o “no meu tempo” em termos de comportamentos masculinos e ... · também o que é...
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O Tempo em Aspiral:A dialética dos comportamentos e das comunicações
Resumo:
Análise psicológica e filosófica da relação dominadores e dominados ,o modo sutil apresentado no romance O
Relógio Belisário de José J. Veiga,nas relações entre as personagens interconectando com as outras obras do
autor,outras ficções e a realidade,além do estranhamento e busca de explicação por determinadas (re)ações
diferirem de outras ficções e na realidade .
(...) não há sentido sem interpretação , e a interpretação é um excelente
observatório para se trabalhar a relação historicamente determinada do sujeito com
os sentidos, em um processo em que intervém o imaginário e que se desenvolve em
determinadas situações sociais.
É assim que entendemos a ideologia, nesse percurso que fizemos para entender
também o que é interpretação.
Eni Puccinelli Orlandi
Os homens têm complicado tanto o mecanismo da vida que já ninguém tem certeza de
nada: para fazer alguma coisa é preciso aliar a um impulso de aventura grandes
sombras da dúvida.
Cecília Meireles
O livro em questão é considerado pela crítica especializada uma obra menor do
autor, respeito a opinião ,mas para mim não consideramos o livro como menor , o
consideramos diferente do conjunto da obra .Mas um diferente do conjunto da obra
de Veiga sem destoar do seu tema principal: a relação dominadores e dominados.
Como isso acontece? De modo bem sutil , através das personagens femininas:
Artemisa e Maura ,em especial ,e na interlocução com as outras personagens:tempo-
mentalidade ou ideologia da época ,âmbito interno da personalidade das personagens
acontece a relação dominadores e dominados.Além disso a questão do tempo que não
caminha em linha reta é sim como uma aspiral ,velhos valores coexistem com novos
costumes com mudanças que questionam o passado ,mas não o destroem
completamente como muitos temem ao menor sinal de mudança.Nem todas as
pessoas querem mudanças,mesmo sabendo que não foi bom o tal passado vira um
marco de referência com regras fixadas, o “no meu tempo era assim ...”.
O “no meu tempo” em termos de comportamentos masculinos e femininos
acontece de muitos modos previsíveis e tem diferentes denominações.O que a
psicologia denomina como machismo feminino ou mulher machista, Margareth
Lobato denomina de preconceito reverso, Dowling denominou Complexo de
Cinderela ,Chauí chamou de ideologia do “lugar do feminino”,Luft chama de espírito
de manada. São atitudes que ocorrem numa parte do conjunto da obra de Veiga,no
foco desta analise de um romance. As personagens femininas, mães/esposas , são
elementos que unem a família mesmo não tendo participação ativa e também
conciliadora diante do possível rompimento familiar( De Jogos a Festas, Sombra de
Reis Barbudos ) e quando ausente a família se separa( Roupa no Coradouro e
Viagem de dez léguas) , enquanto em O Relógio Belisário há duas personagens
femininas (Artemisa e Maura) que são contrárias as mudanças e quebra de hierarquia
que pode ser percebido através dos seus comportamentos, num sutil jogo dialético
entre mãe e filha, empregada e o auxiliar de cozinha que percebemos ter um algo
mais do que Adorno denominou personalidade autoritária : a “ dominada” que
identifica-se com o discurso da dominação num ambiente no qual as demais
personagens não estão preocupadas com hierarquia ou demarcação de território (cada
um no seu devido lugar), em especial o desembargador Mariano é despojado de
autoritarismo causa humor e surpresa . Quando a aparente normalidade é
dominação?Depende de quanto determinadas regras estão enraizadas no
pensamento coletivo.O que é normal para uma pessoa,pode não ser para outra.Até o
modo de pensar pode ser aprisionado quando não aceita a diversidade de opiniões
alheias.
No fragmento em O Relógio Belisário:
(...) D. Artemisa tomou a iniciativa de convidá-lo a voltar sempre que quisesse, agora que o casal
tinha decidido ficar no sítio.Mas logo percebeu que pela segunda vez no mesmo dia havia transgredido
uma norma da educação recebida: o convite devia partir do marido. E tentou corrigir o resvalo. Pg 50.
Como já foi mencionado um dos temas recorrentes no conjunto da obra de Veiga é
a relação dominadores e dominados. Na fase sombriai essa relação ocorre de modo
macrocósmico e explicitamente. Exemplo: em Hora dos Ruminantes estrangeiros
chegam num pacato lugarejo e junto com bois e cachorros alteram a rotina do lugar.
As pessoas são prisioneiras em suas próprias casas. Depois eles vão embora tão de
repente quanto chegaram.Em Sombra de Reis Barbudos Lucas acompanha em sua
cidade as transformações com a chegada da Companhia Melhoramentos que aos
poucos revela seu objetivo de controlar as pessoas. A vida de todos passa a ser
registrada, catalogada e vigiada. Quem contraria as regras é preso rapidamente. Para
não fugirem barreiras são construídas impedindo tanto a entrada quanto a saída .
Voar é o único modo de escapar.
Nos romances da fase luminosa como O Relógio Belisário e Torvelinho Noite e Dia
a relação ocorre de modo micro e sutil. Como? Através da mentalidade das
personagens.Que só foi possível de perceber através da desconstrução dos
comportamentos tradicionais dentro de situações nas quais as outras personagens
demonstram comportamentos diferentes do esperado em determinada situação,tipo
de pai, da mãe ,de filhos.
Há harmonia e um descompasso entre as personagens reflexo do tempo-
mentalidade, como um choque de gerações sem desencadear conflito ou
ruptura.Enquanto se espera uma ação acontece outra: o desembargador Mariano é o
chefe da família e patrão , mas sem o peso dos mitos da masculinidade, sua maneira
de agir é diferente da tradicional. Ele é uma autoridade sem o autoritarismo.
Normalmente ,na vida real ,as pessoas tendem a confundir autoridade com
autoritarismo, o que acontece também em muitas outras ficções que o choque de
gerações e diferenças de opinião sobre determinado assunto é
apresentado.Percebemos bem no momento que Simão e Dolores revelam que o rapaz
quer ser roqueiro:
Se esperavam que o pai entrasse em pânico, soltasse exclamações de incredulidade ou de censura,
calcularam mal. Ele apenas olhou para Simão com um olhar mais curioso do que sério. Pg. 27.
Na vida real a reação é outra, por parte de alguns muitos pais é outra do tipo não
aceitação do que é diferente do padrão estabelecido socialmente, qualquer profissão
ligada a música ou artes em geral ainda é vista como coisa sem futuro, de malandro
ou marginal até mesmo em outras ficções, o que normalmente gera a expulsão do
filho de casa na vida real, porque artista ou músico não é considerada profissão
descente , e sim coisa de vagabundoii. Cria-se um clima de apreensão ,mas a reação é
contraria do que esperado para personagens e leitores.É a expectativa frustrada que
desperta a inquietação : por que ele age assim?Mariano vê o filho como uma pessoa
autônoma.Tanto na vida real como em outras ficções, isso não ocorre:alguns pais
veem seus filhos como extensão deles próprios e por isso não podem sair da linha
estabelecida, outros como objeto de posse e ainda há aqueles que julgam-se
senhores absolutos da vida de seus filhos.A autonomia dos filhos para estes tipos de
pai é vista como uma ameaça a sua autoridade.
Mariano tem um comportamento democrático e despojado também dos
preconceitos sociais.Valoriza as opiniões alheias, mesmo as de um menino:
_ Está bem Bel. Vamos fazer um trato. Por enquanto elas ficam sendo jurubebeiras para mim, e
lobeiras pra você. Quando crescerem mais, e chegarem no tempo de produzir, elas que decidam o que
é que vão ser. Combinado? Pg. 33.
O que tem haver com a relação dominadores e dominados?A presença de uma
autoridade não-autoritária permite perceber que a mentalidade autoritária está
noutras personagens ,além de ser um assunto psicológico complexo ,pois não há a
complementação entre as partes envolvidas .Há uma quebra de paradigma do
esteriótipo ,o qual frustra a expectativa,mas também faz pensar no motivo das ideias
fixa(da)s.
Segundo Chauíiii a alienação social é o desconhecimento das condições histórico-
sociais concretas em que vive, produzidas pela ação humana igualmente produtora
das condições históricas anteriores e determinadas. “ A alienação social se exprime
na “teoria” do conhecimento espontâneo , formando o senso comum da sociedade.
Por seu intermédio , são imaginadas explicações e justificativas para a realidade tal
como é diretamente percebida e vivida.”iv A elaboração incorporada pelo senso
comum social é ideologia . Sua principal função é ocultar e dissimular as divisões
sociais e políticas dando a aparência de indivisão e de diferenças naturais entre os
seres humanos, o que quer é impedir a reflexão. E pensar além do que é estabelecido
como normal é algo que dói ,por isto há quem evite tentar pensar por conta própria e
espera que outra pessoa faça isso por ele(a) como um líder religioso, político e/ou
comunitário, etc.Como isso acontece? A ideologia opera na inversão, colocando os
efeitos no lugar das causas e transforma as causas em efeitos, operando como o
inconsciente: fabrica ideias e falsas casualidade.Exemplo: apesar dos avanços de
algumas mulheres no mercado de trabalho e na vida social, o senso comum social
afirma que lugar de mulher é na cozinha, cuidar dos filhos,do marido e da casa.
Historicamente sucedeu o contrário,pois a divisão sexual-social do trabalho e na
divisão dos poderes no interior da família , a mulher recebeu a função de subordinada,
auxiliar e complementar reprodutora levando-se em conta o lugar do masculino:
domínio , autoridade e poder.Estabelecidas as condições sociais para cada um dos
sexos era preciso persuadir as mulheres que era o certo, não provinha da organização
social e sim da Natureza, o excelente e desejável cada um no seu devido lugar. Por
isso, montou-se a ideologia do “ser feminino” e da “função feminina” como naturais
camuflando os motivos históricos e sociais.
A ideologia também opera através da produção do imaginário social, através da
imaginação reprodutora .Recolhe imagens que reproduz transformando-as num
conjunto coerente, lógico e sistemático de ideias que agem em dois registros: como
representações da realidade(sistema explicativo ou teórico ) e como normas e regras
de conduta e de comportamento( sistema prescritivo de normas e valores) que
ensinam como pensar, sentir e agir.E o terceiro modo que a ideologia opera é o
silêncio: nem tudo é dito numa frase para que não elimine a coerência e a unidade do
imaginário social ou ideológico, ou seja , atua como o inconsciente descrito pela
psicanálise.
Ideologias regem a vida humana , assim como os mitos , nos mais diferentes
aspectos e cristalizados viram mitos. Como observou Nolasco em O Mito da
Masculinidade v . Se o “ lugar do feminino” não é confortável para as mulheres , o
“lugar do masculino” para os homens também não é, pois entre os “lugares” há os
extremos além de um abismo que os separa. Ele analisou e percebeu o esforço dos
homens para adequarem-se ao papel de machão mesmo não identificando-se com o
modelo, reconheciam o reforço da família,na escola e nas relações sociais para
adotarem modelos viris, determinados e agressivos , o ser homem reduzido a ser
macho.O modelo talhado para os homens elimina a sensibilidade numa maneira
opressiva de socialização.Critérios adotados dentro a própria família e depois pelo
meio social que valoriza a violência e a competição como atributos de
homem,negando a afetividade e o amor.A reflexão lhe propiciou compreender o
abismo e o silêncio que se interpuseram entre gerações.O feminismo desencadeou a
reflexão dos papéis sociais no Ocidente que desencadeou , também a busca de
alguns homens para desvencilharem-se do machismo e dos esteriótipos do machão
,pois quanto mais inseguro é o homem, mais violento ele é(isto já foi psicologicamente
comprovado dentro de determinados contextos),embora o esteriótipo diga o
contrário . “ A representação masculina é uma esfinge de um deus ou de um herói que
segue pelos caminhos desenhados por este deus”vi. Como Ulisses na Odisséia de
Homero, Adão na Bíblia: feito a imagem e semelhança de Deus. Nas estórias de
Sêneca são sempre homens determinados pelo destino, a “resolver” tarefas difíceis e
complicadas( Hércules) e mesmo o pouco heroico não perde sua origem
divina(Claúdio) , atributos de força, poder, coragem, astúcia e inteligência e
excluindo sentimentos como medo, inveja e raiva, tornando o herói digno das
premiações divinas.
No Ocidente a ideia de pai segue essa orientação: continuamente associada à
imagem divina, um referencial moral e distante que aos poucos perde sentido através
da busca de proximidade. O esteriótipo do macho exclui as diferentes dinâmicas da
subjetividade , além de fazer crer que um homem se faz com sucessos absolutos:
nunca chora, ser sempre o melhor, competir sempre. Ser forte, jamais se envolver
afetivamente e nunca renunciar ( o tão comum se não for minha não será de
ninguém).Privados pela sociedade dos afetos do Eros, crescem direcionados
investindo energia e devotando-se a Thanatos (uma entre as razões de existir tanta
violência doméstica, mesmo em países que se dizem desenvolvidos.Desenvolvimento
humano/emocional não está diretamente ligado a desenvolvimento econômico. Em
realidade, pode ser justamente ao contrário. Além de outros tipos de crimes de
violência urbana por motivo fútil. ). E além do direcionamento para Thanatos,deus da
morte grego, o comportamento masculino também tem como característica o
“Complexo de Atlas”, o carregar o mundo nas costas, como marco de referência para
construir a identidade e marco nas relações ,reproduzindo o pessimismo de Sísifo,
repetir sempre a mesma tarefa.Inconscientemente a mulher é auxiliar nesse
processo como alienada e alienante no papel de mãe(,por exemplo, que não ensina o
filho a cuidar dos afazeres domésticos,mas exige que a filha saiba e ajude-a;aquela
mãe que não confia na sua autoridade e diz ao filho “você vai ver quando seu pai
chegar e ficar sabendo”, ou que usa também a instituição “ o que os outros vão
dizer?”,etc), entre outros e a presença do pai é a própria ausência, ambos vítimas e
cúmplices no processo.
Questões abordadas também por Naffah Netovii que alega que na vida em
sociedade qualquer movimento para mudança social encontra-se controlado por um
sistema de funções fixas, hierarquicamente dispostas, regulando e prescrevendo a
ação humana para padrões de conduta compatíveis com a preservação da ordem
instituída. Legitima(n)do pelo discurso ideológico que naturaliza e universaliza as
funções sociais em características da natureza humana. Sendo assim, a família nada
mais faz(ou fazia no caso de algumas) do que reproduzir em micro-escala a ordem
social mais ampla. As mães aprenderam com as gerações anteriores de mães que o
lugar fundamental da mulher era a “dona-de-casa” e como sua função era cuidar da
casa e da educação dos filhos, através da educação transmitem os valores e a
ideologia vigente, o pai funciona(va) como a autoridade a recorrer nos momentos de
pane e ausente o restante do tempo. São( ou eram) as posições oficiais na
sociedade.Além disso são papéis que se complementam, ou seja “as ideologias
veiculadas pelo papel de mãe devem refletir em forma invertida , a realidade do
mundo externo à casa , tal qual a mulher apreende através do homem, seu agente
direto. De forma invertida, na medida em que a cisão mercado material/mercado
simbólico, instaurada no seio da estrutura de papéis, gera uma cisão e de uma
oposição entre ação e representação , cabendo dentro do espaço familial , a primeira
mais ao homem , a segunda mais à mulher”viii. Considera ingênua a alegação do
feminismo que a mulher sempre foi oprimida pelo homem, pois o jogo de relações
micro e macro sociais é extremamente complexo e precisa de complementação entre
as partes envolvidas.
Cremos que ele se refere ao modo que somos educados para ver as questões de
modo parcial fragmentado e radicalizando um extremo e esquecendo o outro
extremo, construindo pontos de vista mais emocional do que racionalmente , sem
abrangência da totalidade de qualquer assunto, porque pensar dói , pois exige que
deixe de lado as respostas prontas e acabadas é que busque suas próprias respostas
.O por que dentro do por quê.A relação de opressão precisa que os pares se
complementem ,a mulher machista complementa o homem machista e vice-versa,
assim como indivíduo e sociedade se complementam . É um complexo jogo de dois
que não se veem como par ,mas que se complementam como par, como no jogo do(a)
sádico(a) e da(o) masoquista.E é no ambiente doméstico que as pessoas revelam
umas as outras como são realmente ,sem as máscaras sociais,se são agressivas ou
não,etc.
Justamente na complexidade destas e outras questões que Dowlingix buscou
explicações para os comportamentos femininos ,observou o fenômeno que o
feminismo não percebeu: o profundo desejo psicológico enraizado nas mulheres de
serem cuidadas por alguém e de serem aliviadas de suas responsabilidades essenciais
para consigo mesmas, de serem salvas.O “complexo de Cinderela” é um sistema de
desejos reprimidos, ideias e ações distorcidas iniciadas na infância na qual encuca na
menina que sempre haverá uma outra pessoa mais forte para sustentá-la e protegê-la
.Sempre alimentada pela sociedade (família, escola, mídias, etc.) e com o tempo
sofistica-se seguindo a mulher por toda a sua vida , resultando em todas as espécies
de medos internos e descontentamentos.Mantendo vivo na mulher um sentimento de
inferioridade. O que leva a sabotar seu próprio futuro.Descobriu-se que a liberdade
assusta, pois a maioria das mulheres não foi educada para cuidar da própria vida e
nem para comandar , o que fez muitas mulheres recuarem e retornar ao conhecido
papel de mulher aparentemente tão seguro,pois a mulher jamais era treinada para a
liberdade, mas sim para o extremo oposto: a dependência. O processo começa na
educação infantil. Mudar algo tão enraizado não ocorre da noite para o dia, é um
processo lento e gradativo,mas está acontecendo. Há aquelas que se recusam e como
a Cinderela esperam que algo ou alguém externo para modificar suas vida( um
companheiro, uma força sobrenatural,uma instituição ,etc). A autora considera que a
“nova mulher” não é tão nova assim; é uma mutante que tenta conciliar os dois
sistemas de valores , o novo e o velho, sem muito êxito(exemplos: a mulher que
trabalha fora ,mas crê que é obrigação do homem pagar as contas dos dois; há as que
achem que homem educado é gay, que homem que sabe cozinhar e cuidar do serviço
doméstico é gay,etc, aquelas que quando escolhem um homem diz que quer um
sujeito gentil,carinhoso e companheiro e na prática ficam com o homem másculo,
viril e/ou violento) , e observa que pouca coisa mudou,muitos homens e muitas
mulheres ainda são criados para ocupar os “lugares” do masculino e feminino
tradicional.Há outros estudos a respeito destes assuntos.Apesar de todo alarde da
mídia sobre mudanças que acontecem ,mas em alguns poucos lugares ,não em todos
os lugares no-tudo-ao-mesmo- tempo-agora.Estranhamente os pais entram em pânico
quando a filha foge(ou pelo menos tenta fugir) ao padrão que supostamente deveria
ser coisa do passado e tomam as mais diversas posturas.Muitas pessoas entram em
pânico com a mínima possibilidade de mudança em e de qualquer coisa, em especial
os comportamentos estabelecidos para cada gênero sexual , é como se alguém
roubasse o chão sobre seus pés , o medo novo é mais assustador do que o famigerado
fim do mundo,pois não podem mandar o outro ficar no “seu devido lugar”.Ou quando
algo considerado novo acontece sempre há alguém que exclame que é o fim do
mundo.Qual mundo? O do passado.
Contando a História ,que antecede a estas reflexões dos psicólogos, Airesx mostra
que as mulheres foram desfavorecidas ideológica(religião e regras sociais),material e
educacionalmente.Confinadas ao lar e o objetivo máximo de suas vidas era (para
muitas mulheres ainda é) o casamento, sem direito de aprender a ler, escrever e
estudar “aceitavam” o confinamento ao espaço privado.As mulheres que ousassem
não seguir esse modelo não eram bem vistas socialmente.Através da luta do
feminismo, alguns colaboradores homens e mudanças causadas por movimentos
ideológicos no decorrer da História foi possível uma lenta e gradativa evolução,
mesmo que pouco expressiva.E mesmo assim houveram mulheres que lutaram contra
as feministas.No século XX ,anos 60, ocorreu com mais ênfase o questionamento dos
papéis sociais do homem e da mulher, crises e avanços tecnológicos que beneficiaram
( até certo ponto) o avanço intelectual das mulheres.
Como são assuntos interelacionados e complexos demos apenas algumas
pinceladas de História e psicologia ,pois tem haver com o tipo de análise proposta as
personagens do romance e que me levaram a usar a denominação mulher
machista,pois não deixa de ser um machismo às avessas como perceberam
Aires,Dowling, Nolasco,Neto.O preconceito reverso mencionado por Lobatoxi .
A relação dominadores e dominados acontece em todos os níveis de relações
humanas, não só nas relações extrapessoais mais visíveis, mas também e
especialmente nas relações interpessoais por serem as mais próximas e
aparentemente invisíveis.O que é externo é mais visível ,por isto recebe mais
valor,também por parecer algo fora dos seres humanos.Mas é algo que existe e parte
de dentro para fora.Externalisação de um aspecto humano que se aprende a
denominar como algo desumano.
O foco de nossa análise são as personagens que compõem a família, a empregada
Maura e o menino Belisário.Mas antes a localização do livro: o romance foi publicado
em 1996. No conjunto da obra de Veiga ,se localiza no que a crítica denominou fase
luminosa do autorxii e que Miyazakixiii denominou de retorno ao paraíso.
Nenhum retorno à luz ou ao paraíso ( que só tem valor depois de perdido) ocorre
sem marcas das sombras ou da ida ao inferno.O livro retrata uma esperança de futuro
melhor ,mas sem esquecer o passado tenebroso para não correr o risco de repeti-lo é
que providências devem ser tomadas como levar o menino a escola( espaço pensado
como lugar de conhecimento e evolução). O relógio e a magia da volta ao passado (
uma quase viagem no tempo) são elementos que desencadearam o pensar em
outros elementos relacionados:memória ,história e História interligados com ideologia
e comportamentos aparentemente paradoxais.O tempo é um elemento no qual é
tecida as História e a histórias.
As relações familiares em romances consagrados, livros e series juvenis, etc, o
enfoque ,na grande maioria, esta focado nos conflitos na relação pais e filhos ,por
exemplo no último tomo de O tempo e o vento de Érico Veríssimo.Mesmo em
algumas obras de Veiga já citadas.O que causou estranhamento por não ter o típico
conflito, pois o pai no ,romance de Veiga em questão, é compreensivo.O não
acontece com a mãe,ela sempre espera que o marido haja diferente,ou seja, do modo
tradicional. A normalidade encuca preconceitos que só se percebe quando espera-se
uma ação é acontece outra de determinada personagem e/ou pessoa.
O autor trabalhou com a expectativa do leitor a qual é frustrada através das
atitudes inesperadas da personagem Mariano com relação aos filhos e ao menino
ajudante de cozinha:compreensivo e aberto as mudanças do chamado “ novos
tempos” ,fato que chamou nossa atenção. O mais comum é justamente o contrário,
a incompreensão do “no meu tempo”, como por exemplo as atitudes dos pais dos
contos Crônicas da casa velha e A mãe e seu filho de Marieta Teles Machadoxiv .A
situação do filho querer ser músico assemelha-se ,mas com fim triste, a questão das
cenas finais do filme Sociedade dos Poetas Mortos no qual o rapaz comete suicídio
por se ver sem saída , pois queria e tinha talento para ser ator, mas o pai queria um
filho médico, tinha dado duro para isto e não aceitou a recusa do rapaz ameaçando-o
mandá-lo para escola militar.
Dentro dos desdobramentos do “lugar” social do homem há a figura do pai
associada tradicionalmente a do pai-patrão .E é própria a a(tua)ção deste tipo de pai é
uma relação distante e autoritária com relação aos seus filhos.O padrão que
predomina nas ficções e na realidade ,apesar de alguns segmentos sociais ,como
associações de pais, lutarem por mudanças ou por flexibilização do mesmo.Suas
atribuições e funções como pai se misturam a do chefe ou patrão, ou seja , um tipo de
autoridade para submeter e subjulgar os outros e fazer valer seu ponto de vista acima
dos demais.(Exemplo: o filme italiano,baseado em fatos reais, titulado Pai
Patrão).Constroe a relação com os filhos de forma ambígua e contraditória ,pois
mescla amor com violência como se fosse “natural”xv (por isto, as pessoas confundem
educar com o apenas bater e bater com espancar.Como se a violência fosse a solução
rápida e imediata para resolver todos os problemas).Na vida real , e em ficções, o
momento de escolha da profissão é o momento que muitos pais acham que têm o
direito de decidir pelos filhos, e no caso de recusa por parte dos filhos pode tornar-se
o momento de ruptura da família nas formas de fuga de casa, suicídio, expulsão,etc.
No caso do romance em questão nada disso acontece e por isso foi surpreendente:
Simão cursava economia ,mas desapontado com os fracassos das medidas econômicas
e a descoberta de que economia é a menos universal de todas as ciências.(Que
também é uma crítica a História recente do Brasil) O pai compreende o desencanto
dele e pergunta o que tem em mente. O filho vacila e a irmã é quem conta que ele
quer ser músico.A reação positiva quebra o clímax de medo criado que direcionava
para uma reação negativa : o pai não entrou em pânico, nem censurou apenas olhou
para o filho mais curioso do que sério. Quem fez a censura foi Dolores que foi
repreendida pelo pai, que foi também outra surpresa.Numa cena cristalizada como
“normal” o pai teria o repreendendo o filho pela escolha e não a filha pela censura ao
irmão. Não é um jogo de papéis trocados , é uma desconstrução do que seriam as
reações tradicionais e de atitudes esperadas.Desconstroi a imagem de “pai vilão” ou
“pai tirano”sempre atribuída apenas ao homem,neste tipo de situação,pois
“dominação” não é coisa só de homem embora pareça por ser mais explicito neles do
que nelas.
No caso das conversas de Mariano com Belisário é possível perceber melhor o que
acontece e também causa estranhamento ,pois normalmente como patrão espera-se
uma atitude autoritária ,mas não acontece ,ele é compreensível como no episódio
das jurubebeiras.Ele não diz que o menino está errado,para confirmar a identidade da
planta diz que devem esperá-las frutificarem para saber quem está
certo.Normalmente , um adulto diria que está certo e a criança errada.
No desenvolvimento da narrativa Belisário pensa como um fugitivo e com seu
jeito bonachão Mariano procura acalmá-lo ,pois o senso de hierarquia e autoridade
está bem presente nas atitudes do menino sem estar no patrão:
_ Vamos, Bel. Parece que você quer dizer alguma coisa. Pode falar. Aqui não tem doutor._ disse o
desembargador.pg. 60.
Graças a essa atitude, descobrem o mistério do relógio ,pois Belisário é a
personagem fundamental para descobrir o mistério do relógio de arara do
desembargador e ele acaba revelando ao casal que vê cenas (do passado) através do
relógio.O tempo é um elemento importante ,pois revela e esconde acontecimentos
que fazem parte do passado,mas ligados ao presente que podem ou não repetir no
futuro.
No senso de hierarquia , a visão de cima para baixo ,foi transformada em algo
natural,aquele que tem que mandar, manda e aquele que tem de obedecer ,
obedece.Não acontece no dialogo citado,mas permite perceber que na mentalidade
do menino esse senso de cada um no seu “devido lugar” está presente.O que os
frankfurtianos chamam de identificação com a personalidade autoritáriaxvi ,o que
parece acontecer mais claramente na relação de Maura com Belisário.
O caso de Artemisa e Dolores , também é interessante por causa dos romances
anteriores do próprio Veiga: entre as suas personagens femininas são poucas que
têm voz ativa, e no caso da mãe e filha neste romance há um embate de valores que
só é possível perceber através dos diálogos e mudanças temporais.A aspiral do tempo
é bem visível nelas.O autor não aprofunda o conflito de valores,apenas mostra que a
relação dominadores e dominados ocorre de outros modos, no campo das ideias, no
comportamento.E tudo a nível micro é mais complexo e/ou confuso,diluído ,pois é um
perceber desconfortável por explorar o íntimo da “natureza” humana das crenças, o
íntimo da natureza social dentro da familiar,a qual tem pouco haver com o mito da
família feliz das propagandas de margarina entre outras.
D. Artemisa apresenta as características citadas por Dowling em Complexo de
Cinderela ,mas o que causou estranhamento,neste caso, é o marido não apresentar as
características do “lugar” do masculino citadas por Chauí e Nolasco.Ela “atua” com
medo das reações do marido e cria uma expectativa frustrada para o leitor,pois
Mariano não age segundo se esperaria do papel tradicional , o que
surpreende.Artemisa também identifica-se com a personalidade autoritária que não
há em Mariano , é sim nela mesma ,recebida através da educação de seu tempo.A
questão do choque de valores fica claro ao observamos os diálogos entre mãe e filha:
_ Ainda bem._ disse Dolores,segurando um pedaço de frango com os dedos, hábito que a mãe ainda
não desistiu de tentar corrigir ,por isso não descolava os olhos dela,na esperança de poder mandar-lhe
algum sinal de censura. Mas a moça muito na sua, parecia infensa aos olhares da mãe.pg.49.
A questão da compostura feminina segundo as normas sociais é algo bem marcado
e constantemente martelado na educação feminina. A moça é despojada de um
costume que para a mãe é importante.Como um conflito de gerações sutil e sem
brigas.Uma cena que exemplifica fazendo o contraponto é em Titanic quando a
protagonista vê uma mulher que automaticamente supõe-se ser a mãe falando para
a menina sentada numa cadeira a qual se encolhe no móvel a medida que a mulher
fala.Ou seja, a dita postura feminina até debaixo d’água neste caso. No romance ,a
mãe não conseguiu “ concertar” a filha.
Em outro momento ,Dolores vai para o sítio onde os pais passaram a morar
deixando o apartamento na cidade por conta dela e do irmão. Simão não estava com
ela, o que deixou a mãe preocupada:
_E você ficou sozinha naquele apartamento ,filha?_ perguntou D. Artemisa.
_Como sempre estive desde que vocês se mudaram para cá. Eu e Simão passamos dias sem nos ver,
nos comunicamos por bilhetes pregados na porta da geladeira. Nossos horários são desencontrados.
_ Que vida mais esquisita._ disse a mãe resignada.
_ Cada tempo com seus usos._ disse o desembargador sem tirar os olhos do livro que folheava.pg 53
Nesse fragmento é possível perceber a transição do tempo entre elas e o tempo
tem valor emocional também, o que a mãe não compreende ,o pai já assimilou.É
esquisito porque é diferente do que seria comum na sua época de moça.Ela tem a
visão de que a filha precisa do irmão ao lado para garantir proteção, mas o interesse
dos dois irmãos são totalmente desencontrados, o que torna uma relação de fusão
impossível.
Nos dois últimos fragmentos escolhidos para esta parte percebemos mais
momentos de choque de valores entre elas e descontração por parte do pai,além de
mudanças de valores:
_Ah não pai! Tem dó! Comemorar a minha nota máxima com licor de jenipapo da tia Arminda! Que
pobreza!Não tem uísque? Não tem um Napoleón?_disse Dolores.
_Que é isso, Dolores! ‘Tou te estranhando_ disse a mãe._Que costumes são esses que você apanhou
na cidade?Bebendo bebida forte de homem!No meu tempo mulher não bebia.
_ Só escondido, não era? Não se esqueça que foi a senhora mesma quem contou. As farrinhas no
quarto no meio dos ti-ti-tis?pg 108.
_ Se é coisa boa assim, eu também fico contente._disse a mãe_ Só não estou tão encantada é com
essa história de viajar sozinha para o estrangeiro. O estrangeiro é sempre um lugar perigoso para moça
solteira. Mas enfim...
_Mãe , depois que inventaram ao satélites , a fibra ótica, o fax, o avião a jato , a informática e outros
breguetes, o estrangeiro é ali na esquina. É mais perto que ir a Uberaba, no famoso tempo de que a
senhora tanto fala. De mais a mais, se eu for mesmo, não irei sozinha .Vou com o meu namorado, que
também fez o curso.
_Valha-me Deus!_ disse a mãe levando as mãos no rosto._ Você ouviu isso, Mariano?
_Ouvi, e não arregalei os olhos ,nem a minha pulsação se alterou. São os costumes de hoje, minha
filha. Nada a estranhar. Pg. 109.
O que era impossível e impensável para Artemisa é possível e pensável para
Dolores,pois o tempo e as ideias mudaram um pouco.O tempo da filha é diferente do
tempo da mãe.E não faz tanto tempo físico assim que tais atitudes da filha seriam
impossíveis e mal interpretadas. E outra vez o desembargador surpreende por não
reagir como um pai tradicional agiria, não repete frases típicas em momentos como
este do tipo “minha filha não faz isso ou aquilo!” tão comuns e esperadas em situações
como a anteriormente mencionada,ele aceita as novidades sem problemas e sem
dramas, bem diferente da mãe.Porque as conquistas femininas são recentes
historicamente falando começaram no século passado , o século XX, e no Brasil na
década de 30 as mulheres conquistaram o direito ao voto,na década de 40
conquistaram o direito ao mercado de trabalho,na década de 60 o direito à
sexualidade,na década de 80 o direito a propriedade da terra,na década de 90 a dirigir
seus próprios negócios .Ou seja, algumas décadas , historicamente foi ontem.Mas no
tempo-emocional parece que foi a séculos atrás.Porém nem todas as mulheres as
aceitam.
O fator de estarmos no século XXI não elimina o fato de pequenos e grandes
preconceitos contra a mulher e o homem os quais ainda prevalecerem na mente de
muitas pessoas .Nem todos os mitos sociossexuais foram derrubados, o medo de
mudanças faz com que sejam reforçados através de discursos apocalípticos .No
tempo alguns conceitos muda(ra)m ,outros prevalecem mesmo estando errados, pois
muitas pessoas tem muito medo da mudança seja ela qual for.As tecnologias avançam
rapidamente,mas o espírito humano não evolui tão rápido.O medo do futuro como
horizonte de mudanças faz que muitas pessoas queiram retroceder no e ao passado,
idealizado-o como um ninho de segurança emocional, e muitos usam as religiões
antigas ou “novas” como muletas psicológicas para permanecer de modo
inquestionável com a sua ligação com o passado.Exemplo: campanhas de supostos
evangélicos ( no sentido banalizado do termo) de retorno da mulher ao lar como se
isso fosse a solução para todos os problemas da modernidade.Retrocede ,mas não
resolve nada.O custo de vida já não permite que um homem sozinho banque as
despesas da casa e da família dependendo da classe social que se situe.
Segundo Crochikxviios frankfurtianos em suas teorias observaram a questão da
personalidade autoritária : a relação com a ideologia que o indivíduo adere tem haver
com a sua personalidade. O individuo autoritário adere as ideologias autoritárias se
surgir um campo e momento propício como foi o caso da Alemanha nazista,mas há
alguns casos de segundas intenções. A constituição do indivíduo é medida pela
sociedadexviii.O que leva também a questão da servidão voluntária .
No caso Maura e Belisário, ela é serviçal da família de Mariano e Bel é o auxiliar de
cozinha.Na atitude dela há um certo grau de identificação com a personalidade
autoritária que não existe em Mariano,pois apesar de ser amiga de Belisário, diante
das outras personagens ela demonstra um senso de hierarquia forte. As reações que
ela apresenta seriam consideradas extremamente comuns num patrão ,e não numa
empregada:
D. Maura apareceu para saber se queriam alguma coisa, um café, um chá. Ao ver Belisário sentado na
sala com os patrões, e rindo, fez um muxoxo e resmungou “hum, muito chique” entre dentes. (...)Ao sair
, D. Maura fez menção de dizer alguma coisa,mas apenas balançou a cabeça.(...) O desembargador
percebeu e sorriu,parece que dizendo para si mesmo , “ quem é que entende essa chamada natureza
humana?” Uma criatura que sempre pareceu gostar de Belisário, e sempre o protegeu.pg 61.
Voltando a pensar na questão dos “lugares” é ela que demarca o “lugar do patrão”
e o “lugar do empregado” o qual o patrão não está nem um pouco preocupado em
ficar demarcando.Seria o esperado de tão cristalizado que Mariano fizesse isso,mas
ele não tem esse senso de hierarquia que aflora em outras personagens do autor
,como por exemplo o pai de Lu em Sombra de Reis Barbudos .E muito comum em
outras ficções essa demarcação constante de” lugares de patrões e empregados”
entre outros .Quando se vê uma empregada agindo como patroa causa um pouco de
estranhamento,mas também pode ser um pouco de ciúmes por parte dela com
relação ao menino:
Resolvida essa parte a contento geral .D. Maura com uma bandeja de chá de rosas e ,para mostrar
que não era carta pequena naquela casa, disse autoritária a Belisário:
_ E você ai, seu mequetrefe ,deixa de posar de senhozinho e vá buscar uma travessa de sonhos que
está na mesa da cozinha.Anda, senão esfria.pg.105.
Depois quando Bel ganha a bicicleta de Simão e Dolores:
Por algum motivo difícil de entender, D. Maura insistia em mostrar uma mistura de indiferença com
desaprovação; mas bem que gostava quando precisava de uma estafeta ligeiro para levar um recado
ou um agrado a alguém na vizinhança.Tanto gostava que quando o pneu muchou e Belisário ainda não
tinha aprendido a resolver esse contratempo ,ela ficou tão desassossegada quanto ele. Vá entender a
cabeça de certas pessoas. Pg. 111 e 112.
Num momento que todos na sala aguardam uma manifestação de relógio :
D. Maura retirou-se desapontada ,mas não sem lançar um olhar reprovador na direção de Bel,
sentado na poltrona fofa,como visita importante ou gente da família.Pg.117
Ela é ambígua com relação ao menino,não sabe sobre seu dom .Gosta dele,mas
desaprova a intimidade dele com os patrões,pois ocorreu uma quebra de hierarquia
por causa dessa proximidade.Como diz o ditado popular :empregada com espírito de
patrão.É o tipo de pessoa, na vida real, que gosta de dar ordens, quer ser obedecida de
qualquer maneira e em casos extremos parte para a ignorância se questionada.
A denominada relação dominadores e dominados tem mais de uma faceta,com a
leitura da psicologia e a filosofia podemos perceber algumas facetas do que parece
um jogo ao avesso devido a fragmentação e parcialidade que o assunto é tratado por
determinados seguimentos socioculturais .Não acontece a complementação dos pares
dominante e dominado o que causou estranhamento , questionamento e busca de
possíveis respostas sem a intenção de esgotar o assunto.Veiga não abandonou um dos
seus temas principais ,apenas “mostrou” os outros modos que pode acontecer sem
chegar as vias de fato, as crenças pessoais de algumas personagens que não
encontraram eco nas atitudes do desembargador.
O estranhamento foi desencadeado pelos nossos conhecimentos prévios que antes
da pesquisa eram apenas intuições, o pequeno choque entre a ficção harmoniosa e a
realidade conturbada das relações familiares em muitas outras ficções,as atitudes das
personagens que revelam uma descristalização de determinadas atitudes que seriam
típicas da personagem no caso do pai e patrão Mariano,porém noutras parece um
“algo fora do lugar” como Artemisa e Maura e a própria diferença de estilo que o
autor apresenta entre os primeiros livros e este que foi analisado.
O que Orlandoxix observou sobre interpretação está presente em toda e qualquer
manifestação da linguagem. O sentido depende da interpretação, pois o sentido não
fecha, não é evidente embora pareça ser, jogando também com a ausência e o não-
sentido.Para ela a relação ser humano, mundo e linguagem não é direta como
também não é a relação linguagem e pensamento, linguagem e mundo. São relações
medidas na qual o discurso é uma das instancias materiais (concretas) da relação
somada a abertura do simbólico. Pois a relação humana com os sentidos possuem
diferentes materialidades. O que afeta a interpretação. O gesto de interpretar ocorre
porque o espaço simbólico tem a marca da incompletude e relação com o silêncio.
Lugar próprio da ideologia “materializada” pela história. A interpretação se dá num
lugar histórico ,social e tem uma direção (política) .Na analise do discurso
desenvolvida por Michel Perxer faz ele percebeu o “entremeio” que produz o
deslocamento do sentido e sua noção de ideologia.A disciplina do entremeio discuta
seus pressupostos continuamente . Faz uma ligação entre a linguagem e sua
exterioridade constitutiva, mostrando que não se separa linguagem e sociedade na
história.Trabalha justamente a contradição entre elas . “Quando ao social,não são os
traços sociológicos empíricos _ classe social, idade, sexo, profissão _ mas as formações
imaginárias que se constituem a partir das relações sociais, que funcionam no
discurso: a imagem que se fez de um operário, de um presidente, de um pai, etc.Há em
toda língua mecanismos de projeção para que se constitua essa relação entre a
situação_ socialmente descritível _ e a posição dos sujeitos discutivelmente
significativa”xx. Sendo assim ,ideologia “ é a interpretação de sentido em certa
direção, direção determinada pela relação da linguagem com a história em seus
mecanismos imaginários .A ideologia não é ,pois ocultação, mas função da relação
necessária entre linguagem e o mundo. Linguagem e mundo se refletem , no sentido
da refração, do efeito (imaginário) necessário de um sobre o outro. Na verdade é o
efeito da separação e da relação necessária mostrada nesse mesmo lugar. Há uma
contradição entre mundo e linguagem e a ideologia é trabalho desta contradição.”xxi
Além da divisão física do tempo em presente,passado e futuro,há também o tempo
emocional que não seguem uma linha reta ,mas sim uma aspiral na qual os tempos
convergem e divergem de acordo com os acontecimentos Históricos e
históricos.Através do tempo regras são criadas para depois serem modificadas ou
quebradas evolutivamente ou não.Há as pessoas que querem o congelamento do
tempo para manter regras e comportamentos que julgam ser adequados ,por medo de
toda e qualquer mudança, enquanto outras pessoas querem as mudanças como
avanços e esperança de futuro melhor do que o presente. No tempo se estabelece a
memória e as (H)histórias. O macro e o micro mundo estão interligados. No micro
mundo familiar é possível perceber os avanços e recuos da mentalidade e as mudanças
que o tempo social atual oferece.
Romance:
VEIGA,José J. O Relógio Belisário. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1996.
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VALLE, Beatriz. O que é ser um homem hoje em dia ? O Popular: 15/07/12.
i SOUZA, Agostinho Ponteciano. Um olhar crítico sobre o nosso tempo. ii Programa Silvia Poppovic com Astrid. Assunto: Fui expulso de casa: 04/05/2000, rede Bandeirantes.
iii CHAUÍ,Marilena. Convite à Filosofia.
iv Idem pg. 174.
v Rio de Janeiro : Rocco.1993.
vi Idem.pg 30.
vii NETO, Alfedro Naffah. Psicodramatizar.
viii Idem. Pg.41.
ix DOWLING,G. Colette. Complexo de Cinderela.
x AIRES, Eliana Gabriel. O conto feminino em Goiás.
xi LOBATO,Margareth.(Anotações em sala de aula, que infelizmente não sobreviveram a fúria de limpeza
da minha mãe). xii
i xiii
MIYAZAKI, Teiko Yamaguchi. Lendo José J. Veiga: de Platiplanto a Torvelinho. xiv
Narrativas do cotidiano. xv
NOLASCO,Sócrates. O mito da masculinidade. xvi
Colóquio Teoria Crítica, Cultura, Sociedade e Conhecimento. Prof. Dr. José Leon Crochik(28/02/02) anotações. xvii
Idem. xviii
Idem. xix
ORLANDI,Eni Puccinelli. Interpretação_ Autoria, leitura e efeitos do trabalho simbólico. xx
Idem pg. 30. xxi
Idem,ibidem ,pg 31.