o papel da medicina dentÁria nas ciÊncias...

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CEDIS Working Papers | Direito, Segurança e Democracia | ISSN 2184-0776 | Nº 19 | novembro de 2015 1 DIREITO, SEGURANÇA E DEMOCRACIA NOVEMBRO 2015 19 O PAPEL DA MEDICINA DENTÁRIA NAS CIÊNCIAS FORENSES JOÃO PAULO VENTINHAS BARROSO E SILVA Mestrando de Direito e Segurança RESUMO A perícia médico-dentária tem revelado bastante interesse e importância na área da identificação humana, particularmente post mortem. na sequencia de eventos como catástrofes naturais, tragédias em massa, casos de deformação, carbonização ou decomposição de indivíduos. As peças dentárias são as estruturas corporais mais estáveis, resistentes e duráveis do organismo humano, mantendo as suas propriedades e características disponíveis por longos períodos post mortem. Realçando, assim, a importância do envolvimento e incorporação de Médicos Dentistas nas equipas médico- legais e de ciências forenses. A existência de dados registados ante mortem são pertinentes e decisivos para as peritagens médico-dentárias, sendo de extrema importância que os mesmos estejam corretamente preenchidos. O processo clínico de cada individuo deverá incluir a documentação, os exames complementares realizados como auxiliares de diagnóstico, tais como, odontograma, radiografias, entre outros, devem ser agregados e guardados no processo do paciente e constar preferencialmente

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CEDIS Working Papers | Direito, Segurança e Democracia | ISSN 2184-0776 | Nº 19 | novembro de 2015

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DIREITO, SEGURANÇA E

DEMOCRACIA

NOVEMBRO

2015

Nº 19

O PAPEL DA MEDICINA DENTÁRIA NAS CIÊNCIAS FORENSES JOÃO PAULO VENTINHAS BARROSO E SILVA Mestrando de Direito e Segurança

RESUMO A perícia médico-dentária tem revelado bastante interesse e importância na área da

identificação humana, particularmente post mortem. na sequencia de eventos como

catástrofes naturais, tragédias em massa, casos de deformação, carbonização ou

decomposição de indivíduos. As peças dentárias são as estruturas corporais mais

estáveis, resistentes e duráveis do organismo humano, mantendo as suas propriedades e

características disponíveis por longos períodos post mortem. Realçando, assim, a

importância do envolvimento e incorporação de Médicos Dentistas nas equipas médico-

legais e de ciências forenses. A existência de dados registados ante mortem são

pertinentes e decisivos para as peritagens médico-dentárias, sendo de extrema

importância que os mesmos estejam corretamente preenchidos. O processo clínico de

cada individuo deverá incluir a documentação, os exames complementares realizados

como auxiliares de diagnóstico, tais como, odontograma, radiografias, entre outros,

devem ser agregados e guardados no processo do paciente e constar preferencialmente

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num sistema informático, permitindo a sua consulta rápida e organizada e envio dos

mesmos, facilitando os processos de identificação.

PALAVRAS-CHAVE Medicina dentária forense, marcas de mordida, identificação de vítimas de

catástrofes, identificação dentária, perfil dentário.

ABSTRADCT The medical and dental expertise has shown great interest and importance in the

field of human identification, particularly postmortem. the sequence of events such as

natural disasters, mass tragedies, deformation cases, charring or decomposition

individuals. The dental specimens are body structures more stable, durable and resistant

human body, maintaining its properties and characteristics postmortem available for long

periods. Enhancing thus the importance of involving and incorporating Dentists in medico-

legal teams and forensic sciences. The existence of data recorded antemortem are

relevant and crucial for medical and dental examinations, being of utmost importance that

they are properly filled. The clinical process of each individual shall include documentation,

complementary exams as diagnostic aids such as dental chart, x-rays, among others,

should be aggregated and stored in the patient's case and included preferably in a

computer system, allowing your query fast and organized and sending the same,

facilitating the identification process.

KEYWORDS Forensic dentistry, bite marks, identifying victims of disasters, dental identification,

dental profile.

LISTA DE ABREVIATURAS, SIGLAS E ACRÓNIMOS ABFO - American Board of Forensic Odontology

A.C. - Antes de Cristo

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ADN - Ácido desoxirribonucleico

CIFA - Centro internacional de assistência forense

CPOS - Curso de Promoção a Oficial Superior

DVI - Disaster victim identification

FDI - Federal dental association

GNR Guarda Nacional Republicana

MO - Mesial e oclusal

MOD - Mesial, Oclusal e distal

NHS - National Health Sistem

PACE - Police and Criminal Act

PCR - Polimerase chain reaction

PNICC - Centro de informação e coordenação nacional de Policia

p. - Página

pp. Páginas

INTRODUÇÃO O presente trabalho, integrado na Unidade Curricular Organização e Cooperação

Policial, do Curso de Promoção a Oficial Superior (CPOS) da Guarda Nacional

Republicana (GNR), pretende demonstrar a importância do papel da Medicina Dentária

nas Ciências Forenses.

Este objetivo visa responder à pergunta “QUAL O CONTRIBUTO DA MEDICINA

DENTÁRIA NAS CIÊNCIAS FORENSES?”

O autor do presente trabalho, enquanto capitão da GNR, identifica nesta

investigação um meio de aprofundar o conhecimento na área forense em particular na

respetiva articulação com a Medicina Dentária, estando altamente motivado para o

trabalho de pesquisa a realizar.

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O homem, desde os tempos mais remotos, tem revelado interesse na confirmação

da identidade dos seus semelhantes, pelo desenvolvimento e prática de diversas técnicas

de identificação.

A identificação humana apresenta-se como uma das grandes questões sociais,

devido na maioria das situações, não haverem elementos sinaléticos próprios para a sua

realização.

Encontram-se descritas várias técnicas e recursos de identificação humana, que são

indistinta e maioritariamente aplicáveis aos indivíduos vivos, cadáveres ou restos de

cadáveres.

A identificação humana através da perícia médico-dentária é bastante relevante pelo

facto dos dentes serem as estruturas corporais mais resistentes e duráveis, uma vez que

conseguem resistir à putrefação, a elevadas temperaturas, a lesões e à atuação de alguns

agentes químicos.

As características individuais que possuem, em termos anatómicos e fisiológicos,

bem como da respetiva disposição nos maxilares e ainda da sua relação com as demais

estruturas orais, atribuem-lhes grande especificidade e identidade.

A perícia médico-dentária consiste no emprego dos conhecimentos provenientes da

Medicina Dentária à área médico-legal, quer no âmbito laboral e administrativo, e

principalmente no âmbito criminal ou civil, onde a identificação humana tem maior

destaque.

Para a elaboração deste trabalho, vão ser utilizadas, essencialmente, fontes

bibliográficas, resultantes de pesquisa bibliográfica dos motores de busca PubMed,

Science Direct e Scirus. As palavras-chave utilizadas foram “forensic dentistry”, “human

identification”, “dental expertise and mass disaster” e “bite marks” sendo estas usadas de

forma isolada ou combinadas.

CAPÍTULO I:ASPETOS GERAIS A tarefa principal da medicina dentária forense é a identificação de indivíduos. Esta

tarefa envolve o dentista e uma equipa com outros investigadores e especialistas. Muitas

são as possíveis áreas de atuação desta disciplina: desde crimes violentos, casos de

abusos, pessoas desaparecidas e cenários de catástrofes. Em cada contexto podem ser

efetuadas associações fidedignas para identificar suspeitos e vítimas que por sua vez

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podem afetar a direção de uma investigação e seu desfecho. Esta disciplina interage com

outras especialidades forenses como a antropologia, patologia e outras ciências

biológicas. Algumas vezes o criminoso deixa provas na cena do crime como restos de

comida, pastilha elástica ou objectos mastigados que são recolhidos pelo investigador.

Nas autopsias podem ser encontradas marcas de mordida na pele da vítima. Por outro

lado o dentista forense pode ser chamado a pronunciar-se sobre a qualidade dos

tratamentos dentários proporcionados quando no processo se suspeita de fraude nos

tratamentos.

Numa primeira abordagem à cena do crime não existe o hábito das equipas

convocarem um especialista em medicina dentária forense, logo é da responsabilidade

das polícias realizarem algumas avaliações dentárias na cena do crime, devendo

conhecer os indícios de uma prova dentária. Muitos elementos podem servir de prova

fidedigna como a anatomia dentária, fragmentos de dentes ou de restaurações, pedaços

de mandíbulas e maxilas, possuem características individuais que apenas podem ser

associadas a uma única pessoa. A identificação robusta através do ADN pode ser obtida

através da polpa dentária ou de fluidos orais adicionou a vertente da identificação

biomolecular.

O processo da recolha de prova compreende a identificação, a documentação, a

preservação e o armazenamento. O investigador tem que ter conhecimentos e

sensibilidade para identificar o que poderá ser prova e por sua vez efetuar as ligações

necessárias entre a prova recolhida ao caso que investiga. Também deve estar

sensibilizado sobre os parâmetros necessários para a preservação da prova desde a cena

do crime ao laboratório.

A prova que é identificada, recolhida, preservada e transportada, deve ser

documentada, registando estes passos por forma a assegurar a autenticidade e que foi

preservada da cadeia de custódia. Em muitos casos o sucesso da análise à posteriori da

prova, quer seja prova física directa ou prova circunstancial, relaciona-se diretamente com

o que se passou no decorrer dos passos descritos, sendo importante a intercomunicação

entre o investigador e o especialista forense.

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a. Aspetos Históricos

Desde a origem da espécie que os seres humanos reconhecem e identificam

outros seres humanos pelas características faciais. Os olhos e nariz desempenham um

papel particularmente importante e a dentição também desempenha um papel de igual

relevo. Contudo quando um indivíduo morre os tecidos moles desaparecem ao longo do

tempo por decomposição ou destruição, permanecendo os tecidos duros incluindo os

dentes, mesmo em condições que deixem o corpo irreconhecível.

O primeiro registo de alguém ser tomado como dentista foi no antigo Egipto na data

de 2650 A.C. Hesi-Ré, uma vez que a medicina na época estava dividida por

subespecialidades dedicadas a partes do corpo ou sistemas. Hesi-ré é descrito como o

médico “melhor entre aqueles que lidam com os dentes”, contudo não existem registos

que tenha alguma vez identificado alguém através da dentição.

Os registos mais antigos de alguém ter sido identificado através da dentição

remontam à era romana. Agrippina, mãe de Nero e mulher do Imperador Claudius queria

assegurar a sua posição e também a de seu filho. Claudius tinha-se divorciado de Lollia

Paulina e logo Agrippina na sua insegurança persuadiu Claudius a banir a ex-mulher de

Roma. Nos seus ciúmes Agrippina não acha o banimento suficiente e manda matar Lollia

solicitando que lhe tragam a cabeça da Lollia. Devido à demora, a cabeça entrou em

decomposição, ficando irreconhecível, contudo Agrippina identificou os restos mortais

como sendo de Lollia por a dentição apresentar características distintivas individuais

(Stimson, 1977).

Uma mera fotografia que mostre o sorriso pode ter um enorme valor para a

identificação post mortem de restos mortais desconhecidos. Casos como o líder da seita

Ordem do Templo Solar que foi severamente queimado num suicídio coletivo de 48

membros em outubro de 1993 foi identificado dentariamente graças a uma fotografia. Em

1973, Sognnaes e Strom publicaram um artigo em que identificavam através de filmes,

fotos e informações radiográficas das peças dentárias dos restos mortais de Adolf Hitler

encontradas nos arquivos nacionais dos Estados Unidos. Nesta narrativa, já

anteriormente aquando da chegada dos Soviéticos a Berlim, em busca por Hitler, apesar

de ter sido cremado foram encontrados restos mandibulares de Hitler que foram

identificados por um técnico de prótese Fritz Echtmann que trabalhava para o dentista de

Hitler uma vez que continham próteses que constavam nos seus arquivos (Stimson,

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1977). O médico dentista Dr. Hugo Johannes Blaschke, formado na Universidade da

Pennsylvania nos Estados Unidos, quando regressou à Alemanha, sua terra natal, tornou-

se dentista de Hitler e Eva Braun e de muitos outros nazis, tratando Hitler desde 1934 a

1945, tendo sido capturado mais tarde nesse ano pelo exército dos Estados Unidos da

América, sendo libertado em 1948.

Este descrevera todos os tratamentos efetuados a Hitler meticulosamente e

juntamente com radiografias à face que tinham sido tiradas em 1944 para pesquisar dores

nos seios nasais, foram detetados 26 pontos concordantes (Stimson, 1977).

A era moderna da identificação dentária começou com a identificação das vítimas

do incêndio do Bazar de la Charité ocorrido em 04 de maio de 1897 na Rua Jean-Goujon

em Paris. Cento e vinte e seis membros da aristocracia parisiense pereceram depois de

um projetor cinematográfico ter iniciado um fogo destrutivo. Todas as vítimas à exceção

de 30 foram identificadas visualmente ou através dos seus pertences. O título de “pai da

medicina dentária forense” muitas vezes é atribuído a Óscar Amoedo, um dentista cubano

que trabalhava em Paris na altura do incidente, sendo o autor de “L’Art dentaire em

Medecine Legale” que foi um texto contemporâneo importante na utilização em prol da lei

sobre a identificação dentária, sendo uma coletânea de textos e trabalhos realizados por

outros especialistas. Contudo o crédito da utilização da identificação das restantes vítimas

através da dentição foi do Consul Paraguaio, Albert Haus.

Com a quase impossibilidade de identificação das restantes 30 vítimas, Haus

sugeriu recolher informação dos dentistas que tratavam as vítimas restantes. Através

deste método foram identificadas 25 vítimas restando apenas 5 que permaneceram não

identificadas, possibilitando devolver os restos mortais às famílias (Taylor, 2009).

b. O Medico dentista forense

Para esta função um médico dentista forense experiente é recomendado pois poderá vir a

ter que justificar os seus pereceres em tribunal. Nos Estados Unidos e outros países,

pode ser aceitável um médico dentista sem nenhum treino específico, contudo a

valoração em tribunal pode ser uma questão levantada. O médico dentista que

desempenhe estas funções deverá entender alguns aspetos legais e a sua relação com a

prática da medicina dentária e que consiga de forma completa explicar as subtilezas da

prova dentária em tribunal. Não é o currículo comum dos cursos de medicina dentária que

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capacita o especialista mas sim alguém que deverá ter também formação específica na

área das ciências criminais e conhecimentos que permitam ser capaz de interpretar os

registos.

c. A marca de mordida

Em situações violentas em que o ser humano sente perigo de vida, como lutas entre

assaltante e vítima, os dentes podem vir a ser usados como armas naturais. Na verdade

os dentes podem ser o único recurso para a vítima se defender (Furness, 1981). Por outro

lado, os predadores sexuais, nas violações e abuso de crianças, muitas vezes mordem as

suas vítimas como sinal de domínio, raiva e comportamento animalesco (Webb, 2000).

Atualmente não existe consenso entre os expecialistas em medicina denária forense

sobre o carácter único da dentição e do comportamneto da pele durante a mordida. A

morfologia das vertentes incisais dos dentes anteriores, maxilares e mandíbulares, pensa-

se que sejam únicas em cada indivíduo, muito devido à sequência de erupção dos dentes

em cada arcada. No caso dos caninos que no processo de erupção vão interferir com os

outros dentes, provocando rotações, vestibularizações ou palatinizações/lingualizações.

Estas combinações resultantes são inumeras e podem ser comparadas com as marcas de

mordida em objetos ou pessoas, por forma a determinar a probabilidade de que um

individuo em particular tenha deixado vestígios de marca de mordida. O grau de detalhe e

sua variedade, depende de cada caso e mesmo que se determine que a dentição tem

traços únicos suficientemente vincados, não é certo que o indivíduo tenha deixado

vestígios de forma vincada na pele da vítima. Em situações em que se conjuguem as

duas premissas, da suficiente individualização e da boa qualidade dos vestígios, pode-se

identificar o agressor por exclusão de suspeitos, mais precisamente, suspeitos que não

tenham deixado a marca de mordida (Vale, 1996).

Muitas destas marcas podem ser facilmente identificadas por qualquer pessoa

atenta desde que esteja sensibilizada para as possíveis formas de apresentação, estando

muito associadas a abusos fisicos e sexuais de crianças, mulheres e idosos, que muitas

vezes sentem receio de denunciar.

As marcas de mordidas humanas podem ser encontradas em quase todas as partes

do corpo humano. As vítimas de ataques sexuais do sexo feminino apresentam mordidas

frequentemente na zona das mamas (figura 1) e pernas, ao passo que nos homens as

marcas são observadas nos braços e ombros e em situações defensivas quando as mãos

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e braços servem para afastar o agressor, podem também estas apresentar marcas de

mordida. (Vale & Nouguchi, 1983).

Figura 1 - Forma típica de marca de mordida humana, consistindo de um padrão elíptico de dentes

individuais com um perímetro de lesões de abrasão e contusões. É de notar as estrias dinâmicas (marcas

de arrasto) provocadas pelo deslizamento dos dentes superiores da esquerda para direita.

(Sweet & Pretty, 2001. p. 416)

Uma marca de mordida humana comum é descrita como uma lesão elíptica ou

circular com a impressão de características especificas da dentição (Bowers & Bell, 1995).

A lesão pode apresentar forma circular com as características marcadas à volta do

perímetro da marca. Em alternativa pode ser composto por dois arcos ou forma de “U”

separados pelas suas bases por um espaço aberto, tendo um diâmetro frequente entre

2540mm, com uma área central de hematoma dentro das marcas dos dentes. O

sangramento extravascular é provocado pela pressão dos dentes à medida que estes

comprimem os tecidos desde o perímetro da marca. (Sweet & Pretty, 2001)

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É possível identificar tipos específicos de dentes pelas características respeitantes

às suas classes, como por exemplo, os incisivos produzem marcas retangulares ao passo

que os caninos produzem marcas triangulares. Contudo para uma identificação fidedigna

é necessário existirem características individuais da dentição, marcadas na vítima.

Existem características específicas que podem ser observadas em diversas pessoas

como malformações adquiridas ou congénitas, desgaste dentário com padrões

específicos, fracturas ou rotações dentárias que ao serem impressionadas na pele da

vítima deixam marcas distintas e identificáveis. Caso não existam estas características na

dentição ou na marca a validade da utilização deste tipo de prova é baixa (Rothwell,

1994).

Um dado importante na análise das marcas prende-se com o tempo que medeia a

agressão até à altura em que se dá a peritagem. Um período de tempo muito alargado

vai, devido à natureza do tecido humano, passar por um processo de cicatrização que irá

diminuir a definição do contorno e consequentemente dificultar a análise da lesão, no caso

de vítimas vivas. Importam também verificar se as lesões não foram provocadas

hiatrogénicamente por equipamentos como um elétrodo de eletrocardiograma ou

queimaduras de equipamentos domésticos ou industriais que podem se assemelhar de

alguma forma a marcas elípticas (Sweet & Pretty, 2001).

(1) A recolha da prova na vítima

A altura indicada para a recolha da prova que deve passar por documentar a lesão,

descrevendo o formato, a coloração, tamanho e orientação, bem como a sua localização.

O contorno e a elasticidade da pele, verificando se são distintas as marcas da dentição

superior e inferior. Deve também ser descrito se a lesão é formada por cortes, arranhões

ou hematomas (Sweet & Pretty, 2001).

Quanto às fotografias, devem apanhar toda a extensão da lesão e também se deve

registar fotograficamente os pormenores com uma lente macro tanto a cores como a preto

e branco, utilizando uma escala de referência no mesmo plano da lesão, para possibilitar

a medição subsequente e a lente da máquina fotográfica deve estar o mais perpendicular

possível à lesão para reduzir a distorção. Os esfregaços da saliva deixada pelo agressor

devem ser recolhidos pelo método do duplo esfregaço que consiste em humedecer a zona

de contacto com uma zaragatoa embebida em água destilada e seguidamente com uma

zaragatoa seca recolher a humidade restante que ficou na pele, deixada pela primeira

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zaragatoa. As duas zaragatoas devem secar à temperatura ambiente por 45 minutos

antes de seguir para o laboratório, devendo seguir as normas para acondicionamento de

material biológico para análise de ADN (Sweet & Pretty, 2001).

Também, da superfície mordida devem ser reunidas impressões para recolher as

irregularidades deixadas pelas marcas de mordida, como cortes e abrasões. Pode ser

usado polivinilsilixano, polieter ou outro material de impressão usado em medicina

dentária, que seja utilizado em prostodontia fixa. O gesso e acrílico pode servir de suporte

rígido do material de impressão, permitindo registar com precisão o contorno da pele.

Além do mais devem ser prestados os primeiros socorros pois as mordidas humanas têm

um potencial infecioso maior do que dos animais, devendo ser tratados da forma mais

célere (Sweet & Pretty, 2001).

(2) Recolha da prova no supeito

Este procedimento pode-se considerar invasivo podendo ser obtidas por ordem do

tribunal ou com consentimento informado. Nos Estados Unidos de América, os tribunais

não consideram que se esteja a violar o direito do indivíduo contra a autoincriminação

porque não se lhe pede para prestar qualquer declaração mais sim proporcionar

elementos físicos que serão comparados com as provas recolhidas. No Reino Unido os

mandados judiciais não podem contemplar a recolha da prova através da força, deixando

a um júri a apreciação e tomada de conclusões se o suspeito se recusa a ser examinado,

conforme o Police and Criminal Act (PACE) (Sweet & Pretty, 2001).

De acordo com Sweet e Pretty (2001, p.417) os suspeitos habitualmente

colaboram, contudo nem sempre é o caso, devendo o examinador tomar medidas de

proteção, podendo ter que se examinar o suspeito na prisão. Podem ser recolhidos

diversos indícios resultantes do exame como saber se existe mobilidade dentária,

problemas e características oclusais, registo de restaurações, diastemas (afastamento

entre dentes adjacentes), fraturas, lesões de cárie e outros achados de relevo, bem com o

funcionamento dos músculos mastigatórios.

Devem ser recolhidas fotografias faciais, de perfil e intraorais com uma escala de

referência para permitir a medição das fotografias. As impressões dentárias devem ser

recolhidas com materiais de alta definição devendo serem seguidas rigorosamente as

instruções do fabricante quanto à utilização dos materiais a utilizar para a recolha.

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O registo de mordia do suspeito deve ser recolhido usando ceras de mordida ou silicone

putty em relação cêntrica sendo o registo fotografado imediatamente, proporcionando uma

comparação ente o registo e a fotografia para apurar possíveis distorções ou deformações

do material (Sweet & Pretty, 2001).

Para averiguar se os dentes do suspeito foram os causadores das lesões, compara-se a

lesão com as características individuais registadas nas fotografias usando pelo método

das transparências ou através de métodos informáticos. Podem também ser comparados

os moldes de gesso com as fotografias e comparação de marcas de mordidas recolhidas

com as lesões fotografadas, podendo ainda ser comparadas com radiografias e

microscopia eletrónica (Sweet & Pretty, 2001).

CAPÍTULO II: IDENTIFICAÇÃO DENTÁRIA Existem duas formas principais de identificação dentária. A primeira e mais

frequente é a análise comparativa entre os restos mortais e os registos ante mortem, com

a

conclusão se pertencem ou não ao mesmo indivíduo. A informação do corpo ou

circunstância normalmente contêm informação sobre quem morreu. A segunda, quando

não existe informação ante mortem e indícios quanto a uma possível identificação, traça-

se um perfil post mortem que inclui a avaliação dentária, incluindo características que

podem estreitar a procura (Pretty & Sweet, 2001).

A identificação dentária ocorre por um variado número de razões conforme a tabela

abaixo indicada:

Razões da identificação de restos mortais humanos

Criminais Normalmente uma investigação de um homicídio necessita de uma

identificação cabal da vítima.

Casamento Muitas religiões obrigam a que seja confirmado o óbito do cônjuge

para se voltar a casar.

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Económicas O pagamento de pensões, seguros de vida e outros benefícios

dependem de uma comprovação de óbito.

Funeral Muitas religiões obrigam a uma identificação fidedigna para o que

seja possível o enterro em determinados locais

Sociais O dever social de preservar os direitos humanos e dignidade após a

vida começa com a premissa básica de uma identidade.

Luto

A identificação de indivíduos desaparecidos por períodos de tempo

alargados pode trazer um alívio emocional à família e a

possibilidade do luto.

Tabela 1- Razões comuns para a identificação de restos mortais encontrados (Pretty, 2001)

Os corpos da vítimas de crimes violentos, incêndios, acidentes com veículos motorizados

e acidentes de trabalho, podem estar de tal forma desfigurados que que a identificação

por um familiar ou amigo pode não ser fiável ou desejável (Malkowski, 1972). Corpos em

elevado estado de decomposição ou que estiveram muito tempo na água também

revelam especial dificuldade no seu reconhecimento. A identificação dentária sempre

desempenhou um papel em situações de identificação de vítimas de catástrofes (Pretty &

Sweet, 2001).

a. Identificação comparativa

À primeira vista uma análise comparativa não teria muito a descrever, contudo o

dogma central da identificação dentária baseia-se em que os vestígios podem ser

comparados com registos dentários ante mortem. Quanto mais tratamentos e de maior

complexidade o individuo se submeteu mais fácil é a sua identificação e quanto menos

intervenções e consequentes registo existirem mais difícil será a identificação. Os dentes

além de terem características únicas em cada individuo, conseguem manter-se intactos

por longos períodos ao contrário de outros tecidos do corpo (Costa, 2013).

Quando existem vestígios ou documentos que possibilitem uma possível

identificação do individuo, são localizados os registos dentários ante mortem. Inicia-se o

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registo imediatamente das características e suporte imagiológico (rx), que repliquem o tipo

e ângulos utilizados para tirar as radiografias ante mortem recolhidas, identificando cada

uma delas por forma a distinguir entre as tiradas antes e depois de vida.

Depois do registo post mortem estar completo, a comparação entre os dois registos

inicia-se. Uma comparação metódica e sistemática é necessária para examinar cada

dente e estruturas anexas individualmente. Não são apenas as restaurações que devem

ser examinadas apesar destas serem uma grande fonte de informação, devem ser

também outras estruturas que se vão tornando cada vez mais importantes devido a cada

vez mais existir uma baixa incidência de cárie e consequentemente menos tratamentos

restauradores e de reabilitação. Semelhanças e discrepâncias devem ser identificadas

durante o processo de comparação. Existem dois tipos de discrepâncias, as que podem

ser explicadas e as que não podem ser explicadas. As que podem ser explicadas

normalmente estão relacionadas com o lapso de tempo entre a altura em que o registo foi

colhido e o atual registo, exemplo disso são as extrações dentárias e restaurações que

aumentam como no caso de apenas em duas faces MO (mesial e oclusal) passa para três

faces devido à formação de cárie e novo tratamento menos conservador MOD (mesial,

oclusal e distal). Se uma discrepância é inexplicável, por exemplo, um dente não está

presente nos registos ante mortem, mas está presente post mortem, deve ser excluída a

compatibilidade (Pretty & Sweet, 2001).

A American Board of Forensic Odontology, (ABFO) em 1994, assinala que as

identificações estejam limitadas às seguintes quatro conclusões:

(1) Identificação positiva: quando existe compatibilidade suficiente entre os

registos ante mortem e post mortem, sem discrepâncias inexplicáveis, que

se estabelece que os registos foram colhidos do mesmo indivíduo.

(2) Possível identificação: os registos ante mortem e post mortem têm

semelhanças consistentes, mas devidos à qualidade dos vestígios

recolhidos post mortem quer devido aos registos ante mortem, não é

possível

estabelecer identificação positiva.

(3) Evidências insuficientes: A informação disponível é insuficiente para formar

a base de uma conclusão.

(4) Exclusão: os registos ante mortem e post mortem são claramente

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inconsistentes.

Importa referir que não existe um número mínimo concordante de pontos ou

características necessárias para uma identificação positiva. Em muitos casos um único

dente pode ser usado para identificação se este contiver informação suficiente. Da mesma

forma um status radiográfico completo pode não ter suficiente detalhe que possa

proporcionar uma identificação positiva, sendo da responsabilidade do especialista a

justificação das suas conclusões.

b. Traçar o perfil dentário

Quando não existem registos dentários ante mortem e outros métodos de

identificação não estão disponíveis ou não são possíveis de utilizar, pode se utilizar a

análise dentária para limitar a determinada faixa da população a quem poderia pertencer

os vestígios e desta forma aumentar as hipóteses de encontrar os registos dentários ante

mortem. Informação como a idade aproximada, género, etnia e estrato socio-económico

e mesmo informação respeitante à profissão, hábitos alimentares, comportamentos e

parafunções, doenças e malformações dentárias ou doenças sistémicas. Características

rácicas como a cúspide extra denominada tubérculo de carabelli nos primeiros molares

superiores, incisivos com a vertente palatina em concha, podem dar indícios da etnia, e

ao sexo (Pretty & Sweet, 2001).

São caraterísticas do sexo a morfologia dentária, o comprimento da raiz e o formato

do crânio. As metodologias para determinar o sexo podem ser de base visual ou método

clínico, métodos microscópicos e métodos avançados. Ao se utilizar o método clínico as

diferenças entre sexos prendem-se com o tamanho do dente que podem ser significativas

tanto na dentição decídua como nos permanentes, sendo maiores nos homens que nas

mulheres, o comprimento do dente e o diâmetro da coroa podem ser avaliados através de

radiografia sendo de fiabilidade de 80% nos dentes permanentes mandibulares.

Avaliação da morfologia dentária e diferenças odontométricas.

O método microscópico possibilita distinguir quanto ao sexo identificando os corpos

de Barr característicos da mulher estudando os cromossomas Y e X por um período de 4

semanas depois da morte. Quanto aos métodos avançados, a utilização de PCR e

proteínas do esmalte pode determinar com uma fiabilidade de 100% o sexo da vítima,

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concluindo-se que a medicina dentária forense pode ajudar na determinação do sexo da

vítima, especialmente quando apenas fragmentos são encontrados (Monali, 2011).

A dentição é utilizada em muitos locais como indicador biológico da idade das

crianças adotando-se como critério biológico legal sendo de especial importância em

países em desenvolvimento onde não há registos de nascimento. Nos fluxos migratórios

para a União Europeia, a imigração ilegal, leva à clandestinidade dos adultos e crianças

que os acompanham, sendo muitas vezes necessário determinar a idade dos indivíduos

que se apresentam com falsa identidade e que afirmam serem menores de idade de

forma a evitarem ou limitarem as consequências previstas na lei e desta forma

aproveitarem-se dos convénios e tratados internacionais (Costa, 2013). A idade das

crianças, mesmo recém- nascidas pode ser determinada através do desenvolvimento

dentário, com uma precisão de um ano e meio, ao passo que a determinação da idade do

adulto através da análise dentária mostra-se menos precisa sendo características de

idade mais avançada indícios de doença periodontal, desgaste excessivo, múltiplas

restaurações. A idade pode ainda ser determinada através o método SEM-EDXA que

examina a dentina para determinar a idade.

A erosão pode ainda indicar ingestão regular de álcool ou outras substâncias ou

uma desordem alimentar ou hérnia de hiato com refluxo e manchas podem indicar hábitos

tabágicos ou tetraciclinas e padrões de desgaste como desgaste pelo cachimbo, ganchos,

agulhas ou tratamentos ortodônticos (Pretty & Sweet, 2001). Os hábitos tabágicos podem

causar descoloração dentária particularmente na superfície lingual dos dentes inferiores e

rápida acumulação de placa. O uso excessivo com demasiada força de produtos dentários

pode causar defeitos nas zonas cervicais da dentição, podendo-se identificar pessoas

dextras de esquerdinos. As mordidas abertas, cruzadas, incisivos protruidos podem

indicar hábitos infantis como o excesso de tempo em sucção. As dietas ricas em hidratos

de carbono e viscosos resultam numa alta incidência de cárie e o consumo de alimentos

excessivamente rígidos provoca erosão dentária. Pode ser determinada também alguma

relação de parentesco de entre restos mortais, analisando as características morfológicas,

sendo um método com fiabilidade baixa comparado com outras técnicas mono análise de

ADN, contudo pode ser utlizado em circunstâncias excecionais. Uma avaliação

psicológica pode ser feita com o cruzamento de dados dentários do individuo. Uma má

higiene e desleixo no tratamento pode demonstrar falta de motivação e depressão e em

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casos de crianças, idosos ou incapazes de efetuar a higiene oral, são indício de serem

negligenciados. Em indivíduos com desgaste dentário da superfície oclusal ou incisal,

podem ser relacionados com o bruxismo derivado a stresse (Vodanovoc & Brkic, 2012).

A determinação do tempo decorrido desde a morte pode ser obtida através da

análise da colocação da dentição pelo tom rosa que surge 7 a 14 dias após a morte, o

estudo dos alvéolos dentários também pode dar importantes indícios (Sweet & Pretty,

2001).

Cada pessoa tem o seu perfil dentário que as faz únicas e inimitáveis. Por isso fazer

um perfil dentário tem um grande valor no processo de determinação da identidade. As

possibilidades da utilização de novas tecnologias e técnicas devem ser desenvolvidos

com outros especialistas das ciências forenses. A formação dos dentistas neste âmbito é

necessária para uma melhor prática forense e para encorajar os dentistas a observarem o

seu trabalho de outra perspetiva.

ci. Outros métodos de identificação dentária

Existem outras formas de identificação como a identificação das próteses dentárias.

A este respeito o National Health Sistem (NHS) inglês incentiva os médicos dentistas a

identificar as próteses produzidas, o que facilita a identificação do seu portador,

igualmente a identificação de aparelhos ortodônticos removíveis pode servir o mesmo

propósito.

As rugas palatinas também podem ser usadas na identificação. Estas encontram-se

na porção anterior da maxila, consistindo entre 3 a 7 protuberâncias rígidas que radiam

tangencialmente da papila incisiva. Têm uma composição histológica de epitélio

estratificado paraqueratinizado e tecido conjuntivo como os tecidos adjacentes do palato.

Para Coslet (cit. Segelnick, 2005. p 45) a remoção clínica das rugas palatinas não é

permanente e quando removidas estas reapareciam alguns meses depois. A ideia das

rugas palatinas serem únicas de indivíduo para indivíduo ainda não foi totalmente

comprovada, não existindo evidências suficientes que possa ser usado como único

método de identificação (Sagelnick, 2005).

O dente e os materiais aplicados em medicina dentária, devido à sua grande

resistência, permanecem íntegros durante mais tempo que os restantes tecidos, podendo

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o dente ser uma fonte de ADN que pode ser amplificado através da Polimerase Chain

Reaction (PCR) (Pretty & Sweet, 2001).

CAPÍTULO III: IDENTIFICAÇÃO DE VÍTIMAS DE

CATÁSTROFES

a. Enquadramento

Estima-se que mais de 250 milhões de pessoas em todo o mundo sejam afetadas

anualmente por catástrofes, um registo três vezes maior do que na década de 70. Seja

qual for o motivo da ocorrência, as expectativas globais são de alguém terá que responder

à catástrofe, como foi gerida e se podem ser apontados culpados, sendo a cobertura

mediática quase imediata coloca sob o escrutínio o desempenho e decisão de cada

interveniente (Interpol, 2010).

Milhares de pessoas perderam as suas vidas em catástrofes e atentados como o

tsunami do Índico, no atentado de Londres e em Sharm el Sheikh ou no furação Katerina

que causou o caos em Nova Orleães. Famílias, amigos e vidas inteiras foram devastados.

A situação de catástrofe é complexa e global, podendo ser de origem natural ou origem

humana. A principal questão não é, se volta a acontecer ou não pois a história já

respondeu à questão, mas sim, o que devemos fazer quando voltar a acontecer. É

importante que seja organizada rapidamente a recuperação dos corpos das vítimas ou

seus vestígios e provas e pertences, identificar as vítimas e devolve-las às suas famílias.

Muitas famílias entrevistadas após o tsunami do Índico disseram o quanto foi importante e

o quanto as ajudou, saber que os seus familiares tinham sido encontrados e identificados.

O trabalho sistemático de uma equipa eficiente e cuidadosa é essencial para intervir no

processo de identificação e avaliação da situação. A medicina dentária forense tem vindo

a dar contributos muito importantes nas referidas catástrofes. Sabe-se que a identificação

visual por amigos ou familiares não é fiável devido a aspetos psicológicos ou mesmo por a

vítima estar irreconhecível ou existir apenas um vestígio. É ai que métodos científicos são

necessários da área da medicina, ADN ou impressões digitais (Hinchliffe, 2007).

A identificação de peças dentárias depende da fiabilidade, precisão e de se

encontrar disponível, informação recolhida in vivo. O processo de identificação envolve

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reunir e elencar toda a informação dentária existente e comparar com os vestígios

encontrados, devendo os detalhes serem compatíveis e as discrepâncias explicadas. É

possível que os registos não coincidam totalmente com os vestígios por um variado

número de razões. É ai que o especialista experimentado consegue interpretar as

diferenças. Os registos são de vária ordem e incluem a história clinica, os registos

imagiológicos, os modelos de estudo, as fotografias intraorais e até mesmo os recibos dos

tratamentos que normalmente incluem a descrição do tratamento. Também será

necessário saber a data da recolha desses registos pois o lapso temporal pode explicar as

discrepâncias encontradas (Hinchliffe, 2007).

Uma radiografia de qualidade pode mostrar restaurações dentárias que muito bem

podem passar despercebidas numa autópsia convencional, tratamentos endodônticos,

morfologia radicular e muito mais informação dentária. Pode também avaliar a idade da

vítima no caso de crianças observando a dentição decídua, mista ou definitiva. Uma boa

fotografia in vivo do sorriso, com dentes visíveis, pode ser útil para o processo de

comparação ou auxílio para um exame de sobreposição. Existem algumas limitações

associadas aos registos in vivo de vária ordem:

(1) A interpretação de diversas normas de registo usadas em todo o mundo

apesar da notação FDI ter sido introduzida para normalizar, ainda existem vários

locais onde são utilizadas notações diferentes;

(2) Registos incompletos;

(3) Imprecisões;

(4) Registos fraudulentos.

Num cenário de catástrofe é necessário a intervenção de diversos especialistas,

com treino regular e com elevada prontidão sempre que necessário. Estima-se que 30

países enviaram equipas de identificação de vítimas ou seu equivalente para dar

assistência ao governo tailandês num total de 600 elementos. Foram várias

nacionalidades diferentes a trabalhar lado a lado que necessariamente necessitavam de

protocolos estandardizados, tendo sido adotados os formulários da Interpol.

Quando ocorre um incidente de grandes proporções, um país sozinho pode não ter

os recursos suficientes para fazer frente a um grande número de vítimas, podendo o

incidente ter destruído ou desorganizado o sistema de resposta a incidentes nacional,

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fazendo com que a tarefa de identificação de vítimas se torne mais difícil. Um esforço

coordenado pela comunidade internacional pode acelerar o processo possibilitando o

processo de luto às famílias e para que a sociedade se possa reconstruir ou mesmo

quando ocorre um incidente de terrorismo podem auxiliar os investigadores a identificar os

possíveis atacantes. A Interpol presta auxílio aos países membros também no âmbito da

identificação de vítimas de catástrofes de forma imediata com guias de procedimentos,

assistência de comando e controlo e equipas de resposta a incidentes (Interpol, 2015).

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Figura 2 -Estrutura da task-force de identificação de vítimas do Tsunami da Tailândia (Interpol, 2010)

Na resposta ao tsunami do Sudeste Asiático no final de 2004, equipas de DVI

chegaram no dia 28 de dezembro de 2004 à Tailândia e foi estabelecido que as vítimas

iriam ser identificadas prioritariamente através do ADN, registos dentários e impressões

digitais e que seria utilizado um software de registo e comparação ante mortem e post

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mortem denominado Plass Data A/S da Dinamarca sendo que a identificação só seria

considerada se pelo menos um dos três métodos principais de identificação

correspondesse, não aceitando unicamente o reconhecimento facial.

A identificação unicamente dentária foi a principal forma de identificação por ser

uma forma rápida e pouco dispendiosa, tendo identificado 43% das vítimas conforme o

gráfico abaixo representado.

Figura 3 -Número de vítimas identificadas com diferentes métodos ou combinação de métodos até 19 de

Janeiro de 2006 (Interpol, 2010)

Foi registado grande cooperação dos diversos países no envio dos registos dentários

logo no início do processo de identificação, principalmente da Europa do norte o que levou

a que um grande número de europeus pudessem ser identificados rapidamente logo nos

primeiros meses da operação, ao passo que as vítimas tailandesas só foram identificadas

mais tarde ao longo do processo por não existirem dados ante mortem disponíveis ou

fiáveis. A título de exemplo em abril de 2005 existiam apenas 417 registos ante mortem no

DVI em comparação com 1867 registos ante mortem estrangeiros, o que levou que as

vítimas tailandesas fossem apenas identificadas por outros métodos mais dispendiosos e

morosos, pois não existia registos dentários suficientes, os dois gráficos seguintes

demonstram as diferenças na rapidez e volume de identificações recorrendo a diferentes

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métodos uma vez que em relação às vítimas suecas, a identificação foi muito semelhante

das restantes vítimas europeias que dispunham de registos dentários.

Figura 4 -- Vítimas suecas identificadas por diversos métodos entre janeiro de 2005 e fevereiro de 2006

(Interpol, 2010)

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Figura 5 -Vítimas tailandesas identificadas por diferentes métodos ente janeiro de 2005 e fevereiro de 2006

(Interpol, 2010)

Quando existe um grande número de fatalidades as tecnologias informáticas

proporcionam comparações eficientes num curto espaço de tempo entre os registos ante

mortem e post mortem mas a decisão final cabe sempre ao especialista. Quer se trate de

lidar com uma única vítima ou um desastre em massa, aceder a informação post mortem

pode ser difícil. Problemas de coordenação e cooperação entre diversas jurisdições,

culturas e casas mortuárias de campanha, a fragmentação e mistura dos restos mortais e

sua decomposição. Também a informação ante mortem padece muitas vezes de

limitações devido à morosidade ou dificuldade de transferência de local, muitas vezes é

incompleta pois verifica-se que não é habitual cada novo paciente fazer um registo oral

completo (Hinchliffe, 2007).

No Reino Unido a resposta inicial a uma catástrofe é gerida a um nível local pelo

médico legista e polícia. Se é necessária assistência extra, o centro de informação e

coordenação nacional de Polícia (PNICC) é contactado e organiza uma resposta policial e

não policial conforme a necessidade. Os médicos dentistas encontram-se na lista do

centro internacional de assistência forense (CIFA). Sempre que ocorra uma catástrofe

fora do Reino Unido em que seja importante a assistência são as acionadas as equipas

de disaster victim identification (DVI) (Hinchliffe, 2007).

CONCLUSÕES A identificação de indivíduos pela análise do respetivo ADN é o procedimento mais

amplamente utilizado e reconhecido no mundo. Contudo, existem situações em que

poderão existir falhas, tais como o facto de gémeos monozigóticos partilharem cópias

idênticas do respetivo ADN e ainda o incumprimento da cadeia de custódia, que poderá

contaminar amostras de ADN e invalidar resultados ou darem resultados falsos.

Para se poder analisar ADN com o intuito da identificação, é requerido sempre um

perfil genético para comparação, sendo que as etapas e procedimentos de recolha,

análise e comparação dos mesmos são muito onerosos, complicados e demorados. O

método de identificação com recurso a técnicas de análise de ADN é recomendado

quando estão esgotados todos os outros métodos, ou para prova dos resultados obtidos.

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Nas situações de cadáveres carbonizados, ou em decomposição, a identificação

pelo ADN poderá estar inviabilizada ou comprometida, estando indicado o estudo dentário

e das estruturas adjacentes.

A identificação de indivíduos através da perícia médico-dentária às estruturas

orodento-faciais, é muito vantajosa, eficiente, e relativamente mais célere e com custos

inferiores, quando comparada com outros sistemas identificativos. Contudo, para ser

fiável, rápida e de execução simples deve ser executada por profissionais treinados para o

efeito.

A identificação de humanos com recurso a técnicas de identificação dentárias tem

principal relevância nos desastres resultantes de catástrofes e nos casos de deformação,

carbonização ou decomposição de indivíduos.

A falta e peso dos Médicos Dentistas e da evidência dentária e sua documentação

para identificação é proporcional ao número e destruição das vítimas.

Para universalizar, encaminhar e uniformizar as normas para a identificação humana em

particular nos desastres de massa, recomenda-se o uso do guia “DVI”, e das normas

sugeridas pela INTERPOL.

Os dados inscritos nas fichas clínicas dentárias e sua constante atualização no

decurso das consultas médico-dentárias, é de extrema relevância e irá permitir a

comparação das características” ante mortem” registadas, com as características “post

mortem”, presentes nas vítimas, para se um reconhecimento conclusivo.

O registo dentário de vítimas de catástrofes deverá ser efetuado preferencialmente

pelos Médicos Dentistas Forenses num odontograma específico, com um modelo

internacional, de modo a facilitar a partilha de informação entre países.

A padronização, aplicação, atualização e registo das fichas dentárias,

procedimentos e meios auxiliares de diagnóstico deverá existir inscrito num sistema

informático, facilitando e permitindo uma rápida e simples consulta, bem como o respetivo

envio de dados, agilizando todo o processo de identificação.

Com este trabalho, conclui-se que é fundamental a inclusão de Médicos Dentistas

nas equipas de perícia médico-legais e que as entidades nacionais e internacionais e

competentes deveriam legislar a esse respeito.

BIBLIOGRAFIA

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