o papel do estado nos conflitos socioambientais no brasil: um estudo sobre o conflito entre as...
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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE CENTRO DE ESTUDOS GERAIS
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA DEPARTAMENTO DE SOCIOLOGIA E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS
O PAPEL DO ESTADO NOS CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS NO BRASIL: UM
ESTUDO SOBRE O CONFLITO ENTRE AS COMUNIDADES INDÍGENAS
TUPINIQUINS & GUARANIS E A ARACRUZ CELULOSE S.A NO NORTE DO
ESPÍRITO SANTO.
DIOGO FERREIRA DA ROCHA
NITERÓI
2008
DIOGO FERREIRA DA ROCHA
O PAPEL DO ESTADO NOS CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS NO BRASIL: UM
ESTUDO SOBRE O CONFLITO ENTRE AS COMUNIDADES INDÍGENAS
TUPINIQUINS & GUARANIS E A ARACRUZ CELULOSE S.A NO NORTE DO
ESPÍRITO SANTO.
Monografia apresentada como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Ciências Sociais ao Departamento de Sociologia e Metodologia em Ciências Sociais do Instituto de Ciências Humanas e Filosofia da Universidade Federal Fluminense - UFF.
SIDNEI CLEMENTE PERES
Orientador
NITERÓI
2008
DIOGO FERREIRA DA ROCHA
O PAPEL DO ESTADO NOS CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS NO BRASIL: UM
ESTUDO SOBRE O CONFLITO ENTRE AS COMUNIDADES INDÍGENAS
TUPINIQUINS & GUARANIS E A ARACRUZ CELULOSE S.A NO NORTE DO
ESPÍRITO SANTO.
Monografia apresentada como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Ciências Sociais ao Departamento de Sociologia e Metodologia em Ciências Sociais do Instituto de Ciências Humanas e Filosofia da Universidade Federal Fluminense - UFF.
APROVADO EM 11 DE JULHO DE 2008.
BANCA EXAMINADORA
SIDNEI CLEMENTE PERES
ORIENTADOR
GLÁUCIA OLIVEIRA DA SILVA
AVALIADORA
JAIR DE SOUZA RAMOS
AVALIADOR
NITERÓI
2008
Dedico este estudo:
aos meus pais, Roberto e Edima;
à minha companheira, Ana Paula;
à Joaquim (in memoriam)
para quem a educação era o maior tesouro.
AGRADECIMENTOS
Foram muitos, os que me ajudaram a concluir este trabalho.
Meus sinceros agradecimentos...
À minha família, pelo apoio, confiança e por serem um porto seguro nas horas difíceis;
Á Ana Paula, pelo carinho e paciência que me deram forças para não desistir;
Á Juliana Souza, Marcelo Firpo e Ana Carolina sem os quais não teria sequer conhecido um tema tão
desafiante;
Á Thiago, Jean, Carlos Magno e demais amigos do curso de Ciências Sociais, cujas provocações e
discussões tornaram este trabalho mais interessante e o curso mais divertido;
Aos funcionários do Museu do Índio, pela presteza e inestimável auxílio durante a coleta de dados
para esta monografia.
Ao professores e demais profissionais do curso, pela dedicação (ou falta dela) que nos ensinaram
com seu exemplo como se faz (e não se faz) Ciência.
Á professora Gláucia Oliveira da Silva e ao professor Jair de Souza Ramos por aceitarem fazer parte
da banca examinadora deste trabalho;
e
Á Sidnei Peres por aceitar orientar este estudo e pela paciência com um aluno muitas vezes ausente.
“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações". “Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”.
CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1988
RESUMO
A presente monografia pretende fazer uma análise do papel do Estado nos conflitos
socioambientais a partir do estudo de caso da disputa por terras entre índios Tupiniquim e
Guarani e a Aracruz Celulose S.A no estado do Espírito Santo. Este estudo se insere dentro
de uma perspectiva de análise multidisciplinar que procura dar conta tanto dos aspectos
factuais do caso, quanto da dimensão simbólica e argumentativa do conflito. O que significa
que iremos orientar nossa análise no decorrer do texto de forma a considerar ambos os
aspectos como inerentes ao conflito. Também é objetivo desta monografia analisar as
possibilidades de inter-relações e articulações possíveis entre os diversos movimentos
sociais envolvidos e do entremeamento da questão ambiental, indígena e social em um caso
de disputa por terras. Este estudo se estrutura em dois grandes capítulos nos quais no
primeiro são discutidos os aspectos teórico-metodológicos que orientam o estudo e no
segundo é realizada a análise de fato. Esta monografia é uma tentativa de aproximar os
estudos de relações interétnicas e das relações entre o índio e o Estado, dos estudos que
versam sobre as disputas por recursos e direitos ambientais, econômicos e sociais. A
aplicação da perspectiva dos conflitos socioambientais na análise da dinâmica de um
processo demarcatório longo e disputado pode elucidar questões que de outra forma
passariam despercebidas.
Palavras-chave: Conflitos socioambientais; Movimentos sociais; Estado; Relações
interétnicas; Movimento indígena;
ABSTRACT
This monograph makes an analysis of the role of the State in social and environmental
conflicts, from the case study of the dispute between Tupiniquim and Guarani Indians and
Aracruz Celulose S.A in the state of Espirito Santo. This study falls within a multidisciplinary
perspective of analysis, that seeks discuss the factual aspects of the case and as
argumentative and symbolic dimension of the conflict. This means that we will guide our
analysis during the text in order to consider both aspects as inherent in the conflict. It is also
aim of this monograph examining the possibilities of inter-relations and possible joints
between the various social movements involved and the intermingle of environmental,
indigenous and social questions in a case of dispute on land. This study is structured into two
main chapters in which in the first are discussed theoretical and methodological aspects that
guide the study and in the second is make the analysis of case. This monograph is an
attempt to bring the study of interethnic relations and the relations between the Indian and
state studies, that discuss by disputes over resources and environmental, economic and
social rights. The application from the perspective of social and environmental conflicts in the
analysis of the dynamics of a long process of demarcation can clarify disputed issues that
would otherwise unnoticed.
Keywords: social conflicts, social movements; State; interethnic relations; Indian Movement;
LISTA DE SIGLAS
ABONG - Associação Brasileira de Ongs. ACP - Ação Civil Pública. AGAPAN - Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural. AITC - Associação Indígena Tupiniquim de Comboios. AITG - Associação Indígena Tupiniquim e Guarani. ALEES - Assembléia Legislativa do Estado do Espírito Santo. BNDES - Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. CDHM - Comissão de Direitos Humanos e Minorias. CIMI - Conselho Indigenista Missionário. CNBB - Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. COFAVI - Companhia de Ferro e Aço de Vitória. CONAMA - Conselho Nacional do Meio Ambiente. COT - Comando de Operações Táticas. CPT - Comissão Pastoral da Terra. FASE - Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional. FIESP - Federação das Indústrias do Estado de São Paulo. FIOCRUZ - Fundação Instituto Oswaldo Cruz. FUNAI - Fundação Nacional do Índio. IBAMA - Instituto Nacional de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis. IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. ISA - Instituto Socioambiental. MJ - Ministério da Justiça. MMA - Ministério do Meio Ambiente. MNDH - Movimento Nacional de Direitos Humanos. MP - Ministério Público. MPA - Movimento dos Pequenos Agricultores. MPDFT - Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. MPF - Ministério Público Federal. MPM - Ministério Público Militar. MPT - Ministério Público do Trabalho. MPU - Ministério Público da União. MST - Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. NISI – ES - Núcleo Interinstitucional de Saúde Indígena do Espírito Santo. PF - Polícia Federal. PV - Partido Verde. RBJA - Rede Brasileira de Justiça Ambiental. SISNAMA - Sistema Nacional de Meio Ambiente. SPI - Serviço de Proteção ao Índio. TAC - Termos de Ajustamento de Conduta. UNI - União das Nações Indígenas. UNIND - União das Nações Indígenas. VCP - Votorantim Celulose e Papel.
SUMÁRIO
Introdução. 11 1. Conflitos socioambientais: Aspectos teóricos. 17 1.1. A formação do campo ambiental e a expansão da política verde. 19 1.2. A construção social da questão ambiental: crise ambiental e estratégias argumentativas. 25 1.3. Conflitos socioambientais: Definições. 29 1.4. Movimento indígena: A articulação política dos povos indígenas. 32 2. Estudo de Caso: Os índios Tupiniquim e Guarani x Aracruz Celulose. 38 2.1. Os Atores. 41 2.1.1. Os Tupiniquim. 41 2.1.2. Os Guarani-Mbyá. 46 2.1.3. Aracruz Celulose S.A.. 48 2.1.4. Fundação Nacional do Índio – FUNAI. 50 2.1.5. Ministério da Justiça – MJ. 51 2.1.6. Ministério Público – MP. 53 2.1.7. Movimentos Sociais e Entidades de Apoio. 55 2.2. 1975 a 1998: Primeiros embates. 59 2.2.1. 1975 – 1983: O primeiro processo de demarcação. 59 2.2.2. 1993 – 1998: O primeiro reestudo. 63 2.2.3. O acordo. 70 2.3. 2005 a 2007: A retomada do conflito. 75 2.3.1. O rompimento do acordo. 77 2.3.2. Violência, destruição, desocupação e prisões: A outra face da ação estatal. 85 2.3.3. Os índios não são índios: Identidade indígena em questão. 91 2.3.4. A 3ª Demarcação: O fim é um começo. 94 Conclusão. 99 Referências Bibliográficas. 102
12
Introdução.
Esta monografia nasceu de reflexões derivadas de um projeto de iniciação científica
em que estou inserido na Fundação Instituto Oswaldo Cruz (FIOCRUZ). Em dado momento
na pesquisa, elaboramos um relatório que fazia um balanço dos documentos disponíveis no
banco temático da Rede Brasileira de Justiça Ambiental (RBJA)1. Neste relatório realizamos
diversos levantamentos a partir das categorias de indexação dos documentos no referido
banco de dados2. E um dado que me chamou atenção foi a freqüência com que a atuação
do Estado aparecia como gerador de conflitos socioambientais. Tal fato me levou a formular
a seguinte questão de pesquisa. Qual tem sido o papel do Estado nos conflitos
socioambientais? Como ele é determinado na legislação? Ele cumpre esse papel? Por que
com tanta freqüência sua ação é vista como fonte de conflitos e não como meio de
solucioná-los?
Entretanto, os conflitos caracterizados como socioambientais no Brasil são muitos,
múltiplos e intricados. Um conflito desse tipo comporta diversas dimensões e percebi que a
pergunta feita por mim era muito vaga. Por isso elegi um entre vários dos que havíamos nos
debruçado durante a pesquisa. Mas, por que os Tupiniquim e Guarani?
O motivo da escolha tem a ver com algumas características do próprio conflito.
Durante muitos anos essa disputa por terras foi uma preocupação premente dentro da
RBJA. Minha dinâmica de trabalho exigia que eu estivesse constantemente em contato com
as discussões da Rede e fez com que eu percebesse que havia nele certas questões que
poderiam ser de grande importância para a análise que eu estava me propondo a fazer e
que enriqueceriam meu trabalho.
1 A Rede Brasileira de Justiça Ambiental é uma rede virtual formada por organizações não-governamentais, movimentos sociais, organizações de base, quilombolas, grupos indígenas, sindicatos e pesquisadores independentes que se articulam em torno do movimento pela promoção da justiça ambiental e promove ações e campanhas apoiando instituições ou grupos envolvidos em conflitos sócio-ambientais.
2 “O banco consiste em um conjunto de documentos circulados pelos membros da Rede Brasileira de Justiça Ambiental, que tem como eixo central à discussão sobre a distribuição desigual dos impactos sócio-ambientais e a publicização dos conflitos e das lutas sociais envolvendo o meio ambiente, compreendidos como expressões de disputas legitimas sobre o modelo de desenvolvimento que orienta as políticas do país e, conseqüentemente, o uso dos seus recursos e territórios.”. (REDE BRASILEIRA DE JUSTIÇA AMBIENTAL, 2007:04). Tal banco é desenvolvido e mantido por uma parceria entre a Rede Brasileira de Justiça Ambiental, Fundação Oswaldo Cruz e a organização não-governamental FASE.
13
Por exemplo, a primeira vista trata-se de uma disputa por terras. Já que de um lado
estão as comunidades indígenas e do outro uma grande empresa multinacional exportadora
de celulose de eucalipto. Contudo, a simples exposição do problema dessa forma já nos
remete a outras dimensões do problema. Como uma comunidade indígena consegue se
organizar e se contrapor ao poder econômico e influência social de uma grande empresa?
Como estão eles organizados? Que tipo de alianças constroem? Quais são suas
necessidades? Suas estratégias? Seus discursos? Por que um conflito como esse durou
mais de 30 anos? Qual a atuação do estado nesse período?
A essas questões se articula a dualidade do conflito. Ao mesmo tempo em que é um
conflito social, que contrapõe interesses distintos e distintas demandas por direitos e as
estratégias argumentativas a elas relacionadas, é também um conflito interétnico. Não são
apenas dois grupos de interesses antagônicos disputando recursos materiais e simbólicos,
mas são duas sociedades em choque com visões de mundo e identidades diferentes.
Também é um conflito de direitos. A demarcação de terras põe em choque os
direitos coletivos de uns e os direitos privados de outros. Direitos difusos de difícil
incorporação no nosso direito liberal são personificados por minorias étnicas de difícil
incorporação em nossa estrutura social. Isso acrescenta um grau de complexidade muito
maior na análise.
Some-se isso ao fato de que neste conflito o componente ambiental assume grande
importância, já que em primeiro lugar há uma disputa pelo modo como os recursos naturais,
no caso a terra, serão explorados (monocultura intensiva de árvores ou agricultura de
subsistência?). Segundo, que a intervenção de uma das partes sobre o meio ambiente local,
tem ocasionado danos sobre a organização social da outra. A monocultura intensiva de
eucalipto necessita de uso intenso de defensivos agrícolas e de água. A degradação
ambiental decorrente desse tipo de cultura tem impacto direto sobre as comunidades que
dependem da interação com ambiente local para sobreviver. A substituição da mata nativa
14
por floresta plantada também tem impactos na fauna local, que não encontra alimento nesse
novo ecossistema, e conseqüentemente sobre a caça. O secamento de rios e riachos, a
poluição hídrica, a morte de peixes, a poluição do ar e a diminuição da fertilidade do solo.
Tudo isso impacta direta e negativamente sobre as comunidades que dependem da caça,
da pesca e da agricultura de subsistência. Á degradação ambiental se soma a degradação
das condições de vida e das possibilidades de permanência na região. O que desestrutura a
organização social da comunidade e tem impactos culturais.
Assim, o conflito possuía aspectos que o caracterizavam ora como um conflito
agrário (luta pela terra), ora como um conflito ambiental (luta por recursos ambientais), ora
como um conflito por sistemas de organização do mundo (luta simbólica), ora por acesso a
arenas de decisão (luta política).
Para dar conta dessa multiplicidade de dimensões, e toda a complexidade inerente a
ela, tentei construir uma abordagem multidisciplinar, que agregasse conhecimento das
diversas ciências e que pudesse enriquecer a análise do conflito. Obviamente, que na
hierarquia interna do trabalho é o olhar sociológico que predomina, mas, quando necessário,
não hesitei em utilizar conceitos advindos da antropologia, da ciência política, do direito e
ciências afins, que pudessem iluminar aspectos que de outra forma ficariam obscuros.
Em relação á estrutura da monografia, a dividi em dois grandes capítulos. O primeiro,
menor, versa sobre as questões teóricas que irão permear a análise. A primeira grande
seção desse capítulo discute a formação do campo ambiental e a consolidação da chamada
política verde. O motivo de iniciar com essa questão foi pela grande influência que o
discurso e as práticas ambientalistas vão adquirir na contemporaneidade. E no conflito
analisado o movimento ambientalista adquire grande importância em diversos momentos.
Sua articulação com o movimento indígena, e outros movimentos sociais, expande a
questão ambiental para além das fronteiras desse movimento. O discurso da
sustentabilidade atribui grande valor ás práticas tradicionais de exploração do meio
15
ambiente. E não está imune às questões sociais. Cada vez mais predomina entre os
ambientalistas o discurso de que sem mudanças sociais não é possível realizar mudanças
no modo como o homem se relaciona com a natureza. E do mesmo modo, a consciência da
necessidade da preservação ambiental como suporte para as práticas sociais também tem
se popularizado. Não é de estranhar que num conflito como o que irei analisar, essa
articulação tenha sido tão frutífera.
A seguir, exploro o modo como a questão ambiental tem sido construída socialmente
e como se afirmam, e competem, as estratégias discursivas para a imposição de um senso
comum sobre a questão ambiental e as possibilidades de solução da chamada crise
ambiental contemporânea.
A terceira parte desse capítulo define alguns conceitos relacionados aos conflitos
socioambientais e discute as possibilidades de análise desse tipo de conflito.
A última parte do primeiro capítulo realiza o mesmo movimento que a primeira e
reconstrói a história recente do movimento indígena. O modo como as sociedades indígenas
se relacionaram com a sociedade nacional e como tem construído suas organizações
políticas de resistência desde meados do século XX.
O segundo capítulo, mais longo, empreende a análise do caso em questão. Para
tanto o dividi em três grandes partes nas quais exploro os fatos históricos e os articulo com
os conceitos teóricos, tentando apresentar um quadro interpretativo que dê conta dos
aspectos e questões apresentados no início desta introdução. A primeira parte apresenta os
principais atores envolvidos nos conflitos, apresentando uma breve descrição, sua história,
sua estrutura, seus objetivos e como eles se relacionam ou atuam no conflito analisado.
A segunda parte se aprofunda no caso e a trajetória inicial do processo de
demarcação da terra indígena Tupiniquim e Guarani. Dividida em dois períodos históricos,
analisa as demarcações realizadas na década de 1970 e no início da década de 1990.
Mostrando as diferenças entre os processos e os contextos sociopolíticos. Também analiso
16
os resultados de cada processo e as conseqüências para os povos indígenas e para a
possibilidade de resolução do conflito. Há ainda uma breve análise de um acordo firmado
entre as partes, que trouxe relativa paz ao conflito, na qual aponto indícios do porquê de tal
acordo não ter encerrado definitivamente a disputa.
A última parte analisa a história recente do conflito. Desde sua retomada em 2005
até a resolução final em 2007. É o período que apresenta maior complexidade e os maiores
desafios. Dediquei os maiores esforços nesse período, pois o considero essencial para
responder ás questões propostas.
Sei que numa introdução talvez devesse ter realizado uma explicitação mais detida
da trajetória teórica e metodológica que pretendo empreender e expor as promessas do que
pretendo fazer, etc. Mas, optei por expor as motivações e questões que orientaram minha
pesquisa, pois considero que a parte teórica fica bastante explícita no primeiro capítulo,
onde discuto os conceitos que orientam a análise.
E quanto à metodologia, acredito que ao invés de passar várias páginas discorrendo
sobre todas as questões e observações aprendidas nos cursos de metodologia das ciências
sociais, numa grande profusão de citações e fontes bibliográficas, prefiro apenas referir-me
ás fontes e modo de coleta de dados. Inicialmente minha proposta incluía a realização de
entrevistas com representantes dos principais atores, para cotejá-las com as informações
que coletei através da pesquisa de artigos, documentos e notícias em bancos de dados
virtuais, dentre os quais destaco o site da Aracruz Celulose, o Banco Temático da Rede
Brasileira de Justiça Ambiental (RBJA), a página do Conselho Indigenista Missionário (CIMI)
e a consulta a jornais e revistas com edições online e que houvessem coberto o caso. Além
disso, pesquisei a documentação oficial da FUNAI nos arquivos do Museu do Índio.
Entretanto, dois fatos impediram que realizasse a coleta de dados conforme havia sido
planejada inicialmente. O primeiro se refere aos arquivos do Museu do Índio. Conforme fui
17
informado pelos funcionários do Museu, a documentação mais recente referente ao caso se
encontrava nos arquivos da FUNAI em Brasília, já que o caso ainda estava sendo analisado
na ocasião. Só consegui acesso aos relatórios e documentos anteriores a 1995 e mesmo
assim após um burocrático processo de qualificação prévia. Quanto ás entrevistas, houve
certa dificuldade em conciliar a disponibilidade de tempo entre os contatos que consegui
empreender e o meu próprio tempo disponível para a pesquisa, já que a conciliava com o
desenvolvimento da pesquisa de iniciação científica e a formação acadêmica. Por isso,
restingi-me á documentação escrita disponível e á bibliografia teórica.
Talvez essa opção tenha obscurecido alguns pontos, mas no geral o resultado foi
satisfatório.
Sem querer me estender mais do que o necessário nessa introdução, passo agora
ao estudo de fato.
18
Capítulo 1
Conflitos socioambientais:
Aspectos teóricos.
19
Esta monografia se propõe a analisar um conflito que compreende múltiplas
dimensões. Por envolver comunidades cuja cultura e forma de organização são distintas da
sociedade nacional, não se pode abstrair do fato de que há diversos valores e visões de
mundo em conflito. Ao mesmo tempo em que tais comunidades possuem suas
especificidades, elas estão envolvidas em um conflito que está inserido dentro de um quadro
sociopolítico determinado que direta ou indiretamente influência nas formas de ação
possíveis e as alianças que poderão ou não ser construídas.
Nossa perspectiva não pretende simplesmente caracterizar o conflito entre os índios
e a empresa reflorestadora como um conflito de cosmovisões ou de interesses. Uma luta
pela terra. Nosso estudo tem o objetivo de articular este caso específico com o quadro geral
e analisar em que medida, e de que forma, o Estado brasileiro cumpre seu papel de
constitucional de garantir o direito dessas comunidades e a proteção do meio ambiente. E
quais as diferentes representações do conflito entre os diversos atores envolvidos.
Desse modo, não nos limitaremos a apenas analisar como se deu o processo de
demarcação de terras e a dinâmica das ações desenvolvidas nos últimos 32 anos em prol
da constituição das terras indígenas, mas esperamos conseguir demonstrar como a luta
indígena pela terra sofre influência das possibilidades de articulação de cada período.
Para tanto dois pontos foram definidos. O primeiro deles é a divisão deste estudo em
dois grandes capítulos. Este primeiro capítulo procura abordar a constituição de dois
movimentos importantes para nossa proposta. O movimento ambientalista e o movimento
indígena, bem como as estratégias políticas e argumentativas desses atores. Além disso, a
caracterização do caso como um conflito abre a possibilidade de explicitar o modo como a
aproximação de ambos os movimentos abre novas perspectivas para suas respectivas lutas
e como foi significativa para o desenvolvimento do caso analisado.
20
1.1- A formação do campo ambiental e expansão da política verde.
O breve século XX não pode ser facilmente caracterizado. A multiplicidade e
complexidade dos diversos processos e eventos históricos, a intensidade, a velocidade e a
abrangência de seus conflitos e conquistas, não encontram paralelo em nenhum outro
momento da historia3. O fim da Primeira Guerra Mundial marca o início de uma era de
extremos e isso pode ser percebido nos mais diversos campos da vida humana.
Contudo, o século XX é acima de tudo um século de conquistas. Tanto tecnológicas,
quanto sociais. Para além das controvérsias, pode-se concordar com relativa facilidade que
a conquista dos direitos sociais, e não apenas individuais, nos países desenvolvidos está
dentre as mais importantes entre elas. A estabilidade e seguridade social conquistada nos
30 anos de vigência do chamado Estado de Bem-Estar Social (welfare state) nos países
centrais deram margem à constituição de movimentos e organização de defesa dos
chamados direitos difusos ou coletivos. Expandindo a pauta de reivindicações para além da
luta de classes e do conflito entre capital e trabalho. Destacam-se a defesa dos direitos civis,
direitos humanos e do meio ambiente (PÁDUA, 1991). Não é por outro motivo que diversos
autores localizam a constituição e difusão do que se pode chamar de campo ambiental ou
política verde nos países centrais a partir da década de 1960 (PÁDUA, 1991; FUKS, 2001;
GONÇALVES, 2004; COSTA, 2006).
É nesse contexto social e de mobilização política, de expansão e conquista de novas
garantias sociais que se descortina a construção do movimento pela preservação ambiental
e garantia de direitos básicos, como a liberdade de expressão e organização, direitos civis,
previdência e formas diversas de seguridade social. Além disso, é também o momento em
que se constituem os chamados novos movimentos sociais. Como o movimento
ambientalista, as lutas pelos direitos da mulher, dos jovens e das minorias étnicas
(GONÇALVES, 2004).
3 Cf. Hobsbwan, Eric. A Era dos extremos: O breve século XX – 1914-1991. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
21
O fortalecimento da política verde e dos novos movimentos sociais foi marcado por
uma forte crítica ao modo de vida ocidental, caracterizado pelo desperdício de recursos
ambientais e pelas desigualdades sociais (PÁDUA, 1991; GONÇALVES, 2004). O que leva
alguns autores a caracterizar esse período como um momento de tomada de consciência
por parte da população desses países. Seja no sentido da percepção dos impactos
causados pelo ambientalmente dispendioso modo de vida e consumo ocidental (PÁDUA,
1991; GONÇALVES, 2004), seja dos riscos inerentes às novas tecnologias, um risco
potencialmente danoso a uma parcela cada vez maior da população mundial (BECK, 2006)
ou ainda a consciência de que tais riscos e impactos não são homogeneamente distribuídos,
sendo sentidos com maior intensidade justamente pelas populações mais pobres, minorias
étnicas e comunidades socialmente vulneráveis (HERCULANO, 2002).
Tal crítica, além da mobilização subseqüente, não puderam ser ignoradas por muito
tempo pelos governos e na década de 1970 pode ser verificada a constituição das primeiras
legislações ambientais e a criação dos primeiros órgãos de proteção ao meio ambiente
(COSTA, 2006).
Mas, é somente a partir da década de 1980 que a questão da proteção ambiental
pode ser compreendida como um problema global. O debate a cerca da necessidade de
rever os processos de produção e diminuir os impactos ambientais do desenvolvimento
toma os fóruns internacionais. Já no fim da década de 1980, meio ambiente e
desenvolvimento econômico tornam-se questões interligadas, com forte resistência por parte
dos países subdesenvolvidos em realizar mudanças que pudessem frear seu crescimento
econômico. É com o Relatório Brundtland: Our Common Future (1987) que se consagra o
conceito de desenvolvimento sustentável. Segundo Costa (2006, p. 5):
O desenvolvimento sustentável foi definido e difundido como um processo de mudança no qual a exploração de recursos e a orientação do desenvolvimento tecnológico e das mudanças institucionais teriam que levar em conta tanto as necessidades das gerações atuais como as das gerações futuras. O conceito também ressaltava o respeito à diversidade cultural dos povos, ao atendimento prioritário das necessidades essenciais dos pobres e às limitações que o estágio da tecnologia e da organização social impõe ao
22
meio ambiente, impedindo-o de atender às necessidades presentes e futuras. Além disso, destacava a necessidade de mudanças nas relações internacionais visando um controle eficaz sobre os recursos naturais dos diferentes ecossistemas.
No Brasil tal processo se desenrola tardiamente. A década de 1960 é marcada pela
ascensão e consolidação do autoritarismo da ditadura militar. Todas as mobilizações ou
articulações sociais são fortemente combatidas sob a égide de uma política autoritária e
anticomunista. A ênfase da política econômica do período é sobre a acumulação capitalista,
desenvolvimentista e fortemente marcada por uma proposta econômica que despreza o
meio ambiente. Segundo Costa (2006), a partir de 1964 é posto em prática um programa
econômico baseado na teoria do desenvolvimento equilibrado, que pressupunha “o domínio
da economia sobre o meio ambiente”. O ápice dessa política econômica de desenvolvimento
a qualquer custo se dá no governo Médici, no qual a propaganda oficial incentivava a
implantação de indústrias poluidoras no Brasil, onde não haveria controle de emissão de
gases. Ou seja, o país arcaria com os custos ambientais da operação em nome da geração
de emprego e do investimento produtivo. O milagre econômico foi “posto na conta” das
gerações futuras.
A primeira agência encarregada da questão ambiental foi criada apenas em 1974,
sob o governo Geisel, por pressão de organismos internacionais de financiamento.
Enquanto nos países desenvolvidos e democráticos a preocupação ambiental já havia se
tornado pauta importante, no Brasil ainda era tratada apenas como um requisito formal a ser
cumprido. A Secretaria Especial de Meio Ambiente – Sema não alcançaria relevância na
política ambiental até meados da década de 1980, quando é substituída pelo Ministério do
Meio Ambiente (MMA), já no governo de José Sarney e em pleno período de abertura
política e processo de redemocratização do país (COSTA, 2006).
Se do ponto de vista das políticas oficiais o meio ambiente foi relegado a segundo
plano, no campo das instituições não-governamentais, desde o início da década de 1970, já
se verifica a organização das primeiras instituições de cunho ambientalista. Considera-se
23
que a primeira ONG ambientalista brasileira, e da América Latina, foi a Associação Gaúcha
de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan), fundada pelo gaúcho José Lutzenberger em
1971 (PÁDUA, 1991; GONÇALVES, 2004; COSTA 2006). Nesse período a atuação do
movimento ambientalista ainda é marcada por um forte viés preservacionista e de combate
aos impactos da produção, em especial à poluição. As campanhas e instituições da época
ainda não haviam incorporado o aspecto social da questão ambiental, restringindo-se á
defesa do ambiente ou, quando muito, à crítica do modo de vida e consumo (PÁDUA, 1991).
Há uma controvérsia quanto ao processo de formação do movimento ambientalista
brasileiro. Tradicionalmente é apresentado como uma conseqüência da experiência vivida
pelos exilados na Europa durante o período (GONÇALVES, 2004) e/ou uma reação à
caótica situação ambiental instalada pelo regime, na qual cidades como Cubatão ou São
Paulo batem recordes de poluição e o aumento do desmatamento nas fronteiras agrícolas.
Contudo, Pádua (1991, p. 144) apresenta uma teoria alternativa para a formação do
movimento ambientalista brasileiro. Sem desprezar o que ele chama de fatores exógenos,
como a influência da já madura política verde européia, apresenta alguns fatores endógenos
que deveriam ser destacados para o entendimento deste movimento no Brasil, e do
posterior fortalecimento do mesmo. Seriam:
(1) A explosão de problemas sócio-ambientais na cena nacional brasileira, resultante da conjugação de uma formação histórica ecologicamente perversa com o processo acelerado de urbano-industrialização (...) que potencializou ao extremo a crise ecológica no Brasil.
(2) A tradição de abertura para o tema da natureza na política brasileira.
(3) As mudanças recentes no tecido social do país, mais
especificamente o surgimento da chamada ‘nova classe média’.
(4) O espaço aberto na cultura política brasileira pela
emergência dos ‘novos movimentos sociais’, especificamente na década de 1970.
(5) As características do sistema eleitoral brasileiro.
24
Ainda sob esse ponto de vista, pode-se argumentar que tais fatores foram
catalisados pelo que Pádua chama de “crise do monopólio da representação política dos
partidos tradicionais”. Essa crise não foi exclusividade da conjuntura brasileira, mas foi
intensificada pelo regime ditatorial pós-64. O qual reprimiu uma demanda de organização e
manifestação política que ficou latente até fins dos anos 1970, mas que não encontrou
expressão mesmo com abertura política após 1974. O bipartidarismo forçado e outros
limites impostos pela legislação eleitoral vigente desestimularam a participação política
partidária e abriram espaço para outras formas de organização política apartidárias como os
movimentos sociais e o associativismo.
A redemocratização trouxe nova esperança de participação política entre os meios
da esquerda e outros movimentos contestadores das políticas do regime militar. Em 1982
são eleitos os primeiros deputados ligados ao movimento ecologista, no entanto tal
articulação entre política partidária e movimento ambientalista não se deu no Brasil da
mesma forma que nos demais países. Pois, mesmo após a criação do Partido Verde (PV)
brasileiro em 1986, a contestação ambientalista ainda se dá primeiramente por meio das
organizações não-governamentais e deputados sensíveis à causa ecológica, ligados aos
mais diversos partidos, e o Partido criado para representar o segmento não alcançou a
expressão que possuem seus congêneres europeus (PÁDUA, 1991).
Se o Partido Verde brasileiro não se firmou como força política significativa, a política
verde ganhou novo impulso no fim dos anos de 1980, com a criação no governo Sarney de
várias instituições oficiais voltadas para a proteção do meio ambiente, como o Ministério do
Meio Ambiente, o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) e o Sistema Nacional de
Meio Ambiente (Sisnama). Além disso, introduziu-se a exigência de licenciamento ambiental
para financiamento oficial. (COSTA, 2002).
O ano de 1988 marca um avanço na afirmação do papel do estado na proteção
ambiental. A constituição promulgada neste ano consagra o meio ambiente equilibrado
25
como direito de todos os cidadãos e sua proteção como um dever do poder público e da
coletividade. Além disso, a estrutura estatal de proteção ambiental foi expandida com a
criação do Instituto Nacional de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (IBAMA).
Órgão ligado ao executivo federal responsável pela implementação da Política Nacional de
Meio Ambiente, pela fiscalização do cumprimento da legislação ambiental e licenciamento
de grandes obras (COSTA, 2002).
Tal reestruturação do Estado atendia aos preceitos constitucionais e demonstra
como a preservação ambiental havia adquirido nos fins dos anos de 1980 e início de 1990
um status não atingido anteriormente. A questão torna-se central nos debates nacionais e
internacionais e expande-se para além dos grupos de defesa ao meio ambiente e das
instituições ligadas à questão. Adquire status de preocupação nacional. É o que Eduardo
Viola vai caracterizar como ambientalismo multissetorial. (VIOLA, apud FUKS, 2001):
Este conceito expressa a mais recente etapa do ambientalismo, antes constituído exclusivamente pelos grupos de defesa do ambiente. O conceito de ambientalismo multissetorial indica o posicionamento ao mesmo tempo de ordem teórica e política, em relação a cisões alternativas do ambientalismo, tais como a que considera este “movimento” como apenas mais um grupo de interesse, ou como um dos integrantes dos chamados novos movimentos sociais.
Fuks (2001, p. 22) defende que independente de aceitar o teor valorativo deste
conceito, é preciso reconhecer o potencial descritivo do mesmo para o fato de que o
ambientalismo deixou de se restringir a um grupo específico para ser objeto de domínio
público.
Esta questão é de extrema importância para nosso estudo, pois a influência de
entidades ambientalistas e suas formas discursivas no conflito analisado, além da
aproximação desse movimento com as questões sociais, em especial as questões que
envolvem as chamadas comunidades tradicionais, é um dos pontos chave de nossa análise.
Contudo, é preciso destacar que tal perspectiva não é consenso entre os estudos
que envolvem conflitos socioambientais. Em recente artigo, Ângela Alonso e Valeriano
26
Costa criticam a capacidade explicativa dessa perspectiva na medida em que ela valoriza
excessivamente a dimensão cultural do ambientalismo e se apóia na idéia de que tanto a
adesão, quanto a difusão dos ideais ambientalistas, teriam se dado de forma homogênea, e
ignoraria a dimensão prática do fenômeno (ALONSO e COSTA, 2002).
Tendo esta crítica em vista, não pretendemos analisar o conflito em questão apenas
como uma forma discursiva. Mas, sem descuidar-se da importância que ambas as
dimensões possuem no desenvolvimento do conflito, procuraremos articular discurso e
prática sem perder de vista a relação dialética e de mútua influência que possuem entre si.
1.2– A construção social da questão ambiental: crise ambiental e estratégias
argumentativas.
Se os anos de 1980 marcaram a consolidação e fortalecimento do movimento
ambientalista, eles também testemunharam o crescimento da incorporação da variável
ambiental como foco de luta de grupos etnicamente minoritários, socialmente discriminados
e politicamente desfavorecidos. Destaca-se nesse quadro o movimento por justiça ambiental
norte-americano. O qual, desde a década de 1960, paulatinamente construiu ferramentas
teóricas, técnicas e políticas para consolidar um movimento de resistência à situação que
posteriormente foi denominada de injustiça ambiental. (HERCULANO, 2002; ACSELRD,
HERCULANO e PÁDUA, 2004). Segundo Herculano (2002, p. 2):
Entende-se por Injustiça Ambiental o mecanismo pelo qual sociedades desiguais destinam a maior carga dos danos ambientais do desenvolvimento a grupos sociais de trabalhadores, populações de baixa renda, grupos raciais discriminados, populações marginalizadas e mais vulneráveis.
Isso significa dizer que o movimento pela justiça ambiental se pauta pelas lutas por
resistência às situações classificadas como ambientalmente injustas e pela promoção de
políticas e ações que gerem justiça ambiental. Define-se justiça ambiental do seguinte
modo:
Por Justiça Ambiental entenda-se o conjunto de princípios que asseguram que nenhum grupo de pessoas, sejam grupos étnicos, raciais ou de classe, suporte uma parcela
27
desproporcional das conseqüências ambientais negativas de operações econômicas, de políticas e programas federais, estaduais e locais, bem como resultantes da ausência ou omissão de tais políticas. Dito de outra forma trata-se da “espacialização da justiça distributiva, uma vez que diz respeito à distribuição do meio ambiente para os seres humanos”. (LYNCH, 2001 apud HERCULANO, 2002).
Ambas as noções são resultado de décadas de luta por direitos civis e igualdade
racial nos Estados Unidos. Paralelamente, contrariam a principal base argumentativa das
políticas ambientais conservadoras que buscam soluções puramente técnicas para a
resolução dos problemas ambientais. Tais propostas se baseariam em dois conceitos-
chave: A modernização ecológica e a sociedade de risco.
A modernização ecológica pode ser entendida como uma solução de mercado para
as chamadas externalidades da produção capitalista. Ante uma situação vista como
resultado de desperdício de matéria e energia, os defensores desta tese propõem
mudanças tecnológicas destinadas a aumentar a eficiência produtiva e ao mesmo tempo
ativar mercados para os produtos ditos ‘sustentáveis’. Estaria nas próprias instâncias do
capital as ferramentas e as condições de possibilidade para neutralizar os impactos
produzidos pela lógica desta mesma produção. Nas palavras de Acselrad (2004. p. 23):
Para os atores da modernização ecológica (...) a questão ambiental poderia ser apropriadamente internalizada pelas próprias instâncias do capital de modo a absorver e neutralizar as virtualidades transformadoras do ecologismo.
Segundo este mesmo autor, essa estratégia tenderia a desconsiderar aspectos
políticos presentes na orientação da distribuição dos riscos e danos ambientais. Ignora-se
qualquer possível articulação entre a escolha dos locais a serem diretamente impactados
pela produção, e pela degradação ambiental decorrente dela, e desigualdade social.
O conflito socioambiental pode ser caracterizado, portanto, por possuir um forte
componente simbólico. Em geral, neste tipo de conflito não se disputa apenas a distribuição
de recursos escassos ou a distribuição dos danos ambientais ou da degradação decorrente
do processo produtivo, mas disputa-se também a própria definição do problema e a
imposição de categorias legítimas para se lidar com o mesmo. Ou seja, os conflitos
28
socioambientais se “estruturam simultaneamente em torno de interesses e de valores”
(ALONSO e COSTA, 2002).
O que significa dizer que tais conflitos não se desenrolam exclusivamente na esfera
política, mas também na esfera cultural. E isso aumenta a complexidade da análise. Por
isso, dentro da chamada sociologia ambiental ainda não se constituiu um método padrão
para a análise dos conflitos socioambientais. Convivem, entre os pesquisadores, propostas
diversas, sob a ótica de várias correntes sociológicas, desde aquelas que corroboram a
constituição de uma abordagem da Ecologia Política, até aqueles que resgatam os clássicos
da sociologia, como Marx, Weber e Durkheim, passando pelo estruturalismo de Pierre
Bourdieu ou a Escola do Processo Político de Tarrow e Tilly (ALONSO e COSTA, 2002;
BUTTEL, 2002; ACSELRAD, 2004; LITTLE, 2004). Entretanto, o que todos os autores
parecem concordar é a necessidade de tal análise agregar outros fatores que não apenas o
processo formal do conflito. Seja a integração entre a análise social e o mundo biofísico, ou
as formações estruturais, o acesso ás arenas decisórias ou ainda as estratégias de
imposição do discurso comum e das categorias de definição do problema. A análise do
conflito socioambiental é, portanto, um desafio de análise global e necessita de métodos que
superem a metodologia científica tradicional de divisão cartesiana do todo em suas partes
constitutivas e da divisão positivista das disciplinas científicas. É, além de uma necessidade,
uma oportunidade de análise multidisciplinar.
É com base nessa questão, que esta monografia não irá se restringir ao
desenvolvimento formal do conflito analisado, mas tentará integrar outros aspectos
relevantes à questão. É por isso que, apesar de elaborarmos nossa análise sob o ponto de
vista sociológico, não nos restringiremos a utilizar apenas fontes relacionadas a esta ciência.
Haverá momentos em que se faz necessário um olhar antropológico ou maior profundidade
na análise da estrutura do Estado ou dos princípios que regem a legislação relacionada. E
para tanto os conhecimentos da Ciência Política e o Direito se fazem necessários.
Iniciei este subcapítulo descrevendo a constituição do movimento por justiça
ambiental americano e realizei uma digressão sobre o aspecto argumentativo dos conflitos
29
socioambientais e as formulações de análises de tais conflitos, pois me pareceu necessário
a opção por uma das metodologias de análise estudadas. E, dentre as já citadas, me
pareceu mais adequada, á análise do conflito em questão, a abordagem estruturalista
construtivista descrita por Acselrad em seu artigo “As práticas espaciais e o campo dos
conflitos ambientais” (2004b). Justifica-se tal opção pelas próprias características do conflito,
o que ficará mais claro no decorrer da análise, e da necessidade de se destacar os
componentes simbólicos, e não apenas formais, do conflito, relevantes na análise de
diversos episódios e estratégias de luta dos atores envolvidos. A luta pela formação do
consenso está imbricada neste conflito, da mesma forma que a luta pela predominância de
certas interpretações da legislação e do direito, relacionadas ao caso. Direito à propriedade
ou direito coletivo? Identidade autodefinida ou juridicamente prescrita? O índio é índio? A
compra de terras foi legítima ou fruto de usurpação? Desenvolvimento econômico ou justiça
social? A produção de celulose é sustentável? A cultura tradicional é sustentável? Deve
prevalecer a ótica empresarial ou a cosmovisão tradicional? Todas essas questões foram
levantadas durante os 30 anos em que se desenrola o conflito e não se poderia dar conta
delas se a luta simbólica envolvida em cada uma delas não fosse explicitada. Daí a
necessidade de uma abordagem que contemplasse este fenômeno. Não queremos dar
contas das estratégias argumentativas, descolando-as da realidade e do quadro social em
que ela se origina. O que poderia acontecer se utilizasse uma abordagem baseada apenas
nessa questão, o que a meu ver, acontece em abordagens como a descrita por Fuks (2001)
na qual a análise principal se baseia no que ele caracteriza como “esquemas
argumentativos”.
Os esquemas argumentativos são pacotes interpretativos, cujos elementos contribuem para a finalidade exclusiva de propor uma determinada compreensão de um assunto público. (...) Com isso, as matrizes a partir das quais os relatos foram organizados não existem apenas na esfera íntima do entrevistado ou do seu meio mais próximo, mas são em menor ou maior grau, recursos de domínio público.
30
1.3. Conflitos socioambientais: Definições.
Não há um consenso sobre a definição dos conflitos socioambientais, no entanto, de
um modo geral, as definições, em maior ou menor grau, convergem para o modo como Little
(2004, p.1) os define em seu artigo:
[Conflitos socioambientais são] embates entre grupos sociais em função de seus distintos modos de inter-relacionamento ecológico, isto é, com seus respectivos meio sociais e naturais. Dada a existência de muitos tipos de conflitos sociais, podemos classificar um conflito determinado como socioambiental quando o cerne do conflito gira em torno das interações ecológicas. (grifos do autor).
Na análise dos conflitos socioambientais têm se destacado a caracterização deste
tipo de conflito como emergindo do interior de um determinado campo. O campo ambiental.
Tal conceito ancora-se na teoria social de Pierre Bourdieu e considera tanto as relações
objetivas existentes entre os diferentes atores sociais e as posições que tais atores ocupam
na estrutura de poder do campo. Segundo Acselrad (2004) ao considerarmos o meio
ambiente como um “campo material e simbolicamente contestado”, sua nomeação
redistribui o poder sobre os recursos territorializados. Seja pela legitimação ou
deslegitimarão de determinadas práticas de apropriação dos recursos naturais, uso da terra
ou apropriação cultural da natureza, seja pela afirmação de quais medidas são válidas ou
não para sua proteção. Nas palavras do autor (2004, p. 19): “A luta por recursos ambientais,
são, assim, simultaneamente lutas por sentidos culturais”.
Tal aspecto dos conflitos socioambientais já é problemático quando envolvem grupos
sociais diferenciados de uma determinada sociedade, ou grupos de interesses conflitantes.
Mas ganham uma complexidade maior ainda quando envolvem lutas e interações
sustentadas na manutenção e manipulação de fronteiras étnicas (BARTH, 2000), como
acontece no caso que será analisado no segundo capítulo. Pois apesar do embate pela terra
indígena se dar no interior da sociedade nacional, através de suas leis e ritos
administrativos, ele envolve grupos étnicos que possuem relações sociais e culturais
distintas com a terra e o meio ambiente.
31
A simultaneidade de tais aspectos do conflito fica bastante clara nas propostas
apresentadas pelos atores envolvidos para a solução do mesmo. Vê-se claramente a
diferença de relação e de interpretação da forma e das possibilidades de resolução do
embate e também de apropriação dos recursos naturais, quando os encaminhamentos
sugeridos pelos atores se baseiam em lógicas distintas. Seja pela distinção entre o uso
tradicional e capitalista da terra, seja pela ligação meramente econômica ou cultural com o
território. Tais fatos levam a autores como Acselrad sugerirem que (2004, p. 23):
Os conflitos ambientais [devem] ser analisados, portanto, simultaneamente nos espaços de apropriação material e simbólica dos recursos do território. Ambos são, por certo, espaços onde se desenrolam disputas sociais em geral, onde o modo de distribuição de poder pode ser objeto de contestação. No primeiro espaço, desenvolvem-se as lutas sociais, econômicas e políticas pela apropriação dos diferentes tipos de capital, pela mudança ou conservação da estrutura de distribuição de poder. No segundo, desenvolve-se uma luta simbólica para impor as categorias que legitimam ou deslegitimam a distribuição de poder sobre os distintos tipos de capital.
As distintas distribuições de poder são um ponto importante de análise, não apenas
na perspectiva adotada, mas também em outras abordagens de análise dos conflitos
socioambientais. É ponto em comum observado em diversas propostas. Presente por
exemplo, na abordagem da Ecologia Política, proposta por Little (2004). Quando o autor se
refere a cotas de poder, Little afirma que na análise desse tipo de conflito, tão importante
quanto a determinação dos atores envolvidos e o tipo de conflito, é o mapeamento das cotas
de poderes formais e informais distribuídos entre os diversos atores. Pois “em muitos casos,
o exercício do poder não acontece em arenas formais, obrigando o pesquisador a descobrir
os jogos ocultos de poder” (LITTLE, 2004). Por jogos ocultos de poder Little entende desde
subterfúgios legais para aquisição e legalização de terras até a violência e intimidação.
O que tais ressalvas apontam é a necessidade do pesquisador não prender-se
apenas ao discurso formal ou às estratégias legais de ação. Muitas vezes as estratégias de
ação se desenvolvem fora das arenas oficiais de debate, através de métodos alternativos de
pressão. E tais estratégias não devem ser ignoradas, constituindo-se em pontos importantes
de análise, pois, o Estado e as arenas oficiais de debate possuem seu próprio tempo e
dinâmica. Em geral tal dinâmica se afasta, propositalmente ou não, dos anseios dos atores
32
envolvidos, que lançam mão de artifícios extralegais para pressionar a ação oficial em seu
favor. Desde ocupações e fechamento de estradas até o lobby, a ação judicial e a
corrupção, todos os meios são utilizados para alcançar uma definição favorável do conflito.
E nesse aspecto os conflitos socioambientais possuem muito em comum com os demais
conflitos sociais.
Outro ponto que merece destaque, e que se constitui como de extrema importância
para nossa análise, é a noção que de o conflito possui uma dinâmica própria. Isso significa
dizer que a intensidade e a visibilidade do conflito podem variar no tempo. Indo desde
aqueles momentos em que os ânimos estão acirrados e as ações e reações de ambos os
lados se acumulam, até tréguas e acordos. Também inclui mudanças nas configurações de
força e de alianças possíveis. Antigos opositores podem se tornar aliados e vice-versa. Na
dinâmica do conflito a ser analisado, isso pode ser visto com bastante clareza. Tanto na
questão do arrefecimento do conflito, marcado principalmente por um acordo firmado em
1998, quanto à questão de mudanças nas configurações de força e nas estratégias de ação,
o que fica bem claro no período de retomada do conflito após 2005.
Fatores “externos” ao conflito também podem alterar sua dinâmica, como mudanças
na legislação, na estrutura estatal, administrativa, a morte de determinados atores,
mudanças no cenário econômico-social, mudanças nas correlações de força políticas na
sociedade. Nos 30 anos nos quais os Tupiniquim e Guarani e a Aracruz Celulose
disputaram a posse das terras, verificamos diversas mudanças políticas e sociais que
influenciaram no conflito.
33
1.4 Movimentos indígenas: A articulação política dos povos indígenas.
Ao longo dos séculos de colonização e construção do Estado brasileiro as políticas
oficiais voltadas para os povos originários do território brasileiro variaram do simples
extermínio e escravidão às tentativas de aculturação e integração á sociedade envolvente.
Passado por políticas diversas que ora vêem o índio como um empecilho ao
desenvolvimento e que, portanto, deve ser exterminado ou quando muito retirado do
caminho, ora como um ser inferior que deve ser tutelado e posto a salvo sob a guarda do
Estado (PERES, 2003).
O reconhecimento legal dos povos indígenas como cidadãos brasileiros plenos de
direitos é um fato recente na longa, e conflituosa, relação entre os tais povos e a sociedade
nacional tendo em vista que o índio só deixou de ser considerado legalmente tutelado pelo
estado na década de 1980.
Nesse sentido, o movimento indígena pode ser considerado como a mais recente
forma de resistência às políticas indigenistas contrárias aos interesses dos índios e como
ferramenta de articulação da luta comum das diversas etnias. Mas não a única.
Se a resistência indígena pode ser remontada desde as primeiras escaramuças entre
nativos e colonizadores, o movimento indígena tem sua origem na década de 1970, através
da ação de entidades missionárias ligadas á Igreja Católica, como o Conselho Indigenista
Missionário (CIMI), cujas ações no sentido de formar lideranças e organizar encontros e
reuniões, permitiram a articulação de povos de diversas etnias e a emergência de uma ação
política comum baseada na defesa de um direito etnicamente diferenciado (PERES, 2003).
As assembléias indígenas dos anos 70 são consideradas o marco histórico da
formação do movimento indígena brasileiro. Foi uma fase marcada pela troca de
experiências e pela formação daquilo que se pode chamar de um sentimento de
indianidade. Também marcou a articulação política entre as etnias dispersas pelo território
nacional (NEVES, 2004).
O movimento indígena nasce numa década de contínua violação dos direitos civis
pelo regime militar. Nesse contexto a luta indígena recebe desde o primeiro momento, o
34
apoio de entidades da sociedade civil organizada. Segundo Peres (2003, p. 117) a questão
indígena passa a ser tratada na imprensa e pelos setores progressistas da sociedade
nacional como uma “figura síntese (...) da cidadania aviltada de todos os brasileiros”.
Exatamente por isso que a mobilização indígena em torno da organização de um
movimento que unificasse e articulasse a luta das diversas etnias foi reprimida pelo governo
militar e pelos órgãos encarregados da questão indígena, como a Fundação Nacional do
Índio (FUNAI), criada em 1967 para substituir o antigo Serviço de Proteção ao Índio (SPI)
(NEVES, 2004).
Tal oposição culminou com o Decreto de Emancipação de 1978, que, em tese,
acabava com a tutela dos povos indígenas em relação ao Estado, mas que sofreu enorme
oposição dos índios e das entidades de apoio, pois na prática significaria apenas o fim de
direitos específicos voltados para esses povos, e a retirada de empecilhos legais para a
liberação de suas terras para empreendimentos de interesses estatais ou privados. Mais
uma vez a política indigenista estava sendo definida tendo em vista os interesses de
determinados grupos econômicos da sociedade nacional e não dos próprios índios (PERES,
2003).
Essa tentativa, por parte do governo federal, de “libertar” os índios (simultaneamente
de sua tutela e de suas terras) acabou por aumentar a articulação entre o movimento
indígena e a sociedade civil e resultou em dois efeitos não previstos pelo governo. (1) A
multiplicação de ONGs de apoio à causa indígena (PERES, 2003). (2) O impulsionamento
de entendimentos entre os índios e setores da sociedade civil para a criação de uma
entidade representativa de todos os índios do país (NEVES, 2004).
O que em 1980 daria origem, após um breve período em que concorreram duas
entidades com os mesmos objetivos e nome4, a um movimento indígena unificado. A união
da UNI e da UNIND, formando uma única entidade sob a sigla UNI, consolidou a nova
organização como principal representante dos interesses indígenas de todo o território.
4 A União das Nações Indígenas (UNIND) e a União das Nações Indígenas (UNI),
35
Contudo, a UNI não teria vida longa. Nos anos 80 também se verificou a proliferação
das organizações indígenas. A própria UNI criou representações locais, isso derivou da
necessidade de articular-se em torno de demandas locais e específicas de cada grupo
étnico. Gradualmente a entidade nacional foi substituída por essas organizações mais
próximas das demandas de cada povo.
Neves (2004, p. 5) argumenta que antes de uma fragmentação do movimento
indígena brasileiro, essa multiplicação das entidades indígenas representam uma
atomização do movimento. Nesse sentido, as organizações de base funcionariam como
“átomos constitutivos de uma mobilização maior, mantendo ligações entre si de modo a
articular estratégias e ações locais dentro da perspectiva global do movimento indígena”.
A promulgação da Constituição Federal de 1988 é vista por esses autores como um
momento chave no fortalecimento do movimento indígena brasileiro. Pois, o texto
constitucional trouxe duas importantes inovações em relação à constituição anterior. A
primeira foi o fim da tutela dos povos indígenas em relação ao Estado. A segunda delas foi a
autonomia conferida aos povos indígenas para se fazerem representar judicialmente através
de suas próprias organizações e meios de associação. Isso significou o fim da dependência
formal tanto do Estado, quanto de outras entidades da sociedade nacional e abriu a
possibilidade de acionar outros poderes da república no atendimento de suas demandas
(PERES, 2003).
Como já é possível verificar, o fim dos anos 80, principalmente após a promulgação
da nova constituição, representou o fortalecimento de ambos os movimentos. Tanto o
movimento ambientalista, quanto o movimento indigenista encontraram no texto da carta
magna subsídios para a ampliação de suas demandas e o acionamento de direitos antes
negados ou dificultados. Fortaleceu também a aproximação e articulação dos dois
movimentos, pois como destaca Peres (2003, p. 122) desde o início da década já era
possível verificar uma tendência no movimento ambientalista (nacional e internacional) para
o deslocamento de seu discurso e ações da crítica ao modelo de desenvolvimento para a
36
proposição de modelos alternativos e sustentáveis. O índio passa a ser visto como o
representante desse manejo sustentável e respeito á natureza. Nas palavras do autor:
O índio passa da condição de herói revolucionário e vítima do neo-colonialismo imperialista, depositário das esperanças de mudança social global do capitalismo, à condição de sujeito de direitos humanos universais, cidadão do mundo. (grifos do autor).
O modo de vida indígena passa a ser encarado como sustentável e a afirmação dos
direitos desses povos á terra como uma forma de preservar o meio ambiente. Esse fato
poderá ser visto no caso estudado, visto que os anos 90 foram marcados pelo
fortalecimento das alianças com entidades ambientalistas locais e nacionais.
Outro fato que podemos destacar como impulsionador da atuação do movimento
indígena, após 1988, foi a atribuição ao Ministério Público (MP) do papel de defender os
interesses metaindividuais ou coletivos. Pois, tal atribuição coloca o MP numa posição
singular, porque ao mesmo tempo em que está na esfera jurídica, tem o dever de proteger
os interesses de grupos e segmentos da sociedade (SILVA, 2001). Segundo Peres (2003, p.
127) a atuação desse órgão foi “fundamental para a ampliação de suas conquistas
territoriais”. No segundo capítulo poderemos analisar com mais calma a participação do MP
no conflito analisado e verificar como esta afirmação tem se desenvolvido na prática através
de um exemplo empírico.
Por fim, cabe ainda destacar que apesar das conquistas e ganhos do movimento
indígena nos anos 80, os anos 1990 trouxeram mudanças no cenário político-social que
impediram um maior avanço da questão, mesmo com todos novos instrumentos e do
fortalecimento do movimento ou de suas alianças. Isso porque, apesar da pressão dos
organismos multilaterais pela “regularização das terras indígenas e proteção ao meio
ambiente” (PERES, 2003), os sucessivos governos eleitos a partir de 1989 atuaram no
sentido de implantar medidas que atendessem interesses dos grandes produtores e outros
empreendimentos de grande porte em áreas de expansão da fronteira capitalista.
Culminando com a outorga do Decreto 1.775/96, o qual é apontado por alguns autores como
“uma reação, ainda que tardia, ao avanço (...) das (re)conquistas indígenas no período
37
posterior á promulgação da Constituição Federal, em 1988” (BARRETO Fº, 2005). Que,
segundo o mesmo autor, seria fruto de um entendimento “restritivo e conservador” do
conceito de “terras tradicionalmente ocupadas” a que se refere a constituição. E, segundo
Peres (2003, p. 132), “uma artimanha do governo brasileiro para atender aos interesses anti
indígenas”.
Independente da interpretação que se dê aos objetivos do decreto, o fato é que tal
regulamentação atrasou enormemente o desenvolvimento do processo de identificação e
demarcação de terras indígenas:
Transformando embate político em torno da negociação de limites territoriais em uma questão de ordem jurídica onde a ocupação da terra passa a ser percebida não como um direito histórico, mas sujeita a uma sentença que conceda aos índios a possibilidade de permanecerem em terras que sempre foram suas. (NEVES, 2004).
Esse retrocesso administrativo em relação ao espírito do texto constitucional exigiu a
permanente mobilização dos povos indígenas durante o processo de regularização e
demarcação de suas terras. Pois, ao permitir a existência de posições contrárias à
demarcação já no período de identificação e delimitação, o decreto trouxe a lógica judicial
do conflito para dentro do processo administrativo, sob alçada de decisão do Ministro da
Justiça, encarregado de emitir despachos e portarias declaratórias.
No conflito analisado, os principais embates, retrocessos e adiamentos se deram
nesta fase, pois as posições dos diversos ministros, pelos quais o processo de demarcação
passou, freqüentemente divergiram do que foi identificado no relatório do grupo de trabalho
da FUNAI ou das recomendações da própria entidade. Contudo, essas questões serão
melhor analisadas no próximo capítulo.
Por fim, encerramos este subcapítulo com um extrato do artigo de Neves que
consideramos exemplar do atual momento do movimento indígena brasileiro (2004, p. 22):
Um balançodo movimento indígena no Brasil indica que hoje os índios perderam parte da força que possuíam na década de 80 de conquistar adesão e solidariedade de outros segmentos da sociedade em torno da sua causa. Contudo a questão indígena continua sendo potencial de emancipação social. Esse potencial reside em dois fatos. Em primeiro lugar na herança de um passado recente onde o movimento indígena representava uma grande força organizada. (...) Em segundo lugar, e mais importante fator, de, por suas características inerentes, o movimento indígena contrapor
38
modelos de sociedades diferentes (...) emergindo desta contraposição “rivalidades entre conhecimentos, valores, princípios, sistemas políticos e formas de organizações sociais diferentes.
39
Capítulo 2
Estudo de Caso:
Os índios Tupiniquim e Guarani
x
Aracruz Celulose S.A.
40
Tendo como referência a discussão teórica que apresentamos no primeiro capítulo,
passamos neste capítulo a apresentar o caso em si. Nosso estudo debruçou-se sobre o
conflito instalado no município de Aracruz, no norte do Espírito Santo, entre as comunidades
indígenas das Terras Indígenas Comboios, Caieiras Velhas e Pau Brasil e a empresa
reflorestadora Aracruz Celulose S.A.
Esse conflito se desenrolou por mais de 30 anos, desde meados da década de 1970
que os índios da região lutavam pela demarcação e homologação de seu território, com
vitórias pontuais e muitos reveses. A Aracruz Celulose se constituía como principal opositora
às propostas de demarcação, devido ao fato de a área proposta incidir prioritariamente
sobre terras, quase que completamente tomadas pelas plantações de eucalipto para a
fabricação de pasta de celulose e papel.
Neste capítulo analisaremos como seu deu o processo de demarcação das terras
indígenas até a divulgação, pelo ministro da justiça, das portarias declaratórias em 2007 e
os diversos momentos deste conflito.
É importante salientar que não se deve esperar linearidade na análise, como já
destacado no capítulo anterior, os conflitos socioambientais, e especialmente os que duram
tanto tempo, possuem uma dinâmica própria e intercalam momentos de intenso debate e
ação e outros de relativa estabilidade. Nosso estudo irá se fixar em dois desses momentos.
O primeiro deles, a partir de 1994, posterior, portanto, à primeira demarcação realizada em
1983, no qual foi realizado um estudo antropológico de identificação e que dará origem á
primeira expansão das Terras Indígenas e será o principal ponto de referência para
reivindicação indígena de nova expansão de suas terras. E o período que vai de 2005 a
2007, no qual o conflito é retomado e vai permanecer intenso até a segunda expansão das
Terras Indígenas em 2007.
Entretanto, se esses períodos serão os que nos fixaremos mais, não deixaremos de
analisar dois períodos importantes. O primeiro processo de demarcação na década de 1970
e o período de “paz” decorrente do entendimento conseguido entre as partes após o Termo
41
de ajustamento de Conduta assinado pela Aracruz e mediado pelo Ministério Público
Federal em 1998
Como já mencionado na introdução, inicialmente nosso objetivo era analisar a
atuação do Estado durante o conflito, bem como a ação das diversas agências estatais
envolvidas, e o cumprimento ou não das previsões legais da legislação de cada período,
destacando as conseqüências desse processo para a situação legal das terras indígenas e
o desenrolar do conflito.
Contudo, nossa análise não se restringirá a isso. Durante a pesquisa ficou patente
que havia outros atores envolvidos no conflito que possuíam relevância. Referimo-nos às
entidades de apoio. Durante os diversos momentos do conflito, as Associações Indígenas
receberam apoio em sua luta de entidades diversas. Algumas ligadas à Igreja Católica,
outras a diversos movimentos sociais. Na década de 1990 torna-se relevante a ação da
entidade ambientalista Rede Alerta Contra o Deserto Verde, assim como na década de 1970
destaca-se a ação do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), sem falar na articulação com
outros movimentos sociais como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
Tais articulações representaram importantes alianças, significaram mudanças no discurso e
na forma de ação e até mesmo aumentaram a visibilidade do conflito. Por isso, não
poderíamos deixá-las de fora da análise.
Por isso, a primeira seção deste capítulo será dedicada á apresentação dos atores
envolvidos. Tendo como critério a relevância deles no conflito e destacando o papel e os
objetivos de cada um deles.
42
2.1. Os Atores
2.1.1 – Os Tupiniquins
Os índios da etnia Tupiniquim (também topinaquis, tupinaquis, tupinanquins ou
tupiniquins)5 representam a maioria étnica dos povos indígenas do município de Aracruz, no
norte do Espírito Santo. Segundo um levantamento realizado pelo Grupo de Trabalho
783/94 da FUNAI, por ocasião da elaboração do relatório de reestudo da identificação das
terras indígenas da região, haveria em Aracruz 1306 índios, distribuídos entre as Terras
Indígenas de Caieiras Velhas, Pau Brasil e Comboios. Sendo 1139 deles Tupiniquim e 167
Guarani Mbyá (residentes apenas em Caieiras Velhas). Isso significa que, nessa ocasião, os
tupiniquins representavam cerca de 87% da população indígena local (FUNAI , 1995).
Porém, os dados relativos ao tamanho da população indígena na região e no estado
são apenas aproximados, não foi possível encontrar estatísticas oficiais sobre o assunto. A
FUNAI estima a população indígena do Estado em 1700 indivíduos, somando tupiniquins e
guaranis mbyá. (FUNAI, 2008). O último censo demográfico do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE) estimou a população indígena do Espírito Santo em cerca de
11.500 indivíduos, com cerca de 8500 em meio urbano, 1200 nas áreas rurais e 1800 nas
Terras Indígenas (IBGE, 2000). Já um levantamento realizado pelo Instituto Socioambiental
(ISA), em 1997, estima a população Tupiniquim em 1386 índios (ISA, 2002). Com base
nesses dados, e mantendo a proporção encontrada pelo Grupo de Trabalho da FUNAI,
podemos estimar que a população Tupiniquim atual gire em torno de 1300 a 1600 indivíduos
dentro das Terras Indígenas e entre 7000 e 8000 fora dela.
Os Tupiniquim eram originalmente “falantes da língua Tupi litorânea, da família Tupi-
Guarani”. Hoje falam apenas o português (ISA, 2002).
Estima-se que os Tupiniquim já ocupassem o litoral do Espírito Santo pelo menos
desde 815 AD (PEROTA, 1979 apud FUNAI, 1995). Essa datação foi possível a partir de
achados arqueológicos da região. Urnas funerárias encontradas recentemente confirmam a
5 Cf. Enciclopédia dos Povos Indígenas. São Paulo: Instituto Socioambiental, 2002.
43
presença dessa etnia no município de Aracruz há pelo menos 600 anos. (A GAZETA, 1995
apud FUNAI, 1995).
É possível encontrar registros históricos do século XVI que já fazem referências às
comunidades tupiniquins ocupando uma “faixa de terra situada entre Camamú, na Bahia e o
rio São Mateus, no Espírito Santo”. Também há registros de presença Tupiniquim entre
Angra dos Reis e Cananéia, no Rio de Janeiro (FUNAI, 1995b).
Os Tupiniquim do litoral do Espírito Santo foram contatados desde muito cedo, e em
1556 missionários jesuítas portugueses instalaram aldeamentos na região. A chamada
Aldeia Velha (onde hoje é o município de Aracruz) teria sido fundada pelo padre Afonso
Brás e posteriormente transferida para a região do rio Piraquê-açu. A ação jesuítica tinha
por objetivo a conversão dos índios ao cristianismo, num processo de amansamento dos
povos indígenas pela fé cristã. A formação de aldeamentos indígenas pelas missões
religiosas é um modelo que irá permanecer, com algumas variações estratégicas, até
meados do século XVIII (ARRUTI, 1995).
Entretanto, os aldeamentos podem ser considerados uma situação “estável” no
relacionamento entre os Tupiniquim e os colonizadores portugueses. Pois o confronto direto
entre europeus e os índios da região marcaram os primeiros anos da colonização do
período. Perrone-Moisés destaca o papel do aldeamento na política colonial do século XVI:
“O aldeamento é a realização do projeto colonial, pois garante a conversão e a ocupação do
território”. (PERRONE-MOISÉS, 1992 apud FUNAI, 1995).
Em 1760, após a expulsão dos jesuítas da colônia pelo marquês de Pombal, os
índios de Nova Almeida, tiveram os limites de suas terras medidos e demarcados.
Tornando-se assim possuidores de direito das sesmarias. Mas, não de fato. Vânia Moreira
(2002, p. 155-156), afirma que após a expulsão dos jesuítas, até meados de 1850, a
tendência geral foi o “contínuo avanço sobre seus territórios e, por fim, a expulsão”. Esse
processo ocorre sob observância e anuência das autoridades coloniais locais: “graças ás
doações feitas pelos governadores aos seus amigos, por meio de pequenas contribuições
pagas á municipalidade para o uso de terras que os índios cediam para poderem comprar
44
aguardente; pela simples posse ilegal e (...) em virtude da distribuição oficial de sesmarias
em terras indígenas”. (MOREIRA, 2002).
Esse lento processo de desestruturação sociocultural, econômico e político da vila de
Nova Almeida se dá num contexto de relativa prosperidade e estabilidade da situação
indígena na vila. Segundo Moreira (2002, p. 156-157), chegando inclusive a ser dirigida por
um capitão indígena e a possuir um juiz também indígena. Entre 1848 e 1853 medidas
sucessivas foram enfraquecendo a municipalidade até a perda de sua autonomia
administrativa. Como era a câmara municipal, cuja maioria era indígena, que garantia a
estabilidade de situação fundiária dos índios da região, estava aberto o caminho para a
ocupação e a expropriação das terras tupiniquins.
A Lei de Terras de 1850 representou um elemento complicador na legitimação do
direito á terra por parte das comunidades indígenas da região. Entre 1822 e 1850 ficou
suspendido o regime de sesmarias, entretanto a lei de terras só seria promulgada 28 anos
mais tarde, nesse período em que vigorou uma espécie de “vácuo” na legislação fundiária
brasileira, a posse tornou-se a forma mais comum de aquisição de terras. (MOREIRA,
2002). E, conseqüentemente, as terras indígenas de Nova Almeida sofreram o impacto
dessa situação. Com a promulgação da lei em 1850 a compra das terras tornou-se o
caminho natural para aquisição de terras. Com algumas exceções:
Com a promulgação da Lei de Terras (Lei n. 601, de 18/9/1950), a continuidade de formação de novas posses foi expressamente proibida. A partir de então, todos os interessados em novas terras deveriam adquiri-las de forma legal, ou seja por via da compra. Mas a nova lei e suas regulamentações de 1854 igualmente abriram caminho para a legitimação de antigas posses e sesmarias, isto é, anteriores a 1850. (...) No processo de legitimação e revalidação de posses e sesmarias, optou-se pelo procedimento simplificado do processo administrativo, uma alternativa que passava ao largo da justiça. (MOREIRA, 2002).
Essa previsão legal serviu mais aos interesses dos posseiros não-índios da região,
do que aos próprios tupiniquins. Pois a lei de terras não previa o indigenato, ou seja, o
direito originário indígena pelos territórios tradicionalmente ocupados. Pelo contrário, a lei
“apenas previa a possibilidade de reservar terras á ‘colonização indígena’, omitindo-se sobre
o chamado direito originário e sobre as terras indígenas que possuíam títulos legítimos”.
45
Além disso, “A Lei de Terras era omissa em relação á figura do ‘índio civilizado’, isto é, nada
dizia, em particular, sobre os direitos de indivíduos ou comunidades integradas à ordem
social dominante e que não poderiam ser (...) considerados como partes de tribos
independentes”. (MOREIRA, 2002). É nessa omissão que reside o imbróglio legal verificado
pela equipe técnica da FUNAI em relação ao direito de domínio indígena sobre as terras
reivindicadas.
Pois, segundo o relatório de reestudo da identificação, elaborado pelo GT de 1994, a
reivindicação indígena estava baseada num suposto domínio territorial das terras da região
ancorada em 3 atos legais do período colonial: (1) Doação de sesmarias em 1610; (2)
Doação de sesmarias em 1760; (3) Confirmação da doação por ocasião da visita do
imperador D. Pedro II em 1860. Porém, não teria sido possível confirmar, através de
documentos históricos, o ato de ratificação da doação das sesmarias e assim caracterizar
legalmente a situação de domínio das terras reivindicadas. (FUNAI, 1995). Tal confirmação
seria importante para o seguimento do processo, através da reivindicação de domínio,
porque a legislação indigenista atual, em especial os Artigos 32, 33 e o inciso I do artigo 41
da lei 6.001 de 19 de dezembro de 1973 (Estatuto do Índio) prevê a legalização de terras
indígenas adquiridas “por qualquer das formas de aquisição do domínio, nos termos da
legislação civil”. (BRASIL, 1973).
Essa inconsistência na base documental da demanda indígena resultou numa
mudança de estratégia por parte do Grupo de Trabalho. Ao invés de dar prosseguimento ao
processo de identificação e pesquisa de indícios que comprovassem o domínio indígena das
terras em questão seria realizada a identificação no sentido de comprovar a “posse histórica
daquelas áreas”. (FUNAI, 1995). Essa opção resulta do fato de que comprovar domínio
indígena de terras na região ser algo extremamente difícil tendo em vista que a legitimação
de terras advindas de doações de sesmarias, após 1850, dependerem do requerimento dos
legítimos donos das terras para que ocorressem.
A lei de terras “impedia (...) que qualquer autoridade pública desencadeasse, por
conta própria o processo de legitimação”. Como isso geralmente não ocorria, inclusive por
46
ignorância da lei (Além de haver predominado no período o entendimento de que os
territórios indígenas que não estivessem ocupados seriam considerados terras devolutas á
disposição da União) as terras tupiniquins do Espírito Santo em geral não lograram ser
oficialmente reconhecidas e, assim, deu ensejo para que se pudesse negar a legitimidade
da reivindicação do domínio das mesmas. (FUNAI, 1995; MOREIRA, 2002).
Sobre essa aparente liberdade dos membros do GT para optar por caminhos
favoráveis aos índios ao invés de restringir-se ao atendimento ou não das reivindicações
conforme demandadas pelos índios e sobre o próprio processo de identificação, seus limites
e alguns pontos de seu processo de construção histórica, analisaremos mais profundamente
no próximo capítulo que trata exatamente do primeiro processo de identificação e
demarcação na década de 1970 e nos reestudos de 1994 e 1998. Contudo, cabe agora,
destacar como o processo de regulamentação de terras do século XIX e as políticas
indigenistas anteriores refletiram-se na situação fundiária dos tupiniquins no período que
analisamos. Pois, as opções governamentais por determinada forma dos direitos indígenas
sobre suas terras, ou a ausência deles, dificultou para que mais de um século depois eles
lograssem a regulação de suas terras sob uma legislação mais favorável á suas demandas,
como a determinada pela constituição de 1988.
Em resumo, o que ainda cabe salientar nesta seção é como o processo histórico de
expropriação das terras indígenas tupiniquins de Aracruz e das demais populações
indígenas do Espírito Santo propiciou um cenário jurídico em que legislações e demandas
por direitos conflitantes acirraram o conflito entre a empresa e os índios e prolongaram,
como custos diversos para ambos os lados, o conflito além do que seria necessário.
Além disso, é importante destacar que a incompatibilidade entre a extensão da área
demarcada em 1983, e a organização social dos tupiniquins, terminou por constituir-se como
obstáculo para sua reprodução e afirmação étnica, indo de encontro com o que é
determinado pelo texto constitucional em seu artigo 231:
47
São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.
§ 1º. São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles
habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários à seu bem-estar e as necessárias à sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições. (BRASIL, 1988)
Tal previsão de direito, aliado ao entendimento da comunidade Tupiniquim e da
equipe técnica da FUNAI de que sua situação contrariava esse direito foram a base do
processo administrativo. Contudo, a falta de regulamentação ou a defasagem entre o
espírito do texto constitucional e a regulamentação existente levaram a um estado de coisas
que em muitas ocasiões beirou a inconstitucionalidade.
Esperando ter explicitando satisfatoriamente a situação dos tupiniquins, dado o
conflito, passamos á apresentação dos demais atores do conflito.
2.1.2 – Os Guarani-Mbyá
Os Guarani-Mbyá representam um grupo étnico minoritário na terra indígena Caieiras
Velhas. Em 1997 havia em Caieiras Velhas, na aldeia Boa Esperança, 167 índios Guarani-
Mbyá.
“De acordo com o lingüista Aryon Dall'Igna Rodrigues, o Mbya, assim como Kaiowa e
Ñandeva são dialetos do idioma Guarani, que pertence à família Tupi-Guarani, do tronco
lingüístico Tupi.” (ISA, 2002).
Os Guarani-Mbyá do Espírito Santo são originários do Paraguai e chegaram ao
município de Aracruz em meados de 1960, tendo iniciado sua migração pelo sul e sudeste
do Brasil por volta dos anos 40. Essa etnia se caracteriza pelo nomadismo e por suas
constantes migrações. O subgrupo Mbyá, ao contrário dos Guarani-kaiowa ou dos Guarani-
chiripa, concebem em seu território de uma forma mais abrangente, chamada tekoha guasu,
baseada numa concepção religiosa do mundo. Segundo dados etnográficos, a terra Mbyá
compreenderia uma área que se estende desde o Paraguai até o norte do Espírito Santo,
48
incluindo áreas do norte da Argentina, Uruguai, Mato Grosso do Sul, toda região sul, São
Paulo e Rio de Janeiro. (FUNAI, 1995).
Segundo Almeida, a migração Mbyá dentro do tekoha guasu está condicionada pelo
estabelecimento de um novo tekoha que satisfaça determinada condições como a existência
de florestas com caça e pesca, áreas para roçado, criação de animais e de suas casas,
incluindo a opy (casa de reza).(ALMEIDA, 1985 apud FUNAI, 1995).
Os Mbyá viajam em pequenos grupos de família. Cada grupo é formado por 7 a 15
famílias com 35 a 75 indivíduos em cada família, liderados por um tamöï (avô) ou uma jarí
(avó).
O grupo que se encontra em Aracruz foi guiado desde o Paraguai por uma kuña
karai (líder religiosa feminina) chamada Tatatï, cuja decisão de se instalar em Caieiras
Velhas teria sido fruto de uma revelação que teve durante um sonho.
O estabelecimento do grupo em Aracruz foi a última parada de uma viagem que teve
inicio no Paraguai nos anos 40, passou por Pelotas (RS), Pipiri Guasu (RS), Rio Branco
(SP), Itariri (SP), Rio Cumprido (SP), Cananéia (SP), Itatí (SP), Itinga Grande (SP), Peruibe
(SP), Santos (SP), Bertioga (SP), Boracéia (SP), Ubatuba (SP), Barra Mansa (RJ), Belo
Horizonte (MG), Vitória (ES) e finalmente Aracruz (ES).
Diversas vezes durante a viagem, o grupo Mbyá mudou-se pela chegada de
posseiros e outros tipos de colonização da sociedade nacional. Isso porque, segundo a
tradição Mbyá, a presença do homem branco torna o local inabitável.
A instalação dos Mbyá em terras Tupiniquim contribuíram para a expulsão de
posseiros das terras destes. Contudo, em 1972 a FUNAI transferiu a comunidade Mbyá para
uma área dos krenak, em Minas Gerais, e de lá para a chamada fazenda Guarani
(aldeamento criado pela FUNAI para recolher índios “problemáticos” de diversas etnias,
também conhecida como “presídio Guarani”). Voltando à terra Tupiniquim em 1978. Quando
retornaram a área anteriormente ocupada pelos Mbyá havia sido negociada com Aracruz
Celulose pelo governo do estado e pequenos posseiros da região e transformada em
49
plantações de eucalipto. Sem alternativas, os Mbyá se instalaram dentro de Caieiras Velhas.
(FUNAI, 1995).
Atualmente os Mbyá de Boa Esperança sobrevivem do artesanato e de doações
recebidas, além do cultivo de árvores frutíferas e pequenas roças.
Os Mbyá não reivindicavam terras exclusivas para si. Mas apenas o aumento de
pequenas áreas dentro da terra Tupiniquim para sua própria subsistência. Esta área estaria
localizada dentro da nova reserva Tupiniquim.
2.1.3 – Aracruz Celulose S.A
Aracruz celulose é uma das maiores empresas reflorestadoras do mundo. Líder
mundial em produção de celulose branqueada de eucalipto. Usada para a produção de
papeis, papeis especiais e papeis sanitários. Produzindo anualmente cerca de 2,6 milhões
de toneladas de polpa de eucalipto por ano. (NYSE, 2008). Em 2007, a empresa obteve um
lucro de cerca de 1,044 bilhão de reais em relação a 2006. (FOLHA, 2008). A composição
acionária da empresa é formada por capital público e privado, da seguinte forma: Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES (12,5%); Votorantim Celulose e
Papel – VCP (28%); Banco Safra (28%); Lorentzen Empreendimentos S.A (28%); Outros
(3,5%). (ARACRUZ, 2008).
Segundo Andrade, Dias e Quintella (2001, p. 3) a empresa se caracterizaria por
“altamente intensiva em capital, por fabricar uma commodity global, e por concorrer em um
mercado cíclico sofrendo crescentes demandas sócio-ambientais”, além disso, “Uma das
principais estratégias concorrenciais da empresa é a liderança de custo de produção
suportada principalmente pelo baixo custo de produção de madeira”.
O inicio das atividades da empresa no município de Aracruz se deu por volta de 1967
com a compra de 10.000 ha da Companhia de Ferro e Aço de Vitória (COFAVI) do governo
estadual, dando inicio à plantação de eucalipto. (FUNAI, 1995). A empresa afirma ter
adquirido as terras “segundo a lei, sem vícios, nem lesão a ninguém”. (ARACRUZ, 1994).
Contudo, segundo Rogério Medeiros (MEDEIROS, 1983 apud FUNAI, 1995) “o então
50
governador do Espírito Santo teria afirmado que lá não existiam índios, quando fez o
negocio. Entretanto, existiam índios (...), e a Aracruz Florestal, na verdade, teve que
desalojá-los”. (FUNAI, 1995). Ainda segundo Medeiros, teriam desaparecido cerca de 11
aldeias no processo, inclusive com o uso da força.
Esse controverso inicio explica o motivo pelo qual a empresa se vê freqüentemente
envolvida em conflitos fundiários. Seja com os índios, como também com comunidades
quilombolas do estado, como por exemplo a comunidade de Linharinhos, ou com pequenos
produtores da região.
A atuação da empresa também é motivo de contestação por parte do movimento
ambientalista do estado e até por organizações ambientais nacionais. Devido ao impacto
negativo que o plantio de eucalipto teria sobre o ecossistema da região. Em especial, devido
a substituição da mata nativa por monocultura de árvores, a contaminação dos rios da
região por agrotóxico e o suposto secamento de rios e cursos d’água pelo eucalipto.
Em contrapartida, os empregos gerados pela produção e os recursos advindos do
recolhimento de impostos tem garantido a simpatia e o apoio de parte da população local e
das autoridades do município e do estado.
Apesar de a maior parte da produção da empresa estar localizada em Aracruz, na
fábrica de Barra do Riacho, a Aracruz Celulose também mantém unidades em Guaíba (RS)
e Veracel (BA). Além disso, possui no Espírito Santo o Portocel, responsável pelo
escoamento de sua produção de celulose. (ARACRUZ, 2008).
Desde a primeira demanda por terra dos índios Tupiniquim, em 1975, a atitude da
empresa tem oscilado entre tentativas de acordo que a beneficiem e a contestação da
legitimidade das reivindicações indígenas. A atitude verificável através da análise dos
acordos que a empresa firmou com a FUNAI (1983) e o Ministério Publico Federal (1998),
doando terras ou financiando programas, mas sem nunca reconhecer a legitimidade da
demanda indígena. Sempre reafirmando seu direito à posse das terras contestadas e a
legalidade do seu processo de aquisição.
51
2.1.4 – Fundação Nacional do Índio (FUNAI)
Criada em 5 de dezembro de 1967, através da lei 5.371, a Fundação Nacional do
Índio foi instituída com o objetivo de (1) estabelecer e garantir o cumprimento da política
indigenista; (2) gerir o patrimônio indígena; (3) promover levantamentos, analises, estudos e
pesquisas cientificas sobre o índio e os grupos sociais indígenas; (4) despertar o interesse
coletivo pela causa indigenista; (5) exercitar o poder político nas áreas reservadas e nas
matérias atinentes à proteção do índio. (BRASIL, 1967).
Para cumprir suas funções a FUNAI está estruturada da seguinte forma: Presidência
e seus órgãos de assistência; Diretoria de Assistência; Diretoria de Administração; Diretoria
de Assuntos Fundiários; Administrações Executivas Regionais e Postos Indígenas e o
Museu do Índio como órgão descentralizado. (FUNAI, 2008).
A FUNAI substituiu o antigo Serviço de Proteção ao Índio (SPI) no governo dos
índios do Brasil sem, contudo, representar grandes mudanças em relação a atuação deste
órgão. Até 1973, ano da promulgação do estatuto do índio, a FUNAI sequer estava
preparada institucionalmente para exercer sua função de regularizar a situação fundiária das
terras indígenas. (LIMA, 2005).
Desde sua origem a FUNAI estaria “integrada á perspectiva desenvolvimentista de
ação governamental instalada após o regime militar de 1964”. Ou seja, a ação da FUNAI
mais do que garantir aos índios “a posse permanente da terra que habitam e o usufruto
exclusivo dos recursos naturais” (BRASIL, 1967) estaria vinculada a uma política de fixação
das populações indígenas à terra e regularização da “ocupação fundiária, reservando um
montante de terras para o uso das populações indígenas, e estabelecendo o estoque de
recursos disponíveis para os empreendimentos empresariais”. (PERES, 2003). Um papel
muito similar ao que o SPI havia desempenhado até então. (LIMA, 1998).
Como demonstram o trabalho de diversos antropólogos e pesquisadores, a questão
indígena no Brasil, em especial o processo de identificação e demarcação de terras
indígenas, sempre esteve subordinada aos interesses da sociedade nacional e dos grandes
grupos econômicos e políticos. (ARRUTI, 1995; LIMA, 1998; PERES, 2003; PERES, 2005).
52
Contudo, a atuação da FUNAI não pode ser analisada de forma homogênea, pois o
papel da instituição na execução da política indigenista oficial, e sua capacidade de cumpri-
lo variou durante os 40 anos de existência da Fundação. Se durante a década de 1970 a
instituição pode ser caracterizada como eminentemente tutelar e repressora das
organizações não oficiais do movimento indígena (NEVES, 2004), na década de 1990
verificamos um enfraquecimento institucional da Fundação e perda da exclusividade na
execução das políticas voltadas para os povos indígenas, ao mesmo tempo em que se pode
verificar uma maior aproximação entre a ação da FUNAI e as demandas dos povos
indígenas.
Essa mudança de atitude pode ser verificada no processo de demarcação, e
posterior reestudo, das terras tupiniquins e Guarani no Espírito Santo. Se entre 1975 e 1983
a atuação da FUNAI neste processo pode ser caracterizada como hesitante e até mesmo
contrária aos interesses indígenas, em favor dos interesses da Aracruz, entre 2005 e 2007
a ação da FUNAI se aproxima do que determina a lei que a instituiu e durante o processo de
identificação ela atuou no sentido de sustentar sua posição a favor da expansão da terra
indígena, baseada nas diretrizes constitucionais, mesmo contrariando interesses políticos e
econômicos contrários a demarcação. (FUNAI, 1995; SÉCULO DIÁRIO, 2007).
2.1.5 – Ministério da Justiça (MJ)
As atribuições e organização atual do Ministério da Justiça foram dadas pela lei
10.683 de 28 de maio de 2003. Segundo esta lei são competências do Ministério da Justiça:
(1) defesa da ordem jurídica, dos direitos políticos e das garantias constitucionais; (2)
política judiciária; (3) direitos dos índios; (4) entorpecentes, segurança pública, Polícias
Federal, Rodoviária e Ferroviária Federal e do Distrito Federal; (5) defesa da ordem
econômica nacional e dos direitos do consumidor; (6) planejamento, coordenação e
administração da política penitenciária nacional; (7) nacionalidade, imigração e estrangeiros;
(8) ouvidoria-geral dos índios e do consumidor; (9) ouvidoria das polícias federais; (10)
assistência jurídica, judicial e extrajudicial, integral e gratuita, aos necessitados, assim
53
considerados em lei; (11) defesa dos bens e dos próprios da União e das entidades
integrantes da Administração Pública Federal indireta e (12) articulação, integração e
proposição das ações do Governo nos aspectos relacionados com as atividades de
repressão ao uso indevido, do tráfico ilícito e da produção não autorizada de substâncias
entorpecentes e drogas que causem dependência física ou psíquica;
O MJ é formado por conselhos, pelas polícias federal, rodoviária federal e ferroviária
federal, além de secretarias. (BRASIL, 2003).
No tocante á questão indígena, segundo o Decreto 1775 de 8 de Janeiro de 1996,
cabe ainda ao Ministério da Justiça, através do ministro de estado, durante o processo de
demarcação: (1) Declarar, mediante portaria, os limites da terra indígena e determinar sua
demarcação; (2) prescrever as diligências que julgue necessárias; ou (3) desaprovar a
identificação e retornar ao órgão federal de assistência ao índio, mediante decisão
fundamentada, circunscrita ao não atendimento do disposto no § 1º do art. 231 da
Constituição e demais disposições pertinentes. (BRASIL, 1996).
A ação do Ministério da Justiça durante o processo de demarcação Tupiniquim pode
ser caracterizada como um dos fatores responsáveis pela morosidade do processo. Pois,
por duas vezes, os despachos ministeriais contrariaram as recomendações da equipe
técnica da FUNAI e abriram espaço para o adiamento da emissão da portaria demarcatória
ou ainda para a redução da área a ser demarcadas. Essa é uma constatação que já havia
sido verificada anteriormente, a de que o decreto, e a portaria que o complementou, na
medida em que introduz o princípio do contraditório dentro do processo administrativo, abre
as portas para a possibilidade de prorrogação e indefinição do processo. (SANTILLI, 1997;
BARRETO Fº, 2005).
A portaria coloca o resultado do estudo de identificação sempre na situação de poder ser contestado. Isso porque em praticamente todos os casos concretos será muito difícil, para não dizer impossível, reunir todas as informações demandadas pela Portaria, em especial as que se referem á situação de ocupação de fato por não-índios. (BARRETO Fº, 2005).
54
2.1.6 – Ministério Público (MP)
“Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função
jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e
dos interesses sociais e individuais indisponíveis.” (BRASIL, 1988) O Ministério Público é
definido pela constituição de 1988 como um órgão auxiliar da justiça. Segundo o artigo 129
ele é responsável por (1) Promover a ação penal pública; (2) Zelar pelo respeito dos
Poderes Públicos aos direitos assegurados pela constituição; (3) Promover inquérito civil e
ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de
outros interesses difusos e coletivos; (4) promover a ação de inconstitucionalidade ou
representação para fins de intervenção da União e dos Estados; (5) defender judicialmente
os direitos e interesses das populações indígenas; (6) expedir notificações nos
procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos
para instruí-los, na forma da lei complementar respectiva; (7) exercer o controle externo da
atividade policial; (8) requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito
policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais; (BRASIL,
1988, grifos meus).
Para tanto o ministério público se divide e estrutura da seguinte forma. O Ministério
Público Brasileiro se divide entre Ministério Público da União (MPU) e os ministérios
públicos estaduais. O Ministério Público da União se subdivide em Ministério Público
Federal (MPF), Ministério Público do Trabalho (MPT), Ministério Público Militar (MPM),
Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT). Cada divisão do MP possui
seus órgãos próprios responsáveis pela organização interna das instituições e pelo
cumprimento das atribuições constitucionais. Por exemplo, em relação aos povos indígenas,
o Ministério Público Federal possui a 6ª Câmara de Coordenação e Revisão – Índios e
Minorias. Responsável pelas ações que envolvem povos indígenas, quilombolas,
extrativistas e outras minorias. (MPF, 2008).
Segundo Arantes (1999, p.83), atualmente o Ministério Público passa por um
processo “de reconstrução institucional que, associado à normatização de direitos coletivos
55
e a emergências de novos instrumentos processuais, tem resultado no alargamento do
acesso à justiça no Brasil (...) e na canalização de conflitos coletivos para o âmbito judicial”.
Esse processo seria resultado da consolidação de um novo perfil de Ministério Público,
possível graças à promulgação da Constituição de 1988. (SILVA, 2001). Isso porque o texto
constitucional atribui ao Ministério Público a responsabilidade pela defesa dos chamados
interesses metaindividuais (interesses individuais homogêneos, coletivos e difusos). Dentre
esses direitos podemos destacar os direitos do consumidor, do meio ambiente, do
patrimônio histórico e artístico e os direitos das minorias étnicas.
Os direitos metaindividuais podem ser definidos como “interesses privados de
dimensão coletiva“. (GRINOVER, 1994 apud ARANTES, 1999). Essa característica implica
na possibilidade de encaminhamento jurídico de conflitos políticos, isso por que em geral os
direitos coletivos se relacionam com políticas públicas. Abrindo caminho para o que Arantes
(1999, p.89) chama de judiciação da política. Nesse contexto é o Ministério Público o
principal responsável pelo encaminhamento jurídico das ações coletivas.
O principal instrumento disponível para o Ministério Público para isso é a Ação Civil
Pública (ACP), definida como “ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais
causados ao meio ambiente, ao consumidor, a ordem humanística, a bens de direitos de
valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico ou por infração da ordem
econômica e da economia popular”. (BRASIL, 1985). Esse tipo de ação pode ser proposta
pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública, pela União, Estado, Distrito Federal e
Município, por autarquias, empresas públicas, fundações ou sociedade economia mista ou
associações (estas desde que cumpra os critérios definidos pela lei). Entretanto, o principal
propositor desse tipo de ação tem sido o Ministério Público, os demais entes estatais têm
figurado mais freqüentemente como réus do que como autores de ações. (ARANTES,
1999).
Além da ação civil pública, o Ministério Público tem à sua disposição outros
instrumentos para cumprir seu papel constitucional, tais como o Inquérito Civil e os Termos
de Ajustamento de Conduta (TAC). (SILVA, 2001).
56
O Ministério Público possui prerrogativas e garantias funcionais similares às
atribuídas ao Poder Judiciário, como independência funcional, vitaliciedade, inamovibilidade
e irredutibilidade de vencimentos, que lhes garantem a autonomia e a independência
necessárias para o desenvolvimento da função. Em contrapartida, a ação do MP é exercida
num “turbilhão de conflitos coletivos, sociais e políticos”, que acabariam por ocasionar um
processo de politização da justiça. (ARANTES, 1999).
O Ministério Público Federal teve um papel importante de intermediação no conflito
entre os índios tupiniquins e Guarani e a Aracruz Celulose na esfera judicial, sendo
responsável pela elaboração de um acordo entre as partes em 1998. Também teve papel de
destaque na defesa dos direitos indígenas durante um episodio de tentativa da empresa em
difundir localmente a negação da identidade indígena às comunidades de Aracruz, que
terminou pela condenação da mesma por racismo e pela exigência da retirada de material
publicitário que denegria a imagem dos povos indígenas. (RBJA, 2002; CARTA MAIOR,
2006).
2.1.7 – Movimentos Sociais e Entidades de Apoio
O conflito pela definição das terras indígenas do Espírito Santo, como qualquer outro
conflito, não possui um único significado, nem uma única interpretação possível. Ele é
interpretado e apropriado de formas diferentes pelos diversos grupos sociais envolvidos.
Desde as diversas versões elaboradas pelas partes diretamente interessadas (índios e
Aracruz) até o modo como é construído pelos grupos aliados de ambos os lados.
Destacaremos aqui as principais entidades envolvidas direta ou indiretamente no
conflito, que não são partes interessadas na resolução, como por exemplo, os movimentos
sociais, entidades de apoio à causa indígena ou outros grupos sociais, mas que estiveram
em algum momento ligadas ao conflito.
57
• Conselho Indígena Missionário (CIMI): O CIMI é uma entidade vinculada à
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) criada em 1972. O Conselho está
organizado em 11 regionais e 1 secretariado nacional, em Brasília. Além disso,
possui uma diretoria composta por seus coordenadores regionais e a presidência. A
cada dois anos realiza assembléias gerais. Atualmente possui cerca de 400
missionários divididos em 114 equipes. (CIMI, 2004a; 2004b; 2004c).
A atuação do CIMI representa uma mudança no padrão da prática missionária
católica no Brasil. A qual desde o período colonial tem se caracterizado pela tentativa
de conversão e pacificação dos povos indígenas, além da fixação do índio à terra
através do trabalho agrícola. (PERES, 2003; NOVAES, 1999).
A constituição do CIMI se insere num contexto de mudança na teologia
católica. A entidade se forma dentro do que se convencionou chamar de teologia da
libertação. Segundo Peres (2003, p.118):
Nessa nova concepção evangelizadora, a cultura indígena não é mais incompatível com os princípios cristãos, mas pelo contrário, é uma de suas expressões. O índio é objetivado como oprimido, que deve tornar-se sujeito da sua libertação, organizando-se autonomamente. (grifos do autor).
Seguindo esta concepção, o CIMI consolidou-se como um importante ator na
luta pelos direitos indígenas a partir dos anos 70. Foi o responsável pela organização
de cerca de 50 assembléias indígenas entre 1974 e 1984. Tais assembléias se
configuraram enquanto um dos principais instrumentos para a formação de um
sentimento de identificação entre as diversas etnias indígenas brasileiras e motivou a
articulação entre elas. O auge deste processo se dá em 1980 com a fundação da
União das Nações Indígenas (UNI), entidade representativa de um movimento
indígena unificado. Além disso, a entidade investiu na formação de lideranças
indígenas, motivo pelo qual sua atuação é ponto obrigatório em qualquer análise
sobre o movimento indígena brasileiro. (PERES, 2003).
58
Em relação ao caso analisado, o CIMI teve um importante papel na
publicização do conflito e na articulação das comunidades com a sociedade civil
organizada.
• Movimento Ambientalista: a articulação entre o movimento ambientalista e as
questões indígenas é um fato novo da relativamente nova história do ambientalismo
brasileiro. O movimento ambiental no Brasil nasce sob uma ótica observacionista na
qual predomina os conceitos ecológicos que segundo Costa (2006, p.17) representa
um “reducionismo metodológico”. No qual predomina um conceito de meio ambiente
quase que exclusivamente biológico e natural “na qual o homem é incorporado com
dificuldade. Dessa forma, a interface entre as praticas sociais humanas e suas
condições materiais é negligenciada”.
Contudo, é cada vez maior a percepção da necessidade de uma “renovação
teórica” que articule as demandas sociais e ecológicas. (ROUSSET, 2001). A nível
global tem se destacado dois conceitos que tentam articular a biodiversidade e a
preservação ecológica com a diversidade humana.
O primeiro deles é o conceito de diversidade biocultural. Este conceito
engloba uma grande gama de práticas que resultam no cultivo “de uma totalidade de
espécies, populações, comunidades e ecossistemas que constituem a vida de
qualquer ecossistema ou ecossistemas superpostos”. Isso significa dizer que “[a]
biodiversidade não é um ato da natureza apenas, mas realmente o resultado de
milhares de anos de inovações humanas e de interação interdependente com a
natureza”. Essa noção está intimamente ligada à noção de etnicidade ecológica, isto
é, “qualquer grupo de pessoas que deriva seu sustento da negociação cotidiana com
o meio ambiente imediato”. (PARAJULI, 2006). Isso significa uma mudança na
perspectiva da relação entre o homem e o meio ambiente. O homem já não é mais
visto como um intruso no mundo natural, mas como um dos fatores que levam à
59
biodiversidade. É também uma valorização das culturas tradicionais e suas relações
com a natureza.
O segundo conceito que também tem permeado as discussões teóricas no
movimento ambientalista, e suas praticas (e este tem encontrado maior ressonância
no Brasil) é o conceito de racismo ambiental. Define-se racismo ambiental como as
“injustiças sociais e ambientais que recaem de forma desproporcional sobre etnias
vulnerabilizadas”, ou seja, ações que tenham intenções ou efeitos racistas.
(HERCULANO e PACHECO, 2006). No Brasil, algumas entidades ambientalistas já
procuram articular-se com os povos indígenas em suas lutas locais tendo esta
perspectiva como pano de fundo. Especialmente quando o atendimento das
demandas indígenas pode resultar em impactos positivos sobre o meio ambiente.
Destacamos as Rede Brasileira de Justiça Ambiental (RBJA), a Rede Alerta
Contra o Deserto Verde e a Federação de Órgãos para Assistência Social e
Educacional (FASE) como entidades que atuam nessa perspectiva de articulação
entre as demandas étnicas e a necessidade de preservação ambiental. Assim a luta
indígena é vista por elas como uma alternativa para a promoção de justiça social e o
equilíbrio ambiental.
Em referência ao conflito analisado destacamos o papel destas entidades
como articuladoras, divulgadoras e foco de pressão sobre as autoridades envolvidas
no caso.
60
2.2. De 1975 a 1998: Primeiros embates.
Apesar de já termos comentado diversos fatos referentes ao caso nos capítulos
anteriores, neste subcapítulo iniciamos a análise de fato do conflito, seus desdobramentos,
possibilidades e interpretações possíveis. Conforme já indicado anteriormente, nos
concentraremos na análise do período mais recente do conflito, entre 2005 e 2007, sem,
contudo esquecer o período anterior. Motivo pelo qual, a seção referente a este primeiro
período irá versar sobre um lapso de tempo maior que as seções subseqüentes.
2.2.1. 1975 – 1983: O primeiro processo de demarcação.
Os dados que se seguem se baseiam na pesquisa realizada pelo Grupo de Trabalho
783 de 1994, da FUNAI, por ocasião da elaboração do reestudo das terras Tupiniquim
iniciado no mesmo ano. (FUNAI, 1995).
Segundo esse relatório, primeira tentativa Tupiniquim de demarcação de suas terras
se inicia em 1975, através de uma demanda apresentada junto a FUNAI exigindo a
delimitação de suas terras. Essa demanda tinha por base a reivindicação de domínio sobre
as terras da região e baseavam-se em na cópia de documento de 1873 que provaria a
doação de uma sesmaria aos índios por parte de Dom Pedro II. Ou seja, a legitimidade do
domínio sobre as terras pleiteadas já teria sido reconhecido desde o século XIX.
Em 1978, a FUNAI institui um grupo de trabalho para realizar “o primeiro estudo (...)
por uma equipe da FUNAI com vistas á delimitação de uma área indígena para os
tupiniquins”. Era o GT 406/E/78. Esse estudo ficou determinado que a área ocupada pelos
tupiniquins na ocasião “não poderiam atender ao mínimo necessário à sobrevivência do
grupo (...). Os tupiniquins e Guaranis encontravam-se ‘confinados’ em uma área de 40 ha”.
(FUNAI, 1995b).
Paralelamente os índios tupiniquins iniciaram mobilizações e manifestações que
pretendiam retomar as terras ocupadas pela Aracruz Celulose. Este fato aliado ao estudo
citado, levou a FUNAI a instituir em julho de 1979 o GT 565/E/79, “para realizar a eleição de
área para a Reserva Indígena Tupiniquim (...) delimitando as áreas Caieiras Velhas, Pau
61
Brasil e Ilha de Comboios”. Tal área teria cerca de 6.500 ha e foi considerada como “o
mínimo para garantir a sobrevivência do grupo”. (FUNAI, 199b). A Aracruz Celulose reagiu a
essa proposta, alegando ser a legítima proprietária da área e acusou a FUNAI de tentar
confiscar suas terras. Apresentando à FUNAI uma proposta alternativa na qual a empresa
se propunha a doar 800 ha para a formação de uma reserva.
Como se pode observar até o momento, a atitude inicial da FUNAI foi a de
estabelecer uma área que a entidade considerava satisfatória para a sobrevivência das
comunidades tupiniquins, sem, contudo, considerar a possibilidade de atender a
reivindicação indígena, tal qual solicitada pelos mesmos, isso porque dentro da legislação
indigenista da época a condição indígena era vista como transitória. O próprio Estatuto do
Índio atribui ao Estado o dever de “preservar sua cultura e integrá-los, progressiva e
harmonicamente, à comunhão nacional”. (BRASIL, 1973). Prevalecia então uma política
tutelar no trato dos povos indígenas, longe de se configurar como um sujeito de direitos, os
índios estavam equiparados aos incapazes e, portanto, deveriam ser aparados pelo estado
que deveria determinar as medidas para o seu bem estar. O Estatuto é interpretado por
alguns antropólogos como “um belo exemplo de lei colonial, regulando um status social sem
que aqueles nele inseridos fossem consultados, servindo mais como instrumento de
dominação do que de justiça”. (OLIVEIRA, 1985 apud LIMA, 2005).
Outro aspecto importante do Estatuto, tratado por Lima (2005, p. 55) é o uso da
noção de habitat “como o encadeador dos dois níveis (ecológico e econômico), portanto a
unidade a ser perseguida”. Na interpretação do autor, este conceito serve como forma de
naturalizar as sociedades indígenas e retirar delas suas dimensões políticas e históricas.
Apropriando-se de um conceito da ecologia, o Estatuto trata a preservação da cultura
indígena como análoga á preservação ambiental, ao mesmo tempo em que age para
impedir a ação política destes. E, ao delimitar arbitrariamente uma área para a fixação da
comunidade Tupiniquim, sem levar em consideração seus próprios meios de organização
social e o modo como este povo se relaciona com seu território, o estudo de 1979 se
62
aproxima dessa perspectiva. O objetivo da FUNAI era, então, estabelecer um habitat
Tupiniquim e evitar que o conflito já instalado alcançasse maiores proporções.
Em 1979 as noções de ocupação tradicional e identificação estavam longe se
consolidarem na prática administrativa de demarcação de terras “para os índios”. Prevalecia
então o disposto no decreto presidencial 76.999, de 8 de Janeiro de 1976, que estabelecia a
necessidade de um reconhecimento prévio por um antropólogo e um agrimensor da área a
ser demarcada. Contudo, o relatório seria elaborado tendo por base as noções de “situação
atual e consenso histórico sobre a antiguidade da ocupação”. (LIMA, 2005). Lima (2005, p.
56) critica essa noção com base em dois questionamentos: (1) Como elaborar uma história
da ocupação indígena de uma localidade se as historiografias tradicionais pouco se atem a
essa questão? (2) Como conciliar esse conceito numa legislação que “inclui a auto-
identificação e a identificação como critérios”, isso iria de encontro a uma perspectiva de
direito natural do índio ao seu território.
Entretanto, independente do espírito da legislação vigente ou das motivações que
levaram á proposta do GT 565/E/79 e da Portaria 609N (que em dezembro de 1979
declarou as aldeias de Caieiras Velhas, Comboios e Pau Brasil como “áreas de ocupação
dos índios Tupiniquim), o fato é que nem o trabalho do GT, nem a Portaria lograram
delimitar a extensão da reserva indígena criada em 1983, pois a partir de 1980 iniciou-se
um processo de entendimento entre a FUNAI e a Aracruz Celulose objetivando elaborar
uma proposta alternativa.
Basicamente a proposta significava a redução da área demarcada. Inicialmente a
Aracruz se propôs a doa 800 ha, contudo a área demarcada e homologada em 1983
possuía 4. 491 ha.
Concorreram para esse resultado alguns eventos, não completamente explicados,
dentro da própria FUNAI. Em 1981 o Setor de Regularização Dominial da entidade, através
do Dr. Ismael Marinho Falcão, emitiu um despacho administrativo que negava qualquer
pretensão de direito dominial aos índios tupiniquins, baseado na alegação de que faltavam
provas que pudessem corroborar tal direito.
63
A polêmica em torno da legitimidade ou não de direitos dos antigos sesmeiros a
posse das terras que ocupavam após a promulgação da Lei de Terras em 1850 já foi
abordado na primeira seção deste capítulo. Porém, convém lembrar que algumas
interpretações jurídicas dão conta que a expropriação ocorrida entre 1822 e 1850, e que se
intensificou após esse período, seria considerada ilegal. Na medida em que tais terras não
poderiam ser consideradas devolutas pela legislação vigente na ocasião. (MOREIRA, 2002).
De fato quando a Aracruz Celulose se instala no município, o processo de
expropriação dos índios já estava avançado e outras empresas e posseiros já ocupavam as
terras indígenas. A empresa se defende alegando não ter adquirido quaisquer terras
indígenas, sendo a aquisição feita junto à COFAVI e outros pequenos proprietários.
Conforme se pode verificar no relatório que a mesma encaminhou ao GT de 1994 e como
consta no processo de 1979:
Em circular datada de 23/07/80, dirigida a todos os funcionários de todas as empresas do Grupo Aracruz, sediada no Rio de Janeiro, Vitória e Aracruz, o Vice-Presidente Executivo, Sr. Armando Netto, afirmou que ‘a empresa nunca comprou terras de pessoas identificáveis como índios”. (PROCESSO N. 2.561/79 fls. 193-195 apud FUNAI, 1995).
Com base no exposto, somado ao fato de que as terras não estavam
sendo cultivadas, ou servindo de moradia habitual dos respectivos sesmeiros e que os índios, já naquela época, não viviam mais aldeados e sim dispersos e confundidos na massa da população, nos leva á convicção, de que a área de sesmaria que teria sido supostamente doada os índios tupiniquins em 1610 não teria sido revalidada, nem medida, nem muito menos registrada.
(...) Por outro lado, a Aracruz, sustenta, mediante a prova documental ora
oferecida, a regularidade jurídica e de fato da situação de suas áreas. (ARACRUZ, 1994).
Ilegal ou não, a conseqüência da corroboração dada a essa interpretação pelo
parecer de Falcão, á uma obscura ação de agentes da Divisão de Segurança e Informações
do Ministério do Interior (ao qual a FUNAI estava subordinada na década de 80), levaram a
um acordo que delimitou as Terras Indígenas de Comboios, Caieiras Velhas e Pau Brasil em
agosto, setembro e outubro de 1983 respectivamente. A primeira TI foi homologada com
1.519 ha, a segunda com 426 ha e a terceira com 2.546 ha. Totalizando os 4.491 ha citados
anteriormente. (FUNAI, 1995b).
64
Através deste acordo a Aracruz Celulose doou a área demarcada. Em contrapartida
a FUNAI reconhecia a legitimidade da posse do restante das terras da Aracruz Celulose e
os índios se comprometeriam a utilizar apenas as áreas descritas no memorial de
demarcação. (FUNAI, 1995).
Com esse resultado o processo da década de 1970 terminou por criar uma situação
que os próprios autores do relatório de 1994 reconhecem como “de confinamento” e que
teriam provocado “alterações na organização social e nas relações de cooperação”, gerando
um processo de “isolamento interno e entre as terras demarcadas”. Constituindo-se assim
como um “obstáculo para que os Tupiniquim e Guarani se reproduzam e se afirmem
enquanto grupo étnico”. (FUNAI, 1995b).
Dessa forma podemos, sem sombra de dúvidas, afirmar que, nesse episódio, o
Estado atuou como um ator determinante e que apesar das dúvidas quanto à legitimidade
da pretensão de ambos os lados, ele optou, arbitrariamente, por uma solução que evitasse o
conflito e que beneficiasse a empresa em detrimento das comunidades indígenas da região.
Essa atitude pode se adequar ao projeto político da época, com o “desenvolvimentismo a
todo custo” do regime militar, mas também demonstra como o Estado brasileiro,
freqüentemente, sucumbe a determinados interesses, mesmo quando contraria as normas
legais. Ou aos princípios que animam a constituição.
2.2.1. 1994-1998: O primeiro reestudo.
Os dez anos que separam a primeira demarcação, em 1983, do pedido de reestudo
em 1993 não trouxeram grandes melhorias na qualidade de vida dos índios Tupiniquim e
Guarani de Aracruz. Segundo matéria publicada no jornal A Gazeta em 18 de Abril de 1993,
a situação dos índios da região era caracterizada por pobreza, pelas limitações impostas
pelo exíguo território demarcado à sua reprodução social, pelo que o jornal chama de
aculturação, pela falta de saneamento básico, pela má qualidade das terras e pela
concorrência com os posseiros da região (especialmente na aldeia de Comboios). (A
GAZETA, 1993).
65
Insatisfeitos com essa situação, os índios encaminharam á FUNAI, no mesmo ano,
um pedido de revisão dos limites de suas terras. Tal reivindicação foi acolhida pela
Fundação, a qual constituiu em agosto de 1994 o Grupo Técnico 783. Iniciou-se assim um
trabalho de reestudo da demarcação anterior, justificado como uma revisão da identificação
anterior sob os marcos da nova constituição promulgada em 1988. (FUNAI, 1995).
A principal inovação trazida pelo texto constitucional de 1988 é o conceito de terra
tradicionalmente ocupada. Esse conceito define as terras “por eles habitadas em caráter
permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação
dos recursos ambientais necessários a seu bem estar e as necessárias à sua reprodução
física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições”. (BRASIL, 1988). Além disso, a
CF 88 trouxe a idéia do direito original a terra, isso significa dizer que não cabe mais ao
estado brasileiro conceder terra aos índios, mas sim regularizar um direito. O direito
indígena sobre as terras que tradicionalmente ocupam precede à demarcação. Isto é,
independe do processo administrativo. Outra característica desse direito é a coletividade, ou
seja, a titularidade da terra não é individualizada, todos os membros da comunidade
possuem o mesmo direito à sua terra, ficando esta registrada sob o patrimônio da União.
(NEVES, 2004). Sobre esse direito diz Antunes (1998 apud SANTOS Fº, 2008, p. 2):
É preciso estar atento ao fato de que as terras indígenas foram pertencentes aos diversos grupos étnicos, em razão da incidência de direito originário, isto é, direito precedente e superior a qualquer outro que, eventualmente, se possa ter constituído sobre o território dos índios. A demarcação das terras tem única e exclusivamente a função de criar uma delimitação espacial da titularidade indígena e de opô-la a terceiros. A demarcação não é constitutiva. Aquilo que constitui o direito indígena sobre as suas terras é a própria presença indígena e a vinculação dos índios a terra, cujo reconhecimento foi efetuado pela Constituição Brasileira.
Essa formulação seria coerente com o que Santo Filho (2008, p. 2) chama de
“tradição indigenista do direito luso-brasileiro” do indigenato, que, segundo ele, já estava
presente na legislação indigenista portuguesa para o Brasil e na constituição anterior
(1967), mas que somente na Constituição de 1988 veio a ser explicitado.
Isso pode ser explicado pelo fato de a constituição de 1967 e o estatuto do índio de
1973 (bem como boa parte da legislação indigenista anterior) terem sido redigidas sob a
66
égide de uma política indigenista que visava não somente a pacificação do índio e sua
fixação á terra, como também a integração do mesmo à “comunhão nacional” e a liberação
das terras por eles ocupadas. A condição indígena era transitória, dentro da doutrina
positivista e evolucionista da época, e deveria ser “gerenciada” pelo Estado para que a
“integração” se desse da forma mais “harmônica” possível. (LIMA. 1998; PERES, 2003).
A questão das relações interétnicas e da integração do índio na sociedade nacional
foi analisada por muitos estudiosos brasileiros durante o século XX (vide OLIVEIRA, 1972;
RIBEIRO, 1977; GALVÃO, 1979; OLIVEIRA, 1988), sob os mais variados prismas e
inseridas em contextos históricos diversos. Contudo, o ponto em comum entre essas teorias
é a admissão da desigualdade na relação entre os povos indígenas e a sociedade nacional.
Essa desigualdade ora é vista como um fator que pode levar á aculturação dos povos
indígenas (GALVÃO, 1979), á assimilação (OLIVEIRA, 1972) ou ainda apenas uma
integração imperfeita á sociedade nacional, na qual o índio, freqüentemente, se vê numa
posição subalterna na sociedade, sem nunca ser completamente aceito ou perder
totalmente seu diferencial étnico (RIBEIRO, 1977)6. O ponto em comum nessas teorias é a
noção de que o contato interétnico configura-se como um fator desestruturante das
sociedades indígenas. Desorganizam o modo de vida tradicional dessas sociedades e as
afasta de seu “estado original”. Essa visão é combatida por Oliveira (1988), que defende
uma metodologia que se afaste tanto do estruturalismo, quanto do evolucionismo
metodológicos, sem considerarmos as sociedades indígenas e a sociedade nacional como
entidades separadas e auto-explicativas. O contato em si já alteraria as configurações
originais e é a história dele, e seus efeitos, que deveria se analisado.
Essa breve digressão nos auxiliar a analisar que tipos de questões novas estarão
presentes no reestudo. Se na primeira demarcação o espírito legislativo da época apoiava a
tendência a uma atitude arbitrária por parte dos pesquisadores e dirigentes da FUNAI. No
contexto sociopolítico de 1993 essa opção está fora de cogitação. O texto constitucional, e
6 Ribeiro admite a assimilação individual, mas não a assimilação de toda uma sociedade.
67
as próprias mudanças teóricas na antropologia contemporânea, influenciaram no tipo de
abordagem do novo processo de identificação.
A própria noção de identificação e delimitação é uma novidade no processo de
demarcação. No processo anterior, conforme explicitado anteriormente, a demarcação da
terra estava condicionada as idéia de habitat e proteção da cultura indígena. Ou seja, o que
guiava a demarcação era o objetivo de reservar uma área que fosse o mínimo suficiente que
reproduzisse as condições necessárias para o desempenho das atividades conforme a sua
cultura. Os limites da cultura se identificavam com os limites do território. Sem levar em
conta a necessidade de garantir tanto a reprodução física, quanto cultural desses povos.
Sua historicidade e desenvolvimento.
Neste reestudo, contudo, a identificação atua como o princípio de um processo,
administrativamente definido, de demarcação que visa regulamentar um direito original, não
mais uma concessão. Para tanto, foi instituído um processo que compreende cinco fases:
identificação, delimitação, demarcação, homologação e registro7. Para cumprir a primeira
meta o GT vai a campo e ao final é elaborado um relatório circunstanciado.
Sobre a forma atual dos relatórios de identificação, diz Chaves (2005, p. 140): “O
relatório antropológico, em certo sentido, pode ser definido como textualização da ação e
deve ser argumentativo, na medida em que é uma peça técnica que precisa ser persuasiva,
de forma a comprovar a ocupação tradicional indígena da área composta”. (grifos nossos). Essa
característica dos relatórios pode ser verificada no relatório elaborado pelo GT 783, e os
relatórios posteriores, pois o trabalho do grupo técnico incluiu além da refutação de
argumentos contrários á demarcação (especialmente da Aracruz Celulose S.A), um resgate
da história da ocupação indígena na região e dos conflitos em torno dessa ocupação, além
de pronunciamentos diversos de atores locais sobre a pertinência ou não da redemarcação
das terras. Isso está inserido no que Chaves (2005, p. 140-141) chama de dialogia do
relatório.
7 Para a descrição dessas fases, ver CHAVES, 2005.
68
A dialogia está presente tanto na relação do antropólogo com os índios – que devem atuar não mais como simples ‘informantes’ do pesquisador, mas, sobretudo como interlocutores, para que a proposta de delimitação não seja exógena aos anseios e às necessidades daqueles que dela dependem – quanto na relação do antropólogo com o Estado nacional, na medida em que aquele argumenta textualmente sobre a pertinência da proposta apresentada, a qual deve ser discutida com os indígenas.
Um último ponto que merece destaque nessa questão é o papel do antropólogo. A
exigência de um antropólogo como coordenador do grupo técnico de identificação só foi
regulamentada em 1996, com o decreto 1.775/968 e a Portaria 14 do Ministério da Justiça,
(portanto posterior à elaboração do reestudo em análise), contudo, o desempenho desse
papel pelo profissional da antropologia já era comum antes disso. Chaves (2005, p. 141)
salienta que apesar do grupo técnico possuir uma composição multidisciplinar, incorporando
desde profissionais da área ambiental até técnicos fundiários e agrimensores, é papel do
antropólogo administrar os trabalhos. Dentro da hierarquia disciplinar do grupo, é o saber
antropológico que dará o tom do relatório, cabendo ás demais ciências o papel de auxiliares
na pesquisa. Isso explica porque é possível notar uma mudança no modo como os relatórios
são elaborados, que acompanha certas mudanças no fazer antropologia. (CHAVES, 2005).
E também é o motivo também pelo qual os relatórios de identificação da FUNAI são
tão criticados por aqueles que se opõem à demarcação de terras indígenas ou quilombolas
no Brasil. Os antropólogos atualmente são acusados de criar etnicidades em seus relatórios.
(CAMATA, 2007).
A qualidade do relatório do GT 783 não passou incólume a críticas. Em comunicação
do dia 20 de junho de 2006 a Aracruz afirma:
O grupo multidisciplinar criado pela Aracruz encontrou diversas fragilidades no laudo da FUNAI de 1994, como consulta deficiente a registros históricos; estudo admitido pela própria FUNAI como apenas superficial sobre o tema; falta de evidências da presença das comunidades indígenas tradicionais nas áreas pretendidas; desprezo pelas evidências de que os descendentes dos índios já estavam integrados na sociedade muito antes de a Aracruz ter adquirido as terras; ausência de testemunhos não índios; e foco quase que exclusivo de reivindicações em áreas de propriedade da Aracruz, que abrangeram 90% da área total demandada. Essas fragilidades podem ser explicadas pela constituição da equipe criada pela FUNAI para elaborar o laudo: incompleta e tendenciosa. (ARACRUZ, 2006, grifos nossos).
8 Apesar do Decreto 22/91 já prever a coordenação do GT por um antropólogo, o decreto 1.775 é o primeiro a qualificação em antropologia como requisito para a coordenação e a exigir um “relatório antropológico”.
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Para entendermos melhor essa questão passamos agora a nos basear no próprio
relatório para entender como se deu o processo de identificação descrito no mesmo,
destacando, quando possível, os pontos a que fazem referência as críticas acima.
O trabalho de identificação do GT 783 compreende o período de 30/08/1994 e
04/09/1995. Este estudo seguiu as diretrizes do Decreto 22 de 19919. As principais
características do procedimento administrativo definido por esse decreto eram: (1) Exigência
de identificação através de um GT, coordenado por um antropólogo, e a exigência de
realização de estudos “estudos etnohistóricos, sociológicos, cartográficos e fundiários”; (2)
Possibilidade de participação do grupo indígena “em todas as suas fases”; (3) Previsão de
emissão de portarias pelo Ministro da Justiça determinando demarcação. (4) Não previa a
contestação do relatório de demarcação10. (BRASIL, 1991).
O trabalho do GT se dividiu por três fases, o levantamento de documentos e
pesquisa histórica, o trabalho de campo e o levantamento fundiário. A reconstrução histórica
da ocupação da região e da presença Tupiniquim e Guarani em Aracruz contaram com
análise documental e com dados advindos do depoimento dos próprios índios, num trabalho
de resgate da história oral. Nesse ponto é importante destacar que o próprio redator do
relatório admite que a pesquisa historiográfica não pode ser realizada exaustivamente. Pois
o decreto presidencial, e conseqüentemente a portaria que instituiu o GT, previa realização
do estudo em 90 dias.
O GT faz também uma reconstrução bastante crítica do processo anterior que deu
origem á área homologada em 1983. Apresentando o modo como se deu a demarcação,
seus pontos obscuros e seus resultados. Realizou levantamentos demográficos e medições
do terreno. Demarcando as condições de vida e fundiárias de cada Terra indígena. Eles
também descrevem um ponto que nos parece importante destacar. A reivindicação inicial
dos tupiniquins fazia referência a terras dominiais (tipo de demarcação previsto no Estatuto
do índio e regulamentado no decreto 22/91 em seu artigo 6º), baseando-se em documentos
9 Este decreto só seria revogado em 1996 com a promulgação do Decreto 1.775. 10 Este princípio será inserido no processo com o decreto 1.775/96.
70
do século XIX11. Contudo a dificuldade de provar a afirmação levaram os pesquisadores do
GT a encaminharem o pedido de demarcação como demarcação por posse.
Essa opção é justificada pelos autores como um meio de cumprir as determinações
constitucionais que prescrevem a demarcação das terras indígenas tradicionalmente
ocupadas, adequadas a sua reprodução física e cultural. Na interpretação dos
pesquisadores a demarcação de 1983 não cumpria essa determinação. (FUNAI, 1995). O
decreto 22 previa a revisão das terras indígenas demarcadas com base em legislação
anterior (Art. 11). (BRASIL, 1991). E essa era, portanto, a base legal sob a qual se
assentava a opção dos pesquisadores. Opção que como podemos ler no trecho citado
acima, interpretada pela Aracruz como tendenciosidade.
Seguindo a tendência argumentativa, conforme apresentada por Chaves, o relatório
apresenta respostas aos principais argumentos da Aracruz Celulose, contrários ao reestudo
e redemarcação do território:
(1) Á afirmação de que a nova proposta contrariaria o artigo 6 do decreto 22 (Art. 6º
A demarcação das terras de domínio indígena, referidas no art. 32 da Lei nº
6.001, de 1973, será procedida com base nos respectivos títulos dominiais.), o
GT responde que essa afirmação seria improcedente, pois a proposta prevê a
posse e não o domínio das terras.
(2) Á afirmação de que as terras da Aracruz teriam sido adquiridas de forma regular
e sem danos a qualquer pessoa o GT responde que há indícios e relatos de
“pressão, coação e expulsão” na aquisição das terras.
(3) Á afirmação de que a demarcação traria graves efeitos sobre a Aracruz, o GT
reafirma sua função como a de “defender os direitos dos índios a uma
sobrevivência digna”.
Esse estudo resultou na recomendação da unificação das TI’s Caieiras Velhas e Pau
Brasil, com uma área de 14.270 ha, e a expansão da TI Comboios, com uma área de 3.800
ha, perfazendo assim 18.070 ha no total. (FUNAI, 1995). A FUNAI acolheu a recomendação
11 Conforme já explicitado no início deste capítulo.
71
do relatório e publicou o resumo no D.O encaminhando o processo para o ministro da
justiça.
O ministro da ocasião, Íris Resende, determinou diligência para analisar novamente o
caso, pois havia uma proposta anterior (do GT 565/E/79, já citado neste capítulo)
determinando uma área menor. Apesar do GT 783/94 ter ratificado a proposta apresentada,
a FUNAI criou um novo GT (Portaria 26/98 de 06 de janeiro de 1998). Este GT foi recusado
pelos índios, que demandavam a manutenção da proposta elaborada pelo GT anterior. A
FUNAI então criou novo GT (087/98) que acaba por corroborar a proposta do GT 783.
Paralelamente a Aracruz efetuava estudos para defender a tese de que as terras disponíveis
eram suficientes para a produção. Sem considerar as peculiaridades da cultura indígena.
Por fim, o fato que acaba por prolongar o conflito por mais 9 anos, o ministro da justiça edita
as portarias 193, 194 e 195 determinando a demarcação das terras conforme a proposta do
GT 565/E/79. Ou seja, ao invés de 18.070 ha as três terras indígenas passariam a ter 7.062
ha. Isto é, 2.571 ha mais em relação á área demarcada em 1983 e 11.008 ha a menos do
que a proposta do GT 783/94. (FUNAI, 2006). Essa redemarcação não encontra respaldo na
legislação da época ou na análise dos técnicos da FUNAI, foi uma decisão pessoal do
próprio ministro, que optou por ratificar uma proposta elaborada 19 anos antes e sob
princípios constitucionais já superados.
2.2.3 – O Acordo.
Essa situação reacendeu o conflito, pois os tupiniquins e Guaranis interpretaram as
portarias como uma negação do que eles entendiam como seus direitos. Diante desse
impasse a Aracruz Celulose propôs um acordo. Por esse acordo os índios reconheceriam os
termos das portarias em troca de contrapartidas financeiras e apóio técnico.
Basicamente os termos do acordo eram os seguintes:
1- Reconhecimento das portarias ministeriais e aumento de apenas 2.009 ha ás
terras indígenas;
72
2- Manutenção de parceria com o Núcleo Interinstitucional de Saúde Indígena do
Espírito Santo (NISI-ES), para promover projetos de desenvolvimento auto-
sustentável junto aos povos indígenas.
3- Ao logo de 20 anos a Aracruz contribuiria com a quantia de R$ 11.700.000,00 em
projetos na área social e de educação, saúde e habitação a serrem
desenvolvidos pela Associação Indígena Tupiniquim e Guarani (AITG) e a
Associação Indígena Tupiniquim de Comboios (AITC).
4- A Aracruz pagaria anualmente até U$ 170.000,00 em faturas de água e energia
elétrica.
5- Os índios passariam a integrar o “Programa de Fomento Florestal” da empresa,
cultivando eucaliptos em 2.571 ha.
6- A AITC receberia ainda mais 185 ha de terras cultiváveis, um trator, caminhão e
suplementos agrícolas.
O Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) foi assinado em 2 de abril de 1998 tendo
a intermediação do Ministério Público Federal. (ANDRADE, DIAS e QUINTELLA, 2001;
ARACRUZ, 1999).
Sobre esse instrumento jurídico, ele é classificado como um instrumento extrajudicial,
isto é, independe do reconhecimento pelo juiz de direito. O TAC foi instituído pela lei 7.347
de 1985 e teve sua redação alterada pela lei 8.078 de 11 de setembro de 1990. Essa lei
“confere aos órgãos públicos o poder de obter um compromisso de ajustamento de conduta
ás exigências legais daqueles que estejam atuando ou com a possibilidade de atuar em
descompasso com as regras transindividuais”. (ZUCARELLI, 2006).
Segundo Rodrigues (RODRIGUES, 2002 apud ZUCARELLI, 2006, p. 11), esse tipo
de ação teria como vantagens o fato de não estar sujeito á “demora intrínseca á atividade
judicial”, servir como uma ação de execução e ainda possuir o que ele chama de eficácia
simbólica. Isto é o reconhecimento por parte do transgressor que descumpriu um direito
fundamental.
73
Contudo, conforme aponta Zucarelli (2006, p. 14) o TAC pode assumir o papel de
“mecanismos flexibilizantes, que assumem um caráter paliativo e enfatizam reações ou
feedbacks de curto prazo”. Se transformando em “facilitadores de medidas imediatistas”.
Também destacamos a análise que Andrade, Dias e Quintella (2001, p. 14) fazem
desse TAC em específico:
A coexistência e a durabilidade deste novo equilíbrio entre os aspectos ofensivos das estratégias socioambientais e os seus aspectos defensivos somente serão possíveis através de um sistema contínuo de vigilância dos acordos tanto pela Aracruz, quanto pelos índios Tupiniquim e Guarani, como forma de manter adequadamente a regulação do conflito e a mediação dos interesses individuais com os interesses coletivos em jogo.
Mais ainda:
Os acordos são sempre transitórios e não eliminam totalmente os conflitos. Eles são resultados da interpenetração de distintas racionalidades em jogo á procura de um novo equilíbrio de forças. Os acordos fechados entre a Aracruz e os índios não resolvem e não resolverão, em definitivo, a disputa travada por terras. Eles somente inauguram um novo caminho marcado pela cooperação entre mundos diferentes num contexto de conflito de interesses. (ANDRADE, DIAS e QUINTELLA, 2001).
As previsões contidas na citação acima marcam a fragilidade do acordo erigido na
ocasião. A referência á análise de Zucarelli sobre os TACs foi para demonstrar como tais
acordos, movidos por uma lógica de curto prazo, acabam por atropelar as necessidades dos
atores envolvidos. Flexibilizando um direito constitucional o TAC de 1998 não atingiu os
objetivos propostos, nem encerrou o conflito. Se constituindo enquanto uma opção
governamental, calcada mais na lógica empresarial e na agricultura moderna, sem levar em
conta as necessidades e o modo de organização indígena, o acordo serviu apenas para
transplantar para a área Tupiniquim a produção da Aracruz. Visto que as terras recém
adquiridas foram utilizadas para plantar eucalipto. Os termos do acordo valorizavam mais o
aspecto econômico em detrimento dos demais. E beneficiou principalmente a empresa que
manteve a área produzindo matéria prima para sua fábrica de celulose.
A própria FUNAI reconhece isso em despacho de 2006 (p. 3) quando afirma que “os
projetos implantados demonstraram-se inadequados á realidade sócio-cultural dos índios,
fracassando no objetivo de promover a sua auto-sustentação”.
74
De fato, cerca de 4 anos depois, o acordo teve de ser renegociado. Já em setembro
de 1999 as comunidades de Caieiras Velhas e Pau Brasil exigiam a renegociação do
acordo. Acusações de má utilização dos recursos e argumentos economicistas marcaram a
defesa da Aracruz (ARACRUZ, 1999), enquanto os índios alegavam que o acordo os
prejudicava.
Em 4 de setembro de 2002 o acordo foi renegociado. Nessa ocasião foi firmado um
Termo Aditivo ao TAC na presença de representantes do Ministério Público Federal (MPF).
Segundo os termos do novo acordo, a Aracruz:
1- Elevaria em R$ 400.000,00 os recursos destinados a projetos de geração de
renda. Totalizando R$ 1.700.000,00 anuais de repasses.
2- Custearia 35 bolsas de estudo, por ano, para alunos indígenas em faculdades até
2018.
3- Apoiaria um programa para aumentar a empregabilidade dos membros da
comunidade.
4- Forneceria mudas e apoio técnico para reflorestamento de grotas e margens de
rios.
5- Faria um estudo de recuperação dos rios Sahy e Guaxindiba e ainda executaria
obras de recuperação até o limite de R$ 20.000,00, além de apresentar o projeto
completo a potenciais financiadores. (RBJA, 2002).
Como é possível verificar pelos termos do novo aditivo, a lógica do acordo
permanece a lógica de produção capitalista. Apesar dos projetos ambientais, em geral o
acordo pretende duas coisas (1) Inserir a comunidade indígena na lógica de produção
agrícola capitalista, com o incentivo a produção monocultora e intensiva. (2) Estimular a
inserção da comunidade no mercado de trabalho formal, através da qualificação para o
trabalho.
Essa lógica se afasta dos objetivos da demarcação de terras e o acordo nesse caso
assume o papel, apenas, de pacificador do conflito. Sem atingir o cerne da questão. Ou
seja, o exíguo espaço disponível para a reprodução da comunidade indígena dentro das
75
terras indígenas. E contrariando os dispositivos constitucionais que definem os objetivos das
deste tipo de demarcação, tanto as portarias ministeriais, quanto o TAC terminam por
chancelar um estado de coisas que se revelaria insustentável a longo prazo.
A relativa estabilidade alcançada pelo processo analisado até agora, não lograria
extinguir o conflito, pelo contrário, apenas o manteve latente por 3 anos. Em 2005, o
confronto entre os dois lados tornaria a ocorrer e, dessa vez, sem tréguas até a resolução
final. É esse processo que passamos a analisar no próximo subcapítulo.
76
2.3. 2005 a 2007: A retomada do conflito.
Dadas as fragilidades e inconsistências do processo demarcatório e do acordo
analisados acima, a retomada do conflito não era inesperada. Esta veio a ser ocorrer a partir
de fevereiro de 2005. Sete anos após a estabilidade do conflito conseguida pelo acordo.
De uma forma geral podemos dizer que o ano de 2005 marcou uma nova fase no
conflito. Não apenas por dar início a uma terceira fase manifesta do mesmo. (LITTLE, 2004),
como também pelas características assumidas pelas mobilizações, articulações e
estratégias indígenas desde então.
Seria leviandade afirmar que as comunidades indígenas de Aracruz não haviam
recebido apoio nos processos anteriores. Especialmente no processo de 1993, podemos
verificar a articulação com entidades ligadas igreja católica, como o CIMI, que assessorou
os índios e os orientou durante todo o processo de identificação, e outras entidades da
sociedade civil que apoiaram a proposta de reestudo (CIMI, 1993; FUNAI, 1995). Contudo, o
que se verificou nesta nova fase do conflito foi um alargamento das articulações e uma nova
dimensão do conflito. Deixando de ser uma questão local, para se tornar uma preocupação
nacional. Que irá receber o apoio de entidades de todo o país através das redes de
movimentos sociais e de articulações nacionais.
Isso também se reflete nas estratégias de mobilização e pressão utilizadas pelos
grupos. O fechamento de estradas, a ocupação de terras, as manifestações, se aliam aos
manifestos, ás cartas-denúncia, ás moções, ás viagens á Brasília, audiências públicas, auto-
demarcações e outras estratégias de pressão política e de luta simbólica.
A multiplicidade de alianças e de estratégias não é uma peculiaridade deste conflito.
A tendência do associativismo local contemporâneo tem sido as articulações inter-
organizacionais, como forma de promover mobilizações na esfera pública. Que buscariam:
Transcendê-los por meios de grandes manifestações em pra pública, incluindo a participação de simpatizantes, com a finalidade de produzir visibilidade através da mídia e efeitos simbólicos para os próprios manifestantes e para a sociedade em geral, como forma de pressão política das mais expressivas no espaço público contemporâneo. (SCHERER-WARREN, 2006).
77
Essas articulações são interpretadas por alguns autores como uma reação ás
conseqüências negativas da globalização corporativa. Seria uma estratégia que basearia
suas ações no aproveitamento das mesmas ferramentas desenvolvidas e utilizadas pelas
grandes corporações para a expansão do capital, ou seja, o uso das novas tecnologias de
informação e comunicação. Como a internet e a comunicação via satélite. Uma apropriação
das “bases materiais que sustentam as ações das empresas globalizadas (...) [que] podem
servir a outros objetivos, desde que colocados a serviço de uma outra consciência e
fundamento, como as redes em construção pelos movimentos sociais”. (SIQUEIRA,
CASTRO e ARAÚJO, 2003).
Essas reflexões são importantes para a análise do que se segue, pois sem essas
noções não se pode perceber que longe de ser um simples conflito pela posse de terras, o
conflito entre a Aracruz e os índios adquiriu as características de um verdadeiro conflito de
construções do mundo. No apenas no que diz respeito ao contraste entre a visão indígena e
a ocidental do mundo e da natureza, mas também entre formas e apropriação e exploração
dos recursos naturais. Não estava mais em jogo “apenas” o atendimento da reivindicação
indígena ou não; Ou se o processo demarcatório atendia ou não as exigências legais ou os
princípios constitucionais. Mas, o conflito adquiriu a conotação de uma luta por direitos.
Direito indígena á diferença. Direito ao atendimento de suas necessidades ambientais;
Direito difuso a um meio ambiente equilibrado12 ou, alternativamente, pela manutenção do
direito á propriedade privada13, entre outros.
É a essa multiplicidade de ações e significados que tentaremos dar conta na análise
que se segue. Obviamente que qualquer análise desse tipo nunca irá dar conta dos
múltiplos sentidos de um conflito socioambiental. Mas, tentaremos, na medida do possível,
destacá-los.
12 A demarcação de das terras indígenas era interpretada por algumas entidades ambientalistas como uma vitória sobre a monocultura de eucaliptos e a oportunidade de recomposição da mata nativa e preservação da que ainda existia. 13 A Aracruz e outras entidades a ela relacionadas interpretavam a demarcação como uma afronta ao direito da propriedade privada e um processo de expropriação das terras da empresa.
78
2.3.1 – O rompimento do acordo.
Em nota divulgada em 28 de fevereiro de 2005, os índios Tupiniquim e Guarani,
afirma que a decisão de retomar suas terras teve origem em Assembléia Geral dos Povos
Tupinikim e Guarani do dia 19 de fevereiro do mesmo ano. Participaram da assembléia
cerca de 350 índios, de todas as aldeias da região. Nessa nota é possível destacar alguns
elementos interessantes, que explicitam a posição dos índios e o modo como eles
reconstroem o conflito.
O primeiro ponto que se pode verificar na nota é um tom nostálgico quando se
compara a vida na aldeia antes e depois da chegada da Aracruz. No qual à liberdade de
ação do período anterior se opõe a dependência da situação atual.
Antigamente (...) vivíamos bem, caçando, pescando e plantando nossas roças de feijão, milho e mandioca. Não dependíamos de ninguém, vivíamos de nossa terra e tínhamos nossa liberdade. Com a chegada da Aracruz Celulose, perdemos nossas terras, nossas matas e nossos rios. Aos poucos, fomos empobrecidos e ficamos “prisioneiros” do projeto da Aracruz. (ASSEMBLÉIA GERAL DOS POVOS TUPINIKIM E GUARANI, 2005, grifos nossos).
A seguir, o acordo de 1998 é denunciado. É importante destacar como a denúncia é
feita coletivamente, num processo de construção de um discurso político muito similar aos
utilizados pelas comunidades não-indígenas, o debate. Desse modo podemos verificar como
não só as formas de organização e mobilização da sociedade nacional são incorporadas
pelo associativismo indígena, como também suas estratégias de tomada de decisão e até
mesmo a linguagem e o discurso presente nos textos legais. Diz a nota:
Hoje, depois de muitos debates nas nossas comunidades, chegamos à conclusão que o Acordo com a Aracruz não conseguiu resolver nossos problemas, ao contrário, tem nos causado ainda mais dificuldades, gerando dependência econômica, divisão entre as aldeias e enfraquecendo nossa cultura. A morte de nossa cultura é a morte simbólica do nosso povo.
(...)
Por tudo isso, decidimos, por unanimidade, nesta Assembléia Indígena, lutar pela retomada de nossas terras, hoje ocupadas pela Aracruz Celulose. A luta pela terra, que é também a luta pela sobrevivência física e cultural dos Tupinikim e Guarani, será, daqui para frente, nosso principal objetivo e não descansaremos até conseguirmos recuperar integralmente nossas terras. (ASSEMBLÉIA GERAL DOS POVOS TUPINIKIM E GUARANI, 2005, grifos nossos).
79
Essa assembléia teve resultados práticos imediatos. Á retomada do conflito se
seguiu duas ações. Num primeiro momento os índios acionaram a Procuradoria Geral da
República no Estado, que em 31 de março do mesmo ano instaurou o inquérito
1.17.000.385/2005-75 “para apurar irregularidades no processo de demarcação e
homologação das terras Tupiniquim e Guarani no Espírito Santo”. Além disso, em 17 de
maio de 2005 os índios, com o apóio de diversas entidades da região e do Movimento dos
Pequenos Agricultores (MPA) iniciou um processo de autodemarcação das terras pleiteada,
além de encaminharem ao ministro da justiça da ocasião, Márcio Thomaz Bastos, uma carta
aberta expondo suas reivindicações e criticando o processo de demarcação de 1998 e o
acordo firmado em maio daquele ano. No texto da carta as portarias ministeriais são
caracterizadas como inconstitucionais e o acordo como ilegal e fruto de violência e pressão
política. (COMISSÃO DE CACIQUES TUPINIKIM E GUARANI DO ESPÍRITO SANTO, 2005;
FUNAI, 2006).
Como resultado dessas ações, a Procuradoria Geral do Estado acabou por confirmar
irregularidades no processo, expedindo para o Presidente da República, Luiz Inácio Lula da
Silva, e o ministro da justiça uma Recomendação para que fosse decretada a nulidade das
portarias demarcatórias do Ministério da Justiça e os decretos homologatórios e que se
confirmasse as conclusões dos GT 783/94 e 087/98 pela demarcação dos 18.070 ha (ou
seja, dos 11.000 ha ainda não demarcados) para as terras indígenas. Por isso, a FUNAI em
04 de novembro do mesmo ano, criou pela portaria 1.299 um novo GT para “proceder a
atualização fundiária dos dados, especialmente aqueles relativos ao levantamento
demográfico e fundiário”, que acabou por confirmar, em fevereiro de 2006, as conclusões do
GT de 1994 e recomendar a demarcação dos 11.000 ha restantes. (FUNAI, 2006).
Esses eventos são apresentados pela Aracruz Celulose como uma invasão de terras
que visava pressionar o Estado e que resultaram na elaboração de um relatório que
extrapolando suas competências acabou por “fazer um reestudo do laudo emitido em 1994,
que, ao invés de suprir as suas deficiências técnicas, acaba por perpetuar as aberrações do
antigo relatório”. (ARACRUZ, 2006).
80
Desses episódios é possível destacar alguns aspectos relevantes do conflito. O
primeiro deles é como o rompimento do acordo resulta de um processo de reorganização
interna dos índios com um processo de articulação externa.
Em 1998, quando foi firmado o acordo os índios tupiniquins e Guarani estavam
organizados em duas Associações que compreendiam as TI Caieiras Velhas e Pau Brasil
em uma delas e a TI Comboios em outra14. A partir da Assembléia Geral de 2005, as cartas
e outros documentos emitidos pelos índios já são assinadas coletivamente, por uma
Comissão de Caciques. Isso denota uma opção por uma identidade coletiva mais forte,
como forma de demonstrar a unidade do movimento. Uma estratégia na luta simbólica por
legitimação de sua demanda e para a afirmação identitárias do grupo.
Como fizemos referência no primeiro capítulo, os conflitos socioambientais são
caracterizados tanto pela disputa pelos recursos materiais e sua forma de apropriação
(terra para plantar eucalipto ou para reprodução social?), quanto disputa por recursos
simbólicos e pela imposição de “categorias que legitimam ou deslegitimam a distribuição de
poder sobre os distintos tipos de capital” (invasão ou ocupação?). (ACSELRAD, 2004b).
Portanto, as estratégias de disputa simbólicas são tão ou mais importantes neste
conflito quanto o acesso ás arenas decisórias e a disputa política. Pois, irão determinar as
possibilidades de apoio e a legitimidade das demandas de cada um dos atores num
contexto social marcado pelo que alguns autores chamam de crise da modernidade. Isto é,
marcado pelo questionamento dos conceitos de modernidade e desenvolvimento. (BRITO e
RIBEIRO, 2003).
Num quadro assim, o questionamento da legitimidade das aquisições de terras da
empresa e do papel social da mesma no estado se tornam questionamentos concomitantes.
Para a Aracruz, a perdas das terras significariam mais do que um impacto em sua cadeia de
produção, seria a negação da imagem de empresa social e ambientalmente responsável
que seu departamento de marketing tanto trabalha para consolidar. Teria impacto tanto
econômico, quanto simbólico.
14
Associação Indígena Tupiniquim e Guarani (AITG) e Associação Indígena Tupiniquim de Comboios (AITC) respectivamente.
81
O segundo ponto diz respeito á diversidade das ações empregadas, nesse momento,
pelos índios. Ao mesmo tempo em que procuram legitimidade para sua demanda através do
acionamento de instâncias oficiais encarregadas da defesa de seus direitos (FUNAI e MPF),
eles se articulam com outras entidades para executar ações extra-oficiais, mas carregadas
de carga simbólica, como a autodemarcação.
A autodemarcação não é uma novidade. Segundo Neves (2004, p. 12) a primeira
autodemarcação que se tem registro aconteceu no Acre, na região do Alto Purus, pelos
índios kulina. Ela teria ocorrido por um entendimento dos índios que o Estado estava sendo
inoperante e omisso no cumprimento de suas obrigações constitucionais. Na ocasião, isto
foi realizado através da abertura de picadas na mata e fixação de marcos e placas
improvisadas por eles. O autor destaca que apesar de não reconhecida pelo Estado, a
autodemarcação kulina teve efeitos imediatos, pois “serviram para afirmar seu direito
territorial junto à população local regional, que passou a não invadir a área como até então
fazia”. Constituindo assim como uma demarcação não-oficial, mas de fato e de direito. Dois
anos depois a FUNAI oficializou a demarcação dentro dos marcos kulina. Esse processo
teria servido não apenas para marcar um território físico, mas poderíamos dizer que marcou
também um espaço social. Diz Neves (2004, p. 13):
A demarcação kulina funcionou ao mesmo tempo como procedimento e afirmação de direitos sobre as terras ocupadas e como processo de afirmação da auto-estima kulina no contexto das relações inter-étnicas. É incontestável que o respeito aos povos indígenas cresceu significativamente no seio da população urbana e rural da região, devido à coragem e à capacidade que os kulina demonstraram ao tomar pra si a responsabilidade de demarcar suas próprias terras.
Nesse sentido a autodemarcação adquire tanto caráter de artefato técnico, quanto
político e simbólico.
O terceiro ponto que destacamos é as articulações políticas e sociais que
envolveram a autodemarcação. Não apenas os índios tomaram parte dela, como
paralelamente foi realizado manifestações e campanhas em apoio ao evento. 400 pequenos
agricultores ligados ao Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), junto com outras
entidades, movimentos e igrejas realizaram manifestações em frente á fábrica da Aracruz
82
celulose. Além disso, a Rede Alerta Contra o Deserto Verde (rede ambientalista, sediada na
FASE-ES15, formada por mais de 100 entidades que se propõem a lutar contra a expansão
da monocultura do eucalipto em diversos estados, em especial no Espírito Santo, Bahia,
Minas Gerais e Rio de Janeiro) e o Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH)
iniciaram uma campanha pela demarcação e contra possíveis impedimentos á
autodemarcação16 e o conflito direto ou violência. (COMISSÃO DE CACIQUES TUPINIKIM
E GUARANI DO ESPÍRITO SANTO, 2005; REDE ALERTA CONTRA O DESERTO VERDE,
2005a e 2005b).
Ao analisar as características das redes de movimentos sociais, Scherer-Warren
constrói uma perspectiva que nos possibilita entender como a autodemarcação de uma terra
indígena pode articular movimentos com objetivos distintos, quanto o movimento indígena, o
movimento ambientalista e o movimento de pequenos agricultores (á primeira vista com
interesses conflitantes).
Segundo a autora, (2006, p. 113-115) os diversos tipos de movimentos localizados
ou setorizados (como o associativismo local, ongs, sindicatos e movimentos sociais de
base) se articulam “a fim de ganhar visibilidade, produzir impacto na esfera pública e obter
conquistas para a cidadania. Nesse processo articulatório, atribuem, portanto, legitimidade
ás esferas de mediação entre os movimentos localizados e o Estado (...) e buscam
construir redes de movimento com relativa autonomia”. Como conseqüência, “As redes (...)
aproximam atores sociais diversificados – dos níveis locais aos mais globais, de diferentes
tipos de organizações-, e possibilitam o diálogo da diversidade de interesses e valores”.
Diálogo e articulação pressupõem um entendimento. Pautas ou pontos em comum.
Se a teoria de Scherer-Warren nos possibilita entender as motivações e as vantagens
adquiridas nessa articulação. Ainda não explica qual seria o ponto de apoio para a
construção da articulação. Uma frase do documento da Comissão de caciques nos aponta
15 Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional do Espírito Santo (FASE ES). 16 A campanha incluía o envio de cartas á Justiça Federal e á Polícia Federal tentando evitar que a ação desses órgãos impedisse a autodemarcação.
83
uma pista. Neste documento, a Aracruz Celulose é caracterizada como “símbolo do
agronegócio e do latifúndio no Espírito Santo e violadora dos direitos indígenas”.
Tal frase abre a possibilidade de a empresa ser caracterizada como adversário em
potencial dos três movimentos simultaneamente. Como símbolo do agronegócio e do
latifúndio a Aracruz Celulose representa tanto uma lógica de produção social e
ambientalmente impactante combatida pela rede ambientalista17, quanto se opõe á proposta
de reforma na estrutura fundiária brasileira, defendida pelo MPA e ao violar os direitos
indígenas ela se coloca como adversária do movimento indígena e de todos aqueles que
defendem os direitos humanos. A indivisibilidade dos direitos humanos é uma posição
defendida por entidades voltadas para sua defesa e refletem o que Scherer-Warren chama
de transversalidade dos direitos, ou seja, a inter-relação entre os vários direitos sociais na
luta pela cidadania.
Para ilustrar essas afirmações, citamos uma nota da Rede Alerta Contra o Deserto
Verde, do dia 22 de maio, data da conclusão da autodemarcação, na qual a entidade afirma:
Essa não é uma vitória apenas os povos indígenas, mas de todos aqueles que têm apostado e apoiado essa luta, é uma vitória daqueles que acreditam que é possível um mundo diferente desse imposto pelo poder econômico expressado com muita competência pela Empresa Aracruz Celulose. (REDE ALERTA CONTRA O DESERTO VERDE, 2005b, grifos nossos).
Entretanto, se os movimentos sociais, e os povos indígenas, têm nas articulações, e
na mobilização pública, uma ferramenta para trazer visibilidade á suas demandas e alcançar
seus objetivos, a Aracruz Celulose optou pela instância judiciária. Através da ação de
reintegração de posse 2005.50.01.004524-1, a empresa consegue liminar da Justiça
Federal determinando a saída dos índios da área, inclusive com o uso da Polícia Federal, se
necessário. Opção que foi suspensa no dia 20 de maio pela própria Justiça Federal “a fim de
que se busque a retirada pacífica dos invasores”. (REDE ALERTA CONTRA O DESERTO
VERDE, 2005b; ARACRUZ, 2005ª, 2005b).
17 Há uma extensa bibliografia sobre os impactos ambientais e sociais da monocultura do eucalipto e do agronegócio. A guisa de introdução, sugiro a leitura de SANTOS e SILVA, 2004 e ASSIS e ZUCARELLI, 2007.
84
O que nos leva a uma importante questão. Como explicar que a Justiça Federal
tenha dado uma resposta tão diversa dos demais órgãos governamentais em relação a um
mesmo conflito? A uma mesma demanda? Como compatibilizar a denúncia do Ministério
Público das irregularidades do processo demarcatório e sua recomendação de revogação
das portarias de delimitação e homologação, que posteriormente seria acatada pela FUNAI,
e o atendimento da ação de reintegração de posse da Aracruz, que demandava a mesma
área?
Em primeiro lugar, é preciso entender que tanto entre os diversos poderes da
república, quanto às diversas agências de cada poder, não existe um entendimento único
sobre os princípios e políticas envolvidos nos conflitos socioambientais. Analisando a gestão
ambiental em Belo Horizonte e os conflitos ocasionados por essa gestão, Costa e Braga
(2004, p. 204-205) já apontavam as contradições existentes entre as diretrizes e políticas
seguidas pelas tanto diversas agências governamentais encarregadas da gestão ambiental
do município mineiro, quanto pelos diversos níveis de governo e poderes. O que significa
que quando analisamos o papel do Estado nos conflitos socioambientais, forçosamente
temos que lidar com as contradições próprias da burocracia e do funcionamento estatal.
Ambigüidade, sobreposição de competências, legislações e políticas contraditórias,
posicionamentos diversos, descontinuidades estão no caminho daqueles que analisam ou
demandam ao Estado.
Em segundo lugar, os direitos coletivos ou metaindividuais são uma inovação dentro
do direito brasileiro. Arantes (1999, p. 87) caracteriza nosso direito tradicional como de
matriz liberal clássica. Separando Estado e sociedade, o que é público e privado. E os
conflitos nessa matriz se dão entre os direitos individuais de partes bem determinadas. O
direito público protege e media a relação entre o indivíduo e o Estado. E o direito privado
media os conflitos dos indivíduos entre si (sejam pessoas físicas ou jurídicas). Contudo os
conflitos socioambientais, e outros conflitos em torno de direitos difusos, colocam as partes
conflitantes em disputa por direitos que a rigor não pode ser plenamente caracterizados
85
como com nenhum indivíduo. Outras vezes, como no presente caso, colocam em disputa os
direitos coletivos de um grupo e os direitos privados de um indivíduo ou uma pessoa
jurídica. Essa situação acaba por trazer para a esfera do direito os conflitos presentes na
sociedade. E propicia a politização das causas. Nesse cenário tão nebuloso, a
discricionariedade do Judiciário e do Ministério Público acaba se tornando o princípio
predominante.
Outro ponto que merece destaque nessa análise é a perene, e não resolvida,
questão da legitimidade desse tipo de ação em processos que envolvem a posse de terras e
o direito à propriedade. Analisando os resultados de ações de reintegração de posse no Rio
de Janeiro, derivadas de ocupações de terras realizadas pelo MST no estado, Mariana
Quintans verifica uma dubiedade nas decisões judiciais. Diz a autora:
As decisões judiciais prolatadas nos conflitos fundiários envolvendo o movimento Sem Terra apresentam diferentes conteúdos: algumas criminalizam as ocupações coletivas realizadas pelos sem-terra, outras as consideram como forma legítima de pressão popular; umas entendem o direito de propriedade como absoluto e intocável, em outras a propriedade é compreendida a partir do princípio da função social. (QUINTANS, 2005).
A autora destaca que a primeira tendência é hegemônica sobre a segunda. Ou seja,
predomina, ainda hoje, na magistratura brasileira, uma tendência à interpretar o direito de
propriedade da terra como um direito absoluto. Em detrimento de outras possibilidades de
interpretação de uma ação de reintegração de posse. Esse fato, aliado aos dois pontos
destacados anteriormente, guardados as especificidades de cada caso, pode indicar o
motivo de a demanda indígena ter encontrado oposição no judiciário durante vários
momentos do conflito.
Esta digressão tencionou analisar o motivo pelo qual a resposta do poder judiciário
possuía um entendimento distinto das demais instâncias do Estado acionadas nesse
momento. Tal análise é importante, pois trás á luz aspectos que são inerentes a esse tipo de
conflito, em especial as contradições e ambigüidades das decisões das diversas agências e
instâncias estatais envolvidas. Porém, o resultado da ação de reintegração de posse não foi
cumprido imediatamente. A desocupação das terras autodemarcadas só viria a ocorrer
86
cerca de oito meses depois. Processo que apresenta novos elementos que serão
importantes para composição de nossa análise do papel do estado no conflito e que
passamos a analisar a seguir.
2.3.2 – Violência, destruição, desocupação e prisões: A outra face da ação estatal.
A suspensão da execução da ação de reintegração de posse pela Justiça Federal foi
interpretada pelos movimentos sociais como uma vitória da articulação em torno da
autodemarcação. (Como demonstra a citação anterior da Rede Alerta Contra o Deserto
Verde). Terminada a autodemarcação, os índios iniciaram a reconstrução das antigas
aldeias18. A primeira a ser reconstruída foi Araribá. Paralelamente á reconstrução da aldeia
os índios iniciaram a plantação de “alimentos e árvores nativas”. Além disso, a Rede Alerta
realizou no dia 02 de junho de 2005, uma marcha em apóio demarcação. (REDE ALERTA
CONTRA O DESERTO VERDE, 2005c).
Essas ações denotam o claro objetivo por parte dos índios de firmar sua posição de
permanecer na área. Também tem um caráter simbólico. Já que simultaneamente á
reconstrução da aldeia, ocorre a recomposição do meio ambiente original. Com a derrubada
do eucalipto e a plantação de árvores da região. Esse processo pode ser analisado como
uma tentativa de afirmação identitária por parte dos índios. Que na medida em reconstroem
seu meio ambiente, degradado pela exploração intensiva da empresa monocultora, e suas
aldeias. Reafirmam, por contraste, a legitimidade de suas demandas, a sustentabilidade de
sua ocupação e a sua ligação cultural com o meio ambiente. Nesse sentido, meio ambiente
e cultura se interpolam para se transformar num artefato simbólico de afirmação de
legitimidade num contexto social marcado pela ambientalização dos discursos e projetos19 e
de revalorização da diversidade cultural.
Apesar de não usarem esse termo, as ações dos índios se aproximam do que
Parajuli (2006, p. 100) chama de diversidade biocultural. Isto é, a biodiversidade como
18 Segundo o relatório de reestudo da FUNAI (1994) havia na região cerca de 21 aldeias tupiniquins e 1 aldeia Guarani. No momento da automarcação, estavam reduzidas a apenas 8. Incluindo as aldeias Guaranis de Boa Esperança e Três Palmeiras. 19
Processo discutido no primeiro capítulo.
87
resultado da ação humana culturalmente intermediada. O contraste entre a aparente aridez
da monocultura de eucalipto20, e a diversidade da proposta indígena de recomposição da
mata nativa, tornam a ação visual e simbolicamente efetiva.
As ações visando à regularização da área não se restringem a arena das disputas
simbólicas. Também é uma disputa política e, portanto, ocorre paralelamente nas arenas
oficiais de decisão. A morosidade da resposta do ministro da justiça, os índios e suas
entidades de apoio se articulam para a promoção de uma audiência pública na Comissão de
Direitos Humanos da Câmara dos Deputados. Essa ação imprime sobre o ministro grande
carga de pressão política, pois a comissão é uma das arenas legítimas para discussão do
tema e pode convocá-lo. Essa ação também significa trazer para a arena pública, a nível
nacional, um debate que de outra forma ficaria restrito ás discussões locais, a arena
administrativa do executivo ou nas ações do judiciário, ou entre as partes envolvidas e seus
aliados. Assim, o legislativo federal toma parte em um processo que a rigor não estaria em
sua alçada, mas que devido ao aspecto político da questão, torna-se um novo fator
complicador ou uma nova arena de disputa.
Dentro do direito a audiência pública é vista como “um instrumento que leva a uma
decisão política ou legal com legitimidade e transparência” (SOARES, 2002). Segundo esta
autora “Cuida-se de uma instância no processo de tomada da decisão administrativa ou
legislativa, através da qual a autoridade competente abre espaço para que todas as
pessoas que possam sofrer os reflexos dessa decisão tenham oportunidade de se
manifestar antes do desfecho do processo”. O que pressupõe “condições de igualdade” para
cada interessado possa expor suas posições sobre o processo administrativo.
Contudo, nesse caso a audiência pública se caracterizou antes por um artefato
político do que uma consulta administrativa. Como deixa claro a fala da presidente da
Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara dos Deputados, Iriny Lopes,
por ocasião do requerimento da audiência:
20
Também chamado de Deserto Verde por militantes ambientalistas.
88
Esse conflito de posse da terra vem produzindo sérios danos aos tupiniquins e Guaranis. Essas comunidades lutam há anos para reaver as terras que, tradicionalmente, ocupavam e que lhe foram tomadas. Hoje, se ressentem da falta de espaço para produzir e sobreviver com dignidade.
(...)
É no sentido de evitar uma crise maior que estamos realizando a audiência. Queremos uma solução para esse impasse. (COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS E MINORIAS, 2005, grifos nossos).
Pressão política, autodemarcação, marchas, manifestações, audiências públicas,
recomendações do MPF, nada disso parece ter sido suficiente para sensibilizar o ministro da
justiça a agilizar o processo de demarcação ou a emitir portaria solicitado diligências.
Dado o impasse, a estratégia indígena para pressionar o ministro da justiça, exigindo
“urgência na expedição da portaria demarcatória” e também “a vinda do presidente da
FUNAI, Mércio Pereira Gomes, para definir (...) prazos e o cronograma de retirada da
empresa”, foi a ocupação da o complexo de fábricas da Aracruz Celulose no município em
06 de Outubro de 2005. Ou seja, quase cinco meses depois da autodemarcação o impasse
ainda permanecia. A ação teve participação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra (MST). (COMISSÃO DE CACIQUES E LIDERANÇAS TUPINIKIM E GUARANI,
2005b).
A Aracruz mais uma vez buscou e avia judiciária e conseguiu liminar favorável á
desocupação. Os 150 índios que ocupavam a empresa saíram da fábrica 32 horas depois
de iniciado o ato. Interpretado pela empresa como “uma agressão á propriedade privada e
um desafio ao estado de direito”. Também “uma agressão direta não só a empresa, mas a
todo o setor produtivo nacional, prejudicando a imagem do país no exterior e fomentando o
desrespeito ás leis e instituições’. (ARACRUZ, 2005c).
É importante destacar três pontos nesse episódio. (1) O acirramento das tensões
entre as comunidades indígenas e a empresa devido a morosidade do Ministério da Justiça
em se pronunciar sobre o caso. (2) A presença, e o uso de estratégias de ação, do MST na
ocupação. Isso denota que mais do que apenas articulação visando atingir objetivos
89
determinados, o intercâmbio entre os movimentos sociais significa também um intercâmbio
de estratégias políticas e modos de agir. (3) A recorrência, no âmbito discursivo, da
oposição entre o direito coletivo dos índios e o direito privado da empresa. Nesse caso, cada
ator dialoga diretamente com o órgão estatal que considera mais sensível a seus
argumentos e sua tese. A empresa recorre ao judiciário, enquanto os índios interpelam a
FUNAI e o Ministério da Justiça. Mas, ambos objetivam conseguir decisões favoráveis as
suas demandas.
De certa forma, ambos conseguiram o que queriam. Mas nenhum deles conseguiu
tudo o que queriam. A Aracruz conseguiu da justiça uma liminar determinando a
desocupação do complexo fabril. Enquanto os índios conseguiram uma audiência com o
presidente da FUNAI, Mércio Pereira Gomes e um assessor especial do Ministério da
Justiça, Marcelo Behar. Dessa audiência não resultou nada de concreto para os índios em
termos de definição do cronograma de demarcação exigido, mas abriu um canal de
negociação com o Governo Federal. Apesar da insatisfação dos índios, que “enfatizaram
que, mais uma vez, estavam enganados pela FUNAI e pelo Governo Federal”, ficou
acordado que uma comissão de caciques e lideranças iria a Brasília se reunir com “o corpo
jurídico do Governo Federal” para “definir as medidas necessárias para a edição, com a
maior celeridade possível, de nova portaria de demarcação dos 11.009 hectares
reivindicados pelos índios”. (ARACRUZ, 2005c; REDE ALERTA CONTRA O DESERTO
VERDE, 2005e).
No dia 07 de dezembro de 2005, a Justiça Federal determinaria emitiria um mandado
de reintegração de posse em favor da Aracruz, sobre as terras ocupadas. Este mandado
traria a face mais perversa da ação estatal ao conflito. O uso da força.
Se até agora, a ação estatal tinha se caracterizado pela arbitrariedade, ambigüidade,
morosidade e pela hesitação. No dia 20 de janeiro de 2006, data da execução da operação
pela Polícia Federal, os índios se viram sob fogo cerrado de 120 policiais federais do
Comando de Operações Táticas (COT) de Brasília.
90
Inicialmente a cobertura jornalística sobre a operação não indicava confronto direto
entre os índios e a Polícia Federal, até as 11h21min do dia 20, a edição on line do Jornal A
Gazeta informava que “não há registro de conflitos entre índios e policiais”, novo boletim do
mesmo jornal ás 12h47min já apresentava denúncias não confirmadas de “entidades ligadas
à causa indígena” que teria havido confronto entre índios e policiais. Foi somente ás
14h51min que veio a confirmação de que pelo menos nove índios haviam ficado feridos em
confrontos com a polícia. Além disso, os agentes da Polícia Federal teriam colocado fogo
nas aldeias construídas no local. (A GAZETA ONLINE, 2006, 2006b, 2006c).
Menos cauteloso, o Jornal Século Diário foi enfático em acusar o presidente Luis
Inácio Lula da Silva e o ministro Márcio Thomaz Bastos de ordenarem e organizarem a
operação que resultou em violência contra os índios. Este jornal apresentava um número
diferente de feridos, um impreciso “mais de 10”, informa também que um cacique foi ferido
na cabeça e teve de ser hospitalizado. Segundo o jornal, os chefes do posto indígena da
FUNAI foram detidos e mantidos incomunicáveis durante a operação. Não teria havido
negociação com os índios, alguns teriam sido espancados e pelo menos dois deles teriam
sido detidos.
A operação recebeu críticas do Ministério Público Federal, ongs, organizações de
defesa dos direitos humanos e de membros da Assembléia Legislativa do Estado do Espírito
Santo (ALEES). A Rede Alerta Contra o Deserto Verde foi mais longe e considerou o ato
ilegal. A FUNAI também criticou a ação, caracterizada de truculenta. (SECULO DIÁRIO,
2006, 2006b, 2006c, 2006d, 2006e).
Essa operação nos permite fazer duas importantes observações. (1) Destacar a
aparente contradição entre a eficiência demonstrada para cumprir a liminar judicial e destruir
as aldeias tupiniquins e a morosidade para atender a recomendação do Ministério Público e
as demandas indígenas. Essa diferença de celeridade pode sugerir duas coisas. Na pior das
hipóteses o desprezo do executivo federal pelas evidências de irregularidades nas portarias
demarcatórias de 1998, e uma opção pela postergação do conflito. Ou, numa análise mais
cautelosa, os impactos do atual procedimento administrativo de demarcação de terras sobre
91
a ação estatal. Ou seja, ao trazer o princípio do contraditório para dentro do rito
administrativo, o decreto 1.775/96 possibilitou esse estado de coisas em que um processo
de demarcação pode ser constantemente adiado e revisto.
Até agora temos analisado todos os lances do conflito dentro a partir da retomada do
mesmo em 2005. O que se segue á operação da PF é o reconhecimento por parte da
FUNAI, a partir de um novo relatório de identificação e de publicação de despacho do
presidente da mesma, da legitimidade da reivindicação indígena de posse das terras. Mais
uma vez um GT reconheceu o direito dos tupiniquins e Guaranis sobre os 11.005 ha
disputados. (FUNAI, 2006). Além da contestação do parecer por parte da Aracruz Celulose
(AGÊNCIA BRASIL, 2006). E a proposição na Justiça Federal, pelo MPF, de ação civil
pública com pedido de indenização por danos morais coletivos contra a União e a favor dos
índios. (REDE ALERTA CONTRA O DESERTO VERDE, 2006). Contudo, esses eventos
podem ser considerados como desdobramentos das ações analisadas anteriormente. Que
apesar de dizerem muito sobre o conflito e a dinâmica do mesmo, seus mecanismos e modo
de ação já foram discutidos nas páginas anteriores e analisá-los em profundidade só
repetiria o que já foi dito e tornaria a leitura deste trabalho mais cansativa.
Optei por analisar a seguir um fato que trouxe novas questões ao conflito e considero
de extrema relevância para o entendimento do mesmo. A questão da contestação da
identidade indígena dos tupiniquins pela Aracruz Celulose. Tratarei dela na próxima seção
deste capítulo.
92
2.3.3. Os índios não são índios: Identidade indígena em questão.
Em 6 de setembro de 2006 teve inicio a uma polêmica que acabou por arranhar a
imagem da empresa e provocar um processo por racismo. Aos índios e aos movimentos
sociais tudo não passou de uma estratégia de difamação, á empresa foi um grande mal
entendido. O fato é que, segundo documento-denúncia divulgado pela Rede Alerta Contra o
Deserto Verde (2006b) no dia 11 de setembro, o porta-voz da empresa, Gessé Marques,
teria dito os tupiniquins das comunidades de Aracruz não são índios.
Ou seja, naquele momento a empresa estava negando a identidade étnica dos
tupiniquins. Além disso, teria sido afixados outdoors na região, veiculadas informações no
site da empresa e distribuídas cartilhas no município que incluíam esse argumento entre a
versão da empresa do conflito. O que inclusive constaria na contestação da empresa ao
relatório da FUNAI. (REDE ALERTA CONTRA O DESERTO VERDE, 2006b;
COMUNIDADES INDÍGENAS TUPINIQUIM E GUARANI, 2006).
Essa contestação da identidade indígena ocasionou respostas oficiais e dos
movimentos sociais. A FUNAI rebateu as afirmações da Aracruz, em comunicado a
Fundação afirmava que “não são traços externos que permitem caracterizar um grupo como
indígena” e também que “tradição não é peça de congelador, e as populações indígenas de
que estamos tratando aqui tiveram que empreender grande esforço adaptativo para persistir
como grupos indígenas ao mesmo tempo em que se viam incorporados nos contextos locais
e regionais”.
Esse argumento não é novo, mas antes as comunicações da empresa
tangenciavam a questão com afirmações como “evidências de que os descendentes dos
índios já estavam integrados á sociedade muito antes de a Aracruz ter adquirido suas
terras”. Ou “As aldeias hoje existentes em nada se assemelham ás aldeias tradicionais e
parecem pequenas cidades do interior, com casas de alvenaria (algumas com antenas
parabólicas), ruas asfaltadas, escolas, igrejas, posto de saúde, vendas e mercados”.
(ARACRUZ, 2006).
93
O argumento da empresa parece se basear naquilo que a resposta da FUNAI
chamou de “visão romântica do índio”. A cultura indígena é vista nessa visão como algo
identificado com a natureza. E subordina o direito indígena á terra á sua permanência num
estado de semi-selvageria. Ou seja, ao incorporar elementos da cultura nacional e seus
artefatos técnicos e sociais, diz o argumento, os índios deixariam de possuir uma cultura
própria e perderiam o direito a reivindicar as suas terras tradicionais. Contudo, o que o
argumento da Aracruz, e sua campanha, não encontraram foi respaldo oficial a sua tese.
Não apenas a FUNAI não aceitou tal argumento na contestação, rebatendo-o publicamente,
como o MPF encaminhou no dia 23 de setembro á Justiça Federal ação pedindo a fixação
de multa para a empresa de R$ 1.000.000,00 por danos morais coletivos, além da retirada
das informações do site e das cartilhas de circulação. (CARTA MAIOR, 2006). Em dezembro
do mesmo ano a empresa seria condenada a retirar todo o material do site e das peças de
propaganda que questionassem a identidade étnica dos povos indígenas.
(PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO, 2006).
Da parte dos índios, eles divulgaram carta aberta no dia 15 de setembro,
contestando as afirmações da empresa, reafirmando sua identidade étnica e apresentando
indícios de sua presença na região muito antes da chegada da empresa. Essa carta recebeu
ampla divulgação das entidades de apoio que corroboraram as afirmações presentes nelas.
(COMUNIDADES INDÍGENAS TUPINIQUIM E GUARANI, 2006; CIMI, 2006).
Esse episódio represente um fato novo no conflito, pois pela primeira vez as
entidades ligadas ao Estado se pronunciaram em unanimidade. Tanto o Ministério Público,
quanto a FUNAI e a Justiça Federal reconhecem a etnicidade dos tupiniquins. Mesmo que
assim não fosse, a Constituição e Convenção 169 da OIT, da qual o Brasil é signatário,
reservam aos povos indígenas e tribais a prerrogativa da auto-afirmação. O Estado não tem
o poder de definir quem é e quem não é índio.
Porém, se o episódio traz um fato novo á análise do conflito, não se pode dizer que o
argumento é uma novidade nos conflitos envolvendo terras indígenas. Desde a emergência
dos índios do Nordeste (ver ARRUTI, 1995; OLIVEIRA, 1999) que se discute como lidar com
94
os chamados “índios misturados”, isto é , com as populações indígenas que sofreram
intenso processo de fluxos culturais e já não apresentam mais sinais diacríticos ou culturais
que as possas diferenciar da sociedade nacional. Como reconhecer um direito etnicamente
sustentado diante de uma população sem sinais claros de diferenciação étnica.
Independente de que conclusão a que cheguem os teóricos da antropologia. O Estado
aprece ter resolvido o problema através da auto-afirmação. Cultura e etnicidade não são
categorias estáticas. Elas são continuamente inventadas e reinventadas. É assim na nossa
sociedade, mas relutamos em reconhecer isso nas demais.
Analisando a afirmação étnica do grupo tapeba no Ceará, diz Barreto Filho (1999,
p.112):
O ponto de partida, portanto, não pode ser as eventuais características objetivas a serem apontadas pelos métodos do observador, mas sim um esforço de leitura do processo de diferenciação, de organização social da diferença cultural, de atualização da identidade categórica e do reconhecimento recíproco, a partir da gramática e da sintaxe dos próprios sujeitos, dos próprios atores.
Analisar essa questão nos possibilita verificar como as estratégias de ação dos
diversos atores sociais envolvidos num conflito desse tipo envolvem a definição de
categorias e a imposição de certo entendimento. O que é ou não ser índio é o ponto de
partida para uma demanda de demarcação de terras, então é o ponto que os atores que se
opõe a demarcação tem de mais básico para questionar. Pois, negando a identidade
indígena, nega-se a possibilidade do conflito, a possibilidade da demarcação.
95
2.3.4. A 3ª Demarcação: O fim é um começo.
Como afirmei no fim da seção anterior tenho, até agora destacado e analisado os
episódios do conflito que trazem novos elementos para nosso estudo. No entanto, as ações
visando pressão ou prosseguimento do processo se sucedem no ano, e as estratégias dos
atores se repetem. Destaco abaixo os principais eventos do final de 2006 e fevereiro de
2007, quando ocorre evento realmente significativo para nossa análise.
- 12 de dezembro de 2006, os índios Tupiniquim e Guarani, apoiados pelo MST, ocupam o
PORTOCEL, Porto de propriedade da Aracruz Celulose e responsável pela exportação da
produção da empresa. Exigem demarcação de suas terras.
- 13 de dezembro, a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), divulga
nota oficial, condenando a ocupação e solicitando ás autoridades brasileiras “rápidas e
enérgicas providências” contra o que ela classificou como “ameaça de arruaceiros e
criminosos comuns para os quais não devemos oferecer tratamento político, mas, sim
policial”. (FIESP, 2006).
- 14 de dezembro, os índios desocupam o porto.
- 15 de dezembro, a Comissão Pastoral da Terra (CPT), encaminha carta ao presidente Luis
Inácio Lula da Silva, rebatendo as afirmações da FIESP. (CPT, 2006).
- 16 de janeiro, caciques e lideranças Tupiniquim e Guarani vão à Brasília para audiência
com o ministro da justiça.
- 17 de janeiro, índios protestam em Brasília por não terem sido recebidos pelo ministro, que
afirma que não os receberá até que sua assessoria tenha terminado de analisar o caso.
- 21 de janeiro, índios retornam à Aracruz/ES.
No final de fevereiro de 2007, depois de postergar sua decisão além do tempo
determinado pela legislação, o Ministro Márcio Thomaz Bastos finalmente emite um
despacho sobre o caso. A posição do ministro não é bem recebida pelos índios, pois ele
determina que o processo retorne à FUNAI, para que seja reavaliado para “aprofundar
estudos com vistas a elaborar uma proposta adequada, que componha os interesses das
96
partes”. Essa decisão é interpretada como um recuo político, como uma forma encontrada
pelo ministro para se esquivar da decisão. Essa interpretação se baseia em dois fatos: (1)
durante o processo a FUNAI já havia realizado diversos estudos que apontavam no sentido
do atendimento da demanda indígena. Todos os estudos realizados depois de 1994, só
confirmaram o primeiro; (2) se a reivindicação indígena era legitima, então não haveria
possibilidade de acordo, visto que a Constituição Federal considera que os direitos
indígenas as terra que tradicionalmente ocupam são inalienáveis ou inegociáveis, o que
significa que um novo estudo da FUNAI apenas poderia confirmar ou negar os estudos
anteriores, mas não se adequar aos interesses das partes. (CARTA MAIOR, 2007).
A resposta indígena veio no dia 3 de março, na forma de uma nota na qual os índios
se diziam indignados e reafirmavam a posição de não aceitar qualquer acordo envolvendo
as terras pleiteadas. Exigindo a assinatura das portarias de delimitação e demarcação das
terras, baseada no relatório de 1994. (COMISSÃO DE CACIQUES TUPINIKIM E GUARANI
DO ESPÍRITO SANTO, 2007). Posição esta corroborada por diversas instituições e pessoas
físicas que assinaram uma carta aberta de repúdio à decisão ministerial. (ABONG, et al,
2007).
O impasse criado pela decisão ministerial só seria resolvido seis meses mais tarde,
no dia 27 de agosto, quando o novo ministro Tarso Genro, faz publicar as portarias de
delimitação número 1463 e 1464, declarando os novos limites das Terras Indígenas
Tupiniquim e Comboios. Porém, até chegar a esse resultado, alguns episódios provocaram
o acirramento do conflito:
- No dia 28 de março, sete caciques foram intimados pela juíza Isabel Cristina Longuinho
Batista de Sousa, da Justiça Federal de Linhares, para depor em ação possessória
impetrada pela Aracruz Celulose contra a FUNAI, que visava firmar um acordo em relação
às terras. A Aracruz impôs algumas diretrizes para o acordo. (1) O reconhecimento por
todas as partes de que não existem terras indígenas, e que as áreas ocupadas pelas
comunidades são reservas indígenas; (2) Em contrapartida, a Aracruz estudaria a
97
possibilidade a doação de uma área a ser definida em acordo entre a MPF, Ministério da
Justiça, FUNAI, as comunidades indígenas e a empresa; (3) A empresa, em parceria com o
governo federal, estadual e prefeitura, apoiaria projetos para desenvolvimento da autonomia
econômica das comunidades. (REDE ALERTA CONTRA O DESERTO VERDE, 2007).
- No dia 23 de maio, os índios foram convocados para uma nova conciliação na Justiça
Federal de Linhares para dar seqüência à negociação do acordo. Nessa audiência, eles
optaram pelo fim das negociações no âmbito judicial por não concordarem com os termos
da Aracruz, ficando o litígio restrito a esfera administrativa. (COMISSÃO DE CACIQUES
TUPINIKIM E GUARANI DO ESPÍRITO SANTO, 2007b).
- No dia 07 de julho, a FUNAI reenvia o processo de demarcação ao Ministro da Justiça.
Ratificando todos os relatórios e pareces anteriores. Ou seja, reconhecendo o direito
indígena ás terras em disputa. (SÉCULO DIARIO, 2007).
- No dia 24 de julho, os índios retornaram á área e iniciaram a reconstrução das aldeias
Olho D’Água, Areal e Macacos.
- No dia 21 de agosto, a Rede Alerta inicia uma campanha de cartas com o objetivo de
pressionar o ministro da justiça a editar as portarias de delimitação. (REDE ALERTA
CONTRA O DESERTO VERDE, 2007b).
- Finalmente no dia 27 de agosto, o Ministro Tarso Genro, editou as portarias demarcatórias.
Definindo as novas extensões das ágoras chamadas TI’s Tupiniquim e Comboios, em
14.227 ha e 3.800 ha respectivamente.
A edição das portarias de delimitação, não põe fim ao processo de demarcação, mas
dá início á uma nova fase. A partir dessa data a FUNAI deve fazer a demarcação física do
território delimitado, colocando os marcos, e a partir daí o presidente da república deve
homologar as terras indígenas, que serão inscritas no sistema de registro em cartório
imobiliário da comarca. (BRASIL, 1996).
98
É também o início de uma fase delicada de negociação, pois se deve retirar todos os
ocupantes não-índios da terra e indenizar as benfeitorias de boa fé. O significa que a
Aracruz deveria ser indenizada por todo o eucalipto plantado na área delimitada.
Para dirimir essa questão e 3 de dezembro foi firmado um novo acordo entre a
empresa e os índios, intermediado pelo MPF e FUNAI. Pelo acordo a empresa teria até um
ano para retirar a madeira, em contrapartida ela “apoiaria com até R$3 milhões o
desenvolvimento de estudos etnoambientais solicitados pela comunidade indígena”. Já a
FUNAI se comprometia repassar recursos emergenciais de até R$ 1 milhão para o
assentamento das famílias na terra.
Oficialmente, o acordo foi resultado de diálogo e conciliação. Uma saída política que
ao mesmo tempo garantiu a demarcação das terras e aumentou o que a empresa chama de
“segurança jurídica”. Depois de mais de 40 anos de conflito. Todos aparentemente saíram
satisfeitos. (AGÊNCIA BRASIL, 2007).
Contudo, ao fim de um conflito tão extenso, cabe perguntar, saíram mesmo todos
satisfeitos?
Do ponto de vista dos índios, o resultado foi pode ser interpretado como vitória, pois
conseguiram o que demandavam. Suas terras incorporaram a extensão delimitada no
relatório de identificação, fruto de sua participação direta na elaboração. Saem fortalecidos
institucionalmente, já que as articulações construídas durante o conflito e as posições
sustentadas imprimem legitimidade a sua conquista.
Do ponto de vista dos movimentos sociais, a demarcação abriu caminho para uma
maior integração e fortalecimento mútuo de demandas e lutas. As redes de movimentos
sociais envolvidas nesse conflito, certamente saem fortalecidas para o enfrentamento de
conflitos similares através da memória e do aprendizado do processo, com seus erros,
acertos e estratégias.
Do ponto de vista da Aracruz, o resultado significou a perda de uma importante
extensão de terras e pode significar um precedente perigoso, pois a empresa enfrenta
processos similares em relação a quilombolas no Espírito Santo e outras comunidades na
99
Bahia. Mas, significou também a afirmação de um compromisso por parte do Governo
Federal que pelo menos em relação ás comunidades indígenas, as terras da empresa não
serão mais diminuídas.
Do ponto de vista do Estado, a resolução do conflito significou o fim a um processo
que o colocava na dúbia posição de mediar interesses conflitantes que estavam minando a
sua imagem e sua legitimidade diante da sociedade civil e também dos investidores. Uma
solução que parecesse imposta, mesmo que coerente com a lei, certamente afetaria sua
imagem institucional. Esse fim, aparentemente conciliatório, amenizou os possíveis
impactos decorrentes da demarcação.
O fim do conflito marca, portanto, um recomeço para todos os envolvidos. Seria
leviano afirmar o que significa fim de todos os conflitos envolvendo os tupiniquins e
Guaranis. Se há algo que é possível afirmar com certeza, é que nos conflitos que envolvem
E estado e demandas sociais, a solução é sempre provisória.
100
Conclusão.
Iniciei esta monografia com algumas questões de pesquisa. A primeira, e principal,
delas dizia respeito ao papel do Estado no conflito socioambiental. Com base no que foi
exposto até agora, posso apresentar algumas conclusões possíveis.
A primeira é que não se pode falar do papel do Estado, mas dos papeis. O Estado
não se configura, no cenário sociopolítico atual, como uma entidade coesa e coerente. As
múltiplas possibilidades de ação que caracterizamos inerentes os atores sociais, também se
referem ao Estado. Entre a negociação e a violência, o Estado se configura como pólo de
disputa. Tanto internamente, decorrente das diferentes orientações e políticas seguidas
pelos seus diferentes governos, órgãos, níveis e poderes. Quanto externamente, decorrente
da pressão exercida pelos atores sociais sobre as ações estatais.
No caso específico de um conflito socioambiental, o Estado se encontra inserido num
turbilhão de demandas e num cenário de conflito de legitimidades. As contradições inerentes
a um quadro legislativo que comporta a existência de direitos coletivos e individuais que se
sobrepõem e se opõem, permite ao Estado, principalmente ao executivo, a flexibilidade de
uma ação dúbia. Ao mesmo tempo em que procura se esquivar do atendimento de certas
demandas sociais constitucionalmente reconhecidas e do custo político de atendê-las, ele
se vê pressionado pela eficácia da lei a fazê-lo. Daí a protelação e a morosidade verificada
no procedimento demarcatório.
As atuações dos diversos ministros da justiça, envolvidos no caso, ilustram essa
afirmação. Apesar dos estudos técnicos demonstrarem e reafirmarem a legitimidade do
direito indígena ao usufruto das terras pleiteadas, a decisão ministerial freqüentemente
atuou no sentido de ora adiar o atendimento da demanda, ora de adequar a decisão aos
interesses dos atores sociais que se opunham á demarcação. Mesmo que tal decisão se
caracterizasse como inconstitucional ou como frágil demais para que fosse permanente.
Nesse sentido, sucessivos acordos firmados (arbitrariamente durante o período
ditatorial e negociado no período democrático) inserem-se como forma de flexibilização dos
direitos e de legitimar a decisão ministerial. O que significa que se buscaram alternativas ao
101
rito administrativo e ao texto legal para que alcançasse uma estabilidade na situação
diferente daquela preconizada pela lei. Cujo custo político foi considerado alto demais em
diversos momentos.
O atendimento da demanda indígena em consonância com a análise técnica e a
legislação vigente só aconteceu depois de décadas de luta, disputas e pressão. Depois do
esgotamento de todas as possibilidades de protelamento e adiamento, quando o custo
político de adiar a decisão se tornou mais alto que o de atendê-la. Isso não significa que a
ação estatal estaria relacionada a um calculo racional de custo-benefício que condicionaria o
cumprimento da lei a um resultado favorável desse calculo. A lei tem eficácia que independe
dele, contudo, apresenta brechas, incoerências e contradições na sua regulamentação e
interpretação que permitem que o Estado manobre no sentido de “compor os interesses
entre as partes”.
O aumento do custo político do não atendimento das determinações legais a que me
referi no parágrafo anterior é fruto de dois fatores. Em primeiro lugar, das mobilizações e
ações empreendidas pelas partes interessadas no sentido de pressionar uma decisão
favorável do Estado. Concorrem para isso estratégias e articulações que são construídas
por atores sociais com interesses afins.
No caso analisado, a articulação entre o movimento indígena com as redes de
movimentos sociais nacionais, e internacionais, e a grande pressão política exercida por
essa aliança, foram determinantes para o encaminhamento da decisão a um resultado
favorável á demanda indígena.
O que nos sugere que o papel do Estado enquanto ator político ainda predomina
sobre sua função de mediador dos conflitos sociais e garantidor das determinações
constitucionais.
Destaca-se nesse processo a ação do judiciário. Poder estatal constitucionalmente
encarregado do julgamento das ações, representado aqui pela Justiça Federal, ele teve um
papel político no conflito. Visto que, instada a decidir sobre conflitos de direitos, a justiça
teve de agir sob o signo da discricionariedade judicial, já que a legislação poderia atender
102
tanto a demanda coletiva de um, quanto os interesses privados do outro. Com maior
freqüência a Justiça agiu atendimento dos direitos individuais em detrimento dos interesses
difusos.
Assim, concluímos que mais do que as determinações do texto legal, as ações do
Estado num conflito socioambiental são fruto das estratégias dos diversos atores
empenhadas para pressioná-lo, do contexto sociopolítico em que o conflito se desenrola e
da impossibilidade de protelamento e negociação da decisão. O atendimento das
demandas sociais depende, assim, da mobilização e das articulações dos atores. Já que a
depender da iniciativa estatal a resolução do conflito poderia ser adiada indefinidamente.
103
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