neoconstitucionalismo - os efeitos do neoconstitucionalismo nos direitos fundamentais

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FACULDADE ALVES FARIA GRADUAÇÃO EM DIREITO Eloi Costa Campos Junior OS EFEITOS DO NEOCONSTITUCIONALISMO NOS DIREITOS FUNDAMENTAIS GOIÂNIA NOVEMBRO DE 2014

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Page 1: Neoconstitucionalismo - Os efeitos do neoconstitucionalismo nos direitos fundamentais

FACULDADE ALVES FARIA

GRADUAÇÃO EM DIREITO

Eloi Costa Campos Junior

OS EFEITOS DO NEOCONSTITUCIONALISMO NOS DIREITOS

FUNDAMENTAIS

GOIÂNIA

NOVEMBRO DE 2014

Page 2: Neoconstitucionalismo - Os efeitos do neoconstitucionalismo nos direitos fundamentais

FACULDADE ALVES FARIA

GRADUAÇÃO EM DIREITO

Eloi Costa Campos Júnior

OS EFEITOS DO NEOCONSTITUCIONALISMO NOS DIREITOS

FUNDAMENTAIS

Trabalho apresentado como exigência parcial

para conclusão da disciplina de Trabalho de

Conclusão de Curso I do Curso de Graduação

em Direito das Faculdades Alves Faria, sob a

orientação da Prof. Me. Aurélio Marcos

Silveira de Freitas.

GOIÂNIA

NOVEMBRO DE 2014

Page 3: Neoconstitucionalismo - Os efeitos do neoconstitucionalismo nos direitos fundamentais

FACULDADE ALVES FARIA

GRADUAÇÃO EM DIREITO

Eloi Costa Campos Junior

OS EFEITOS DO NEOCONSTITUCIONALISMO NOS DIREITOS

FUNDAMENTAIS

AVALIADORES:

___________________________________________________________________________

Prof. Me. Aurélio Marcos Silveira de Freitas – ALFA

(Orientador)

___________________________________________________________________________

Prof. Me. Marcelo Lopes de Jesus - Leitor – ALFA

GOIÂNIA

NOVEMBRO DE 2014

Page 4: Neoconstitucionalismo - Os efeitos do neoconstitucionalismo nos direitos fundamentais

Aos meus avós paternos e maternos, Donato e Ceci, Lúcia e Mamede “In

Memorian”, ao meu pai Eloi, minha mãe Sônia e minha querida irmã Daiana e ao meu

cunhado Fabrício, bem como minha namorada Ávily.

Page 5: Neoconstitucionalismo - Os efeitos do neoconstitucionalismo nos direitos fundamentais

AGRADECIMENTOS

A Deus por ter me proporcionado essa valiosíssima oportunidade e por ter me

dado condições para concluir este curso.

Aos meus pais, por terem me apoiado em toda trajetória, não só acadêmica,

sempre me incentivando e acreditando em meu potencial, posto que sem eles eu não teria

conseguido alcançar este tão almejado sonho.

A minha irmã Daiana por sempre ter acreditado em mim e, de uma forma direta

ou indireta, ter me apoiado, pois sei que sempre torceu pelo meu sucesso.

A todos os meus amigos e colegas, especialmente Johnathan Gonçalves,

Guilherme e Johnatan Ferreira que foram companheiros e verdadeiros amigos em todos os

momentos, dentro e fora do ambiente acadêmico.

Aos meus Pastores Vilmar Felipe e Silvania.

A todos os meus professores, aos meus coordenadores Diogo e Bebel e ao meu

orientador Aurélio, que com muita destreza e tranqüilidade me conduziu à conclusão deste

trabalho.

Page 6: Neoconstitucionalismo - Os efeitos do neoconstitucionalismo nos direitos fundamentais

Fui à floresta porque queria viver de verdade. Eu queria viver profundamente e

tirar toda a essência da vida. Fazer apodrecer tudo o que não era vida e não, quando eu

morrer, descobrir que não vivi.

Henry David Thoreau

(Frase tradicional de abertura das reuniões da Sociedade dos Poetas Mortos)

Page 7: Neoconstitucionalismo - Os efeitos do neoconstitucionalismo nos direitos fundamentais

RESUMO

CAMPOS JÚNIOR, Eloi Costa. Efeitos do Neoconstitucionalismo nos direitos

fundamentais. Monografia, 2014. Graduação em Direito das Faculdades Alves Faria.

Goiânia, 2014.

Sabemos que a sociedade está cada vez mais complexa em suas relações, visto

que todos os dias surgem novos ideais e novas verdades que, até então, eram desconhecidas.

A todo o momento os pensamentos que, outrora, eram sustentáculo da harmonia social entram

em choque com o desenvolvimento e simplesmente são esquecidos. Diante dessa rápida

evolução é necessário um sistema de controle social, sendo indispensável um mecanismo de

solução de conflitos, e, diante desta necessidade, cria-se um sistema jurídico formado por leis

para que controle a sociedade e seus integrantes. Mas quando se tem todo um ordenamento

jurídico formado e este não é suficiente para satisfazer todos os anseios e necessidades, tem-

se então um grande problema: um sistema de controle social ineficaz, consequentemente um

grande risco para a existência e desenvolvimento desta sociedade, já que as leis não

conseguem acompanhar todas as mudanças e evoluções, estas estão totalmente fadadas ao

fracasso. Por isso, se faz necessário a criação de um modelo de interpretação de leis que

consiga compensar a defasagem de um determinado ordenamento jurídico diante das

transformações e evoluções. Por esta ótica, discorreremos, no presente trabalho, sobre o

movimento denominado neoconstitucionalismo que visa interpretar a lei de modo que consiga

trazer aos conflitos sociais a solução mais ponderada e razoável, utilizando-se dos princípios

gerais de direito, elencando algumas das vantagens desta atual concepção, mais precisamente

em relação aos direitos e garantias fundamentais da Constituição Federal 1988, evidenciando

seus efeitos no direito brasileiro.

PALAVRAS-CHAVE: Constitucionalismo. Neoconstitucionalismo. Aplicação. Princípios.

Direitos e Garantias Fundamentais. Constituição Federal.

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ABSTRACT

CAMPOS JÚNIOR, Eloi Costa. Neoconstitutionalism Effects on Fundamental Rights.

Monograph, 2014. Graduated in Law Colleges Alves Faria. Goiânia, 2014.

We know that society is increasingly complex in their relationships, since every

day brings new ideas and new truths that, until then, were unknown. At all times the thoughts

that once were the mainstay social harmony collide with the development and simply are

forgotten. Given this rapidly evolving a system of social control is necessary, and

indispensable means of resolving conflicts, and facing this requirement, it creates a legal

system composed of laws to control the society and its members. But when it has formed an

entire legal system and this is not enough to satisfy all the desires and needs, then has a big

problem: a system of social control ineffective, hence a big risk for the existence and

development of society, as that laws can not keep up with all the changes and developments,

these are totally doomed to failure. Therefore, the creation of a model of interpretation of laws

that can compensate for the lag of a particular jurisdiction before the changes and

developments is needed. For this perspective, we will discuss in this paper, about the

movement called neoconstitutionalism which aims to interpret the law so that it can bring to

social conflicts more thoughtful and reasonable solution, using the general principles of law,

listing some of the advantages of this current design, specifically in relation to fundamental

rights and guarantees of the Federal Constitution in 1988, showing their effects in Brazilian

law.

KEYWORDS: Constitutionalism. Neoconstitutionalism. Application. Principles.

Fundamental Rights and Guarantees. Federal Constitution.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 10

CAPÍTULO 1 NOÇÕES HISTÓRICAS DO NEOCONSTITUCIONALISMO.....12

1.1 NOÇÕES SOBRE O CONSTITITUCIONALISMO NA EUROPA ....................... 12

1.2 O CONSTITUCIONALISMO NORTE-AMERICANO.......................................... 16

CAPÍTULO 2 VIAGENS DO CONSTITUCIONALISMO AO

NEOCONSTITUCIONALISMO.........................................................................20

2.1 CONSTITUCIONALISMO MODERNO ............................................................... 20

2.2 NEOCONSTITUCIONALISMO – UMA VISÃO RECENTE E

EFICAZ..........................................................................................................................26

CAPÍTULO 3 APLICAÇÃO DO NEOCONSTITUCIONALISMO

EM CASOS CONCRETOS................................................................35

3.1 A APLICAÇÃO DO NEOCONSTITUCIONALISMO: DIREITO AO

ESQUECIMENTO ......................................................................................................... 35

3.2 A APLICAÇÃO DO NEOCONSTITUCIONALISMO: LEGITIMIDADE DA

INTERRUPÇÃO DA GESTAÇÃO CARACTERIZADA PELA ANENCEFALIA .... 40

3.3 A APLICAÇÃO DO NEOCONSTITUCIONALISMO: UNIÕES

HOMOAFETIVAS ......................................................................................................... 42

CONCLUSÃO ................................................................................................................ 46

REFERÊNCIAS ............................................................................................................. 49

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INTRODUÇÃO

Ao escolher um tema que será objeto de estudos, nem sempre se escolhe

pelo grau de complexidade da matéria, mas sim pela utilidade e contribuição jurídica do

tema, e pautando-se nessa perspectiva, me deparei com o tema “neoconstitucionalismo”

que em primeira mão não parece ser tão atraente, mas diante do que vivenciamos

ultimamente em nossa sociedade, não poderia haver outra escolha senão a escolha do

tema “neoconstitucionalismo”.

Vivenciamos a liberdade da transformação em nossa sociedade em sua

forma clara e notável. As doutrinas, que outrora eram de grande estima entre os

estudiosos, já não são tão desejadas, e de braços dados com as leis, passam por uma

crise existencial.

Hoje pode-se dizer que tudo é novo, é “neo” é “pós”. Pós-modernidade,

Pós-positivismo, Neoconstitucionalismo. Os intérpretes e estudiosos se vêem imersos

no desenrolar deste cenário, operando em meio aos avanços de novos ideais e ideias,

não conseguindo, muitas das vezes, distingui-los e organizá-los, visto a rapidez e

complexidade das relações dos homens dentro de uma sociedade civilizada.

A velocidade das transformações, edições e alterações das leis já não

conseguem acompanhar a rapidez evolutiva da sociedade. As leis não conseguem mais

expressar a eficácia que deveria diante à complexidade das relações sociais. Por isso

acompanhar a mudança do modo de pensar dos indivíduos e adequá-los às leis não é

tarefa fácil.

Urge-se então a necessidade de se criar um remédio que cure as

consequências deixadas pela ineficácia da lei. Surge então o Neoconstitucionalismo.

Este movimento traz a constituição e seus princípios implícitos e explícitos

ao centro de nosso ordenamento jurídico pátrio, transcendendo aos outros ramos do

direito.

Nesse novo sistema os direitos fundamentais ganham grande relevância e

aplicabilidade, nunca vista antes, prescindindo de normatização infraconstitucional para

a sua eficácia. Esse movimento se mostra cristalino em nosso ordenamento jurídico, nas

decisões judiciais bem como em nossa maior corte judiciária, Supremo Tribunal

Federal, principalmente nas decisões de efeito “erga omnes” quando é necessário

ponderar direitos e garantias.

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Pretende-se analisar esta nova percepção constitucional, atravessando o

passado e analisando as fronteiras que estão sendo rompidas à vista dos

questionamentos atuais.

Utilizando-se de exemplos para demonstrar a sua aplicabilidade e os

conflitos, outrora inexistentes, de normas constitucionais, e a carga principiológica que

vem sendo utilizada pelo intérprete para soluções favoráveis ao bom senso e

ponderação.

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CAPÍTULO 1 NOÇÕES GERAIS DO CONSTITUCIONALISMO

1.1 NOÇÕES SOBRE O CONSTITITUCIONALISMO NA EUROPA

“Eu sou a Lei, eu sou o Estado; o Estado sou eu”

Luís XIV

Essa foi a frase proclamada pelo “Rei Sol”, como ficou conhecido um

monarca absolutista da França que teve seu reinado de 1643 a 1715. A frase caracteriza

muito bem a época conhecida como “Absolutismo”, típico regime da idade média.

No Absolutismo, o país era governado e regido basicamente pela vontade

arbitrária e irresponsável de um monarca, pelo que se acreditava, que lhe eram

outorgados poderes divinos de reinar sobre o povo e que suas decisões eram inspiradas

por Deus, e que contrariar a decisão de um Rei seria contrapor-se a vontade de Deus.

Como explica a doutrinadora Flávia Lages de Castro:

A teoria mais utilizada pelos monarcas absolutistas e seus seguidores para

justificar tamanho poder foi dada pelo Bispo Jacques Bossuet, Autor de

“Política Extraída da Sagrada Escritura”. Nessa Obra, afirma que a

autoridade do rei é sagrada, pois emana de Deus. A partir dessa afirmação

popularizou-se a ideia de que o rei é rei porque Deus quis e, se é da Vontade

Divina, não deve haver nenhum tipo de discussão acerca do assunto porque

seria, no mínimo, um pecado. (2011, p. 200).

Essa ideia fez com que os demais homens acreditassem no soberano e

acatassem suas ordens. No entanto, apenas o argumento de que o Rei era um

representante de Deus não seria capaz de fazer com que a massa camponesa se

submetesse as suas ordens por muito tempo.

Os monarcas, por muitos atemorizados, ao perceberem que seus argumentos

não poderiam durar muito tempo buscaram mecanismos para que pudessem controlar e

coagir a população de forma que se submetessem ao governo do monarca. Para isso, se

fez necessário que o nobre governante tivesse sob seu comando homens, cavalos e

armas. Ou seja, um exército completo, para que ficasse à disposição do rei e que

pudesse impor suas ordens a quem quer que fosse.

Para exercer o poder, os séculos posteriores a esse início de centralização

demonstraram que era necessário suprir várias necessidades da formação de

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um Estado. Para a formação deste e seu efetivo controle era preciso obter

uma força de coerção, para tanto fazia-se necessário ter exército próprio e

permanente. (2011, p. 197-198).

Entretanto, sabe-se que nada é de graça. Então, para que o rei pudesse obter

todo seu exército, precisaria de dinheiro, diga-se, muito dinheiro. Por isso, o monarca

começa a tributar os seus súditos, a fim de manter o exército e consequentemente a sua

força coercitiva.

É nesse sentido as palavras de Flávia Lages de Castro:

Logo, primordial se tornou tributar os súditos de forma a conseguir ter um

fluxo de dinheiro suficiente para essa força de coerção e para o pagamento de

uma burocracia, já que, sem ela, ficava impossível tributar. (2011, p. 197-

198).

Paradoxal se torna essa concepção, visto que os camponeses mantinham,

por meio de pagamento de impostos, um exército que, na verdade, não estaria ali para

defendê-los, mas sim, para reprimi-los quando se fizesse necessário, ao bel-prazer do

monarca.

O Absolutismo melhor se configurou na França mais precisamente no

século XVII. Que também nas palavras de Flávia Lages de Castro “A França de Luiz

XIV, que não somente firmou que o Estado era ele como entrou para História com

‘Humilde’ apelido de ‘Rei Sol’, já que tudo girava em torno dele.” (2011, p. 198).

Mas, na verdade, o sistema absolutista, nas palavras do Professor Anderson

Perry:

Essencialmente, o absolutismo era apenas isto: um aparelho de dominação

feudal recolocado e reforçado, destinado a sujeitar as massas camponesas à

sua posição social tradicional (...) ele era a nova carapaça política de uma

nobreza atemorizada. (2014, p. 18)

Até poder-se-ia entabular o presente parágrafo nas primeiras linhas a serem

escritas, pois o que fez com que alguns homens fossem superiores a outros? Quem lhes

outorgou tal maestria sob os demais homens? Seria o próprio Deus? Mas o que de tão

especial possuíam tais homens a ponto de terem o poder de sobrepor sua própria

vontade aos seus semelhantes? Não aquele poder hereditário proveniente de um legado

familiar consanguíneo, e sim aquele poder primário, no qual o homem mal conhecia o

que era Estado ou Organizações. Por qual motivo os homens primitivos acreditaram que

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existam homens superiores a si mesmos? Aqueles que ordenam valem mais do que

aqueles que realizam?

Essa resposta pode ser dada por Rousseau em seu artigo sobre a Origem da

Desigualdade (1754, p. 91), que conseguiu demonstrar com maestria a origem do poder

de uns homens sobre outros. In verbis:

O primeiro que, tendo cercado um terreno, se lembrou de dizer: Isto é meu, e

encontrou pessoas bastante simples para acreditá-lo, foi o verdadeiro

fundador da sociedade civil. Quantos crimes, guerras, assassínios, misérias e

horrores não teriam poupado ao gênero humano aquele que, arrancando as

estacas ou tapando os buracos, tivesse gritado aos seus semelhantes: “Livrai-

vos de escutar esse impostor; estareis perdidos se esquecerdes que os frutos

são de todos, e a terra de ninguém!”. Parece, porém, que as coisas já tinham

chegado ao ponto de não mais poder ficar como estavam: porque essa ideia

de propriedade, dependendo muito de ideias anteriores que só puderam

nascer sucessivamente, não se formou de repente no espírito humano: foi

preciso fazer muitos progressos, adquirir muita indústria e luzes, transmiti-las

e aumentá-las de idade em idade, antes de chegar a esse último termo do

Estado de natureza. (1754, p. 91)

O trecho de Rousseau acima facilmente demonstra como foi a primeira

noção de poder do ser humano, que utilizando-se do que não era seu, para usurpar algo

de quem não tinha quase nada, quiçá, absolutamente nada. Há não ser, é claro, o espírito

de vida dado pelo próprio Deus.

Explica o grande filósofo francês (1754, p. 136) no final de sua obra que:

Os particulares voltam a ser iguais, porque nada são, e os súditos não tendo

outra lei senão a vontade do seu senhor, nem o senhor outra regra senão as

suas paixões, as noções do bem e os princípios da justiça desaparecem de ora

em diante. (1754, p. 136)

Em apertada síntese, buscou-se as linhas “supra”, demonstrar ao leitor de

forma tímida, a noção do absolutismo que deveras forjou o caminho ao longo da

história.

De forma clara se percebe que o sistema absolutista, nutrido simplesmente

pela vontade de uma pequena parcela da sociedade, não duraria muito tempo.

Os sentimentos de esperança intrínsecos nos seres humanos sempre lhes

proporcionavam criatividade para tentar buscar condições melhores de vida. Isso fez

com que a ideia de igualdade entre os seres humanos se fixasse cada vez mais na mente

dos cidadãos. Visto isso, assistiam “de camarote” as regalias franqueadas pela realeza

aos seus pares em jantares com muita fartura, quiçá, desperdícios em gastos absurdos

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com o dinheiro que arrecadava com taxas e impostos, enquanto a maioria sequer obtinha

diariamente o básico para sua sobrevivência.

Nesse diapasão, os pensadores da época (chamados de iluministas)

começaram a se preocupar com coisas que antes se quer era levantado em discussão

entre os cidadãos, por exemplo: Igualdade entre os homens e diante da lei, liberdade,

cidadania, propriedade, tudo em busca de um bem coletivo.

Como se pode notar, as ideias de mudanças e de revolução não sugiram de

uma inspiração imediata, mas sim, de uma construção de ideias e pensamentos que

trariam à luz aquilo que outrora estava encoberto.

Nesse mesmo sentido são as palavras da professora Flávia Lages de Castro

em uma de suas obras: “Esses homens iluministas não criaram suas ideias (muitas delas

brilhantes) do nada. De fato, eles são herdeiros do Renascimento e, principalmente, da

revolução científica do século XVII”. (2011, p. 204).

Em suma, o Estado já não era tido como um “fim em si mesmo”, mas sim

um “meio” para o qual estava direcionado ao benefício dos cidadãos.

Impulsionados por esses pensamentos iluministas, rompe-se com o antigo

regime Absolutista Monárquico para aderir a uma nova proposta, que fora difundida

pelo iluminista Montesquieu, In verbis:

Há, em cada Estado, três espécies de poderes: o poder legislativo, o poder

executivo (...), e o executivo [Judiciário] das que dependem do direito civil.

Pelo primeiro, o príncipe ou magistrado faz leis por certo tempo ou para

sempre e corrige ou abroga as que são feitas. Pelo segundo, faz a paz ou a

guerra, envia ou recebe embaixadas, estabelece a segurança, previne as

invasões. Pelo terceiro, pune os crimes ou julga as querelas dos indivíduos.

Chamaremos este último o poder de julgar e, o outro, simplesmente, o poder

executivo do Estado. [...] Quando na mesma pessoa ou no mesmo corpo de

magistratura o poder Legislativo está reunido ao poder Executivo, não existe

liberdade, pois pode-se temer que o mesmo monarca ou o mesmo senado

apenas estabeleçam leis tirânicas para executá-las tiranicamente. Não haverá

também liberdade se o poder de julgar não estiver separados do poder

legislativos e do executivo. Se estiver ligado ao poder Legislativo, o poder

sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria arbitrário, pois o juiz seria

legislador. Se estivesse ligado ao poder Executivo, o juiz poderia ter a força

de um opressor. (2000, p. 205-206.).

Com a morte de Luiz XIV, sucede o trono Luiz XV (1715-1774) e em 10 de

maio de 1774 foi proclamado rei da França Luis XVI.

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No lapso temporal de seu reinado acontece os primeiros lampejos da

Revolução Francesa impulsionada pelos pensamentos iluministas e consequentemente

o fim do absolutismo.

Com o início da Revolução Francesa, marcada principalmente pela queda da

Bastilha em 14 de julho de 1789 - uma fortaleza parisiense que fora usada nos séculos

XVII e XVIII como prisão – rompeu-se com o sistema absolutista e, inspirado pelas

ideias do iluminismo, migrou-se para o “Estado Constitucional”.

Nas preciosas palavras do Mestre Thiago Baldani Gomes de Fillipo, “com a

ascensão da burguesia, que culminou com a queda da Bastilha (14.07.1789), o Estado

Absoluto foi substituído pelo Estado Constitucional, deflagrando-se o

constitucionalismo.” (2010, p. 13).

O Constitucionalismo que, diga-se de passagem, foram vários, ainda que em

passos deslizantes começa a retirar da mão de uma só pessoa o poder de gerir o Estado,

conforme lhe aprouver, e começa a dar-lhe limitações por meio de uma constituição que

trazia em si os direitos fundamentais, sociais e os vinculava à atuação do Estado para

que promovesse o bem da coletividade, embasando-se, principalmente, nos direitos

fundamentais, como por exemplo, “principio da igualdade”.

O constitucionalismo liberal foi marcado pelo individualismo, proteção da

propriedade privada, separação dos poderes, contenção do aparato estatal e

valorização dos direitos humanos de primeira geração, sem alimentar,

contudo, nenhuma pretensão em operar grandes transformações sociais. (...)

Constituições dirigentes ou programáticas, que assimilaram direitos sociais e

incorporaram programas de atuação governamental, compelindo o Estado a

promover o bem-estar coletivo e a concretizar no plano material o princípio

da igualdade. (PUCCINELLI JÚNIOR, 2012, p. 25)

Finaliza-se, portanto, com o sistema absolutista, ingressando em um novo

movimento de limitação do poder e valorização dos direitos e garantias estampadas no

seio de uma constituição.

1.2 O CONSTITUCIONALISMO NORTE-AMERICANO

O trecho de uma entrevista com um combatente da Guerra de

Independência, citado por Flávia Lages de Castro, demonstra de forma clara a noção de

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“revolução” que havia na mente de cada combatente que antecedeu a Revolução

Americana.

- Enfim, que houve? Qual foi a sua ideia quando decidiu lutar?

- Jovem, a nossa ideia quando nos lançamos contra esses casacas-vermelhas

era que nos governávamos a nós próprios e sempre achamos isso. Eles

achavam que não tínhamos esse direito. (CASTRO. 2011, p. 228)

Um Estado formado por uma metrópole e suas colônias, onde estas serviam

para trazer lucros à metrópole, o que não duraria muito tempo. Algo teria que acontecer.

E de fato, aconteceu. Deflagra-se, então, a revolução norte-americana.

O rompimento dos laços coloniais efetuados pela Independência dos Estados

Unidos da América do Norte foi um marco para todo o ocidente. Essa

Ruptura marcaria profundamente o processo de fim do antigo Regime. (...) A

formação do Estado norte-americano pode ser vista como diferenciada desde

os primórdios da colonização das 13 colônias (maneira que era chamada a

colônia inglesa na América). Mas não devemos considerar que essa

diferença residia no fato de que a Inglaterra desejava fazer uma “colônia de

povoamento” em oposição aos outros Estados colonizadores europeus que

faziam “colônias de exploração”. Toda colônia existia, por definição, para dar

lucros à metrópole, independentemente da maneira que esse lucro se

realizaria. O ideal era que a colônia tivesse como produzir mercadoria

complementares às mercadorias produzidas pela metrópole, assim ela poderia

comprar da metrópole e vender para esta dentro do Pacto colonial, que

obrigava a colônia a somente comercializar com sua metrópole,

potencializando lucros. (CASTRO, 2011, p. 223)

Entretanto, a última função a ser desempenhada pela colônia seria competir

com a própria metrópole, e fora isso que ocorrera a partir do século XVIII, onde o

comércio das 13 colônias se fortalece.

A partir do século XVIII, o comércio das 13 colônias chegou a tal ponto que

passou a concorrer com o comércio inglês e, indubitavelmente, era o último

papel reservado a uma colônia. (CASTRO, 2011, p. 225)

Por isso, a metrópole, utilizando-se de mecanismos de retaliação, fez com

que a colônia retornasse ao seu status quo, ou seja, deveria continuar a ser apenas uma

fonte de recursos para a metrópole. Começa-se, então, a tributar os produtos produzidos

pelas colônias e além do mais, a Inglaterra havia saído de uma guerra com a França,

conhecida como Guerra dos Sete Anos, que durou de 1756 a 1763, a qual mesmo saindo

vitoriosa, teve enormes gastos com a guerra e então nada seria mais óbvio do que

usurpar ainda mais das colônias para suprir tal déficit orçamentário.

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18

Essa concorrência gerou atritos que engendraram uma necessidade, na

metrópole, de colocar a colônia no seu devido lugar, ou seja, como economia

subordinada, com vistas a dar lucros à metrópole. Além desses atritos, a

Inglaterra havia saído de uma guerra com a França (a Guerra dos Sente Anos

– 1756/1763) e, embora vitoriosa, teve enormes gastos com a campanha

militar e desejava que a colônia contribuísse para cobrir esse problema

orçamentário. Taxas foram aumentadas como a do açúcar (sugar Act de

1764) e a do selo (Stamp Act de 1765 – que exigia que todos os documentos

fossem selados bem como jornais, baralhos etc. A renda obtida no pagamento

desses selos iria para o governo inglês). Essas medidas, além de visarem

cobrir despesas, eram também uma forma de retaliação contra os colonos

que, na guerra dos Sete Anos, ajudaram os Franceses”. (CASTRO, 2011, p.

225)

Feito isso, instalou-se um clima de tensão entre os ingleses e os colonos, que

como resposta imediata a essa retaliação se reuniram e decidiram “boicotar o comércio

inglês” e em tentativas frustradas a Inglaterra viu escapar pelos dedos o poder sobre as

colônias.

Instalado o caos político em 4 de julho de 1776, promulga-se a Declaração

de Independência dos Estados Unidos. E então o que fazer para defendê-la? Como dar

total efetividade a Declaração de Independência dos Estados Unidos?

Necessariamente, urge-se a criação da Constituição dos Estados Unidos da

América que fora promulgada em 1787.

Tem-se, portanto, a deflagração do termo “constitucionalismo” na América,

com a sua primeira constituição escrita, tendo como características um texto codificado,

rígido e sintético.

De acordo com o Professor José Luiz Quadros de Magalhães em seu artigo:

De forma diferente do constitucionalismo inglês, nos Estados Unidos houve

um poder constituinte originário que produziu em 1787 um texto codificado,

rígido e sintético com aspecto essencialmente principiológico e inicialmente

político, incorporando a declaração de direitos individuais fundamentais a

partir da dez emendas que constituíram o Bill of Rights. O constitucionalismo

estadunidense criou o sistema de governo presidencial, o federalismo, o

controle difuso de constitucionalidade, mecanismo sofisticados de freios e

contrapesos e uma Suprema Corte que protege a Constituição, sendo sua

composição uma expressão do sistema controle entre os poderes separados.

(2004)

A partir daí, busca-se a limitação do poder e garantia de direitos dos

cidadãos americanos, visto que, de acordo com a referida Constituição, TODOS OS

HOMENS NASCEM LIVRES E IGUAIS EM DIREITO.

Evidencia-se nos dizeres acima que o fato de se criar uma constituição

escrita seria evidentemente a busca da igualdade entre os cidadãos, em que o Estado não

Page 19: Neoconstitucionalismo - Os efeitos do neoconstitucionalismo nos direitos fundamentais

19

seria mais um fim em si mesmo, mas um meio capaz de buscar o bem estar de toda uma

coletividade.

O constitucionalismo norte americano muito contribuiu para que

desencadeasse, em diversos países, a necessidade de rompimento com o Antigo

Regime, buscando-se uma nova perspectiva acerca da interpretação das regras e

princípios.

Nesse sentido leciona o Professor José Luiz Quadros de Guimarães:

A história constitucional norte-americana reforça a ideia de uma Constituição

dinâmica, viva, que se reconstrói diariamente diante da complexidade das

sociedades contemporâneas. Uma Constituição presente em cada momento

da vida. Uma Constituição que é interpretação e não texto. A experiência

norte-americana nos revela uma nova dimensão da jurisdição constitucional,

presente em toda a manifestação do Direito. É tarefa do agente do Direito,

nas suas mais diversas funções, dizer a Constituição no caso concreto e

promover leituras constitucionalmente adequadas de todas as normas e fatos.

A vida é interpretação, não há texto que não seja interpretado. A

interpretação do mundo, dos fatos, das normas é inafastável. (2004)

Portanto, se conclui que o constitucionalismo norte-americano muito

contribuiu para a solidificação desta nova concepção em todo o mundo, transcendendo

as suas conseqüências por toda a America, concretizando, assim, os avanços almejados

por toda uma geração de homens, que permanece até hoje.

Page 20: Neoconstitucionalismo - Os efeitos do neoconstitucionalismo nos direitos fundamentais

20

CAPÍTULO 2 VIAGENS DO CONSTITUCIONALISMO AO

NEOCONSTITUCIONALISMO

2.1 CONSTITUCIONALISMO MODERNO

Das amarras da história antiga, tem-se o ponto de partida do

Constitucionalismo, donde a sua ideia central poderia ser considerado como o

movimento jurídico e político no intuito de se limitar o poder do Estado através da

criação de uma constituição.

A criação de uma constituição parecia ser a única saída, haja vista que com

a queda do sistema monárquico em que o soberano ou o rei, independentemente se certo

ou não, praticavam seus atos de governo guiados apenas pelo seu bel prazer, onde nada

nem ninguém os impedia. Eles eram totalmente “irresponsáveis” pelos seus atos e suas

atitudes eram vistas como “inspiradas por Deus”. Acreditava-se, ainda, que o soberano

fosse representante de Deus aqui na terra.

Por isso, lançaram mão desse novo sistema de governo inspirado pelas

ideias da Revolução Francesa, no qual uma Lei Maior limitaria o poder estatal e regeria

todos os seus atos, creditando aos cidadãos Direitos e Garantias outrora inexistentes.

Todavia, há quem acredita que constitucionalismo ocorrera muito antes da

própria Revolução Francesa, mais precisamente, na época do povo hebreu1.

Segundo Dirley da Cunha Júnior a criação ou surgimento do

constitucionalismo ocorreu na Antiguidade Clássica. E, utilizando-se das palavras de

Karl Loewenstein2, infere-se melhor acerca da origem do constitucionalismo.

A origem do constitucionalismo remonta à antiguidade Clássica, mais

especificamente, segunda Karl Loewensteins, ao povo hebreu, de onde

partiram as primeiras manifestações deste movimento constitucional em

busca de uma organização política da comunidade fundada na limitação do

poder absoluto. De fato, explica loewenstein que o regime teocrático dos

hebreus se caracterizou fundamentalmente a partida da ideia de que o

detentor do poder, longe de ostentar um poder absoluto e arbitrário, estava

1 O doutrinador Dirley da Cunha Júnior cita Karl Loewenstein se referindo a sua obra:

Teoria de La Constitución, na qual atribui ao povo hebreu as primeiras manifestações do

constitucionalismo.

2 Um filósofo nascido na Alemanha. Um dos pensadores mais significativos para o

Constitucionalismo.

Page 21: Neoconstitucionalismo - Os efeitos do neoconstitucionalismo nos direitos fundamentais

21

limitado pela lei do senhor, que submetia igualmente os governantes e

governadores, radicando aí o modelo de constituição material daquele povo.

(2011, p. 33)

Daí se percebe que a Lei maior, a Constituição, que regia toda a sociedade

era a Lei do Senhor. É no mínimo curioso analisar que retrocedemos, visto que se na

época do povo hebreu (A.C.) já existia uma lei maior – uma constituição – que limitava

e vinculava os governantes e governados. No período mais recente (D.C.) volta-se ao

modelo monárquico e se exclui qualquer responsabilidade da pessoa do soberano e nada

nem ninguém faz juízo de seus atos. Daí percebe-se que este modelo de sociedade não

deveria prevalecer, então, voltamos a dar efetividade e importância a uma constituição.

Entretanto, não se dedicará ao delineamento de todo o rastro histórico do

constitucionalismo, mesmo porque não é este o objetivo do presente trabalho, mas

importante se faz explanar as suas características mais marcantes, onde o núcleo de

essência do constitucionalismo está na valorização da constituição escrita, que por meio

dela pode-se limitar e controlar o poder do Estado bem como a inserção de ideias

libertárias e direitos e garantias aos homens.

Importante ressaltar que o constitucionalismo não se preocupava somente

com a elaboração da constituição, pois nos dizeres do próprio doutrinador Dirley:

não pregava o constitucionalismo, advirta-se, a elaboração de constituições,

até porque, onde havia uma sociedade politicamente organizada já existia

uma Constituição fixando-lhe os fundamentos de sua organização. Isso

porque, em qualquer época e em qualquer lugar do mundo, havendo Estado,

sempre houve e sempre haverá um complexo de normas fundamentais que

dizem respeito com a sua estrutura, organização e atividade.” (2011, p. 33)

O autor conclui, revelando o núcleo e o motivo do surgimento do

constitucionalismo:

O constitucionalismo se despontou no mundo como um movimento político e

filosófico inspirado por ideias libertárias que reivindicou, desde seus

primeiros passos, um modelo de organização política lastreada no respeito

dos direitos dos governados e na limitação do poder dos governantes (2011,

p. 33)

Dito isto, acrescentamos que, historicamente, a “explosão” do

constitucionalismo, inspirado pelas ideias dos iluministas, irradiou os seus efeitos para

todo o mundo pela concepção da Constituição Norte-Americana de 1787 e pela

Page 22: Neoconstitucionalismo - Os efeitos do neoconstitucionalismo nos direitos fundamentais

22

Constituição Francesa de 1791. As ideias iluministas da época reforçaram ainda mais a

criação e consolidação do movimento constitucionalista.

Como bem leciona Dirley:

Após a Magna Carta inglesa o constitucionalismo deslanche em direção à

modernidade, ganhando novos contornos. A partir daí são elaborados

importantes documentos constitucionais (Petition of Rights, de 1628);

Habeas Corpus Act, de 1679; Bill of Rights, de 1689, etc.), todos com vistas

a realizar o discurso do movimento constitucionalista da época. No século

XVIII, o constitucionalismo ganha significativo reforço com as ideias

iluministas que serviram de combustível para as revoluções liberais (2011, p.

7 e 8)

E conclui os dizeres sobre o Constitucionalismo dizendo:

Enfim, o constitucionalismo moderno legitimou o aparecimento da chamada

constituição moderna, entendida como “a ordenação sistemática e racional da

comunidade política através de um documento escrito no qual se declaram as

liberdade e os direitos e se fixam os limites do poder políticos [...] O

constitucionalismo moderno, portanto, deve ser visto como uma aspiração a

uma Constituição escrita, que assegurasse a separação de Poderes e os

direitos fundamentais, como modo de se opor ao poder absoluto, próprio das

primeiras formas de Estado. Não é por acaso que as primeiras Constituições

do mundo tratam de oferecer resposta ao esquema do poder absoluto do

monarca, submetendo-o ao controle do parlamento. (2011, p. 8 e 9)

Neste processo de “reconstitucionalização” (diz-se isto pelo motivo da

humanidade já ter experimentado os sabores do constitucionalismo na época do povo

hebreu, como bem se descreveu acima), buscou-se a aproximação da lei e da moral, do

direito e da filosofia, em virtude do fracasso Liberalismo e posteriormente do

positivismo, associados ao Fascismo ocorrido na Itália e do genocídio praticado pelo

Nazismo na Alemanha.

Essa aproximação poder-se-á considerá-la como uma das mudanças que

ocorreram na antiga forma de se interpretar a constituição, quando não se acha toda a

solução na norma escrita e que, invariavelmente, o que ocorre com bastante frequência.

Nesta mesma senda, o doutrinador e Ministro do STF Luis Roberto Barroso

elencou algumas mudanças que acabaram por embalar a interpretação constitucional

tradicional, tema que será esmiuçado nas próximas páginas.

Permitir-nos-emos reservar o direito, nas linhas que se seguem, de elencar

ideias de alguns autores sobre o constitucionalismo sob a justificativa de aprimoramento

Page 23: Neoconstitucionalismo - Os efeitos do neoconstitucionalismo nos direitos fundamentais

23

de conhecimentos e até mesmo o sentimento de curiosidade que, provavelmente,

rodeará os leitores.

Para o doutrinador Pedro Lenza, o movimento denominado como

constitucionalismo, no que tange ao seu momento histórico, se deu na antiguidade, onde

os documentos e as características marcantes são a “Lei do Senhor” do povo hebreu.

Na idade Média, temos este marco com a Magna Carta de 1215. Na idade

Moderna temos os “pactos e forais ou cartas de franquias (exemplos: Petition of Rights

de 1628; Habeas Corpus Act de 1679; Bill of Rights de 1689; Act of Settlement de

1701).

E já, no Constitucionalismo Moderno, temos a Constituição Norte-

Americana de 1787 e a Constituição Francesa de 1791.

O Mestre conclui dizendo que “o constitucionalismo moderno representará

uma técnica específica de limitação do poder com fins garantísticos” e ainda se utiliza

das palavras de Kildare Gonçalves Carvalho “em termo jurídico, reporta-se a um

sistema normativo, enfeixado na constituição, e que se encontra acima dos detentores do

poder.” Acrescenta ainda uma perspectiva sociológica do Constitucionalismo:

“Representa um movimento social que dá sustentação à limitação do poder,

inviabilizando que os governantes possam fazer prevalecer seus interesses e regras na

condução do Estado.” (2013, p. 58)

Não se poderia traçar palavras sobre constitucionalismo sem mencionar as

palavras do Professor Jorge Miranda, o qual leciona:

“O Constitucionalismo – que não pode ser compreendido senão integrado

com as grandes correntes filosóficas, ideológicas e sociais dos séculos XVIII

e XIX – traduz exactamente certa ideia de Direito, a ideia de Direito liberal.”

(2000, p. 17)

Ainda acrescenta palavras sobre a importância da divisão dos poderes

suscitada por Montesquieu em sua obra “Do Espírito das Leis”:

Em vez de os indivíduos estarem à mercê do soberano, eles agora possuem

direitos contra ele, imprescritíveis e invioláveis. Em vez de um órgão único,

o Rei, passa a haver outros órgãos, tais como Assembleia ou Parlamento,

Ministros e Tribunais independentes – para que, como preconiza

Montesquieu, o poder limite o poder. Daí a necessidade duma Constituição

desenvolvida e complexa: pois quando o poder é mero atributo do Rei e os

indivíduos não são cidadãos, mas sim súbditos, não há grande necessidade de

estabelecer um pormenor regras do poder; mas, quando o poder é

decomposto em várias funções apelidadas de poderes do Estado, então é

Page 24: Neoconstitucionalismo - Os efeitos do neoconstitucionalismo nos direitos fundamentais

24

mister estabelecer certas regras para dizer quais são os órgãos a que

competem essas funções, quais são as relações entre esses órgãos, qual o

regime dos titulares dos órgãos, etc.” (2000, p.17)

E finaliza sua contribuição delineando sobre a importância de uma

constituição, na qual a maioria dos doutrinadores concorda ser um meio de limitar o

poder do Estado e salvaguardar direitos e garantias dos indivíduos:

“A ideia de Constituição é de uma garantia e, ainda mais, de uma direcção da

garantia. Para o constitucionalismo, o fim está na protecção que se conquista

em favor dos indivíduos, dos homens cidadãos, e a Constituição não passa de

um meio para o atingir. O Estado Constitucional é o que entrega à

Constituição o prosseguir a salvaguardar da liberdade e dos direitos dos

cidadãos, depositando as virtualidades de melhoramento na observância dos

seus preceitos, por ela ser a primeira garantia desses direitos.” (2000, p. 18)

Desarrazoado seria se se terminasse estas delineações sobre o

constitucionalismo sem mencionarmos as palavras do Ministro Luis Roberto Barroso

em seu livro INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO.

O constitucionalismo chega vitorioso ao início do milênio, consagrado pelas

revoluções liberais e após haver disputado com inúmeras outras propostas

alternativas de construção de uma sociedade justa e de um Estado

democrático. (2009, p. 312)

Esclarece sobre os motivos do sucesso do constitucionalismo moderno:

A razão de seu sucesso está em ter conseguido oferecer ou, ao menos, incluir

no imaginário das pessoas: (i) legitimidade – soberania popular na formação

da vontade nacional, por meio do poder constituinte; (ii) limitação do poder –

repartição de competências, processos adequados de tomada de decisão,

respeitos aos direitos individuais, inclusive das minorias; (iii) valores –

incorporação à Constituição material das conquistas sociais, políticas e éticas

acumuladas no patrimônio da humanidade (2009, p. 312 e 313)

E conclui seus dizeres de forma a demonstrar as consequências positivas

que se tem com o Constitucionalismo moderno:

O constitucionalismo promove, assim, uma volta aos valores, uma

reaproximação entre ética e Direito. Para poderem beneficiar-se do amplo

instrumento do Direito, migrando da filosofia para o mundo jurídico, esses

valores compartilhados por toda a comunidade, em dado momento e lugar,

materializam-se em princípios, que passa a estar abrigados na Constituição,

explicita ou implicitamente. (2009, p. 328)

Page 25: Neoconstitucionalismo - Os efeitos do neoconstitucionalismo nos direitos fundamentais

25

Destarte, percebe-se que o estado em que se encontra nação brasileira, ainda

que prematuramente, deve ser celebrado, haja vista recebermos de herança das gerações

passadas um Estado Democrático de Direito, e não somente um Estado de Direito.

Entretanto, importante se ressaltar que os reflexos do Constitucionalismo só

se deram no Brasil com a promulgação da Constituição de 1988, quebrando-se com o

antigo sistema autoritário militar e presenteando o Brasil com um período de

estabilidade jurídica nunca vista antes, como bem reforça Luis Roberto Barroso:

No caso brasileiro, o renascimento do direito constitucional se deu,

igualmente, no ambiente de reconstitucionalização do país, por ocasião da

discussão prévia, convocação, elaboração e promulgação da Constituição de

1988. Sem embargo de vicissitudes de maior ou menor gravidade no seu

texto, e da compulsão com que tem sido emendada ao longo dos anos, a

Constituição foi capaz de promover, de maneira bem sucedida, a travessia do

Estado brasileiro de um regime autoritário, intolerante e, por vezes, violento

para um Estado democrático de direito. Mais que isso: a Carta de 1988 tem

propiciado o mais longo período de estabilidade institucional da história

republicana do país. E não foram tempos banais. Ao longo da sua vigência,

destituiu-se por impeachment um Presidente da República, houve um grave

escândalo envolvendo a Comissão de Orçamento da Câmara dos Deputados,

foram afastados Senadores importantes no esquema de poder da República,

foi eleito um Presidente de oposição e do Partido dos Trabalhadores,

surgiram denúncias estridentes envolvendo esquemas de financiamento

eleitoral e de vantagens para parlamentares, em meio a outros episódios. Em

nenhum desses eventos houve a cogitação de qualquer solução que não fosse

o respeito à legalidade constitucional. Nessa matéria, percorremos em pouco

tempo todos os ciclos do atraso. (2013, p. 4)

O sentimento de mudanças e melhoras insculpido nos homens não foi capaz

de se contentar somente com o que o Constitucionalismo poderia oferecer-lhes.

A efetividade das normas programáticas e a simples execução de direitos

entabulados na constituição não se tornaram o bastante. Queríamos mais!

Constatou-se, então, a necessidade de um movimento que conseguisse

extrair da constituição escrita tudo aquilo que ela pudesse oferecer aos cidadãos. A

antiga política de “pão e circo” já não mais sustentava o estômago daqueles que tinham

fome por direitos de liberdade, da igualdade, da livre expressão e tantos outros

explícitos e implícitos na Constituição.

Assim foi a frase utilizada pela banda Titãs3 em uma de suas canções: “A

gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte”.

3 Banda de rock brasileira, tendo como nome inicial “Titãs do iê-iê”, e posteriormente

conhecida como “Titãs”.

Page 26: Neoconstitucionalismo - Os efeitos do neoconstitucionalismo nos direitos fundamentais

26

Essa frase expressa muito bem a necessidade de melhoras que a sociedade

sempre buscou. Já não se quer somente o suficiente para se sobreviver, busca-se

“VIVER” de forma digna, embasado pelo princípio da dignidade da pessoa humana.

Portanto, um sistema de interpretação de normas no qual se enquadra o caso

concreto na norma já não é mais suficiente, pois a sociedade se desenvolve e a lei, por si

só, não consegue prever todas as possibilidades existentes de controvérsias na

sociedade.

A interpretação constitucional tradicional já não mais era suficiente para

suprir os anseios desta sociedade, pois é uma modalidade de interpretação jurídica em

que a norma deveria trazer no seu relato abstrato, a solução favorável e esperada para os

problemas jurídicos.

Neste modelo, os fatos existiam para serem enquadrados à norma,

permitindo o silogismo que, outrora, resolveria os problemas sociais. Por isso, nesse

ambiente, a solução dos problemas jurídicos não se encontra integralmente na norma.

Então, surge uma nova concepção intitulada como

“Neoconstitucionalismo”.

2.2 NEOCONSTITUCIONALISMO – UMA VISÃO RECENTE E EFICAZ

Consegue-se, nas palavras do Advogado e professor André Puccinelli

Júnior, conceituar o neoconstitucionalismo.

O neoconstitucionalismo, nasceu assim com a missão de edificar um Estado

Constitucional de Direito ou, para alguns, um Estado Democrático e Social

de Direito, que seja tributário da justiça distributiva e favoreça a positivação

e concretização de Direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais,

contemple o modelo normativo axiológico, absorva uma nova postura

hermenêutica voltada à legitimação das aspirações sociais e reconheça a força

normativa da Constituição, dando vazão à supremacia, imperatividade e

efetividade de suas normas. (2012, p. 27)

Acredita-se que o neoconstitucionalismo é bastante diverso no que tange aos

seus defensores. Nesse sentido, Daniel Sarmento diz “ser composto por positivistas e

não-positivistas, defensores da necessidade do uso do método na aplicação do Direito e

ferrenhos opositores do emprego de qualquer metodologia na hermenêutica jurídica,

adeptos do liberalismo político, comunitaristas e procedimentalistas” (2013, p.3).

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27

O “neoconstitucionalismo” é um assunto recente para os juristas brasileiros,

visto que seus reflexos só repercutiram em nossa Constituição de 1988 e este conceito já

fora formulado, sobretudo na Itália e Espanha, respectivamente em 1947 e 1978.

Para o doutrinador Pedro Lenza, Neoconstitucionalismo busca não apenas

atrelar o constitucionalismo a ideia de limitação do poder político, mas, acima de tudo, a

eficácia da constituição, deixando o texto de ter um caráter meramente retórico,

passando a ser mais efetivo na concretização dos direitos fundamentais. (Lenza, 2011, p.

59)

Elencando ainda que “a partir do momento em que os valores são

constitucionalizados, o grande desafio do neoconstitucionalismo passa a ser encontrar

mecanismos para sua efetiva concretização” (2011, p. 61).

Por isso, podemos dizer que, no sistema do “neoconstitucionalismo”, os

direitos já entabulados na Constituição Federal de 1988 vêm carregados de um conteúdo

axiológico devendo (ao menos em tese) ter uma aplicação imediata.

Entretanto, não é o que se percebe na prática, pois a nação brasileira

caminha em passos lentos para trazer a realidade de seus cidadãos esses direitos já

adquiridos ao longo de nossa “democratização”. Posto que a supremacia e efetividade

de nossa constituição não surge com sua simples promulgação.

Neste sentido o brilhante ministro Gilmar Mendes relata:

O valor normativo supremo da Constituição não surge, bem se vê, de pronto,

como uma verdade autoevidente, mas é resultado de reflexões propiciadas

pelo desenvolvimento da História e pelo empenho em aperfeiçoar os meios

de controle do poder, em prol do aprimoramento dos suportes da convivência

social e política. Hoje, é possível falar em um momento de

constitucionalismo que se caracteriza pela superação da supremacia do

Parlamento. O instante atual é marcado pela superioridade da Constituição, a

que se subordinam todos os poderes por ela constituídos, garantida por

mecanismos jurisdicionais de controle de constitucionalidade (2011, p. 61).

Um compilado de ideias de KONRAD HESSE, intitulado como “DIE

NORMATIVE KRAFT DER VERFASSUNG” e traduzido pelo ministro Gilmar

Ferreira Mendes como “A FORÇA NORMATIVA DA CONSTITUIÇÃO”, faz uma

importante revelação sobre a força normativa de uma constituição:

Em 16 de abril de 1862, Ferdinand Lassalle proferiu, numa associação

liberal-progressita de Berlim, sua conferência sobre a essência da

constituição (Uber das Verfassungswesen). Segundo sua tese fundamenta,

questões constitucionais não são questões jurídica, mas sim questões

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28

políticas. É que a Constituição de uma país expressa as relações de poder nele

dominantes: o poder militar, representado pelas Forças Armadas, o poder

social, representado pelos latifundiários, o poder econômico, representado

pela grande indústria e pelo grande capital, e, finalmente, ainda que não se

equipare ao significado dos demais, o poder intelectual, representado pela

consciência e pela cultura gerais. As relações fáticas resultantes da

conjugação desses fatores constituem a força ativa determinante das leis e das

instituições da sociedade, fazendo com que estas expressem, tão-somente, a

correlação de forças que resulta dos fatores reais de poder; esses fatores reais

do poder formam a Constituição real do país. Esse documento chamado

Constituição – a Constituição jurídica – não passa, nas palavras de Lassale,

de uma pedaço de papel. (2002, p. 45)

Com essas palavras acima elencadas, poderíamos chegar a refletir, e, com

facilidade, poderíamos perceber que ainda estamos em um processo lento de

reconhecimento de força normativa da constituição no sentido de concretizar direitos e

garantias fundamentais a todos os cidadãos, por conta da divisão social e cultural destes

próprios cidadãos. Separando-se aquilo que é moral daquilo que é legal, posto que

buscam simplesmente interesses pessoais e grupais em detrimento de um

desenvolvimento justo e igualitário para todos.

Acrescenta ainda que:

Assim, o Direito Constitucional não estaria a serviço de uma ordem estatal

justa, cumprindo-lhe tão-mente a miserável função – indigna de qualquer

ciência – de justificar as relações de poder dominantes. Se a Ciência da

Constituição adota essa tese e passa a admitir a Constituição real como

decisiva, tem-se a sua descaracterização como ciência normativa, operando-

se a sua conversão numa simples ciência do ser. (2002, p. 47)

Por isso, a normatividade da Constituição deve ser pautada em uma força

própria, motivadora e ordenadora da vida do Estado buscando sempre o entrelaçamento

da norma posta com a moral e a justiça, bem como demais ciências capazes de moldar a

constituição a uma real garantia de direitos dos cidadãos.

Portanto, a resposta para os problemas não se encontram exclusivamente na

norma posta e entabulada, devendo-se jungir a norma aos princípios jurídicos e a outros

conceitos e até mesmo a outras ciências.

O Ministro Luiz Roberto Barroso, em seu livro “O NOVO DIREITO

CONSTITUCIONAL BRASILEIRO”, oferece sua contribuição ao dizer:

Nesse ambiente em que a solução dos problemas jurídicos não se encontra

integralmente na norma jurídica, surge uma cultura jurídica pós-positivista.

De fato, se a resposta para os problemas não pode ser encontrada de maneira

completa no comando que esse encontra na legislação, é preciso procurá-la

Page 29: Neoconstitucionalismo - Os efeitos do neoconstitucionalismo nos direitos fundamentais

29

em outro lugar. E, assim, supera-se a separação profunda que o positivismo

jurídico havia imposto entre o Direito e a Moral, entre o Direito e outros

domínios do conhecimento. Para achar a resposta que a norma não fornece, o

Direito precisa se aproximar da filosofia moral – em busca da justiça e de

outro valores -, da filosofia política – em busca de legitimidade democrática e

da realização de fins públicos que promovam o bem comum e, de certa

forma, também das ciências sociais aplicadas, como economia, psicologia e

sociologia. O pós-positivismo não retira a importância da lei, mas parte do

pressuposto de que o Direito não cabe integralmente na norma jurídica e,

mais que isso, que a justiça pode estar além dela. (2013, p. 64)

Interligando-se a interpretação jurídica à outras ciências de estudo, poder-

se-ia desencadear uma gama tão complexa de interpretações de soluções que ao fim não

resultariam em nada, senão em inúmeras posições e justificativas que no fim não

levariam a nenhuma solução concreta, por este motivo, deve-se realizar toda e qualquer

interpretação jurídica tendo como trilhos norteadores a Constituição, seus valores e

princípios.

Em dias anteriores a aceitação da concepção neoconstitucionalista não se

dava a devida importância aos fundamentos principiológicos, que, por sua vez, se

mostram cada vez mais atuantes no ordenamento jurídico pátrio. E é nessa esteira que

floresceu no ordenamento jurídico brasileiro a necessidade de se enxergar o direito de

uma nova ótica em especial da Constituição Federal.

Uma ótica que se utiliza das lentes chamadas “neoconstitucionalismo” que,

por sua vez difere do constitucionalismo, do qual se tinha como alicerce a limitação ao

poder autoritário, e, no neoconstitucionalismo ou constitucionalismo pós-moderno, ou,

ainda, pós-positivismo, tem como pilares essenciais a concretização das regras e

prevalência dos direitos fundamentais, bem como a normatividade dos princípios,

entabulados ou não na constituição.

Diz-se entabulados ou não pelo fato de que se um direito fundamental ou

um princípio, não estiver descrito de forma explícita na norma constitucional, ainda

assim, este deverá ser concretizado a favor dos cidadãos.

Nessa mesma senda, o doutrinador Kildare Gonçalves apud Pedro Lenza,

diz: “O caráter ideológico do constitucionalismo moderno era apenas o de limitar o

poder, o caráter ideológico do neoconstitucionalismo é o de concretizar os direitos

fundamentais”. (2011. p. 59)

Com o fracasso da concepção puramente “Constitucional”, posto que ela

limitava-se tão somente a estabelecer normas sobre a organização do Estado e limitação

do poder, urgiu-se a necessidade desta nova concepção neoconstitucional, relacionando

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30

a norma ao Direito. Isso se deve por conta dos acontecimentos que abismaram toda a

humanidade, fruto da maior barbárie de todos os tempos, com o genocídio cometido

pelo Governo Socialista Alemão o que resultou em um holocausto que exterminou

milhões de judeus. Uma luz então se ascendeu! Não basta estar legalizado. Além de ser

legal, tem de ser moral.

Nestes mesmos trilhos caminha o Doutrinador Dirley da Cunha Júnior:

Um novo pensamento constitucional voltado a reconhecer a supremacia

material e axiológica da Constituição, cujo conteúdo, dotado de força

normativa e expansiva, passou a condicionar a validade e a compreensão de

todo o Direito e a estabelecer deveres de atuação para os órgãos de direção

política. Esse pensamento, que recebeu a sugestiva denominação de

neoconstitucionalismo, proporcionou o florescimento de um novo paradigma

jurídico: o Estado Constitucional de Direito. Isso se deveu notadamente em

razão do fracasso do Estado Legislativo de Direito, no âmbito do qual o

mundo, pasmado, testemunhou uma das maiores barbáries de todos os

tempos, com o genocídio cometido pelo governo nacional socialista alemão

provocando o holocausto que exterminou milhões de judeus, pelos nazistas,

entre 1939 e 1945, nos países ocupados pelas tropas do Reich Hitlerista. Com

efeito, até a Segunda Grande Guerra Mundial, a teoria jurídica vivia sob a

influência do Estado Legislativo de Direito, onde a Lei e o Princípio da

Legalidade eram as únicas fontes de legitimação do Direito, na medida em

que uma norma jurídica era válida não por ser justa, mas sim, exclusivamente

por haver sido posta por uma autoridade dotada de competência normativa.

(2011, p. 46)

Por isso, para os já citados doutrinadores, o neoconstitucionalismo, antes de

tudo, está para o fim de garantir aos cidadãos de que a constituição pátria seja

reconhecida tanto no aspecto material quanto axiológico, visando à valorização da

dignidade da pessoa humana e da promoção dos direitos fundamentais e sociais dos

cidadãos, enaltecendo, ainda, o reconhecimento de força normativa dos princípios.

A ideia de se concretizar direitos fundamentais do homem não é mero

pressuposto da norma escrita, visto que a legislação, por mais completa que seja, nunca

conseguirá abarcar todos os anseios da sociedade atual, que se mostra cada vez mais

complexa. Por isso, se faz necessário a junção entre Direito e a Moral, em busca do bem

comum.

Pois como bem explana Luiz Roberto Barroso: “O pós-positivismo não

retira a importância da lei, mas parte do pressuposto de que o Direito não mais cabe

integralmente na norma jurídica e, mais que isso, que a justiça pode estar além dela.”

(2013, p. 35)

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31

Assim, floresce a ideia do neoconstitucionalismo que, através da

interpretação da norma jurídica, não visa mais a mera aplicação do caso concreto à

legislação e sim uma análise de princípios jurídicos com o fito de complementar aquilo

que a norma, por si só, não consegue: o deslinde das controvérsias humanas.

De parte isso, é válido anotar a distinção entre princípios e regras, haja vista

existir um consenso entre a doutrina geral de que princípios e regras (na visão

neoconstitucionalista) possuem o status de norma jurídica. Ambos são integrantes, sem

hierarquia, do sistema referencial do intérprete.

Os princípios trazem em si um conteúdo axiológico, e destacam-se como

normas que identificam valores a serem preservados ou fins a serem alcançados.

As regras e normas, por sua vez, restringem-se a traçar uma conduta. Elas

disciplinam uma determinada situação, quando ocorre e quando tem incidência. Para as

regras, vale a lógica do “tudo ou nada”.

Sendo possível assinalar que princípios são pautas genéricas, não aplicáveis

à maneira do “tudo ou nada”, são valorativos ou finalísticos, e as regras são descritivas

de conduta.

Não se pode dizer, entretanto, que, no neoconstitucionalismo, cabe-se a

ideia de pormenorizar a lei em prol de princípios.

A importância da lei não é retirada, apenas passa-se a uma análise de que a

justiça pode estar além dela.

Tem-se a ideia de que a solução para os problemas da sociedade não se

encontram inteiramente nas leis, sendo necessário que tanto as regras quanto os

princípios caminhem de mãos dadas com o objetivo de trazer solução às controvérsias

sociais.

Jamais se deve pormenorizar a lei em prol dos princípios, mas deve-se

enaltecer o papel dos princípios quando as leis não conseguem, por si só, solucionar os

conflitos sociais.

Então, poder-se-ia considerar que tantos os princípios quanto as leis estão

em um mesmo “pé de igualdade”. De forma mais ousada, pode-se dizer que os

princípios em relação as normas constitucionais estão também na mesma linha

hierárquica.

Com isso, conclui-se que tanto as leis quanto os princípios devem ser

considerados em uma mesma linha hierárquica, pois somente com a lei não se chegaria

Page 32: Neoconstitucionalismo - Os efeitos do neoconstitucionalismo nos direitos fundamentais

32

a uma solução mais justa, muito menos caso se aplicassem apenas os princípios. Ambos

devem caminhar em um mesmo patamar de igualdade, onde um só se completa com o

outro.

Alegremo-nos, pois isso ocorre diariamente em nosso cotidiano, posto que

os reflexos do neoconstitucionalismo interfere cada vez mais nos julgamentos da maior

Corte Judiciária do País – Supremo Tribunal Federal – que se utiliza, muita das vezes,

de princípios que trazem em si uma carga axiológica para a interpretação e aplicação

das leis vigentes em nosso país.

A título de exemplo, suponha que algum presidente do nosso país, que já

tenha se candidatado a uma reeleição, queira concorrer a um terceiro mandato. A

Constituição Federal de 1988, em seu artigo XIV, §5º, é clara em aduzir que o

Presidente da República somente pode se candidatar a 01 (uma) reeleição.

Neste caso concreto, a Justiça Eleitoral teria indeferido o registro de

candidatura, por simples e singela aplicação de uma norma expressa. Mas nem sempre

as situações abrangem temas tão simples e sucintos.

Evolutivamente, ao longo do século XX, consolidou-se a convicção de que

o Direito, em uma grande quantidade de situações, não possui soluções pré-prontas.

Tais soluções devem ser construídas pelo intérprete – que anteriormente

apenas identificava a norma aplicável ao caso concreto – argumentativamente com

recursos e elementos externos ao sistema normativo.

Portanto, neste novo ambiente, mudam o papel dos fatos, da norma e

principalmente do intérprete. Incorpora-se um novo meio de lidar com situações mais

complexas, entre elas, a normatividade dos princípios, o choque de normas

constitucionais, a ponderação e a argumentação jurídica.

O autor Luís Roberto Barros (2013, p. 38) nos apresenta de forma simples e

completa, uma explanação em um caso concreto, bem diferente do exemplo citado. No

caso citado abaixo, não se conseguirá resolver o problema com o simples

enquadramento da norma ao fato.

O cantor Roberto Carlos foi a juízo para impedir a divulgação de uma

biografia não autorizada, invocando os seus direitos constitucionais de

imagem e de privacidade. O autor da obra defendeu-se fundado na sua

liberdade de expressão e no direito de informação, igualmente protegidos

constitucionalmente. Naturalmente, como os dois lados têm normas

constitucionais a seu favor, não é possível resolver esse problema mediante

subsunção dos fatos à norma aplicável, porque mais de uma postula a

incidência sobre a hipótese. Diante disso, a solução terá de ser construída

Page 33: Neoconstitucionalismo - Os efeitos do neoconstitucionalismo nos direitos fundamentais

33

argumentativamente mediante ponderação, isto é, valoração de elementos do

caso concreto com vistas à produção da solução que melhor atenda ao caso

concreto. (2013, p. 38)

Todo o acima exposto potencializa a importância do debate acerca do

avanço do direito constitucional. As premissas de interpretação tradicional,

notadamente, deixaram de ser integralmente satisfatórias.

De parte disso, passou a ser percebido como um fato natural a existência de

colisões de normas constitucionais, tanto de princípios, como de direitos fundamentais.

O intérprete, portanto, passa a atuar como coparticipante do processo de

criação do direito, ao fazer valorações de sentido para as cláusulas abertas, realizando a

definição concreta entre escolhas possíveis.

Os princípios contêm uma maior carga valorativa, uma decisão política

relevante, um fundamente ético. O que acontece em uma ordem pluralista é a existência

de princípios que abrigam decisões, valores ou fundamentos diversos, por vezes

contrapostos.

A colisão entre princípios ou entre normas ou entre princípios e normas é

possível, e ainda, faz parte lógica do sistema.

E é neste ponto que o intérprete da norma deve tomar cuidado. À vista dos

elementos do caso concreto, o intérprete se defrontará com antagonismos inevitáveis. O

conhecimento principiológico deve partir de uma dimensão de peso ou importância.

A partir de determinado ponto da análise principiológica da realidade que se

quer determinar, surge um espaço de indeterminação, no qual a determinação do

conteúdo aplicável estará sujeita à concepção ideológica ou filosófica do intérprete.

De alguma forma, todos esses elementos devem ser considerados na medida

de sua importância e pertinência de modo que a solução final, a partir da identificação

das normas aplicáveis e compreensão dos fatos relevantes, sejam ponderadas. E é aí que

entra em ação a técnica da ponderação.

Como já assinalado anteriormente, os princípios podem ser aplicados com

maior ou menos intensidade à vista de circunstâncias jurídicas ou fáticas, sem que isso

afete sua validade.

Nesta técnica, os diferentes grupos de normas e a repercussão dos fatos do

caso concreto estarão sendo analisado de forma conjunta, a fim de apurar os pesos que

devem ser atribuídos aos diversos elementos em disputa, e por tal fato, o conjunto de

normas que deve preponderar sobre o caso.

Page 34: Neoconstitucionalismo - Os efeitos do neoconstitucionalismo nos direitos fundamentais

34

Posto isso, o próximo passo é decidir qual a é intensidade desse grupo de

normas e se deve prevalecer em detrimento dos demais. Ou seja, a partir da gradução da

intensidade da solução escolhida, é necessário, ainda, escolher qual deve ser o grau

apropriado em que a solução deve ser aplicada.

Por isso todo o contexto deste processo intelectual está pautado no princípio

instrumental da proporcionalidade ou razoabilidade.

Conclui-se, portanto, que o intérprete da norma se utilizará destes métodos

da seguinte forma: I – identificando as normas pertinentes à serem aplicadas ao caso; II

– Seleção dos fatos relevantes e atribuição geral de pesos; III – a produção de uma

conclusão.

A solução passa a ser construída argumentativamente, mediante a técnica da

ponderação, como sendo a valoração de elementos do caso concreto, com vistas à

produção da solução que melhor atende a demanda.

Por isso podemos dizer que todos os valores compartilhados pela

comunidade como um todo, em dado momento e lugar, materializam-se em princípios,

que passam a ser abrigados pela Constituição, explicita ou implicitamente, devendo ser

respeitados como se norma fosse. Mesmo não tendo passado por um processo formal de

elaboração, tais valores (leia-se princípios) devem ser respeitados, visto que a norma

antes de tudo é criada no seio da comunidade, para somente então passar fazer parte de

um codex formalizado.

Portanto o neoconstitucionalismo não está para, simplesmente, a existência

de princípios e sim no seu reconhecimento pela ordem jurídica.

Page 35: Neoconstitucionalismo - Os efeitos do neoconstitucionalismo nos direitos fundamentais

35

CAPÍTULO 3 APLICAÇÃO DO NEOCONSTITUCIONALISMO

EM CASOS CONCRETOS

3.1 A APLICAÇÃO DO NEOCONSTITUCIONALISMO: DIREITO AO

ESQUECIMENTO

Muito se fala em neoconstitucionalismo e nos benefícios que trouxe a nossa

nova concepção de Estado Democrático de Direito, mas como entender algo tão

utópico? Até as presentes linhas traçadas, poderá o leitor não ter a total noção de como

se aplicar ou mesmo “manusear” o presente instituto, por isso traçaremos às linhas

vindouras a aplicação do neoconstitucionalismo a casos práticos e como essa nova

concepção influenciou a decisão dos mesmos.

Iniciar-se-á, portanto, traçando uma relação entre a visão neoconstitucional

e o direito ao esquecimento, que por sinal se mostra um tema em ascensão não só no

ordenamento jurídico brasileiro, mas sim em todo mundo, saltando as linhas fronteiriças

e se interligando, como se o direito fosse – o que é verdade – um só no mundo todo.

Se os movimentos revolucionários com muita dificuldade conseguiram

entabular em uma constituição os direitos de cada cidadão, como conceber a ideia de

julgar um caso concreto sem se embasar inteiramente na Constituição? Como entender

isso? Sendo que buscou-se a preço de sangue a normatização de direitos e depois vem o

julgador e aplica bases principiológicas para julgar um caso concreto? Não seria um

retrocesso? Onde estaria a segurança jurídica?

Se antes a grande preocupação era garantir a efetivação dos direitos

cravados em uma constituição, hoje não mais se vê por esta ótica. Pois o genocídio

ocorrido em 1939 e 1945 estava totalmente de acordo com a lei, notadamente, no

governo nacional socialista alemão que exterminou quase toda uma raça de judeus.

Nota-se então que poderia ocorrer um sistema absolutista maquiado de

democracia, já que o governante poderia impor suas vontades em uma constituição e

assim satisfazer os seus anseios com o pretexto de estar cumprindo a lei.

Nas palavras do doutrinador Dirley Cunha Júnior:

Esse pensamento, que recebeu a sugestiva denominação de

neoconstitucionalismo, proporcionou o florescimento de um novo paradigma

jurídico: o Estado Constitucional de Direito. Isso se deveu notadamente em

Page 36: Neoconstitucionalismo - Os efeitos do neoconstitucionalismo nos direitos fundamentais

36

razão do fracasso do Estado Legislativo de Direito, no âmbito do qual o

mundo, pasmado, testemunhou uma das maiores barbáries de todos os

tempos, com o genocídio cometido pelo governo nacional socialista alemão

provocando o holocausto que exterminou milhões de judeus, pelos nazistas,

entre 1939 e 1945, nos países ocupados pelas tropas Reich Hitlerista. (2011,

p. 40)

O direito ao esquecimento, em apertada síntese, seria o direito que uma

determinada pessoa possui de fazer com que fatos ocorridos em sua vida, mesmo que

verdadeiros, não sejam publicados ou expostos a outras pessoas, causando assim

transtornos e/ou sofrimento a essa pessoa.

Como exemplo, destaca-se o clássico caso “Lebach” que fora julgado pelo

Tribunal Constitucional Alemão. A história acontece na cidade de Lebach, onde 4

soldados alemães foram assassinados e após os deslinde do processo 3 réus foram

condenados, sendo que 2 foram condenados à prisão perpétua e o terceiro a seis anos de

reclusão. O terceiro réu cumpriu integralmente sua pena e quando estava prestes a

deixar a prisão ficou sabendo que uma emissora de TV iria exibir um programa sobre o

crime ocorrido, mostrando fotos dos condenados e insinuando que estes eram

homossexuais. Diante disso, ele ingressou com uma ação inibitória para impedir a

exibição do programa.

A discussão chegou ao Tribunal Constitucional Alemão que julgou

procedente a ação, sustentando que o direito à personalidade ou mesmo a intimidade

não admite que a imprensa explore o criminoso e sua vida por tempo ilimitado.

Notando-se assim que o princípio da proteção da personalidade deveria prevalecer sobre

à liberdade de informação, uma vez que não haveria mais interesse atual naquela

informação, posto que o crime já estava solucionado e julgado há anos.

A emissora não teria direito de apenas reproduzir suas notícias já publicadas

há alguns anos? O réu teria o direito de que não mais publicassem notícias sobre seus

atos já praticados?

Tendo em vista que no movimento Neoconstitucional, a constituição não

tem apenas uma carga descritiva, mas sim axiológica, buscando a concretização de seus

valores e a garantia de condições dignas mínimas de cada cidadão, devendo-se, então,

imprimir em cada caso concreto os valores consubstanciados na Constituição.

Por isso, ao se contrapor o direito à liberdade de informação e o da

intimidade ou privacidade, por exemplo, devem-se resguardar as condições de

Page 37: Neoconstitucionalismo - Os efeitos do neoconstitucionalismo nos direitos fundamentais

37

dignidade e dos direitos ao menos nos patamares mínimos. E é nesse sentido que

explana o doutrinador Pedro Lenza:

Conforme anotou Barcellos, completando, do ponto de vista material,

destaca-se um outro elemento na ideia de constitucionalismo: “(ii) a expansão

de conflitos específicos e gerais entre as opções normativas e filosóficas

existentes dentro do próprio sistema constitucional”. Sem dúvida, os valores

constitucionalizados poderão entrar em choque, seja de modo específico

(por exemplo, a liberdade de informação e de expressão e a intimidade,

honra e vida privada), seja de modo geral, no que, conforme afirma, diz

respeito “ao próprio papel da Constituição. Em uma visão substancialista

(a constituição deveria impor um conjunto de decisões valorativas que se

consideram essenciais e consensuais), ou mesmo designada de

procedimentalista (a constituição deve garantir o funcionamento adequado do

sistema de participação democrático, ficando a cargo da maioria, em cada

momento histórico, a definição de seus valores e de suas próprias convicções

materiais), em relação a qualquer das posições que se filie, mesmo no

procedimentalismo deverão ser resguardados as condições de dignidade e

dos direitos dentro, ao menos, de patamares mínimos. (2011, p. 61-62)

Ou seja, independentemente da linhagem de pensamento ao qual qualquer

um se filie, deve-se resguardar as condições mínimas de dignidade da pessoa humana.

Essa é a visão do neoconstitucionalismo. Buscar não somente aquilo que o

texto de uma lei diz, mas também o que a ética, o direito, a moral e a justiça

resguardam. A saber, a proteção aos direitos fundamentais e principalmente a dignidade

da pessoa humana.

Ademais, foi especialmente decisivo para o delineamento desse novo Direito

Constitucional, o reconhecimento da força normativa dos princípios, situação

que tem propiciado a reaproximação entre o Direito e a Ética, o Direito e a

Moral, o Direito e a Justiça e demais valores substantivos, a revelar a

importância do homem e sua ascendência a filtro axiológico de todo o

sistema político e jurídico, com a consequente proteção dos direitos

fundamentais e da dignidade da pessoa humana (CUNHA JÚNIOR, 2011, p.

42)

Pelo fato de que o direito ao esquecimento contrapõe muitas vezes

princípios entabulados em uma mesma carta magna, o neoconstitucionalismo surge para

trazer uma relativização, tanto pela dimensão normativa quanto pela axiológica, para

que se fundam e se reconheçam os direitos de cada um sob uma dupla dimensão

normativo-axiológico embasada na dignidade da pessoa humana e nos direitos

fundamentais.

A emergência do neoconstitucionalismo logrou propiciar o reconhecimento

da dupla dimensão normativo-axiológico das Constituições contemporâneas,

Page 38: Neoconstitucionalismo - Os efeitos do neoconstitucionalismo nos direitos fundamentais

38

ensejando a consolidação de uma teoria jurídica material ou substancial

assentada na dignidade da pessoa humana e nos direitos fundamentais. Nesse

contexto, o discurso jurídico, antes associado a uma concepção formal e

procedimentalista, evolui para alcançar uma vertente substancialista

preocupada com a realização dos valores constitucionais (CUNHA JÚNIOR,

2011, p. 42)

A visão neoconstitucionalista, agora em ascensão no meio jurídico, muito há

que contribuir para a aplicação de direitos consagrados na constituição em uma esteira

principiológica. Buscando, como já fora dito supra, o reconhecimento da dupla

dimensão normativo-axiológico, para que não seja aplicado o direito ad libitum do

julgador, mas sim pelo âmago de cada norma que traz consigo a esperança de justiça

creditada aos revolucionários que romperam com os antigos sistemas absolutistas,

buscando o seu verdadeiro sentido. A saber: a dignidade da pessoa humana.

Existem muitos outros exemplos recentes sobre essa questão de “direito ao

esquecimento” como o caso da XUXA VS GOOGLE no qual a “rainha dos baixinhos”

quer que sejam removidas da rede mundial de computadores insinuações de seu nome à

prática de pedofilia ou qualquer prática criminosa.

O caso foi decidido pelo STF, do qual o ministro Celso de Mello negou o

recurso da apresentadora Xuxa e manteve a permissão do Google de revelar fotos e

vídeos da apresentadora após pesquisa que relacionam seu nome à pedofilia.

O STJ utilizou os argumentos de que “não se pode, sob o pretexto de

dificultar a propagação de conteúdo ilícito ou ofensivo na ‘web’ reprimir o direito da

coletividade à informação”

Um caso, não menos curioso, foi o da chacina da Candelária, que aconteceu

em 1993, em frente a igreja da Candelária no estado do Rio de Janeiro, onde um grupo

de policiais a paisana abriram fogo contra setenta crianças e adolescentes que dormiam

nas escadarias da igreja. Três policiais foram condenados e dois foram absolvidos.

A Rede Globo Comunicações exibiu 13 anos após a Chacina, no programa

“Linha Direta”, um documentário em rede nacional sobre o ocorrido naquela madrugada

de julho de 1993.

Percebemos, neste caso, que direitos e princípios se colidem, de um lado

temos a liberdade de imprensa e direito a informação e de outro direito da

personalidade e da honra. Então, o intérprete da lei, utilizando-se da técnica de

interpretação da lei abraçado pelo neoconstitucionalismo, fará a identificação das

normas pertinentes, a seleção dos fatos relevantes e, por fim, produzirá uma conclusão.

Page 39: Neoconstitucionalismo - Os efeitos do neoconstitucionalismo nos direitos fundamentais

39

Importante, portanto, trazer à baila este tão importante julgado:

RECURSO ESPECIAL nº 1.334.097 – RJ (2012/0144910-7)

RELATOR: MINISTRO LUIZ FELIPE SALOMÃO

RECORRENTE: GLOBO COMUNICAÇÕES E PARTICIPAÇÕES S/A

RECORRIDO: JURANDIR GOMES DE FRANÇA

EMENTA: RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL – CONTITUCIONAL.

LIBERDADE DE IMPRESA VS. DIREITOS DA PERSONALIDADE.

LITIGIO DE SOLUÇÃO TRANSVERSAL. COMPETÊNCIA DO

SUPRIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. DOCUMENTÁRIO EXIBIDO EM

RENE NACIONAL. LINHA DIRETA-JUSTIÇA. SEQUÊNCIA DE

HOMICÍDIOS CONHECIDA COMO CHACINA DA CANDELÁRIA.

REPORTAGEM QUE REACENDE O TEMA TREZE ANOS DEPOIS DO

FATO. VEICULAÇÃO INCONSENTIDA DE NOME E IMAGEM DE

INDICIADO NOS CRIMES. ABSOLVIÇÃO POSTERIOR POR

NEGATIVA DE AUTORIA. DIREITO AO EQUECIMENTO DOS

CONDENADOS QUE CUMPRIRAM PENA E DOS ABSOLVIDOS. ACOLHIMENTO. DECORRÊNCIA DA PROTEÇÃO LEGAL E

CONSTITUCIONAL DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DAS

LIMITAÇÕES POSITIVIDAS À ATIVIDADE INFORMATIVA.

PRESUNÇÃO LEGAL E CONSTITUCIONAL DE RESSOCIALIZAÇÃO

DA PESSOA. PONDERAÇÃO DE VALORES. PRECEDENTES DE

DIREITO COMPARADO. (grifou-se)

Analisando o processo em epígrafe, a decisão que negou provimento ao

Recurso Especial interposto pela Rede Globo de Comunicações, merece grande

destaque pelo brilhantismo sentencial, In Verbis:

O momento é de novas e necessárias reflexões, das quais podem mesmo

advir novos direitos ou novas perspectivais sobre velhos direitos revisitados.

(...)

Assim, a liberdade de imprensa há de ser analisadas a partir de dois

paradigmas jurídicos bem distantes um do outro. O primeiro, de completo

menosprezo tanto da dignidade da pessoa humana quanto de liberdade de

imprensa; e o segundo, o atual, de dupla tutela constitucional de ambos os

valores.

Nesse passo, a explícita contenção constitucional à liberdade de informação,

fundada na inviolabilidade da vida privada, intimidade, honra, imagem e, de

resto, nos valores da pessoa e da família, prevista no art. 220, §1º, art. 221 e

no §3º do art. 222 da carta de 1988, parece sinalizar que, no conflito

aparente entre esses bens jurídicos de especialíssima grandeza, há, de

regra, uma inclinação ou predileção constitucional para soluções

protetivas da pessoa humana, embora o melhor equacionamento deva

sempre observar as particularidades do caso concreto. Essa constatação

se mostra consentânea com o fato de que, a despeito de a informação livre de

censura ter sido inserida no seleto grupo de direitos fundamentais (art 5º,

inciso IX), a Constituição Federal mostrou sua vocação antropocêntrica no

momento em que gravou, já na porta de entrada (art. 1º, inciso III), a

dignidade da pessoa humana como - mais que um direito – um fundamento

da República, uma lente pela qual devem ser interpretados os demais direitos

posteriormente reconhecidos. Exegese dos arts. 11, 20 e 21do Código Civil

de 2002. Aplicação da filosofia Kantiana, base da teoria da dignidade da

pessoa humana, segundo a qual o ser humano tem um valor em si que

supera o das “coisas humanas”.

Page 40: Neoconstitucionalismo - Os efeitos do neoconstitucionalismo nos direitos fundamentais

40

Tal abordagem ganha cada vez mais importância na medida em que as

contraposições constitucionais tem se tornado uma realidade no âmbito jurídico. A

ampliação da abordagem de uma visão que vai contra a operação lógica dedutiva, na

qual o juiz faria a subsunção dos fatos à norma, pronunciando a consequência jurídica

nele já existente.

3.2 A APLICAÇÃO DO NEOCONSTITUCIONALISMO: LEGITIMIDADE DA

INTERRUPÇÃO DA GESTAÇÃO CARACTERIZADA PELA ANENCEFALIA

A Anencefalia é uma má-formação fetal, devido a um problema no

fechamento do tubo neural, caracterizada pela ausência parcial do encéfalo e da calota

craniana. Na prática, não é a total ausência de cérebro no feto, e sim a má formação

deste, que pode se dar em graus variados. A Anencefalia geralmente é utilizada para

caracterizar uma má formação fetal do cérebro, Sendo quase impossível a viabilidade de

vida extrauterina.

Diante da constatação de anencefalia, a interrupção da gravidez pela mãe,

poderia ser criminalizada? Poder-se-ia considerar uma atitude antijurídica?

Óbvio que o nosso legislador de 1940 (data da promulgação do atual código

penal) não conseguiria prever tal fato, que, por demais, hoje já se tornou corriqueiro.

Poder-se-ia então, levar a mãe que interrompe a gravidez, por saber que o

feto não teria perspectiva de vida extrauterina, às grades de uma prisão já que esta

provocou um aborto espontâneo?

Se tomarmos o mesmo caminho dos juristas dos séculos passados para

interpretar o caso concreto, simplesmente aplicaríamos a norma descrita e obviamente

levaríamos a mãe, que por demais já sofre muito com o aborto, a outro sofrimento, de

ter a sua liberdade cerceada.

A luz sempre brilha no fim do túnel.

É nesse compasso que se forma a necessidade de uma nova concepção para

enxergar e interpretar as leis, logo surgiu o neoconstitucionalismo.

Page 41: Neoconstitucionalismo - Os efeitos do neoconstitucionalismo nos direitos fundamentais

41

A nossa Suprema Corte no acórdão de Arguição de Descumprimento de

Preceito Fundamental nº 54, se pronunciou sobre a legitimidade da mulher poder

interromper a gestação após o diagnóstico, se assim o desejasse.

Esmiuçando o caso trazido à baila, o Ministro Luís Roberto Barroso, em sua

obra intitulada: O NOVO DIREITO CONSTITUCIONAL BRASILEIRO, traz a sua

contribuição no seguinte sentido:

“O caso era difícil por três razões típicas. Em primeiro lugar, pela

ambiguidade da linguagem: determinar se o sentido e alcance do direito à

vida englobava ou não um feto inviável. Em segundo lugar, pela existência

de uma colisão de direitos fundamentais: admitindo-se que houvesse, de fato,

um direito à vida potencial por parte do feto, ele se contraporia ao direito da

mãe de não se submeter a um sofrimento que considere inútil, com

repercussão sobre a sua integridade física e psíquica. E, em terceiro lugar, um

descordo moral: em todas as questões que envolvem interrupção da gestação

e aborto, contrapõem-se os defensores da liberdade de escolha da mulher –

isto é, o exercício de sua liberdade reprodutiva – e os que consideram que o

direito à vida é absoluto e se estende ao feto, sendo ilegítima a decisão da

mãe de se interromper a gestação. O supremo Tribunal Federal decidiu que a

interrupção da gestação no caso de feto anencefálico é fato atípico, em razão

da ausência de potencialidade de vida do feto. Como consequência,

reconheceu o direito de a mulher interromper a gestação em tal hipótese,

independentemente de autorização judicial.” (2013, p. 48)

Por isso, embasando-se nos pilares do neoconstitucionalismo resultou em

um deslinde satisfatório no presente caso. Percebe-se que se contrapôs a legislação

ordinária (Código Penal) ao o principio constitucional da dignidade da pessoa humana,

e tivemos como mediador, para equilibrar essa contraposição, os alicerces do

neoconstitucionalismo, que analisou a aplicação da lei ao caso concreto não pelo

simples encaixe do caso concreto à norma jurídica. Este caso foi além. Analisou-se não

a letra fria, mas valorizou-se o âmago do principio constitucional da dignidade da

pessoa humana.

Equalizou-se a lei e os princípios, pois obrigar uma mulher levar a gestação

até o fim de um feto anencefálico, sem a possibilidade de vida extrauterina, violaria as

dimensões do direito à integridade física, moral e psicológica.

Importante salientar que, antes da prolação do acórdão, que permite o aborto

de feto anencefálico, em audiência pública, vários foram os argumentos, teses e teorias,

uns a favor e outros contra a legitimidade do pedido. Tanto é verdade que, no acórdão

prolatado pelo Ministro Marco Aurélio em sua página vinte e dois (22), o Deputado

Page 42: Neoconstitucionalismo - Os efeitos do neoconstitucionalismo nos direitos fundamentais

42

Federal Luiz Bassuma, presidente da frente parlamentar em Defesa da Vida,

manifestou-se contra o Aborto alegando ser uma violação do direito à vida.

“A seguir, o então Deputado Federal Luiz Bassuma, Presidente da Frente

Parlamentar em Defesa da Vida – Contra o Aborto manifestou-se a favor do

direito inviolável à vida. Acrescentou que, recentemente, o Estado brasileiro

referendou a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência –

circunstância que alcançaria a situação dos anencéfalos –, mediante a qual se

impõe à República Federativa do Brasil e à sociedade o dever de assegurar o

direito de igualdade de oportunidade aos deficientes.” (2013, p. 96)

Verificamos com isso a aplicabilidade latente do neoconstitucionalismo,

que, mais uma vez conseguiu suplantar as mazelas de uma lei totalmente arcaica e

equilibrá-la com os princípios pertinentes ao caso.

3.3 A APLICAÇÃO DO NEOCONSTITUCIONALISMO: UNIÕES

HOMOAFETIVAS

Importante se faz, antes de concluir o presente capítulo, relacionar o

neoconstitucionalismo à legitimidade das uniões homoafetivas, que por sinal, já não é

algo tão atual assim, visto que o julgamento do vertente caso ocorrera no dia 4 e 5 de

maio de 2011.

O então governador do Rio de Janeiro Sergio Cabral ficou sabendo de um

estudo realizado acerca da temática e quis levar o pedido ao STF, para que a união

estável de pessoas do mesmo sexo estivessem sujeitas ao mesmo regime jurídico das

uniões estáveis convencionais.

Entretanto, o Governador do Estado do Rio de Janeiro no que tange a

propositura de ADPF, possui apenas legitimidade especial, ou seja, ele precisa

demonstrar que a questão a ser discutida teria repercussão específica e direta no âmbito

do Estado, então com isso ele precisaria demonstrar a pertinência temática.

Então, para justificar a propositura da ação, utilizou-se do Decreto-Lei

estadual nº 220, de 18.08.1975 (Estatuto dos Servidores Civis do Estado do Rio de

Janeiro) que prevê o direito de licença do servidor em caso de doença de pessoas da

família ou para acompanhar o cônjuge em missão de trabalho. Então este foi o motivo!

O Governo precisava determinar se cônjuge e pessoa da família incluíam ou não os

parceiros em uniões homoafetivas.

Page 43: Neoconstitucionalismo - Os efeitos do neoconstitucionalismo nos direitos fundamentais

43

O Ministro Gilmar Mendes não recebeu o pedido como ADPF, mas sim

como ADI sob o nº 142.

A presente ação foi ajuizada em Fevereiro de 2008 recheada de argumentos

e fundamentos para justificar o deferimento do pedido.

Mas se a lei não reza sobre tal possibilidade, nem se quer cogita essa

questão, como então que o julgador irá deferir tal pedido ?

Ele não estaria criando possibilidades que não se encontram na lei?

Obviamente que não. É sabido que o julgador, sendo a lei omissa, pode

utilizar-se da analogia, dos costumes, e dos princípios gerais de direito para suprir a

lacuna na lei.

Mais uma vez entra em cena, de forma discreta, a utilização dos conceitos

do neoconstitucionalismo para suplantar a falta da lei positivada, visto que, como já fora

dito em linhas anteriores, o Direito não pode estar contido simplesmente na lei, mas está

além dela.

Como bem relata o Ministro Luis Roberto Barroso em seu artigo

“Diferentes, mas iguais”:

No direito positivo brasileiro, inexiste regra específica sobre a matéria. A

Constituição de 1988, que procurou organizar uma sociedade sem

preconceito e sem discriminação, fundada na igualdade de todos, não contém

norma expressa acerca da liberdade de orientação sexual. Como

consequência natural, também não faz menção às uniões homoafetivas. Faz

referência, no entanto, às uniões heterossexuais, reconhecendo como entidade

familiar a união estável entre o homem e a mulher. O Código Civil, por sua

vez, ao disciplinar o tema da união estável, seguiu a mesma linha. (2013, p.

432)

Ele justifica a aceitação da união homoafetiva com o seguinte argumento:

A tese principal é a de que um conjunto de princípios constitucionais impõe

a inclusão das uniões homoafetivas no regime jurídico da união estável, por

se tratar de uma espécie em relação ao gênero. A tese acessória é a de que,

ainda quando não fosse uma imposição do texto constitucional, a

equiparação de regimes jurídicos decorreria de uma regra de hermenêutica:

na lacuna da lei, deve-se integrar a ordem jurídica mediante o emprego da

analogia. Como as características essenciais da união estável previstas no

Código Civil estão presentes nas uniões estáveis entre pessoas do mesmo

sexo, o tratamento jurídico deve ser o mesmo. (2013, p. 431)

Utilizando-se de uma base principiológica a presente ação denunciou

violação a princípios já há muito tempo consagrados em nosso ordenamento jurídico,

Page 44: Neoconstitucionalismo - Os efeitos do neoconstitucionalismo nos direitos fundamentais

44

então não poderia o julgador, por mais ortodoxo que fosse, fechar os olhos à aplicação

destes princípios, que caso o pedido fosse indeferido, estariam sendo feridos de morte.

Os princípios elencados na Ação Direta de Inconstitucionalidade para

embasá-la foram: o princípio da dignidade da pessoa humana, o princípio da igualdade,

do direito à liberdade, do qual decorre a proteção à autonomia privada, bem como o

princípio da segurança jurídica.

Barroso explana em sua magnífica obra sobre a aplicação, no vertente caso,

de cada princípio elencado.

Princípio da igualdade:

A constituição Federal de 1988 consagra o princípio da igualdade e

condena de forma expressa todas as formas de preconceito e discriminação.

A menção a tais valores vem desde o preâmbulo da Carta, que enuncia o

propósito de se constituir uma “sociedade fraterna, pluralista e sem

preconceitos”

(...)

Tal conjunto normativo é explicito e inequívoco: a Constituição proíbe

todas as formas de preconceitos e discriminação, binômio no qual hão de

estar abrangidos o menosprezo ou a desequiparação fundada na orientação

sexual das pessoas.

(...)

De qualquer forma, porém, não seria necessário elencar razões para

impedir o tratamento diferenciados. A lógica é exatamente a inversa.

Onde não exista motivo legítimo a exigir distinção, a regra há de ser o

tratamento igualitário. (2013, p. 432 e 433) (Grifei)

Sobre o direito à liberdade, do qual decorre a autonomia privada, seria

necessário trazer toda a explicação contida na ilustríssima obra, mas nos ateremos a um

ponto crucial:

A autonomia privada pode certamente ser limitada, mas não

caprichosamente. O princípio da razoabilidade ou proporcionalidade [...]

exige a imposição de restrições seja justificada pela promoção de outros bens

jurídicos de mesma hierarquia, igualmente tutelados pela ordem jurídica.

(...)

Ocorre, porém, que o não reconhecimento das uniões estáveis entre pessoas

do mesmo sexo não promove nenhum bem jurídico que mereça proteção em

um ambiente republicano. Ao contrário, atende majoritárias, mas que não se

impõem como juridicamente vinculantes em uma sociedade democrática e

pluralista, regida por uma constituição que condena toda e qualquer forma de

preconceito. (2013, p. 434 e 435)

Encerramos as citações das fundamentações trazidas à baila não por serem

menos importantes, mas porque as já apresentadas superam toda e qualquer dúvida

acerca da devida aplicação destes princípios para tutelar o direito de reconhecimento das

uniões homoafetivas.

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Com isso, podemos verificar que o direito nunca esteve e nunca estará

contido integralmente na normal positivada, sendo necessária a ponderação do

intérprete entre os princípios e as leis, visto que uma anda de mãos dadas com a outra e

uma só se completa com a outra.

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CONCLUSÃO

Diante o exposto, verificamos que o sistema absolutista conseguiu, não por

pouco tempo, controlar a sociedade e submetê-la às ordens de um monarca absoluto,

com argumentos de que o soberano era representante de Deus na Terra e que a vontade

deste era inspirada por Deus, e que contrariar a vontade do monarca absoluto seria o

mesmo que não acatar as ordens divinas. Esses argumentos perduraram por muito

tempo, a fim de controlar a sociedade para que caminhasse nos trilhos da vontade do

monarca. Mas, fadado estava este sistema de controle social, pois, sendo o homem um

animal político, jamais se contentaria em simplesmente obedecer as ordens de alguém.

O sistema absolutista notadamente viria a sucumbir em pouco tempo, e não

foi diferente, com as ideias iluministas concebendo a Revolução Francesa, esse sistema

de controle social se extinguiu (apesar que ainda, em alguns países, existe governo

absolutista). Com o intuito de se limitar o poder que, outrora, era absoluto instituiu-se

em meio a sociedade uma constituição, que deveria ser respeitada e seguida a risca para

trazer benefícios a toda coletividade.

Surge então o Constitucionalismo, primeiramente na America do Norte, em

meados de 1789 e posteriormente na frança em 1791. O Constitucionalismo trazia em

seu bojo uma estrutura constitucional para limitar o poder do soberano, instituindo

direitos e garantias a todos os cidadãos. O que valia era a lei, era o que estava escrito.

Provavelmente, traumatizados pelos danos advindos de um governos absolutista, queria

fazer valer as normas constitucionais a todo o custo. Entretanto, mais uma vez, esse

sistema não foi suficiente para resolver todas as complexas relações sociais dos seres

humanos, visto que o direito não se encaixava perfeitamente na norma escrita. O

legislador ordinário, por mais que se esforçasse, não conseguiria jamais acompanhar

toda a transformação que a sociedade vinha sofrendo, e sempre ficaríamos com um

sistema jurídico defasado. As leis seriam criadas, comportamentos seriam normatizados

e tipificados, mas nessa corrida da evolução entre a sociedade e a lei, esta última sempre

seria perdedora. Ela jamais conseguiria acompanhar as mudanças que diariamente

aconteciam no seio da sociedade. Será que isso nos remete a alguma situação familiar?

Obviamente que sim! Observemos o nosso ordenamento jurídico, que está muito aquém

do que deveria estar. Exemplos existem vários: o nosso atual Código Penal é do ano de

1940, Código Tributário Nacional é de 1966, A lei que regula a matéria de utilização de

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cheques também é de 1966 e por último, a lei que regula as operações cambiais é de de

1908. Exemplos não nos falta para verificarmos que o corpo legislativo pátrio, por mais

empenhado que fosse não conseguiria satisfazer todas as modificações existentes na

sociedade, e quando consegue, é de maneira atrasada.

Com isso, se viu a necessidade de um movimento mais autêntico capaz de

dar ao intérprete da lei condições de equilibrar direitos e garantias, conseguindo assim

dar uma solução justa para o caso concreto. O intérprete da lei não poderia ser um mero

aplicador da lei, pois se assim fosse não seria necessário juízes togados, que se

submetem a um concurso público, deveras muito concorrido, para simplesmente aplicar

a lei ao caso concreto. Poderia se, então, criar um programa de computador no qual

necessitaria unicamente de uma pessoa para preencher os campos solicitados e assim, de

forma matemática, enquadraria o caso concreto à lei aplicável. Mas isso não seria justo!

Não seria justo, pois, o computador jamais conseguiria ter a sensibilidade de um ser

humano que verifica, antes de tudo, as causas e os motivos determinantes de qualquer

conduta típica.

Por isso, ergue-se em nosso meio um movimento que entrega ao intérprete

da lei essa liberdade, de ser sensível ao caso concreto, podendo julgar as controvérsias

da vida não somente com a letra fria da lei, mas com a superfície aveludada dos

princípios.

O movimento denominado neoconstitucionalismo entrega ao intérprete da

lei uma margem maior de liberdade, traz a constituição, juntamente com seus princípios,

ao centro do ordenamento jurídico pátrio. O neoconstitucionalismo traz à constituição

uma carga não somente ideológica, como também axiológica, primando por valores

insculpidos na carta magna. Então, em um caso concreto, quando se está diante de

direitos contrapostos, o neoconstituinalismo concede ao intérprete um poder de

ponderação de direitos, podendo aplicar os princípios e, se for necessário, colocá-los

acima da própria lei. Visto que direito não está contido integralmente contido na norma

escrita, mas também se encontra nos valores e princípios já entabulados na constituição.

O neoconstitucionalismo, portanto, busca a junção das normas e dos

princípios, e, porque não dizer, com outras ciências, fazendo com que o conjunto de

leis, ao serem aplicadas, não produza apenas resultados matemáticos, mais sim

humanos, valorizando sempre o ser humano e fazendo com que todos entendam que não

estamos aqui para, simplesmente, obedecer a lei, mas que ela fora criada para o nosso

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benefício, imprimindo no homem valores que ao longo da vida podem ser esquecidos

ou menosprezados, resultando em uma sociedade mais harmônica e desenvolvida, para

que consigamos atingir o ápice da existência humana, mesmo que em baixa escala, pois

ainda estamos longe disso, e entendermos que todos somos iguais, sem distinção de cor,

raça, credo ou posição social, filhos de um mesmo criador.

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