o museu do estado do rio grande do sul e seu publico 1903-1925

Upload: kazumi-munakata

Post on 08-Jan-2016

213 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

Que estratégias dispõe o museu em sua relação com o público?

TRANSCRIPT

  • 1

    O MUSEU DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL E SEU PBLICO (1903-1925)

    Zita Rosane Possamai

    Programa de Ps-Graduao em Educao/UFRGS

    [email protected]

    RESUMO

    Esse texto problematiza a relao dos museus brasileiros e seu pblico, detendo-se no Museu do Estado do Rio Grande do Sul (Museu Julio de Castilhos), no perodo entre 1903 e 1925. Esse estudo insere a histria dos museus na perspectiva da histria da Educao, por considerar o museu como produtor e difusor de saberes na sociedade. O estudo de caso realizado deteve-se na anlise dos relatrios produzidos pelo diretor do Museu. Essas fontes, alm de fornecerem informaes sobre a abertura ou fechamento do museu visitao pblica, nmero de visitas, registraram impresses e reclamaes dos visitantes. Conclui-se que o Museu recebia sistematicamente visitantes, especialmente estudantes.

    Esse texto visa problematizar a relao entre os museus brasileiros e seu pblico visitante, estudando mais detidamente o Museu do Estado do Rio Grande do Sul nas primeiras dcadas de sua trajetria, entre 1903 e 1925.

    Considera-se que a investigao dos museus, em sua perspectiva histrica, e como instituies voltadas para a formao de colees, a produo de conhecimento e sua socializao por meio de exposies e aes educativas so objetos relevantes de pesquisa no mbito da Histria da Educao. No desejo aqui situar o estado da arte no que se refere aos museus como objeto investigado pelo campo da Histria da Educao no contexto brasileiro (VIDAL, 2003). No entanto, interessante notar a presena dos museus em estudos nesse mbito, quando estes esto diretamente vinculados escola, os denominados museus escolares (VIDAL, 1999) ou quando esto vinculados a projetos educacionais mais amplos (BASTOS, 2003).

  • 2

    O que desejo aqui enfatizar que mesmo fora do mbito escolar ou do sistema de ensino, ou seja, da educao formal propriamente dita, a histria dos museus pode ser inserida no mbito dos estudos da Histria da Educao. Esse argumento est amparado na historicidade dos museus como instituies voltadas construo de saberes vinculados cultura material, s colees, com a finalidade educativa. Nesse sentido, os museus so historicamente espaos educativos que se configuram na articulao entre conservao, pesquisa e exposio. A partir dessa especificidade, os museus podem ser considerados como objetos relevantes a investigar sob a perspectiva da Histria da Educao, mas no apenas porque se vinculam aos sistemas de ensino em diferentes contextos histricos, mas porque so instituies historicamente configuradas com o objetivo de educar e transmitir saberes.

    A partir desses pressupostos, venho investigando o Museu do Estado do Rio Grande do Sul, mais conhecido por sua segunda denominao, Museu Julio de Castilhos. O Museu do Estado foi criado em 1903, inserindo-se no movimento de criao de museus brasileiros entre o final do sculo XIX e incio do sculo XX (LOPES, 1997; SHWARCZ, 2005). Nas primeiras dcadas de sua trajetria caracterizou-se como um Museu de Cincias, tomando parte na rede de comunicao entre os museus de Histria Natural estabelecidos na Europa, Estados Unidos, Amrica e Brasil (Lopes e Murrielo, 2005). Por esse direcionamento, conduzido especialmente por seu diretor Francisco Rodolpho Simch, o museu pautou sua atuao, adotando procedimentos concernentes s cincias naturais, tanto na formao de suas colees, como na classificao e estudo das mesmas. Por sua relevncia, no contexto estudado, foi reconhecido como referncia museolgica no campo das cincias, localizada no extremo sul do Brasil (Nedel, 1999).

    Por se caracterizar, nesse perodo, como um museu que privilegiou o vis investigativo foi equivocadamente considerado pela historiografia

  • 3

    como um museu de portas fechadas e que recebia como visitantes exclusivamente pesquisadores estrangeiros (Nedel, 1999). A pesquisa que venho desenvolvendo, cujo um dos focos est direcionado relao da instituio com o pblico escolar e com o sistema de ensino (Possamai, 2009 e 2010) tem permitido relativizar essa primeira observao, conforme as informaes a seguir apresentadas.

    O regulamento de criao do Museu do Estado, alm de prever o escopo de suas colees - distribudas nas sees de zoologia e botnica; mineralogia, geologia e paleontologia; antropologia e etnologia; cincias, artes e documentos histricos -, detalhando os procedimentos de classificao e as atribuies do pessoal, menciona a preocupao com o pblico e os visitantes da futura instituio. Assim, estabelece que compete diretoria, alm de diversas outras atribuies,

    apresentar anualmente ao Secretrio das Obras Pblicas relatrio minucioso acerca dos trabalhos executados, relao dos objetos adquiridos, nmero de visitantes e alteraes havidas no pessoal. (Rio Grande do Sul, 1903, p. 28).

    Alm disso, ainda era de competncia da diretoria franquear o Museu ao pblico em dias determinados, de acordo com o Secretrio de Estado (Rio Grande do Sul, 1903, p. 28). Assim, desde a sua criao era previsto que o museu teria as caractersticas de instituio aberta ao pblico, que receberia visitantes, aspecto que se manteve na legislao posterior. Na sua segunda normativa, o Regulamento do Museu Julio de Castilhos, aprovado pelo Decreto n. 1.140 de julho de 1907, a instituio previa entre as competncias do diretor, fiscalizar a escriturao pelos amanuenses de diversos livros, entre os quais se encontrava o Livro de Visitantes e o Livro de Impresses e Reclamaes de Visitantes. Alm disso, era mantida a atribuio de apresentar relatrio anualmente ao Secretrio de Obras Pblicas, informando o nmero de visitantes, entre outras informaes sobre o funcionamento do rgo (Rio Grande do Sul, 1908).

  • 4

    Dessa forma, possvel observar que a documentao normativa tanto da criao como do funcionamento da instituio, considerou de relevo os aspectos concernentes visitao, tanto que obriga seu diretor a prestar contas de informaes sobre as mesmas. Mais que isso, a existncia de um Livro de Impresses e Reclamaes pretendeu, de algum modo, permitir que o pblico visitante pudesse registrar sua opinio sobre o museu, conforme retomarei adiante.

    Embora ainda no fosse obrigado a faz-lo, no seu segundo ano de existncia o diretor apresentava o nmero de visitantes a cada ms, demonstrando em seu relatrio que a visitao aumentava progressivamente, totalizando 185 visitantes no perodo entre junho de 1903 e junho de 1904. Ao que tudo indica somente no segundo ano o Museu teve suas colees abertas visitao pblica, fato que, conforme seu diretor, aumentou consideravelmente a frequentao. A partir dos nmeros mencionados nos relatrios do Museu, foi possvel perceber o movimento de visitantes obtidos ao longo dos anos, conforme grfico a seguir:

    Embora nem todos os relatrios contenham o nmero de visitas, entre os anos 1903 e 1919, conclui-se que o museu deu ateno atividade de receber visitantes. O nmero de visitas cresceu consideravelmente nos seus primeiros sete anos de existncia, passando a decair paulatinamente nos dez anos subseqentes.

  • 5

    importante notar que, embora tenha recebido visitantes, o Museu nem sempre esteve com suas portas abertas, conforme relatava seu diretor. Isso ocorreu, em especial, quando suas colees foram transferidas para o palacete adquirido pelo Governo do Estado e, anteriormente, pertencente a Julio de Castilhos, presidente da provncia recm-falecido e patriarca do Partido Republicano Rio-Grandense. Quando fora criado, o museu passou a funcionar, provisoriamente, em dois pavilhes construdos para sediar a Exposio de 1901, ao lado da Escola de Engenharia, nas imediaes da Vrzea. Desde ento, Francisco Rodolpho Simch alertava sobre a precariedade de suas instalaes e a necessidade de transferir o museu para outro edifcio. Segundo suas palavras:

    Os inconvenientes da permanncia demorada em construes provisrias sujeitas a intempries, eram tantos e to patentes que o Governo desde logo cogitou de obter um edifcio definitivo para esse fim, A primitiva idia de construir-se prdio novo foi abandonada, tendo sido resolvida a aquisio do palacete em que residira o inesquecvel dr. Julio de Castilhos. (Rio Grande do Sul, 1906, p. 173)

    Assim, aps efetuada a compra, em 15 de agosto de 1905, o diretor recebeu a ordem de realizar a mudana das colees para sua nova morada. J em 19 de agosto o museu encontrava-se em sua nova e definitiva sede. Embora tenha considerado excelente o novo edifcio, Simch no deixou de mencionar seus defeitos, destacando o tamanho diminuto das suas salas, a precria iluminao e as deficincias do espao. Alertava que as colees haviam crescido de forma extraordinria, de modo que o espao no condizia com a necessidade de deix-las bem expostas. Assim, dedicava-se o diretor a solicitar uma srie de reparos no edifcio com a finalidade de torn-lo em melhores condies para abrigar o museu.

    Com a necessidade de arrumar a casa, desde a mudana para a Rua Duque, o museu esteve fechado visitao. Alm de organizar as colees no novo espao, estas haviam aumentado consideravelmente,

  • 6

    obrigando que a ateno do diretor fosse direcionada para a classificao do material coletado nas suas excurses feitas pela capital. Embora notifique a situao em seu relatrio, Francisco Rodolpho Simch aproveita para relatar seus planos em relao visitao ao museu:

    A propsito de visitao, lembro-vos a convenincia de serem as colees franqueadas ao pblico, noite, das 7 s 10 horas, porque neste perodo o afluxo maior por diversos motivos, convindo salientar os seguintes:

    Durante os dias de quintas-feiras a populao est entregue a seus afazeres e os forasteiros procuraro seus negcios. Aos domingos, o esporte toma a populao inteira, que se atira nos arrabaldes.

    noite porm, quer s quintas, quer aos domingos, procuram todos uma distrao; e qual ser mais proveitosa que uma visita ao Museu, bem situado, com linhas de bonds porta?(Rio Grande do Sul, 1906, p. 179).

    Desse modo, possvel perceber que, embora preocupado com suas atividades cientficas referentes s colees, Francisco Simch no descuidava da necessidade de manter a instituio aberta ao pblico porto-alegrense e de fora da cidade. Seu relato reveste-se de maior interesse por fornecer elementos relacionados aos hbitos de lazer dos moradores da capital, no contexto estudado, marcado pela prtica de esportes, como o futebol, o remo, o hipismo (Pesavento, 1991).

    Alm disso, sem o dizer, o diretor apontava para a tima localizao da nova sede do museu, na Rua Duque de Caxias e situada na parte alta da cidade, prxima Praa da Matriz, onde estavam localizados o Palcio do Governo e a Igreja Matriz. Para aqueles visitantes provenientes de arrabaldes distantes da rea central uma linha de bonde nessa poca ainda de trao animal serviria a contento populao que necessitasse de transporte pblico.

  • 7

    Embora houvesse a preocupao em abrir o museu ao pblico, na nova sede essa meta no estava sendo atingida. No Regulamento aprovado em 1907, previa-se que

    Art. 24. Aos domingos e quintas-feiras ser o museu franqueado visitao publica em horas determinadas pelo Director. 1 O pessoal do estabelecimento manter a ordem no edifcio. 2 Os funcionrios, em dias de visitao, usaro um distintivo que permita sejam facilmente reconhecidos pelos visitantes. 3 O ingresso no museu expressamente proibido aos indivduos descalos, maltrapilhos ou brios. 4 Os visitantes no podero tocar nos objetos expostos, nem ter o chapu na cabea, sendo-lhes vedado fumar. (Rio Grande do Sul, 1908, p. 43)

    No entanto, no ano seguinte, o diretor informava no estar sendo possvel franquear a visitao ao pblico, devido a diversos motivos, entre os quais se destacava a remessa das colees de mineralogia e de botnica para as exposies de S. Luiz, de Milo e do Rio de Janeiro. Segundo ele, o desfalque nas colees seria percebido pelo pblico e poderia gerar descontentamento e reclamaes por parte deste. Apesar de no estar aberto, o museu no se furtava de receber pesquisadores que buscassem informaes sobre as riquezas do Estado, especialmente relacionadas s colees da instituio. No entanto, no eram apenas os cientistas recebidos pelo museu, nessas condies consideradas no ideais por seu diretor, conforme seu relato:

    Aguardando novo regulamento para a repartio e sua consequente organizao definitiva, no franqueei o Museu visitao pblica, com quanto isto se pudesse realizar a qualquer momento. No obstante, grande a afluncia de visitantes ao Museu, aos quais sempre tenho permitido visita, e exame s colees. notvel a grande procura que tem tido a Primeira e a Segunda Seco, por parte dos alunos de institutos secundrios e superiores, aos quais em todo tempo faculto a entrada e forneo

  • 8

    explicaes e demonstraes nas matrias relativas ao assunto; diversas vezes tem mesmo comparecido, depois de aviso prvio, colgios inteiros com os respectivos diretores. (Rio Grande do Sul, 1907, p. 229).

    Atravs de suas palavras, pode-se considerar factvel a preocupao tambm com o pblico de estudantes, dos diferentes nveis de ensino, que visitava o museu a partir de prvio agendamento. As duas sees mais visitadas constituam-se, respectivamente, na Seo de zoologia e botnica e a Seo de mineralogia, geologia e paleontologia. Mais que isso, importante observar que o Museu Julio de Castilhos concentrava, ao longo de seus primeiros anos de existncia, a grande maioria de seus visitantes junto ao pblico escolar. Essa caracterstica de seu maior pblico era comentada por Francisco Rodolpho Simch em 1911, ao apresentar um quadro estatstico de visitas ms a ms, entre os anos de 1903 e 1911:

    MEZES 1903 1904 1905 1906 Janeiro - 5 40 -

    Fevereiro - 3 40 - Maro - 27 152 - Abril - 5 118 - Maio - 43 124 - Junho - 65 184 - Julho - 82 147 -

    Agosto - 204 28 - Setembro - 123 - - Outubro - 176 - -

    Novembro - 109 - - Dezembro - 63 - -

    MEZES 1907 1908 1909 1910 1911 Janeiro - - 12 94 79

    Fevereiro - - 3 112 251 Maro - - 11 420 360 Abril - - 19 519 564 Maio - - 16 539 504 Junho - - 0 467 445

  • 9

    Julho - - 4 412 Agosto - - 4 381

    Setembro - 346 - 349 Outubro - 100 147 424

    Novembro - 22 581 349 Dezembro - 11 202 186

    (Rio Grande do Sul, 1911, p. 32-33)

    Segundo esses dados, o diretor destacava que a visitao ao museu diminua consideravelmente nos meses de dezembro, janeiro, fevereiro e maro, assim justificando:

    A circunstncia tem suas causas no fato de ser esta a poca de frias nos estabelecimentos de ensino (que alis so os maiores fornecedores de visitantes), na ausncia de grande nmero de famlias, que se retiram para veranear, e finalmente nos grandes calores reinantes. (Rio Grande do Sul, 1911, p. 32-33)

    Dessa maneira, importante notar que, mesmo com as dificuldades apontadas para se manter aberto ao pblico, o Museu Julio de Castilhos recebia visitantes de forma sistemtica, especialmente, o pblico escolar principalmente do nvel secundrio, conforme Simch. Mesmo com poucos anos de existncia, o Museu ia tomando parte na vida escolar dos porto-alegrenses, assegurando um lugar como instituio transmissora de saberes.

    Embora a anlise quantitativa das visitas permita, dentro de certos limites, estabelecer concluses relacionadas atuao educativa do museu e a sua preocupao com a presena do pblico nos seus espaos, poucos elementos fornece sobre a visita, sobre as exposies oferecidas pelo museu, sobre as percepes do pblico, entre outros aspectos. No entanto, Francisco Rodolpho Simch apontava a existncia no Museu de um Livro de Reclamaes e Impresses, cujos alguns de seus registros foram transcritos pelo diretor e apresentados nos seus relatrios. Graas a essa prtica do diretor, possvel fazer uma aproximao com o pblico do museu no perodo estudado.

  • 10

    Dos treze relatos transcritos no Relatrio de 1904, doze deles apresentam o mesmo tom laudatrio e elogioso iniciativa do Governo do Estado em criar o Museu, ressaltando o servio competente feito por seu Diretor, cujo exemplo o texto do ento intendente da capital, Jos Montaury de Aguiar Leito: Visitando o Museu do Estado, com o maior prazer observei o excessivo cuidado na organizao dos objetos nele existentes e proficincia incontestvel da respectiva classificao (Rio Grande do Sul, 1904, p. 221).

    Certamente, a seleo dos depoimentos feita por Simch com o objetivo de constar em seus relatrios levou em considerao a aprovao, feita pelos visitantes, de suas realizaes frente da instituio. Pode-se indagar se ele mencionaria crticas feitas ao seu trabalho. No Relatrio de 1905 enfatizou que dos 1402 visitantes do museu no ltimo ano, nenhum registrara reclamaes, como pode ser comprovado no livro citado. Porm, mais que reforar o apoio dos visitantes ao seu labor, o diretor pareceu aproveitar esse expediente do Livro de Reclamaes e Impresses com a finalidade de dar voz a reivindicaes que se tornaram a tnica de seu mandato, enquanto esteve no comando da instituio, a luta por espaos adequados para o Museu. Nesse sentido, destoa dos demais depoimentos o trecho atribudo ao registro escrito por Ramiro Barcellos em sua visita, quando diz:

    A impresso mais acentuada que me deixou a visita ao Museu foi o perigo que correm as ricas colees, se continuarem a permanecer nos pavilhes de madeira em que se acham atualmente, podendo ser destrudas em um momento pelo fogo, ou alteradas pelas intempries. (Rio Grande do Sul, 1904, 222).

    Para compreender a presena dessa transcrio no relatrio faz-se necessrio conhecer melhor seu autor. Ramiro Barcellos era ento um importante poltico filiado ao governista Partido Republicano Rio-Grandense1, que costumava escrever no jornal A Federao, veculo da 1 Nos primeiros anos republicanos Ramiro Barcelos esteve ao lado de Julio de Castilhos,

    sendo cotado para ser seu sucessor. No entanto, Borges de Medeiros assumiu esse

  • 11

    imprensa oficial da legenda. No se pode afirmar, no entanto, que este tivesse algum conhecimento a priori sobre as necessidades de conservao ou segurana de colees museolgicas. Desse modo, parece inverossmil o autor ter chegado a essas impresses sobre as condies das colees por conta prpria. Ao contrrio, a partir desse excerto, possvel imaginar que o prprio diretor tenha buscado apoio poltico junto ao seu interlocutor, um importante membro do grupo no poder, que, prontamente, deixou seu registro, de acordo com as consideraes tcnicas feitas pelo prprio Simch. Assim, no descabido supor que a presena do depoimento escrito de Ramiro Barcellos no relatrio do museu tenha tido por objetivo revestir de fora poltica os argumentos de ordem tcnica apresentados pelo diretor aos seus superiores.

    Dessa forma, necessrio cuidado ao analisar a documentao histrica que pretendeu dar voz ao pblico dos museus, pois esses registros podem informar muito mais que simples impresses de visita, feitas sem a interferncia dos seus gestores. Por outro lado, so elementos relevantes por apresentarem aspectos outros a serem analisados, nesse caso especfico, a busca de apoio poltico s demandas tcnicas realizadas pelo diretor do museu.

    Alm de alguns detalhes sobre as visitas fornecidos pelo Livro de Reclamaes e Impresses, que chegam ao presente por meio dos relatrios do diretor da instituio, possvel conhecer os visitantes do Museu do Estado, quando estes foram especificamente mencionados. Dessa forma, sabe-se que estiveram no Museu, nos anos em estudo, os seguintes visitantes: Clarimundo de Almeida Santos, Manoel Teophilo Barreto Viana, Eugenio Dhne e Jos de Mello, Jos Montaury de Aguiar Leito, Dcio Villares e Felizardo Junior, Arnaldo Barbedo, Alfredo Carlos

    posto, ficando no governo por mais de vinte anos. Estando em lados opostos, Ramiro Barcelos publicou, em 1915, a obra literria Antonio Chimango, um poema campestre satrico cujo personagem uma caricatura de Borges de Medeiros, considerado pelo autor como subserviente s idias de Julio de Castilhos.

  • 12

    de Iracema Gomes, Alberto Barcelos, Ramiro Barcelos, Adolpho Mabilde, Susviela Guarch, Octaclio Barbedo, Gasto Gomes, V. Camargo, Innocencio Garcia, Jannasch, J. C. White e Francisco de Paula Oliveira e Carlos Moreira, Carlos Moreira e Cicero Campos e Benedito dos Santos, Joo O. de S Camello Lampreia, Dr. J. Martin, Cnsul da Blgica, Engenheiro Wolf, Dr. Thore Hall, Capito do Exrcito Alfredo Carlos de Iracema Gomes.

    Mais que uma relao onomstica de visitantes importa mencionar esses nomes selecionados por Francisco Rodolpho Simch, medida em que esses foram qualificados e foram fornecidas informaes sobre o objetivo de suas visitas. Por um lado, essa seleo de nomes e depoimentos mencionados nos relatrios, passava pela escolha do que Simch considerava como visitas ilustres, tais como o Intendente da Capital, Jos Montaury Aguiar Leito; o artista positivista carioca Dcio Villares; o ministro de Portugal Joo O. de S Camello Lampreia; Cnsul da Blgica; o Presidente da Repblica; os Secretaios do Interior e de Obras Pblicas; o Baro Homem de Mello, acompanhado do Coronel Aurelio de Bittencourt; o General Salvador Ayres Pinheiro Machado, Vice-Presidente do Estado.

    Por outro lado, o diretor ressaltava as visitas especializadas nas reas cientficas estudadas pela instituio. No ano de 1905 registrou a visita da comisso geolgica chefiada por Mrs. S. White, do ministro portugus e do Dr. Martin, todas, segundo o diretor, pessoas competentes no assunto do museu. No ano de 1908 registrava a visita de Thore Hall, proveniente do Recksmuseum de Estocolmo, vindo especialmente ao Rio Grande do Sul, estudar a flora fossvel carbonfera recolhida ao Museu. No ano de 1910 registrava a visita do professor de biologia Dr. Julius Fembach que esteve em excurso pelo Estado pretendendo reconhecer as condies para uma expedio completa no sentido de se realizar uma campanha cientfica, abrangendo o Rio Grande do Sul, S. Catharina, Paran, S. Paulo, Gois e Maranho (Relatrio, 1910, p.29).

  • 13

    Alm de receber os visitantes que procuravam o museu, o diretor preocupava-se em oferec-los uma publicao nos moldes de um folheto guia, vendida a preos mdicos, chamando a ateno para os objetos ou colees de maior destaque. O guia ainda propiciaria informaes detalhadas aos visitantes sobre as colees na ausncia do diretor, quando estando apenas presente o guarda da instituio, este no teria condies de fornecer dados sobre o acervo. Tal proposta, no entanto, parece no ter-se concretizado, perdendo-se entre as tantas reivindicaes de Simch, encaminhadas aos seus superiores.

    Alguns aspectos da trajetria do Museu Julio de Castilhos nas primeiras dcadas de sua existncia e que chegaram ao presente por meio dos relatos de seu primeiro diretor podem ser evidenciados no que se refere ao foco desse texto. Desde sua criao o Museu foi formalizado no sentido de receber visitaes, ou seja, foi imaginado como um museu aberto ao pblico. Mesmo lidando com dificuldades de diversas ordens, visvel o esforo de Francisco Rodolpho Simch em receber visitas, mesmo nas situaes em que a instituio no estava franqueada visitao pblica. As estatsticas demonstram o crescimento do nmero de visitantes, pelo menos at certo perodo, vindo a decair posteriormente. Mas mesmo com essa queda paulatina e sistemtica da frequncia, o museu mantm seu funcionamento, recebendo visitantes.

    parte as informaes quantitativas e referentes abertura ou fechamento dos seus espaos ao pblico, escasseiam as informaes sobre os visitantes e as visitas. Alguns nomes citados e depoimentos transcritos nos relatrios apenas permitem, por enquanto, uma ainda esmaecida aproximao. At esse momento, possvel corroborar informaes j trazidas (Nedel, 1999) de que o Museu recebia pesquisadores nacionais e estrangeiros. No entanto, no era esse seu nico pblico. O Museu recebia, especialmente, turmas de escolares atravs de visitas pr-agendadas e da provinha a maioria do seu pblico.

  • 14

    A presena dos visitantes dos diversos nveis de ensino no Museu vem a corroborar a j apontada (Possamai, 2009 e 2010) relao entre a instituio e o mtodo Lies de Coisas. O Museu como lugar de coleta, guarda, conservao e exposio das coisas produzidas no Rio Grande do Sul, paulatinamente, impunha-se como espao relevante de aprendizagem sobre saberes que a escola no alcanava. No entanto, esse dilogo com as escolas ser rompido, quando Francisco Rodolpho Simch, j cansado de tanto mendigar por condies adequadas para o funcionamento das cincias no Museu, deixa a instituio, em 1925. Desde ento, e por vrios anos, o museu permaneceria com suas portas fechadas.

    REFERNCIAS

    BASTOS, Maria Helena Cmara. Pro Patria Laboremus: Joaquim Jos de Menezes Vieira (1848-1897). Bragana Paulista: EDUSF, 2002. LOPES, Maria Margaret. O Brasil descobre a pesquisa cientfica. So Paulo: Hucitec, 1997.

    LOPES, Maria Margaret; MURRIELLO, Sandra Elena. Cincias e educao em museus no final do sculo XIX. Hist. cienc. saude-Manguinhos v.12 supl.0 Rio de Janeiro 2005.

    NEDEL, Letcia Borges. "Paisagens da Provncia": o regionalismo sul-rio-grandense e o Museu Julio de Castilhos nos anos cinqenta. Dissertao. (Mestrado em Histria) Instituto de Filosofia e Cincias Sociais, UFRJ, 1999.

    PESAVENTO, Sandra Jatahy. (Org.). Memria Porto Alegre: espaos e vivncias. Porto Alegre: Ed. da Universidade/UFRGS/ Prefeitura Municipal de Porto Alegre, 1991.

    POSSAMAI, Zita Rosane. Lies de coisas no museu: o mtodo intuitivo e o museu do Estado do Rio Grande do Sul, Brasil, nas primeiras dcadas do sculo XX. In: Anais do Congresso Luso-Brasileiro de histria da Educao, So Luiz, 2010.

  • 15

    POSSAMAI, Zita Rosane; BENETTI, Daiane. Um museu de cincias se aproxima da escola: relaes entre o Museu do Estado e a educao nas primeiras dcadas do sculo XX. In: Anais do 15 Encontro Sul-Rio-Grandense de Pesquisadores em Histria da Educao, Caxias do Sul, 2009.

    RIO GRANDE DO SUL. Relatrio da Secretaria de Estado dos Negcios das Obras Pblicas. Porto Alegre, 1903-1925. Acervo do Arquivo Histrico do Rio Grande do Sul.

    RIO GRANDE DO SUL. Decreto n. 1.140, de 19 de julho de 1907. Acervo do Museu Jlio de Castilhos.

    SCHWARCZ, Llia Moritz. O espetculo das raas: cientistas, instituies e questo racial no Brasil: 1870-1930. So Paulo: Companhia das Letras, 2005.

    VIDAL, Diana Gonalves. Por uma pedagogia do olhar: os museus escolares no final do sculo XIX. In: VIDAL, Diana Gonalves e SOUZA, Maria Ceclia Cortez Christiano. (Org.). A memria e a sombra: a escola brasileira entre o Imprio e a Repblica. Belo Horizonte: Autntica, 1999.

    VIDAL, Diana Gonalves; FARIA FILHO, Luciano Mendes. Histria da educao no Brasil: a constituio do campo (1880-1970). Revista Brasileira de Histria. So Paulo, v. 23, n. 45, p. 37-70, 2003.