o pcb e a fragmentaÇÃo da esquerda brasileira · seus quadros e esfacelando a já debilitada...
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JANETE DE FÁTIMA BARAUSE
O PCB E A FRAGMENTAÇÃO DA ESQUERDA BRASILEIRA
Monografia apresentada ao curso de História, Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal do Paraná, orientada pela Prof. Judite M. Barbosa Trindade.
CURITIBA
1999
1
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................2
2 PCB - 1958: “NOVA POLÍTICA” E UM NOVO PARTIDO ......................................6
3 PCB E PC DO B: ONDE ESTÁ A DIFERENÇA ? ....................................................16
4 REFLETINDO A MUDANÇA .....................................................................................26
5 CONCLUSÃO ................................................................................................................34
6 FONTES ..........................................................................................................................37
7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .........................................................................38
2
1 INTRODUÇÃO
O Partido Comunista Brasileiro, desde o seu surgimento em Março de 1922, passou
por crises, reformulações e cisões. Apesar de ter vivido a maior parte de sua existência na
ilegalidade1, teve importante influência na política nacional. Por conta desta sua influência
sofreu perseguições em vários períodos, chegando a alguns momentos de clandestinidade
praticamente total, perdendo-se a visibilidade. De sua longa trajetória - haja visto ser o
PCB considerado o mais antigo partido nacional - o período que se segue a divulgação do
relatório de Kruschev no XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética (PCUS),
em 1956, representa uma importante transformação na orientação seguida pelo Partido,
particularmente no período de 1958 a 1962.
Neste momento o PCB contava no Brasil com uma margem de razoável legalidade
democrática, pois embora não tivesse seu registro acatado pela Justiça Eleitoral, também
não estava de todo expulso de participar da vida parlamentar. Esta situação era vivida pelo
Partido desde o governo constitucional de Vargas (1950 - 1954) e que se estendeu pelo
governo de Juscelino Kubistchek (1955 -1960). A participação parlamentar do PCB, como
não podia ocorrer abertamente, levou-o a abrigar-se em legendas de partidos registrados,
particularmente o PTB. Este clima de semi-legalidade foi vivido pelo PCB até 1964,
quando o golpe militar obriga-o novamente a clandestinidade.
1 O PCB viveu poucos momento como um partido legal. Esses períodos foram: de Março a Julho de 1922; de Janeiro a Agosto de 1927 e de 1945 a 1947. Obviamente, com a abertura política promovida no governo de Figueiredo, quando o país retomava a democracia (ainda que lentamente), o PCB conquistará, então em 1985, definitivamente seu registro, sendo legalizada a sua existência, podendo participar legalmente na política nacional.
3
Para que melhor se possa compreender o PCB dos anos 1958 - 1962, é importante
também compreender o contexto em que o Partido está inserido. O Relatório de Kruschev,
em 1956, que abalou o comunismo mundial revelando os crimes de Stalin, tido como um
dos grande mestre do comunismo, foi o precursor dos debates no período que se seguiu. O
PCB, seguidor fiel das orientações do Partido de Stalin (o PCUS), inicialmente duvidou da
veracidade do relatório, não se abrindo à discussão. Quando a situação se tornou
insustentável e que as denúncias de Kruschev não podiam mais ser negligenciadas, então a
discussão foi aberta. O resultado de todo esse embate desembocou em auto-críticas e na
necessidade de se repensar tais orientações, o que foi dado pela Declaração de Março de
1958.
A Declaração de Março foi o ponto de partida para as cisões que ocorreriam
posteriormente, como é o caso da composição do PC do B, em 1962, com os membros que
eram discordantes da linha política que este documento defendia. Estes membros acabaram
sendo expulsos dos quadros do PCB, com a justificativa de que estavam compondo uma
facção interna, o que era proibido pelos estatutos do Partido. Porém, o documento de 1958
vai produzir no Brasil um Partido Comunista renovado e mais autônomo.
Este estudo centra-se neste período, que apresenta acontecimentos importantes no
interior do Partido, dentre os quais podemos citar a já referida Declaração de Março de
1958, onde se inaugura uma nova linha política que pretendia romper com o stalinismo e
defendia novas formas de atuação para a transformação da sociedade. A importância deste
documento deve ser ressaltada, pois ele iria ser a base do V Congresso de 1960 e seus
pressupostos também estariam presentes na Resolução da Conferência Nacional de 1962,
4
mostrando um Partido otimista e ponderado com relação à política nacional. Muito dessa
visão vinha, também, da situação internacional, inspirada pela Revolução Cubana vitoriosa.
Partindo da análise destes documentos, quais sejam: a Declaração de Março, a
Resolução do V Congresso de 1960, a Resolução da Conferência Nacional de 1962 e
também do Manifesto-Programa do PC do B de 1962, procuraremos entender em que
medida as mudanças deste período vão trazer para o PCB uma orientação interna que
criticava o stalinismo, e uma forma diferente de se encarar a ação política. Buscaremos
ainda, por meio destes documentos analisar de que forma estas discussões estavam sendo
encaminhadas pelo Partido e em que medida a orientação stalinista foi rejeitado e até que
ponto ele ainda permaneceu norteando as orientações do PCB. E, se no PCB permaneciam
resquícios dessa orientação, então porque o núcleo que iria compor o PC do B, que
nitidamente retoma o arcabouço stalinista, vai se opor rigorosamente ao PCB? Qual a
matriz destas divergências?
Buscaremos as respostas à estas questões nos documentos citados, analisando as
propostas políticas dos Partidos e o que eles estão dizendo, onde divergem, onde se
assemelham. Inicialmente, havia-se pensado na utilização dos documentos referentes ao
PCB pertencentes ao Arquivo Público do Estado do Paraná e também do jornal Última
Hora, como fontes capazes de propiciar a observação de discussões a respeito das
orientações e do encaminhamento político frente às questões suscitadas em 1956 e 1958.
Mas, na análise feita nos documentos do Arquivo Público, notou-se que eles não
respondiam às questões levantadas pela pesquisa. Na análise feita em um ano do referido
jornal (1959 - 1960), observou-se que o conteúdo nele presente não continha subsídios que
pudessem contribuir efetivamente com a pesquisa, pois apenas algumas poucas matéria
5
tratavam a respeito do PCB, assim mesmo apenas quando relacionadas ao apoio que este
partido dispensava a campanha presidencial do General Henrique Teixeira Lott, em 1960.
Sendo assim, optou-se por abandonar uma pesquisa que seria exaustiva e poderia não
contribuir na proporção que se desejava.
A discussão sobre o Partido Comunista Brasileiro conta com diversas obras, muitas
delas surgidas no início dos anos 80, provavelmente favorecidas pelo contexto da época,
pois, afinal, depois de vinte anos de uma ditadura repressiva e anti-democrática o país vivia
um clima de esperança, com a “abertura política” promovida pelo governo de João
Figueiredo. Então, o clima político do país estava propício para que assuntos antes
chamados de “subversivos”, como era o caso do PCB, um dos maiores alvos da repressão
não só da ditadura pós-64, mas desde a sua fundação, entrassem na pauta das democráticas
discussões. Ainda assim, o Partido sofreu os percalços de existir numa sociedade onde o
imaginário comunista era associado ao fim da família, da propriedade privada, das religiões
e das instituições. O temor ao comunismo foi, não se pode esquecer, uma das justificativas
para o golpe de 31 de abril de 1964.
Talvez seja justamente em razão desta falta de bibliografia que, no início da década de
80, muitos militantes irão se por a escrever a história do Partido, como é o caso de Leandro
Konder, de Jacob Gorender, Moysés Vinhas entre outros. A idéia era fazer conhecer a
todos o que havia sido o PC no Brasil e que até então era forçosamente desconhecido da
maioria da população. Recentemente várias obras tem sido publicadas, e o Partido
Comunista Brasileiro passou a ser objeto de vários estudos.
Contudo, podemos dizer que o PCB no período de 1958 a 1962, mesmo existindo
como um partindo ilegal, embora não clandestino, tinha importante influência na política
6
nacional. Talvez por isso as forças conservadoras da sociedade o temessem. Mas, a crise
que o Partido viveu neste período, mesmo depois do V Congresso, que de certa forma
encerrava as discussões a respeito do stalinismo, mostra que ela não estava de todo
superada, pois o acirramento das divergências internas lhe trouxeram cisões, reduzindo os
seus quadros e esfacelando a já debilitada esquerda nacional.
2 PCB - 1958: “NOVA” POLÍTICA E UM NOVO PARTIDO
A instauração de uma nova política no interior do PCB nos anos 50, formalizada
através da Declaração de Março de 1958, pode ser compreendida, entre outros fatores, pelo
contexto do suicídio de Getúlio Vargas e da realização do XX Congresso do Partido
Comunista da União Soviética (PCUS), de 1956. Estes acontecimentos representaram para
o PCB o início de um processo de reorganização interna, onde será repensada sua política e
sua forma de atuação na sociedade.
O suicídio de Getúlio, com a grande comoção que causou, fez os comunistas mudarem
de posição, pois ao invés de criticarem a política do Presidente, como vinham fazendo até
então, colocaram-se ao lado da sociedade, mostrando uma mudança estratégica na busca
por obter o apoio da população à sua política, o que pode ser entendido também como uma
estratégia para buscar a sua legalização como partido político.
7
A posição do Partido com relação ao governo brasileiro era dada pelo seu IV
Congresso, que o entendia como um governo de “traição nacional”, servidor dos interesses
do imperialismo norte-americano e dos grandes latifundiários, o qual somente a revolução
armada poderia por fim. Porém, o conteúdo anti-imperialista da carta-testamento de
Getúlio e a comoção das massas com sua morte, fizeram com que o PCB mudasse rápida e
radicalmente de posição, alinhando-se com as massas e contra a sua orientação de assalto
ao poder. A aliança do PCB com o PTB e com o ministro do trabalho João Goulart lhe
serviram de escudo contra as eventuais acusações que pudessem lhe recair.
A mudança provocada pela posição do Partido após ao suicídio de Vargas, se dera,
também, em função de sua percepção de que, naquele momento, tinha-se criado a
possibilidade para uma ampla mobilização capaz de mudar os rumos da política
governamental, junto com a possibilidade de formar uma coalizão democrática, além da
valorização das liberdades democráticas. Nesse sentido, segundo Raimundo SANTOS, o
PCB vai ter uma visão cada vez maior da realidade do país, inscrevendo os comunistas na
moderna tradição de defesa das liberdades democráticas 1 .
Com a morte de Vargas, o PCB teve sua linha política abalada, que seria posta em
xeque com a denúncia dos crimes de Stalin no Relatório de Kruschev, durante o XX
Congresso do PCUS, em 1956, desencadeando uma crise partidária em seu interior. O XX
Congresso do PCUS obrigou os comunistas a repensarem a sua orientação política, que era
pautada no stalinismo2. Inicialmente, o Partido duvidou da veracidade do Relatório,
1 SANTOS, Raimundo. O pecebismo inconcluso. 2ª Edição. Rio de Janeiro: Editora Universidade Rural - Sociedade do Livro, 1994. 2 O stalinismo consistia em uma política que levava em conta as idéias de Stálin. Girava em torno de um culto a sua personalidade e do centralismo partidário. Envolvia uma aura de glória e admiração relativos aos ensinamentos de Stálin. No PCB, a orientação stalinista estava bastante arraigada. Por isso, o abalo que provocou o XX Congresso do PCUS foi tão intenso. O Relatório Secreto de Kruschev não retirava a
8
pensando ser ele uma sabotagem norte-americana para abalar o mundo comunista. Em
função desse descrédito dado ao documento, os comunistas brasileiros, bastante apegados à
doutrina stalinista, se fecharam e se negaram a discutir seu conteúdo, que questionava o
“culto a personalidade” e o excessivo centralismo partidário que esta política preconizava.
Apenas depois de nove meses a discussão foi aberta, e mesmo assim a revelia da cúpula
partidária, que nestas condições viu-se obrigada a falar sobre este espinhoso assunto.
Desta forma, nota-se que o Partido não estava coeso, pois havia de um lado a cúpula do
Partido, recusando-se a falar sobre o assunto e de outro lado, um grupo que insistia na
necessidade de se abrir a discussão. Eram os “abridistas” e os “fechadistas”, que iriam
evoluir, segundo Raimundo SANTOS, respectivamente, para as correntes “renovadora” e
“conservadora” 2, posteriormente. Sobre os renovadores, escreve Leôncio RODRIGUES
“Agildo Barata e os ‘renovadores’ preconizavam principalmente a ‘democratização interna do Part ido’, a ‘ independência’ frente ao PCUS e a procura de um ‘caminho brasileiro para o socialismo’ através de uma ‘ l inha polí t ica de massas’ capaz de estabelecer um ‘governo nacionalista, democrático e progressista’ .” 3
Outro item integrante da política proposta por este grupo era a idéia do
desenvolvimento de uma “frente” ou “movimento” mais amplo, que integrasse diversos
setores sociais, que era a tática da Frente Única. Em maio de 1957 esse grupo rompe com
importância de Stálin na Revolução russa de 1917, mas revelava os erros, crimes e falsificações que Stálin promoveu para efetivar sua política. 2 SANTOS, Raimundo. Crise e pensamento moderno no PCB dos anos 50. IN: REIS FILHO, Daniel A. História do marxismo no Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991, pg. 139. 3 RODRIGUES, Leôncio M. O PCB: os dirigentes e a organização. IN: FAUSTO, Bóris (dir). História geral da civilização brasileira. São Paulo: DIFEL, 1981, pg. 425. Os trechos em aspas presentes dentro da citação foram retirados pelo autor de uma entrevista de Agildo Barata dada ao jornal O Estado de São Paulo, em 19/06/57.
9
PCB, formando a Corrente Renovadora do Marxismo Brasileiro, que teve vida curta.4 Sua
saída do Partido representava a vitória do grupo conservador dentro das fileiras pecebistas,
que preferia não mexer demasiadamente em sua orientação política.
Embora separados do PCB, as idéias do grupo renovador não foram desprezadas. Ao
contrário, o núcleo dirigente iria requerer para si a autoria daquelas idéias quando da
elaboração da Declaração de Março de 1958, proclamando-se o verdadeiro renovador do
Partido. Dentro desta nova política proposta pela corrente renovadora e absorvida pela
corrente conservadora estava a tática da Frente Única (que era uma política de colaboração
de classes no caminho para a transformação da sociedade) e o desenvolvimento “pacífico”
do processo político, o que representava um rompimento com a política proposta no seu IV
Congresso, em 1954. Além disso, esse documento fechava as discussões a respeito da
política stalinista.
A Declaração de Março inicia-se expressando a necessidade de discussão que o XX
Congresso impôs sobre o Partido. Diz a Declaração:
“O exame destes erros e a necessidade de superá-los levaram o Comitê Central do PCB a traçar uma nova orientação polí t ica, que é exposta na presente declaração. Ao fazê-lo, o Comitê Central considerou a experiência passada do Partido e as modificações ocorridas na si tuação do Brasil e do mundo.” 5
A Declaração de Março de 1958 representava a necessidade de formalizar uma nova
política no Partido, em função das discussões que se seguiram no PCB após o XX
Congresso do PCUS. Sobre a elaboração do documento, escreve GORENDER:
4 Ibid., ibdem. 5 PESSOA, Reynaldo. PCB: vinte anos de política (1958 - 1979). São Paulo: LECH, 1980, pg. 03 - 27. Esta obra contém os documentos produzidos pelo PCB durante o período que referencia, dentre estes a
10
“Transcorreram alguns meses e parecia que as mudanças empacaram .. .A esta al tura, Giocondo Dias convocou uma reunião à qual vieram Mário Alves, Armênio Guedes e Alberto Passos Guimarães (Jacob Gorender também) . . . Com a aprovação do secretário-geral , os companheiros al i presentes eram convidados a elaborar um documento alternativo” ( ao da comissão eleita na reunião plenária de agosto de 1957 para tal f im) . . . “Tratava-se de formar uma comissão ultra-secreta, desconhecida para o Comitê Central e mesmo para a Comissão Executiva. Todos os presentes, aceitamos a proposta. Em numerosas reuniões . . . de dezembro de 1957 a fevereiro de 1958, debatemos os diversos temas e chegamos à redação final do que tomou a denominação de Declaração Polí t ica de Março de 1958 . Porque aprovada neste mês no pleno do Comitê Central , com ligeiras modificações e com o voto contrário de João Amazonas e Maurício Grabois.”6
Mesmo a Declaração sendo o produto de um grupo que por meio de Dias mantinha
contato com Prestes, não são membros da cúpula partidária, mas mesmo assim o
documento é assinado pelo Comitê Central do Partido.
A Declaração de Março inscreve-se num processo de reorganização da política interna,
vinda da necessidade de expressar uma nova postura que rompesse com os vestígios da
política anterior. O que se pode perceber na citação de GORENDER é que as decisões
tomadas com relação a este documento partiram de uma decisão de um pequeno grupo
dentro do Partido, onde as bases foram apenas informadas sobre as mudanças no Partido,
pois foi aquele pequeno grupo (Gorender, Dias, Passos Guimarães, Alves e Guedes) que
decidiu sobre a necessidade de um documento que expressasse a mudança na orientação
política e que aprovou esse mesmo documento. Uma prática que mostra um centralismo
excessivo ainda presente dentro do Partido, mesmo o documento querendo romper com o
passado stalinista.
“Declaração de Março” e a “Resolução Política do V Congresso de 1960”. Aqui, cito um trecho da Declaração de Março, pg. 03. 6 GORENDER, Jacob. Combate nas trevas. São Paulo: Editora Ática, 1987, pg. 29.
11
Pode-se notar que a Declaração é elaborada para uma revisão da sua política, embora
deixe claro que não está refutando simplesmente a política dos anos anteriores. Embora o
tema central seja o rompimento com o stalinismo, algumas práticas deste corpo político
irão permanecer no Partido, mesmo depois da crítica direcionada a ele. Com relação a esta
política, Antônio MAZZEO escreve que “não se pode deixar de dizer que a ‘renovação’ do
PCB realizou-se como ajuste, retocamento e atualização das velhas e consagradas fórmulas
construídas no período da hegemonia stalinista” 7.
Mesmo a nova política não tendo sido uma virada brusca com relação a política
anterior, em alguns pontos ela chega a ser radical, principalmente se comparada com as
diretrizes da política interna que se tinha no IV Congresso. Um exemplo que pode ser dado,
é que, até 1954, o PCB via na derrubada do governo de Getúlio Vargas condição necessária
para realizar a democratização e a soberania nacional, pois o governo era entendido como
sendo composto por latifundiários e entreguistas 8. Já com a Declaração de Março, a
análise feita do governo atual, de Juscelino Kubischek, entendia-o como um governo de
composição heterogênea, onde os nacionalistas e os entreguistas se defrontavam. Quer
dizer, não era entendido como um governo de traição nacional porque a burguesia estaria
consciente da exploração imperialista e também a combateria.9 Essa mudança vai estar
estritamente vinculada a um elemento que vai ser central na nova política do Partido, que
era o caminho pacífico da revolução.
A idéia do caminho pacífico da revolução estava conjugado com a política da Frente
Única. O caminho pacífico considerava que o desenvolvimento capitalista das forças
7 MAZZEO, Antônio C. Sinfonia inacabada. A política dos comunistas no Brasil. São Paulo: Boitempo, 1999, pg. 89. 8 SANTOS, Raimundo. Crise e pensamento moderno no PCB dos anos 50., pg. 134. 9 GORENDER, Jacob. Op. cit., pg. 30.
12
produtivas faria surgir no país uma “burguesia nacional e progressista”, em contraposição
com o imperialismo. Desta forma, o Partido estava abandonando a contradição burguesia
versus proletariado. Com relação a essa contradição fundamental, a declaração vai dizer
que ela não precisa ser resolvida na etapa atual da revolução. O Partido vai colocar a
necessidade de que os diversos setores da sociedade (o proletariado, os camponeses, a
pequena burguesia e burguesia envolvida com o desenvolvimento da indústria nacional) se
unissem em torno de uma frente nacionalista e democrática, contra os grandes vilões: o
imperialismo e o latifúndio.
Desta forma, a Declaração de Março estaria colocando uma política de conciliação de
classes, que era defendida desde 1945, mas envolvendo a democracia com a ordem
capitalista. A burguesia industrial teria um papel fundamental, pois ao desenvolver a
indústria nacional retiraria espaços dos imperialistas norte-americanos, sendo ela então,
entendida como um elemento chave junto ao proletariado para a conquista da soberania
nacional. Porém, a Declaração reconhecia que a Frente Única não se tornaria homogênea,
mas acreditava que os interesses comuns entre eles acabaria por tornar irrelevantes suas
diferenças. Além disso, com esta política a classe trabalhadora perderia a sua autonomia no
processo revolucionário.
A mudança em relação a estratégia para transformação da sociedade brasileira, que no
IV Congresso era dada pela revolução armada, ou seja, o assalto ao poder, a retirada à força
de um governo de “traição nacional”, será reformulada na Declaração de Março. Essa
mudança se deve a uma diminuição da tensão internacional. Além disso, ela está dentro de
uma linha política desenvolvida pelo Kominforn, a cúpula do PCUS, ao qual o PCB vai se
alinhar. Mas isso não significa que o PCB estivesse seguindo está política apenas porque
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era o órgão internacional que a colocava. Concorreu para a adoção desta política a análise
da realidade brasileira e o fato de os comunistas suporem no país possibilidades de
desenvolvê-la, perceberam brechas e divisões entre as elites, permitindo aventar a hipótese
de atrair um setor dominante (burguesia nacional) para a Frente Única e uma abertura às
lutas eleitorais 10.
A idéia da Frente Única era envolver toda a sociedade, e não somente os comunistas,
mas todos os nacionalistas e democratas, inclusive de outros partidos. Isso é presente na
Declaração quando fala em conquistar vitórias eleitorais, compondo com os partidos, que
são o PTB, PSP, PSB e até mesmo com os nacionalistas da UDN, uma frente parlamentar.
A Frente Única teria, então, seu campo de ação parlamentar e extra-parlemtnar na
sociedade brasileira.
Com relação à necessidade da formação da Frente Única, justifica a Declaração
“As tarefas impostas pela necessidade do desenvolvimento independente e progressista do país não podem ser resolvidas por nenhuma força social isoladamente. Disto decorre a exigência objetiva da aliança entre todas as forças interessadas na luta contra a polí t ica de submissão ao imperialismo norte-americano. A experiência da vida polí t ica brasileira tem demonstrado que as vitórias anti-imperialistas e democráticas só puderam ser obtidas pela atuação em frente única daquelas forças” 11.
A Declaração de Março foi um instrumento justificador da aliança entre o proletariado
e a burguesia nacional, demonstrando uma modificação das análises interpretativas sobre a
realidade brasileira. É nesse sentido que Daniel Aarão REIS FILHO vai dizer que os
comunistas tinham “chaves próprias” para atender suas necessidades específicas, ou seja,
que o PCB não era um mero reprodutor das orientações ditadas pelo Kominforn. Ocorria
10 REIS FILHO, Daniel A. A revolução faltou ao encontro. São Paulo: Brasiliense, 1990, pg. 17.
14
que o Partido se utilizava dos modelos internacionais em seu discurso como uma fonte de
autoridade para legitimar seus argumentos.12
Como novidade em sua política, a Declaração introduzia dois elementos. Um deles
seria um elemento gradualista - no qual entendia que o proletariado mediante graduais
conquistas dentro da Frente Única chegaria a hegemonia em seu interior - e um elemento
reformista, que era a idéia da via pacífica para o socialismo.
Com relação ao capitalismo, o que a Declaração colocava era que o seu
desenvolvimento corresponderia aos interesses do proletariado e de todo o povo. Ou seja, o
desenvolvimento do capitalismo era entendido como um elemento progressista. Assim, o
documento não rompia com a idéia de que a passagem para o socialismo teria que passar
primeiro pelo desenvolvimento do capitalismo, como também fazia a sua política anterior.
Outra estratégia presente no IV Congresso e que o PCB não abriu mão foi a concepção
da revolução em etapas, que é uma idéia presente na concepção stalinista de revolução,
embora tenha sido reformulada. A primeira etapa seria a democrático-burguesa e a segunda
a socialista, liderada pelo proletariado. A revolução seria “anti-imperialista, antifeudal,
nacional e democrática”.13
Muitas das críticas feitas ao Partido com relação a sua política apresentada em 1958
dizem respeito à permanência de práticas sectárias e dogmáticas em seu interior,
evidenciadas na própria estrutura organizativa. Critica-se, também, a forma como os
comunistas encaminhavam a revolução, afastando-se da sociedade que pretendiam
transformar e a crença ingênua, como diz GORENDER, nos bons propósitos da burguesia.
11 PESSOA, Reynaldo, op. cit., pg. 15. 12 Ibid., pg. 23. 13 Ibid., pg. 13.
15
Assim, a Declaração não é um documento de ruptura radical com a política anterior,
posto que a retoma em muitos pontos na sua nova política. Segundo BRANDÃO14, o que
permite qualificá-la como uma ruptura é que ela aceita a tese da coexistência pacífica,
admite que o Brasil se desenvolveu do ponto de vista capitalista, retoma a questão da
democracia e a revolução brasileira pelo caminho pacífico. Este autor ainda diz que, em
1958 são registrados alguns acordos eleitorais entre o PCB e outros partidos legais, o que
vai acabar desencadeando a luta pela legalização do Partido. Luta esta que vai culminar em
1961 com a mudança no nome do Partido de Partido Comunista do Brasil para Partido
Comunista Brasileiro, e que vai ser o estopim para as divergências internas que
culminaram com a cisão de alguns membros e a composição de outro partido (PC do B) de
orientação marxista, retirando a posição hegemônica do PCB neste campo e colocando-se
como oposição e alternativa a ele.
Esta política adotada pelo PCB será, em muitos pontos, ratificada pelo seu V
Congresso de 1960. E, este congresso junto com a política desenvolvida na Declaração de
Março e a mudança do nome do Partido em 1961 viriam a ser em muitos pontos contestada
por alguns membros do Partido, alguns deles, como Maurício Grabois, Pedro Pomar e João
Amazonas, os mesmos que votaram contra a Declaração em 1958, e que romperiam com o
Partido, alegando que ele estava renegando seu passado e desviando-se do ideal comunista.
Estes comunistas discordantes compõem, então, um novo partido. Decidem por manter
o nome original - Partido Comunista do Brasil - PC do B, mudando a sigla para não serem
confundidos e colocam-se como os herdeiros do partido que fora fundado em 1922.
Lançam, em 1962, um Manifesto-programa, onde expõem sua política, que em muitos
14 BRANDÃO, Gildo Marçal. A ilegalidade mata. O Partido Comunista e o sistema partidário (1945/1964). IN Revista Brasileira de Ciências Sociais. Nº 33, fevereiro de 1997, ano 12, pg. 23 - 32.
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pontos retoma a política do Manifesto de agosto de 1950 e do IV Congresso de 1954. A
princípio procuraram alinhar-se com o PCUS, mas diante da negativa, irão se colocar ao
lado do modelo chinês de revolução. Esse modelo entendia que a revolução deveria ser
preparada no campo para daí partir para os centros urbanos, onde se concentram os
governos, o poder. Irão, também, retomar a orientação stalinista em sua política.
Enfim, a nova política que o PCB adotou a partir de 1958, ao mesmo tempo em que
buscou renovar o Partido, procurando aumentar a sua influência na sociedade através da
Frente Única, viu acontecer o oposto, pois perderia com isso militantes importantes dentro
das fileiras do Partido, que se recusaram a aceitar a política moderada de convivência
pacífica, de revolução gradual e de busca pela legalidade, adotada pelo PCB nos anos de
1958 a 1962, quando então nasce o PC do B.
3 PCB E PC DO B: ONDE ESTÁ A DIFERENÇA?
A crise no interior do PCB que, em 1962, levou a composição do PC do B, tem suas
raízes na crise vivida depois do XX Congresso do PCUS, tendo seu ponto alto na
Declaração de Março de 1958 e na Resolução Política do V Congresso do PCB de 1960.
A Declaração de Março implantava no Partido uma linha política altamente reformista,
abandonando completamente a idéia de uma revolução a curto prazo. Pregava medidas de
reforma gradual e contínua a serem conseguidas por meio da frente única, que implicava na
união de todos os setores nacionalistas e democráticos da sociedade brasileira, desde os
operários até a burguesia e setores dos latifundiários interessados na soberania nacional e
no expurgo do imperialismo norte-americano. Além disso, entendia o governo de JK como
um governo com tendência nacionalista e com certa margem democrática, não sendo,
17
assim, necessária a sua derrubada, mas apenas que se retirasse de sua composição os
elementos entreguistas.
Desta forma, o PCB adotava o caminho pacífico da revolução, já que na sua percepção,
não havia a necessidade de tomar o poder pela luta armada, pois a situação nacional, e
também a internacional, eram favoráveis a uma política moderada, não entendendo como
necessário grandes embates e violência. Acreditava, portanto, na frente única como a
política mais adequada para atingir a sociedade socialista.
Esta nova política seria reafirmada no V Congresso do Partido, realizado em agosto de
1960, que chegou, inclusive, a ser noticiado pelo rádio e televisão1. Assim como a
Declaração de Março, também abandonava a visão catastrófica da situação política e
econômica, admitia certo avanço das forças democráticas e defendia a “frente única
nacionalista e democrática”, que configurava uma estratégia legal de luta e se conjugava
com o caminho pacífico da revolução. Nela se agrupariam todas as classes interessadas em
superar o atraso do país, dado pelo imperialismo norte-americano e pelo latifúndio. Além
disso, contava com a Frente Parlamentar Nacionalista, que era uma frente de atuação
dentro do Parlamento, tendo em partidos como o PTB, o PSP e o PSB, suas maiores
expressões. Sobre ela, escreve a Resolução congressual de 1960
“Participando ativamente das eleições e do trabalho parlamentar, os comunistas esforçam-se para ajudar a fortalecer e ampliar a Frente Parlamentar Nacionalista, a f im de que ela possa transformar-se em um bloco majori tário capaz de obter soluções patrióticas por via legislat iva. . . . os comunistas trabalham para conseguir o apoio de massas à Frente Parlamentar Nacionalista”.2
1 GORENDER, Jacob. Combate nas trevas. São Paulo: Editora Ática, 1987, pg. 32. 2 PESSOA, Reynaldo. PCB: vinte anos de política. (1958 - 1979). São Paulo: LECH, 1980, pg. 66.
18
Este Congresso serviu também para ratificar a derrota do antigo núcleo stalinista, do
qual, apenas Prestes manteve o posto no Comitê Central, sendo que os demais membros
que o compunham, Arruda, João Amazonas, Maurício Grabois e Pedro Pomar, foram
destituídos de seus postos, embora tenham permanecido no Partido mesmo discordantes da
linha política mantida no V Congresso.
Segundo Arnaldo SPINDEL, o V Congresso veio a estabilizar a situação interna do
Partido, “mantendo no poder os partidários da nova linha política, liderados por Prestes. Se
antes o PCB pregava a libertação nacional, neste momento ele vai lutar por uma Frente
Única Nacionalista e Democrática. ”3. Tendo em vista esta análise, podemos perceber que a
Declaração e a Resolução do V Congresso apresentam alguns pontos diferentes. Para
Leôncio RODRIGUES, a Resolução do Congresso de 1960 parece encaminhar o Partido
ligeiramente mais para a esquerda do que a Declaração de 1958, quando propõe a formação
de um governo nacionalista e democrático. Além disso, oferecia uma interpretação mais
complexa das forças políticas que comporiam a frente única4 . Sobre as inovações que o V
Congresso de 1960 trazia em relação à Declaração de Março, escreve RODRIGUES:
“.. . o V Congresso introduziu duas inovações importantes para a atuação posterior do Partido: a primeira delas era de que ‘a conquista de reformas econômicas e polít icas, de caráter anti-imperialista e popular’ era possível ‘nos quadros do atual regime’ . A segunda era de que ‘nas condições atuais do Brasil e do mundo’, existia a possibil idade de que a ‘revolução anti-imperialista e antifeudal’ at ingisse seus objetivos por um caminho pacífico’. Embora a Resolução não descartasse a possibil idade de uma via ‘não pacífica’, a ênfase era colocada na ação legal”.5
3 SPINDEL, Arnaldo. Comunismo. São Paulo: Brasiliense, 1981, pg. 80. 4 RODRIGUES, Leôncio. Op., cit., pg. 429. 5 Ibid., ibidem.
19
Assim, podemos perceber que, conforme este autor, a Resolução do V Congresso,
embora mantivesse a mesma linha de ação política que a Declaração de Março, não era
apenas uma simples reafirmação das suas colocações. Era também a introdução de idéias
que amadureceram desde a formulação do documento de 1958.
Contudo, se durante o V Congresso Pomar, Grabois e Amazonas, ainda permaneceram
dentro do Partido (mesmo perdendo seus postos no Comitê Central), quando o PCB decide
pela mudança do nome, eles radicalizaram suas posições, vindo logo depois a compor
outro Partido. Acabam sendo expulsos do Partido, acusados de comporem uma facção
interna, o que segundo os estatutos era proibido.
A mudança do nome do Partido é solicitada em agosto de 1961, quando o PCB
apresentou o requerimento na Justiça Eleitoral para obter seu registro como um partido
legal. Obedeceu todas as determinações da Justiça, que dizia que o partido deveria publicar
um Manifesto, Programa e Estatutos. E é aí que o Partido decide mudar o seu nome.
Decide mudá-lo de Partido Comunista do Brasil para Partido Comunista Brasileiro, pois a
preposição do havia sido entendida pela legislação partidária em 1947, quando o Partido
tem seu registro cassado depois de tê-lo obtido por dois anos (1945 a 1947), como
indicativo de que o PCB não era um Partido nacional, mas uma seção de um órgão
internacional. Então, em 1961, retira a preposição, procurando demonstrar ser um partido
nacional. A tentativa foi frustada e acabou sendo ainda mais prejudicial, pois que foi um
dos motivos que levaram os antigos membros destituídos do Comitê Central (Grabois,
Pomar e Amazonas) a romperem com o Partido e comporem o PC do B.
Ainda antes do PC do B, outra organização (não um partido) de orientação marxista já
estava presente na arena política nacional, era a Organização Revolucionária Marxista -
20
Política Operária (ORM-POLOP), editora do periódico Política Operária. Divergia do
PCB e, posteriormente do PC do B, em sua orientação teórica, que era dada por autores
como Rosa Luxemburgo, Trotski, Bukárin e Talheimer, enquanto que aqueles partidos
tinham sua orientação em Marx, Lenin, Stalin e, particularmente o PC do B, também em
Mao Tsé Tung6 .
Esta organização formou-se em 1961, resultado da confluência de distintas correntes
políticas: socialistas, trabalhistas, trotskistas. Estava muito restrita ao ambiente
universitário e ao meio intelectual, preocupada com formulações teóricas e sem conseguir
penetrar nos movimentos de massa7 . Assim, o ORM-POLOP tinha uma linha de ação bem
diferenciada da do PCB e do PC do B.
O PC do B surge como uma alternativa ao PCB e também em oposição a ele, vindo a
fragmentar a esquerda marxista brasileira. Iriam divergir em muitos pontos, mas ambos
pautariam sua política na tentativa de pensar soluções para a crise que vivia o país. A
política desenvolvimentista de Juscelino Kubistchek começava a perder força e mergulhava
o país em crises político-financeiras: inflação, estagnação do crescimento econômico, perda
do poder aquisitivo dos trabalhadores assalariados. Isso tudo gerava descontentamentos aos
trabalhadores8 . Nestas condições, estes partidos irão se por a pensar a política, a economia
e a sociedade brasileira na busca pela soluções destes problemas, embora com estratégias
diferenciadas.
A justificativa dada pelos membros que vieram a compor o PC do B foi a referida
mudança no nome do Partido, que para eles significava o rompimento, o abandonando do
passado e das tradições do comunismo, onde consideravam que o PCB estava preocupado
6 GORENDER, Jacob. Op., cit, pg. 35 - 36. 7 REIS FILHO, Daniel A. A revolução faltou ao encontro. São Paulo: Brasiliense, 1990, pg. 40.
21
simplesmente em obter um registro, que em suas visões, não havia necessidade de tê-lo
para que os comunistas pudessem transformar a sociedade. Então, em fevereiro de 1962,
aqueles membros que já discordavam da política do PCB, decidiram convocar uma
Conferência Nacional de oposição ao Partido que estavam abandonando. Requereram para
si o passado do PCB, colocando-se como o verdadeiro partido que havia sido fundado em
1922 e, numa manobra ousada, expulsaram os membros que os haviam expulsado,
indicando este momento não como a formação de um novo partido, mas como um
momento de reorganização do Partido Comunista do Brasil.
A linha política adotada pelo PC do B retomaria, em vários pontos, as formulações
elaboradas pelo Partido Comunista em 1950 e 1954, onde prevalecia uma orientação que,
em comparação com a da Declaração de Março, pode-se dizer que era mais a “esquerda”,
menos reformista e mais revolucionária.
Ao analisarmos os documentos do PCB ( a Declaração e a Resolução do V Congresso)
e o Manifesto-Programa do PC do B, podemos perceber diferenças fundamentais em suas
estratégias e na forma de compreender a sociedade brasileira. Essas dissonâncias entre eles
é que vão dar margem para que se perceba a existência de dois partidos de orientação
marxista no Brasil.
Uma primeira diferença que pode ser notada, é que a Resolução do V Congresso se
mostrava preocupada em tornar os estatutos e o programa aceitáveis pelo Governo
brasileiro, o que era fundamental na sua busca para obter o registro eleitoral, e é um
aspecto que vai perpassar todo o documento. Já o Manifesto-Programa entendia o governo
de João Goulart, em 1962, como reacionário, sendo necessário a sua urgente derrubada.
8 Ibid., pg. 22.
22
Analisando ambos os documentos dos Partidos, percebemos que sobre o
desenvolvimento econômico do país eles apontam para o latifúndio e o imperialismo norte-
americano como os maiores entraves ao seu desenvolvimento. Forças que são reacionárias
e estão no seio do governo brasileiro. A diferença está que o PCB entende o governo como
sendo heterogêneo, ou seja, composto por estes elementos reacionários, mas também por
nacionalistas interessados no desenvolvimento independente e em reformas estruturais no
país. O PC do B criticava esta posição do PCB:
“Há os que falam em reformas e, até mesmo, em reformas de base. É óbvio que o Brasil necessita de reformas profundas em sua estrutura econômica, tais como a reforma agrária que proscreva o lat ifúndio e medidas que l iquidem a exploração imperialista. Todavia, estas reformas não podem ser realizadas nos marcos do regime vigente. Seria ingenuidade pensar que os lat ifundiários e os grandes capital istas, l igados, de uma ou de outra forma, ao monopólio da terra e ao imperialismo, pudessem levar a cabo uma orientação desta natureza, que ir ia contrariar seus próprios interesses.”9
O PC do B mostra sua clara descrença com relação ao governo e à burguesia como força
revolucionária, ponto conflitante com a política pecebista. Mas, podemos perceber nos
documentos de ambos os partidos, a análise das características sócio-econômicas do país.
O PCB argumentava, numa visão mais positiva e otimista da situação do país, soluções
para os problemas sociais, enquanto que o PC do B, com uma visão catastrófica da crise
que vivia o país, ressaltava que somente uma revolução imediata poderia mudar a situação
e retirar do poder aqueles que por livre e espontânea vontade não o deixariam. Reconhecia
que o Brasil havia se desenvolvido economicamente, mas dava maior destaque aos
problemas que este desenvolvimento havia imposto à sociedade.
23
Além disso, o Manifesto-Programa ressaltava que o regime vigente não traria as
mudanças necessárias à população, supondo que ele precisaria ser transformado em
confronto direto com os opositores de sua política. E é neste ponto que notamos a principal
diferença entre a política destes dois partidos. Como nos referimos anteriormente, o PCB
acreditava no “caminho pacífico da revolução”, na transformação gradual da sociedade por
meio da frente única. O que o PC do B vai defender é a necessidade de que aqueles que
desejassem mudanças radicais se unissem, e com relação à revolução escreve:
“.. . as classes dominantes tornam inviável o caminho pacífico da revolução. Por este motivo, as massas populares terão de recorrer a todas as formas de luta que se fizerem necessárias para conseguir seus propósitos . . . Todos os movimentos democráticos e patrióticos devem ajudar a alcançar a grande meta - a conquista de um novo poder polí t ico, principal objetivo do povo. Mas só a luta enérgica e decidida, as ações revolucionárias de envergadura, darão o poder ao povo.”1 0
Este trecho citado também demonstra claramente a contraposição que o PC do B está
querendo fazer ao PCB, e de forma direta e evidente. As divergências entre os partidos com
relação ao caminho dado à revolução era pautada pelo modelo internacional a que cada um
se vinculava. O PCB, mantém-se, mesmo depois do XX Congresso do PCUS, seguindo as
orientações do partido soviético e, o PC do B, incorporou o legado teórico de Mao Tsé
Tung, seguindo o modelo do governo popular revolucionário. Segundo Maria Helena
PAES, o modelo chinês
“.. . priorizava a ação revolucionária na área rural através de guerri lhas. Ou seja, uma sucessão de pequenos ataques e recuos, de vários grupos
9 Manifesto-Programa do PC do B de 1962, IN: REIS FILHO, Daniel A; SÁ, Jair F. de. Imagens da revolução. Rio de Janeiro: Marco Zero: 1985, pg. 29 - 30. Esta obra trata do surgimento do que o autor chama de “nova esquerda” no Brasil, dentre as quais o PC do B, é uma delas. 10 Ibid., pg. 33.
24
revolucionários, em diversos lugares ao mesmo tempo, grupos esses que contavam com efetivo apoio da população local . Isso diferia bastante da idéia de um confronto aberto entre revolucionários e defensores do sistema.”1 1
Esta idéia de guerra de guerrilha vai ser seguida pelo PC do B depois da implantação
do regime militar no Brasil, em 1964, em que ficou conhecida a “guerrilha do Araguaia”,
pois se refugiaram nas suas proximidades para preparam a revolução e tomarem o poder.
Acabaram sendo derrotados pelos exércitos brasileiros.
Embora ambos os partidos tenham divergências fundamentais quanto ao caminho da
revolução, concordavam que o proletariado deveria ser a classe dirigente, que estaria a
frente daqueles que, junto com ela, buscassem transformar a sociedade. Com relação a este
aspecto, a Resolução do V Congresso, defensora da política da frente única, também não
abandona a visão marxista tradicional do proletariado como classe revolucionária por
excelência:
“.. . é indispensável a hegemonia do proletariado na frente revolucionária e a conquista do poder pelas forças anti-imperialistas e antifeudais sob a direção do proletariado. Uma vez completadas, nos seus aspectos essenciais, as tarefas da revolução nacional e democrática, a hegemonia do proletariado será também a condição polí t ica fundamental que deverá assegurar a transição ao socialismo, objetivo final da classe operária brasileira.”12
A hegemonia da classe operária demonstrava a necessidade colocada pelo Partido
de ações de massa o que, em conexão com o caminho pacífico, mostrava que sua política
não se associava necessariamente à passividade. E o caminho não-pacífico não era
descartado, mas a defesa do PCB é que ele seria usado somente se a violência primeiro
11 PAES, Maria Helena Simões. Em nome da segurança nacional. São Paulo: Atual, 1995, pg. 08. 12 PESSOA. Op., cit., pg. 61.
25
partisse dos setores entreguistas e reacionários. Ou seja, era a violência como defesa contra
a violência.
Outro aspecto em que os partidos concordam diz respeito a extensão dos votos aos
analfabetos e aos oficiais das forças armadas. Este aspecto era entendido pelos comunistas
das duas orientações como uma necessidade para se atingir um ambiente democrático no
país. Nesse sentido, porém, o PCB aparece colocando a necessidade de se reformular
alguns pontos presentes na Constituição de 1946, embora ela estabelecesse, em seu
entender, instrumentos legais para a luta do povo brasileiro “pela libertação nacional, pela
democracia e por suas reivindicações sociais”13 . Já o PC do B via esta Constituição como
um instrumento que colaborava para a dominação de um pequeno grupo sobre os demais,
onde a igualdade entre os cidadãos era meramente retórica, e entende que “a Constituição
de 1946 é apresentada pelas classes dominantes” e, desta forma “consagra, antes de tudo,
os privilégios dos exploradores”14
Quanto a orientação doutrinária, existem mais semelhanças que divergências, pois se o
PC do B manteve claramente uma orientação stalinista em sua política, influenciado pelo
modelo chinês de revolução, também o PCB não abandonava certos traços desta política,
como por exemplo, o centralismo democrático, apesar de toda crítica que dirigiu a esta
orientação, o que, no texto da Resolução é assim justificado
“Para que o Part ido possa desenvolver-se como um partido de massas, com capacidade de iniciat iva e, ao mesmo tempo, combativo e disciplinado, é indispensável a justa aplicação do centralismo democrático. No terreno da organização do Partido, é necessário combater simultaneamente as concepções sectárias e os métodos mandonistas que entravaram durante
13 Ibid., pg. 44 14 REIS FILHO. Imagens, pg. 29.
26
muitos anos o seu desenvolvimento, e, de outro lado, as concepções l iberais e as tendências anárquicas, que pregam o abandono do centralismo.”1 5
Este trecho mostra que o PCB estava preocupado em fazer a crítica ao stalinismo, mas
ao mesmo tempo demonstra que não entendia ser necessário radicalizar sua posição,
mantendo aspectos da prática política de orientação stalinista.
Enfim, são dois partidos apontando soluções para os problemas nacionais e dando uma
direção possível para se chegar à sociedade socialista. Mas, as características que tornam o
PCB e o PC do B dois partidos diferentes, transitam em uma linha muito tênue, muitas
vezes dificultando a visibilidade e a distinção entre eles. Para o PC do B, esta sua
orientação seguiria após o golpe de 64, norteando suas estratégias de luta. E, para o PCB, o
V Congresso seria retomado e rediscutido em sua “Resolução sobre a política de
organização do Partido”, em dezembro de 1962, servindo para repensar a organização do
Partido após o XX Congresso e a cisão dos membros que deram origem ao PC do B.
4 REFLETINDO A MUDANÇA
Em 1962, o Partido Comunista Brasileiro ainda ressentia-se da crise que se iniciara
com o XX Congresso do PCUS, em 1956. Isso pode ser notado em documentos
produzidos, datando deste período, como é o caso da Resolução Política da Conferência
Nacional de 1962. Esta Resolução de 1962 vai discutir a política de organização do
Partido, retomando o legado político do V Congresso de 1960, buscando ainda livrar-se das
heranças sectárias e dogmáticas que estiveram presentes na sua orientação stalinista.
15 PESSOA. Op., cit., pg. 67.
27
A necessidade do Partido em produzir um documento como aquele para pensar a sua
organização interna, vinculava-se às questões desencadeadas pela nova política do Partido,
advindas, como vimos, da crise causada pelo XX Congresso do PCUS. A crítica e a
autocrítica que os comunistas dirigiram as práticas políticas do stalinismo, presentes nos
seus documentos desde a Declaração de Março de 1958, não poderiam conviver com uma
nova forma de organização, de estruturação do Partido que vinha se desenvolvendo depois
de 1956, da qual a referida Declaração é um ponto inicial.
Além do mais, é também neste período que o Partido vai perder a sua hegemonia
enquanto partido único de orientação marxista, devido a cisão do PC do B. Desta forma,
levando em conta estes vários fatores, a Resolução da Conferência Nacional de 1962
apresenta-se como complemento de um tipo de política que o PCB já vinha desenvolvendo
desde 1958.
Ao alterar a sua orientação política, conseqüentemente, haveria a necessidade de
repensar a sua organização interna de maneira que ela estivesse consoante com essa nova
postura assumida. Nesse sentido, nota-se que este documento divide-se em duas partes.
Primeiramente, retoma a política traçada no V Congresso de 1960, num trecho do
documento entitulado “Resolução Política da Conferência Nacional de 1962”, e somente
depois de apontar as bases dessa nova política é que vai apresentar a “Resolução sobre a
política de organização do Partido”. A orientação política assumida estaria, evidentemente,
sendo pautada pela política de organização interna.
Dentre os vários aspectos que a Resolução da Conferência Nacional apresenta, a
análise da situação política e econômica do país era abordada nos mesmos termos dos
documentos produzidos desde 1958, ou seja, o Brasil como um país em risco de ser
28
colonizado e dominado pelo imperialismo norte-americano que, juntamente com a
permanência da estrutura latifundiária, representavam as forças do atraso do
desenvolvimento do país. A visão que o Partido tinha da sociedade e da política brasileiras
estavam, assim, embuídas da influência do nacionalismo, o que significava, segundo
Leôncio RODRIGUES, a ênfase
nas questões relacionadas com a “soberania nacional, o desenvolvimento econômico e a
preferência pelas alternativas que privilegiavam as nacionalizações e o intervencionismo
estatal”1 .
Ligada a essa visão da sociedade, associava-se a idéia do caminho pacífico da
revolução onde as transformações, que os comunistas pretendiam eram entendidas como
possíveis de serem conquistadas dentro dos marcos do regime político que se tinha, pois o
momento era visto como de ascensão dos processos democráticos a nível nacional e
internacional. Nesse sentido, o governo de João Goulart era entendido pelos comunistas
como propenso a realização mudanças de estruturais, principalmente porque destacava em
sua política (ao menos no discurso) a necessidade de reformas estruturais na sociedade,
dentre elas a reforma bancária, administrativa, fiscal, eleitoral, urbana e agrária. Porém, os
comunistas percebiam nesse governo um aspecto negativo, que era o problema de que ele
realizava uma política de conciliação também com os setores imperialistas e latifundiários.
Segundo Caio Navarro de TOLEDO, isso mostra o caráter “híbrido e dualista” do governo
de Goulart, e que era repudiado pela esquerda2 .
1 RODRIGUES, Leôncio M. O PCB: os dirigentes e a organização. IN: FAUSTO, Bóris. História geral da civilização brasileira. São Paulo: DIFEL, 1981. pg. 437. 2 TOLEDO, Caio Navarro de. O governo de Goulart e o golpe de 64. 8ª edição. São Paulo: Brasiliense, 1987.
29
Na Resolução da Conferência Nacional, a questão da revolução era posta conforme as
orientações advindas do V Congresso, onde apesar de criticar a política de Jango, não via
no seu governo um inimigo. Sendo assim, a preocupação dos comunistas com relação a
revolução era posta nestes termos
“Na etapa atual da revolução brasileira, nossos objetivos são a l iquidação do lat ifúndio e a l ibertação do país do domínio do imperialismo [. . .] E será através de nossos atos, do nosso trabalho, da nossa polí t ica, das nossas iniciat ivas, de nossa fidelidade a luta diária pela solução dos problemas das massas que as massas se convencerão de que somos realmente os defensores dos seus interesses. Então nos darão seu apoio e nos seguirão.”3
Podemos perceber nesta citação que o alvo principal de combate dos comunistas
continuava sendo o imperialismo e o latifúndio, mas ao mesmo tempo podemos notar uma
maior determinação em sua postura com relação à busca das transformações sociais,
principalmente quando enfatiza que são os “atos”, o “trabalho”, a “luta diária” que irão
poder dar uma solução aos problemas vividos na sociedade.
Outro aspecto importante que pode ser percebido na citação acima é a idéia de que o
Partido deveria priorizar uma política que estivesse diretamente relacionada às “massas”.
Com relação a esta questão, importantes considerações devem ser feitas. Primeiro é o fato
de que o PCB, a partir deste documento, estava priorizando a adoção de uma política de
massas, além da denúncia da conciliação empreendida pelo governo de Goulart. E, em
segundo lugar, é que essa política seria levada a cabo através de uma forte autocrítica que o
Partido faz à política que desenvolvia no período imediatamente anterior.
3 Resolução da Conferência Nacional de 1962. IN: VINHAS, Moysés. O Partidão: a luta por um partido de massas - 1922 / 1974. São Paulo: HUCITEC, 1982. pg. 213.
30
A autocrítica que o Partido dirige a sua política anterior, apresentava como problemas
de primeira ordem as falhas e deficiências dentro do próprio Comitê Central, e criticava o
seu trabalho de direção dizendo ser ele “quase exclusiva atividade de cúpula”4 . Escreve,
ainda, o documento
“Apegados ao geral , ao ‘fundamental’ , costumamos desprezar os problemas vividos pelas massas no dia-a-dia [ . . .] Afastamo-nos, assim, da própria vida e nossa l inguagem transforma-se em jargão, como se vivêssemos num mundo a parte. Adotamos, mesmo, muitas vezes, uma ati tude por assim dizer aristocrática, de entes superiores donos de toda a verdade e que por isso não se preocupam com o que as massas sentem, pensam ou fazem. Chegamos a tratar com desprezo até os al iados [ . . .]”5
Essa tipo critica do Partido era colocada desde o rompimento com a orientação stalinista,
embora aqui com maior ênfase aos erros e desacertos cometidos. Mas agora, quando o PCB
apresenta formalmente uma Resolução sobre a sua organização interna estes aspectos,
assim como outros, seriam retomados, demonstrando o caráter revisionista deste
documento.
A reformulação da organização política do PCB, levada na direção de um estreito
contato com as massas, vai ser defendida pelos comunistas como uma necessidade para a
“construção do Partido e o funcionamento efetivo das Organizações de Base”6 . Ou seja,
para o PCB, a sua reorganização interna representava, neste momento, a tentativa de
reconstruí-lo tendo as massas como base, o que não deixava de ser um aspecto que, se o
PCB não havia realizado até então, era ao menos em discurso tradicionalmente colocado
pelo Partido enquanto representante da classe operária. O documento representava também
4 Ibid., pg. 209. 5 Ibid., pg. 210. 6 Ibid., pg. 209.
31
a critica a concepção do Partido de “poucos, porém bons” para a valorização da construção
de um Partido de massas, o que era defendido como a principal missão dos comunistas.
Mas, o PCB além de reconhecer os seus erros, também reconhecia que havia
conseguido atingir alguns êxitos. Um deles era o fato de que já havia superado a fase de
exclusiva dedicação ao trabalho de agitação e propaganda e passado a atuar cada vez mais
entre as massas, tendo se fortalecido e estando melhor estruturado com relação a sua
política.
Uma das justificativas que a Resolução da Conferência Nacional apresenta é a de que
era justamente a falta da existência de uma política de organização sistematizada que
dificultava e retardava a correção dos erros que haviam em sua política. Isso pode também
ser entendido como uma das características do PCB, que era a de ser um Partido altamente
burocrático, onde o peso dos documentos para a efetivação de suas orientações políticas era
de caráter fundamental.
Alguns aspectos da política traçada anteriormente seriam reafirmados, como é o caso
da frente única e da União Soviética como um modelo de sociedade a ser atingido, além do
centralismo democrático e da busca pela legalidade. O centralismo democrático7 seria
retomado e considerado como uma característica fundamental da estrutura e do
funcionamento do Partido, sem o qual temiam cair no anarquismo, pois a hierarquia era
entendida como necessária para possibilitar uma maior circulação de idéias e de
experiências partidárias. E a legalidade representava a necessidade do Partido de poder
7 Segundo Ronald Chilcote, o “centralismo democrático” era um sistema que visava garantir “o debate livre e aberto em todos os níveis do Partido. As diretrizes e posições políticas a serem seguidas seriam escolhidas pela maioria. A liderança coletiva determinaria a ação administrativa e executiva. Assim, [...] , o Partido seria dirigido por comitês cuja intenção era de se manterem em contato com as bases do Partido, assegurando que as decisões tomadas pelo centro seriam aplicadas em todos os níveis [...] O sistema é centralizado porque as decisões são tomadas pela cúpula do Partido, e democrático porque se baseiam na
32
desenvolver atividades em todos os campos da sociedade, convivendo diretamente no meio
do povo. Ao se referir a questão da legalidade, o Partido apresenta o que pode ser
entendido como uma crítica a posição dos membros que romperam com esta política e
compuseram um novo partido. Diz o documento
“A polí t ica de legalidade do Partido é uma decorrência necessária de sua l inha polí t ica e vem concretizando-se na medida em que o Part ido se constrói como Partido de ação, dirigente de grandes massas. A conquista da legalidade do Partido Comunista - contrariamente ao que pensam e afirmam tanto os dogmáticos e sectários como os oportunistas e revisionista - não é uma acomodação à ordem jurídica existente nem tampouco a simples obtenção do direito dos comunistas de comparecerem às eleições com legenda e candidatos próprios.”8
Desta forma, o PCB estava ao mesmo tempo pregando a necessidade da legalidade para
que pudesse se constituir enquanto partido de massas e criticando a posição de outras
organizações de esquerda, particularmente o PC do B, que consideravam que um partido
para transformar a sociedade não precisava estar atuando dentro da arena partidária legal,
ao contrário, deveria mesmo estar fora dela, o que representava, na concepção do PC do B,
por exemplo, um fator verdadeiramente revolucionário. O PCB estimulava a
combatividade dentro da legalidade existente, pois que de certa forma, em 1962, havia uma
legalidade consentida, embora ela não fosse juridicamente reconhecida.
Outro momento em que o PCB parece estar confrontando o PC do B é quando se refere
ao surgimento de setores sectários na sociedade, em que diz a Resolução de organização:
“[. . .] tendem a surgir no País agrupamentos polí t icos de esquerda que representam setores da pequena burguesia e adotam posições sectárias,
opinião das bases.” CHILCOTE, Ronald. O Partido Comunista Brasileiro - conflito e integração (1922 - 1972). Rio de Janeiro: Edições Graal, 1982. pg. 172. 8 VINHAS. Op., cit. pg. 215.
33
interpretando erroneamente o caráter da revolução brasileira e propondo incorretas formas de luta para a si tuação atual . Através da crí t ica aos seus falsos pontos de vista, da discussão teórica, e da unidade de ação contra o inimigo comum, devemos procurar ganhar os part icipantes desses setores [ . . .]”9
Neste trecho, pode-se notar que o Partido demonstra preocupação com a fragmentação
partidária e com o surgimento de novas organizações que divergiam de sua política e que
apontavam soluções diferentes para o encaminhamento das mudanças sociais. Isso pode ser
notado pelo trecho em negrito na citação, que pode ser entendido como uma contraposição
para a adoção da revolução armada que o PC do B adotara, e que ia de encontro ao
caminho que o PCB considerava viável para a revolução.
O PCB considerava que para a organização política poder levar à construção de um
Partido de massas, algumas tarefas deveriam ser impreterivelmente cumpridas, quais
sejam: 1) recrutar milhares e milhares de novos membros; 2) fortalecer as organizações
de base existentes e criar um grande número de novas organizações de base; 3) fortalecer
os órgãos dirigentes das organizações intermediárias mais importantes; 4) formar
quadros partidários em todas as instâncias; 5) lutar permanentemente pela justa aplicação
dos princípios e 6) elevar o nível teórico e ideológico do Partido. Todas estas tarefas estão
claramente associadas a busca do PCB por se constituir como um Partido de massas, onde
as bases estariam diretamente ligadas às atividades centrais, ou seja, é o centralismo
democrático que está sendo colocado como princípio norteador da política de organização
pecebista.
Conforme coloca Moysés VINHAS10 , a Conferência Nacional de dezembro 1962 ao
mesmo tempo em que é um documento que avança grandemente com relação a política de
9 Ibid., pg. 203.
34
organização interna, retrocede em relação a política do V Congresso, criticando a política
de conciliação de Goulart que ora atendia aos interesses nacionais, propondo as reformas
de estrutura, ora se voltando a atender os interesses dos setores multinacionais que
“invadiam” o cenário nacional. Mas, no fundo o PCB mantém uma postura semelhante
dentro da frente única. Nela, admite que a burguesia está ao seu lado porque tem interesses
particulares e não porque seja uma classe eminentemente revolucionária.
Enfim, com este documento o PCB formaliza e dá maior divulgação a uma orientação
política que se mantinha no Partido desde 1958, quando a Declaração de Março rompe
com o stalinismo. A Resolução da Conferência Nacional de 1962, de certa forma, vem
refletir
sobre este processo de mudança que estava ocorrendo no Partido, reivindicando como eixo
da política comunista a defesa do regime democrático e a busca permanente de acumulação
de forças para chegar a transformação da sociedade brasileira.
5 CONCLUSÃO
10 VINHAS. Op., cit. pg. 191.
35
Na tentativa de buscar compreender o PCB dos anos 1958 a 1962, atentando para as
transformações que sofre a sua política interna neste período, é preciso ter em mente que
não basta apenas compreender o que diz o Partido a respeito de sua política. Mais do que
isso, é preciso entendê-lo em conexão com a sociedade em que atua. Como René
RÉMOND descreve em seu livro Por uma história política1, a história política deve ser
entendida como um dos componentes que permeiam as relações sociais dentro de um
conjunto maior de relações que envolvem a sociedade.
Desta forma, para entender a política desenvolvida pelo PCB destes anos é necessário
ter em mente as mudanças que se processam para além das fronteiras do Partido. As
influências da política nacional e internacional, particularmente, a mudança de posição
quando da morte de Getúlio Vargas em 1954 e o XX Congresso do PCUS em 1956, além
do clima de semi-legalidade consentida que será vivido até o golpe militar de 1964, irão
colaborar com o Partido nas mudanças em sua forma de pensar a ação política e a maneira
de ser dos comunistas brasileiros.
Fundamentalmente, essas mudanças irão fazer com que o PCB se renove, buscando
alternativas aos problemas que enfrentava e fazendo emergir uma nova postura política,
que em sua concepção era mais condizente com o clima de democracia no país. Aliás, será
este clima que permitirá ao Partido manter uma linha reformista. A ação legal se tornaria,
portanto, o elemento central da política comunista destes anos, incluindo nela a defesa das
liberdades democráticas.
Mas, esta nova política, que implicava no rompimento com a orientação stalinista, que
veio até o XX Congresso de 1956, ao mesmo tempo em que representava uma renovação
1 RÉMOND, René. (Org.). Por uma história política. Rio de Janeiro: UFRJ/FGV, 1996.
36
política no Partido, também representou a sua fragmentação. Foi pela discordância de
alguns membros com relação à nova orientação que se colocava no PCB, que surgiu o PC
do B. Desta forma, quebrava-se com o mito do Partido único e a esquerda brasileira
passava a contar com dois partidos. Embora discordantes em vários pontos, como o
caminho para a revolução brasileira e a maneira de encarar o governo brasileiro,
sobressaiam-se as suas semelhanças, o que dificultava a visibilidade destes partidos na
sociedade dos anos 60.
Tendo em vista as mudanças que haviam se processado em seu interior, com a já
referida orientação política e com a cisão dos membros que vieram a compor o PC do B, o
PCB divulga em 1962 a sua Resolução Política da Conferência Nacional de dezembro de
1962. Neste documento, o Partido reflete sobre a sua organização interna frente as
mudanças que correram desde 1958 até o momento em que surge então o PC do B.
Basicamente, o Partido reafirma o orientação que já era seguida desde 1958, e que é
retomada pelo seu V Congresso de 1960, apontando inclusive auto-críticas severas com
relação a condução que o Comitê Central havia dado ao Partido e também críticas aos seus
novos concorrentes na esquerda brasileira. Este documento mostra a manutenção de uma
visão reformista e revisionista na concepção partidária comunista.
Contudo, apesar das dificuldades da ilegalidade e da cisão do PC do B, a influência do
Partido Comunista Brasileiro na política nacional é de relevante valor. Abrigando seus
candidatos em legendas de outros partidos, como o PTB, o PSB e o PSP, teria entre os anos
que abarca este estudo (1958/1962), em termos eleitorais, relativo crescimento,
conseguindo eleger 17 deputados, tendo sua maior força na cidade de São Paulo2. Isso
2 BRANDÃO, Gildo M. A ilegalidade mata. O partido comunista e o sistema partidário (1945/1964). IN: Revista Brasileira de Ciências Sociais, nº 33, fev. 1997, ano 12, pg. 25.
37
permite supor que, tendo o PCB um grande eleitorado e sendo um partido ilegal, seus votos
convergiriam para os partidos legais acima referidos, ou seja, se somariam aos votos dos
partidos legais, representando importante parcela que contribuiria para conceder-lhes maior
representatividade parlamentar. Possivelmente esteja aí o interesse de governantes eleitos
pelo PTB, como era o caso de Getúlio Vargas, de Juscelino Kubistcheck e João Goulart,
em mantê-lo como um partido ilegal.
O PCB destes anos apresenta-se como um partido renovado, mas que nem por isso
abdica totalmente de suas raízes stalinistas, pois que mantém traços desta política em seu
interior. Busca a legalidade, mas sem sucesso, procura afirmar-se como um partido coeso,
mas fragmenta-se. Porém, é importante ressaltar que o PCB seria a matriz que daria origem
às demais esquerdas do período que se seguiu. Destaca-se aí, o surgimento do PC do B que
viria a representar um importante momento para a política comunista brasileira, onde
diferentes matizes do comunismo seriam trazidos à tona, mostrando a riqueza de uma
política cheia de nuances. Esta cisão que teve seu início marcado com a Declaração de
Março de 1958, quando alguns membros votaram contra este documento, vindo a
radicalizar sua posição em 1962, efetivando, então, a divisão da esquerda brasileira em dois
partidos: o PCB e o PC do B.
6 FONTES
38
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