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O PARQUE TEJO (LISBOA/PORTUGAL) E AS AÇÕES DE SUSTENTABILIDADE: DA ANÁLISE À CRÍTICA Marcos Antônio Silvestre Gomes Universidade Federal do Triângulo Mineiro E-mail: [email protected] Introdução Parques apresentam significativas vantagens socioambientais nas áreas urbanas. São elementos da paisagem que incorporam valores cênicos, econômicos, simbólicos e naturais, por vezes apropriados por segmentos públicos e privados na difusão da imagem urbana. Não raro, aparecem como sinônimo de qualidade ambiental, qualidade de vida, responsabilidade social, entre outros. Apesar das qualidades dos parques em meio à dinâmica das áreas urbanas, tornou-se comum a sua difusão como elementos que endossam os ideários de sustentabilidade, difundidos desde os anos de 1970 pelas agências internacionais ligadas às Nações Unidas. No entanto, os discursos e práticas dos diversos agentes sociais responsáveis pelo planejamento e execução de vultuosos projetos de parques têm demonstrado contradições, sobretudo, ao difundi-los como equipamentos públicos de elevados benefícios socioambientais a toda a sociedade, mas que se incorporam às estratégias do capital imobiliário como distinção de grandes empreendimentos. Em diferentes escalas e contextos, o Parque High Line em Nova York (EUA) e o Parque Luís Carlos Raya em Ribeirão Preto (Brasil) representam exemplos desse processo (JARDIM E LEMOS, 2012; GOMES, 2012). Com base nas diretrizes de uma agenda global, o planejamento urbano incorporou os parques como elementos importantes em suas políticas de espaços públicos, como áreas verdes e de lazer. Favoreceu a sua inserção em grandes projetos de renovação/requalificação 1 urbana, nos quais agregam valor ao solo e contribuem para mudanças importantes na produção das cidades. Entre as ações destacadas na Agenda 21 Brasileira que são incorporadas em discursos e práticas sobre parques, destacam-se: obras sanitárias, recuperação de áreas degradadas, gestão participativa, eficiência energética e energia ambientalmente adequada (AGENDA 21 BRASILEIRA, 2002) 2 . 1 Há uma ampla variedade de terminologias na literatura para tratar de um mesmo processo. Assim, será considerado aqui a terminologia utilizada no projeto do Parque das Nações. 2 A assinatura da Agenda 21 durante a Rio 92 sinalizou um momento em que governos locais, em suas diversas esferas de atuação, se comprometeram a incorporar a sustentabilidade em suas propostas políticas. A partir das Agendas nacionais, gestores municipais elaboraram suas próprias agendas e, no caso do Brasil, elaborar agenda não significou necessariamente um avanço nas propostas e metas a serem alcançadas pelos municípios. Teve, portanto, um duplo papel, quer seja o de promover gestões públicas por difundir um dito compromisso socioambiental antenado com uma Agenda global, e o de angariar fundos da União para desenvolver os variados projetos pretendidos (AGENDA 21 BRASILEIRA, 2002).

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O PARQUE TEJO (LISBOA/PORTUGAL) E AS AÇÕES DE “SUSTENTABILIDADE”: DA ANÁLISE À CRÍTICA

Marcos Antônio Silvestre Gomes Universidade Federal do Triângulo Mineiro E-mail: [email protected] Introdução

Parques apresentam significativas vantagens socioambientais nas áreas urbanas. São elementos da paisagem que incorporam valores cênicos, econômicos, simbólicos e naturais, por vezes apropriados por segmentos públicos e privados na difusão da imagem urbana. Não raro, aparecem como sinônimo de qualidade ambiental, qualidade de vida, responsabilidade social, entre outros.

Apesar das qualidades dos parques em meio à dinâmica das áreas urbanas, tornou-se comum a sua difusão como elementos que endossam os ideários de sustentabilidade, difundidos desde os anos de 1970 pelas agências internacionais ligadas às Nações Unidas. No entanto, os discursos e práticas dos diversos agentes sociais responsáveis pelo planejamento e execução de vultuosos projetos de parques têm demonstrado contradições, sobretudo, ao difundi-los como equipamentos públicos de elevados benefícios socioambientais a toda a sociedade, mas que se incorporam às estratégias do capital imobiliário como distinção de grandes empreendimentos. Em diferentes escalas e contextos, o Parque High Line em Nova York (EUA) e o Parque Luís Carlos Raya em Ribeirão Preto (Brasil) representam exemplos desse processo (JARDIM E LEMOS, 2012; GOMES, 2012).

Com base nas diretrizes de uma agenda global, o planejamento urbano incorporou os parques como elementos importantes em suas políticas de espaços públicos, como áreas verdes e de lazer. Favoreceu a sua inserção em grandes projetos de renovação/requalificação1 urbana, nos quais agregam valor ao solo e contribuem para mudanças importantes na produção das cidades. Entre as ações destacadas na Agenda 21 Brasileira que são incorporadas em discursos e práticas sobre parques, destacam-se: obras sanitárias, recuperação de áreas degradadas, gestão participativa, eficiência energética e energia ambientalmente adequada (AGENDA 21 BRASILEIRA, 2002) 2.

1 Há uma ampla variedade de terminologias na literatura para tratar de um mesmo processo. Assim,

será considerado aqui a terminologia utilizada no projeto do Parque das Nações. 2 A assinatura da Agenda 21 durante a Rio 92 sinalizou um momento em que governos locais, em suas

diversas esferas de atuação, se comprometeram a incorporar a sustentabilidade em suas propostas políticas. A partir das Agendas nacionais, gestores municipais elaboraram suas próprias agendas e, no caso do Brasil, elaborar agenda não significou necessariamente um avanço nas propostas e metas a serem alcançadas pelos municípios. Teve, portanto, um duplo papel, quer seja o de promover gestões públicas por difundir um dito compromisso socioambiental antenado com uma Agenda global, e o de angariar fundos da União para desenvolver os variados projetos pretendidos (AGENDA 21 BRASILEIRA, 2002).

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Em Portugal, no que cabe à importância dos parques urbanos, a municipalidade de Lisboa (CESUR, 2007, p.) destaca entre as práticas sustentáveis a presença de “espaços abertos naturais, proteção de zonas úmidas, florestas, vales, habitats” etc. No entanto, outras ações também indicadas pelo documento podem ser desenvolvidas tendo como suporte o espaço do parque, por exemplo, condições de emprego baseadas na educação; mobilidade a pé e por bicicleta; produção e consumo de energia solar; proteção e utilização de sistemas hidrológicos naturais; redução, recuperação, reciclagem e reutilização de resíduos de construção.

O Parque Tejo, na cidade de Lisboa, foi um espaço pioneiro em Portugal ao estabelecer uma proposta dita sustentável para o seu projeto, mediatamente após a Rio 923. Implantado entre 1995 e 1999, como parte de um projeto urbanístico mais amplo, denominado Parque das Nações, constituiu um dos elementos símbolos deste empreendimento que foi projetado como suporte para a Exposição Mundial de Lisboa de 19984. Agregou modernas tecnologias e parâmetros de responsabilidade socioambiental que depois serviu de modelo para outros projetos em Portugal e no mundo.

Neste trabalho, o objetivo é realizar uma discussão sobre o Parque Tejo, demonstrando como este equipamento foi projetado, implantado e difundido como uma proposta sustentável no âmbito do projeto urbanístico da atual Freguesia do Parque das Nações. O trabalho é parte de uma pesquisa mais ampla em nível de pós-doutoramento, cuja metodologia pautou-se em análises teóricas, consultas em documentos públicos, entrevistas semiestruturadas com diferentes atores sociais públicos e privados, levantamentos empíricos, entre outros.

A sustentabilidade é aqui entendida como uma categoria que tem servido para as sociedades problematizarem “as condições materiais da reprodução social, discutindo os princípios éticos e políticos que regulam o acesso e a distribuição dos recursos ambientais – ou, num sentido mais amplo, os princípios que legitimam a reprodutibilidade das práticas espaciais” (ACSERALD, 2009, p. 19). O Parque Tejo e o contexto da Freguesia do Parque das Nações

O Parque Tejo é parte de um projeto de reabilitação urbana denominado Parque das Nações, resultante de uma operação urbanística dirigida pelo Estado português (Figura 1). Este território, após intenso processo, desde 2012, elevou-se à condição de Freguesia5, através da Lei no 56/2012 (MORENO, 2016).

3 Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento – CNUMAD, Rio de Janeiro,

1992. 4 O evento, com o tema: “Os Oceanos, Um Patrimônio para o Futuro”, significou a comemoração do

500.º aniversário da descoberta do Caminho Marítimo para a Índia. 5 “As freguesias são as menores divisões administrativas de Portugal, diferente do Brasil onde o

município é a menor unidade político-administrativa. A freguesia em Portugal é governada por uma Junta de Freguesia, um órgão executivo que é eleito pelos membros da respectiva Assembléia de Freguesia, à exceção do presidente. A Assembléia de Freguesia é um órgão eleito diretamente pelos cidadãos recenseados no território da freguesia”. Disponível: http://www.conexaoportugal.com/2011/03/entenda-divisao-do-estado-portugues.html Acesso: setembro/2018.

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Com uma área de 415,5 hectares, [o Parque das Nações] representa 5% do total da área da cidade de Lisboa e possui uma população estimada de 21.025 habitantes. De acordo com os dados da Câmara Municipal de Lisboa, a Freguesia do Parque das Nações apresenta 819 edifícios habitacionais (1,55% do peso na área da cidade); 11527 alojamentos (3,53 do peso na área da cidade), 8366 famílias (3,40% do peso na área da cidade) e 21025 indivíduos (3,80% do peso na área da cidade). (JUNTA DE FREGUESIA DO PARQUE DAS NAÇÕES, 2015).

Figura 1: Parque das Nações (s/d), Lisboa.

Disponível: https://axpe.com.br/casaportuguesa. Acesso: julho/2019.

A Freguesia do Parque das Nações constitui-se de uma população

predominantemente de médio e alto rendimento (48,8% auferindo mais de 851 euros, acima da média nacional), com grau de escolaridade em geral de nível superior (mais de 50%)6. Tais características atestam o perfil socioeconômico que se projetou para esta localidade deste a sua concepção enquanto projeto urbanístico.

Para realizar a operacionalização administrativa do vultuoso projeto do Parque das Nações, que se estende por cerca de cinco quilômetros ao longo do rio Tejo, o Decreto Lei 354/93 criou uma empresa pública denominada Parque Expo7. A área na qual realizou-se intervenções era marcada por elevados níveis de degradação e poluição hídrica e do solo.

6 Ver Junta de Freguesia do Parque das Nações (2015). 7 Esta empresa constitui uma “Sociedade de capitais exclusivamente públicos ‘que tem como objeto social [...], a concepção execução exploração e desmantelamento da Exposição Internacional de Lisboa de 1998 (...) bem como a intervenção na reordenação urbana da Zona de Intervenção’.” (MACHADO, 2006, p. 90).

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Instalações industriais antiquadas, depósitos petrolíferos, velhos armazéns militares, um matadouro obsoleto e até uma lixeira a céu aberto deveriam dar lugar a um novo conceito de ocupação do espaço que permitisse, no futuro, devolver à cidade de Lisboa uma importante faixa de território situada à beira do rio Tejo8.

A ideia era promover uma “profunda operação de renovação urbana e

requalificação ambiental”, integrando esta área ao tecido urbano de modo que se tornasse uma referência urbanística e de intervenção ambiental, contribuindo para a elevação de Lisboa ao circuito de cidades competitivas na Europa, tanto por oferecer um novo centro de negócios na metrópole quanto por proporcionar um conjunto de equipamentos públicos que subsidiariam as atividades turísticas. De fato, o objetivo foi alcançado e esta área concentra serviços de alto padrão, escritórios internacionais, redes hoteleiras, centros de lazer e entretenimento, shopping center, estação multimodal, entre outros, que a tornam diferenciada em Lisboa.

Para Beirão (2014, p. 2), o interesse constante em requalificar a frente ribeirinha de Lisboa está relacionado à importância dada a qualidade do espaço público como forma de promover qualidade de vida, como também ao fato de o turismo ser uma das principais formas de se obter receitas para a cidade. Neste âmbito, Silva (2012, p. 123) destaca a ampliação dos espaços públicos nas zonas de Belém e do Raval, afirmando o seu impacto no crescimento econômico e na diversificação social.

Apesar do Parque das Nações constituir um mix de usos, a maior parte dos espaços públicos nesta área compõe-se de espaços secos, de passagem ou contemplação do rio, e jardins interativos ou não, em dimensões relativamente pequenas. Os espaços verdes compõem 1/3 da área do Parque das Nações, ou seja, 110ha, sendo que 90ha destes perfazem o Parque Tejo, objeto desta análise. Este fato o qualifica como a mais importante contribuição para a dimensão ambiental da proposta urbanística, somado às condições naturais da área onde se situa e à sua concepção paisagística, revelando-se para os seus idealizadores como um elemento potencializador da incorporação de uma proposta sustentável para o projeto em sua integridade, como se analisa a seguir. As ações ditas “sustentáveis” empregadas no Parque Tejo

São muitos os elementos na literatura que caracterizam ações sustentáveis em parques urbanos. Em outro trabalho (GOMES, 2019) foi apresentado e discutido algumas propostas e análises de parques, nas quais práticas socioambientais de elevada eficiência têm sido utilizadas para justificar projetos sustentáveis. Tratam-se de ações voltadas à produção e consumo de energia elétrica, captação e reutilização de águas, seleção e introdução de espécies vegetais, coleta e destinação de resíduos, mobilidade não motorizada, programas de educação ambiental, pisos permeáveis, infraestruturas de lazer, entre outros. Considerando essas questões foi feita uma análise do Parque Tejo no que se refere à sua proposta enquanto espaço dito “sustentável”.

8 Disponível: http://www.parqueexpo.pt/. Acesso: 25.04.12.

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a) As alterações na base física e social sobre a qual se implantou o Parque

O Parque foi implantado em uma área constituída por aterros, como todo o

espaço do Parque das Nações. O lixão existente no local foi isolado após aplicação de algumas medidas afim de aguardar a estabilidade do solo até que permita ocupação. Foram aproveitados os poucos estratos vegetais disponíveis através de técnica de transplante e valorizadas as áreas de sapais9, dando condição para a sua reconstituição. O relevo sofreu alteração elevando-se algumas cotas em sua maioria em formato de retas e “ondas” que se assemelham a franjas paralelas umas às outras (FIGURA 2). A justificativa se pautou tanto na valorização do desenho cuja perspectiva visual abre para o rio, quanto nas condições de ventilação e insolação determinantes na disposição dos estratos vegetais.

Figura 2: Parque Tejo: detalhes do relevo.

Autor: Marcos Antônio Silvestre Gomes (2017).

Uma vez que a área preexistente ao Parque detinha caráter industrial obsoleto,

a pouca ocupação humana de cunho habitacional se resumia a algumas famílias que foram realocadas para outras zonas da cidade. Estas famílias habitavam na área do Parque das Nações e não especificamente na área do Parque Tejo.

O projeto do Parque derivou de uma tomada de decisão da municipalidade que conferiu a especialistas o poder de decidir sobre o seu desenho e estrutura. Portanto, este espaço não logrou distinção em relação ao elevado padrão urbanístico da nova zona a ser criada, o Parque das Nações, e assim não agregou interesses dos habitantes das zonas próximas, de médio-baixa renda. Trata-se de um projeto

9 “Sapal é a designação dada a um terreno alagado, temporariamente inundado pelas águas de um rio, de um lago ou do mar. Quando os sapais estão localizados junto à desembocadura de um rio no mar, ou quando ocorrem em reentrâncias do mar, como enseadas e baías, variam com a subida e a descida das marés, designando-se, nestes casos, por Sapal Marinho. Os Mangais ou Manzegais são um tipo característico de Sapais Marinhos localizados nas regiões tropicais”. Disponível: http://knoow.net/ciencterravida/biologia/sapal/. Acesso: Julho/2019.

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estabelecido em gabinetes de especialistas que não logrou discussão pública nem congregou diversos agentes sociais locais na tomada de decisão.

b) Integração do projeto ao tecido urbano, estruturas de lazer e promoção de usos democráticos

O Parque apresenta design arrojado e qualidade arquitetônica e paisagística

elevada, como toda a Freguesia do Parque das Nações onde se imprimiu um conteúdo distinto dos bairros adjacentes, cujo distanciamento social é ampliado fisicamente pela linha férrea que os separa. É certo que o trabalho de se produzir uma zona com estas características logrou necessariamente a necessidade de criar conexão e fluidez ao tecido urbano. Certas estruturas como viadutos e ligações viárias foram implantadas para conectar estas áreas, que permanecem muito distintas material e socialmente.

Ao ser instituído como parque urbano de escala metropolitana, o Parque Tejo foi inicialmente projetado para agregar uma multiplicidade de equipamentos e atividades destinada a variado público, considerando faixas etárias e estratos sociais distintos. No entanto, na prática efetivamente pouco se avançou naquilo que deveria ser um espaço de uso democrático e diversificado.

A concepção urbanística do Parque das Nações impôs um desenho cuja marca dominante é a apreciação da paisagem com atividades principais ligadas à caminhadas ou corridas ou ainda àquelas de caráter informal, como jogos desenvolvidos nos gramados. O fato de as quadras esportivas serem privadas também limita e define os usuários. Outras propostas de ocupação privada, como instalação de supermercado, restaurantes e hotéis no interior do Parque, não avançaram e assim também influenciam no movimento e na diversidade do público.

Através de observações e levantamentos de campo em diversificados dias e horários foi constatado um público predominante de casais com filhos, namorados e jovens nas áreas gramadas em atividades contemplativas, caminhando ou utilizando o gramado para jogos informais. Nos passeios à beira-rio foi comum encontrar idosos e um número expressivo de turistas na área ao Sul da Ponte Vasco da Gama (Figura 3). Na área ao Norte há um fluxo predominante de praticantes de caminhadas e corridas de variadas idades. A presença de crianças é constante no playground e de jovens do sexo masculino na pista de skate. Nas quadras esportivas as atividades são pagas e programadas, onde o público é variado de acordo com a modalidade.

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Figura 3: Parque Tejo: caminho na frente ribeirinha.

Autor: Marcos Antônio Silvestre Gomes (2017.

De maneira geral, o Parque Tejo oferece um conjunto de mobiliário limitado,

como caminhos nas áreas gramadas e à beira-rio, passarelas e deck à margem do rio, bancos, playground, pista de skate simples, quadras esportivas de uso privativo. Estes equipamentos mobiliários encontram-se distribuídos ao longo do Parque, de modo a concentrarem-se nas proximidades da margem do rio.

Os decks são constituídos de madeira assim como a maioria dos bancos com encostos, o que proporciona conforto devido ao pouco aquecimento da superfície. Os caminhos são em geral permeáveis ou de estrutura material que permite a infiltração. Variam em largura e conforme a área onde se localizam. Serpenteiam todo o parque e por vezes descortinam-se para o rio. A diversidade de usos permitidos nos mesmos comumente exige do usuário uma atenção redobrada, pois ciclistas percorrem em alta velocidade junto a pedestres e corredores.

No caso das quadras esportivas, trata-se de um espaço privado, cujo uso está restrito a uma clientela específica. Entre as modalidades oferecidas destacam-se o futebol e o tênis. Está previsto no projeto do Parque a utilização da área do aterro sanitário para implantação de complexo desportivo de uso público, o que pode agregar usuários na sua vertente Norte (Figura 4).

Em suma, considerando os usuários que comumente fazem uso do Parque e também aqueles potenciais, os equipamentos encontram-se em quantidade e diversidade limitadas. Podem ser agregados estruturas de ginástica para idosos, melhorados e ampliados o número de banheiros, bebedouros, lixeiras e bancos.

c) Infraestruturas de mobilidade e meios e custos de acessibilidade ao Parque

Em termos de acessibilidade, o usuário dispõe de diferentes modais de transporte coletivo para chegar ao Parque: linhas de metrô, trem metropolitano e ônibus, tendo a estação intermodal Gare do Oriente como ponto central de intersecção. Além disso, são disponibilizadas vagas de estacionamento ao longo do

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Parque, junto à zona residencial que o margeia. As duas estações de metrô mais próximas (Oriente e Moscavide) encontram-se acerca de 1km do Parque, o que obriga o usuário a utilizar ônibus ou realizar uma caminhada longa para chegar a este recinto, podendo em alguns casos acarretar custos mais elevados.

Quanto às condições de mobilidade no interior do Parque, os caminhos apresentam-se adequados em quantidade e qualidade. No entanto, a utilização conjunta dos mesmos para diferentes usuários (ciclistas, pedestres etc.), pode tornar conflituoso e por vezes perigoso o convívio.

De acordo com a Proap10, este convívio mútuo nos caminhos faz parte da concepção do projeto, pois as características do piso fariam intencionalmente a segregação desses usuários, uma vez que pisos rugosos não são adequados à ciclistas.

O espaço do Parque corresponde a uma área extensa para se explorar a pé. Trata-se de 110ha, como já informado, que não permite o trânsito de veículos motorizados e também não oferece uma estrutura segregada para ciclistas ou usuários de patinetes e patins. O percurso é realizado pelos usuários geralmente a pé, caminhando ou correndo, com pisos adequados a estas finalidades. Além de estruturas específicas para ciclistas, a disponibilização de bicicletas para aluguel ao longo do Parque favoreceria o percurso e propiciaria uma distribuição mais equilibrada dos usuários, contribuindo para a maior exploração de toda a área.

d) Infraestruturas e programas de educação ambiental

Durante o processo de urbanização do Parque das Nações na década de 1990, como destacado, foi proposto e executado o Projeto “Oficina de Ambiente” de sensibilização ambiental, destinado às redes pública e privada de Ensino em nível Básico e Secundário e escolas profissionais. Foi agregada a faixa etária dos 5 aos 18 anos e as atividades pautaram-se em: a) Visitas ao Centro de Monitorização Ambiental no Parque das Nações, apoiadas por ferramentas multimídia; b) Desenvolvimento de atividades de jogos de caráter ambiental, com suporte de um Kit Ambiental Expo’98: Aprender a gostar dos oceanos; c) Realização de Percursos ambientais, privilegiando sobretudo as áreas dos sapais, aterro sanitário e Estação de Tratamento de Águas Residuais – ETAR, também presente no Parque (PROAP, 1999b).

10 Em entrevista realizada no mês de abril/17 nesta empresa com seus sócios-representantes.

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Figura 4: Parque Tejo em seus limites com as edificações do Parque das Nações.

Fonte: Google Earth (2019).

Atualmente não foi constatado nenhum programa permanente de educação

ambiental relacionado à gestão do Parque. Eventualmente algumas ações e atividades ocorrem naquele espaço, mas ligadas a programas de outras esferas. Como exemplo têm-se a campanha “Vamos limpar a Europa”, que constituiu-se numa atividade de recolha de lixo pela população mobilizada11. Um programa robusto voltado à educação ambiental cumpriria papel importante no aproveitamento das características ambientais do Parque e no seu reconhecimento pela população, especialmente jovem.

e) Energia, água e lixo: produção e reaproveitamentos

O sistema de iluminação é convencional, embora utilizam-se lâmpadas LED (Light Emitting Diode - diodo emissor de luz) que contribui para a redução do consumo de energia. O cabeamento é subterrâneo e as luminárias são esteticamente adequadas ao paisagismo, distribuídas de modo satisfatório ao longo do Parque. Em termos de manutenção, notou-se inúmeras luminárias danificadas e sem reposição, o que afeta o uso noturno do espaço. Também, a instalação de sensores que detectam presença de usuários contribuiria para a redução dos custos.

A energia utilizada é proveniente de centrais de distribuição, como ocorre em todo o Parque das Nações. Não há qualquer forma de produção de energia a partir de fontes alternativas, o que poderia agregar em termos de consumo e em práticas ambientalmente adequadas. Placas de energia solar instaladas sobre áreas de restaurantes ou banheiros públicos significaria uma medida importante neste aspecto.

A ETAR desenvolve o tratamento das águas poluídas do Rio Trancão, que limita o Parque a Norte, e do sistema de esgoto do seu entorno, possibilitando o seu reaproveitamento, sobretudo, no sistema de irrigação das áreas gramadas. Trata-se de uma medida importante que contribui significativamente em termos ambientais.

11 Disponível: http://www.jf-parquedasnacoes.pt/pt/campanha-de-limpeza-europeia-junto-ao-rio-trancao-participe- Acesso: agosto/2017.

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Esta estrutura já existia antes do Parque, no entanto, foi mantida e isolada do público. Mesmo nestas condições, o odor exalado das suas instalações não contribui para a permanência de pessoas nas imediações.

Há um sistema de drenagem através de valetas ao longo dos caminhos que ao captar as águas das chuvas as armazenam e redistribuem para o sistema de irrigação. Apesar de simples do ponto de vista técnico, este sistema é adequado e eficiente para a proposta segundo a PROAP.

A coleta seletiva é realizada no Parque e recolhida por empresa contratada pela Câmara Municipal que faz o encaminhamento do lixo para centrais de recolha, de onde segue para empresas de reciclados.

f) Aspectos da cobertura vegetal, limpeza e qualidade paisagística

A implantação da vegetação no Parque obedeceu a critérios de seleção de espécies como, adaptação ecológica, mata ribeirinha, exóticas com foco na temática dos oceanos, possibilidade de transplante em tamanho avançado, resistência à poluição, resistência às condições severas de crescimento, aspectos referentes ao conforto térmico e às características edafoclimáticas da área etc. Estava previsto o plantio de 750 árvores por hectare em área útil, estimada em 20ha. Mais de 100 espécies de árvores, somando-se 40 mil, foram recomendadas para compor toda a área do Parque das Nações (PROAP, 1999a; CASTEL-BRANCO, 19995).

Considerou-se a criação de espaços diferenciados pela cor, forma, transparência e alternância sazonal da folhagem, cheiro, floração, efeito de grandiosidade de acordo com cada local específico (CASTEL-BRANCO, 19995, p. 21). Este fato contribuiu para a riqueza paisagística e se constituiu numa medida importante para a cobertura vegetal do Parque. Há de se destacar também a grandiosidade dos espaços gramados, favorecendo as condições de infiltração de água e permitindo diversificados usos, como praticar esportes, realizar piqueniques, leituras, ou simplesmente deitar-se.

Em geral o Parque tem elevada qualidade paisagística, sobretudo ao Sul da Ponte Vasco da Gama. As condições de limpeza também são boas, devendo-se, em parte, à ação dos usuários que não têm o hábito de jogar lixo no chão. Não foi constatado ao longo das visitas profissionais cuidando da varredura nem realizando outros trabalhos, o que indica um efetivo reduzido para manutenção do Parque. Durante as visitas os banheiros encontravam-se limpos, embora com sinais de pouca manutenção e falta de itens de higiene como sabonete líquido e papel.

g) Segurança, orçamento financeiro e gestão

O sistema de policiamento no Parque é o mesmo utilizado em outras localidades da cidade de Lisboa. Além daquele feito a pé e em viaturas, há tropas de cavalaria, também adequado para a característica do espaço. A ampliação do efetivo policial e a disponibilização de bicicletas para o deslocamento destes aumentaria a circulação dos mesmos ao longo do Parque, tornaria o local mais seguro como também ampliaria o uso de outras áreas pouco visitadas, como a parte Norte. Foi

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informado pela Junta de Freguesia do Parque das Nações que não são comuns problemas de violência ou roubos no Parque.

As observações realizadas quanto ao reduzido efetivo profissional na manutenção do Parque, às necessidades de trocas de luminárias como à ausência de itens de higiene nos banheiros, evidenciam problemas relacionados à gestão e ao orçamento dispensado para tal fim. Esta questão se tornou um agravante em toda a área do Parque das Nações desde que a gestão passou para a Câmara Municipal de Lisboa por volta de 2010, com a respectiva extinção da Parque Expo, que tinha fundos próprios.

O elevado nível de qualidade do espaço público era mantido porque haviam recursos suficientes na Parque Expo, inclusive provenientes da venda de terrenos. No entanto, a limitação de recursos na atualidade tem contribuído para a deterioração dos equipamentos do Parque Tejo bem como no comprometimento do aspecto paisagístico de todo o Parque das Nações. Nota-se, portanto, um desequilíbrio financeiro gerado pelos altos custos de manutenção não previstos ou considerados na fase de planejamento do Projeto. Tal fato redunda hoje na oneração dos cofres públicos em detrimento do investimento em outras parcelas da cidade, sendo necessário desenvolver formas alternativas de gestão e captação de recursos envolvendo parcerias com a iniciativa privada. Considerações Finais Como se observou nos elementos analisados, o Parque Tejo apresenta-se como um importante espaço verde e de lazer na porção Oeste da cidade de Lisboa, tendo contribuído para uma proposta urbanística de elevada qualidade estética e paisagística.

Apesar de marcar fortemente a paisagem pela expressividade dos elementos da natureza (árvores, gramados, rios etc.), o Parque oculta um passado marcado por uma triste realidade de excessivo grau de poluição, desmatamento, aterros sucessivos e descasos das políticas públicas por décadas. Delimita um território destinado à demanda solvável da população, interessada em espaços residenciais exclusivos, cujo modelo urbanístico revela atributos ambientais que, em geral, incorporam amenidades e responde a um padrão de vida considerado moderno.

O mote da sustentabilidade na proposta do Parque serviu para imprimir uma marca de qualidade e responsabilidade ambiental e social em um momento histórico onde as ideias propaladas pós Rio 92 procuravam se sedimentar, valendo-se de grandes projetos de variados segmentos. Muitas medidas importantes foram adotadas, no entanto, tornou-se claro a vinculação da proposta do Parque a processos de modernização urbana que inclui apenas uma parcela da população e que nada diz sobre formas democráticas de produção do espaço público e da própria cidade. Referências

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ACSERALD, Henri. Sentidos da sustentabilidade urbana. ACSERALD, Henri. (org.). A duração das cidades: sustentabilidade e risco nas políticas urbanas. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Lamparina, 2009. P. 43-70.

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