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C.D.U. 301.185.12(812.1) Maria do Socorro Coelho Cabral(l) o PAPEL DO NEGRO NA HISTORIOGRAFIA MARANHENSE RESUMO Esse artigo apresenta algumas questões com relação ao papel que o negro desempenha na produção historíográfica maranhense. Aborda, sobretudo, os aspec tos ligados ao tratamento que é dispensado ao negro por essa historiografia, a imagem que dele é produzida e o comprometimento dessa produção historiográfica com uma ordem social que não contribui para uma real integração do negro na socie dade. INTRODUçAo Pz opo.no-mo s, nesse arti go, levantar, de modo algumas questões sobre o que representa o negro na sucinto, papel histo riografia maranhense. Sabe-se que a produção historiográfica maranhense nao é uniforme, variando ao longo do tempo. No que diz respeito, PQ rém, ao negro, apresenta,em li nhas gerais, determinadas tendên cias que a tem marcado, embora se note que, mais recentemente, novas interpretações têm surgi do, pondo em questionamento es sas tendências gerais. As questões aqui levan tadas se baseiam, pois, nessas tendências que marcam a historio grafia maranhense com relação ao negro e são colocadas como res postas as perguntas que se guem: se Qual o tratamento .dis pensado ao negro por essa histo riografia? Que imagem do negro ela veicula? Qual o seu comprometi:. mento com a história do negro, com sua integração à sociedade e com suas conquistas em busca de uma plena libertação? Com relação à primeira pergunta, podemos afirmar, de início, que, apesar do grande papel que desempenhou e desem penha o negro na dinãmica do processo histórico maranhense, sua presença na produção histó rica sobre o Maranhão é repr~ senta por uma quase total ausen (1) Professora Assistente do Departaille<1COde História e Geociências - UFMA - Mes tre em Educação - FCV - Doutoranda em. Ris tória'Social ,-USP. Cad. Pesq. são Luís, 4 (1): 105 - 109, jan. fjfn'. 1988 105

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C.D.U. 301.185.12(812.1)

Maria do Socorro Coelho Cabral(l)

o PAPEL DO NEGRO NA HISTORIOGRAFIA MARANHENSE

RESUMO

Esse artigo apresenta algumas questões com relação ao papel que o negrodesempenha na produção historíográfica maranhense. Aborda, sobretudo, os aspectos ligados ao tratamento que é dispensado ao negro por essa historiografia, aimagem que dele é produzida e o comprometimento dessa produção historiográficacom uma ordem social que não contribui para uma real integração do negro na sociedade.

INTRODUçAo

Pzopo.no-mo s , nesse artigo, levantar, de modoalgumas questões sobre oque representa o negro na

sucinto,papelhisto

riografia maranhense.Sabe-se que a produção

historiográfica maranhense naoé uniforme, variando ao longo dotempo. No que diz respeito, PQ

rém, ao negro, apresenta,em linhas gerais, determinadas tendências que a tem marcado, emborase note que, mais recentemente,novas interpretações têm surgido, pondo em questionamento essas tendências gerais.

As questões aqui levantadas se baseiam, pois, nessastendências que marcam a historiografia maranhense com relação aonegro e são colocadas como res

postas as perguntas que seguem:

se

Qual o tratamento .dispensado ao negro por essa historiografia?

Que imagem do negro elaveicula?

Qual o seu comprometi:.mento com a história do negro,com sua integração à sociedadee com suas conquistas em buscade uma plena libertação?

Com relação à primeirapergunta, podemos afirmar, deinício, que, apesar do grandepapel que desempenhou e desempenha o negro na dinãmica doprocesso histórico maranhense,sua presença na produção histórica sobre o Maranhão é repr~senta por uma quase total ausen

(1) Professora Assistente do Departaille<1COde História e Geociências - UFMA - Mestre em Educação - FCV - Doutoranda em. Ris tória' Social ,-USP.

Cad. Pesq. são Luís, 4 (1): 105 - 109, jan. fjfn'. 1988 105

cia. Pouco, muito pouco existea respeito do negro nessa história. Esta é ainda marcada poruma visão passadista(da história) I como se história fosse ap~nas o relato do passado humano, epor uma visão linear e europeiz~da do mundo. Segundo essa ótica,a história do Maranhão se restringe à narrativa dos grandesacontecimentos, valorizando sempre a ação dos grupos vencedores, daqueles que impuseram seusprojetos de vida, como se fossemprojetos em benefício da sociedade em seu conjunto.

Nessa produção histórica,os segmentos sociais vencidos, como o negro e o índio, saoesquecidos, ocultados. As po~cas referências feitas a eles colocam-nos como um instrumento àmargem, como um objeto sem história. Eles não são vistos, pois,como agentes que, ao lado dosoutros segmentos sociais, quesão minoria em relação ao negro,atuaram e atuam na construçãoda sociedade maranhense. Em funçao disso, seus valores, costumes e tradições sao menosprez~dos. Através da historiografiamaranhense não se conhece as origens do negro, suas lutas,aspirações e propostas deEssa história contempla etima apenas a cultura dos

suasvida.

legigrupos

dirigentes, considerada sup~rior diante da cultura do negro.

Sabe-se, entretanto ,que, a partir, sobretudo,de me~dos do século XVIII e durantetoda a fase imperial até 1888,data da abolição da escravatura (hoje completando cem anos),foi o negro no Maranhão o trabalhador fundamental.

Toda a riqueza e fartura que produziu a província prQveio de seus braços. Toda a beleza, suntuosidade, esplendorda Arquitetura de são Luís dessa época foram construidos comseu trabalho. Em troca de todo!sse labor, apenas lhes era dada minguada ração que o deveria manter vivo, para continuartrabalhando. Necessário se fazia,para a manutenção da ordemvigente, que fosse reproduzidaa força de trabalho. E o negro,então escravo, não representavamais que essa força de trabalho. Diante disso, seus hábitos, suas danças, sua músicasuas crenças era-lhes negado vivenciá-las, ou reproduzi-lasSua resistência a essa situaçao de escravidão, que tentadestruir seu universo cultural,caracterizou-se por inúmerasformas de luta. Todas essas pr~ticas, todo o quotidiano do ne

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gro, contudo, sao silenciadospela Historiografia Maranhense,de um modo geral. Não se conhece, pois, a história do negromaranhense, história essa qUéintegra e ilumina a história doMaranhão.

Com relação à segundapergunta, pode-se afirmar que,emfunção da linha interpretativaadotada por essa produção historiográfica, a imagem que ela veicula do negro e preconceituosa.O negro e visto como um mero instrumento, incapaz de pensar, depossuir uma consciência histórica, de construir ou fazer História.

Essa visão do negro produzida por essa historiografiaestá presente, de certo modo, namaioria dos livros de EstudosSociais adotados por grande paEte das Escolas de lQ grau no Maranhão. Esse fato foi comprovadoem recente pesquisa que realizamos em várias escolas de lQgrau,públicas e privadas de são Luís,onde foram analisados os livrosdidáticos de Estudos Sociais, noque diz respeito ao conteúdo dehistória adotados por essas escoIas.

Através da narrativa des

ses livros tem-se uma idêiada sociedade maranhense como umtodo harmônico, onde não há conflitos, exploração, preconceitos. "Todos (os maranhenses) têmigualmente acesso as riquezasda terra", devendo se sentir,por isso mesmo, "seres felizardos" , diz um desses livrosanalisados!l) Nesses textos, areal situação do negro hoje noMaranhão não é questionada, nemsequer apresentada, da mesma forma que é silenciada suahistória. O conteúdo desses livros, com certeza, influenciaa prática pedagógica dasIas, com relação ao ensino

escoe

aprendizagem da História. Atransmissão de forma nao que~tionadora ou crítica dessa narrativa não oportunizará o aluno, sobretudo o aluno negro, ase aperceber como ser histórico, passando a ver a Históriacomo um relato monótono, com oqual não se identifica, por semostrar distante de seus interesses e experiências.

Com relação à últimapergunta e diante do exposto,sópodemos afirmar que não há naprodução historiográfica maranhense, de forma geral, um com

1 NASCIMENTO, Maria Nadir e CARNEIRO, Deuris Moreno. Terras das Palmeiras, citado in CABRAL, Maria do Socorro Coelho, o Ensino de História do Maranhão no12 Grau, mimeo.

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prometimento com os ideais deverdadeira libertação do negro.E~sa História, corno já afirmamosapresenta-se simplificadora, naomostrando a evolução históricacorno um processo complexo e dinâmico, do qual participam todas ascamadas sociais que o integram.Dessa forma, a luta do negro contra os preconceitos, contra a exploração, não é valorizada,deixa~do, por conseguinte, de resgatarfatos importantes da história donegro, que é tão fundamental paraa compreensao da História do Maranhão.

Ultimamente, contudo,comoobservamos no início, novasdências vêm-se manifestando

tenna

produção historiográfica maranhense, tendências essas que questi~nam as versoes tradicionais e pr~.duzem novas interpretaç6es paraos fatos históricos presentes epassados, buscando explicar o movimento das várias camadas sociais que constroem e transformam a História do Maranhão.

SUMMARY

This article presents some questions related to the roleWhich the negro plays in the Historiography of the State of Maranhão. It mainly deals With theaspects related to the treatment

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which is given to thein Historical Literature,image presented and thetement of Historical withsocial order which has nottributed to an effectivegration of the negro insociety.

Negrothe

cornrnia

coninte .,

the

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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5 - SANTOS, Joel Rufino. História do Negro no Brasil,Centro de Cultura Negrado Maranhão,são Luís,1985.

6 - SCHAFF, Adam. História e

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Verdade) Martins Fontes Editora, são Paulo, 1986.

7 - SILVA, Marcos A. da. (org.)Repensando a História, EditoraMarco Zero, Rio de Janeiro1984.

ENDEREÇO DO AUTOR

MARIA DO SOCORRO COELHO CABRAL

Departamento de História e Ge~ciências.Centro de Estudos Básicos/UFMACampus Universitário-BacangaTe1.: ( 098 ) 221- 5 4 3 3

SÃO Luís - MA.

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