o papel do brasil na nova ordem mundial

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O Papel do Brasil na Nova Ordem Mundial: uma visão desde o MERCOSUL 281 O Papel do Brasil na Nova Ordem Mundial: uma visão desde o Mercosul Lorena Granja (IESP-UERJ / IUPERJ) [email protected] RESUMO: Diante das transformações do sistema mundial é importante ver o novo papel do Brasil neste contexto de mudanças sistêmicas. Além disso, também é interessante tentar definir quais são as opções deste país diante dos novos desafios de “país emergente” para tentar dar conta de seus problemas internos ainda sem resolver. Para isso, o trabalho aborda as teorias desenvolvimentistas para dar conta de estes desafios internos e tentar explicar por que o Brasil ainda é concebido como país em desenvolvimento, apesar dos esforços por se tornar uma potência emergente. Por último, consideramos que a inserção externa do Brasil deve priorizar a região e fazemos um analise do bloco regional mais antigo, o Mercosul. No decorrer desta última parte, se tenta dar conta dos desafios que se apresentam ao bloco regional desde a ótica dos sócios menores. PALAVRAS-CHAVE: Integração regional; política externa; Mercosul. ABSTRACT: Facing with the changes in the global system is important to see the new role of Brazil in this context of systemic change. Furthermore, it is interesting to try to define the options that this country has to deal with the new status as "emerging country" and to try to account for their internal problems still unresolved. To do this, the paper discusses the developmental theories to account for these challenges and try to explain why Brazil is still conceived as a developing country, despite the efforts to becoming an emerging power. Finally, we consider that Brazil's external integration should prioritize the region and, in order to that, we make an analysis of the oldest regional bloc, Mercosur. During this last part, we try to give an account for all this challenges from the perspective of the smaller partners.

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Page 1: O Papel do Brasil na Nova Ordem Mundial

O Papel do Brasil na Nova Ordem Mundial: uma visão desde o MERCOSUL

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O Papel do Brasil na Nova Ordem Mundial: uma visão desde o Mercosul

Lorena Granja (IESP-UERJ / IUPERJ) [email protected]

RESUMO: Diante das transformações do sistema mundial é importante ver o novo papel do Brasil neste contexto de mudanças sistêmicas. Além disso, também é interessante tentar definir quais são as opções deste país diante dos novos desafios de “país emergente” para tentar dar conta de seus problemas internos ainda sem resolver. Para isso, o trabalho aborda as teorias desenvolvimentistas para dar conta de estes desafios internos e tentar explicar por que o Brasil ainda é concebido como país em desenvolvimento, apesar dos esforços por se tornar uma potência emergente. Por último, consideramos que a inserção externa do Brasil deve priorizar a região e fazemos um analise do bloco regional mais antigo, o Mercosul. No decorrer desta última parte, se tenta dar conta dos desafios que se apresentam ao bloco regional desde a ótica dos sócios menores. PALAVRAS-CHAVE: Integração regional; política externa; Mercosul. ABSTRACT: Facing with the changes in the global system is important to see the new role of Brazil in this context of systemic change. Furthermore, it is interesting to try to define the options that this country has to deal with the new status as "emerging country" and to try to account for their internal problems still unresolved. To do this, the paper discusses the developmental theories to account for these challenges and try to explain why Brazil is still conceived as a developing country, despite the efforts to becoming an emerging power. Finally, we consider that Brazil's external integration should prioritize the region and, in order to that, we make an analysis of the oldest regional bloc, Mercosur. During this last part, we try to give an account for all this challenges from the perspective of the smaller partners.

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Revista Política Hoje, Vol. 19, n. 2, 2010 282

Introdução

O sistema internacional esta atravessando grandes mudanças no

século XXI, fatos como o questionamento à hegemonia dos Estados

Unidos ou a ascensão da China como grande potência no mercado

mundial levam a que alguns acadêmicos considerem que existem as

condições para uma transformação do sistema. Este sistema está

atualmente conformado por uma hegemonia americana que, embora

questionada, tem suas bases fundamentais ainda visíveis e sólidas. Neste

contexto, é importante perguntarmos qual é o papel dos países como

Brasil no novo cenário mundial? O artigo pretende dar resposta a tal

questão desde uma ótica não brasileira, já que consideramos importante

tentar entender a liderança do Brasil desde o contexto regional.

Há autores que consideram que o sistema mundial estaria

novamente ante um império, o americano. Neste sentido, tomam a

concepção de império como una forma específica de poder para assinalar

que os fatos acontecidos em resposta aos ataques do 11 de setembro de

2001 (a brutal invasão do Afeganistão e depois do Iraque pelos Estados

Unidos e seus aliados) são motivos suficientes para iniciar um debate

sobre o retorno ao imperialismo. Por sua parte, Colás (2007) analisa no

último capítulo de seu livro Empire, a pertinência da utilização deste

termo no contexto internacional atual. Com a aparição do conceito de

império pós-moderno1, que dá cabida a um novo tipo de imperialismo

sem fronteiras territoriais com base no controle dos mercados e das

pessoas, o autor considera que este conceito tem sido uma das

ferramentas de análise da realidade atual. Isto não significa que estejamos

1 O conceito foi introduzido no debate acadêmico pelo livro de Hardt e Negri (2000) Empire, Cambridge, MA, Harvard University Press.

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O Papel do Brasil na Nova Ordem Mundial: uma visão desde o MERCOSUL

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indiscutidamente ante um novo império (ou tipo de imperialismo), senão

apenas ante uma ferramenta de analise que poderia ser mais bem descrita

como dominação.

Agnew (2005), por sua parte, considera que é melhor a utilização

do conceito de hegemonia estadunidense ao de império, já que permite

descrever melhor as relações entre a sociedade americana e o resto do

mundo. Na sua concepção, não é simplesmente o exercício de uma

dominação por parte do governo de um país, mas também a incorporação

dos demais no exercício de tal poder a través de outro tipo de instituições

(educacionais, culturais, empresariais, etc.).

Por outro lado, há acadêmicos que assinalam que a crise de 2008-

09 constituiu um importante choque à hegemonia estadunidense, já que

deixou em evidência que os países centrais não são capazes de sobrelevar

crises sistêmicas.

Nesse contexto mundial, Brasil entra no cenário globalizado

jogando um papel principal, tanto pela sua liderança regional, quanto por

seu caráter de potência mundial emergente. Este trabalho propõe analisar

qual é o papel de Brasil neste contexto pós-crise. Quais são as

possibilidades de que o Brasil alcance seus objetivos; e quais são as

possíveis conseqüências de que, num contexto otimista, o Mercosul siga

os passos do Brasil.

Em primeiro lugar, o trabalho propõe-se descrever brevemente as

principais características do sistema mundial denominado hegemônico

para situar o contexto no qual o Brasil atua. Posteriormente,

focalizaremo-nos na política brasileira para debater o conceito de neo-

desenvolvimentismo como uma opção válida para o esquema de inserção

internacional do Brasil. Por último, se faz foco no Mercosul e se

enumeram os principais desafios que tem tido nos últimos anos, para dar

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Revista Política Hoje, Vol. 19, n. 2, 2010 284

conta de quais são as possibilidades que se abrem para o bloco depois da

investida internacional de seu principal sócio.

O sistema mundial hegemônico

Embora exista um relativo consenso sobre a hegemonia

estadunidense no mundo, há certos acadêmicos que questionam esta

supremacia. Fiori (2001), por exemplo, considera que estes

questionamentos começam depois da derrota dos Estados Unidos em

Vietnam e continuam durante toda a década dos 80. Na década dos 90,

assistimos à suposta afirmação da tese da estabilidade hegemônica2, no

entanto depois dos ataques de 11 de setembro de 2001 começam

novamente os questionamentos, diante do ataque direito e da constatação

da vulnerabilidade do império.

De qualquer maneira, Arrighi3 considerava já nos anos 80 que

assistíamos a uma transformação do sistema hegemônico americano,

desde uma hegemonia formal organizada desde o Estado (principalmente,

logo após da finalização da Guerra Fria) para uma hegemonia informal

organizada desde o mercado.

Por sua parte, Fiori (2008) assinala que estes questionamentos não

têm fundamentos suficientes. Seus argumentos baseiam-se em que,

apesar da crise mundial do 2008-09, a hegemonia do dólar ainda persiste;

o poder militar estadunidense é superior ao das outras potências; e a

economia americana continua sendo a mais poderosa do mundo. O

2 Conceito de Keohane “The Theory of Hegemonic Stability and Changes in International Economic Regimes, 1967-1977” en Holsti et.al. Change in the International System. 3 Citado em Fiori (2001:11) do livro Arrighi (1982) “The crisis of hegemony” em Amin; Arrighi; Frank e Wallerstein: Dynamics of Global Crisis, Mac Millan Press, Londres.

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declínio relativo do poder americano em favor da China, não significa

um colapso de seu poder. Pelo contrário, existem evidências históricas

fortes de recuperações depois de crises sistêmicas. O autor utiliza a teoria

do aumento da pressão competitiva4 para apontar que há uma nova

corrida imperial entre as potências (principalmente entre os Estados

Unidos e a China) que daria passo a uma nova expansão do universo

(Fiori, 2008:24) e, conseqüentemente, a uma transformação do sistema.

Apesar desta transformação, Fiori não considera que as potências

emergentes (Brasil, Índia e África do Sul) obtenham um papel relevante

como potências mundiais; pelo contrário, entende que continuarão

desenvolvendo seu papel principal geopolítico nas suas respectivas

regiões. Neste sentido, o autor explica que estamos experimentando um

retorno da geopolítica das nações, marcado pela competição entre as

economias mundiais lideradas por diferentes países em cada região do

planeta e pela incapacidade de ação unilateral por parte dos Estados

Unidos (Fiori, 2007:89-90).

Com relação a isto, é importante destacar a tese de Zakaria (2008)

que avalia as situações destes países no contexto mundial e tem uma

visão diferente do papel dos países emergentes na constituição de uma

nova ordem mundial. Vê à China como potência desafiante, embora

considere que não substituirá aos Estados Unidos como primeira potência

mundial; e à Índia como a principal aliada deste último para

contrabalancear o peso da China.

4 “O aumento da ‘pressão competitiva’ foi provocado –quase sempre– pelo expansionismo de uma ou várias ‘potências’ líderes, e envolveu também um aumento do número e da intensidade dos conflitos, entre as outras unidades políticas e econômicas do sistema. E a ‘explosão expansiva’ que se seguiu projetou o poder destas unidades o ‘potências’ mais competitivas para fora de si mesmas, ampliando as fronteiras do próprio ‘universo’”. (Fiori, 2008:22).

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Esta discussão vai na mesma direção com a que pretendermos

desenvolver neste trabalho, embora consideremos que o Brasil está

aumentando sua importância no contexto mundial, este papel não seria

principal sem uma consolidação da sua liderança e supremacia no nível

regional.

Por ultimo, além do debate existente sobre a suposta perda de

hegemonia norte-americana, o que é indiscutível são as mudanças no

sistema mundial. O fato de que as relações econômicas entre as grandes

regiões do mundo tenham mudado radicalmente, a África e a America

Latina tem um cada vez maior percentagem de comercio com Índia e

China, é interessante dado que estes fluxos comerciais crescentes

provêem das regiões subdesenvolvidas do mundo (desde onde vinha

também o movimento de países não alinhados). Estas transformações

estão evidenciadas a partir de alguns fatos que podem se considerar como

oportunidades para os países emergentes, baixo a condição de estes

lograrem obter as ferramentas suficientes para administrar as mudanças a

seu favor. Neste sentido, parece que o Brasil está tendo certo sucesso.

O Brasil como país desenvolvimentista?

Quais são as alternativas em termos de política interna para o Brasil

tentar acompanhar essa transformação mundial e a sua ascensão como

potência emergente? Nesta seção pretendemos dar resposta a esta

pergunta e adentrar-nos no debate sobre o neo-desenvolvimentismo como

opção válida para denominar aos governos dos últimos anos.

Nos inícios do século XXI América Latina vem tendo uma virada à

esquerda de alguns dos governos da região, se bem existem muitas

diferenças internas, poderíamos resumir que esta virada vai contra as

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O Papel do Brasil na Nova Ordem Mundial: uma visão desde o MERCOSUL

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políticas neoliberais implantadas na década dos 90 e propõe um

redirecionamento nas relações com os Estados Unidos, como país reitor

da política e inserção latino-americana no contexto mundial a partir da

segunda guerra mundial. Neste contexto, é interessante ver como se dá

esta virada com o conceito de governos desenvolvimentistas, ou neo-

desenvolvimentistas.

A classificação do governo Lula como desenvolvimentista está

relacionada com algumas metas de crescimento e o impulso de certas

políticas específicas que este tem se proposto. No entanto, o

compromisso com a estabilidade que o governo assumiu (inclusive desde

a campanha eleitoral) e o cuidado por manter os níveis de inflação

controlados, dão a pauta da mudança para uma esquerda responsável

que, embora vendo as políticas neoliberais da década dos 90 como o

principal obstáculo para o crescimento, não renuncia a manter as mesmas

metas macro-econômicas como um dos pontos importantes da agenda de

governo. Contudo, a ênfase no Estado como ator relevante e estruturador

do crescimento econômico (em associação com o setor privado),

principalmente nas áreas caracterizadas por políticas de índole

desenvolvimentista, é uma característica que poderia defini-lo como

tendente à esquerda clássica.

Neste contexto, é importante se perguntar se o neo-

desenvolvimentismo atual tem algo a ver com as políticas

desenvolvimentistas dirigidas na década dos 70. Uma primeira

abordagem nos levaria a dar uma resposta negativa, já que um dos

objetivos daquela época era o crescimento econômico baseado em

políticas de industrialização como via para alcançar o primeiro mundo.

Esta concepção está baseada na idéia de que o desenvolvimento pode se

representar num continuo e que existe um caminho a seguir por parte dos

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Revista Política Hoje, Vol. 19, n. 2, 2010 288

países subdesenvolvidos para alcançar um estágio superior. Não

obstante, a política exterior do governo Lula (sobretudo, a desenvolvida

nos últimos tempos) está tocando as portas do primeiro mundo e estas

parecem estar se abrindo. Neste sentido, vale a pena se perguntar se

realmente há um desejo deliberado por parte do governo de integrar o

grupo dos países desenvolvidos por meio da via diplomática que pode se

assemelhar aos intentos da década dos 70.

Há muitas coisas a levar em conta sobre essa afirmação, uma delas

é se realmente existe um grupo de países denominado primeiro mundo ou

mundo desenvolvido ao que seria desejável entrar. A segunda, tem a ver

com a relação entre a política exterior do Brasil (e seu papel central no

cenário mundial atual) com o denominado neo-desenvolvimentismo. Isto

leva-nos a indagar se realmente existe um conceito de neo-

desenvolvimentismo, ou se pelo contrário, é um conceito utilizado nos

últimos tempos que bem poderia substituir-se por governo progressista,

ou esquerda latino-americana. Uma terceira questão é a eventual

existência de um consenso (tanto dentro da esquerda, quanto na

oposição) em torno da política exterior do governo de Lula.

Com respeito à existência de um grupo de países desenvolvidos

(centrais) e outro de países subdesenvolvidos (periféricos) são de

destaque as declarações feitas por Arrighi (1997); o autor leva em conta a

classificação de Wallerstein5 sobre o sistema mundial e questiona a teoria

sistêmica para classificar a economia mundial. Wallerstein assinala que

existem basicamente dois tipos de países, que poderiam se representar

5 Wallerstein (1970): The Capitalist World-Economy, New York: Cambridge University Press. (1984) The Politics of the World-Economy, New York: Cambridge University Press. (1985) “The relevance of the concept of the Semi-Periphery to Southern Europe”, en Arrighi (ed.) Semiperipheral Development: The Politics of Southern Europe in the Twentieth Century. Beverly Hills, CA: Sage, 531.

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esquematicamente por círculos concêntricos, os países do núcleo

orgânico e os países periféricos. Por definição, segundo esta concepção,

não deveria haver demasiados países desenvolvidos porque o centro

mantém seu status graças à existência de uma periferia não desenvolvida.

Nesse esquema, existe um grupo de países que não estão dentro do

núcleo e que também não são considerados tão pobres como os países

periféricos, estes são denominados países semiperiféricos. As relações

desiguais entre ambos dos círculos se vêm reforçadas pela existência

destes últimos países. Esta posição parte da classificação do sistema

mundial da escola estruturalista ou cepalina, desenvolvida

fundamentalmente por Presbich e Furtado nos inícios da década dos 50

que determinou o pensamento latino-americano das décadas posteriores.

Seu principal aporte foi uma forte crítica à leitura neoclássica da

economia mundial. Com uma visão sistêmica do desenvolvimento

desigual do capitalismo, consideravam que existia um centro cíclico

principal da economia mundial (Inglaterra no século XIX, Estados

Unidos no XX) que impôs um patrão de comercio mundial com

intercambio desigual e deu passo, do outro lado, a uma periferia.

Segundo Fiori (2001: 42), esta escola foi a primeira tentativa de

estruturar um pensamento original latino-americano sobre a posição no

esquema mundial capitalista dos países da região.

Por sua parte, Arrighi não considera acertada a teoria sistêmica, em

seu livro A ilusão do desenvolvimento, rejeita a idéia da existência de um

esquema linear mundial baseando-se na hipótese de que os países

semiperiféricos têm que correr rápido para permanecer no mesmo lugar.

Na sua concepção, estes países mesmo tentando alcançar o estado de país

desenvolvido, não conseguem chegar porque os termos de intercambio

entre as três esferas são desiguais e esta é a condição necessária para a

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existência do sistema (1997:191). Isto se relaciona com a hipótese de

que, na zona semiperiférica, as tendências polarizadoras da economia

mundial foram neutralizadas pela ação estatal. No entanto, o trânsito de

zona não acontece já que a regra se impõe, os países semiperiféricos são

economicamente complementários aos do núcleo orgânico e contribuem

à reprodução desse esquema. Apesar disto, o autor atende à possibilidade

de algum tipo de mudança.

De qualquer maneira, Arrighi entende que esta é uma explicação

baseada em alguns pressupostos questionáveis. Em primeiro lugar, parte

da base de que industrialização é a mesma coisa que desenvolvimento e

que o núcleo orgânico seria a mesma coisa que país industrial

(1997:208). Em segundo, também supõe que a relação entre núcleo

orgânico e periferia é de intercambio desigual e que esta relação consiste

numa rede de comercio e apropriação de excedente (1997:209). O autor

não considera que o intercambio desigual seja a única fonte de

diferenciação entre estes países, já que existem outros mecanismos de

polarização. Entre eles, a apropriação unilateral de mão de obra de um

lado e, do outro, a apropriação unilateral de capital. Todos estes

mecanismos não incluem necessariamente uma rede de comercio, senão

que podem ser apropriados por transferência forçada ou voluntária de

excedente (1997:210).

Em suma, este impasse teórico no qual a existência de diferentes

tipos de países na hierarquia mundial não se explica nem pelo

intercambio desigual, nem pela apropriação de excedente do capital ou

do trabalho, pode ser resolvido de modo simples. É o Estado quem

determina a apropriação de riqueza por parte de alguns grupos e a perda

de outros, em função das diferentes combinações de inovações políticas,

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econômicas e sociais que se dão ao longo da história capitalista. Neste

sentido, Arrighi aponta: As relações núcleo orgânico-periferia são determinadas não por combinações específicas de atividades, mas pelo resultado sistêmico do vendaval perene de destruição criativa e não tão criativa engendrado pela disputa pelos benefícios da divisão mundial do trabalho. A alegação teórica central da análise dos sistemas mundiais a respeito desse resultado sistêmico é que a capacidade de um Estado de se apropriar dos benefícios da divisão mundial do trabalho é determinada principalmente por sua posição, não numa rede de trocas, mas numa hierarquia de riqueza. Quanto mais alto na hierarquia de riqueza está um Estado, melhor posicionados estão seus dirigentes e cidadãos na disputa por benefícios (Arrighi, 1997:214)

Por outro lado, a teoria da dependência também constitui um

importante acervo teórico que brinda explicações sobre o esquema

mundial capitalista e suas desigualdades estruturais, dependentes e

polarizadas. Na década dos 70, junto a algumas releituras marxistas,

aparece o conceito de desenvolvimento dependente associado. Este

conceito está direitamente vinculado com nosso estúdio já que as

políticas neo-desevolvimentistas atuais têm seu gênesis no pensamento

desenvolvimentista anterior. Com respeito a isto, é importante levar em

conta o desenho institucional de cada país, já que deste dependem tanto o

sucesso das políticas escolhidas, quanto o crescimento econômico

propriamente dito. Desta maneira, Chang no seu livro Chutando a

Escada (2002) considera que os países desenvolvidos alcançaram este

nível de crescimento e desenvolvimento fazendo uso de um sistema

institucional que lhes permitiu crescer e que, agora, consideram obsoleto

e completamente inválido para os países em desenvolvimento. Isto é, as

instituições e políticas protecionistas (e não só as protecionistas) são

consideradas erradas quando são usadas pelos países em

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Revista Política Hoje, Vol. 19, n. 2, 2010 292

desenvolvimento. Noutras palavras, os países desenvolvidos chutam a

escada (composta por um conjunto de instituições e políticas específicas)

a través da qual conseguiram seu nível de desenvolvimento e preconizam

que os países em desenvolvimento adotem políticas diferentes.

Até que ponto Brasil adotou estas políticas? Em primeiro lugar, é

acertado dizer que na década dos 90 o Brasil adotou as receitas

neoliberais do Consenso de Washington ao pé da letra. No entanto, na

atualidade constitui um desafio teórico muito grande afirmá-lo com tanta

determinação. Mesmo assim, Chang (2002) entende que a

institucionalização nos países em desenvolvimento não deve seguir os

patrões do século passado, nem as exigências que atualmente se impõem

em termos de prazos, já que se parte de cenários diferentes dos que

partiram os países desenvolvidos. Neste ponto é aonde começa a ter

especial relevância a dependência de trajetória e as instituições criadas

pelo Brasil na sua época desenvolvimentista.

Neste sentido, Kohli (2004) estuda ao Estado como ator econômico

e suas capacidades de intervir na economia para promover a

industrialização. Sua hipótese central é que a criação de Estados

interventores efetivos nos países em desenvolvimento ajuda à emergência

de economias industrializadas. Em primeiro lugar, vale esclarecer que o

autor não considera que o desenvolvimento implique unicamente

crescimento econômico, nem que este se alcance pela única via da

industrialização. Mas toma estas trajetórias como ponto de partida de sua

análise e aponta que o Brasil dá dois passos para frente e um para trás.

Por um lado, cria instituições estatais que lhe permitem industrializar-se

relativamente cedo; mas, mesmo assim, é incapaz de sair do patrão de

desenvolvimento dependente.

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O Papel do Brasil na Nova Ordem Mundial: uma visão desde o MERCOSUL

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Ainda que o conceito de neo-desenvolvimentismo gere algumas

dúvidas, é importante explicitar que têm alguns fundamentos político-

metodológicos para utilizá-lo. Um deles é a ênfase em políticas de

desenvolvimento dado pelos governos de esquerda Latino-americana e,

em especial, pelo governo Lula. A aliança entre o Estado e o setor

privado para desenvolver políticas de crescimento está baseada, segundo

Diniz e Boschi (2007:18), numa certa aprendizagem institucional do

Brasil a respeito a seu período desenvolvimentista anterior. As

instituições criadas naquele período são as bases fundamentais da relação

Estado-Mercado na atualidade. Para estes autores, os desafios da nova

esquerda latino-americana de adotar uma agenda denominada neo-

desenvolvimentista estão relacionados com a capacidade de coordenar

políticas que atinjam ao crescimento econômico, procurem reduzir as

desigualdades sociais e erradiquem a pobreza; conjugadas com uma

aposta à estabilidade macro-econômica e à redução da inflação; além de

uma redefinição da inserção internacional. Este último ponto é o que

pretendermos desenvolver daqui por diante, tentaremos ver se os desafios

da agenda externa do governo Lula têm relação com as metas

características de um governo neo-desenvolvimentista ou, a nosso

entender, melhor denominado como progressista. Além disso, no marco

do novo rol do Brasil no contexto internacional, é importante também

saber quais são suas perspectivas para o Mercosul e a agenda de inserção

regional que este governo tem. Porque disto depende, em última

instância, o futuro do bloco regional.

Neste sentido, Boschi e Gaitan (2008:181) colocam um conceito de

governo desenvolvimentista diferente ao clássico estrutural cepalino.

Ambos dos autores consideram que o atual discurso neo-

desenvolvimentista tem certas continuidades com o modelo

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Revista Política Hoje, Vol. 19, n. 2, 2010 294

desenvolvimentista tradicional, no entanto também tem algumas

diferenças importantes que são características do novo discurso. Uma

delas é a combinação da intervenção estatal com a valorização e o

respeito pela estabilidade monetária. Outra é a promoção da integração

total aos circuitos financeiros e comerciais globais. Desta forma, os

autores propõem um novo método para indicar a existência de políticas

desenvolvimentistas: o melhor não é utilizar unicamente o crescimento

econômico, mas optar por indicadores que priorizem as capacidades

institucionais. Analisam então três indicadores que dão conta do viés para

o desenvolvimentismo e formam parte de uma agenda política pós-

neoliberal. O primeiro é a capacidade do país de gerar e expandir o uso

da tecnologia; o segundo, o patrão de seu sistema produtivo

(fundamentalmente, o comércio exterior); e por último, a capacidade de

estender os frutos do crescimento à sociedade (2008:189).

Na agenda atual dos governos de esquerda da América Latina a

questão social tem primordial importância. Embora a aposta neo-

desenvolvimentista seja só uma característica mais destes governos,

como bem o explicitam Boschi e Gaitan (2008:200), tem certas

continuidades e rupturas com o desenvolvimentismo clássico. Mas,

subretudo, tem a ver com a transformação da esquerda latino-americana

que apresenta um neo-desenvolvimentismo híbrido de coordenação

macro-econômica centralizada no mercado ou capitalismo social.

Por sua parte, Sicsú et.al. (2005) consideram que não existe um

neo-desenvolvimentismo único, senão que podem existir diferentes

estratégias de políticas desenvolvimentistas. Propõem quatro condições

sem as quais não existiria uma verdadeira aposta neo-desenvolvimentista

que, resumidamente, procuram o estabelecimento de um Estado forte que

estimule o florescimento de um mercado, também forte.

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1)Não haverá mercado forte sem um Estado forte; 2) não haverá crescimento sustentado a taxas elevadas sem o fortalecimento dessas duas instituições (Estado e mercado) e sem a implementação de políticas macroeconômicas adequadas; 3) mercado e Estado fortes somente serão construídos por um projeto nacional de desenvolvimento que compatibilize crescimento econômico sustentado com equidade social; e 4) não é possível atingir o objetivo da redução da desigualdade social sem crescimento a taxas elevadas e continuadas (Siscú et.al., 2005:XXXV).

Embora algumas destas teses sejam questionáveis, principalmente a

última6, é importante ver como o neo-desenvolvimentismo é concebido

academicamente como vinculado ao crescimento econômico com

distribuição social da riqueza e, conseqüentemente, com a diminuição da

desigualdade. Este é um viés diferente do desenvolvimentismo clássico,

já que aquele só procurava o desenvolvimento pela via da

industrialização e não tinha, ao menos não geralmente, no discurso um

objetivo de redução da desigualdade ou de distribuição da renda.

Por outro lado, o projeto de inserção internacional do Brasil tem a

ver direitamente com sua política de desenvolvimento. Neste sentido, o

pensamento globalizante é anti-nacionalista, no entanto o neo-

desenvolvimentismo deveria brindar uma alternativa que permita

conjugar ambas as coisas. Este é o caminho que os países como Brasil

dispõem-se a fazer. Em primeiro lugar, estes governos devem conjugar

seus mercados locais com os mundiais, trata-se de fomentar um projeto

que permita uma inserção soberana nestes mercados. Com relação a isto,

novas oportunidades aparecem para as regiões subdesenvolvidas, em

especial, para Ásia (tanto no G20 quanto no G4, apesar do período de

crise que estão passando os âmbitos governamentais multilaterais).

6 Já que não é preciso esperar a engrandecer o bolo para depois repartir.

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Em segundo lugar, a política exterior brasileira já tem um longo

desenvolvimento como área estratégica da política local. A partir da

década dos 60, o Brasil tem feito grandes esforços por desenvolver uma

política exterior autônoma apesar do alinhamento com os Estados

Unidos. O maior passo neste sentido se deu a partir do ano 2002, quando

a integração sul-americana foi definida como ação prioritária da política

exterior brasileira.

Na América Latina, o Brasil é considerado um dos países que mais

tem tirado proveito das últimas mudanças no nível político-estratégico.

Embora este fato gere também certas reticências, sobretudo de parte da

Argentina e Venezuela. Contudo, a idéia de que o Brasil é o líder nato da

América Latina, ainda que generalizada (não unicamente na região) não

implica um consenso. A este respeito, Coutinho (2008:275) explica que

não existe uma liderança natural, senão que esta deve ser construída.

Além disso, a existência de um líder supõe também a de liderados que

demandam certas vantagens em troca. Neste sentido, o governo Lula teve

uma política externa mais ativa que seu antecessor, sobretudo no segundo

governo se fez mais evidente uma mudança de foco desde o Mercosul

para a América Latina em geral.

Além disso, o Brasil está dentro dos países emergentes

denominados BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Este

grupo de países que lideram suas respectivas regiões enquanto ao

tamanho tanto da economia, quanto do território, tem um grande desafio

se querem se consolidar como uma alternativa geopolítica válida para

lidar com os países desenvolvidos nos organismos internacionais. Este

desafio é tentar ter uma agenda política comum que supere as enormes

diferenças e conflitos de interesses que tem cada um deles dentro da sua

própria região e no contexto mundial, e que esta coligação consiga

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O Papel do Brasil na Nova Ordem Mundial: uma visão desde o MERCOSUL

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traspassar a barreira de mero nexo econômico-comercial para se

converter numa agenda estratégica comum.

Mercosul: uma longa agonia?

Junto à agonia das teses neoliberais da década dos 90, surge a

pergunta do que acontecerá com o Mercosul, filho daquela concepção

liberal de mercados integrados, liberalização comercial e desregulação, é

preciso que a longa agonia na que se encontra o bloco regional seja

recomposta num esquema de integração maior. Por isso, é de muita

relevância saber se as novas redefinições políticas que os governos de

esquerda estão impondo ao Mercosul servirão para sua sobrevivência,

isto depende direitamente das decisões que tome Brasil.

Brasil tem tido sempre um papel protagonista na América Latina,

claro está que não só por causa de seu tamanho, mas porque tem sido

historicamente identificado com todo o continente. Neste sentido, a frase

“aonde vai o Brasil, vai América Latina”7 tem mais vigência que nunca.

Apesar disso, as elites internas não sempre foram cientes com respeito a

tal papel, posto que durante boa parte do século XX estiveram voltadas

de costas à América Latina e olharam para o Atlântico. Recentemente,

América Latina tem se convertido para Brasil na fonte de seu crescente

desenvolvimento, já que muitas das indústrias de ponta encontram na

região o destino final para suas mercadorias (regionalismo estrutural). A

maior expectativa com respeito ao papel do Brasil no cenário mundial

não deve perder de vista sua centralidade regional. Com respeito desta

ultima afirmação, há alguns aspectos a levar em consideração: em

7 Declaração feita por o Presidente dos Estados Unidos da época, Richard Nixon em 1971.

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primeiro lugar, as relações históricas entre Brasil e os países da América

Latina. Como já tem se assinalado, alguns consideram que o Brasil tem

sido historicamente protagonista na região; no entanto, também existem

teses que apontam que o Brasil apenas está ocupando o lugar que os

Estados Unidos lhe deixara, antes ocupado pela Espanha e Inglaterra

(Coutinho, 2009). Hirst, por sua parte, considera que há uma perda de

liderança dos Estados Unidos que já não tem forças para lidar com as

turbulências periféricas, fato que abre passo à consolidação do Brasil

como potência regional. Historicamente estas relações entre vizinhos não

tem evadido certas desconfianças, seja por questões culturais, de língua e

ate por determinações históricas derivadas das diferentes trajetórias, o

resto dos países da América Latina tem olhado ao Brasil como uma

ameaça imperialista no continente. Se bem esta trajetória de pais

imperialista não tem muitos fundamentos, já que desde 1870 o Brasil tem

mantido relações pacíficas com o resto dos países, existem algumas

visões que consideram a Brasil o sócio auxiliar da hegemonia americana

na região (Fiori, 2007:104).

Segundo Hirst (2009) existem quatro fatores que estão

determinando a política exterior brasileira com respeito a seus vizinhos:

em primeiro lugar, a projeção que a região tem sobre a estabilidade

democrática brasileira; em segundo, sua relação direta com os interesses

econômicos locais; em terceiro, a afirmação do Brasil como um poder

regional a escala mundial e, por último, as especificidades de cada

relação bilateral. A interação específica destes quatro fatores na

conjuntura marca o signo da política exterior brasileira. A autora

identifica, ademais, dois momentos da sua política exterior para a região.

O primeiro está caracterizado pelas variáveis brandas do poder, com uma

política marcada pela Presidência da União de diálogo político e de

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O Papel do Brasil na Nova Ordem Mundial: uma visão desde o MERCOSUL

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agenda múltipla. Enquanto o segundo momento tem a ver com a adoção

de assuntos mais duros, por exemplo, a questão da segurança continental.

Com respeito ao Mercosul, existem muitos desafios que o bloco

está enfrentando. Um deles tem a ver com a virada da política brasileira

com relação a sua priorização do âmbito multilateral para conseguir a

cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU, assim como

também a consolidação da Unasul. Ambos os assuntos têm deixado atrás

o Mercosul como política de integração prioritária brasileira. Este fato

constitui um desafio maior para os países sócios do Brasil já que deverão

redefinir suas políticas de integração regional voltando-se para a Unasul

se não querem perder o trem em que Brasil está embarcado.

Além disso, a aceitação do Brasil na sua função como ator mundial

depende da capacidade que este país tenha para levar junto a ele aos

demais sócios do Mercosul, principalmente à Argentina. Se isto não

acontecer o Mercosul atuaria como um obstáculo ao relacionamento

mundial do Brasil, ao menos nos âmbitos multilaterais. Por isso, é

importante que o Mercosul tenha a capacidade de conseguir espaços

conjuntos de negociação nos foros mundiais. A este respeito, é

importante o fato da Argentina ter aceitado a candidatura brasileira ao

Conselho de Segurança da ONU. No que diz respeito à política brasileira

sobre a ONU, é de destacar a constituição do G-4 em 2004, integrado

pela Alemanha, Brasil, Índia e Japão, o grupo procurava consolidar suas

estratégias de revisão da institucionalidade da ONU. Para o Brasil é

importantíssimo contar com o apoio de seus sócios do bloco regional

para consolidar sua meta. Se não fosse assim, se converteria num jogo de

tire e solta demasiado perigoso tanto para as negociações intra-bloco

com fins a consolidar o Mercosul, quanto para sua própria sobrevivência.

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As dificuldades para concretizar as metas econômicas de integração

de mercados dentro do Mercosul abrem um novo desafio nos inícios do

século XXI, a necessidade de fechar acordos que atinjam a América

Latina toda. Neste sentido, a constituição da Comunidade Sul-americana

de Nações (União Sul-americana de Nações) constitui uma tentativa por

dar-lhe uma nova dimensão política à integração regional,

fundamentalmente a través da abertura de novos processos de

institucionalização.

Por outro lado, no que diz respeito aos assuntos militares, são

surpreendentes as cifras citadas por Vágner e Heye (2008) nas que o

Brasil gasta 71% dos gastos militares da América Latina desde 1990 a

2006. Esta cifra é ainda mais surpreendente se compararmos com o gasto

da Colômbia (7%) e Venezuela (4,1%) do gasto militar da região. As

notícias da compra de armamento e das investigações nucleares do Brasil

não deveriam nos surpreender, levando em conta estes dados. Além

disso, segundo estes autores: No ano corrente [2008] o Presidente Luis

Inácio Lula Da Silva propôs um orçamento de defesa 53% maior do que

o de 2007. Com gastos, nos últimos 15 anos, 10 vezes maior do que o

segundo colocado, a Colômbia, o Brasil não conta com rival na região

nesse quesito.8 No entanto, os autores não consideram que esteja

acontecendo efetivamente uma corrida armamentista na América Latina

(como a imprensa vem alardeando nos últimos anos, em especial, diante

das compras militares feitas pela Venezuela) pelo contrário, consideram

que é devido a uma mudança natural de material bélico aproveitando o

aumento nos preços dos commodities.

8 Vágner, C. y Heye, T., 2008:3.

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Além do mais, no governo Lula evidenciam-se algumas mudanças

a respeito da política externa e seu papel na agenda política nacional.

Tem acontecido uma mudança no tratamento da política exterior,

anteriormente considerada um assunto privativo dos diplomáticos,

atualmente constitui um tema de notório tratamento tanto pela imprensa,

quanto pela sociedade. E, exceto a proximidade das eleições que brindam

um justo motivo à oposição para criar discórdias em torno da política

exterior, esta não tem tido maiores rejeições.

Conclusões

Brazil takes off. O editorial do The Economist de 12 de novembro

de 2009 falava da economia brasileira e da arrogância (ou soberba) com

que o Brasil pareceria atuar. Embora não escondesse o encanto mundial

pelo presidente Lula da Silva, apelidava-o de arrogante e de não

reconhecer muitos dos problemas que o Brasil ainda enfrenta. No

entanto, o editorial intitulava-se Brasil decola e assinalava os sucessos

econômicos que este país tem obtido, em oposição a seus colegas de

acrônimo (Rússia, Índia e China). Este trabalho tentou dar resposta ao

que se desprende do editorial, se o Brasil está pisando forte no contexto

mundial, quais são suas conseqüências para a região e que necessita

cuidar o Brasil para alcançar seus objetivos.

Em primeiro lugar, pareceria importante fazer um ajuste de tom na

afirmação de que Brasil está pisando forte na arena mundial. Se bem é

verdade que a política exterior do governo brasileiro tem sido muito mais

exigente respeito à reforma institucional da ONU e sobre o

protecionismo que os países ricos impuseram na rodada de Doha. O

Brasil não está disputando sozinho esse lugar predominante, está

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acompanhado de perto por outros países em similares circunstancias (e

inclusive melhores, como a China e Índia).

Apesar disso, sim, existe uma mudança de rumo na política exterior

brasileira a respeito à região, assumindo sua liderança (que não deixa de

ser disputada em forma direta pela Venezuela, e, mais indiretamente,

pelos Estados Unidos) com a intenção deliberada de não deixá-la atrás;

um exemplo é a intervenção na crise hondurenha do ano 2009 e suas

conseqüências a nível regional.

Neste contexto, o Mercosul está passando por um período de

estabilidade e letargia perigoso com muitas idas e voltas em torno de

temas já conhecidos e inclusive de raiz administrativa (embora a

aprovação da entrada da Venezuela por parte do Congresso brasileiro

possa ter sacudido o bloco). No entanto, é de esperar que o Brasil não

deixe de lado o Mercosul como política de inserção regional primordial

já que continua sendo uma peça chave como instrumento de negociação

no contexto multilateral.

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