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LIMA, Débora Caldeira Monteiro; FIGUEIREDO, Eduardo Henrique Lopes. O Neoconstitucionalismo e a sua Influência na Jurisdição: Apontamentos sobre a Técnica dos Precedentes Judiciais no Sistema Processual Brasileiro. ANIMA: Revista Eletrônica do Curso de Direito das Faculdades OPET. Curitiba PR - Brasil. Ano VII, nº 13, jan/jun 2015. ISSN 2175-7119. O NEOCONSTITUCIONALISMO E A SUA INFLUÊNCIA NA JURISDIÇÃO: APONTAMENTOS SOBRE A TÉCNICA DOS PRECEDENTES JUDICIAIS NO SISTEMA PROCESSUAL BRASILEIRO THE NEOCONSTITUTIONALISM AND ITS INFLUENCE ON JURISDICTION: NOTES ON THE TECHNIQUE OF JUDICIAL PRECEDENTS IN THE BRAZILIAN LEGAL SYSTEM Débora Caldeira Monteiro de Lima 1 Eduardo Henrique Lopes Figueiredo (orientador) 2 RESUMO O presente trabalho se propõe a analisar as principais transformações sofridas pelo Direito com o advento do neoconstitucionalismo no Brasil. Demonstrar-se-á que, a partir da Constituição Federal de 1988, o Direito se inseriu numa nova perspectiva que o fez incorporar novos princípios, concepções, interpretações, que refletiram diretamente no exercício da jurisdição brasileira. Nesse ambiente neoconstitucional, a decisão jurídica passou a se valer da argumentação jurídica, ao se comprometer com os princípios constitucionais e elementos externos ao sistema normativo para solucionar problemas jurídicos e, ao mesmo tempo, criar e realizar o Direito. Nessa perspectiva, a justiça passou a viver um período de crise na efetividade do processo, que foi enfrentado por meio de reformas normativas, as quais agregaram a técnica dos precedentes judiciais como instrumento apto a gerar efetividade ao processo judicial. Diante disso, analisar-se-á o papel, a influência e a legitimidade dos precedentes judiciais no sistema processual brasileiro à luz das recentes reformas constitucionais (Emendas Constitucionais) e infraconstitucionais (novo Código de Processo Civil). Observar-se-á, ainda, como os países tradicionalmente vinculados aos precedentes se valem deste mecanismo na prática judiciária, buscando analisar se a aplicação de seus posicionamentos se dá de modo semelhante ao do Brasil. Palavras-chave: Neoconstitucionalismo; Direito; Efetividade; Processo; Precedentes judiciais ABSTRACT This study aims to analyze the major transformations undergone by the law with the advent of neoconstitutionalism in Brazil. Demonstrating that, from the 1988 Federal Constitution, the law was inserted in a new perspective that did incorporate new principles, concepts, interpretations, which directly reflected in the performance of the Brazilian jurisdiction. In this Neoconstitutional environment, the legal decision started to use of legal arguments to be bound by the constitutional principles and elements external to the legal system resolving legal problems and, at the same time, create and realize the law. By this constitutional perspective, justice started experiencing a period of crisis in the process effectiveness, which was addressed through regulatory reforms, aggregating the judicial precedents of the technique as a tool able to generate effectiveness in the judicial process. Thus, analyzing shall be the role, influence and legitimacy of judicial precedents in the Brazilian procedural system in light of recent constitutional and infra-constitutional reforms. It will also observe how countries traditionally linked to previous avail themselves of this mechanism in judicial 1 Mestranda em Direito pela Faculdade de Direito do Sul de Minas. Endereço eletrônico: [email protected] 2 Doutor em Direito pela Universidade do Paraná. Pesquisador e professor do Programa de Pós Graduação stricto sensu da Faculdade de Direito do Sul de Minas. Endereço Eletrônico: [email protected]

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LIMA, Débora Caldeira Monteiro; FIGUEIREDO, Eduardo Henrique Lopes. O Neoconstitucionalismo e a sua Influência na Jurisdição:

Apontamentos sobre a Técnica dos Precedentes Judiciais no Sistema Processual Brasileiro. ANIMA: Revista Eletrônica do Curso de Direito

das Faculdades OPET. Curitiba PR - Brasil. Ano VII, nº 13, jan/jun 2015. ISSN 2175-7119.

O NEOCONSTITUCIONALISMO E A SUA INFLUÊNCIA NA JURISDIÇÃO:

APONTAMENTOS SOBRE A TÉCNICA DOS PRECEDENTES JUDICIAIS NO SISTEMA

PROCESSUAL BRASILEIRO

THE NEOCONSTITUTIONALISM AND ITS INFLUENCE ON JURISDICTION: NOTES

ON THE TECHNIQUE OF JUDICIAL PRECEDENTS IN THE BRAZILIAN LEGAL

SYSTEM

Débora Caldeira Monteiro de Lima1

Eduardo Henrique Lopes Figueiredo (orientador)2

RESUMO

O presente trabalho se propõe a analisar as principais transformações sofridas pelo Direito com o

advento do neoconstitucionalismo no Brasil. Demonstrar-se-á que, a partir da Constituição Federal

de 1988, o Direito se inseriu numa nova perspectiva que o fez incorporar novos princípios,

concepções, interpretações, que refletiram diretamente no exercício da jurisdição brasileira. Nesse

ambiente neoconstitucional, a decisão jurídica passou a se valer da argumentação jurídica, ao se

comprometer com os princípios constitucionais e elementos externos ao sistema normativo para

solucionar problemas jurídicos e, ao mesmo tempo, criar e realizar o Direito. Nessa perspectiva, a

justiça passou a viver um período de crise na efetividade do processo, que foi enfrentado por meio de

reformas normativas, as quais agregaram a técnica dos precedentes judiciais como instrumento apto

a gerar efetividade ao processo judicial. Diante disso, analisar-se-á o papel, a influência e a

legitimidade dos precedentes judiciais no sistema processual brasileiro à luz das recentes reformas

constitucionais (Emendas Constitucionais) e infraconstitucionais (novo Código de Processo Civil).

Observar-se-á, ainda, como os países tradicionalmente vinculados aos precedentes se valem deste

mecanismo na prática judiciária, buscando analisar se a aplicação de seus posicionamentos se dá de

modo semelhante ao do Brasil.

Palavras-chave: Neoconstitucionalismo; Direito; Efetividade; Processo; Precedentes judiciais

ABSTRACT

This study aims to analyze the major transformations undergone by the law with the advent of

neoconstitutionalism in Brazil. Demonstrating that, from the 1988 Federal Constitution, the law was

inserted in a new perspective that did incorporate new principles, concepts, interpretations, which

directly reflected in the performance of the Brazilian jurisdiction. In this Neoconstitutional

environment, the legal decision started to use of legal arguments to be bound by the constitutional

principles and elements external to the legal system resolving legal problems and, at the same time,

create and realize the law. By this constitutional perspective, justice started experiencing a period of

crisis in the process effectiveness, which was addressed through regulatory reforms, aggregating the

judicial precedents of the technique as a tool able to generate effectiveness in the judicial process.

Thus, analyzing shall be the role, influence and legitimacy of judicial precedents in the Brazilian

procedural system in light of recent constitutional and infra-constitutional reforms. It will also

observe how countries traditionally linked to previous avail themselves of this mechanism in judicial

1 Mestranda em Direito pela Faculdade de Direito do Sul de Minas. Endereço eletrônico: [email protected] 2 Doutor em Direito pela Universidade do Paraná. Pesquisador e professor do Programa de Pós Graduação stricto

sensu da Faculdade de Direito do Sul de Minas. Endereço Eletrônico: [email protected]

LIMA, Débora Caldeira Monteiro; FIGUEIREDO, Eduardo Henrique Lopes. O Neoconstitucionalismo e a sua Influência na Jurisdição:

Apontamentos sobre a Técnica dos Precedentes Judiciais no Sistema Processual Brasileiro. ANIMA: Revista Eletrônica do Curso de Direito

das Faculdades OPET. Curitiba PR - Brasil. Ano VII, nº 13, jan/jun 2015. ISSN 2175-7119.

practice, trying to analyze whether the application of their positions occurs in a similar manner to

Brazil.

Keywords: Neoconstitutionalism - Right- Effectiveness - Process - Judicial precedents.

1. INTRODUÇÃO

O presente artigo propor-se-á analisar as principais transformações sofridas pela

jurisdição e pela percepção e compreensão do Direito, após a inauguração do

neoconstitucionalismo no Brasil.

Sabe-se que, após a promulgação da Constituição Federal, o Direito sofreu uma ruptura

paradigmática, ao ser inserido em uma nova perspectiva constitucional, que o fez incorporar

novos princípios, concepções e interpretações, que refletiram positivamente no exercício da

jurisdição no Brasil.

Observou-se que, a partir desse novo direito constitucional, os preceitos constitucionais

adquiriram força normativa e se deslocaram para o centro do sistema jurídico, tornando-se

parâmetro para aplicação, interpretação e integração de todo o sistema jurídico3. O Direito

Processual Civil se aproximou da Constituição Federal e se inseriu em uma nova fase intitulada

neoprocessualismo. Tem-se, assim, que, a partir dessa nova perspectiva constitucional, os

princípios constitucionais passaram a condicionar a validade e o sentido do Direito Processual

Civil, de modo que este deve ser criado, interpretado e aplicado a partir dos preceitos que emanam

da Constituição4.

Por meio desse novo horizonte constitucional, a jurisdição e o Direito Processual Civil

tornaram-se, juntos, importantes instrumentos para a realização das garantias constitucionais,

primeiro porque o judiciário, a partir de 1988, passou a assumir importante papel como garantidor de

políticas públicas, voltadas para a concretização dos direitos fundamentais, segundo porque é por

meio da jurisdição que é possível visualizar se a prática processual (direito processual) se amolda às

perspectivas constitucionais. Assim também as técnicas ou instrumentos processuais, que

incorporam o ordenamento jurídico, passaram a se tornar importantes mecanismos para a

concretização da Constituição, no âmbito jurisdicional.

3 HERZL, Ricardo Augusto. Neoprocessualimo, Processo e Constituição: Tendências do direito processual civil à luz do

neoconstitucionalismo. Dissertação de Mestrado.Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, 2012, p. 30. 4 Idem.

LIMA, Débora Caldeira Monteiro; FIGUEIREDO, Eduardo Henrique Lopes. O Neoconstitucionalismo e a sua Influência na Jurisdição:

Apontamentos sobre a Técnica dos Precedentes Judiciais no Sistema Processual Brasileiro. ANIMA: Revista Eletrônica do Curso de Direito

das Faculdades OPET. Curitiba PR - Brasil. Ano VII, nº 13, jan/jun 2015. ISSN 2175-7119.

É diante desse contexto que a presente investigação se propõe a analisar o papel e a

influência dos precedentes judiciais no sistema processual brasileiro, a partir das mais recentes

reformas legislativas, constitucionais e infraconstitucionais, as quais foram criadas sob a

justificativa de efetivar o processo jurisdicional5, logo, também, constitucionalizar o processo.

Sabe-se que o Direito processual constitucional tem como objetivo a análise dos mecanismos

processuais que entronizam as garantias constitucionais, já que estes se constituem em

instrumentos eficazes para as normas constitucionais tornarem-se exeqüíveis6.

O título do trabalho “O neoconstitucionalismo e a sua influência na jurisdição:

apontamentos sobre a técnica dos precedentes judiciais no sistema processual brasileiro” é capaz de

fornecer de antemão uma delimitação do tema, que se prestará a analisar como os precedentes

judiciais são compreendidos nessa dimensão neoconstitucional. Em vista disso, esta pesquisa

abrangerá as transformações e superações paradigmáticas do Direito com a inauguração dessa nova

fase e, em seguida, analisará a legitimidade (ou não) da aplicação prática da técnica dos precedentes

judiciais na jurisdição brasileira.

A partir do que foi exposto, defender-se-á no presente trabalho que o Direito deve ser

criado, interpretado e aplicado a partir dos princípios que emanam da Constituição, eis que as

garantias constitucionais servem de supedâneo para as transformações da legislação

infraconstitucional e das reformas constitucionais (Emendas Constitucionais), bem como para a

expansão da interpretação jurídica e da criatividade judicial.

2. NEOCONSTUTICIONAISMO: NOVAS PERSPECTIVAS CONSTITUCIONAIS

É importante tecer algumas considerações sobre essa nova perspectiva constitucional

denominada neoconstitucionalismo, por englobar a compreensão do tema proposto e abarcar o

momento histórico, teórico e filosófico em que a técnica dos precedentes judiciais foi introduzida no

sistema processual vigente.

O neoconstitucionalismo pode ser compreendido, genericamente, como um conjunto de

transformações “no modo como se pensa e se pratica o direito constitucional7” que reflete diretamente

na percepção da Constituição e na interpretação jurídica geral8. Esta mudança paradigmática se

5 MARINONI, Luiz Guilherme. Antecipação da Tutela. 10.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 141. 6 SOARES, Mário Lúcio Quintão; BARACHO, J. A. O.; SAMPAIO, J. A. L. Processo constitucional, democracia e

direitos fundamentais. In: José Adércio Leite Sampaio. (Org.). Jurisdição constitucional e direitos fundamentais. 01ed.

Belo Horizonte: Del Rey, 2003, v. 01, p. 410. 7 BARROSO, Luís Roberto. O Novo Direito Constitucional Brasileiro: contribuições para a construção teórica e

praticada jurisdição constitucional no Brasil. 2. ed. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2013, p.53. 8Idem.

LIMA, Débora Caldeira Monteiro; FIGUEIREDO, Eduardo Henrique Lopes. O Neoconstitucionalismo e a sua Influência na Jurisdição:

Apontamentos sobre a Técnica dos Precedentes Judiciais no Sistema Processual Brasileiro. ANIMA: Revista Eletrônica do Curso de Direito

das Faculdades OPET. Curitiba PR - Brasil. Ano VII, nº 13, jan/jun 2015. ISSN 2175-7119.

estabeleceu após a Constituição Federal de 1988, quando o Brasil se inseriu em um processo de

redemocratização, no qual houve a transição do Estado brasileiro de um regime autoritário e

intolerante para o Estado Democrático de Direito 9.

Em suma, o neoconstitucionalismo trouxe importantes transformações para o conteúdo

ideológico do Direito Constitucional, por englobar o surgimento de novos direitos, valores,

interpretações, concepções e o nascimento de novas matérias de índoles econômicas e sociais que

refletiram positivamente na construção do direito contemporâneo à luz da Constituição.

Em outros lugares do mundo, como na Europa, especialmente na Alemanha e Itália, esse

processo de reconstitucionalização veio à tona durante o séc. XX, sobretudo após a revolução

industrial, onde se travou uma tensão entre o capital e o trabalho, e a segunda guerra mundial, quando

a população experimentou os horrores causados pelo conflito10. Durante este período, a nova

realidade constitucional tornou-se foco de atenção na Europa, que passou a incorporar, com mais

apego, questões relativas à limitação dos poderes estatais, direitos de natureza liberal e econômica,

além de um rol mais amplo de direitos sociais11. Assim, as constituições incorporaram, em seus textos,

princípios até então não previstos, iniciando-se uma nova fase no constitucionalismo.

Nesse horizonte constitucional, o Direito e a ética se aproximaram, de modo que a dignidade

da pessoa humana, como valor fundamental, passou a adquirir maior importância no mundo ocidental,

assumindo status de princípio jurídico constitucional, corporificando-se em diversos documentos,

como em declaração de direitos, convenções internacionais, dentre outros12. Foi nesse ambiente que

a dignidade da pessoa humana se constituiu em base normativa para os direitos fundamentais no

mundo.

Não é demais acrescentar que a dignidade, como fundamento jurídico, passou a determinar

a própria compreensão do Estado Democrático Direito, ao dar unidade de sentido à Constituição e

oferecer alicerce ao Estado de Direito Contemporâneo. Cattoni compartilha do mesmo entendimento,

ao afirmar que

[…] uma vez que o princípio da dignidade da pessoa humana é o eixo

legitimador basilar do ordenamento jurídico, bem como confere unidade de

sentido e valor ao sistema constitucional, somente assim se pode realizar no

Brasil o Estado Democrático de Direito. Trata-se, enfim, do derradeiro valor

9 BARBOSA, Estefânia Maria de Queiroz. Precedentes Judiciais e segurança jurídica. 1ed. São Paulo: Editora Saraiva,

2014, p. 01. 10 HERZL, Ricardo Augusto. Neoprocessualimo, Processo e Constituição: Tendências do direito processual civil à luz

do neoconstitucionalismo.Dissertação de Mestrado.Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, 2012, p. 51 11 FIGUEIREDO, Eduardo H.L. Crítica os princípios do direito moderno: História, sociedade e Direito. Porto Alegre:

Sergio Antonio Fabris Ed., 2014, p. 176. 12 BARROSO, Luís Roberto. O Novo Direito Constitucional Brasileiro: contribuições para a construção teórica e

praticada jurisdição constitucional no Brasil. 2. ed. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2013, p. 42.

LIMA, Débora Caldeira Monteiro; FIGUEIREDO, Eduardo Henrique Lopes. O Neoconstitucionalismo e a sua Influência na Jurisdição:

Apontamentos sobre a Técnica dos Precedentes Judiciais no Sistema Processual Brasileiro. ANIMA: Revista Eletrônica do Curso de Direito

das Faculdades OPET. Curitiba PR - Brasil. Ano VII, nº 13, jan/jun 2015. ISSN 2175-7119.

supremo e absoluto, que se constitui no cerne do Estado de Direito

Contemporâneo13.

Seguindo essa linha de raciocínio, Barroso identifica o neoconstitucionalismo como um

conjunto de transformações que se sucederam no Estado e que ensejaram mudanças de paradigmas

na percepção da Constituição e de seu papel na interpretação jurídica em geral14. Sob esta ótica, o

autor compreende o neoconstitucionalismo levando-se em consideração três marcos fundamentais: a)

o marco histórico, o qual se estabeleceu no momento em que se consolidou o Estado Democrático de

Direito, questão já detalhada; b) o marco filosófico, que se inseriu na perspectiva pós-positivista, ao

eleger uma aproximação entre o Direito e a ética; e, por fim, c) o marco teórico, o qual representou a

construção de uma nova dogmática constitucional e o reconhecimento de força normativa aos

preceitos constitucionais, “que passaram a ter aplicabilidade direta e imediata”15.

Dentre as dimensões elucidadas, o marco filosófico se destaca por agregar o surgimento de

novas concepções, razões e valores que passaram a compor o novo paradigma neoconstitucional em

construção, o qual passou a englobar: a) a entronização de valores na interpretação jurídica, por meio

da observância da normatividade dos princípios; b) a busca pela razão prática, que se consubstancia

por meio da argumentação jurídica; c) a construção de uma nova hermenêutica; d) a elaboração de

uma teoria sobre os direitos fundamentais que tenha como supedâneo a dignidade da pessoa

humana16. Esse conjunto de ideias concebe o Direito em conexão com a moral (valores e concepções

incorporados na sociedade), dando origem ao denominado pós-positivismo.

O neoconstitucionalismo sugere, assim, a superação do formalismo jurídico, concepção que

trouxe grandes avanços para interpretação jurídica constitucional no final do séc. XX, eis que o

pensamento jurídico clássico, que permeou durante o séc. XIX e início do séc. XX, compreendia o

Direito como uma operação matemática, lógica e dedutiva, na qual o julgador produzia a decisão

jurídica mediante a subsunção dos fatos à norma17.

Vale ressaltar que, ainda atualmente, vem se consolidando o entendimento de que a solução

para os problemas jurídicos não está pré-estabelecida no ordenamento jurídico, mas é questão que

certamente depende da argumentação jurídica do intérprete, que deve se valer dos elementos externos

ao sistema normativo18.

13 MACHADO, Felipe; CATTONI, Marcelo. Constituição e Processo: Entre o Direito e a Política. Belo Horizonte: Editora

Fórum, 2011, p. 278. 14 BARROSO, Luís Roberto. O Novo Direito Constitucional Brasileiro: Contribuições para a construção teórica e

praticada jurisdição constitucional no Brasil. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2013, p. 30. 15 Ibidem, p. 31. 16 Idem. 17 BARROSO, Luís Roberto. O Novo Direito Constitucional Brasileiro: Contribuições para a construção teórica e

praticada jurisdição constitucional no Brasil. Belo Horizonte, 2013, p.35. 18 Idem.

LIMA, Débora Caldeira Monteiro; FIGUEIREDO, Eduardo Henrique Lopes. O Neoconstitucionalismo e a sua Influência na Jurisdição:

Apontamentos sobre a Técnica dos Precedentes Judiciais no Sistema Processual Brasileiro. ANIMA: Revista Eletrônica do Curso de Direito

das Faculdades OPET. Curitiba PR - Brasil. Ano VII, nº 13, jan/jun 2015. ISSN 2175-7119.

Deste modo, há sentido dizer que, a partir do neoconstitucionalismo, o Direito se insere em

uma nova perspectiva que reclama uma atitude interpretativa do juiz, que deve assumir uma

concepção jurídica amparada nos princípios constitucionais e comprometida com os princípios e

valores do mundo prático da comunidade19.

2.1 A Constitucionalização do Direito

2.1.1 a influência da Constituição Federal de 1988 sobre os ramos do Direito

A constitucionalização do Direito foi outro fenômeno que ganhou grande dimensão no

mundo jurídico, após a Constituição ter se deslocado para o centro do sistema jurídico, inserindo-se

nessa nova fase neoconstitucional. Sobre o tema, Barroso explica:

No Brasil, a partir de 1988 e, especialmente, nos últimos anos, a Constituição

passou a desfrutar, além da supremacia formal que sempre teve, também de

uma supremacia material, axiológica, potecializada pela abertura do sistema

jurídico e pela normatividade dos princípios. Compreendida como uma ordem

objetiva de valores, transformou-se no filtro do qual se deve ler todo o

ordenamento jurídico.

Observa-se, assim, que, no Brasil, o neoconstitucionalismo agrega a concepção de que a

Constituição engloba não só supremacia de Lei Maior, mas também uma supremacia material

axiológica, originada da normatividade dos princípios constitucionais, que se irradia por todo o

sistema jurídico, influenciando e regulando a criação e interpretação dos ramos do Direito20.

Sabe-se que a estrutura da Constituição Brasileira de 1988, além de prever matérias

tradicionalmente relacionadas a uma Lei Maior- forma, regime de governo, organização do Estado e

dos poderes-, conta também com disposições atinentes aos ramos do Direito, como o Direito Civil,

Processual Civil, Penal, Processual Penal, dentre outros. Em vista disto, os ramos do Direito

agregaram contornos constitucionais, ao conceberem a Constituição como centro norteador de sua

matéria.

À luz de tais premissas, a partir no neoconstitucionalismo, a Constituição passa a condicionar

o sentido e o alcance das normas de direito infraconstitucional, de modo que toda interpretação

jurídica deve estar em harmonia com a Constituição.

19SIMIONI, Rafael L. Decisão jurídica e autonomia do Direito: a legitimidade da decisão para além do constitucionalismo

e democracia. In: FIGUEIREDO, E. H.; MONACO, G. F.; MAGALHÃES, J.L.Q. (coord). Constitucionalismo e

Democracia. Rio de Janeiro: Elsefier Editora Ltda, 2012, p.160. 20 BARROSO, Luís Roberto. O Novo Direito Constitucional Brasileiro: contribuições para a construção teórica e

praticada jurisdição constitucional no Brasil. 2. ed. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2013, p. 32.

LIMA, Débora Caldeira Monteiro; FIGUEIREDO, Eduardo Henrique Lopes. O Neoconstitucionalismo e a sua Influência na Jurisdição:

Apontamentos sobre a Técnica dos Precedentes Judiciais no Sistema Processual Brasileiro. ANIMA: Revista Eletrônica do Curso de Direito

das Faculdades OPET. Curitiba PR - Brasil. Ano VII, nº 13, jan/jun 2015. ISSN 2175-7119.

É nesse ambiente que o Código de Processo Civil de 1973 e o Código Penal de 1940 se

mantiveram vivos mesmo após as inovações de cunho axiológico trazidas pela Constituição Brasileira

em 1988. Para se adaptarem às transformações constitucionais, esses Códigos incorporaram ao seu

seio uma gama de reformas pontuais. Todavia, mesmo diante destas alterações legislativas, é possível

afirmar que ainda permeiam no ordenamento jurídico questões que já não mais se coadunam com as

transformações que emergem o direito.

Assim, a partir dessa nova fase, o intérprete deve observar se a norma infraconstitucional é

compatível com a Constituição, bem como determinar o seu sentido e alcance por meio de uma

interpretação que leve em consideração as disposições constitucionais.

2.1.2. Neoprocessualismo: influência da Constituição Federal de 1988 sobre o processo

A Constitucionalização do Direito deu origem a uma nova concepção de processo

denominada neoprocessualismo, a qual é produto da aproximação e da influência do Direito

Constitucional e do Direito Processual Civil. Outros autores, como Carlos Alberto Alvaro de Oliveira,

preferem denominar a aproximação entre estes institutos de “formalismo valorativo”21.

Eduardo Cambi elenca algumas características básicas do neoprocessualismo: a) a aplicação

dos princípios constitucionais processuais independentemente da existência de previsão legal; b)

democratização do processo (inserção de formas intervenção popular); c) visão publicística do

processo; d) implementação de princípios da colaboração e da cooperação; e) alargamento dos poderes do

juiz no curso do processo22.

Entende-se, assim, que, tanto do ponto de vista estrutural, quanto da sua dinâmica, a inserção

do direito processual na dimensão constitucional é a principal característica do neoprocessualismo.

Sabe-se que, com a publicação da Constituição Brasileira de 1988, o texto constitucional

passou a prever inúmeros direitos e garantias especificamente processuais, como o devido processo

legal (art. 5 LIV); direito ao contraditório e a ampla defesa (art. 5. LV); fundamentação racional das

decisões e publicidade (art. 93, IX); juízo natural (art. 5 XXXVII23, dentre outros. Deste modo, o

estudo da ordem processual passou a ter como ponto de partida os princípios, garantias e disposições

constitucionais e as recíprocas influências existentes entre a Constituição e o processo24.

21 OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro. Do formalismo no processo civil. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p.32. 22 CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo e neoprocessualismo: Direitos fundamentais, políticas públicas e

protagonismo do judiciário. São Paulo: Revista dos tribunais, 2009, p.21.

23 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. 35. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. 24 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. 7. Ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2013,

p. 43.

LIMA, Débora Caldeira Monteiro; FIGUEIREDO, Eduardo Henrique Lopes. O Neoconstitucionalismo e a sua Influência na Jurisdição:

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das Faculdades OPET. Curitiba PR - Brasil. Ano VII, nº 13, jan/jun 2015. ISSN 2175-7119.

Sobre o tema, Dinamarco acrescenta:

(...) o processo é profundamente influenciado pela Constituição e pelo

generalizado reconhecimento da necessidade de tratar seus institutos e

interpretar sua lei em consonância com o que ela estabelece. De outro, a

própria Constituição recebe influxos do processo em seu diuturno operar, no

sentido de que ele constitui instrumento eficaz para a efetivação de princípios,

direitos e garantias estabelecidos nela e muito amiúde transgredidos,

ameaçados de transgressão ou simplesmente questionados25.

Assim, a partir do neoprocessualismo, o direito processual passa a ser compreendido a partir da Constituição,

eis que os princípios processuais constitucionais devem nortear a criação, instituição e aplicação prática do direito

processual. Sob outra ótica, é possível afirmar que o direito processual se constitui em importante

instrumento para a efetivação de princípios, direitos e garantias constitucionais, de modo que a

interação entre esses dois institutos (processo e constituição)- é fundamental para a exeqüibilidade

das garantias constitucionais.

2.1.3. A doutrina, o judiciário e a legislação como atores da Constitucionalização do Direito

Vale ressaltar que o fenômeno da constitucionalização do Direito é tema mais abrangente e

complexo do que a mera subordinação dos ramos do Direito à Constituição. É nesse sentido que

Afonso da Silva ensina que a mencionada constitucionalização deve abarcar três atores principais: o

legislativo, a doutrina e o judiciário.

O autor lembra que “a mais efetiva e, ao menos em tese, a menos problemática forma de

constitucionalização do direito é realizada por meio de reformas pontuais ou globais, na legislação

constitucional”26. Entretanto, é importante mencionar que esse processo de constitucionalização por

meio da legislação se mostra muitas vezes lento às mudanças e quebras de paradigmas na legislação

constitucionalizada, que se estabelecem com as transformações histórico-sociais da sociedade

globalizada. É nesse ambiente que o judiciário, através da decisão jurídica, passa a desenvolver um

importante papel voltado para a criação e realização do direito. Assim, a jurisprudência acaba

assumindo o papel do legislador, ao determinar o sentido e o alcance das normas, em um determinado

momento histórico, a partir da leitura e interpretação da Constituição.

25 CATTONNI DE OLIVEIRA. Marcelo Andrade. Direito processual constitucional. Belo Horizonte: Mandamentos,

2002, p. 148. 26 DA SILVA, Virgílio Afonso. A Constitucionalização do Direito: Os direitos fundamentais nas relações entre

particulares. 1. Ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2011, p. 45.

LIMA, Débora Caldeira Monteiro; FIGUEIREDO, Eduardo Henrique Lopes. O Neoconstitucionalismo e a sua Influência na Jurisdição:

Apontamentos sobre a Técnica dos Precedentes Judiciais no Sistema Processual Brasileiro. ANIMA: Revista Eletrônica do Curso de Direito

das Faculdades OPET. Curitiba PR - Brasil. Ano VII, nº 13, jan/jun 2015. ISSN 2175-7119.

Nesse contexto é que o Poder Judiciário desenvolve um importante papel voltado para a

constitucionalização, na medida em que é na “atividade judiciária, especialmente na aplicação, na

interpretação e no controle dos atos entre os particulares, que envolvem os direitos fundamentais, que

todas as dificuldades e peculiaridades da constitucionalização do direito se revelam com clareza e

profundidade”27.

Por outro lado, é possível que a jurisprudência se mantenha refratária às transformações

paradigmáticas do Direito, mesmo que a lei já as tenha superado. Nesse horizonte, Cattoni acrescenta

que as reformas legislativas, sejam elas macroestruturais ou microestruturais, não são capazes de, por

si só, contribuir para uma mudança de mentalidade no conteúdo do Direito28, sendo imprescindível,

neste caso, que a sociedade e os operadores do Direito aceitem a mudança de paradigma na aplicação

da legislação constitucionalizada. Assim, o fenômeno da constitucionalização reclama mudanças de

comportamento dos operadores do Direito na interpretação jurídica em geral.

Já a doutrina, como terceiro elemento da constitucionalização do Direito, mostra-se

importante por oferecer fundamento teórico para o processo de constitucionalização, além de auxiliar

por meio de quebras de paradigmas e racionalidade29.

Note-se, assim, que através da ação conjunta dos três mencionados atores (judiciário,

doutrina e legislação) torna-se possível interligar o Direito e a sociedade às novas concepções,

interpretações, valores e princípios que aperfeiçoam e incorporam o neoconstitucionalismo.

Diante do que foi exposto, este trabalho analisará como os legisladores e juízes de direito se

inserem na perspectiva de constitucionalização do processo, partindo-se da análise da crise enfrentada pela jurisdição

e das recentes reformas processuais, que vieram à tona a partir da Emenda Constitucional n.45 e, agora mais

recentemente, com o novo Código de Processo Civil.

3. A CRISE NA EFETIVIDADE DO PROCESSO E AS REFORMAS LEGISLATIVAS QUE

SE VOLTAM PARA A TÉCNICA DO PRECEDENTE JUDICIAL

Após a instituição da democracia no país, a procura pelo judiciário aumentou de maneira

significativa, em razão de a jurisdição ter se tornado um importante instrumento para a realização dos

direitos fundamentais e para a resolução de conflitos. Esta peculiaridade veio à tona em razão do

27 Ibidem, p. 44. 28 MACHADO, Felipe; CATTONI, Marcelo. Constituição e Processo: Entre o Direito e a Política. Editora Fórum: Belo

Horizonte, 2011, p 148. 29DA SILVA, Virgílio Afonso. A Constitucionalização do Direito: Os direitos fundamentais nas relações entre

particulares. 1. Ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2011, p. 45

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das Faculdades OPET. Curitiba PR - Brasil. Ano VII, nº 13, jan/jun 2015. ISSN 2175-7119.

extenso rol de direitos que se instituiu após a Constituição Federal, aliada ao aumento da

complexidade em sociedade e a não satisfação desses direitos pelo Estado.

Assim, nesse período pós constituição, o Poder Judiciário passou a incorporar discussões

políticas e sociais voltadas para a efetivação dos direitos fundamentais, fato este que contribuiu para

o surgimento de demandas de massa no Brasil (também denominada ações repetitivas) visando a

realização desses direitos.

É nesse ambiente que o direito de acesso à justiça passou a ser reconhecido como “sendo de

importância capital entre os novos direitos individuais e sociais, uma vez que a titularidade de direitos

é destituída de sentido, na ausência de mecanismos para a sua efetiva reivindicação30”. Assim, o

direito processual e a jurisdição tornaram-se, juntos, importantes mecanismos paras a concretização

dos direitos e garantias fundamentais.

Sabe-se que a Constituição Brasileira de 1988 prevê em seu artigo art. 5º, inciso XXXV, o

direito de acesso à justiça, bem como estabelece uma gama de direitos especificamente processuais,

visando garantir, no curso de uma ação judicial, a existência de um processo constitucionalizado.

Pode-se afirmar que o direito de acesso à justiça oferece fundamento axiológico aos demais

princípios processuais constitucionais, por visar garantir, precipuamente, que o sistema processual

seja igualmente acessível a todos os cidadãos e que a decisão jurídica produza resultados que sejam

individual e socialmente justos31.

Entretanto, apesar da consagração do direito de acesso à justiça, é possível observar que,

desde a década de 90, o judiciário (em âmbito estadual- ações que seguem o rito do CPC) tem se

mostrado incapaz de garantir o exercício desse direito com a plena observância das garantias

constitucionais. Isso vem se concretizando em razão da crescente demanda de ações judiciais que,

ao que tudo indica, estão abarrotando a justiça e, infelizmente, contribuindo para que o processo não

esteja vinculado aos princípios processuais constitucionais.

Nesse cenário, é possível afirmar que a morosidade processual vai de encontro com o

princípio do acesso à justiça, por se constituir em uma barreira (tempo) para que o cidadão tenha

acesso à tutela do seu direito, em um período razoável. Sob outra ótica, vale mencionar que a justiça

realizada de forma lenta também se constitui em agente catalisador de desigualdade entre as partes

no processo, culminando de forma negativa para o desfecho do provimento final, eis que, muitas

vezes, a parte mais carente acaba preferindo transacionar sobre os seus direitos, abrindo mão da

30 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Sérgio

Antonio Fabris, 1988, p. 11. 31Ibidem, p.08.

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pretensão que provavelmente seria realizada no final do percurso de uma ação judicial, a ter que

esperar e suportar financeiramente o tempo do processo32.

Assim, nas últimas décadas, a busca pela celeridade processual tornou-se um dos pilares das

reformas processuais legislativas33, as quais, influenciadas pelo movimento neoconstitucional,

passaram a ter o objetivo de promover a efetividade dos direitos fundamentais no âmbito jurisdicional.

Sob essa inspiração, a Emenda Constitucional n.45/2004 instituiu o princípio da duração

razoável do processo, “apesar de sua manifesta existência no sistema jurídico por força da ratificação,

em 1992, da Convenção Americana de Direito Humanos (Pacto de San José da Costa Rica)34” e de

sua previsão implícita por meio do art. 5. XXXV, já previsto constitucionalmente desde a

promulgação da Constituição.

Ressalta-se que, a partir da Emenda Constitucional n. 45/2004, responsável pela denominada

“Reforma do Poder Judiciário”, houve uma expressiva reforma da ordem processual e alterações

substanciais nos modos de exercício da jurisdição e no funcionamento dos órgãos e organismos que

compõe a organização judiciária35.

A referida Emenda alterou o processo civil e introduziu significativas modificações na

estrutura do Poder Judiciário, visando constitucionalizar o processo judicial e, especialmente,

“eliminar ou ao menos atenuar as lastimáveis demoras, que são fonte de corrosão dos direitos e

alimento ao tempo do inimigo36”.

No que se refere aos aspectos processuais, é possível afirmar que a Emenda Constitucional

n. 45 passou a privilegiar a técnica dos precedentes judiciais, como instrumento apto a garantir a

uniformidade da jurisprudência e, por conseqüência, acelerar o andamento processual. Mais

recentemente, o ordenamento jurídico conta agora com um novo Código de Processo Civil que

também tem privilegiado a técnica dos precedentes judiciais como forma de padronizar as decisões

jurídicas.

Por meio desse contexto histórico, o trabalho passa a analisar o papel e a influência do

precedente judicial no sistema processual brasileiro à luz das mais recentes reformas introduzidas na

legislação constitucional e infraconstitucional, que tiveram como objetivo imprimir maior segurança

jurídica e previsibilidade às ações judiciais, bem como garantir maior celeridade à tutela dos direitos.

32 MARINONI, Luiz Guilherme. Antecipação da Tutela. 10.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 21 33 ALMEIDA, Marcelo Pereira de. Precedentes Judiciais: Análise Crítica dos Métodos Empregados no Brasil para a

Solução de Demandas de Massa. Curitiba: Juruá, 2014, p.100. 34 Idem. 35 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. 7. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2013,

p. 197. 36 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. 8. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2013,

p. 198.

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O presente artigo certamente contribuirá para a construção teórica da compreensão da justiça

civil brasileira contemporaneamente à luz das reformas constitucionais e infraconstitucionais que

abrangem os mecanismos aqui elucidados.

4. OS PRECEDENTES JUDICIAIS E A CRIAÇÃO DO DIREITO

4.1. Bases Teóricas para a compreensão do precedente judicial e sua origem

O termo precedente é, por definição, “a prática de decidir casos com base nas decisões

tomadas em casos similares no passado, por meio de mecanismos que identificam a experiência

comum ou questões semelhantes entre casos.37” Sobre os precedentes, Taruffo esclarece:

II precedente fornisce uma regola (universalizzabile, come giá si è detto) che

puó essere applicata come critério di decisione nel caso sucessivo in funzione

della identitá o – come accade di regola - dell’ analogia tra I fatti del primeiro

caso e I fatti del second caso38.

Note-se que o precedente judicial é um mecanismo que orienta o juiz a construir a sua

decisão jurídica, ao levar em consideração um julgado anteriormente proferido que guarda identidade

com o caso jurídico atual. Assim, quando o juiz se vale de um precedente judicial ele aplica a analogia,

ao relacionar semelhanças entre os fatos do primeiro caso jurídico (do passado) e os fatos do segundo

caso jurídico (atual).

Os precedentes judiciais têm a sua origem nos países que adotaram o sistema common law,

onde as regras do direito são construídas por meio das decisões dos tribunais39. Nesse sistema, de

origem inglesa, as cortes sempre se preocuparam em garantir a coerência das decisões judiciais para

evitar julgamentos contraditórios para casos similares40. Assim, o precedente judicial, para o commom

law, serve como mecanismo apto a garantir igualdade, segurança, economia e respeitabilidade às

decisões judiciais41.

Durante o séc. XVII e XVIII, o sistema inglês não possuía regras preestabelecidas que

determinassem a vinculação do precedente. Todavia, naquele período, os juízes seguiam a tradição

37 BARBOSA, Estefânia Maria de Queiroz. Precedentes Judiciais e segurança jurídica. 1. ed. São Paulo: Editora Saraiva,

2014, p. 198. 38 “O precedente fornece uma regra anterior (universal, como já foi dito) que pode ser aplicada como um critério para a

decisão jurídica no caso sucessivo, em função de identidade ou (como acontece geralmente) da analogia entre o fato do

primeito caso e o fato do segundo caso.” (TARUFFO, Michele. Precedente e giurisprudenza. Scientifica. Universita degli

Studi Suor Orsola Benicasa, Facolta di Giurisprudenza, Editoriale Scientifica, 2007. p. 13.) 39BARBOSA, Estefânia Maria de Queiroz. Precedentes Judiciais e segurança jurídica. 1ed. São Paulo: Editora Saraiva,

2014, p. 194. 40 MORETO. Mariana Capela Lombardi. O precedente judicial no sistema processual brasileiro. 2012.308f. Tese

(Doutorado em Direito), Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012, p.72 41Ibidem, p.76.

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de respeitar as decisões proferidas (precedentes) pela mesma corte ou pelas cortes hierarquicamente

superiores42.

A partir do séc. XIX, consolidou-se na Inglaterra a teoria do stare decisis, a qual passou a

atribuir força obrigatória aos precedentes43, ao trazer a ideia de que “os precedentes devem ser

seguidos quando, em casos subsequentes, os fatos materiais mais relevantes são os mesmos.44” Assim,

a partir do stare decisis, uma única decisão tomada individualmente pela corte passa a ter o condão

de constituir o direito e gerar a obrigação de o juiz aplicá-la45.

No sistema de commom law, os precedentes judiciais vinculam porque se constituem em

mecanismos para a argumentação46. Acredita-se que um caso jurídico deve ser solucionado

utilizando-se das mesmas razões contidas no julgado anterior, quando os fatos relevantes são os

mesmos e se amoldam ao mesmo momento histórico-social47.

Nesse modelo, o precedente judicial não deve ser aplicado de maneira automática. Ao

contrário, o juiz ou tribunal, antes de se valer do precedente, deve analisar os elementos objetivos do

caso que formou o precedente e a tese jurídica que sustentou a decisão jurídica, para, em seguida,

relacionar essas especificidades com o caso em concreto. Note-se, assim, que, no sistema de commom

law, as decisões são construídas a partir de um critério de racionalidade. Nesse sentido:

Stare decisis does not require a court to blindly follo incorrectly decided

precedents. Nor does it require a court to stand by a precedente irrespective

of its merit. What stare decisis does require is that couts engage with the

past and act with integrity. They do this when they display a commitment to

a coherenr, defensible view of the content of the law48.

Pode-se considerar o precedente judicial como a substância da decisão jurídica que vincula

os tribunais de mesma hierarquia ou hierarquia inferior. Essa substância recebe a denominação de

ratio decidendi e pode ser compreendida como a única parte da decisão jurídica que vincula os casos

jurídicos posteriores semelhantes.

42Ibidem, p.75. 43Idem. 44 BARBOSA, Estefânia Maria de Queiroz. Precedentes Judiciais e segurança jurídica. 1.ed. São Paulo: Editora Saraiva.

2014. p. 200. 45ALMEIDA, Marcelo Pereira de. Precedentes Judiciais: Análise Crítica dos Métodos Empregados no Brasil para a

Solução de Demandas de Massa. Curitiba: Juruá, 2014, p.172. 46 BARBOSA, Estefânia Maria de Queiroz. Precedentes Judiciais e segurança jurídica. 1.ed. São Paulo: Editora Saraiva,

2014, p. 200. 47 BARBOSA, Estefânia Maria de Queiroz. Precedentes Judiciais e segurança jurídica. 1ed. São Paulo: Editora Saraiva,

2014, p. 200 48 “ O Stare decisis não exige que um tribunal siga cegamente precedente decididos incorretamente. Não se impõe que o

juiz defenda um precedente independentemente do seu mérito. O que o stare decisis exige é que os tribunais se envolvam

com o passado e ajam com integridade. Eles fazem isso quando exibem um compromisso com uma visão coerente e

defensável do conteúdo do direito.” (HERSHOVITZ, Scott. Integrity and Stare decisis. In: HERSHOVITZ, Scott.

Exploring Laws Empire: The Jurisprudence of Ronald Dworkin. New York: Oxford University Press, 2008, p. 118).

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Assim, a ratio decidendi é a razão ou o princípio que fundamenta a decisão jurídica e vincula

os casos sucessivos com características análogas ao precedente judicial49. Para Tucci, a ratio

decidendi é a essência da tese jurídica suficiente para decidir o caso concreto50.

A ratio decidendi é também compreendida como o motivo determinante da decisão, isto é,

a premissa sem a qual não se chegaria àquela decisão específica.

Desse modo, pode-se afirmar que, enquanto a decisão jurídica vincula as partes no processo,

a ratio decidendi vincula todos os casos jurídicos sucessivos e semelhantes, ao se constituir em regra

de direito para todos51 e “fonte de conhecimento da interpretação judicial do direito vigente em

determinado momento social52.”

Vale ainda ressaltar que não é necessário que o caso jurídico precedente seja idêntico ao caso

jurídico atual para que o juiz ou um tribunal se valha de um precedente judicial, até mesmo porque

seria impossível isso acontecer, eis que cada caso possui as particularidades que lhes são próprias.

Entretanto, para aplicação de um precedente, considera-se imprescindível a existência de similitudes

realmente importantes entre os dois casos jurídicos (caso precedente e caso atual) e que esta conexão

seja fundamentada pelo juiz ao construir a sua decisão jurídica.

Assim, é possível afirmar que, no sistema de commom law, os juízes criam o direito a partir

da análise detalhada dos fatos, os quais oferecem os elementos indispensáveis para a formação da

tese jurídica ou fundamento da decisão jurídica que, no futuro, servirá de precedente. Sob outro

ângulo, quando o juiz se vale de um precedente ele realiza uma detalhada articulação dos casos

similares (caso precedente e caso atual) e aplica o precedente quando observa que a interpretação

judicial ali contida se aplica ao caso atual. Elucidado essa ideia, Barboza explica:

Assim, o método de argumentação case-by-case nos sistemas de commom law

dá uma maior importância aos fatos e à fundamentação sobre os fatos e o

direito em cada precedente, uma vez que o estilo dos julgamentos lida com

uma detalhada articulação dos casos que parecem ser similares53.

Com o objetivo de o direito se adaptar às transformações sociais de sua época e às

particularidades do caso em concreto, Estados Unidos e Inglaterra criaram critérios para a não

49 ALMEIDA, Marcelo Pereira de. Precedentes Judiciais: Análise Crítica dos Métodos Empregados no Brasil para a

Solução de Demandas de Massa. Curitiba: Juruá, 2014, p.146. 50 TUCCI, José Rogério Cruz E. Tempo e processo: uma análise empírica das repercussões do tempo na fenomenologia

processual (civil e penal). São Paulo: RT, 1997, P. 175-177. 51 ALMEIDA, Marcelo Pereira de. Precedentes Judiciais: Análise Crítica dos Métodos Empregados no Brasil para a

Solução de Demandas de Massa. Curitiba: Juruá, 2014, p.148. 52 Idem. 53 BARBOSA, Estefânia Maria de Queiroz. Precedentes Judiciais e segurança jurídica. 1ed. São Paulo: Editora Saraiva,

2014, p. 219.

LIMA, Débora Caldeira Monteiro; FIGUEIREDO, Eduardo Henrique Lopes. O Neoconstitucionalismo e a sua Influência na Jurisdição:

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aplicação ou revogação dos precedentes, já ultrapassados ou superados, mediante mecanismos

denominados overruling e distinguishing54.

A técnica do overruling permite que o tribunal supere um precedente judicial e adote nova

tese jurídica para decidir um contexto fatídico. Trata-se de instrumento através do qual “um

precedente perde a sua força vinculante e é substituído por outro precedente”55, quando ocorre uma

“mudança na valoração das circunstâncias relevantes de casos similares56”, capaz de ensejar o

surgimento de novo entendimento para aquele contexto. Por ser uma iniciativa judicial mais radical,

no sistema inglês e norte-americano, esse mecanismo só pode ser utilizado por uma corte de

hierarquia superior à corte que proferiu a decisão a ser revogada57.

De outra forma, o distingguishing ocorre quando o juiz não aplica o precedente porque as

questões fáticas entre o caso antecedente e o caso atual são distintas, isto é, o juiz ou tribunal, ao se

valer desta técnica, demonstra que a ratio do precedente não se aplica adequadamente ao caso

presente.

Nesses dois casos, o juiz deve fundamentar a sua decisão (racionalidade), seja porque tese

jurídica do precedente já foi superada e reclama outra tese para o novo contexto, seja porque as

questões fáticas materialmente relevantes são distintas58.

É possível observar que a teoria do stare decisis não visa uma vinculação absoluta e

mecânica dos precedentes judiciais, mas um compromisso da decisão jurídica com a realidade

histórico-social em que está inserida, de modo que o juiz tem a possibilidade de não seguir o

precedente quando a ratio decidendi da decisão precedente já não mais se coaduna com a nova

realidade jurídica.

Portanto, a teoria do precedente judicial, no sistema de commom law, tem como fundamento

garantir que o direito seja racional, a partir da análise detalhada dos fatos contidos no caso em

concreto e posterior aplicação do precedente, o qual deve servir como parâmetro para a interpretação

do caso jurídico presente e mecanismo apto a garantir segurança, isonomia e coerência às decisões

jurídicas.

4.2 A técnica dos precedentes judiciais no Brasil

54Ibidem. p. 226. 55 DIDIER JR,. Fredie; BRAGA, Paulo Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil. 8.ed. ver.,ampl. e

atual. Salvador: JusPodium, 2013, v.2, p.456. 56 ROSITO, Francisco. Teoria dos precedentes judiciais: Racionalidade da Tutela jurisdicional. Curitiba: Juruá, 2012, p.

281. 57 ALMEIDA, Marcelo Pereira de. Precedentes Judiciais: Análise Crítica dos Métodos Empregados no Brasil para a

Solução de Demandas de Massa. Curitiba: Juruá, 2014, p.147. 58 BARBOSA, Estefânia Maria de Queiroz. Precedentes Judiciais e segurança jurídica. 1ed. São Paulo: Editora Saraiva,

2014, p. 227

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Em quase todas as jurisdições, os precedentes judiciais possuem um importante papel

voltado para a realização do Direito. Entende-se que, de forma geral, os juízes, de quase todos os

lugares do mundo, tendem a julgar um caso da mesma forma que um caso análogo anterior foi

decidido por outro juiz, eis que “o stare decisis (observância do que foi previamente decidido) é uma

máxima de aplicação quase que universal.59”

Conforme se observou, nos países de tradição de commom law, as regras de direito são

construídas a partir das decisões dos tribunais, eis que este sistema tem como fundamento jurídico a

teoria do stare decisis, a qual agrega a ideia de que casos análogos devem ser julgados de forma

semelhante.Ocorre que mesmo em países de tradição civil law o precedente judicial desenvolve um

papel persuasivo e também se constitui como parâmetro para a interpretação da decisão jurídica.

É importante destacar que nos sistemas de commom law o precedente assume função diversa

daquela que exerce no sistema de civil law, oriundo da Europa Continental, em que predomina o

direito codificado 60. É possível observar que no direito brasileiro, por exemplo, nem sempre a ratio

decidendi –motivo determinante da decisão- é estruturada a partir dos fatos, como ocorre na

Inglaterra. No Brasil, existem decisões que se destinam apenas a interpretar matérias relativas à lei

federal e à Constituição61.

O Brasil, mesmo sendo um país de tradição civil law (sistema jurídico essencialmente

baseado em códigos), nunca ignorou a importância dos precedentes judiciais para a formação da

decisão jurídica e construção do direito, apesar da sua utilização ter variado de intensidade no tempo,

de acordo com o contexto jurídico histórico.

Entretanto, é possível notar que, mais recentemente, o Brasil está incorporando, mais

fortemente, a técnica dos precedentes judiciais, sob a pretensa justificativa de garantir celeridade aos

processos judiciais e segurança jurídica às decisões judiciais. Em outras palavras, pode-se afirmar

que, com o advento do neoconstitucionalismo, houve uma nova compreensão da atividade

jurisdicional, a qual passou a privilegiar a jurisprudência como fonte de interpretação da decisão

jurídica.

Essa nova importância dada ao direito jurisprudencial pode ser visualizada no Brasil a partir

da adoção das súmulas vinculantes, das decisões do STF em sede de controle difuso ou concentrado,

da repercussão geral, do incidente de resolução de demandas repetidas, mecanismos que vieram à

59Ibidem, p. 198. 60 MORETO. Mariana Capela Lombardi. O precedente judicial no sistema processual brasileiro. 2012.308 f. Tese

(Doutorado em Direito), Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012, p.14. 61 JESUS, P.S.Teoria do Precedente Judicial e o Novo Código de Processo Civil. Revista de Direito UNIFACS, n.170,

ago. 2014.

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tona com a publicação da Emenda Constitucional n. 45, visando dar uma prestação mais efetiva às

demandas repetitivas (demandas de massa) no âmbito do judiciário62.

Conforme já se afirmou, a Emenda Constitucional n. 45, denominada Reforma

Constitucional do Poder Judiciário, atuou com notória intensidade sobre a ordem processual, ditando

uma série de regras processuais relevantes, que refletiram diretamente no modo de interpretar e

aplicar o direito.

Em suma, no plano processual, a referida emenda teve como objetivos principais: a)dar

trato coletivo a certas matérias de relevância transindividual e, com isso, molecularizar a tutela

jurisdicional; b) acelerar o andamento processual; c) diminuir o número de recursos encaminhados a

Suprema Corte; d)estabilizar a jurisprudência para eliminar os males da dispersão dos julgamentos.

O novo Código de Processo Civil também agregou uma série de dispositivos que privilegiam

os precedentes judiciais, como mecanismo apto a estabilizar a jurisprudência e garantir celeridade

processual.

4.2.1. A Emenda Constitucional n. 45 e o novo Código de Processo Civil

A Emenda Constitucional n. 45 criou a Súmula Vinculante, com previsão no art. 103-A da

Constituição Federal, que prevê a possibilidade de o Supremo tribunal Federal aprovar súmula, após

reiteradas decisões sobre matéria constitucional, que, “a partir de sua publicação na imprensa oficial,

terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública

direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal63”.

Observa-se que a implantação das Súmulas Vinculantes pelo Constituinte Derivado teve

como objetivo uniformizar a jurisprudência, tendo em vista a existência de interpretações divergentes

entre órgãos do judiciário ou entre estes e os da administração pública, no que se refere às matérias

de índole constitucional64. Assim, este mecanismo foi criado objetivando garantir que uma mesma

norma não seja interpretada de forma distinta por outros juízes para casos análogos.

Deste modo, a partir da publicação do art. 103 A da Constituição Federal, os órgãos do Poder

Judiciário e da Administração Pública passaram a ser obrigados a seguir o teor das súmulas do

Supremo Tribunal Federal quando no exercício de suas funções. Logo, o juiz, ao julgar um caso em

62NUNES, Dierle. Problemas para o Dimensionamento de Técnicas para a Litigiosidade repetitiva: a litigância

de interesse público , o processualismo constitucional democrático e as tendências ‘não compreendidas ’ de

padronização decisória. In: JAYME, Fernando Gonzaga; FARIA, Juliana Cordeiro de; LAUAR, Maira Terra.

(org). Processo Civil Novas Tendências. Belo Horizonte: Del Rey Editora, 2011, p. 111. 63 BRASIL, Constituição (1998). Constituição da República Federativa do Brasil. 35. Ed. São Paulo: Saraiva, 2005. 64 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. São Paulo: Malheiros, volume I, 2013. p.205.

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concreto, não pode deixar de seguir o teor de uma súmula vinculante, nem adotar um entendimento

contrário a elas65.

A Emenda Constitucional n.45/2004 também criou o instituto da Repercussão Geral como

pressuposto para a admissibilidade do Recurso Extraordinário, com previsão no artigo, 102, parágrafo

terceiro, da Constituição Federal, o qual prevê que “o recorrente deverá demonstrar a repercussão

geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal

examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus

membros”66.

A partir do que dispõe o referido artigo, é possível observar que o Recorrente deverá

comprovar, como condição para a admissibilidade de seu recurso, a relevância do seu caso jurídico

do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, bem como o efeito expansivo que o seu

julgamento irá produzir em relação a outras pessoas - transcendência para além dos interesses

subjetivos dos litigantes67.

É fácil perceber que esse instrumento processual teve como objetivo principal filtrar os

recursos extraordinários a serem analisados pelo Supremo Tribunal Federal. Nesse aspecto, é possível

questionar a constitucionalidade desse mecanismo à luz do direito de acesso à justiça, já que ele se

constitui em uma barreira para análise do mérito do recurso no tribunal68.

As estatísticas demonstram que a repercussão geral acarretou uma diminuição significativa

no número de recursos extraordinários69 encaminhados ao Supremo Tribunal Federal, fato que

comprova que a Emenda Constitucional n. 45 conseguiu contribuir para um significativo

descongestionamento de ações na Corte Superior.

Sob outro ângulo, é importante ressaltar que esse instituto funciona como um instrumento

de objetivação da jurisdição constitucional, ao permitir que o Supremo Tribunal Federal uniformize

a interpretação constitucional sobre determinada matéria, eis que, em que pese a decisão sobre a

questão constitucional suscitada no Recurso Extraordinário ter, em regra, efeito apenas inter partes,

os motivos determinantes da decisão (ratio decidendi) acaba vinculando os demais órgãos

jurisdicionais. Seguindo essa linha de raciocínio, pode-se afirmar que

65 ALMEIDA, Marcelo Pereira de. Precedentes Judiciais: Análise Crítica dos Métodos Empregados no Brasil para a

Solução de Demandas de Massa. Curitiba: Juruá, 2014, p.169. 66BRASIL, Constituição (1998). Constituição da República Federativa do Brasil. 35. Ed. São Paulo: Saraiva, 2005. 67PEREIRA. R.M. A indeterminação jurídica e a função do Supremo Tribunal Federal na Interpretação da Repercussão

Geral. 2013.138f. Mestrado em Direito. Pontíficia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2013. p 85. 68ALMEIDA, Marcelo Pereira de. Precedentes Judiciais: Análise Crítica dos Métodos Empregados no Brasil para a

Solução de Demandas de Massa. Curitiba: Juruá, 2014, p.173 69 Idem

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o instituto da Repercussão Geral possibilita a sua aplicação em outras

demandas análogas, com impactos imediatos para a diminuição do quantitativo

de processos que chegam ao Supremo Tribunal Federal e, por conseqüência,

com o fortalecimento de uma perspectiva que valorize a uniformização da

jurisprudência constitucional oposto no precedente paradigmático70.

Com o objetivo de reforçar essa objetivação, a Lei n. 11.418/2006 instituiu o artigo o artigo

543 B do Código de Processo Civil, o qual passou a prever que o tribunal de origem, quando

identificar a existência de recursos extraordinários que tratem matérias similares, deverá admitir um

dos recursos representativos da controvérsia ao Supremo Tribunal Federal e sobrestar o julgamento

dos demais recursos até o julgamento definitivo.

Também é questionável a constitucionalidade desse mecanismo, tendo-se em vista que

quando o tribunal se vale desse dispositivo ele acaba impedindo que o Supremo Tribunal Federal

analise as particularidades e as argumentações dos casos previstos nos recursos sobrestados, lesando,

assim, o princípio do contraditório.

Embora seja importante a modulação do tempo ao processo judicial para garantir uma

prestação jurisdicional efetiva, não é possível admitir que esse discurso se sobreponha a aos princípios

processuais constitucionais, sob pena de a Constituição Federal perder a sua supremacia material

axiológica.

Nesta etapa de transito normativo, tem-se que a partir do novo Código de Processo Civil (lei

13.105/15), que entrará em vigor em março de 2016, a decisão de afetação não sobrestará apenas os

Recursos Extraordinários interpostos perante os tribunais de segunda instância, mas todos os

processos pendentes, individuais ou coletivos, que versem sobre a questão e tramitem no território

nacional, consoante prevê o artigo 1037, inciso II71.

A publicação desse artigo demonstra que o novo Código de Processo Civil está ampliando

os efeitos vinculantes do precedente judicial. Ocorre que o incidente de resolução de demandas

repetitivas tem recebido algumas críticas. Autores como Ataíde Junior acredita que essa técnica traz

“o risco de que o entendimento jurisprudencial venha a ser fixado de forma prematura, ensejando

novos disensos, num curto lapso temporal, tendo em vista o surgimento de novos argumentos não

imaginados ou não trazidos à discussão na época do incidente” 72.

70 PEREIRA. R.M. A indeterminação jurídica e a função do Supremo Tribunal Federal na Interpretação da Repercussão

Geral. 2013.138f. Mestrado em Direito. Pontíficia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2013. p. 88. 71 BRASIL. Lei 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm> Acesso em 01.04.2015. 72 ATAÍDE JÚNIOR, Jaldemiro Rodrigues. Precedentes vinculantes e irretroatividade do direito no sistema processual

brasileiro: Os Precedentes dos Tribunais Superiores e sua Eficácia Temporal. Curitiba: Juruá, 2012, p.130.

LIMA, Débora Caldeira Monteiro; FIGUEIREDO, Eduardo Henrique Lopes. O Neoconstitucionalismo e a sua Influência na Jurisdição:

Apontamentos sobre a Técnica dos Precedentes Judiciais no Sistema Processual Brasileiro. ANIMA: Revista Eletrônica do Curso de Direito

das Faculdades OPET. Curitiba PR - Brasil. Ano VII, nº 13, jan/jun 2015. ISSN 2175-7119.

É possível observar ainda, a partir da análise do art. 332 do novo Código- que substituiu o

art. 285 A ainda vigente-, a possibilidade de o juiz julgar liminarmente improcedente o pedido do

autor, sem a oitiva do réu, quando já exista entendimento modelar dos tribunais superiores sobre a

matéria contida na ação73.

Com a publicação desse artigo houve o fortalecimento da técnica dos precedentes judiciais

no sistema processual e a ampliação dos poderes dos juízes de primeira instância, ao permitir o

julgamento do mérito do pedido, sem a citação do réu, naquele caso específico. Sob outra ótica, o

referido dispositivo causa preocupação, uma vez que esse instituto pode causar certo engessamento

nos juízos de primeiro grau e risco de casos distintos receberem a aplicação desse dispositivo de

forma equivocada. Também é questionável à sua aplicabilidade frentes aos princípios do contraditório

e da ampla defesa, mesmo que o autor da demanda tenha a possibilidade de interpor apelação para

demonstrar a singularidade de sua ação.

A busca pela uniformização da jurisprudência ainda pode ser visualizada pela edição dos

artigos 926 e 927, os quais prevêem que os juízes e tribunais “devem uniformizar sua jurisprudência

e mantê-la estável, íntegra e coerente”, bem como observar os enunciados de súmula vinculante e

enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior

Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional74.

O § 5o do art. 927 do no novo Código ainda prevê que os tribunais deverão dar publicidade

a seus precedentes, organizando-os por questão jurídica decidida e divulgando-os, preferencialmente

na rede mundial de computadores. Observa-se, assim, que é da publicidade que os precedentes

passarão a produzir seus efeitos75.

É possível notar que o novo Código de Processo Civil alargou a aplicabilidade e efeitos dos

precedentes judiciais ao expandir os efeitos do recurso repetitivo, abranger o instituto da Repercussão

Geral, do Recurso Extraordinário e do Recurso Especial, criar outros dispositivos que privilegiam a

técnica dos precedentes como forma de estabilizar a jurisprudência.

4.2.2. Uma análise crítica da aplicação dos precedentes judiciais no sistema processual

brasileiro

73 BRASIL. Lei 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm> Acesso em 01.04.2015. 74 Idem. 75 JESUS, P.S. Teoria do Precedente Judicial e o Novo Código de Processo Civil. Revista de Direito UNIFACS, n.170,

ago. 2014.

LIMA, Débora Caldeira Monteiro; FIGUEIREDO, Eduardo Henrique Lopes. O Neoconstitucionalismo e a sua Influência na Jurisdição:

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das Faculdades OPET. Curitiba PR - Brasil. Ano VII, nº 13, jan/jun 2015. ISSN 2175-7119.

Conforme se observou, no Brasil, os mecanismos processuais que se valem dos precedentes

judiciais tiveram como objetivo principal estabilizar a jurisprudência para garantir a molecularização

das demandas judiciais e, por conseqüência, assegurar que o processo judicial se desenvolva de forma

mais célere.

Entretanto, é questionável a constitucionalidade desses mecanismos processuais, bem como

a sua utilização prática no judiciário frente aos princípios processuais constitucionais.

As reformas legislativas, sejam elas macroestruturais ou microestruturais, não devem perder

de vista os princípios processuais constitucionais, eis que, em que pese a exposição de motivos das

normas aqui examinadas indicarem que os mecanismos ora instituídos não violam o princípio do

contraditório e da ampla defesa, restam dúvidas se na prática judiciária esses princípios são (e serão)

respeitados.

É importante ressaltar que inexiste uma preocupação dos processualistas em construir uma

teoria sobre o uso da técnica dos precedentes judiciais no Brasil, capaz de estabelecer critérios para

que a sua aplicabilidade esteja em harmonia com os princípios constitucionais. É preciso discutir o

modo como os casos são decididos pelos juízes ou tribunais que se valem dos precedentes, eis que

não se pode admitir uma utilização mecânica desses instrumentos processuais.

Conforme se observou, nos países de tradição de commom law, os juízes e tribunais se valem

do precedente judicial de maneira racional, a partir de uma análise detalhada dos fatos e da

fundamentação sobre os fatos, não esquecendo de analisar, ainda, a realidade histórico-social em que

o precedente se formou. Entretanto, no Brasil, não é possível crer que os mecanismos que se valem

dos precedentes judiciais contribuem para a racionalidade da decisão jurídica, eis que muitos destes

instrumentos desprezam uma análise detalhista do caso em concreto e favorecem a sua aplicação

quase que automática.

Assim, o precedente judicial não pode ser compreendido como algo já definido que

prescinda da argumentação e da observação das particularidades do caso em concreto.

Observou-se que, com o advento do neoconstitucionalismo, o direito deixou de ser uma

operação matemática, lógica e dedutiva, que visava a mera subsunção dos fatos à norma jurídica. Essa

nova dimensão constitucional trouxe importantes transformações para o direito, que passou a buscar

uma razão prática, por meio da argumentação jurídica e da superação do formalismo jurídico. Daí a

importância de se construir uma teoria dos precedentes no Brasil, eis que a ausência de parâmetros

para a sua utilização acaba enrijecendo o Direito e contribuindo para a sua aplicação mecânica,

semelhante àquela prevista na dimensão positivista.

5. CONCLUSÃO

LIMA, Débora Caldeira Monteiro; FIGUEIREDO, Eduardo Henrique Lopes. O Neoconstitucionalismo e a sua Influência na Jurisdição:

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das Faculdades OPET. Curitiba PR - Brasil. Ano VII, nº 13, jan/jun 2015. ISSN 2175-7119.

O fenômeno do neoconstitucionalismo trouxe importantes transformações para o Direito, as

quais refletiram positivamente na percepção da Constituição e na interpretação jurídica geral. A

Constituição se deslocou para o centro do sistema jurídico e toda a interpretação jurídica passou a se

realizar à luz da Constituição. O Direito se inseriu numa dimensão pós-positivista, na qual a decisão

jurídica passou a depender da argumentação jurídica e a exigir uma atuação criativa de juízes e

tribunais.

Nessa perspectiva, houve a expansão da jurisdição constitucional e do papel do poder

judiciário, o qual passou a ser visto como um importante instrumento para a realização dos direitos

fundamentais.

Conforme se observou, nesse ambiente neoconstitucional, a justiça brasileira passou a viver

um período de crise na efetividade do processo, que foi enfrentado por meio de reformas normativas,

as quais agregaram ao seu seio os precedentes judiciais como forma de efetivar o processo e garantir

maior celeridade no trâmite das ações judiciais em série, por meio da estabilização da jurisprudência.

Vale ressaltar que, a partir dessas reformas, houve uma inovadora compreensão da atividade

jurisdicional materializada na jurisprudência e uma reconstrução doutrinária da decisão jurídica, que

passou a estabelecer novos parâmetros compreensivos do Direito.

É sabido que o sistema jurídico brasileiro, em razão de sua fragmentação (divisão em várias

especialidades e inúmeras distribuições de varas no país), acaba produzindo decisões que se

contrastam entre si para casos análogos. É nesse âmbito que se pode considerar legítima a utilização

do precedente judicial, como mecanismo apto a garantir igualdade e segurança jurídica no exercício

da jurisdição.

Entretanto, em verdade, não é possível crer em uma aplicação legítima dos instrumentos

que se valem dos precedentes judiciais no Brasil, em razão de inexistir uma teoria consolidada sobre

a sua aplicação à luz dos princípios processuais constitucionais.

Conforme se demonstrou, no Brasil, a utilização dos precedentes judiciais não se dá de modo

análogo aos países nos quais é tradicional o seu uso (sistema de commom law). Nesses países, as

decisões são construídas a partir de critérios de racionalidade e levam em consideração a teoria do

stare decisis, a qual contém a ideia de que os precedentes devem ser obrigatoriamente aplicados

quando exista uma real conexão entre a ratio decidendi do precedente e os fatos relevantes do caso

em concreto.

O Brasil deveria reconhecer a legitimidade da técnica dos precedentes judiciais nos países

de tradição anglo-saxônica e buscar, assim como nesses países, meios pelos quais os precedentes

judiciais possam ser legitimamente aplicados.

LIMA, Débora Caldeira Monteiro; FIGUEIREDO, Eduardo Henrique Lopes. O Neoconstitucionalismo e a sua Influência na Jurisdição:

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Nesse sentido, pode-se afirmar que o precedente judicial não pode ser concebido como uma

‘fotografia’ de entendimentos jurídicos, mas como um instrumento capaz de auxiliar a interpretação

jurídica do caso em análise em determinado momento social.

A partir desse entendimento, é possível concluir que a decisão jurídica não só aplica o Direito

como também cria o Direito e que ela não pode ser construída desprovida de um discurso jurídico,

sob pena de o direito retroagir a mera subsunção. Não se pode admitir uma decisão jurídica construída

mecanicamente (desprovida de um discurso jurídico), a partir do simples encaixe do caso ao

precedente judicial.

Conforme se demonstrou, no Brasil, é possível observar um esforço do legislador em fazer

valer as decisões dos tribunais superiores, visando estabilizar a jurisprudência ou padronizar as

decisões judiciais. Entretanto, vale ressaltar que é na primeira instância que o juiz tem a oportunidade

de analisar as particularidades do caso em concreto, uma vez que os tribunais, sobretudo os superiores,

são órgãos especializados em discussões de teses abstratas sobre a interpretação do Direito.

Deste modo, a utilização dos precedentes judiciais depende de justificações e deliberações

que mostrem a pertinência de sua aplicabilidade ao caso presente, a partir da análise detalhista dos

fatos e do problema jurídico. De outra maneira, um juiz que não segue a orientação de um tribunal

superior deve justificar a correção de sua decisão, segundo a melhor interpretação que pode dar ao

direito vigente.

Assim, no Brasil, os precedentes judiciais é tema que ainda precisa ser amadurecido entre os

processualistas para que o Direito não perca de vista todas as etapas já conquistadas, as quais revelam

a importância de se buscar, verdadeiramente, a aplicação dos princípios processuais constitucionais

na prática jurisdicional, a partir de critérios de racionalidade.

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