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O Paradigma do Homo Economicus Consequências na Construção do Modelo Económico e Financeiro Liberal ARLINDO ALEGRE DONÁRIO RICARDO BORGES DOS SANTOS O Paradigma do Homo Economicus EDIÇÕES SÍLABO

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O Paradigma do

Homo Economicus

Consequências na Construção

do Modelo Económico

e Financeiro Liberal

ARLINDO ALEGRE DONÁRIO

RICARDO BORGES DOS SANTOS

ARLINDO ALEGRE DONÁRIO

RICARDO BORGES DOS SANTOS

é professor, presidente e investigador do Centro de Análise Económica de

Regulação Social (CARS) na Universidade Autónoma de Lisboa. A sua área actual de investigação é no âmbito

da Regulação Social, particularmente, na análise económica do direito. Para além das monografias abaixo

referidas e escritas em co-autoria com Ricardo Borges dos Santos, as suas publicações mais recentes são as

seguintes: (2015);

(2013);

(2013); (2011); (2010);

(2010);

(2007); (2007).

é professor, director e investigador do Centro de Análise Económica de

Regulação Social (CARS) na Universidade Autónoma de Lisboa. A sua área actual de investigação é no âmbito

da Regulação Social, particularmente, na análise económica do direito. As suas publicações mais recentes, em

co-autoria com Arlindo Donário, são as seguintes: (2014);

(2013); (2012);

(2010);

(2009).

The Economic Analysis of Law.The Effects of Liability on Road Safety Road Accidents, Risk and

Biological Factors Natureza dos Excedentes e Reservas nas Cooperativas: Seu Retorno e Distribuição

Economia Conceitos Fundamentais Aumento das Sanções ou da Probabilidade de Aplica-

ção da Lei? Economia de la Regulación y Políticas de Prevención de Los Accidentes DeTráfico. El Caso de

Portugal y elContexto Europeo Análise Económica da Regulação Social

Reflexões em Economia. Conceitos Fundamentais O

Paradigma do Homo Economicus Custo Económico e Social dos Acidentes de Viação em Portugal

Modelo IS-LM – Determinação do Rendimento,Taxa de Juros e Moeda Análise da Evolução da Procura do

EnsinoSuperior Público e Privado, em Especial na Região de Lisboa

«O mote para a elaboração deste texto prendeu-se com o facto de, a nosso

ver, existir evidência de que o modelo económico e financeiro mundial continua

sobre a égide de um paradigma que não aparenta ter aderência com a realidade

que as sociedades experienciam hodiernamente. À luz do conhecimento que hoje

possuímos, torna-se insustentável a continuação da compartimentalização dos

saberes científicos utilizados para a reflexão e execução do modelo empregue na

gestão económica e financeira das sociedades. Para tal, faremos uso dos conheci-

mentos desenvolvidos pela neurociência e a economia comportamental.

Como iremos explorar, este paradigma está sustentado, na sua génese, no

pensamento clássico originário no século XVIII, repristinado por diversos autores

no pós revolução keynesiana iniciada no segundo quartel do século XX. Ressalta-

remos deste pensamento que o indivíduo é considerado como sendo um ser

omnisciente, quiçá em termos racionais, omnipotente, desembocando no tão

famigerado . Interessa para tal, em primeira instância, tentar-

mos entender o pensamento clássico na sua vertente original e posteriormente,

nas suas versões mais recentes, contrapondo com a perspectiva keynesiana do

investimento e, por conseguinte, das causas inerentes às decisões tomadas pelo

indivíduo e quais os seus impactos na crise que ora experienciamos. Concluiremos

com a temática da eficiência dos mercados financeiros, bem como, o papel que a

desregulação do sector bancário teve na crise que vivemos actualmente.»

Homo Economicus

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“Worldly wisdom teaches that it is better for reputa-tion to fail conventionally than to succeed unconven-tionally” (Keynes 1936: Chapter 12, V)

O Paradigma do Homo Economicus

Consequências na Construção do Modelo Económico e Financeiro Liberal

Arlindo Alegre Donário

Ricardo Borges dos Santos

EDIÇÕES SÍLABO

É expressamente proibido reproduzir, no todo ou em parte, sob qualquer forma ou meio, NOMEADAMENTE FOTOCÓPIA, esta obra. As transgressões serão passíveis das penalizações previstas na legislação em vigor.

Visite a Sílabo na rede

www.si labo.pt

Editor: Manuel Robalo

FICHA TÉCNICA:

Título: O Paradigma do Homo Economicus – Consequências na Construção do Modelo Económico e Financeiro Liberal Autores: Arlindo Alegre Donário, Ricardo Borges dos Santos © Edições Sílabo, Lda. Capa: Pedro Mota Imagem da capa: © Boarding1now | Dreamstime

1ª Edição, 1ª Impressão – Lisboa, 2014 1ª Edição, 2ª Impressão – Lisboa, Outubro de 2017 Impressão e acabamentos: ARTIPOL – Artes Tipográficas, Lda. Depósito Legal: 433272/17 ISBN: 978-972-618-920-6

EDIÇÕES SÍLABO, LDA.

R. Cidade de Manchester, 2 1170-100 Lisboa Tel.: 218130345 Fax: 218166719 e-mail: [email protected] www.silabo.pt

ÍNDICE

Índice .......................................................................................................................................... 5

Nota prévia ............................................................................................................................... 7

Abstract ..................................................................................................................................... 9

Introdução .............................................................................................................................. 11

I – O Neoclacissismo Económico e a Crise de 2007 .................................................... 15

II – Crítica à Perspectiva Neoclássica do Comportamento Individual ................. 27

Crowding Out, Crowdin In e Homo Economicus .................................................. 61

Ultimatum Game e o Homo Economicus ................................................................ 73

III – O Investimento e a Taxa de Juro. A Eficácia Marginal do Capital. As Probabilidades e a Incerteza. ............................................................................................ 75

IV – Os Mercados Eficientes. Estabilidade Versus Instabilidade dos Mercados ............................................................................................................................... 99

V – Critica aos Mercados Eficientes ............................................................................. 103

VI – A Desregulação da Banca e a Sua Influência Nas Crises............................... 121

Bibliografia .......................................................................................................................... 135

NOTA PRÉVIA

As citações que se incluem no corpo do texto estão traduzidas pelos au-tores deste trabalho; não obstante, em notas de rodapé, mencionam-se os textos originais.

ABSTRACT

O mote para a elaboração deste artigo prendeu-se com o facto de, a nos-so ver, existir evidência de que o modelo económico e financeiro mun-dial continua sobre a égide de um paradigma que não aparenta ter ade-rência com a realidade que as sociedades experienciam hodiernamente. À luz do conhecimento que hoje possuímos, torna-se insustentável a continuação da compartimentalização dos saberes científicos utilizados para a reflexão e execução do modelo empregue na gestão económica e financeira das sociedades. Para tal, faremos uso dos conhecimentos de-senvolvidos pela neurociência e a economia comportamental.

Como iremos explorar, este paradigma está sustentado, na sua génese, no pensamento clássico originário no século XVIII, repristinado por di-versos autores no pós revolução keynesiana iniciada no segundo quartel do século XX. Ressaltaremos deste pensamento que o indivíduo é consi-derado como sendo um ser omnisciente, quiçá em termos racionais, om-nipotente, desembocando no tão famigerado Homo Economicus. Interes-sa para tal, em primeira instância, tentarmos entender o pensamento clássico na sua vertente original e posteriormente, nas suas versões mais recentes, contrapondo com a perspectiva keynesiana do investimento e, por conseguinte, das causas inerentes às decisões tomadas pelo indiví-duo e quais os seus impactos na crise que ora experienciamos. Conclui-remos com a temática da eficiência dos mercados financeiros, bem co-mo, o papel que a desregulação do sector bancário teve na crise que vi-vemos actualmente.

INTRODUÇÃO

Segundo a teoria neoclássica, em qualquer mercado o preço de um bem é assumido como ajustando-se até que a quantidade oferecida iguale a quantidade procurada. Tendo em conta o modelo de equilíbrio geral de Walras – modelo que foi desenvolvido por León Walras (1834-1910) e que foi aprofundado por Kenneth Arrow e Gerard Debreu (Arrow; De-breu, 1954) – é suposto que haverá um equilíbrio simultâneo em todos os mercados, significando que os preços levarão a que a oferta seja igual à procura simultaneamente em todos os mercados, como consequência da não intervenção do Estado, traduzindo a aplicação da célebre metáfora da mão invisível de Adam Smith, o que levaria à eficiência paretiana ou óptimo de Pareto, desde que se verificassem determinados pressupostos. Como é dominantemente entendida a metáfora da mão invisível, as ac-ções dos indivíduos seriam dirigidas ao seu interesse pessoal o que leva-ria à afectação óptima dos recursos tanto individual como socialmente.

Era suposto, também, que haveria concorrência perfeita não tendo quer os produtores quer os consumidores qualquer influência no preço. Esse equilíbrio walrasiano seria determinado pelas quantidades oferecidas e procuradas e pelos preços relativos, funcionando o sistema económico como um espelho da mecânica racional Newtoniana.

Walras foi influenciado pelo físico Louis Poinsot que, nos seus Éléments de statistique (1803), desenvolveu um modelo de equilíbrio geral dos fe-nómenos físicos que Walras declarou ter sido uma fonte importante de inspiração para a sua teoria de equilíbrio geral económico, que o levou a tomar os sistemas de equações de Poinsot aplicadas ao universo físico como modelo para aplicação ao universo económico:

112 O Paradigma do Homo Economicus

“Sobre os sistemas de equações de Poinsot que tratam do universo físi-co, Walras escreveu que os mesmos lhe mostraram os métodos pelos quais ele poderia tratar do universo económico. Na realidade, ele deve ter tido conhecimento de que um grande número de estudiosos anterio-res haviam argumentado que a abordagem newtoniana para a ciência física – ou seja, num sistema – deve ser imitada nas ciências sociais.... Foi certamente verdade, no entanto, que o método de Poinsot foi suges-tivo para Walras em aspectos específicos e detalhados. O seu objectivo tornou-se na construção de ". . . uma nova ciência: a ciência das forças económicas análogas à ciência das forças astronómicas. Refiro a as-tronomia porque é de fato o tipo de ciência como a que, mais cedo ou mais tarde, a teoria da riqueza social deve tornar-se. Em ambas exis-tem factos naturais, no sentido de que eles são e continuam a ser supe-riores para o social”(Walker, 2006:5-6) 1).

Pode observar-se que na passagem de Walras, citada por Walker, aquele considerava a economia como uma das ciências sociais, semelhante à astronomia, como um modelo mecânico, influenciando, na esteira do dualismo cartesiano e do atomismo da mecânica newtoniana, a teoria económica neoclássica, assente no homo economicus2, o que levou a que

1 “Poinsot’s systems of equations treating the physical universe, Walras wrote, showed

him the methods by which he could treat the economic universe. In actuality, he must have been aware that a great many previous scholars had argued that the Newtonian approach to physical science – namely, analyzing the mutual determination of the val-ues of the atomistic variables in a system – should be emulated in the social scienc-es….It was certainly true, nevertheless, that Poinsot’s method was suggestive to Walras in specific and detailed respects. His aim became the construction of “. . .a new science: the science of economic forces analogous to the science of astronomical forc-es. I cite astronomy because it is in fact the type of science like which, sooner or later, the theory of social wealth ought to become. In both there are natural facts, in the sense that they are and remain superior to social” (Walker, 2005:5-6).

2 Mill, (1844) - Essays on Some Unsettled Questions of Political Economy, p 137. O con-ceito de homo economicus pode ser encontrado em Stuart Mill: “What is now com-monly understood by the term “Political Economy” is not the science of speculative pol-itics, but a branch of that science. It does not treat of the whole of man’s nature as

Introdução 113

a economia neoclássica seja, de certa forma, reducionista, ao fundamen-tar-se na física clássica, considerando-se o indivíduo semelhante aos átomos da física, impenetráveis, sem consideração pelas relações de alteridade que desencadeiam emoções e sentimentos com influência no comportamento e escolhas dos indivíduos.

Utilizamos o conceito de homo economicus, o actor racional neoclássico idealizado, para significar o modelo canónico do ser humano como um agente procurando a maximização do seu interesse, tomando decisões racionais, com informação perfeita e preferências ordenadas3, não sen-do estas preferências afectadas pelas de outrem, sendo consideradas como exógenas.

Com base no homo economicus o sistema económico pode ser concep-tualizado como consistindo em vários componentes isolados, cada um sendo um agente racional representativo.

modified by the social state, nor of the whole conduct of man in society. It is concerned with him solely as a being who desires to possess wealth, and who is capable of judging of the comparative efficacy of means for obtaining that end. It predicts only such of the phenomena of the social state as take place in consequence of the pursuit of wealth. It makes entire abstraction of every other human passion or motive; except those which may be regarded as perpetually antagonizing principles to the desire of wealth, namely, aversion to labour, and desire of the present enjoyment of costly indulgences.”

3 Sobre este tema vide: Aktipis, (2004) - Is Homo Economics Extinct? Vernon Smith, Daniel Kahneman and the evolutionary perspective. Evolutionary Psychology and Economic Theory Advances in Austrian Economics, Vol. 7, p. 135–153.

I O NEOCLACISSISMO ECONÓMICO E

A CRISE DE 2007

A teoria neoclássica considera que a economia é estável (na senda dos clássicos) salvo se for afectada por choques exógenos, significando que a economia per se é estável, auto-sustentada e que tende para o equilíbrio de pleno emprego (no dizer dos clássicos) ou para o emprego potencial – com a correspondente taxa natural de desemprego – depois da utilização destes conceitos após a sua criação por Milton Friedman. Assim, quer a política orçamental quer a política monetária têm pouco ou nenhum potencial para estabilizar a economia ao nível do pleno emprego. Estas teorias têm a sua lógica no homo economicus cartesiano e atomístico e nos seus pressupostos da racionalidade e maximização racional de ob-jectivos.

Na mesma esteira, é suposto que os mercados de capitais sejam eficien-tes levando a que os preços dos activos reflictam o seu valor substancial, não se afastando, de forma sistemática, do mesmo.

Tendo em conta o dualismo cartesiano e o atomismo da física mecânica de Newton, incorporados na teoria económica neoclássica4, o compor-tamento e atitudes dos indivíduos (e, por conseguinte, do mercado como um todo) seriam semelhantes aos átomos da física, o que permite a con-clusão do determinismo que tem como consequências que, qualquer desvio da tendência estável de equilíbrio ao nível da taxa natural de

4 Ver nota 6, Jevons.

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desemprego, seria apenas temporário e reverteria à média (equilíbrio de produto potencial) sem a intervenção do Estado através de políticas ac-tivas orçamentais e /ou monetárias.

Contudo, não sendo o processo de geração de dados estacionário, as po-líticas de curto, médio e longo prazos são integradas, significando que mesmo as políticas de curto prazo podem ter efeitos de longo prazo, pois as séries temporais de dados, que têm por base o comportamento huma-no, tendem a ser passeios aleatórios (random walk).

CAIXA – PASSEIO ALEATÓRIO (RANDOM WALK) E EFEITOS DOS CHOQUES

Uma série temporal estacionária pode se representada do seguinte mo-do:

Yt = gt + bYt�1 + �t

onde t representa o tempo, g e b são constantes e � representa choques cuja média é zero. Nesta equação gt representa o crescimento médio do PIB que descreve uma tendência determinística. No caso de b ser inferi-or a 1 e maior que zero, (0 < b < 1), os efeitos dos choques (�t) no produto tenderão a desaparecer e o produto retornará à sua média (tendência) de pleno emprego, havendo, deste modo, uma reversão à média.

Nestes casos haveria consistência com a hipótese da taxa natural de de-semprego e o produto potencial, em que apenas as políticas não anteci-padas (teorias das expectativas racionais e monetarismo) desviariam o produto e o emprego das suas taxas naturais de equilíbrio sendo, por conseguinte, desvios temporários, baseados na falta de informação dos indivíduos quer dos trabalhadores quer dos empresários (ver adiante “Ilha de Lucas”). Isto é, apenas as políticas que enganam os indivíduos poderiam ter alguns efeitos no produto e no emprego.

Contudo, os dados com base no comportamento humano não seguem

O Neoclacissismo Económico e a Crise de 2007 117

um processo determinístico, mas sim estocástico, sendo b, na anterior equação, igual a um (b1=1), com consequências importantes nas políticas económicas. Nestes casos, quando se verifica um choque, positivo ou negativo, os efeitos do mesmo são de longa duração, não haverá rever-são à média por parte do produto ou do emprego, sendo tal evolução conhecida por passeio aleatório (random walk). Com b=1 a equação ante-rior tomará a seguinte forma:

Yt = gt + Yt�1 + �t

dizendo-se que tem raiz unitária. Com a existência de raiz unitária o próprio choque tem efeitos na alteração da tendência que vinha sendo seguida, ou seja, os choques têm memória, não existindo correlação en-tre a série de �t. Quer dizer, os efeitos dos choques tendem a ser perma-nentes ou de longa duração.

No caso de choques negativos, quer do lado da oferta quer do lado da procura, o produto e o emprego podem baixar durante longo tempo. As políticas contraccionistas que estão a ser seguidas em Portugal e outros países da Europa, terão efeitos negativos de longo prazo, com conse-quências de empobrecimento do País e mantendo a taxa de desemprego elevada, consistindo no que é conhecido por hysteresis do desemprego5, significando que tendo as séries de desemprego e do PIB raízes unitárias, os efeitos dessas políticas contraccionistas repercutir-se-ão durante um período longo, com elevadas taxas de desemprego, sem tendência de haver reversão à média anterior a esses choques, ou seja, ao nível da taxa de desemprego que anteriormente existia.

No nosso estudo (Donário, 2007) analisámos a série temporal relativa à taxa de desemprego e verificámos que a esta série tinha raiz unitária, sendo o processo gerador dos dados um random walk puro, pelo que

5 Sobre esta questão ver Blanchard e Summers (1987, p. 286) e Blanchard e Katz

(1997, p. 68).

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cremos que as políticas que têm vindo a ser implementadas em Portugal tenderão a manter a taxa de desemprego muito elevada, por longo tem-po. Neste estudo utilizámos também a análise espectral para a série temporal da taxa de desemprego que aqui reproduzimos:

“Os resultados dos testes de estacionariedade efectuados em relação à sé-rie temporal da taxa de desemprego (TD) indicaram que esta série é não estacionária. A análise espectral desta série é mostrada no gráfico seguin-te:

Gráfico n.º 15.3 Análise da densidade espectral da taxa de desemprego (TD)

Spectral analysis: TD

No. of cases: 110Bartlett weights:0,000 ,2500 ,5000 ,2500 0,000

0,00 0,05 0,10 0,15 0,20 0,25 0,30 0,35 0,40 0,45 0,50

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Tal como para as séries anteriormente analisadas verifica-se que ao nível da frequência zero a densidade espectral é elevada, confirmando os resul-tados dos testes efectuados sobre a estacionariedade.

A análise dos dados sobre a taxa de desemprego indica que esta mais que duplicou não tendo revertido ao que se considerava o seu nível natural. Este fenómeno que é conhecido como hysteresis no desemprego relaciona-se com o facto de que, em vez de reverter à média anterior, o impulso (choque) que originou essa alteração no nível de desemprego, mantém os seus efeitos

O Neoclacissismo Económico e a Crise de 2007 119

de forma persistente, não voltando a taxa ao seu nível anterior, mas ten-dendo a permanecer no novo nível. Quando a taxa de desemprego volta ao seu nível inicial, mas tem uma duração temporal longa, existe o que é de-nominado persistência no desemprego; este conceito faz referência a um ajuste lento até um valor de equilíbrio de longo prazo que é constante, de modo que os efeitos de um choque diluem-se, mas muito lentamente. No caso de existência do fenómeno de hysteresis um choque negativo sobre o emprego tenderá a perpetuar-se no tempo até que um novo choque ocorra.

Assim, com base nos resultados obtidos, pode concluir-se que os efeitos de um choque negativo são de longa duração, ou seja, a taxa de desemprego tenderá a manter-se elevada ou mesmo a crescer, persistindo num nível alto até que um novo choque de sinal contrário se verifique.” (Donário, 2007: 672-674).

Contrariamente à teoria dos ciclos reais de negócios, entendemos que as políticas não só do lado da oferta, mas também as do lado da procura, nomeadamente as consubstanciadas nas políticas orçamentais, têm efei-tos de longo prazo6.

A ausência da intervenção do Estado (para além da criação de normas jurídicas e sua aplicação e intervenção devido à existência de bens pú-blicos), seria um pressuposto para que a economia funcionasse de forma estável, levando ao óptimo de Pareto, naturalmente. A economia, nome-adamente o sector privado, seria inerentemente estável, pelo que a in-tervenção do Estado seria uma das causas da instabilidade. De acordo com Jevons:

“Para voltar, contudo, ao assunto do presente Trabalho, a teoria aqui exposta pode ser descrita como a mecânica da utilidade e do auto inte-resse. Algumas aproximações podem ter sido feitas para traçar os seus pormenores, mas nos seus traços principais esta teoria deve ser a ver-

6 Sobre este tema ver Zivot e Andrews (1992); e Cochrane (1988).

220 O Paradigma do Homo Economicus

dadeira. O seu método é tão seguro e demonstractivo como o da cine-mática ou da estática, mais que isso, quase como auto evidência como são os elementos de Euclides, quando o significado real da fórmula é totalmente compreendido” (Jevons, 1871:32)7.

Esta passagem de Jevons evidencia como a teoria económica neoclássica assumiu, até aos dias de hoje, que as leis da física eram aplicadas ao comportamento humano, como se de formas inanimadas se tratassem, utilizando uma forma reducionista, afastando a contribuição de outras ciências, como a psicologia e a neurociência, aceitando-se a sua estabili-dade e equilíbrio ao nível de pleno emprego, o que era defendido pelos clássicos e é hoje defendido pelos monetaristas, pelos novos clássicos das expectativas racionais e dos ciclos reais de negócios. Keynes contra-ria esta crença ao escrever em 1933, durante a grande depressão:

“Muitas pessoas estão tentando resolver o problema do desemprego com uma teoria que é baseada no pressuposto de que não existe de-semprego” (Keynes 1933: 350)8.

Esta passagem de Keynes evidencia o modo como os clássicos entendi-am o funcionamento da economia, considerando apenas a possibilidade de desemprego sectorial, nunca aceitando a existência de desemprego generalizado, contrariamente ao que a realidade nos evidencia. Esta visão é hoje partilhada pelos monetaristas e novos clássicos e tem sido levada à prática nas últimas décadas. O que Keynes teria querido signi-ficar com esta passagem era a tendência dos economistas para evitar

7 “To return, however, to the topic of the present work, the theory here given may be

described as the mechanics of utility and self-interest. Oversights may have been com-mitted in tracing out its details, but in its main features this theory must be the true one. Its method is as sure and demonstrative as that of kinematics or statics, nay, almost as self-evident as are the elements of Euclid, when the real meaning of the formulæ is fully seized” (Jevons, 1871: 32).

8 “Many people are trying to solve the problem of unemployment with a theory which is based on the assumption that there is no unemployment” (Keynes 1933: 350).

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Homo Economicus

Consequências na Construção

do Modelo Económico

e Financeiro Liberal

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RICARDO BORGES DOS SANTOS

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é professor, presidente e investigador do Centro de Análise Económica de

Regulação Social (CARS) na Universidade Autónoma de Lisboa. A sua área actual de investigação é no âmbito

da Regulação Social, particularmente, na análise económica do direito. Para além das monografias abaixo

referidas e escritas em co-autoria com Ricardo Borges dos Santos, as suas publicações mais recentes são as

seguintes: (2015);

(2013);

(2013); (2011); (2010);

(2010);

(2007); (2007).

é professor, director e investigador do Centro de Análise Económica de

Regulação Social (CARS) na Universidade Autónoma de Lisboa. A sua área actual de investigação é no âmbito

da Regulação Social, particularmente, na análise económica do direito. As suas publicações mais recentes, em

co-autoria com Arlindo Donário, são as seguintes: (2014);

(2013); (2012);

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(2009).

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Portugal y elContexto Europeo Análise Económica da Regulação Social

Reflexões em Economia. Conceitos Fundamentais O

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«O mote para a elaboração deste texto prendeu-se com o facto de, a nosso

ver, existir evidência de que o modelo económico e financeiro mundial continua

sobre a égide de um paradigma que não aparenta ter aderência com a realidade

que as sociedades experienciam hodiernamente. À luz do conhecimento que hoje

possuímos, torna-se insustentável a continuação da compartimentalização dos

saberes científicos utilizados para a reflexão e execução do modelo empregue na

gestão económica e financeira das sociedades. Para tal, faremos uso dos conheci-

mentos desenvolvidos pela neurociência e a economia comportamental.

Como iremos explorar, este paradigma está sustentado, na sua génese, no

pensamento clássico originário no século XVIII, repristinado por diversos autores

no pós revolução keynesiana iniciada no segundo quartel do século XX. Ressalta-

remos deste pensamento que o indivíduo é considerado como sendo um ser

omnisciente, quiçá em termos racionais, omnipotente, desembocando no tão

famigerado . Interessa para tal, em primeira instância, tentar-

mos entender o pensamento clássico na sua vertente original e posteriormente,

nas suas versões mais recentes, contrapondo com a perspectiva keynesiana do

investimento e, por conseguinte, das causas inerentes às decisões tomadas pelo

indivíduo e quais os seus impactos na crise que ora experienciamos. Concluiremos

com a temática da eficiência dos mercados financeiros, bem como, o papel que a

desregulação do sector bancário teve na crise que vivemos actualmente.»

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