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1 O PAPEL DA EDUCAÇÃO NO PROCESSO SANTIFICADOR DE PAULA, Andriely Samanda (PIC/ UEM) 1 PEREIRA MELO, José Joaquim (DFE/ PPE/ UEM) 2 INTRUDUÇÃO: Ao discutir o surgimento do cristianismo na história da humanidade que trouxe consigo uma proposta de transformação do homem e da sociedade, importa-se lembrar a influência do pensamento de Santo Agostinho na formação desse mesmo homem cristão, que para ele, deveria ser santificado, a fim de ajudar a implantar a ordem almejada por Cristo. Para Santo Agostinho, o processo educacional seria realizado somente com uma longa caminhada de purificação moral na medida em que o “homem exterior” cedesse espaço para o “homem interior”, espiritual, imutável e imortal, representado pela alma. Esta mudança ocorria quando o homem se aproximava e se familiarizava com Cristo. Na busca por compreender o papel da educação no processo santificador, este trabalho visa refletir a respeito de algumas idéias de Santo Agostinho sobre a importância da educação no processo santificador do homem, a qual, segundo o pensador, seria realizada a partir da busca interior do homem: à medida que se aproximasse de Deus, o homem se aproximaria também do verdadeiro conhecimento. O pensamento de Santo Agostinho foi de fundamental importância para a consolidação do cristianismo, uma vez que trouxe uma proposta de reorganização da vida social e da formação do homem, além de contribuir para a fundamentação dos conteúdos necessários para a formação de um homem santificado. Vale lembrar que o século IV foi cenário das invasões bárbaras bem como a queda do Império Romano Ocidental em 476, que por sua vez contribuíram para o rompimento da cultura clássica e para a introdução do pensamento cristão. 1 Acadêmica do curso de Pedagogia da Universidade Estadual de Maringá: [email protected] 2 Docente do departamento de Educação da Universidade Estadual de Maringá: [email protected]

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O PAPEL DA EDUCAÇÃO NO PROCESSO SANTIFICADOR

DE PAULA, Andriely Samanda (PIC/ UEM) 1

PEREIRA MELO, José Joaquim (DFE/ PPE/ UEM)2

INTRUDUÇÃO:

Ao discutir o surgimento do cristianismo na história da humanidade que trouxe

consigo uma proposta de transformação do homem e da sociedade, importa-se lembrar a

influência do pensamento de Santo Agostinho na formação desse mesmo homem cristão, que

para ele, deveria ser santificado, a fim de ajudar a implantar a ordem almejada por Cristo.

Para Santo Agostinho, o processo educacional seria realizado somente com uma longa

caminhada de purificação moral na medida em que o “homem exterior” cedesse espaço para o

“homem interior”, espiritual, imutável e imortal, representado pela alma. Esta mudança ocorria

quando o homem se aproximava e se familiarizava com Cristo.

Na busca por compreender o papel da educação no processo santificador, este trabalho

visa refletir a respeito de algumas idéias de Santo Agostinho sobre a importância da educação

no processo santificador do homem, a qual, segundo o pensador, seria realizada a partir da

busca interior do homem: à medida que se aproximasse de Deus, o homem se aproximaria

também do verdadeiro conhecimento.

O pensamento de Santo Agostinho foi de fundamental importância para a

consolidação do cristianismo, uma vez que trouxe uma proposta de reorganização da vida

social e da formação do homem, além de contribuir para a fundamentação dos conteúdos

necessários para a formação de um homem santificado. Vale lembrar que o século IV foi

cenário das invasões bárbaras bem como a queda do Império Romano Ocidental em 476, que

por sua vez contribuíram para o rompimento da cultura clássica e para a introdução do

pensamento cristão.

1 Acadêmica do curso de Pedagogia da Universidade Estadual de Maringá: [email protected] 2 Docente do departamento de Educação da Universidade Estadual de Maringá: [email protected]

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Segundo PEREIRA MELO, o pensamento de Santo Agostinho foi de grande

importância para o homem de seu tempo, bem como para a posteridade, pois:

[...] “pôs a disposição da Igreja a vivacidade e profundidade do seu pensamento, o que resultou numa contribuição fundamental para o cristianismo, e por extensão, para a educação cristã, ao fundamentar os conteúdos necessários para a formação do homem cristão”. (PEREIRA MELO, 2009, P. 1).

Desse modo, o pensamento de Santo Agostinho além de contribuir significativamente

para a Antiguidade, teve grande destaque na Idade Média, sendo considerado um dos

principais padres da chamada Patrística – período em que os padres da Igreja defenderam a

conciliação da fé e razão. Santo Agostinho, por sua vez, organizou de forma sistemática as

concepções culturais e educacionais dos Padres da Igreja que o antecederam; o que se

constituiu num grande legado ao pensamento cristão.

UM BREVE HISTÓRICO SOBRE A VIDA DE SANTO AGOSTINHO

Aurelius Augustinus (Santo Agostinho) nasceu no ano de 354 da era cristã, em

Tagaste (hoje Souk-Aras), na Argélia, e faleceu em 430. Fez seus primeiros estudos em

Tagaste, e, segundo Hamman (1980), não foi um bom aluno, por ser considerado

indisciplinado, e faltava às aulas, principalmente de grego, por não gostar dessa língua. Após

esses primeiros aprendizados estudou em Madaura, centro de maior importância intelectual,

onde se tornou um retórico. Seus estudos deveriam ter parado nessa época, porém seu pai não

mediu esforços para que prosseguisse nessa senda. Trabalhou durante um ano inteiro para

acumular o dinheiro necessário para isso, e ainda valeu-se de um amigo rico, Romaniano, para

dirigir-se a Cartago, cidade na qual concluiu os estudos superiores. Seduzido pela cultura

latina, dedicou-se ao estudo de autores como Cícero (103 a.C - 43 a. C), Terêncio (185 a.C. -

159 a.C.) e Virgílio (70 a.C. - 19 a.C). A leitura de Hortêncio e de Cícero despertou nele o

interesse pela filosofia, confirmando sua formação baseada essencialmente na cultura latina.

Sua cultura era, portanto, latina, tendo como ponto de partida a gramática e o estudo, aplicado, meticuloso, dos grandes clássicos, e, sobretudo, dos poetas: Virgílio, Terêncio... Ser culto equivalia para um romano, a saber, Virgílio quase de cor, assim como os gregos dominavam Homero. Vinham, em seguida, os historiadores, Salústio... e os oradores, Cícero em primeira linha, o grande Cícero, o mestre incontestado que, por sua obra e pelo próprio

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exemplo, legou uma forma à cultura antiga do Ocidente. (MARROU, 1957, p. 16)

Aos vinte anos de idade, Santo Agostinho viu ser preciso procurar uma profissão,

voltando-se para o magistério. Regressou a Tagaste onde abriu uma escola e iniciou um ofício

que viria ocupar por durante treze anos de sua vida. Depois da permanência em Tagaste,

transfere-se para Cartago, com o intuito de ocupar a função municipal de retórica e ser

recompensado como professor público. Entristecido pelo comportamento da maioria dos

alunos cartagineses resolveu dirigir-se a Roma, no qual encontrou alunos com mais

responsabilidades e interesse. Não obstante o maior reconhecimento por parte dos alunos, não

recebeu maiores lucros e seus alunos foram tidos como mal pagadores. Deste modo, dirigiu-se

para Milão, a fim de se tornar professor de retórica.

Em Milão, Santo Agostinho sentiu-se entusiasmado pela doutrina maniqueísta3, a qual,

segundo acreditou, lhe oferecia um saber superior, diferente do simples saber cristão

aprendido com Mônica, sua mãe. Por meio desses conhecimentos maniqueístas, também

acreditava poder ter a sua própria compreensão a respeito de Deus e da alma.

Esteve por pouco menos que dez anos como leal partícipe do maniqueísmo, até o

momento em que de fato encontrou-se com Fausto de Mileve, chefe da seita, no qual pôde

constatar, conforme relatou em suas Confissões, não ter a ciência e a sabedoria que aparentava

ter, porém apenas conhecimentos de gramática e de algumas leituras de Cícero. Decepcionado

com seu líder e mestre, passou a acreditar ter conhecimentos superiores aos dele (MARROU,

1957, p. 30), causa esta que o levou a afastar-se gradualmente do maniqueísmo.

Exprimiam-se falsamente não só de Vós, que verdadeiramente sois a Verdade, mas ainda acerca dos elementos deste mundo, criaturas vossas. A respeito destas, por amor de Vós, Pai sumamente bom e formosura de todas as formosuras, tive de ultrapassar, nos raciocínios, aos filósofos, ainda mesmo aos que falam com exatidão. (CONFISSÕES, III, 6, 10)

3 O princípio maniqueísta teve grande alcance na região da Pérsia, Egito e África do Norte. Instituída por Manés (215 d.C – 275 d. C), a seita continha basicamente elementos da doutrina Zoroastra emaranhada ao Cristianismo. Sua idéia fundamental era a dualidade do bem e do mal, governados simultaneamente por Deus e por Satanás. Estes elementos eram embaralhados e ligados em todos os sentidos e sobre todas as coisas. Nesta doutrina, o homem compunha-se de duas almas, uma iluminada por Deus, e a outra escurecida por satanás. A primeira natureza carecia desfazer-se da segunda, para que após a morte pudesse viver no reino da luz. Tal corrente de pensamento contrapunha-se a Cristo, uma vez que este teria vindo ao mundo sob forma de corpo humano. Já o maniqueísmo abstinha-se do corpo ou de qualquer matéria, desse modo, o profeta Mani apresentou-se como o Paracleto, o Consolador, enviado por Deus à Terra para que pudesse ensinar o caminho da retidão e libertar a alma dos homens das trevas.

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Posteriormente ao afastamento da doutrina maniqueísta, aproximou-se do

neoplatonismo4 por meio dos escritos de Plotino (205 a. C – 270 a C). Segundo Philotheus

Boehner e Etienne Gilson (2003, p. 146), isso foi muito oportuno para ele, pois lhe

proporcionou uma metafísica espiritual e a convencer-se da existência de um mundo

espiritual, regido por um Deus imutável. Simultaneamente a isto, Santo Agostinho conhece

Ambrósio (340 d. C - 397 d. C), bispo de Milão, que mais tarde foi canonizado com o titulo

de Santo Ambrósio, e assim como Santo Agostinho, foi também considerado como um dos

Padres da Igreja. Com essa relação, somada à corrente de pensamento do neoplatonismo,

Agostinho dá início, conforme revelou, a se emancipar espiritualmente, sentindo-se

deslumbrado pelas palavras do futuro santo.

Ardorosamente o ouvia quando pregava ao povo, não com o espírito que convinha, mas como que a sondar a sua eloqüência para ver se correspondia à fama, ou se realmente se exagerava ou diminuía a sua reputação oratória (CONFISSÕES, X, 13, 23).

Em 386 Santo Agostinho converte-se de fato ao cristianismo no jardim de sua casa em

Milão. Logo após a conversão pede demissão do seu cargo público e junto de sua mãe

Mônica, seu filho e alguns amigos se muda para o campo, para a propriedade de um dos

amigos, Verecundo, em Cassiciacum, ao norte de Milão.

No ano seguinte, 387, foi batizado pelo bispo Ambrósio. A partir de então passou a

dedicar-se a uma fervorosa vida de oração e estudos, procurando chegar ao entendimento

daquilo que concebia como verdades eternas, valendo-se de argumentos racionais. Santo

Agostinho, conforme declarou havia encontrado a paz que procurava. Após seu batismo,

propôs-se retornar a Tagaste a fim de consagrar-se a uma vida de oração e estudos. Em 388,

enquanto se preparava para retornar à sua cidade natal, sua mãe Mônica veio a falecer.

Santo Agostinho sentiu-se consternado pela morte da mãe e nessa ocasião constituiu

uma espécie de comunidade monástica a fim de se aprofundar em sua propensão religiosa.

Entretanto, sua permanência em tal comunidade cristã, de acordo com Pessanha (1984),

persistiu somente por três anos. Em 391 encontrava-se na igreja de Hipona, em um dia em que

4 Doutrina tida como uma corrente de pensamento que iniciou-se no século III, na qual baseava-se nas lições de Platão, no entanto com uma interpretação singular e diferenciada. A doutrina teve Plotino como principal representante do pensamento e Porfírio como seu discípulo.

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o bispo Valério recomendou à assembléia a eleição de alguém que pudesse auxiliá-lo na

função sacerdotal e, sobretudo no ofício da pregação. A uma só voz os fiéis gritaram:

“Agostinho presbítero!” (HAMMAN, 1980, p. 230). De início, Santo Agostinho titubeou em

aceitar a função proposta, mas considerou-o como um chamado divino e não negou a petição

do bispo e da congregação. Em função da sua grandiosidade intelectual, tornou-se bispo em

395, e permaneceu por trinta anos neste posto. Destarte, teve de envolver-se integralmente

com as exigências ministeriais, dedicando-se à oração, aos estudos sagrados e à contribuição

da filosofia cristã, do que decorreu um vasto número de obras e sermões. Santo Agostinho

permaneceu fiel ao cristianismo, sendo seguido por muitos discípulos até sua morte, em 430.

O pensamento de Santo Agostinho, além de preocupar-se em harmonizar fé e razão,

voltou-se particularmente para o homem do seu tempo, tendo em vista sua formação a fim de

que respondesse às necessidades do cristianismo. Deste modo, ao pensar o homem que

deveria ser o verdadeiro cristão, o homem santificado, o pensador instituiu preceitos de

conduta e vivência que, segundo acreditou, levariam à formação do homem ideal.

A busca agostiniana pela conciliação entre a fé e a razão assinalou o motivo pelo qual

não houvesse a total falta de apreço do conhecimento clássico, uma vez que, para ele, tudo

que aquela cultura tinha de bom provinha de Deus, por isso ela estava apta para colaborar na

formação do homem cristão.

“Quando, porém, alguém se separa, pela inteligência, dessa miserável sociedade pagã, tendo se tornado cristão deve aproveitar-se dessas verdades, em justo uso, para a pregação do evangelho” (A DOUTRINA CRISTÃ, II, 41, 60).

Tais idéias defendidas por Santo Agostinho refletiram-se no processo formativo do

homem cristão, processo que, além das verdades da fé, necessitava tornar viável o exercício

intelectual, para que o homem pudesse chegar ao ideal apresentado pelo cristianismo: a

descoberta da verdadeira sabedoria, a qual ele poderia encontrar em si próprio, em sua

interioridade. Entretanto, o homem deveria preparar-se para esse acontecimento superior, ou

seja, para a ação imediata de Deus na produção das suas idéias, ou seja, o processo da

Iluminação Divina.

Segundo a doutrina da Iluminação Divina, todos os conhecimentos sobre as verdades

eternas e imutáveis e todo o saber verdadeiro se encontram em Deus, a Quem conhecemos por

meio da interiorização, à medida que o intelecto percebe Sua presença. Assim, para Santo

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Agostinho, as verdades permanentes e imutáveis estão estabelecidas em Deus,

conseqüentemente o conhecimento provém de Deus e é por meio de Sua iluminação que o

homem O recebe em sua interioridade.

Nessa tese agostiniana, de considerável inspiração da filosofia clássica,

especificamente da platônica, o conhecimento é concedido única e exclusivamente por Deus:

“o homem só aprende quando é iluminado interiormente [...], a luz interior da verdade que

ensina e esclarece o homem interior (HAMMAN, 1980, p. 220). Por esse motivo o

conhecimento não se dá pela transmissão do professor para o aluno, embora este contribua

para isso, mas pela ação imediata de Deus na produção das idéias, pois, “para Santo

Agostinho, só Deus é mestre e que os professores na realidade, nada ensinam, limitando-se a

motivar os alunos para o conhecimento” (HAMMAN, 1980, p. 219). Desta forma, segundo

PEREIRA MELO, 2009, p. 7, para Santo Agostinho, quem seguisse esse caminho chegaria ao

ideal, ao renascimento do “homem espiritual”. “O homem interior renasce dia a dia [...] O

homem exterior muda — seja pelo progredir do homem interior, seja por sua própria

debilidade. “No primeiro caso, será para se transformar inteiramente para melhor, até vir o

som da trombeta final quando reencontrará sua integridade” (AGOSTINHO, 2002, 40, 74-41,

77, p.100).

Deste modo, o papel do professor é incitar, questionar, provocar o aluno para que ele

busque, recorde o conhecimento.

Agostinho – Que te parece que pretendemos fazer quando falamos? Adeodato – Pelo que de momento me ocorre, ou ensinar ou aprender. Agostinho – Mas, então, de que maneira pensas que se possa aprender, senão perguntando? Agostinho – Ainda neste caso, creio que só uma coisa queremos: ensinar. Pois, dize-me interrogas por outro motivo a não ser para ensinar o que queres àquele a quem perguntas? Adeodato – Dizes a verdade. Agostinho – Há, todavia, creio, certa maneira de ensinar pela recordação, maneira sem dúvida valiosa, como se demonstrará nesta nossa conversação. Mas, se tu pensas que não aprendemos quando recordamos ou que não ensina aquele que recorda, eu não me oponho; e desde já declaro que o fim da palavra é duplo: ou para ensinar ou para suscitar recordações nos outros ou em nós mesmos. (DE MAGISTRO, I).

Neste diálogo com seu filho Adeodato, no qual estabeleceu seu entendimento sobre a

aprendizagem, Santo Agostinho evidencia a palavra como uma ferramenta no processo

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ensino-aprendizagem, já que, “por meio da linguagem é possível recordar as normas de

comportamento e principalmente os ensinamentos das Escrituras Sagradas” (OLIVEIRA,

2008, p. 7). Contudo, as palavras eram convenientes apenas para incitar o aluno ao aprender,

pois, segundo entendeu, era Deus o verdadeiro Mestre que poderia conferir ao homem as

condições para que este pudesse aprender.

(...) recane el hombre interior, y el exterior mengua cada dia (...) el hombre exterior se desmorona con el progreso del interior o por defecto suyo. Mas com el progreso del hombre interior de tal modo se transforma, que todo él se renueva y mejora hasta volver a su integridad, al sonido de La trombeta, para que nunca más se corrompa ni corrompa a los demás. (AGUSTÍN, 1948: XL, 74 e XLI, 77)

Neste sentido é que se configura o fenômeno educativo, o qual, por ser desencadeado

pela vontade humana, adquire o caráter de auto-educação.

Em grande medida, esse processo passava pela insatisfação inata no homem, a qual o

fazia buscar um melhoramento para si próprio. Assim sendo, o homem buscaria em Deus o

conhecimento e a sabedoria perfeita, e por sua vez, Deus prepararia as condições para que o

homem chegasse a esse fim, visto que ele sozinho não é capaz de realizar o processo

educativo, possível somente por mediação divina.

Dadas as dificuldades e barreiras que o homem enfrentaria nesse caminhar formativo,

para Santo Agostinho, somente os corajosos, os que não temessem ir à busca da verdadeira e

completa felicidade, movidos por uma insatisfação interior, acabavam encontrando uma

melhoria pessoal, por meio da caminhada educativa. “Nesse momento, a busca pela felicidade

estaria em Deus e não mais na filosofia como para os filósofos da antiguidade” (PEREIRA

MELO, 2002). Desta forma, a educação tinha a finalidade de responder à condição de conflito

vivida pelo homem em sua interioridade. Daí a necessidade de se passar por um processo de

purificação moral, numa escalada rumo à santificação, ideal formativo imprescindível ao

cristianismo.

Desta forma, na caminhada educacional, para Santo Agostinho, Deus era o principal

condutor, como uma luz a ser seguida pelo homem para este encontrar sua perfeição moral:

“[...] mas devemos procurar Deus e suplicar-lhe, no mais íntimo recesso da alma racional, que

se denomina o homem interior [...]” (AGOSTINHO, 1980: 1, 2).

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Assim sendo, o processo educativo não poderia conduzir-se pela ação humana, mas

sim, pelo próprio Deus; no entanto, estava intimamente vinculada à vontade humana, no

sentido de facilitar a ação divina na produção das idéias. A educação, portanto, assumiu papel

significativo de facilitar a caminhada do homem cristão com destino ao seu fim último, à

felicidade eterna, na “cidade celeste”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com o pensamento de Santo Agostinho o pensar cristão recebeu uma nova visão, uma

vez que, sistematizou os elementos do pensamento clássico com os princípios cristãos. A

preocupação com a formação do homem do seu tempo fez de Santo Agostinho um dos

grandes educadores da antiguidade cristã.

O modelo formativo agostiniano, tendo em vista alcançar o ideal cristão do homem

santificado, mesmo atribuindo a Deus papel primordial, valorizou o papel do homem nesse

processo, ou seja, a sua vontade, no sentido de chegar ao bem maior, a felicidade,

configurando-se assim um processo auto-educativo. Conquanto fosse Deus o principal

responsável pela efetivação do processo educativo, este era desencadeado pelo homem.

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A importância do pensar pedagógico agostiniano não se limitou ao seu tempo, mas

atravessou os séculos, e ainda hoje pode ser identificado não apenas no magistério da Igreja

Católica, mas também no das outras igrejas cristãs, embora de maneira não tão explícita.

REFERÊNCIAS

BOEHNER, Philotheus; GILSON, Etienne. História da Filosofia Cristã: desde as origens

até Nicolau de Cusa. 8. Ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2003.

HAMMAN, A. Agostinho de Hipona. In: ______. Os padres da Igreja. 3. ed. São Paulo:

Edições Paulinas, 1980.

HAMMAN, A. Santo Agostinho e seu tempo. São Paulo: Paulinas, 1982.

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MARROU, H. Santo Agostinho e o agostinismo. Rio de Janeiro: Agir Editora, 1957.

OLIVEIRA, T. Agostinho e a Educação Cristã: um olhar da História da Educação.

Universidade do Porto, Notandum, ESDC / CEMOROC – Feusp / IJI – 17 jul – dez 2008.

PEREIRA MELO, J. J. A educação em Santo Agostinho. In: OLIVEIRA, T. (Org.). Luzes

sobre a Idade Média. Maringá: EDUEM, 2002.

PEREIRA MELO, J. J. ; ROSINA, D; A teoria agostiniana do conhecimento ou da

iluminação divina. Revista Unissa, v.2, p. 41-54, 2006.

SANTO AGOSTINHO. A Doutrina Cristã. São Paulo: Paulus, 2002. SANTO AGOSTINHO. Confissões. Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1980.

SANTO AGOSTINHO. De magistre. Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1980.