o orçamento para educação na província de minas gerais na segunda metade do século xix

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I. Introdução O objetivo do presente artigo é analisar os gastos públicos com educação na segunda metade do século XIX na província de Minas Gerais. Com uma pesquisa em fontes primárias nos principais relatórios de finanças públicas com respeito à referida província, pudemos saber o quanto foi gato neste quesito e, principalmente, o lugar que era dado à educação pública no decorrer deste período, além da evolução histórica do mesmo. Vale ressaltar, à guisa de introdução, como era a realidade política e econômica de Minas gerais no período estudado. Do ponto de vista político, era uma província governada por uma elite agrária, como pode ser facilmente verificado em qualquer lista dos presidentes de província da época. Se por um lado isto afastava o povo das arenas decisórias, por outro garantiu a Minas Gerais uma estabilidade política nunca antes vista em sua história, tão marcada por revoltas no século XVIII. Do ponto de vista econômico, a segunda metade do século XIX em Minas gerais pode ser vista como uma era de retomada: era iniciada a cultura do café em suas terras, inserindo a província novamente na principal pauta de produção e exportação do Brasil em sua época, algo que não ocorria desde o período do Ciclo do Ouro. Não obstante a economia mineira nunca tenha perdido de vez seu dinamismo (GODOY et all., 2011, p.01), ela voltava agora ao palco 1

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Artigo discute, com base em fontes primárias, como os Relatórios de Presidente de Província e a Legislação Tributária Mineira, a questão do orçamento e do gasto com educação do governos da província de Minas Gerais na segunda metade do século XIX (1850/1888).

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I. Introduo

O objetivo do presente artigo analisar os gastos pblicos com educao na segunda metade do sculo XIX na provncia de Minas Gerais. Com uma pesquisa em fontes primrias nos principais relatrios de finanas pblicas com respeito referida provncia, pudemos saber o quanto foi gato neste quesito e, principalmente, o lugar que era dado educao pblica no decorrer deste perodo, alm da evoluo histrica do mesmo.

Vale ressaltar, guisa de introduo, como era a realidade poltica e econmica de Minas gerais no perodo estudado.

Do ponto de vista poltico, era uma provncia governada por uma elite agrria, como pode ser facilmente verificado em qualquer lista dos presidentes de provncia da poca. Se por um lado isto afastava o povo das arenas decisrias, por outro garantiu a Minas Gerais uma estabilidade poltica nunca antes vista em sua histria, to marcada por revoltas no sculo XVIII.

Do ponto de vista econmico, a segunda metade do sculo XIX em Minas gerais pode ser vista como uma era de retomada: era iniciada a cultura do caf em suas terras, inserindo a provncia novamente na principal pauta de produo e exportao do Brasil em sua poca, algo que no ocorria desde o perodo do Ciclo do Ouro. No obstante a economia mineira nunca tenha perdido de vez seu dinamismo (GODOY et all., 2011, p.01), ela voltava agora ao palco principal, porm no mais como protagonista, pois os maiores produtores de caf a poca eram So Paulo e Rio de Janeiro.

neste panorama que devem ser analisadas as polticas pblicas da Provncia a poca, pois elas so, em tese, uma resposta s demandas que havia na poca. Importante esclarecer do que se trata quando se fala em educao nesta poca: instruo pblica, biblioteca pblica, colgio de rfos da cidade de Mariana, compra de livros para a biblioteca da capital (MENDES & GODOY, p.17).

II. O oramento da educao pblica

O oramento nada mais do que o quanto de dinheiro o governo destina e pretende gastar em um exerccio fiscal. Ele fixado, geralmente, pelo poder legislativo. Era deste modo na provncia de Minas Gerais no perodo considerado. O oramento, que inclua uma discriminao em rubricas dos gastos, era fixado por lei, votada na Assemblei Provincial pelos representantes eleitos.

A pesquisa na legislao mineira bastante elucidativa no que diz respeito ao oramento com educao pblica no perodo estudado. Os grficos abaixo acompanham a trajetria das principais rubricas das contas pblicas mineiras, relativo ao oramento delas:

(Fonte: MENDES & GODOY, pgs. 17/18).

Assim, a trajetria da quantia de dinheiro orada em Minas Gerais para a educao pblica uma trajetria de tendncia crescente, tanto em termos da quantia absoluta quanto em termos da participao no oramento geral.

E, de fato, nota-se um discurso, nos relatrios dos presidentes da provncia, de dar maior nfase educao:

Um dos ramos da administrao, que mais particular atteno deve merecer dos poderes pblicos, por certo a instruco; educao e instruco da mocidade prendem-se os mais importantes interesses sociaes. So as boas finanas, como a instruco publica, os elementos mais seguros da prosperidade de qualquer paiz (Relatrio apresentado Assembleia Legislativa de Minas Gerais pelo presidente Venncio Jos de Oliveira Lisboa, 1873 in MENDES & GODOY, p.17).

Logo, natural que o valor orado pela administrao pblica fosse crescente.

III. O gasto da educao pblica

Para a pesquisa dos gastos com educao na provncia, o ideal seria uma pesquisa nos relatrios dos presidentes de provncia. Afinal, os gastos, cumprimento e execuo do que foi fixado nos relatrios, eram de responsabilidade do poder executivo, cujo chefe era o Presidente da provncia.

Contudo, uma pesquisa em tais fontes se revelou infrutfera. Os Presidentes no tinham grande preocupao em explicitar os gastos com a instruo pblica. Nem mesmo aps a instaurao de uma Inspetoria da Educao, com o intuito de fiscalizar a instruo na provncia, tal discurso mudou.

Nos relatrios de Presidente de provncia examinados (um total de quarenta e mais algumas falas Assembleia), o que mais se viu foram leis de carter normativo, com o intuito de regulamentar o que deveria ser ensinado nas escolas, nomeaes, exoneraes e afastamentos alm de exaltaes gesto da poca e frequentes insultos a gestes passadas.

Em alguns casos, h a especificao de obras a serem feitas, vagas a serem criadas, repasses a colgios especficos, fixao de salrios e vencimentos, abertura de vagas para contratao de novos professores. Mas tudo muito vago, no h nmeros consolidados: diz que ir se realizar uma obra de expanso de um colgio, mas no diz quanto ser o custo. Diz-se que ir comprar 250 novos exemplares para a biblioteca de uma determinada cidade, mas no diz a que custo. No relatrio de 1854 (U254, pgs. 9 e 10) so mencionados diversos repasses a colgios especficos. Mas nenhum nmero consolidado do gasto geral da provncia. Somente em um relatrio dito que se compraro livros de geografia em uma importncia especfica, mas s (RELATORIO de 1879, u280, p. 07). A ttulo de exemplo, no relatrio de 1852 (u251, p. 08), dito pelo Presidente que a importncia gasta em um passado no especificado, de noventa e dois contos de reis, insuficiente e que ele a aumentou. Mas no diz para quanto. No mais, faz exaltaes a sua gesto e sanciona leis de carter normativo.

A prpria explanao sobre educao costuma ser curtssima: algumas vezes dava dois pargrafos de dez linhas e poucas vezes chegou a mais de dez pginas. A rubrica de obras pblicas era sempre maior que dez pginas. Quando da inaugurao da Inspetoria, seus relatrios eram maiores, chegavam a trinta pginas, mas eram tidos como anexos.

H excees brevssimas, nos relatrios, com relao discriminao dos gastos pblicos com educao pblica:

No relatrio de 1859 (u257, pg. 19) o Presidente da provncia menciona os gastos efetivos de seu exerccio e de exerccios anteriores (1855-56 at 1858-59, o ltimo ainda no princpio):

No relatrio de 1873 (u272), no apndice 21 Relatrio do Inspetor Geral interino da instruco publica, pgina 08, consta que:

No relatrio de 1885 (u285), na pgina 18 e no Annexo C Instruco Publica, possvel ler, respectivamente:

E isto que temos em respeito de gastos efetivos.

Contudo, h que se observar que os gastos totais da provncia eram consolidados, em todos os relatrios. Assim, poderia surgir a tentativa de anlise partindo do pressuposto que, o que era gasto, em Minas Gerais, raramente ficava muito distante em quantia do que era orado, como vemos no grfico a seguir:

(Fonte: MENDES & GODOY, p. 17)

Contudo, tal anlise no elucidativa, conforme se v no seguinte relatrio presente no Annexo---C Inspectoria Geral da instruco Publica, que consta na fala do Sr. Luiz Eugenio Horta Barbosa, presidente da provncia de Minas Gerais em 1888 (495 BN, AC-26):

De modo que fica claramente expresso, nas palavras do Inspetor, a inadequao do oramento da Provncia quando o assunto educao.

IV. Uma anlise da qualidade do gasto pblico: um exame do Censo de 1872 e de 1890.

No sabemos, com preciso, o quanto foi gasto em instruo pblica nesta poca. Mas isto no impossibilita que faamos uma anlise para saber se o dinheiro empregado era suficiente para atender s demandas da populao.

O Censo de 1872 foi o primeiro recenseamento geral do Brasil e foi o nico que houve no Brasil Imprio. Devia ter ocorrido um em 1880, mas foi cancelado. O Censo seguinte foi em 1890, primeiro ano da Repblica.

O Censo de 1872 um censo detalhista, que separou os brasileiros em vrias modalidades, como raa, gnero, situao (escravo ou livre), estado civil, localidade, deficincias fsicas e escolaridade. O de 1890 no separou por situao, pois a escravido j havia sido abolida e nem por raa.

No presente artigo, o que interessa o ltimo quesito. No quadro abaixo, h a tabela do Censo de 1872 que faz uma matriz entre nvel de escolaridade (na verdade, alfabetizao), idade e sexo.

(Fonte: CENSO de 1872, pg. 516, adaptado)

Crianas escravas no podiam frequentar escolas. Portanto, o gasto com instruo primria era s com crianas livres. Pela tabela acima, vemos que o nmero total destas era de 149.776. Dos que frequentam a escola, o total era de 31.908. Ou seja, apenas 21,3% das crianas livres frequentavam a escola. O nmero de adultos que sabia ler e escrever (livres e escravos) era de 223.767, o que correspondia a 11% do total da populao. Como vemos na tabela com a evoluo dos gastos da provncia, em 1872 iniciou-se a fase de maior crescimento dos investimentos em educao.

Examinemos agora o Censo de 1890 (que est a apenas um ano do fim do perodo considerado). Falando do agora estado de Minas Gerais, podemos ver se tais investimentos foram frutferos:

(Fonte: MUSIAL, p. 117)

Deve-se ressaltar que os escravos eram, em 1872, 18,2% da populao de Minas Gerais e que, com as Leis do Ventre Livre e do Sexagenrio, este nmero deve ter cado ainda mais at 1888. Assim, a insero na sociedade de ex-escravos no pode explicar a estagnao do ndice de alfabetizao da populao mineira.

V. Concluso

O artigo refletiu sobre a organizao das contas pblicas da provncia de Minas Gerais na rubrica educao. Examinando fontes primrias como as Leis Oramentrias e os Relatrios dos presidentes de Provncia, pudemos verificar que, no sentido de orar, os legisladores tiveram uma preocupao em organizar o oramento. J os Presidentes da provncia no tiveram o mesmo cuidado em prestar contas Assembleia Provincial: seus relatrios, falas e escritos tem mais valor normativo, de discriminar contedos a serem ministrados, nomeaes e fazer propaganda de si e ataques a opositores do que o de esclarecer a estrutura e planejamento dos gastos em educao na Provncia. Por outro lado, conforme pudemos observar, o planejamento no parece ter sido muito eficiente, de acordo com o prprio depoimento de um inspetor de instruo. Tambm os dados, presentes nos Censos de 1872 e 1890, no o desmentem: pouco se evoluiu a respeito da instruo na provncia/estado de Minas Gerais em dezoito anos. Logo, por no saber com preciso de dados o quanto era efetivamente gasto em educao em Minas Gerais, ficamos sem saber se isto era pouco ou apenas mal gasto.

Assim, no podemos deixar de concluir que, no obstante as falas, no obstante o aumento no que foi orado, no obstante a demanda da populao por educao, agora que se iniciava um ciclo econmico mais dinmico e industrializante, o quesito educao foi extremamente vilipendiado pelos governantes mineiros. As razes para isso temos vrias a conjecturar: desde um princpio de populismo, de prometer e no cumprir, at o fato de que governantes da elite e distantes da populao, pertencentes a uma elite agrrio-exportadora, no tinham interesse em desenvolver a provncia.

A grande concluso que fica que, apesar de Minas Gerais ser hoje um dos estados mais ricos do pas, os ecos desta desorganizao e deste descaso (no importa porque ele existiu) at hoje se fazem ouvir em regies como o Vale do Rio Jequitinhonha, regio mais pobre do Brasil e na enorme desigualdade regional que h no prprio estado.

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BIBLIOGRAFIA

1. RELATRIOS DE PRESIDENTES DE PROVNCIA. DISPONVEIS EM: . ACESSO EM: 26 DE JUN. DE 2015.

1. RECENSEAMENTO GERAL DO IMPRIO, 1872, SEO MINAS GERAIS. DISPONVEL EM: e . ACESSO EM: 26 DE JUN. DE 2015.

1. GODOY; Marcelo Magalhes; PAIVA, Clotilde Andrade; RODARTE, Mario Marcos Sampaio. A REINVENO DAS MINAS PELAS GERAIS: TRANSFORMAES ECONMICAS E DEMOGRFICAS NAS REGIES DAS MINAS GERAIS OITOCENTISTAS. XIV ENCONTRO NACIONAL DA ANPUR. Maio de 2011. Rio de Janeiro - RJ - Brasil

1. MENDES, Philipe Scherrer; GODOY, Marcelo Magalhes. FINANAS PBLICAS DA PROVNCIA DE MINAS GERAIS. Minas Gerais: 2012.

1. MUSIAL, Gilvanice Barbosa Da Silva. EMERGNCIA DA ESCOLA RURAL EM MINAS GERAIS (1892-1899): quando a distino possibilita a excluso. Tese de Doutoramento apresentada na UFMG. Minas Gerais: 2011.

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