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12 l O País l Quarta - feira, 06 de Agosto de 2014 OPINIÃO Hélder Muteia, Responsável do Escritório da FAO em Portugal O papel da mulher no INTRODUÇÃO A lguns dos problemas mais graves de pobreza absolu- ta que o mundo enfrenta hoje, originam, não ape- nas de fatores de natureza económica, mas também de cariz social e cultural que, combinados, causam distorções na partilha de oportunidades e deixam feridas profundas no tecido social. O desequilíbrio de género e a marginalização da mulher nos processos de desenvolvi- mento são exemplos elucidativos dessa realidade. Na história da humanidade, houve tempos em que a força bruta era “a mais forte das razões”. A sobrevivência exigia sistemas brutais de im- posição da ordem social. E tudo se organizava em função dessa capaci- dade dissuasora “selvagem”. Naturalmente que existiram condicionantes, não só de foro biológi- co, mas também económico e social. A natureza talhou as mulheres de particularidades orgânicas, morais e físicas diferentes das dos homens. Concedeu-lhes, por exemplo, o dom da maternidade que implica obri- gações específicas e dinâmicas, em função dos desafios de cada espaço geográfico, momento histórico, fenómenos demográficos e formas de organização social. Assim, as tarefas mais sedentárias e de cariz doméstico eram reserva- das às mulheres, enquanto que as tarefas que exigiam hábitos migrató- rios, como a caça e a pesca, ficavam reservadas aos homens. Isso pode, em certa medida, ter contribuído para um certo desequilíbrio e estig- matização na hierarquia familiar. NOVAS REALIDADES, NOVOS PARADIGMAS Com o passar do tempo, e com os sucessivos processos de industria- lização, urbanização e desenvolvimento tecnológico, as famílias, comu- nidades e sociedades tornaram-se mais complexas. Os desafios multi- plicaram-se. Surgiram novas oportunidades económicas, novas formas de organização social, novas estruturas, novas relações humanas, novas hierarquias e novas formas de concertação e partilha. Emergiram novas oportunidades para a reafirmação do papel da mulher e a conquista de maior protagonismo no desenvolvimento económico, social, político e ambiental. Algumas sociedades foram mais céleres na busca de equilíbrios e melhores formas de partilha entre os diferentes membros da família e da sociedade. Outras continuaram amarradas a sistemas tradicio- nais rígidos, e tiveram mais dificuldades em se adaptar aos desafios do mundo moderno. Certas tradições e práticas retrógradas (encobertas em forma de tabus, dogmas, rituais, superstições, credos, convicções e preconceitos), conjugadas com o analfabetismo institucionalizado, de- ram origem a situações aberrantes, que vão além dos limites do huma- namente aceitável. Motivo mais do que suficientes para uma profunda reflexão colectiva. Essa realidade é mais notória no meio rural, onde a pobreza impera, a mobilidade social é mais lenta, onde as feridas sangram mais, onde as cicatrizes são mais duradouras e onde os sistemas tradicionais são me- nos flexíveis às mudanças culturais e sociais, onde o acesso aos recursos naturais e a participação nos processos decisórios são institucionalmen- te recusados à mulher, configurando não apenas um acto de injustiça e negação de direitos fundamentais, mas também um flagrante desperdí- cio da sua capacidade e potencialidade produtiva. Cada vez mais, perante o avolumar dos desafios sociais, económicos e ambientais, o mundo vê-se na obrigação de olhar de frente para a questão do género, conferindo à mulher os papéis, oportunidades e responsabilidades que lhe são merecidos, e a oportunidade para se tor- nar uma força propulsora do desenvolvimento humano, no meio rural. Assim, considerando as oportunidades disponíveis, para uma efectiva participação da mulher no desenvolvimento rural, a agricultura oferece janelas de oportunidade mais realistas, pois grande parte das mulheres rurais está directa ou indirectamente integrada em actividades agríco- las. Na África Sub-sahariana, América Latina e Caribe, por exemplo, cerca de 80% da produção de alimentos é feita por mulheres, e na Ásia ronda os 60%. A DINÂMICA DO DESAFIO EM MOÇAMBIQUE A sociedade rural moçambicana sofreu uma espécie de feminização da agricultura, em parte por causa dos regimes poligâmicos que trans- formaram as mulheres em mão de obra barata e, por outro lado, pelos fenómenos migratórios para as minas do rand, xibalo, contratos em plantações de algodão, copra, sisal etc. Assim, no campo, as mulheres viram-se forçadas a trabalhar na agri- cultura como forma de subsistência, durante as prolongadas e incons- tantes ausências dos esposos. Nas zonas urbanas e periurbanas, as mu- lheres também recorriam a actividade agrícola como complemento à sua renda familiar. Tirando um grupo restrito que conquistou espaços na administração, professorado e enfermagem, as restantes refugia- vam-se no comércio de rua (de amendoim, hortícolas, doces, etc.) e nos casos mais extremos à mendicidade e prostituição. Olhando para a história mais recente, uma homenagem deve ser fei- ta ao chamado Destacamento Feminino da FRELIMO (movimento de libertação), que lançou as sementes de um novo rumo para as questões do equilíbrio de género em Moçambique, com vista à libertação da mu- lher, não apenas do jugo colonial, mas também de outras formas de exploração e inferiorização. Com a celebração da independência na- cional em 1975, o Destacamento Feminino constitui-se em OMM (Or- ganização da Mulher Moçambicana) e, no seguimento da sua missão, consolidou princípios ideológicos que se revelaram fundamentais nos primórdios da história do país. Embora possa haver quem lhe atribua uma excessiva vinculação ao Partido Frelimo, é preciso reconhecer que foi com base no seu trabalho que a situação da mulher moçambicana passou a merecer uma aborda- gem mais frontal, inspirando o surgimento de múltiplas organizações de defesa dos direitos da mulher em outros partidos políticos, e em or- ganizações económicas e sociais. Desde de então, com mais celeridade e abertura a partir dos finais dos anos 80, surgiram muitas organizações de defesa da mulher. Algu- mas delas de carácter mais genérico como a AMODEFA (Associação Moçambicana de Defesa da Família), AMME – (Associação Moçam- bicana Mulher e Educação), ASSOMUDE (Associação Moçambicana para o Desenvolvimento), Fórum Mulher, ADOCA (Associação das Donas de Casa), MULEIDE (Associação Mulher, Lei e Desenvolvimen- to); outras que refletiam uma intenção de afirmação em ramos execu- tivos e administrativos como a AMMCJ (Associação Moçambicana das Mulheres de Carreira Jurídica), ACTIVA – (Associação das Mulheres Empresárias o Executivas), ASSEMO (Associação das Secretárias de Moçambique); outras mais vocacionadas para o trabalho rural e agrí- cola como a AMRU (Associação Moçambicana para a Mulher Rural) ; e ainda outras que, sem serem exclusivamente vocacionadas para as mu- lheres, adoptaram elementos de defesa dos estatutos da mulher, como por exemplo a AMODER (Associação Moçambicana para o Desenvol- vimento Rural), AMODESE (Acção Moçambicana para o Desenvolvi- mento), UNAC (União Nacional de Camponeses), UGC (União Geral de cooperativas) e ORAM (Organização Rural de Ajuda Mútua). Este movimento também inspirou conquistas no campo da partici- pação política (Parlamento, Governo, sector público, órgãos partidá- rios, empresas privadas e academia). No ramo do empreendedorismo, Essa realidade é mais notória no meio ru- ral, onde a pobreza impera, a mobilidade social é mais lenta, onde as feridas san- gram mais, onde as cicatrizes são mais duradouras e onde os sistemas tradicionais são menos flexíveis às mudanças cultu- rais e sociais, onde o acesso aos recursos naturais e a partici- pação nos processos decisórios são institu- cionalmente recusa- dos à mulher

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Page 1: O papel da mulher no desenvolvimento rural INTRODUÇÃO As_6_8... · da FAO em Portugal O papel da mulher no ... A sociedade rural moçambicana sofreu uma ... rada de um deles encontra

12 l O País l Quarta - feira, 06 de Agosto de 2014

OPINIÃO

Hélder Muteia, Responsável do Escritório

da FAO em Portugal

O papel da mulher no desenvolvimento rural INTRODUÇÃO

Alguns dos problemas mais graves de pobreza absolu-ta que o mundo enfrenta hoje, originam, não ape-nas de fatores de natureza económica, mas também de cariz social e cultural que, combinados, causam distorções na partilha de oportunidades e deixam feridas profundas no tecido social. O desequilíbrio

de género e a marginalização da mulher nos processos de desenvolvi-mento são exemplos elucidativos dessa realidade.

Na história da humanidade, houve tempos em que a força bruta era “a mais forte das razões”. A sobrevivência exigia sistemas brutais de im-posição da ordem social. E tudo se organizava em função dessa capaci-dade dissuasora “selvagem”.

Naturalmente que existiram condicionantes, não só de foro biológi-co, mas também económico e social. A natureza talhou as mulheres de particularidades orgânicas, morais e físicas diferentes das dos homens. Concedeu-lhes, por exemplo, o dom da maternidade que implica obri-gações específicas e dinâmicas, em função dos desafios de cada espaço geográfico, momento histórico, fenómenos demográficos e formas de organização social.

Assim, as tarefas mais sedentárias e de cariz doméstico eram reserva-das às mulheres, enquanto que as tarefas que exigiam hábitos migrató-rios, como a caça e a pesca, ficavam reservadas aos homens. Isso pode, em certa medida, ter contribuído para um certo desequilíbrio e estig-matização na hierarquia familiar.

NOVAS REALIDADES, NOVOS PARADIGMASCom o passar do tempo, e com os sucessivos processos de industria-

lização, urbanização e desenvolvimento tecnológico, as famílias, comu-nidades e sociedades tornaram-se mais complexas. Os desafios multi-plicaram-se. Surgiram novas oportunidades económicas, novas formas de organização social, novas estruturas, novas relações humanas, novas hierarquias e novas formas de concertação e partilha. Emergiram novas oportunidades para a reafirmação do papel da mulher e a conquista de maior protagonismo no desenvolvimento económico, social, político e ambiental.

Algumas sociedades foram mais céleres na busca de equilíbrios e melhores formas de partilha entre os diferentes membros da família e da sociedade. Outras continuaram amarradas a sistemas tradicio-nais rígidos, e tiveram mais dificuldades em se adaptar aos desafios do mundo moderno. Certas tradições e práticas retrógradas (encobertas em forma de tabus, dogmas, rituais, superstições, credos, convicções e preconceitos), conjugadas com o analfabetismo institucionalizado, de-ram origem a situações aberrantes, que vão além dos limites do huma-namente aceitável. Motivo mais do que suficientes para uma profunda reflexão colectiva.

Essa realidade é mais notória no meio rural, onde a pobreza impera, a mobilidade social é mais lenta, onde as feridas sangram mais, onde as cicatrizes são mais duradouras e onde os sistemas tradicionais são me-nos flexíveis às mudanças culturais e sociais, onde o acesso aos recursos naturais e a participação nos processos decisórios são institucionalmen-te recusados à mulher, configurando não apenas um acto de injustiça e negação de direitos fundamentais, mas também um flagrante desperdí-cio da sua capacidade e potencialidade produtiva.

Cada vez mais, perante o avolumar dos desafios sociais, económicos e ambientais, o mundo vê-se na obrigação de olhar de frente para a questão do género, conferindo à mulher os papéis, oportunidades e responsabilidades que lhe são merecidos, e a oportunidade para se tor-nar uma força propulsora do desenvolvimento humano, no meio rural.

Assim, considerando as oportunidades disponíveis, para uma efectiva participação da mulher no desenvolvimento rural, a agricultura oferece janelas de oportunidade mais realistas, pois grande parte das mulheres rurais está directa ou indirectamente integrada em actividades agríco-las. Na África Sub-sahariana, América Latina e Caribe, por exemplo, cerca de 80% da produção de alimentos é feita por mulheres, e na Ásia ronda os 60%.

A DINÂMICA DO DESAFIO EM MOÇAMBIQUEA sociedade rural moçambicana sofreu uma espécie de feminização

da agricultura, em parte por causa dos regimes poligâmicos que trans-formaram as mulheres em mão de obra barata e, por outro lado, pelos fenómenos migratórios para as minas do rand, xibalo, contratos em plantações de algodão, copra, sisal etc.

Assim, no campo, as mulheres viram-se forçadas a trabalhar na agri-cultura como forma de subsistência, durante as prolongadas e incons-tantes ausências dos esposos. Nas zonas urbanas e periurbanas, as mu-lheres também recorriam a actividade agrícola como complemento à sua renda familiar. Tirando um grupo restrito que conquistou espaços na administração, professorado e enfermagem, as restantes refugia-vam-se no comércio de rua (de amendoim, hortícolas, doces, etc.) e nos casos mais extremos à mendicidade e prostituição.

Olhando para a história mais recente, uma homenagem deve ser fei-ta ao chamado Destacamento Feminino da FRELIMO (movimento de libertação), que lançou as sementes de um novo rumo para as questões do equilíbrio de género em Moçambique, com vista à libertação da mu-lher, não apenas do jugo colonial, mas também de outras formas de exploração e inferiorização. Com a celebração da independência na-cional em 1975, o Destacamento Feminino constitui-se em OMM (Or-ganização da Mulher Moçambicana) e, no seguimento da sua missão, consolidou princípios ideológicos que se revelaram fundamentais nos primórdios da história do país.

Embora possa haver quem lhe atribua uma excessiva vinculação ao Partido Frelimo, é preciso reconhecer que foi com base no seu trabalho que a situação da mulher moçambicana passou a merecer uma aborda-gem mais frontal, inspirando o surgimento de múltiplas organizações de defesa dos direitos da mulher em outros partidos políticos, e em or-ganizações económicas e sociais.

Desde de então, com mais celeridade e abertura a partir dos finais dos anos 80, surgiram muitas organizações de defesa da mulher. Algu-mas delas de carácter mais genérico como a AMODEFA (Associação Moçambicana de Defesa da Família), AMME – (Associação Moçam-bicana Mulher e Educação), ASSOMUDE (Associação Moçambicana para o Desenvolvimento), Fórum Mulher, ADOCA (Associação das Donas de Casa), MULEIDE (Associação Mulher, Lei e Desenvolvimen-to); outras que refletiam uma intenção de afirmação em ramos execu-tivos e administrativos como a AMMCJ (Associação Moçambicana das Mulheres de Carreira Jurídica), ACTIVA – (Associação das Mulheres Empresárias o Executivas), ASSEMO (Associação das Secretárias de Moçambique); outras mais vocacionadas para o trabalho rural e agrí-cola como a AMRU (Associação Moçambicana para a Mulher Rural) ; e ainda outras que, sem serem exclusivamente vocacionadas para as mu-lheres, adoptaram elementos de defesa dos estatutos da mulher, como por exemplo a AMODER (Associação Moçambicana para o Desenvol-vimento Rural), AMODESE (Acção Moçambicana para o Desenvolvi-mento), UNAC (União Nacional de Camponeses), UGC (União Geral de cooperativas) e ORAM (Organização Rural de Ajuda Mútua).

Este movimento também inspirou conquistas no campo da partici-pação política (Parlamento, Governo, sector público, órgãos partidá-rios, empresas privadas e academia). No ramo do empreendedorismo,

Essa realidade é mais notória no meio ru-ral, onde a pobreza impera, a mobilidade social é mais lenta, onde as feridas san-gram mais, onde as cicatrizes são mais duradouras e onde os sistemas tradicionais são menos flexíveis às mudanças cultu-rais e sociais, onde o acesso aos recursos naturais e a partici-pação nos processos decisórios são institu-cionalmente recusa-dos à mulher

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Quarta - feira, 06 de Agosto de 2014 l O País l 13

O papel da mulher no desenvolvimento rural

O nosso amor é de partido. De partidas. o nosso amor é de contínuas despedidas.

Manuel Alegre

Clemente Bata faz parte de uma nova ge-ração de autores que, de há alguns anos a esta parte, têm, para além de publicar livros, se envolvido na dinamização das letras moçambicanas. Afinal, a literatura, em qualquer parte do mundo, só se forta-

lece quando novos escritores aparecem para dar (des)con-tinuidade ao que os anteriores fizeram de melhor. Sendo novo, em “Retratos do Instante”, seu livro de estreia, Bata traz contextos deveras explorados por autores como Aldino Muianga, Suleiman Cassamo ou Marcelo Panguana, bus-cando, talvez, em cada um, determinadas particularidades. Assumindo como razoáveis as constatações que aqui coloca-mos, não nos admira que o espaço rural e o imaginário co-lectivo das comunidades, sobretudo da segunda metade do século passado, tenham na obra uma aparição peremptória. Todavia, mais do que estas convergências, o que mais nos in-teressa na escrita de Clemente Bata é a dimensão trágica do amor, que se constrói com suicídio ou com despedidas ines-peradas, motivados pelo facto de as personagens femininas recusarem-se a suportar determinadas realidades. De formas diferentes, três contos da obra configuram o amor como um sentimento nobre, para, em seguida, mostrar como é que desse sentimento pode emanar escolhas radicais.

Um dos contos que projecta esse reflexo é “Ntavasse e o seu homem”, a história de Ntavasse, que, ao perder o homem que amava, vê-se obrigada pelos “antepassados” a casar-se com o cunhado, por quem nutria considerável antipatia. Como forma de resistir ao que lhe parecia insensato, Nta-vasse suicida-se nas águas do mar, atraindo o futuro marido à morte. Assim, a linda história amorosa entre Ntavasse e

Bulau, seu marido, ganha um desfecho trágico: a morte de quatro personagens.

O mesmo acontece em “Ponto final”, a história mais urba-na da obra. Neste conto, há dois relacionamentos que, ao se cruzarem, edificam uma dimensão trágica ao amor que as personagens sentem umas pelas outras. E tudo por causa de um mal entendido. Ou seja, há no conto duas personagens gémeas, ambas do sexo masculino. A certa altura, a namo-rada de um deles encontra o cunhado na cama com uma mulher. Julgando, erradamente, tratar-se do namorado, desespera-se e nada mais faz se não atirar-se do 7º andar do prédio. Estrela, a personagem em causa, suicida-se e deixa o namorado e o casal destroçados.

Por fim, “A promessa”, um conto que faz o enfoque ao êxodo rural, quando Zuze leva Khudzi, a mulher, à cidade, mesmo contra a sua vontade, sem trazer nenhuma morte, apresenta um fim de relacionamento trágico. Tudo porque Zuze não conseguiu cumprir a promessa de dar uma boa vida à mulher, feita ainda em Inhambane, onde viviam. Já na cidade, inconformada com a miséria, Khudzi larga o marido e torna-se prostituta. Zuze fica estupefacto, mas nada podia fazer.

Portanto, partindo das relações que se estabelece entre ca-sais que se amam, a escrita de Clemente Bata em “Retratos do Instante” explora o lado trágico dessas relações, como se pretendesse mergulhar no universo dos que não suportam ver um amor a despedir-se. Parece existir, nesta obra, a inten-ção de mostrar que o amor é uma arma tão subtil, que pode unir, mas também destruir. Tudo depende de como a arma é manejada. n

Título: Retratos do Instante Autor: Clemente BataEditora: AEMOClassificação: 13

Clemente Bata

A dimensão do amor em “Retratos do Instante”

também surgiram fenómenos de determinação e inovação, como por exemplo o “MUKHERO” (comércio transfronteiriço que foi literalmen-te “inventado”, dinamizado e massificado por mulheres).

Porém, esta dinâmica foi mais notória nos contextos urbanos. No campo, onde predominam modelos tradicionais, e ainda prevalecem certas práticas repressoras (como a poligamia e casamentos prematu-ros, por exemplo) e onde o analfabetismo continua a desempenhar o seu papel retardador, os avanços foram mais tímidos, chamando a aten-ção para a urgência de uma concentração de esforços na formação, edu-cação, esclarecimento melhoramento e modernização das instituições tradicionais.

CAMINHOS E POSSIBILIDADESO mundo está consciente dos entraves que a mulher enfrenta para

a sua participação efectiva no desenvolvimento rural, particularmente nos países em desenvolvimento. Está cada vez mais presente a necessida-de de promover mudanças na ordem económica e social, para reduzir as desigualdades, os baixos rendimentos e demais formas de violência e insegurança social que prejudicam a mulher.

O analfabetismo é um dos maiores entraves para a sua afirmação. Tudo o que puder ser feito para a alfabetização de mulheres, para o ingresso de meninas e raparigas no sistema de ensino, terá sempre um

efeito positivo. Sabe-se, por exemplo, que das cerca de 800.000 pessoas analfabetas, 60% são mulheres. Isso limita o seu acesso ao conhecimen-to, informação e tecnologias. O outro entrave é o limitado acesso aos recursos produtivos. Sem terras, sem acesso a capitais e sem educação, o seu protagonismo e posição negocial são colocadas numa posição de desvantagem, impedindo a sua participação efectiva na economia e no mercado.

Para a materialização e reconhecimento dos importantes e diversi-ficados papéis da mulher na sociedade, é importante que se promova uma mudança de mentalidades a nível de toda a sociedade, através de debates abertos nos meios rurais e urbanos, sobre temas ligados aos di-reitos civis, saúde materno-infantil, fertilidade, divórcio, emprego, pos-se de terras entre outros.

São necessárias e urgentes políticas públicas que promovam o acesso à educação, recursos, tecnologias, crédito e mercados; que estimulem um crescente protagonismo da mulher na criação e dinamização de as-sociações e cooperativas; que promovam a sua integração em posições de liderança nas mais diversas áreas económicas, políticas e sociais; que estimulem a libertação máxima de sua visão estratégica, criatividade, delicadeza e espírito empreendedor; e que garantam a sua integração em todos os ramos essenciais para o desenvolvimento rural (agricultu-ra, comércio, indústria, saúde, educação e serviços).n

... é preciso reconhecer que foi com base no seu trabalho que a situação da mulher moçambicana passou a merecer uma abor-dagem mais frontal