 o Relatrio do Governador-geral da provncia de19

    Angola . Aparece tambm em 1867 a obra de Lus Jos Barbosa Leo Questo colonial que,

    partindo da sua posio de secretrio-geral do Governo de Moambique e Angola, viria a compilar

    artigos publicados no Jornal de Lisboa, aureolado mesmo pela autoridade da fundao de vrios

    jornais . Ainda neste mesmo ano de 1867, Antnio Lopes Mendes, membro do Conselho

    Ultramarino, escreveu sobre a Abolio da escravatura em Angola e organizao do trabalho 14. A

    seguir, Jos Cardoso Vieira e Castro, deputado, escreveu em 1871 uma obra geral intitulada

    Colnias . Neste mesmo ano aparece o Relatrio acerca do servio de sade pblica na

    provncia de S. Thom e Principe no anno de 1869 e o texto A Capital de Moambique sob o

    MONTEIRO, Jos Maria de Sousa, Diccionario geographico das provncias e possesses portuguezas no ultramar,Lisboa, 1850; Estudos sobre a Guin de Cabo-verde, in Panorama, 1855.

    SORIANO, Simo Jos Da Luz, Memria sobre os sertes e a costa ao sul de Benguella na provncia de Angola, in

    Annaes martimos e coloniaes, 1846.FIGUEIREDO, Bernardo De S Nogueira, Cultura do algodo. Noticia sobre esta cultura, e modo e trazer o seu

    producto ao commercio, Imp. Nacional, Lisboa, 1862; Documentos officiaes relativos negociao do tratado entrePortugal e a Gran-Bretanha para a suppresso do trafico da Escravatura: mandados imprimir por ordem da Camardos Senadores, Imp. Nacional, Lisboa, 1839; O Trafico da Escravatura e o Bill de Lord Palmerston, Typ. de JosBaptista Morando, Lisboa, 1840.

    FIGUEIREDO, Luis Antnio, ndice dos boletins officiaes da provinda de Angola desde a sua origem, 1845, at 1862inclusive, imp. Nacional, Luanda, 1866.

    MENEZES, Sebastio Lopes de Calheiros, Apontamentos apresentados commisso encarregada dos melhoramentosda provinda de Cabo Verde, imp. Nacional, Lisboa, 1866; Relatrio do governador geral da provinda de Angola,Lisboa, 1867.13LEO, Lus Jos Barbosa, Questo colonial, m Jornal de Lisboa, 1867.

    MENDES, Antnio Lopes, Abolio da escravatura em Angola e organizao do trabalho, typ. do Jornal de Lisboa,Lisboa, 1867.

    CASTRO, Jos Cardoso Vieira, Colnias - pelo Antigo Deputado Jos Cardoso Vieira de Castro, 1871.

    7

  • 8/8/2019 O pensamento econmico colonial de Antnio Lobo Almada Negreiros : (1868-1939)

    8/136

    ponto de vista de immigrao e colonisao, da autoria de Manuel Ferreira Ribeiro, subchefe da

    repartio de sade de S. Tom e colaborador em diversos peridicos polticos e cientficos, de entre

    os quais destacamos As colnias Portuguesas16. Em continuao, visite-se Jos Maria da Ponte e

    Horta, activo governador-geral das provncias de Cabo Verde, Angola, Macau e Timor, autor em1877 da Terceira Conferncia sobre a Africa feita na Academia. Ultramar. Theorias na metrpole.

    Praticas na Africa, editando em 1880 a Quarta Conferencia...Poltica de Portugal na Africa e,

    em 1882, publicando um Tratado de Loureno Marques: sua historia parlamentar, seu valor

    technico e social, sua concluso17. Antes ainda, em 1878, Miguel Eduardo Lobo de Bulhes, chefe

    de repartio da Secretaria de Estado dos Negcios da Marinha e do Ultramar publicou em francs

    Colonies portugaises.Court expos de leur situation actuelle, texto em que constam indicaes

    gerais sobre o sistema de administrao das possesses portuguesas e das suas relaes com o

    governo da metrpole18. Jos Frederico Laranjo, deputado s Cortes na legislatura de 1879,

    importante autor de textos econmicos, interveniente activo no debate sobre as concesses da

    Zambzia, deixou-nos em 1881 o curioso texto que entendeu intitular O Tratado de Loureno

    Marques e a agitao em Lisboa19. Em 1883, Andrade Corvo publicou a obra Estudos sobre as

    Provncias Ultramarinas, ento exercendo as funes de Ministro dos Negcios Estrangeiros e da

    Marinha em composies ministeriais do Partido Regenerador20. A seguir, Vicente Pindela,

    governador de S. Tom e Prncipe em 1879, publicou em 1884 As Ilhas de S. Tom e Prncipe.

    Notas de uma administrao Colonial e, em 1885, divulgou um ensaio geral sobre Administrao

    Colonial. ngelo Sarrea de Sousa Prado, membro da comisso africana da Sociedade de Geografia

    de Lisboa, deputado nas legislaturas de 1880-81, 1882-83 e 1893, organizou e publicou em 1887

    uma memria sobre a Africa occidental portugueza. Angola. Caminho-de-ferro entre Loanda e

    Ambaca. Primeiros estudos technicos21. Tambm a prosa de Manuel Pinheiro Chagas, Ministro da

    Marinha e do Ultramar de 1883 a 1886, produziu um texto geral, interessante, sobre As colnias

    RIBEIRO, Manuel Ferreira, Relatrio acerca do servio de sade pblica na provncia de S. Thom e Prncipe noanno de 1869, imp. Nacional, Lisboa, 1871; A Capital de Moambique sob o ponto de vista de immigrao ecolonisao; Colaborou em diversos peridicos, como Revoluo de Setembro, Boletim da sociedade de geografia,

    Equadore As colnias portuguesas.17HORTA, Jos Maria da Ponte, Terceira conferencia sobre a Africa feita na academia. Ultramar. Theorias nametrpole. Praticas na Africa,\%ll; Quarta conferencia... Politica de Portugal na Africa, 1880; Tratado de LourenoMarques: sua historia parlamentar, seu valor technico e social, sua concluso, 1882.18BULHES, Miguel Eduardo Lobo, Colonies portugaises. Court expos de leur situation actuelle, imp. Nationale,Lisboa, 1878.19LARANJO, Jos Frederico, O tratado de Loureno Marques e a agitao em Lisboa, in tip. do jornal O progresso,1881.20CORVO, Joo de Andrade, Estudos sobre as provindas ultramarinas, typ. da academia das sciencias, Lisboa, 1883.21PRADO, Angelo Sarrea de Sousa, Africa occidental portugueza. Angola. Caminho-de-ferro entre Loanda e Ambaca.

    Primeiros estudos technicos, Memoria descriptiva e planta topographica, imp. Democrtica, Lisboa, 1887.

    8

  • 8/8/2019 O pensamento econmico colonial de Antnio Lobo Almada Negreiros : (1868-1939)

    9/136

    portuguezas no sculo XIX, histria de toda a nossa vida colonial n'este sculo . Antnio Jos

    Seixas, deputado em vrias legislaturas nas dcadas de 60 e 70 do sculo XIX, representante dos

    crculos do ultramar, editou em 1889 Uma opinio baseada em factos na histria e na practica

    sobre as colnias portuguezas . Jos Joaquim Lapa, governador de Quelimane e um dosfundadores do pouco conhecido projecto da Sociedade de Geografia de Moambique, participou na

    fundao de jornais nessa colnia, colaborou na edio da obra Colnias agrcolas no Districto de

    Loureno Marques, datando de 1890, publicou depois, em 1893, Coisas de Africa e, em 1894,

    Documentos de Moambique24. Pertence tambm ao ano de 1893 a publicao Do Niassa a

    Pemba - Os Territrios da Companhia do Niassa - O futuro porto comercial da Regio dos Lagos,

    da autoria de Jos Antnio de Azevedo Fragoso de Sequeira Coutinho, governador do distrito da

    Zambzia, governador-geral de Moambique, mais tarde Ministro e Secretrio de Estado dos Negcios da Marinha e Ultramar25. Em continuao, depois de desempenhar vrios cargos em

    Africa, desde condutor de obras pblicas a chefe e repartio dos Servios de Agrimensura, tendo

    participado nas campanhas de pacificao de Moambique, fundador em Loureno Marques do

    jornal O Futuro, Jos Eduardo de Noronha divulgou em 1894 uma obra sobre A rebelio dos

    indgenas em Loureno Marques26. Antnio Urbano Pereira de Castro foi escrivo da Relao de

    Luanda e a publicou A Civilizao da Africa Portugueza: Semanrio dedicado exclusivamente a

    tractar dos interesses administrativos e econmicos mercantis, agrcolas e industriaes da Africaportugueza, particularmente de Angola e S. Thom27.

    Nesta coleco de escritos de volume, formato e qualidades variados convm destacar com

    alguma autonomia a obra colonial geral de Luciano Cordeiro. Nomeado para a Comisso de reforma

    e reorganizao das misses portuguesas no ultramar em 1878, delegado tcnico do governo de

    Portugal na famosa Conferncia Internacional de Berlim, em 1884, Luciano Cordeiro foi o mais

    CHAGAS, Manuel Pinheiro, As colnias portuguezas no sculo XIX, histria de toda a nossa vida colonial n'estesculo, 1891 (Constitue o tomo VIII da obra Os portuguezes na Africa, Asia, America e Oceania, com que o editorAntonio Maria Pereira a completou).

    SEIXAS, Antnio Jos, Uma opinio baseada em factos na historia e na pratica sobre as colnias portugueza, typ.Universal, Lisboa, 1889.

    LAPA, Joaquim Jos, Elementos para um Dicionrio Corogrfico da Provncia de Moambique, (com Antnio Josde Arajo, Francisco Romano de Abreu Nunes e Jos Antnio Mateus Serrano), 1889; Colnias Agrcolas do Distritode Loureno Marques, 1890; Coisas de frica, Quelimane, 1893; Pginas de Pedra. Folhas dispersas, Moambique,1893; Documentos de Moambique, 1894.

    COUTINHO, Jos Antnio de Azevedo Fragoso de Sequeira, Do Niassa a Pemba - Os Territrios da Companhia doNiassa - O futuro porto comercial da Regio dos Lagos, 1893.26NORONHA, Jos Eduardo, A Rebelio dos Indgenas Em Loureno Marques, 1894.

    CASTRO, Antnio Urbano Pereira, A Civilisao da Africa portugueza: Semanrio dedicado exclusivamente atractar dos interesses administrativos econmicos mercantis, agrcolas e industriaes da Africa portugueza,particularmente de Angola e S. Thom, Luanda.

    9

  • 8/8/2019 O pensamento econmico colonial de Antnio Lobo Almada Negreiros : (1868-1939)

    10/136

    activo inspirador e fundador da Sociedade de Geografia de Lisboa, em 1875, a partir daqui

    utilizando o seu boletim, conferncias e misses para reunir volumoso trabalho de investigao e

    debate sobre as diferentes colnias portuguesas, especialmente nos espaos africanos. A Cordeiro se

    devem muito diversos pareceres parlamentares, como os importantes Relatrios sobre o Tratado doZaire e a Conferncia de Berlim, publicitados em 1882. Refira-se o seu estudo, em 1880, sobre

    Colnias portuguezas em pases estrangeiros, a obra do mesmo ano acerca de Questes

    africanas. Representao ao Governo portugus pela sociedade de geographia, as suas Memrias

    do Ultramar. Viagens, exploraes e conquistas dos portuguezes. Coleco de documentos,

    editadas em 1881, texto no qual destacamos o fascculo dedicado produo, comrcio e governo

    do Congo e de Angola28. No entanto, apesar da activa obra colonial de Luciano Cordeiro, os seus

    principais textos continuam, como nos outros autores desta gerao, a perseguir ainda com muitasdificuldades e limitaes a autonomia do econmico, sendo, por isso, difcil encontrar nestas

    publicaes um estruturado pensamento econmico que, quando apenas se perfigura, continua

    rendido ao poltico, ao administrativo e ao burocrtico, precisamente as reas que unificam a

    constelao de obras e autores da segunda metade de Oitocentos.

    Este panorama de uma limitada investigao econmica colonial, rara em especializao do

    econmico, no se altera sobremaneira nos primeiros anos do sculo XX. Alguns autores e ttulos

    so suficientes para se perspectivarem estes limites. Assim, na transio do sculo recenseie-se otrabalho de Augusto Vidal de Castilho Barreto e Noronha, governador geral de Moambique (1885-

    1889), representante de Portugal no Congresso reunido em Bruxelas para a tratar a questo anti-

    esclavagista (1889-1890), autor de vrias memrias como a Estatstica das alfndegas da provncia

    de Moambique (1887) e umas Palestas coloniaes (1903) . Em 1901, Lus Leite Pereira Jardim,

    deputado s Cortes em diversas legislaturas, editou um texto sobre as Concesses de Terrenos no

    Ultramar . No mesmo ano, Antnio Alves Pereira Matos que desempenhou vrias comisses na

    Marinha escreveu precisamente um opsculo sobre A marinha e o fomento colonial . TitoAugusto de Carvalho, director dos caminhos de ferro ultramarinos, Comissrio Rgio junto da

    CORDEIRO, Luciano, Colnias portuguezas em paizes estrangeiros. Officio a s. ex."o ministro, etc., typ. do jornal oProgresso, Lisboa, 1880; Questes africanas. Representao ao governo portuguez pela sociedade de geographia. typ.do jornal o Progresso, Lisboa, 1880; Memorias do ultramar. Viagens, exploraes e conquistas dos portuguezes.Colleco de documentos, imp. Nacional, Lisboa, 1881.29 NORONHA, Augusto Vidal de Castilho Barreto, Estatstica das alfndegas da provncia de Moambique no annocivil de 1884, Imprensa Nacional, Moambique, 1887.

    30JARDIM, Luis Leite Pereira, Concesses de Terrenos no Ultramar, Lisboa, 1901.31MATOS, Antnio Alves Pereira, - A marinha e o fomento colonial, in publicaes do congresso colonial, Lisboa,1901.

    10

  • 8/8/2019 O pensamento econmico colonial de Antnio Lobo Almada Negreiros : (1868-1939)

    11/136

    Companhia de Moambique (1889), membro da Comisso Superior das obras pblicas do Ultramar,

    representante de um crculo do ultramar s cortes nas legislaturas de 1882-1884, 1884-1887, 1887-

    1889, 1890-1892, 1893 e 1894, escreveu em 1900 Les colonies portugaises au point de vue

    commercial e, a seguir, em 1902, estampou As Companhias portuguesas de colonizao .Antnio Teixeira de Sousa, Ministro da Marinha no Governo de Hintze Ribeiro (1900-1903),

    ministrio marcado pela inaugurao dos caminhos-de-ferro do Lobito e Malange, pelas obras do

    porto de Loureno Marques e pela regulamentao do trabalho em S. Tom, simplesmente autor,

    em 1902, de um prolixo Relatrio Colonial33. Augusto de Lemos lvares Portugal, secretrio dos

    Ministros da Marinha e do Ultramar (1886-1990), deputado por Angola (1887-1990), regente da

    cadeira de Regime econmico das Colnias e suas produes de 1876 a 1878, tornou-se um

    especialista em matria colonial geral no campo do direito econmico, encontrando-se as suas obrasdispersas em vrios jornais e revistas, entre os quais Portugal em Africa, textos difundidos nos

    primeiros anos do sculo passado34. Adolpho Ferreira Loureiro exerceu funes na direco das

    obras pblicas das possesses portuguesas e escreveu, em 1908, uma Navegao exterior de

    Portugal e suas colnias35. lvaro Pimenta, agricultor, comerciante e delegado do corpo da classe

    comercialem Luanda, escreveu em 1910 uma Resoluo da crise agrcola em Angola .

    Este rpido sumrio panormico permite verificar que, nas dcadas finais do sculo XIX e no

    debutar do sculo XX, continua a persistir uma obra econmica sobre o mundo colonial africano portugus muito limitada, pautada ainda pelo pendor memorialista e administrativo, geralmente

    resultando das responsabilidades polticas ultramarinas dos seus autores ou fruto directo da sua

    vivncia em frica, assim se mostrando textos que, salvo algumas excepes, no ultrapassam o

    relatrio de experincias administrativas vividas, meras exposies enredadas em temas

    burocrticos e celebraes historicistas, largamente alheias a um pensamento econmico autnomo,

    teoricamente slido e politicamente renovador.

    A situao muda definitivamente com uma autor srio, prolixo, to activo como, actualmente, pouco conhecido. Antnio Lobo de Almada Negreiros (1868-1930), pai de pintor, poeta e

    modernista famoso, no ganhou nem a fama nem o conhecimento da sua prole. Est quase ausente

    32CARVALHO, Tito Augusto, Les colonies portugaises au point de vue commercial, Lisboa, 1900; As companhiasportuguesas de colonizao, imp. Nacional, Lisboa, 1902.33SOUSA, Antnio Teixeira, Relatrio colonial. Edio do Ministrio da Marinha e Ultramar, Lisboa, 1902.34A sua obra dispersa, encontra-se no Comrcio de Portugal, que ele mesmo fundou e dirigiu, na Revoluo deSetembro, Pais, Progresso, Dirio Popular, Contemporneo, Dirio de Notcias, etc, e na revista Portugal em Africa35LOUREIRO, Adolpho Ferreira, Navegao exterior de Portugal e suas colnias, (Separata do livro Notas sobrePortugal), Lisboa, 1908.36PIMENTA, lvaro, Resoluo da crise agrcola em Angola. Relatrio e projecto apresentado a s. ex.a o ministro damarinha e ultramar por... delegado do commercio e da agricultura de Angola, Lisboa, 1910.

    11

  • 8/8/2019 O pensamento econmico colonial de Antnio Lobo Almada Negreiros : (1868-1939)

    12/136

    de enciclopdias, dicionrios e histrias de Portugal. No entrou tambm nos estudos da histria

    econmica ou nas histrias do colonialismo portugus em frica. Este autor, a sua obra e,

    sobretudo, o seu pensamento econmico sobre as colnias portuguesas em Africa constitui o

    corao e a motivao desta dissertao de Mestrado em Estudos Africanos. Procura-se visitardensamente a sua produo impressa, organizar o seu pensamento e perceber as suas propostas

    econmicas para os espaos de colonizao portuguesa em frica. Este trabalho divide-se em duas

    seces principais: primeira cumpre estudar o autor, a sua obra e o seu pensamento colonial geral;

    numa segunda parte visitam-se com a ajuda de Almada Negreiros todas as diferentes colnias

    portuguesas de frica, tentando captar a representao que o autor nos oferece da sua economia e

    das suas possibilidades de desenvolvimento e reforma. Trata-se, pois, de um trabalho largamente

    monogrfico em que as obras com que Negreiros repensa o colonialismo portugus em fricaconstituem o objecto central desta investigao.

    12

  • 8/8/2019 O pensamento econmico colonial de Antnio Lobo Almada Negreiros : (1868-1939)

    13/136

    II.

    O AUTOR, A OBRA E O SEU PENSAMENTO

    13

  • 8/8/2019 O pensamento econmico colonial de Antnio Lobo Almada Negreiros : (1868-1939)

    14/136

    Activo administrador do concelho da ilha de S. Tom, exercendo as funes formais de

    delegado do procurador da Coroa e fazenda em 1892 a 1893, Antnio Lobo de Almada Negreiros

    apresenta-se como um dos mais activos pensadores das realidades e problemas econmicos das

    colnias africanas portuguesas, autor de obra abundante, variada e importante. A sua biografia noganhou as principais obras de historiografia portuguesa da especialidade, mas encontra-se sumariada

    com vantagens no esforado Dicionrio Bibliogrfico Portugus de Inocncio Francisco Silva,

    depois completado por Brito Aranha. Convm, por isso, comear a visitar a vida e obra deste outro

    Almada Negreiros percorrendo com alguma demora as informaes reunidas no referencial

    Dicionrio, esclarecendo que o nosso autor era

    natural de Aljustrel, districto de Beja nasceu a 15 de agosto 1868. Filho de Pedro deAlmada Pereira e de D. Margarida F. Lobo Bravo de Almada Negreiros. Seu pai, jornalista, fundou na terra natal um peridico intitulado O campo de Ourique.Terminados os estudos preparatrios no lyceu de Beja veiu para Lisboa, onde seguiu ocurso do Instituto commercial e industrial, sendo ao findar nomeado, em 1884, ajudantechefe da estao telegrapho-postal de Ferreira do Alemtejo; em 1887, chefe da estaotelegrapho-postal de Monchique, no Algarve; em 1889 interino na de Villa Nova dePortimo, e em 1890 chefe effectivo na de Cascaes. Neste ultimo anno recebeu anomeao de administrador do concelho da ilha do S. Thom, onde, de 1892 a 1893,exerceu as funces de delegado do procurador da coroa e fazenda nas duas varas domesmo concelho. Em 1900 estava em Frana e foi incumbido da organizao do bello

    pavilho das colnias portuguezas, que chamou a atteno dos milhares de visitantes daexposio universal realizada em Paris naquelle anno e despertou o interesse dos

    portuguezes que puderam visit-la e honr-la. Em 1905, incitado pelo amor aos estudosdos assumptos coloniaes, especialmente dos que se prendiam com o desenvolvimentodas relaes de Portugal nas possesses ultramarinas, fundou o Museu colonial dePortugal em Paris, servio de importncia prestado ptria, que accrescentouescrevendo e divulgando, em diversos peridicos e em diferentes seces, artigos de

    propaganda em favor das colnias portuguezas e fazendo imprimir, ora em Paris, ora naBlgica, alguns opsculos, onde eram tratados com largueza e com bom critrio taes

    37

    assumptos .

    Nestas informaes iniciais, destaca-se com simplicidade a figura de um funcionrio oficial

    menor que, especializado nessa inovao fundamental que foi o telgrafo, exerceu actividade

    pblica na rea dos correios de Portugal. Antnio Lobo de Almada Negreiros exerce, a seguir, com

    alguma brevidade, funes rgias administrativas na ilha de S. Tom e, a partir daqui, comea a

    acumular-se uma actividade fundamental, centrada para ficar em Paris, de exposio e circulao

    do mundo colonial portugus nos meios cultos europeus. Trata-se desses fenmenos de celebrao

    SILVA, Innocencio Francisco e ARANHA, Brito, Diccionario Bibliographico Portuguez, Lisboa, Biblioteca Virtualdos Descobrimentos Portugueses, 2001, Volume XX, p.243-245.

    14

  • 8/8/2019 O pensamento econmico colonial de Antnio Lobo Almada Negreiros : (1868-1939)

    15/136

    europeia das vantagens do colonialismo que se expressam nesses mostrurios coloniais que, entre

    produes e artesanatos, acabariam por organizar grandes exposies pblicas que, no caso do

    nosso pas, haveriam de gerar a hereditariedade que veio a desaguar na famosa Exposio do

    Mundo Portugus, em 1940, ponto focal das primeiras estratgias polticas organizadas dosalazarismo em matria de renovao poltica do colonialismo portugus. Parece ser precisamente

    esta actividade de comissariar e organizar em Paris exposies sobre as colnias portuguesas de

    Africa que fundamenta, duplamente, a acumulao de publicaes e a circulao do nosso autor em

    sociedades e conferncias coloniais. Assim se esclarece, em continuao, no sumrio bibliogrfico

    que estamos a seguir, sublinhando que

    Almada Negreiros pertence Academia real das sciencias desde 1893, l.a

    classe; Sociedade de geographia de Paris (1894), Union coloniale franaise (1900) ao Institutode Coimbra (1901), Sociedade de geographia de Londres (1902) ao Instituto colonialinternacional (1900), e a varias associaes da imprensa parisienses. Igualmente lheforam conferidos os diplomas de socio da Association syndicale de la presse coloniale(1900), Association des publicistes franais (1904), Syndicat national de la presse et desgens de lettres (1905)38.

    Descobre-se, assim, na filiao acadmica e cientfica de Almada Negreiros um desses casos

    de um intelectual portugus definitivamente sediado no mundo parisiense de finais do sculo XIX

    e das primeiras dcadas do sculo passado, integrando as principais sociedades savants francesas

    que reflectiam sobre o colonialismo europeu. mesmo especialmente significativo encontrarmos

    Negreiros a integrar as Sociedades de Geografia de Paris e Londres, mas no a integrar a sociedade

    congnere erguida por Luciano Cordeiro em Lisboa, apenas se registando a sua colaborao entre

    ns com a Academia das Cincias. Ao mesmo tempo, Almada Negreiros integrava vrias

    sociedades internacionais importantes de estudos coloniais, a que se somava colaborao com

    instituies de imprensa e publicao francesas. Esta actividade entre os media tinha, porm, razes

    originais tanto na imprensa regional como na imprensa de Lisboa :

    Na carreira periodistica, que encetou novo com vigor e acerto, fundou em 1884 oFerreirense, em Ferreira do Alentejo; o Patriota, em Monchique (1890); e Meio-dia,quotidiano, impresso em Lisboa (1890), pertencendo-lhe a direco e a parte maisimportante na redaco dessas folhas. Collaborou, sob o pseudonymo de Joo Alegre,na Gazeta de Portugal, ento dirigida pelo estadista e parlamentar Serpa Pimentel; ecom o mesmo pseudonymo e sob o seu nome no Universal, no Dirio popular no

    Portugal (que pertencia ao escriptor Marcellino Mesquita), no Paiz, que se imprimia

    SILVA, Innocencio Francisco e ARANHA, Brito, Ob. Cit., p. 243-245.

    15

  • 8/8/2019 O pensamento econmico colonial de Antnio Lobo Almada Negreiros : (1868-1939)

    16/136

    sob a direco de L. Mascarenhas; e, accidentalmente, em outras gazetas portuguezas.A sua collaborao, nos peridicos estrangeiros e em assumptos coloniaes, em defesados interesses da ptria, tem sido nos seguintes: Figaro, Gaulois, Rappel, France,

    Revue diplomatique, Libert, Dpche coloniale, Presse coloniale, Soire outrosparisienses; Tropical life, Financial times e outros londrinos; Indpendance belge,Colonial e La chronique de Bruxellas; Journal de Genve, Tribune de Genve, Le

    signal, de Genebra; e La gazette de Lausanne e outros suissos; Gardian, de Hamburgo;La gazette colonial allemande, Die post e outros allemes; e no Neweste rotterdamschecourant, de Rotterdam, etc. .

    Trata-se de uma actividade de publicista, sobretudo na imprensa europeia, verdadeiramente

    impressionante. Almada Negreiros acrescenta a uma prolongada colaborao nos principais ttulos

    da imprensa colonial da poca, uma regular publicao nos principais jornais dirios e semanrios

    franceses, ainda com extenses importantes imprensa londrina, belga, sua, alem e holandesa.Uma actividade que no tem paralelo noutro qualquer intelectual portugus desta poca e que tinha

    ainda larga importncia na subsistncia econmica despreocupada do nosso autor em Paris,

    somando os direitos dos seus livros e a sua colaborao prolixa na imprensa europeia ao

    rendimento de aposentado como funcionrio colonial em S. Tom. Devemos tambm ao

    Dicionrio de Inocncio e Aranha um primeiro repertrio bibliogrfico de Almada Negreiros,

    convenientemente dividido em obras em portugus e francs. No primeiro apartado registam-se

    somente quatro obras, duas das quais textos poticos:

    Tem publicado em separado e em portuguez:

    4710) Lyra occidental. Versos. 1888.

    4711) Equatoriaes. Versos, 1903.

    4712) Senhor, po! a propsito do centenrio da ndia. 1905.-Saiu sob o pseudonymo

    de Joo Alegre.

    4713) Historia ethnographica. (Em prosa). 190240

    .

    Em contraste com estas obras portuguesas, ainda pouco mobilizadas pela reflexo crtica

    colonial, so as muitas obras francesas de Almada Negreiros que tratam cada vez mais

    especializadamente do colonialismo portugus em frica, introduzindo cumulativamente temas

    econmicos, tratados mesmo com autonomia nas reas da agricultura, das matrias-primas e do

    39 SILVA, Innocencio Francisco e ARANHA, Brito, Ob. Cit., p. 243-245.40 SILVA, Innocencio Francisco e ARANHA, Brito, Ob. Cit., p. 243-245.

    16

  • 8/8/2019 O pensamento econmico colonial de Antnio Lobo Almada Negreiros : (1868-1939)

    17/136

    trabalho coloniais. Seguindo a ordem e o inventrio do Dicionrio Bibliogrfico, retenham-se os

    ttulos seguintes:

    As obras em francez, so:4714) lie de San Thom. Paris, librairie coloniale Challermel, 17, r. Jacob, 1900. 8. de

    200 pag.

    4715) Colonne commemorative de Diogo Co. Ibi., 1900. 8. de 120 pag.

    4716) La main d'uvre en Afrique. Ibi., 1900. 8. de 100 pag.

    4717) L'Angola. Ibi., 1901. 8. de 130 pag.

    4718) L'pope Portugaise Ibi., 1902. 8. de 100 pag.

    4719) L'agriculture dans colonies portugaises. Ibi., 1903. 8. de 150 pag.4720) Le Mozambique. Ibi., 1904. 8. de 200 pag.

    4721) L'organisation judiciaire coloniale. Ibi., 1900. 8. de 48 pag.

    4722) Les colonies portugaises: tudes documentaires; produits d'exportation. Ibi.,

    1906. 8. de 400 pag. - Tem prologo assignado Joo Alegre.

    4723) Le functionarisme dans les colonies. Ibi., 1907. 8. de 150 pag.

    4724) L'instruction dans les colonies portugaises. Bruxelles, tablissements gnraux

    d'imprimerie, suce, de Ad. Martens, 14, rue d'Or. 1909. 8. gr. de 60 pag. (...)6255) Colonies portugaises. Les organismes politiques indignes. Augustin Challamel,

    diteur. Librairie maritime & coloniale, 17, rue Jacob, Paris. 8. de 320 pag.

    Esta bio-biliografia mostra-se bastante informada e rigorosa, conseguindo reconstruir

    documentadamente tanto a histria pessoal de Almada Negreiros como as suas obras. Resta

    apenas aditar que, no final da sua vida, o nosso autor planeou e trabalhou ainda na

    organizao de outros dois estudos, uma obra que queria intitular Macao; Le Capital auxColonies; Le fonctionnarisme dans les colonies latines, projectada em dois volumes, a que se

    deve, por fim, acrescentar um trabalho sobre La flore du Mozambique (Monocotyldonnes),

    mas que Negreiros no completaria e conseguiria publicar.42 Seja como for, estes estudos

    foram principalmente editadas em espaos estrangeiros, sobretudo parisienses, oferecendo

    uma ampla coleco de perspectivas sobre o mundo colonial africano portugus. A

    41 SILVA, Innocencio Francisco e ARANHA, Brito; Ob. Cit.,, p.243-245.42 NEGREIROS, Antnio Lobo de Almada, Colonies Portugaises - Les Organismes Politiques Indignes, Paris,Augustin Challamel, Editeur, Librarie Maritime & Coloniale, 1910.

    17

  • 8/8/2019 O pensamento econmico colonial de Antnio Lobo Almada Negreiros : (1868-1939)

    18/136

    agricultura, o trabalho, a educao, as produes, a organizao poltica e judiciria coloniais

    mobilizaram o pensamento de Almada Negreiros que, em termos gerais, se bateu

    intelectualmente pela valorizao econmica dos espaos de circulao colonial de Portugal

    em frica. So precisamente estes estudos que, em nmero de dez livros,43

    tentaremosinvestigar, organizar e perseguir tratando de captar as principais linhas com as quais Almada

    Negreiros descreve, divulga e perspectiva as sociedades e economias das colnias

    portuguesas africanas, nas ltimas dcadas do sculo XIX e nos primeiros anos do sculo

    XX.

    43 NEGREIROS, Antnio Lobo de Almada, Historia Ethnografca da Ilha de S. Thom, Lisboa, Antiga Casa Bertrand,1895; NEGREIROS, Antnio Lobo de Almada, 1868-1939, La main d'oeuvre en Afrique: mmoire prsent au CongrsColonial International de 1900, Paris, 1900 ; NEGREIROS, Antnio Lobo de Almada, Colonies Portugaises, lie de SanThom, librairie coloniale Challermel, Paris, 1901; NEGREIROS, Antnio Lobo de Almada, Colonies portugaises;

    Angola, Imprimerie Alcan-Lvy, Paris, 1901; NEGREIROS, Antnio Lobo de Almada, VEpope Portugaise - Histoire Coloniale, librairie coloniale Augustin Challamel, 17, Paris, 1902; NEGREIROS, Antnio Lobo de Almada, L'agriculture dans les colonies portugaises, - Mmoire prsent la premire "Runion Internationale d AgronomieColoniale", Augustin Challamel Ed., Paris, 1905 ; NEGREIROS, Antnio Lobo de Almada, Les colonies portugaises;

    Etudes documentaires, Produits d'exportation, Paris, Augustin Challamel, Librairie Maritime et Coloniale, 1908 ;NEGREIROS, Antnio Lobo de Almada, L*Organisation Judiciaire dans Les Colonies Portugaises, Rapport extrait duCompte rendu de la Session de L'Institut Colonial, Bruxelles, Eta. Gnraux d'Imprimerie, 1908 ; NEGREIROS,Antnio Lobo de Almada, L'instruction dans les colonies portugaises, Bruxelles, Eta. Gnraux d'Imprimerie, 1909 ;

    NEGREIROS, Antnio Lobo de Almada, Colonies Portugaises - Les Organismes Politiques Indignes, AugustinChallamel, Editeur, Librarie Maritime & Coloniale, Paris, 1910 .

    18

  • 8/8/2019 O pensamento econmico colonial de Antnio Lobo Almada Negreiros : (1868-1939)

    19/136

    1.0 MOSTRURIO COLONIAL

    Nas dcadas finais do sculo XIX e nos primeiros anos do sculo XX, procurando responder

    tambm intelectualmente ao enorme desenvolvimento da concorrncia internacional em torno dosespaos africanos, descobre-se em vrios meios polticos, acadmicos e cientficos portugueses um

    grande esforo para revalorizar a histria colonial portuguesa e transform-la em celebrao e festas

    pblicas. Vrios trabalhos de investigao recentes tm vindo a estudar os grandes ciclos de

    comemoraes, criao de museus e recriao da histria colonial enquanto parte da construo do

    nacionalismo portugus,44 mas no existem praticamente pesquisas acerca da movimentao

    portuguesa nos grandes circuitos das exposies universais e das mais especializadas exposies

    coloniais que se organizaram nos grandes centros europeus. precisamente este o trabalho maisrelevante de Almada Negreiros tendo orientado a presena portuguesa na Grande Exposio

    Universal de 190045 e, a seguir, organizado a exibio dos produtos coloniais de Portugal na

    Exposio e Museu Colonial de 1905, em Paris, actividades que suscitaram e suportaram mesmo

    parte importante da sua obra de estudioso e publicista.

    Importante para compreender a biografia e o pensamento colonial geral de Almada Negreiros

    mostra-se a sua obra Les colonies portugaises; Etudes documentaires, Produits d'exportation,

    editada em 1908. Sob o pseudnimo de Joo Alegre, este volume trata da experincia do autor nomeio das grandes exposies coloniais que se espalham pelas grandes cidades europeias nos finais

    do sculo XIX e princpios do sculo XX. Trata-se, como se sublinhou, de uma experincia

    fundamental na biografia intelectual de Almada Negreiros e uma das actividades que obrigou o

    nosso autor a reflectir com rigor sobre a prpria difuso da experincia colonial portuguesa entre os

    meios cultos europeus. Frequentando os captulos desta obra, quase deparamos com temas das

    nossas modernas indstrias culturais: um captulo trata demoradamente da Psicologia das

    Exposies e das multides desatentas e desocupadas que as frequentam; outro captulo discute ARevoluo do catlogo; e pode mesmo encontrar-se uma reflexo capitular acerca da nova era do

    compte-rendu das exposies, sublinhando a importncia do debate sobre a recenso crtica das

    prprias exposies nos meios polticos, cientficos e intelectuais europeus.

    44 Veja-se, portodos, o trabalho fundamental de JOO, Maria Isabel, Memria e Imprio. Comemoraes em Portugal(1880-1960), Lisboa, Fundao Calouste Gulbenkian, 2002.

    Recorde-se que a grande exposio se intitulava rigorosamente Exposition Universelle et Internationale de Paris1900, tendo decorrido entre 15 de Abril e 12 de Novembro de 1900 sob o tema 'Le Bilan du Sicle'.

    19

  • 8/8/2019 O pensamento econmico colonial de Antnio Lobo Almada Negreiros : (1868-1939)

    20/136

    A abrir, o nosso autor comea por referir que as exposies - efmeras manifestaes do

    gnero humano - so uma obra frutuosa, j como meio de aco poltica j com resultados

    prticos e imediatos comerciais. Referenciando-se a sua prpria experincia nas exposies

    universais e coloniais de Paris, Negreiros sublinha que, entre os 10.000 visitantes atrados para ummostrurio bem organizado, apenas uma centena olha com alguma ateno para o conjunto dos

    objectos exposto, somente cerca de 50 lem uma instruo quando est escrita com caracteres

    bonitos e visveis e, se restam 10, so estes que tentam decifrar as etiquetas junto aos objectos .

    Quando se trata de uma exibio de assuntos coloniais - tema longnquo e sempre extico - o

    interesse do visitante concentra-se nos objectos que atraem a vista e a ateno geral: animais

    exticos, objectos brilhantes:

    Tout cela fait jaillir, spontanment, F exclamation tonne des lvres du promeneur. Etces merveilles, majestueuses ou brillantes, il faut les montrer, - dans tout leur clat, danstoute leur grandeur massive ou provocatrice, - afin que le passant press soitcontrait de jeter un coup d'il sur le produit commercial, qui est install ct et qui,

    peut-tre, l'intresse, sans qu'il s'en rende compte... sur le moment : Caoutchouc, caf,cacao, quinquina. 7

    Percebe-se rapidamente nestas linhas que a ideia de exposio colonial de Almada Negreiros

    se concentra nas vantagens do mostrurio comercial, na mobilizao internacional para as vantagense qualidades dos produtos das colnias africanas portuguesas. Este caminho no impede, contudo,

    uma perspectiva cultural interessante que se organiza em torno da centralidade da fruio do

    extico, do primrio, do selvagem: aproveitar as artes primitivas africanas para excitar a

    ateno do visitante e, a partir desta emoo, insinuar o econmico. Explica, por isso, o nosso autor

    Les produits exotiques perdraient beaucoup de leur valeur, s'ils taient exposs dans undcoreuropen, moderne ; respirant notre atmosphre, rappelant notre civilisation, notremanire d'tre, notre faon d'agir. Il faut que ce qui est colonial ait un aspect original,trange et quelque peu... incomprhensible pour l'organe visuel de ce barbare que estl'homme de la mtropole, ignorant de tout ce qui, jusqu' ce jour, a constitu, pour lui,ce qu'il nomme sentencieusement la...barbarie. Lorsqu'on comprend les choses qu'onvoit (ou celles qu'on lit), elles perdent immdiatement de leur saveur, - ce qui revient dire, dans le cas prsent, de leur importance.48

    NEGREIROS, Antnio Lobo de Almada, Les colonies portugaises; Etudes documentaires, Produits d'exportation,Paris, Augustin Challamel, Librairie Maritime et Coloniale, 1908, p. 15.47 NEGREIROS, Ob. Cit., p. 15.48 NEGREIROS, Ob. Cit., p. 15.

    20

  • 8/8/2019 O pensamento econmico colonial de Antnio Lobo Almada Negreiros : (1868-1939)

    21/136

    Observar metodicamente um mostrurio colonial remetia para um trabalho rduo e, segundo

    Almada Negreiros, incompatvel com a insacivel puerilidade da visita comum. Recorda mesmo a

    propsito o exemplo de um amigo ntimo, representante de outros espaos coloniais europeus que,

    na clebre e muito frequentada Exposio de 1900, em Paris, apresentou mais de 10.000 produtoscoloniais, mas, entre os milhes de visitantes, no conseguiu oferecer mais do que uma dezena de

    esclarecimentos de carcter comercial. Por isso, exibir, esclarecer e valorizar o mostrurio comercial

    dos produtos coloniais portugueses era ainda uma actividade mais complicada. Portugal era um

    pequeno pas, apesar da extenso dos seus territrios coloniais, perspectivado frequentemente de

    forma negativa entre os meios cultivados e cientficos europeus. Bastava recordar, entre tantos

    textos e autores coloniais, as lies de uma Geografia de James Cornwell, dedicadas s ndias

    inglesas, interrogando-se sobre se Portugal seria um pas civilizado, para se sublinhar a necessidadede tambm os pequenos pases promoverem a sua obra colonial:

    C'est plus qu'une ncessit, c'est un devoir pour les petits pays, de prouver ainsi aumonde que, dans le struggle for life universel, ils peuvent briller, ct des grandes etriches puissances, qui s'ingnient jeter le discrdit sur ces nations minuscules qu'ellescroient mortes ou mourantes. Cela leur sert mieux s'en constituer, - alors que cescondamns vivent encore, - les hritiers obligatoires et ... obligeants. Les exemples decette tendance goste abondante : Dans une Gographie des Indes, du Dr. James

    Cornwell, en usage dans les coles des Indes Anglaises, on enseigne, par exemple, auxenfants, que le Portugal ne mrite pas le nom de nation civilise ! De l la promulgation du Dcret de mort...morale, auquel nous faisons allusion, il n'y a qu'unpas, - nous pourrions dire.. .un faux pas ! (...) Ces nations ont intrt obtenir ainsi, desrsultats d'autant plus importants, qu'elles ont aussi, plus ou moins, l'imprieux besoinde compenser, en espces, le sacrifice pcuniaire que leur cote l'Exposition elle-

    49mme.

    A promoo da civilizao colonial portuguesa obrigava no apenas a qualificar o

    mostrurio, mas tambm a saber apresent-lo de forma inteligente e culta. Aqui residia a

    importncia do catlogo. Um texto que deveria funcionar como um tipo de dicionrio, de leitura

    clara, fcil e agradvel, propondo um catlogo moderno, uma verdadeira exposio escrita de

    ideias e factos positivos. Este catlogo deveria excitar o interesse intelectual, depois o comercial,

    mesmo quando estrategicamente no se apresentava imediatamente como tal para antes funcionar

    como um livro:

    NEGREIROS, Ob. Cit., p. 17-18.

    21

  • 8/8/2019 O pensamento econmico colonial de Antnio Lobo Almada Negreiros : (1868-1939)

    22/136

    Le catalogue moderne sera celui qui, sous la forme intressante d'un livre quelconque,ne contiendra aucune rclame tapageuse. Celui qui ne mentionnera, - que comme regret, - les noms des exposants...malheureux. Celui qui s'attachera donner, de lafaon la plus agrable possible, la description de ces choses, rares et prcieuses, dont leslecteurs d'aujourd'hui, - visiteurs d'hier, - n'ont pas eu la plus lgre ide, ni mmesouponn l'existence relle. Le catalogue tant le rsum d'une exposition que

    personne n'a regarde, il faut qu'il soit, lui-mme, en quelque sorte, la vrai expositiond'ides et de faits, positifs et lumineux.(...) L point capital est de ne pas donner le nomde Catalogue ce recueil intressant, - qui rellement en est un... au fond. Il fauttenter cet essai, quelque peu hardi. On a eu dj l'occasion de le faire, - sans grandsuccs d'ailleurs, - en 1900 et 1901. Et je commets aujourd'hui cette impardonnablefaute d'en prvenir le lecteur...mfiant ou distrait,- comme s'il tait encore le visiteurd'Expositions dont je viens de parler si franchement et si... indiscrtement.50

    Esta estratgia literria de catlogo deveria inaugurar uma espcie de era dos catlogos

    disfarados que, continuando a manter a propaganda comercial, deveriam disseminar as matrias e

    descrever as fotografias, criando uma sorte de informao densa e global:

    Voila, pourquoi, pour conclure, il faut inaugurer l're des Catalogues dguiss ; l'redes Catalogues qui doivent tout contenir, - absolument tout, - sauf ce qu'on s'attend yvoir figurer. Il faut intervertir l'ordre des chapitres. Il faut faire du nouveau, tout enutilisant les anciens arguments, consacrs par le temps et par l'usage. Il faut dissminerles matires. Il faut mme dcrire les... photographies, - ces tableaux ralistes, ces

    livres sincres, si loquents dans leur laconisme, et que les profanes ne comprennentpas toujours.51

    Tratava-se de prolongar a excitao da exposio atravs da elevao do literrio. Operar no

    sentido de despertar a ateno da aptica indiferena do leitor, gerar um livro moderno, um

    catlogo alegre, percebendo at que esta alegria no era incompatvel com o proverbial bom

    senso portugus:

    Je crois que la seule manire de bien prsenter le contenu, monotone en lui-mme,d'un livre de ce genre, doit se rsumer dans cette ordonnance, que je qualifieraimodestement d'homoeopathique : Inoculation de la science, par petites doses :quelques chiffres, bien disposs (suivant la valeur demand) ; un certain nombre dedescriptions locales, plutt discrtes, mais lgrement prtentieuse, pour forcerl'attention et secouer l'apathique indiffrence du lecteur. Le tout, bien mlang,constituera l'ensemble de ce livre modem style, auquel on peut, si l'on veut, donner letitre de Catalogue...gai, - parce qu'il y a aussi le catalogue triste : celui qui personne lit,

    pas mme l'auteur. On pourra, en outre, se convaincre - dans le cas prsent - que la

    3U NEGREIROS, Ob. Cit., p. 23-24.51 NEGREIROS, Ob. Cit., p. 24-25.

    22

  • 8/8/2019 O pensamento econmico colonial de Antnio Lobo Almada Negreiros : (1868-1939)

    23/136

    gat n'est pas incompatible avec le bon sens... portugais. Et il faut, en somme, que lamme chose soit rpte souvent, dans les descriptions intercales au cours de cetouvrage, pour que le rsultat puisse en tre le plus profitable possible.. . Yexposant - le

    pauvre malade, pas imaginaire.52

    Este debate que vai transformando o mostrurio comercial pesado, paradigma habitual das

    pesadas presenas portuguesas nas exposies colonais europeias e universais, presente tambm nas

    primeiras aventuras museolgicas da poca, mostra-se uma discusso com interesse. O que, em

    rigor, Almada Negreiros procura perseguir a produo de uma nova representao do muito velho

    e decadente mundo colonial portugus. Era preciso mostar as colnias portuguesas com alegria,

    com qualificao literria, com cuidados estticos, transformando vetustos catlogos em

    maravilhados livros. Numa palavra, era preciso transformar as nossas colnias em exibio.

    Naturalmente em exibio culta, refinada, moderna. Uma exibio adequada ao mundo culto

    parisiense em que se movimentava o nosso autor. Uma exposio em que fosse mesmo mais

    importante o parecer do que o ser, a representao, a prpria inveno esttica das desgraadas

    colnias portuguesas de Africa.

    NEGREIROS, Oh Cit., p. 25.

    23

  • 8/8/2019 O pensamento econmico colonial de Antnio Lobo Almada Negreiros : (1868-1939)

    24/136

    2. A DESGRAA : A AGRICULTURA NAS COLNIAS AFRICANAS PORTUGUESAS

    O pensamento econmico colonial de Almada Negreiros interessa-se generosamente pelo

    estudo da agricultura. Numa pequena memria publicada em 1905, reunindo 63 cuidadas pginas

    sob o ttulo L'agriculture dans les colonies portugaises, divulgando uma comunicao apresentada

    prestigiada "Runion Internationale d'Agronomie Coloniale" de Paris , o nosso autor comea por

    destacar o estado agrcola nas possesses portuguesas do ultramar para, a seguir, especializar um

    pensado Programa de Reformas a aplicar s colnias que designa "de origem latina" a partir das

    experincias econmicas modeladas pela Gr-Bretanha e Pases Baixos. Na folha de rosto daMemria, o autor comea por citar um pequeno excerto da obra referencial de John Stuart Mill,

    Principes d^ conomie politique, sublinhando o princpio normativo da prioridade do empirismo:

    Dans toutes les branches des connaissances humaines, la pratique a devanc la science.La recherche systmatique du mode d'action des forces naturelles est le rsultat tardifd'une longue suite d'efforts tents dans le but de fire servir ces forces quelque fin

    pratique54

    Seguindo esta abordagem emprica, mas perseguindo tambm uma viso extremamente crtica

    do legado agrcola colonial, Almada Negreiros tenta na primeira parte desta memria fixar aquilo

    que os portugueses produziram de "bom", de "mau" e de "insignificante" nos seus espaos

    coloniais. Esclarece-se que as mais ricas regies coloniais assentam o seu "progresso" na explorao

    da terra, precedendo a explorao comercial. Esta, por sua vez, pode ordenar-se em dois tipos de

    comrcio: (i) o trfico de produtos para consumo local e (ii) o comrcio indgena dos produtos do

    solo, como acontecia com a borracha e o caf, recolhidos da terra virgem pelo prprio habitante

    local. Este ltimo tipo de comrcio estava, porm, condenado extino devido muito deficiente

    recolha e generalizada destruio de rvores e plantas produtoras:

    Os objectivos deste congresso sumariados pelo nosso autor residiam em destacar que L'agriculture est la base uniqueet souveraine de tout progrs colonial. Tel est, rsum en quelques mots, le but de ces Congrs de spcialistes ; tel estaussi le devoir de tout progrs colonial ; tel doit tre, surtout, r object que tout colon vraiment digne de ce nom estoblig d'avoir en vue.54

    MILL, John Stuart, Principes d*conomie politique, I, p. 1, in NEGREIROS, Antnio Lobo de Almada, L'agriculturedans les colonies portugaises, - Mmoire prsent la premire "Runion Internationale dAgronomie Coloniale" deParis, Paris, Augustin Challamel Ed., 1905, p. 1.

    24

  • 8/8/2019 O pensamento econmico colonial de Antnio Lobo Almada Negreiros : (1868-1939)

    25/136

    C'est ainsi que toutes les forts d'arbres coutchouc et de cafiers de l'intrieur del'Afrique tendent disparatre compltement, ruines en peu d'annes par des procdsde rcolte dfectueux. Il faudrait, d'aprs l'aborigne, tuer l'arbre ou la liane pourobtenir le fruit ou le latex.(...) Il s'agit, - on le voit, - d'une richesse phmre, car ellen'est que le rsultat d'un travail inconscient, non rglement, et qui ne peut aboutir qu'

    des dceptions.

    No se veja nestas reflexes uma espcie de prefigurao das grandes preocupaes

    ecologistas do presente, j que esta discusso pende mais o tema do sucesso econmico e da

    harmonizao social. Almada Negreiros destaca a experincia positiva do colonialismo ingls na

    regio dos Lagos, na frica Austral, ensinando as populaes indgenas a desenvolver a cultura do

    kickxia elstica, a melhorar a extraco e coagulao do ltex, criando mesmo formas de

    transformar o trabalhador local em proprietrio, limitando hostilidades e conflitualidades sociais. No

    entanto, o europeu (categoria que resume a circulao de colonos brancos em Africa) que se

    estabelece nas colnias, tantas vezes sem dinheiro e sem instruo, no se pode apenas iludir com a

    benignidade da riqueza do solo. Desde os primeiros alvores da expanso martima, acrescenta o

    nosso autor, tanto nas caravelas como nas expedies militares seguiam sempre "agrnomos", ao

    mesmo tempo que convinha recordar que uma grande parte das plantas teis existente na Africa e na

    sia foram introduzidas precisamente pelos aventureiros e comerciantes portugueses. Convocando a

    clebre obra de Alphonse de Candolle, Origine des Plantes cultives, rememora-se o papel histrico

    da expanso portuguesa na introduo e difuso da maior parte das plantas teis cultivada

    actualmente no mundo inteiro:

    Ce furent en effet, les navigateurs lusitaniens qui introduisirent les Patates{Convolvulus Batatas), d'origine amricaine, dans l'archipel indien, au Japon et enAfrique. Le manioc (...) fut introduit, par les Portugais, dans la Guine et au Congo, dsle XVI sicle. Les ignames (...) furent acclimats au Brsil, en 1500, par AlvaresCabral.55

    Esta espcie de viagem alimentar da histria da "globalizao" de muitas plantas actualmenteinseridas nas dietas mundiais tem, naturalmente, a fora de um legado, de uma espcie de misso

    histrica, elevando o papel histrico de Portugal na recriao de muitas estruturas ecolgicas

    mundiais. O mesmo no queria, no entanto, dizer quanto sua transformao em investimento

    econmico, em agricultura. Glosando a clebre mxima de Proudhon, a propriedade um roubo,

    Almada Negreiros critica duramente a situao econmica da colonizao econmica nacional,

    55 NEGREIROS, Antnio Lobo de Almada, L'agriculture dans les colonies portugaises, - Mmoire prsent lapremire "Runion Internationale dAgronomie Coloniale" de Paris, Paris, Augustin Challamel Ed., 1905, p. 11.

    25

  • 8/8/2019 O pensamento econmico colonial de Antnio Lobo Almada Negreiros : (1868-1939)

    26/136

    apontando que, no caso das colnias portuguesas, o roubo, o verdadeiro roubo nacional a no

    propriedade. E passa a defender intransigentemente uma poltica de colnias de plantao,

    reiterando o seu funcionamento enquanto celeiros de abundncia da me-ptria e arautos da sua

    grandeza material, ao contrrio das colnias comerciais em que essa riqueza tenderia sempre a serefmera.

    Este programa de colonizao agrcola decorre, alis, de uma classificao recorrente dos

    espaos coloniais, divididos por Almada Negreiros em (a) colnias agrcolas ou de plantao; (b)

    colnias comerciais; e (c) colnias de povoamento. As relaes entre estes trs andamentos

    econmicos do colonial poderiam, segundo o nosso autor, comear por assentar numa fase inicial

    centrada no comrcio com os indgenas, mas a colonizao agrcola deveria sempre constituir a

    segunda fase do fomento econmico colonial, representando a obra colectiva de todos os esforosindividuais e mesmo o ideal da colonizao moderna:

    Nous sommes arrivs une poque o il est utile - o il est indispensable - de faire del'agriculture coloniale.(...) Il n'y a de vraie richesse aux colonies, que celle que nousextrayons rationnelement, scientifiquement, de leur vaste sol attrayant et fcond.56

    Estes dois diferentes andamentos da economia colonial geravam ainda tipos sociais diversos.

    O colono comercial caracterizava-se pelo seu afastamento da cultura dos solos, vivendo

    permanentemente na desconfiana perante o seu concorrente mercantil ou o seu intermedirio

    indgena que oprime com frequncia com crueldade. Em contraste, o colono agricultor pauta-se pelo

    seu amor ao solo onde se fixa, protegendo espontaneamente o prprio indgena entendido como seu

    colaborador no trabalho de produo.

    Em continuao, descobre-se uma outra categorizao circular no pensamento econmico

    colonial de Almada Negreiros: a noo de colonizao latina. Para o nosso autor, as colnias de

    estados-naes latinos encontravam-se enxameadas quase unicamente de funcionrios pblicos e

    muito raramente o "colono de raa latina" se mobilizava para tirar o maior rendimento da terra.

    Matizando esta categorizao geral, o autor apresenta as especificidades do sistema colonial

    portugus que, contrariando mesmo as caractersticas da raa latina, se vazava na audcia do

    conquistador, na sobriedade do colono e at na assimilao pela raa indgena das nossas leis,

    costumes e religio. Este elogio aculturao portuguesa que "avana todas as outras na arte de

    colonizar, com base na sua bravura aventureira, na perseverana dos seus princpios e sinceridade

    NEGREIROS, ob.cit., p. 12.

    26

  • 8/8/2019 O pensamento econmico colonial de Antnio Lobo Almada Negreiros : (1868-1939)

    27/136

    en

    das suas convices" no impede verificar com mais actualidade que as raas modernas, menos

    sbrias e menos valentes, produzem mais que a nossa, pelo que deveriam suscitar tanto imitao

    como reflexo, concretizando um texto em apndice memria em que se oferece um cruzamento

    entre a experincia colonial portuguesa, a da Inglaterra e a dos Pases Baixos. Tornava-se imperiosa,

    segundo Almada Negreiros, contrariar j Bismarck j tambm Salisbury quando afirmavam que os

    povos da raa latina morreram ou esto a morrer. Pelo contrrio, era urgente que os povos latinos

    pudessem provar que nem estavam mortos nem moribundos, muito pelo contrrio, estavam mais

    poderosos do que nunca. As deficincias da colonizao latina no seriam, afinal, da ordem dos

    limites da "raa", mas antes da ordem da poltica econmica.

    Por isso, seguidamente, Almada Negreiros trata de abordar algumas das disfunes da poltica

    econmica colonial portuguesa. Uma das suas dificuldades radicava no afastamento da considerao

    causal entre as riquezas agrcolas e o trabalho racional, o que mobiliza o autor para atacar os

    governos metropolitanos excessivamente proteccionistas e assimiladores, a sua poltica de tarifas

    aduaneiras e mesmo a aplicao de leis anti-coloniais. Em nota de rodap, o pensador portugus

    instalado em Paris refere a demorada genealogia da poltica de proteccionismo colonial portugus,

    remontando a prticas autoritrias ainda do sculo XVII:

    L'Alvar (Ordonnance Royale) du 23 janv. 1687, interdisait aux trangers sous les

    pnalits les plus rigoureuses, d'acheter des draperies ou des lissus fabriqus dansf archipel portugais du Cap Vert.(Bulletin Officiel de la province n 67). C'est l, sanscontredit, le comble du protectionnisme autoritaire. La Charte Royale du 13 mars 1700,il est vrai, permit ces mmes trangers de faire du commerce dans ces Iles du Cap Vertdans celle de Cacheu et sur le territoire de Bissau, en Guine. Pour mieux expliquer cequ'tait ce protectionnisme, ajoutons que les Alvars des 10 et 22 mars 1621dfendaient aux gouverneurs et vice-rois, d'amnistier les personnes accuses decontrabande d'pices. Les navires chargs de sucre ne pouvaient mme pas dchargerleur cargaison dans les colonies portugaises o ils faisaient escale, mais seulement dansles ports de la mtropole (Ord. Du 3 dec. 1598).58

    Tema aproveitado pelo nosso autor para viajar atravs de vrias consideraes referenciais

    para a cultura elitria do seu tempo em torno das teorias da fiscalidade. Assim, seguindo as Maximes

    Fondamentales de Vauban, defendia-se a normativa geral afirmando que o imposto era o

    sustentculo do Estado, devendo ser sempre proporcional riqueza individual. Introduzido, assim, o

    tema da justia fiscal, o autor refere com a ajuda de Adam Smith e Jean-Baptiste Say {Cours

    ^Economie Politique) que

    "NEGREIROS, ob.cit, p. 12.58 NEGREIROS, ob.cit.,,?. 16.

    27

  • 8/8/2019 O pensamento econmico colonial de Antnio Lobo Almada Negreiros : (1868-1939)

    28/136

    La justice ne consiste pas faire payer tout le monde ; elle rside dans la proportionnalit 59.

    Um princpio permitindo ainda sublinhar as questes assimtricas da contribuio e da

    inequidade ficais, reiterando que

    Quand le sacrifice du contribuable n'est pas compens parVavantage qu'il en retire, ily a iniquit.60

    Como tantas vezes ocorre na obra de Almeida Negreiros, a sua funda erudio epocal, vazada

    em muitas leituras de obras e textos clssicos da sua poca, seguindo e citando com generosidade os

    grandes autores do pensamento poltico e econmico dos sculos XVIII e XIX europeus, no se

    transforma imediatamente em anlise e perspectivas do mundo colonial portugus. A discusso

    sobre a fiscalidade colonial volta a concretizar-se em torno de autores estrangeiros recentes que,

    como M. Leroy-Beaulieu, na sua De la colonisation chez les peuples modernes, sublinhavam a

    superioridade do modelo britnico centrado na fiscalidade do transporte comercial. Em contraste, as

    colnias portuguesas, para alm de exibirem uma repartio fiscal arbitrria, seguiam um sistema

    em que o prprio imposto era sempre desproporcional riqueza local, assim impedindo a avaliao

    real de uma colnia impossvel de mensurar atravs dos deficientes nmeros oficiais do seu

    rendimento fiscal. Refere-se com alteridade o exemplo colonial da grande ilha indonsia de Java,mantendo nas ltimas dcadas um dfice anual de alguns milhes de francos, sem que essa situao

    impedisse o crescimento permanente da sua riqueza local com impactos positivos na economia

    global da potncia colonial, a Holanda. Embaraado com uma muito deficiente poltica de

    fiscalidade, limitadora da iniciativa privada e de uma forte circulao mercantil, o colonialismo

    portugus moderno continuava amarrado a polticas de proteccionismo impedindo as colnias de se

    transformarem em fontes de riqueza e prosperidade. Uma situao negativa que se ampliava ainda

    com a falta de preparao econmica dos colonos portugueses e a longa tradio de ineficcia doensino colonial ministrado nas muito poucas escolas coloniais da metrpole, espaos dominados

    ainda por um ensino que o nosso autor perspectiva como excessivamente terico e inaplicvel s

    realidades das colnias.

    Os problemas da poltica econmica colonial portuguesa expressavam-se ainda atravs de

    uma larga ineficcia legislativa. A produo de leis praticamente no existia nas diferentes colnias

    SMITH, Adam, Recherches sur la nature et les causes de la richesse des nations, in NEGREIROS, ob.cit.,, p. 17.'NEGREIROS, Ob.Cit.,p.\7.

    28

  • 8/8/2019 O pensamento econmico colonial de Antnio Lobo Almada Negreiros : (1868-1939)

    29/136

    que se encontravam em excessiva dependncia da metrpole, ditando leis plenas de liberalismo

    superficial, como era o caso historicamente paradigmtico, segundo o nosso autor, do Decreto de

    Lei de 1688 em que Portugal reservava o direito de legislar sobre as suas colnias sem consultar

    nenhum representante da governao e administrao locais, interditando os vice-reis egovernadores ultramarinos de editarem leis locais, sendo sistematicamente obrigados a acatar as

    instrues e ditames da metrpole. Esta marginalidade alargava-se mesmo administrao dos

    recursos econmicos e fiscais locais de cada colnia, chegando-se at a verificar a paradoxal

    situao que se vivia em Macau, um caso inserido na tipologia de "colonies budgtaires", cujo

    oramento traduzia sempre um saldo positivo, com base no comrcio estrangeiro, mas em que a

    metrpole no recebia qualquer proveito desta riqueza.

    A partir deste corpus de ideias, crticas e temas, muito tributrio do pensamento econmicofrancs e ingls seu contemporneo, Almada Negreiros oferece ainda na sua memria da agricultura

    colonial portuguesa um demorado exerccio sobre a situao de cada espao colonial portugus,

    paisagem analtica que, no final, permitia preparar um programa de reformas econmicas. Estas

    informaes preciosas cruzadas com a investigao dos outros volumes de estudos coloniais do

    nosso autor permitiro, na segunda seco desta pesquisa, organizar uma larga visita economia das

    colnias portuguesas de Africa guiada pela inteligncia e representaes de Almada Negreiros.

    3. A IMITAO: O EXEMPLO INGLS E HOLANDS

    A difcil situao agrcola das colnias portuguesas em Africa encontra no apndice a esta

    Memria, denominada Les Leons de L'exprience - Les grandes nations colonisatrices, uma

    alternativa poltica baseada nitidamente na imitao dos dois casos de colonizao europeia que

    pareciam a Almada Negreiros marcados pelo completo sucesso: o colonialismo britnico e

    holands. Importava ao nosso autor estudar estes exemplos, sobretudo porque permitiam destacar o papel fundamental da iniciativa privada, completando todos os projectos dos governos centrais e

    administraes locais coloniais, padro que no se recuperava na ordem administrativa do

    colonialismo portugus em Africa. Havia, assim, que imitar o caso do colonialismo britnico e

    holands.

    Comeando por visitar o exemplo colonial britnico, o nosso autor sublinha a delegao de

    poderes e autonomia concedido pelo poder metropolitano queles que provaram capacidade moral

    e material de governar, em contraste com o regime de menor liberdade dirigido para espaos

    29

  • 8/8/2019 O pensamento econmico colonial de Antnio Lobo Almada Negreiros : (1868-1939)

    30/136

    menos civilizados como os territrios coloniais africanos. Almada Negreiros elogia, em seguida,

    o domnio colonial britnico em todos os cantos do mundo exercido sobre variadas formas polticas

    e sociais, preferindo centrar-se no exemplo maior das colnias nas ndias, onde coexistem

    possesses de domnio e explorao ingleses a par com distritos indgenas em que os autctonesso os senhores da administrao local, no constituindo a diversidade de castas e religies um

    obstculo delegao de poderes.62 Completando esta opo, o colonialismo britnico havia ainda

    optado por elaborar nas prprias colnias a legislao do seu interesse, reservando apenas ao

    Parlamento sediado em Londres a deciso sobre temas de poltica e economia gerais, como a

    autorizao de grandes investimentos e emprstimos.'55 Criava-se, assim, o que o nosso autor

    designa por esprito inovador da colonizao inglesa largamente baseado na necessidade do poder

    executivo colonial estar organizado e centralizado no no pas colonizador, mas sim na colnia,

    sendo objecto de uma superviso minuciosa da sua actuao local. Esta especializao colonial era

    internacionalmente reconhecida, como, entre outros elogios, se descobria num Relatrio importante

    apresentado ao Ministro das Colnias Francesas por H. Mercier, reconhecendo mesmo a

    importncia da circulao de comunicao entre estudantes das colnias e da metrpole:

    L'Angleterre a fait preuve d'un esprit d'innovation vraiment original, dont elle est endroit d'attendre d'heureux effets. Depuis quelque temps, le School Board de Londres

    encourage, par tous les moyens dont il dispose, l'change d'une correspondanceindividuelle entre les coliers de la mtropole et ceux des colonies. Les lettres, soumisesau contrle de l'instituteur, sont accompagnes de quelques vues colories, de paysagesou de monuments publics, qui en agrment la lecture. Cette initiative rcente a tencourage officiellement par une circulaire adresse, le 4 septembre 1903 auxgouverneurs des colonies anglaises, par M. Chamberlain, alors secrtaire des colonies.(Rapport prsent au ministre des colonies franaises par H. Mercier, charg demission. Le Petit Journal du 24 aot 1905)

    Somavam-se a estas vantagens polticas, o impressivo investimento colonial britnico na

    instruo, optando pelo criterioso apuro do futuro funcionrio ultramarino na metrpole e a

    obrigatria frequncia de um estgio de dois anos na colnia, ainda antes de ser provido de

    quaisquer cargos oficiais. Paralelamente, o governo central britnico seleccionava na ndia colonial

    jovens suficientemente qualificados para receberem formao em escolas metropolitanas, sendo

    61 NEGREIROS, Ob. Cit. p. 49.62 NEGREIROS, Ob. Cit, p. 51.63 Compte Rendu de la session tnue Wiesbaden, Mai, 1904, pp. 19-130, in NEGREIROS, Antnio Lobo de Almada,

    L'agriculture dans les colonies portugaises, - Mmoire prsent la premire "Runion Internationale d'Agronomie

    Coloniale", Paris, Augustin Challamel Ed., 1905, p. 51.64 NEGREIROS, Ob. Cit., pp. 51-52.

    30

  • 8/8/2019 O pensamento econmico colonial de Antnio Lobo Almada Negreiros : (1868-1939)

    31/136

    depois recolocados no funcionalismo das colnias sob o controlo de funcionrios superiores

    britnicos. Esta formao de funcionrios coloniais tinha mesmo permitido ao colonialismo

    britnico organizar na ndia um vasto sistema fiscal centrado no cadastro das propriedades rsticas e

    urbanas que tinha possibilitado sistematizar a cobrana de um amplo imposto predial, fundamentalno financiamento do funcionalismo local. Este sucesso assentava ainda no reconhecimento das

    organizaes indgenas e da sua importncia num sistema de indirect rule, mas tambm como

    obstculo expanso da ordem civilizacional europeia:

    L'organisation indigne de la proprit pour base le morcellement de la terre, sourcede toute richesse. Tout en respectant cette organisation locale, dans ses formes absolues,le gouvernement anglais s'est content d'y exercer un simple mais prpondrant droit

    de drapeau ou de nationalit. Il faudrait bouleverser compltement ce formidableorganisme social si Ton voulait y implanter, d'un seul coup, la civilisation, les lois, lesmurs et les costumes europennes - diamtralement opposes souvent celles desvieilles races indignes. Tout le mcanisme administratif de cette immense coloniefonctionne donc sur place.65

    Esta rpida apreciao panormica permitia a Almada Negreiros destacar que a conservao

    moderna de espaos coloniais deveria seguir o exemplo do colonialismo britnico: preparar as

    colnias para se governarem colonialmente a si prprias. Princpio que implicava investir

    economicamente na valorizao das riquezas locais, fomentar um sistema administrativo eficaz

    dotado de largo contingente local, desenvolver a fiscalidade prpria e, acima de tudo, qualificar a

    instruo colonial.

    O outro grande paradigma de colonialismo que o governo portugus deveria procurar imitar

    era o exemplo do colonialismo holands nas ndias Nearlandesas, a futura Indonsia. O nosso autor

    sublinha a importncia dada pela Holanda colonizao agrcola de Java, transformando a colnia

    atravs da intensificao da explorao da terra. Um investimento continuado que passava

    igualmente pela adaptao da legislao poltica e econmica s realidades das colnias, deixando

    que se operem as transformaes sucessivas que se impem na evoluo social local, sendo essas

    leis socais locais a regerem a explorao da terra. Assim acontecia com o sistema de impostos. O

    solo pertence na ilha Java a um proprietrio indgena que paga apenas o imposto sobre a exportao

    dos produtos agrcolas, cabendo ao Estado colonial o direito de coagir explorao da terra. O

    indgena paga ainda a sua renda ao chefe local e este o responsvel perante o agente fiscal da

    autoridade holandesa. Trata-se novamente de uma estratgia de indirect rule, agora tambm com

    65 NEGREIROS, Ob. Cit., p. 54.

    31

  • 8/8/2019 O pensamento econmico colonial de Antnio Lobo Almada Negreiros : (1868-1939)

    32/136

    interesses de explorao econmica, situao obrigando a admitir a organizao de uma

    administrao tambm indirecta:

    Fadministration de la justice est dvolue aussi bien des fonctionnaires europensqu' des fonctionnaires indignes (Compte rendu de la session de l'Institut ColonialInternational, Rome, 1905, note du D Pijnacker-Hordijk, page 641). Le gouverneurgnral de Java, Van Deden (1890) a cr des coles dnommes coles de chefs pourla formation es fonctionnaires indignes. Devenu ministre des colonies, M van Deden

    perfectionna ces coles, qui sont tablis Mageland, Bandoeng et Probolingo.66

    Apesar destas particularidades, o colonialismo holands nas ilhas indonsia assentava no

    poder de um Governador-geral instalado em Batvia que, tal como o vice-rei britnico das ndias, se

    encontrava investido de poderes absolutos de representao, incluindo o direito de declarar guerra epaz na colnia. Ao lado destes poderes coloniais autorizavam-se os prncipes regentes indgenas,

    tambm como nas ndias britnicas, a exercerem dominaes significativas sobre os seus sbditos,

    direitos estes sujeitos a uma superviso hipottica dos holandeses. Para Almada Negreiros, o

    segredo desta sbia e previdente administrao consistia precisamente na difcil aplicao desta

    superviso. Deste modo, os direitos dos chefes indgenas sobre as terras livres foram definidos por

    um Regulamento de 1884 que, segundo o nosso autor, constitua uma obra-prima do respeito dos

    colonizadores europeus pelas instituies indgenas. Este projecto, obra do Governador Van derCapellen, repousava sobre o princpio que deve ser o primeiro objectivo de toda a colonizao

    agrcola que

    Les terres libres doivent tre concdes pour un terme assez long, afin de permettre aucultivateur de rentrer dans ses frais et de retirer une juste rmunration des soinsapports au dfrichement et la culture.

    Este sistema completava-se ainda com a concesso de direitos de explorao legais aosindgenas que cultivavam em permanncia os seus campos, publicando concomitantemente medidas

    legislativas duras para impedir que o cultivador local no se acomodasse a obter uma simples

    colheita, aps a qual abandonava as terras que lhe foram concedidas. Este controlo da actividade

    econmica local conclua-se, por fim, com a expanso de medidas de trabalho obrigatrio indgena:

    66 NEGREIROS, Ob. Cit., p. 57.61Van der Capellen, in NEGREIROS, Ob. Cit., p. 58.

    32

  • 8/8/2019 O pensamento econmico colonial de Antnio Lobo Almada Negreiros : (1868-1939)

    33/136

    Ce rgime qui est connu sous le nom de Systme, consiste en une corve d'un joursur sept, due par les indignes sans exception. (Emile Boutmy, Recrutement desAdministrateurs coloniaux, pag. 46). Outre des corves dues l'tat, il y a les curvesdues la commune.(Dessa). Du systme des curves est n le systme des culturesforces, qui existait dj au temps de la Compagnie des Indes. (Un sjour dans l'lede Java, par Jules Lecierc.

    A partir dos exemplos polticos e econmicos dos investimentos britnicos e holandeses na

    ndia e na Indonsia, Almada Negreiros destaca que as duas potncias coloniais europeias tinham

    especializado sistemas coloniais semelhantes erguidos em torno de uma administrao tolerante,

    previdente e sensata, mobilizada para conquistar o interesse das populaes pela cultura da terra,

    longe da fantasia da assimilao que predominava em muitos meios coloniais portugueses da poca.

    Em rigor, segundo o nosso autor, o falso patriotismo exaltado pelos povos conquistadores apenas

    conduz averso e ao dio das populaes perante o colonizador, como ocorria de forma eloquente

    na relao da Espanha com quase toda a Amrica do Sul. Pelo contrrio, o verdadeiro patriotismo

    dos povos colonizadores aquele que produz nas colnias comunidades de interesses e a justa

    compreenso dos assuntos locais, permitindo mesmo que, como no caso britnico e holands,

    espaos coloniais de enormes dimenses conseguissem ser eficazmente administrados por um

    nmero limitado de funcionrios associado presena de escassos colonos europeus:

    Exemples: le Canada, le Cap, l'Australie, comme colonies anglaises ; et, du ct desPays-Bas, les Indes Nerlandaises, cet empire de plus de 30.000.000 d'habitants, sisagement gouvern par peine 4.000 fonctionnaires hollandais de toutes catgories.Dans toute l'tendue des Indes Nerlandaises, il n'y a mme pas 60.000 colonshollandais. Est-il possible de mieux justifier no conclusions que par ces exemplesfrappants, qui leur donnent une incontestable autorit ? N'y a-t-il pas, dans toutes cessemences coloniales, les germes d'une grande ppinire d'ides pratiques, de faitsexprimentaux, de rsultats acquis et de leons suivre ?69

    4. A CO MP AR A O : AS COLNI AS PORT UGUE SAS E FRANC ESAS NA F RI CA

    Experimentado pelo difcil trabalho de exibir as pobres colnias portuguesas de Africa aos

    pblicos cultos europeus, Almada Negreiros procura tambm encontrar escalas de comparao

    suficientemente teis para a circulao dos mostrurios comerciais coloniais de Portugal nas

    grandes exposies internacionais. Assim, essa extensa obra intitulada Les colonies portugaises;

    NEGREIROS, Ob. Cit, p. 59.NEGREIROS, Ob. Cit., p. 62.

    33

  • 8/8/2019 O pensamento econmico colonial de Antnio Lobo Almada Negreiros : (1868-1939)

    34/136

    Etudes documentaires, Produits d'exportation , publicada em 1908, apoiando o mostrurio colonial

    apresentado por Portugal na Grande Exposio Universal de 1900, oferecida em Paris, Almada

    Negreiros procura criar um sistema de exposio e de comparao capaz de qualificar as limitadas

    sugestes das produes coloniais portuguesas africanas. Trata-se de convocar a atenofundamentalmente do pblico francs propondo um sistema comparativo eficaz entre as colnias

    portuguesas de Africa e a variada coleco de espaos colnias de reivindicada soberania francesa:

    Il pourra ainsi se faire une juste ide de F importance des travaux des Portugais et d'apprcier, sa

    juste valeur, l'uvre coloniale considrable de son propre pays.71 O autor esclarece as dificuldades

    de um rigoroso sistema comparativo, alterado mesmo pela diversidade da relao entre o

    rendimento de uma colnia que no est sempre, em razo directa, com a extenso do territrio,

    nem a sua produo em relao com a situao geogrfica. A partir destes limites, Almada

    Negreiros arrola ampla informao sobre o estado das colnias portuguesas africanas cruzada com

    os principais dados referentes ao movimento comercial das colnias francesas, temas retirados da

    obra referencial de M. L. Brunei, Les Colonies Franaises J2

    A comear, frequenta-se uma comparao geral, quase geograficamente evidente, entre a

    Guin Portuguesa e a Guin Francesa. Almada Negreiros sumaria os aspectos gerais da relao

    entre superfcie territorial e movimento comercial:

    Guin Francesa Guin PortuguesaSuperfcie 238.350 km2 11.822 km2

    Movimento Comercial 30.000.000 fr. 6.000.000 fr.

    Destaca-se um ambiente comparvel de progressos econmicos e financeiros,

    nomeadamente nos movimentos comerciais do ltimo decnio, resumidos para o perodo

    estendendo-se de 1894 a 1903:

    Movimento Comercialem 1894 10.000.000 fr. 400.000 fr.

    Movimento Comercial

    em 1903 30.000.000 fr. 6.000.000 fr.

    NEGREIROS, Antnio Lobo de Almada, Les colonies portugaises; Etudes documentaires, Produits d'exportation,Paris, Augustin Challamel, Librairie Maritime et Coloniale, 1908.71 NEGREIROS, Ob. Cit., p. 45.72 BRUNET, M. L. - Les Colonies Franaises. Lige: 1905.

    34

  • 8/8/2019 O pensamento econmico colonial de Antnio Lobo Almada Negreiros : (1868-1939)

    35/136

    Em continuao, o mesmo sistema de comparao aplica-se, agora com alguma imaginao

    e esforo, a associar Cabo Verde Oceania Francesa. Almada Negreiros opta por esta comparao

    de dois arquiplagos distantes, filiados em espaos geogrficos e culturais completamente distintos,

    mas entre os quais se sublinhavam aproximaes de superficie e de volume das movimentaescomerciais:

    Cabo Verde Oceania Francesa

    Superficie 3.822 km2 4.008 km2

    Movimento Comercial 10.000.000 fr. 8.000.000 fr.

    Segue-se novamente a comparao dos volumes comerciais para o perodo decenal entre 1894e 1903, exibindo as seguintes relaes de grande aproximao:

    Cabo Verde Oceania Francesa

    Movimento Comercial

    em 1894 7.000.000 fr. 5.000.000 fr.

    Movimento Comercial

    em 1903 10.000.000 fr. 8.000.000 fr.

    Em continuao, o esforo de Almada Negreiros vira-se para o pequeno arquiplago de S.

    Tom e Prncipe, espao em que havia decorrido a sua rpida experincia concreta de administrador

    colonial. Buscando uma escala aproximada na coleco de colnias francesas, desta vez a

    investigao do nosso autor opta por comparar as ilhas de S. Tom e Prncipe com as ilhas da

    Reunion. Outra vez, concretizando o sistema comparativo anterior, cruzam-se superfcies e volumes

    comerciais gerais:

    S. Tom e Prncipe Reunion

    Superfcie 3.822 km2 4.008 km2

    Movimento Comercial 10.000.000 fr. 8.000.000 fr.

    Esta grande aproximao entre os dois espaos coloniais prolonga-se igualmente em matria

    de movimentos comerciais decenais, entre 1894 e 1903, conquanto se consiga registar uma maior

    35

  • 8/8/2019 O pensamento econmico colonial de Antnio Lobo Almada Negreiros : (1868-1939)

    36/136

    aumento da progresso comercial de S. Tom e Prncipe, assentando, como se sabe, na acumulao

    das vantagens quase monoculturais do cacau:

    S. Tom e Principe Reunion

    Movimento Comercial

    em 1894 15.000.000 fr. 25.000.000 fr.

    Movimento Comercial

    em 1903 47.000.000 fr. 41.500.000 fr.

    As simetrias encontradas nesta comparao e, em especial, no progresso do movimento

    comercial encontrado nos dois arquiplagos permitiam sublinhar, de acordo com o nosso autor, uma

    espcie de paradigma das vantagens do que designava por colonizao latina. S. Tom e Prncipe

    e a Reunion compareciam mesmo, reconstruindo o exagerado elogio de Almada Negreiros como

    dois monumentos da energia franco-portuguesa:

    Les les de Reunion et de San-Thom et Principe, sont les deux plus beaux fleurons de

    gloire de la colonisation des deux pays : Elles ont la mme origine et la mmeformation gologique; le mme rgime mtorologique; les mmes proprits defertilit du sol. Elles prsentent un rare exemple de ce qu'ont ralis en Afrique latnacit et la force de la colonisation latine. Le parallle est frappant de similitude. On aappel Eden la petite le merveilleuse du groupe des Mascareignes {Mascarenhas) : ona, et avec raison, qualifi de Perle, la riche possession lusitanienne du golfe des Mafras.Elles sont, au surplus, deux monuments imprissables de Ynergie franco-portugais,autant de fois mise en doute qu'elle s'est affirm dans des entreprises de ce genre.7

    Concede agora o estudo de Almada Negreiros espao para comparar Angola e o Congo

    francs. Mais uma vez, a grande colnia portuguesa da Africa Austral e os domnios franceses na

    rica regio do Congo comparam superfcies e movimentos comerciais gerais:

    Angola Congo francs

    Superfcie 1.300.000 km2 1.800.000 km2

    Movimento Comercial 65.000.000 fr. 18.000.000 fr.

    NEGREIROS, Antnio Lobo de Almada, Les colonies portugaises; Etudes documentaires, Produits d'exportation.Paris, Augustin Challamel, Librairie Maritime et Coloniale, 1908, p. 52.

    36