o modo artístico de revolução. da gentrificação à ocupação - martha rosler

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/8*$5 &2080 1 SS 2 PRGR DUWtVWLFR GH UHYROXomR GD JHQWUL¿FDomR j RFXSDomR Martha Rosler 155 Embora extremamente importante, uma discussão sobreas lutas, êxodos e reapropriações do trabalho cognitivo especialmente no campo das artes visuais e especialmente quando tidas como a linha de frente da “classe criativa”, é supe- rada pela generalização mundial das manifestações públicas e das ocupaçõesdo ano passado, desse ano, e talvez do próximo. Eu gostaria de revisitara tese da classe criativa que eu tenho explorado aqui em uma recente série de ensaios vi- VDQGR HVWUXWXUDU PLQKDV SHUFHSo}HV j OX] GHVVDV RFXSDo}HV D ¿P GH ID]HU DOJXPDV observações sobre a relação entre os artistas, o posicionamento da classe criativa e o movimento Occupy. Mesmo antes da “multidão” se tornar um marco comum para os sonhos de revolução, em 1999, Seattle ganhou fama quando os protestos anti-corporati- vos reuniu ambientalistas e ativistas comunitários com forças de trabalho orga- nizadas para bloquear uma reunião da Organização Mundial do Comércio – um cenário que se repetiu em vários lugares em vários países desde então 156 . Não é novidade que os processos que ocorrem sob o termo de globalização – que visam RV ÀX[RV GH FDSLWDLV EHQV H WUDEDOKR ± FULDP XPD XQLGDGH TXH QHP VHPSUH VHUYH aos interessesdo capital ou dos capitalistas. Canalizando Marx, Nouriel Roubini escreveu em “A Instabilidade da De- sigualdade” que “o capitalismo desregulado pode levar a ataques regulares de ex- FHVVR GH FDSDFLGDGH EDL[R FRQVXPR H j UHFRUUrQFLD GH FULVHV ¿QDQFHLUDV GHVWUX- tivas, alimentadas por bolhas de crédito e preços de ativos e de crescimento.” 157 . 7UDGXomR GH %DUEDUD 6]DQLHFNL H &ULVWLQD 5LEDV HÀX[ H 0DUWKD 5RVOHU 156 O movimento geralmente etiquetado como anti-globalização é mais apropriadamente re- conhecido pelos seus membros e simpatizantes como movimento “alter-globalização” ou algu- ma variante do termo e é anti-corporativo mais do que anti-globalização, embora a globalização seja um termo derivado de seus entusiastas. Ver a discussão de Theodore Levitt abaixo. 157 Ver artigos de Nouriel Roubini. No post que data de 14 de outubro de 2011, ele começa aludindo à “turbulência social e política e instabilidade em todo o mundo, com massas de pes-

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O Modo Artístico de Revolução. Da Gentrificação à Ocupação - Martha Rosler

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  • Martha Rosler155

    Embora extremamente importante, uma discusso sobreas lutas, xodos e reapropriaes do trabalho cognitivo especialmente no campo das artes visuais e especialmente quando tidas como a linha de frente da classe criativa, supe-rada pela generalizao mundial das manifestaes pblicas e das ocupaesdo ano passado, desse ano, e talvez do prximo. Eu gostaria de revisitara tese da classe criativa que eu tenho explorado aqui em uma recente srie de ensaios vi-

    observaes sobre a relao entre os artistas, o posicionamento da classe criativa e o movimento Occupy.

    Mesmo antes da multido se tornar um marco comum para os sonhos de revoluo, em 1999, Seattle ganhou fama quando os protestos anti-corporati-vos reuniu ambientalistas e ativistas comunitrios com foras de trabalho orga-nizadas para bloquear uma reunio da Organizao Mundial do Comrcio um cenrio que se repetiu em vrios lugares em vrios pases desde ento156. No novidade que os processos que ocorrem sob o termo de globalizao que visam

    aos interessesdo capital ou dos capitalistas.Canalizando Marx, Nouriel Roubini escreveu em A Instabilidade da De-

    sigualdade que o capitalismo desregulado pode levar a ataques regulares de ex--

    tivas, alimentadas por bolhas de crdito e preos de ativos e de crescimento.157.

    156 O movimento geralmente etiquetado como anti-globalizao mais apropriadamente re-conhecido pelos seus membros e simpatizantes como movimento alter-globalizao ou algu-ma variante do termo e anti-corporativo mais do que anti-globalizao, embora a globalizao seja um termo derivado de seus entusiastas. Ver a discusso de Theodore Levitt abaixo.

    157 Ver artigos de Nouriel Roubini. No post que data de 14 de outubro de 2011, ele comea aludindo turbulncia social e poltica e instabilidade em todo o mundo, com massas de pes-

  • -freada criaram um capitalismo que consome seu modelo anterior. Roubini segue em frente lembrando seus leitores que, mesmo antes da Grande Depresso, a bur-guesia esclarecida percebeu que a proteo ao trabalhador um sistema redistri-butivo que fornecesse bens pblicos tais como educao, sade e uma rede de segurana social eram necessrios para evitar a revoluo.158 Roubini salienta em seguida que o Estado social moderno welfare state nasceu de uma necessidade na ps-Depresso de uma estabilizao macroeconmica que exigia a manuten-o de uma grande classe mdia, ampliando a oferta de bens pblicos por meio da tributao progressiva e fomentando oportunidades econmicas para todos; mas tudo isto foi abaixo durante a desregulamentao macia de Reagan-Thatcher, que Roubini que no sequer marxista fareja em parte nas falhas no modelo

    -o da regulamentao e em falta de dinamismo econmico. (Ibidem) 159

    Diferentemente da maioria, Roubini proclama o fracasso deste modelo econmico anglo-americano de abraar polticas econmicas que aumentam a desigualdade e criam um fosso entre rendas e aspiraes. Polticas que, ao liberar o crdito ao consumo, fazem aumentar a dvida do consumidor assim como a dvida

    -

    tomou conta da imaginao e dirigiu as polticas das elites do ex-bloco do Leste.

    soas nas ruas reais e virtuais: a Primavera rabe; tumultos em Londres, de classe mdia de

    de vida, protestos de estudantes chilenos, a destruio na Alemanha dos carros de luxo dos gatos gordos; movimento da ndia contra a corrupo; infelicidade crescente com a corrupo e a desigualdade na China; e agora o Occupy movimento de Wall Street , em Nova York e em todos os Estados Unidos.

    -ram empregadas nos Estados Unidos, durante a Grande Depresso, para mobilizar apoio para os mais pobres sob a administrao de Roosevelt, com o entendimento de que aliviar o sofrimento seria evitar revolta.

    alguns outros economistas, particularmente Joseph Stiglitz, Dean Baker e Paul Krugman, do New York Times, ou Simon Johnson, ex-economista-chefe do FMI, para delinear os medos da esquerda-liberal dos economistas ocidentais.

  • Muitas delas (como por exemplo a Letnia)160, ao implementar as medidas de aus-teridade prescritas,esto destruindo suas classes mdias do presente e do futuro, exatamente como a Gr-Bretanha neo-Thatcheriana161.

    Nos Estados Unidos, o Citibank, que exigiu dois resgates do governo

    no valor de 3,8 bilhes de dlares nooutono de 2011, que correspondem a um aumento de 74% em relao ao trimestre anterior, enquanto seu diretor, Vikram Pandit, expressou sua simpatia aos manifestantes do Ocuppy Wall Street e props um encontro com eles.

    Inspiradas nos levantes no mundo rabe em 2011, as ocupaes em curso no mundo inteiro so movidas pela frustrao de jovens de classe mdia e for-

    160 Letnia, um pequeno pas do Bltico que (como os outros dois pases blticos, Estnia e Litunia) se libertou da Unio Sovitica em colapso no incio de 1990, at agora o exemplo mais ntido dessa sndrome, tambm se pode citar a Irlanda e, possivelmente, a Grcia, Espanha e Portugal, no prximo ano, todos os que esto em contraste com o curso da Islndia (a menor economia de todos eles, mas no um membro da zona do euro) que prontamente rejeitou quais-

    em sua prpria dvida e perseguiu seus principais banqueiros por fraude criminal. No incio de 2000, o governo de centro-direita da Letnia instituiu medidas neoliberais agressivas, em grande

    inclusive cortando penses e salrios. A classe mdia nascente, em uma histria familiar, tinham sido induzida a comprar casas a crdito barato, mas esta dvida hipotecria (devida em grande parte a bancos suecos e alemes) no pode ser reembolsada, enquanto os valores de propriedade tambm caram. As medidas de austeridade no conseguiram melhorar os balanos da Letnia, mas reduziu a classe mdia, para no mencionar os pobres, ao modo de subsistncia ou emi-grao. Dezenas de milhares de letes foram embora e a taxa de desemprego est em ou acima de 20%. A referncia a partir de 2010 http://www.counterpunch.org/2010/02/15/latvia-s-road--to-serfdom/ e, a partir de 2011: No entanto, como a Irlanda, a Letnia bizarramente saudada como um exemplo bem sucedido de oramento de austeridade. (Krugman escreve: Mais alguns sucessos como este e Letnia estar de volta Idade da Pedra).

    161 A Comisso Europeia votou em 2011 no pacote de seis, um conjunto de medidas que substitui as habilidades de membros de estados para controlar seus oramentos, reinstituindo o

    -brana de grandes multas, entre outras penalidades. Segundo a economista Susan George, a Co-misso tambm est construindo uma mudana na proteo dos trabalhadores levando a longas semanas de trabalho, salrios mais baixos e, posteriormente, a aposentadoria tardia. A situao em relao Grcia (que ter monitores da CE locais para impor medidas de austeridade) ainda em desenvolvimento mostra a direo anti-trabalho, uma caracterstica do neoliberalismo, dos

  • mados no caso rabe, trata-se de classes mdias razoavelmente novas que en-frentam sociedades controladas por elites extremamente ricas mas que tm pouca esperana num futuro seguro para si apesar de seus estudos universitrios. Trata-

    de bem-estar ou mesmo neoliberais, nem para controlar a corrupo, a indiferena

    de governana democrtica. Manifestantes no mundo desenvolvido sabem que esto compartilhando condies que so funcionalmente semelhantes.162

    Esses protestos assim como as mobilizaes ocorridas na Frana em 2006, onde se viu largamente uma mobilizao contra a precariedade (ou pre-carizao), assim como as revoltas posteriores nas periferias de Paris ou na In-

    especialmente a sua raiva contra a violncia policial racista. No caso ingls, esses jovens estavam nas ruas destruindo e saqueando junto com os jovens da classe mdia. Alguns desse ltimo grupo haviam se mobilizado meses antes como os jovens chilenos esto fazendo ainda em grande parte por conta dos aumentos esmagadores das mensalidades escolares que foram impulsionados pela coalizo conservadores-liberais-democratasno governo. Os protestos desses grupos, des-

    162 Apesar dos protestos da Europa Ocidental em resposta a um futuro sem perspectivas tais como os indignados ou encampados na Espanha e as muitas manifestaes na Praa Sintagma na Grcia que constituram exemplos crticos e apesar da revolta na Tunsia que acabou sendo pelo menos em parte bem sucedida, a escala e sucesso improvvel da ocupao na Praa Tahrir no Cairo se tornou a pedra de toque para o movimento, e assim permanece, independentemente de seus objetivos ainda no cumpridos, em reconhecimento do seu papel, ocupantes veteranos da Praa Tahrir, enviaram uma mensagem ao Occupy Wall Street: A crise atual na Amrica e na Europa ocidental comeou, para voc tambm, a trazer esta realidade para casa: do jeito como as coisas esto, todos iro trabalhar duro, as costas quebradas pelas dvidas pessoais e austeridade pblica. No satisfeito com a eliminao dos restos da esfera pblica e do bem--estar social, o capitalismo e o estado de austeridade agora mesmo ataca a esfera privada e direito das pessoas moradia decente com milhares de proprietrios hipotecados encontram-se simultaneamente sem casa eem dvida com os bancos que os levaram para as ruas. Ento, ns estamos com vocs no apenas em suas tentativas de derrubar o antigo, como para experimentar o novo. No estamos protestando. Quem est l para protestar? O que poderamos pedir-lhes que eles poderiam conceder? Estamos ocupando. Estamos reivindicando esses mesmos espaos de prtica pblica que foram mercantilizados, privatizados e trancados nas mos da burocracia sem rosto, carteiras imobilirias e proteo policial. Guardem esses espaos, alimentem-nos

    praas, prdios? Trabalho que os fez reais e habitveis? Por que deveria parecer to natural que sejam policiados e disciplinados? Recuperar estes espaos e gerenci-los de forma justa e

  • sas classes, foram disparados pelo reconhecimento de que provavelmente no h trabalho garantido para eles, ou talvez emprego algum.

    Mas a precarizao no uma consequncia necessria de alguma forma particular de trabalho.

    A precarizao agora se soma mecanizao (substituio de trabalha-dores por mquinas), deslocalizao (busca mundial do capital pela mais fraca

    do valor excedente no mercado de ae sem oposio mais-valia extrada de fabricao) como uma das grandes estratgias utilizadas para recuperar a lucrati-vidade desde os anos 1960. Estas estratgias, complementamos assaltos mais am-plamente observados ao Estado de bem-estar social e direitos do trabalhador (MA-RAZZI, 2011). Muitos dos estudantes e jovens diplomados que protestavam,por sua vez,vinham se preparando para empregos naquelas que temos chamado de indstrias do conhecimento, ou, mais recentemente, de indstrias criativas, um ramo da primeira.

    1. Universidade como motor, modos de vida em estilo de vida

    Deixe-mevoltar um pouco para trs, ou seja, para a consolidao deste setor na aurora da era da informao no incio da dcada de 1960. Clark Kerr, economista do trabalho, primeiro reitor do campus elitista de Berkeley na Univer-sidade da Califrnia e ento presidente de todo o sistema UC, viu a universidade como um local para a produo de trabalhadores do conhecimento. Em 1960, ele supervisionou a criao de um Plano Diretor de crescimento para osculo XXI que harmonizava as instituies pblicas de ensino superior e as organizou em trs nveis: universidades de pesquisa, universidades estaduais e junior colleges de dois anos (rebatizados como faculdades comunitrias). Esse plano de refe-

    o setor do conhecimento, das elites para as classes trabalhadoras, em um mundo politicamente dividido. Kerr chamou a universidadede instrumento privilegiado de propsito nacional e imaginou que a indstria do conhecimento (termo que cunhou) superaria eventualmenteas indstrias em torno dos novos meios detrans-

    -cao da nao, atuando como se um astroeconmico e servindo como motor do dominao dos EUA sobre o resto do mundo.

    O movimento fundamental de protesto estudantil dos anos 1960 o Mo-vimento pela Liberdade de Expresso em Berkeley foi provocado em parte pelas polticas educacionais e de gesto assim como pelos objetivos de Kerr. Foi um

  • movimento de um setor de liderana da classe mdia que estava destinado a se tornar a classe de trabalhadores de elite das novas indstriasdo conhecimento, seno seus prprios lderes. Ironicamente, hoje o sistema de UC est praticamente

    campi universitrios pelo dicionrio da Apple campi universitrios so muitas

    vezes o termmetro da mudana.163

    Em contraste, a subcultura punk britnica da dcada de 1970 foi, sem d-vida, uma respostada classe trabalhadora a um futuro limitado, apesar de ser par-cialmente direcionada para escolas de arte que, em qualquer caso, foram inova-dores repositrios experimentais para desajustados da classe trabalhadora. Como Dick Hebdig e descreveu,

    quanto de conservadores de que nunca estivemos to bem, a classe se recusou a desaparecer. As formas nas quais a classe era vivida, as formas nas quaisa ex-perincia de classe encontrava expresso na cultura, mudaram drasticamente. O advento dos meios de comunicao de massa, as mudanas na constituio da famlia, na organizao da escola e do trabalho, transformaes no status relativo de trabalho e de lazer, tudo serviu para fragmentar e polarizar a comunidade da classe operria, produzindo uma srie de discursos marginais dentro dos limites gerais da experincia de classe (HEBDIGE, 1979).

    O punk era antimercadoria e anticorporao, e seguiu uma ttica de en-feiamento e automutilao, uma resposta foda-se! cultura burguesa; o fato de que ele foi rapidamente mercantilizado e fortemente promovidona indstria da msica no era a questo central... At que, pelo menos, essa se tornou central. Para as geraes ps-1970, polticas de estilo de vida tornaram-se quase indistin-guveis tanto da poltica quanto da vida cotidiana, e esse quadro de referncia j se espalhou mundo afora.

    Na verdade, o estilo de vida tem sido intensamente desenvolvido como um ponto importante para a comercializao de bens de consumo. Em anlises de marketing do estilo de vida oferecidas em 1984 (quando o pensamento era novo), Theodore Levitt, professor de administrao de empresas e marketing de Harvard, comentou sobre o fracasso da empresa Hoover em vender mquinas de lavar na Europa: Perguntava-se s pessoas que funes elas gostariam de ter em sua m-quina de lavar roupa ao invs de perguntar o que elas queriam da vida (LEVITT,

    163 O New Oxford American Dictionary vem instalado em computadores da Apple que usam a verso OS X desde 2005.

  • 1984)164. creditado a Levitt, editor da Harvard Business Review, a populariza-o do termo globalizao. Em A Imaginao do Marketing, seu best-seller de 1983, Levitt indicou que, como resultado da expanso mundial da mdia, os Estados Unidos estavam em uma posio mpar para comercializar suas mercado-rias em todos os lugares, elevando seus denominados bens high touch jeans e Coca-Cola ao lado de bens de alta tecnologia (e, integralmente, junto com eles, o americanismo e o idioma Ingls) ao patamar de bens mais cobiados do mundo.

    Uma fora poderosa impulsiona o mundo na direo de uma comunho convergente, e essa fora a tecnologia... Quase todo mundo, em todos os luga-res, quer todas as coisas que eles tenham ouvido falar sobre, visto ou experimen-tado atravs das novas tecnologias.

    Em suma, sem nome-la, mas simplesmente colocando-a sob a regra da

    subordinao no atacado das reivindicaes de um produto racional modelagem psicolgica criada por Bernay e universalizada, que a base do marketing de estilo de vida. Levitt se refere homogeneizao como meio tanto quanto como resultado da globalizao.165 Ele diferencia as multinacionais das corporaes globais forward thinking, que, segundo ele, vendem da mesma maneira em todo e qualquer lugar produtos padronizados automveis, ao, produtos qumicos, petrleo, cimento, produtos e equipamentos agrcolas, construes industriais e comerciais, servios de bancos e seguros, computadores, semicondutores, trans-portes, instrumentos eletrnicos, produtos farmacuticos e de telecomunicaes, para mencionar apenas alguns dos mais bvios.

    Ao longo de 30 anos, colocamos muitas dessas categorias na matriz bas-tante atrapalhada de Levitt sob a rubrica das indstrias do conhecimento, incluindo a gesto da produo industrial fordista (de automveis, ao, produtos qumicos,

    164 Ao distinguir o que ele considera um arranjo multinacional de um global, Levitt escreve: O caso da Hoover ilustra como a prtica perversa do conceito de marketing e a ausncia de qualquer tipo de imaginao de marketing deixou atitudes de multinacionais sobreviverem quando os clientes realmente querem os benefcios da padronizao global. O projeto todo comeou com o p errado. Ele perguntou s pessoas quais caractersticas eles queriam em uma mquina de lavar roupa, ao invs de o que queria da vida. Vender uma linha de produtos adaptados individualmente a cada nao impensvel. Gerentes que se orgulhavam de praticar o conceito de marketing ao mximo no o praticaram de fato. Hoover fez as perguntas erradas, para em seguida no aplicar nem o pensamento nem a imaginao para as respostas Theodore Levitt, a globalizao dos mercados, The McKinsey Quarterly (Vero 1984).

    165 No homogeneizante mercado mundial, certos bens tais como pizza, tacos, bagels e tornam-

  • petrleo, cimento, produtos e equipamentos agrcolas, construes industriais e comerciais, servios de bancos e seguros, computadores, semicondutores, trans-portes, instrumentos eletrnicos, produtos farmacuticos). Ao longo de 30 anos,

    determinar como vivemos ou como devemos viver. As pessoas formam alianas baseadas no gosto, sobretudo atravs do tribalismoda aparncia-como-identidade. Aglomeraes de estilos de vida mercantilizados incluem no apenas bens, mas pessoas, crianas, conquistas pessoais, e elas tendem aser caras para serem adqui-ridas e mantidas. O punk agora outra opo de estilo de vida, ainda que urbana e romntica. Junto com o Gtico eoutros modos de vida associados com o East Village de Nova Iorque, o punk tambm fornece o uniforme preferidodos descon-tentes dos subrbios e das pequenas cidades shopping-moradia, enquanto o estilo hip-hop do Bronx (Bronxish), que popular no mundo inteiro, exerce a mesma funo para a classe trabalhadora de cor166. Nesta taxonomia, hipsterism o

    uma consequncia direta da disponibilidade fcil de bens culturais atravs de meios tecnolgicos.

    obtida em faculdades e universidades, combinada com a captura e branding de iniciativas lideradas ou gerenciadas por artistas aqueles que residiam fora do mbito das instituies artsticas podem ampliar a rede social e o vocabulrio de ao. Sabemos que, em uma economia ps-industrial, praticamente todo o traba-lho cai de certa forma sob o reinado da linguagem e do comportamento simblico. Com certeza, todos os produtos culturais so achatadas em informao, mistu-rando junto pesquisa, redao, entretenimento e, claro, arte. A recepo popular da arte e seu pblico amplamente expandido permitiram, no momento presente, uma visibilidade mtua entre artistas e outros grupos subempregados, tanto for-mados quanto subformados. Ou, talvez, mais diretamente, procura de uma srie

    -modou-se nas teorias Continentais do capital estetizado. Como explicar a posio peculiar de artistas na ou perto da vanguarda da organizao capitalista? Assim,

    artistas, juntamente com outros membros do setor simblico, quando o futuro bate numa parede de tijolos, essas ideias e alianas em potencial podem ter consequ-ncias revolucionrias. Os artistas e grupos liderados por artistas, e outros grupos

    166 A autora Martha Rosler utiliza a expresso de cor.

  • no escolas de arte estiveram no centro da instituio, da criao de estratgias e da energizao do Occupy Wall Street no Zuccotti Park de Nova Iorque reba-tizado Liberty Park.167

    Um modo de vida que se baseia na virtude e boa vida secular, tal como foi vendido a uma gerao que cresceu formada por campanhas de escola e de m-dia que promoviam responsabilidade cvica e moral tais como Diga no s dro-gas168, Fumar mata, e Salve a Terra , sem dvida alguma, mais propensa a ser adotado por jovens graduados em escolas de arte urbanas do que qualquer outro

    167 A Occupy Wall Street foi posta em movimento por uma srie de eventos que eu posso apenas parcialmente esboar aqui. A ocupao havia sido prenunciada um par de meses antes por Bloombergville nome inspirado no prefeito de Nova York que foi um acampamento de trs semanas de lderes sindicais e ativistas de base realizado no City Hall Park contra cortes oramentais draconianos. (Outro precedente importante: a longa semana ocupao do Wiscon-sin State House, em Madison, apoiado pelos sindicatos, incluindo sindicatos de polcia). Um artigo especulando sobre a possibilidade de emular a Praa Tahrir pelo anarquista e antroplogo David Graeber foi publicado na Adbusters, uma revista de inspirao situacionista e de alto brilho canadense. Em seguida, a Adbusters fez uma chamada geral para a ocupao de Wall Street em 17 de setembro. As discusses sobre a possibilidade de construir um movimento haviam sido realizadas durante o vero no 16Beaver, um espao discursivo mantido por artistas na rea de Wall Street. Uma reunio ad hoc em 16Beaver depois de um seminrio pesado sobre Dvida / Commons com ativistas e acadmicos em que Graeber discutidas seu trabalho sobre a

    a ocupao centrada em uma Assembleia Geral. O grupo Bloombergville reuniu a ocupao de 17 de setembro mas Graeber, juntamente com o japons anarquista ativista Sabu Kohso e a artista anarquista e ativista Georgia Sagri a quem ele havia encontrado no seminrio 16Beaver organizaram em seguida a Assembleia Geral em linhas anarquistas.Em outubro de 2011, a Adbusters ofereceu um aconselhamento ttico que era mais artivista do que ativista nos moldes da velha escola, mas ainda assim parecia familiar aos protestos contra a

    -deiras desviantes, performances subversivas e desvios ldico de todos os tipos. Abra sua ima-ginao insurrecional. Qualquer coisa, de uma transformao de baixo para cima da economia global at a mudana na maneira como ns comemos, nos locomovemos, vivemos, amamos e nos comunicamos... pode ser a fasca que sustenta uma revoluo global da vida cotidiana! Os Estudos da Performance Departamento da Universidade de Nova York logo depois comeou a apresentar uma srie semanal de palestras e workshops com foco na mudana social atravs de tticas e estratgias criativas.

    168 Drogas, isto , no consideradas como parte do formulrio aprovado Big Pharma. Isso

    boas e ms drogas, mas muitas vezes com base em outros critrios de legalidade.

  • yuppies -tornado). Esses ltimos eram advogados, publicitrios e editores de revistas com

    de baixo nvel de especializao e aspirantes em seu campo de atuao. A vida urbana tem forte apelo para os membros dessas indstrias que, por sua vez, so

    face a face e das excitaes do ambiente urbano.

    2. A nova cidade criativa

    Essa onda de preferncia renovada pela cidade pode ser atribuda ao boom econmico do ps-guerra nas democracias do oeste industrial estou

    -

    muitos moradores das cidades migraram para as pequenas cidades e subrbios recm-construdos, fato que causou certo encolhimento urbano.169

    Um efeito desse despovoamento foi a evacuao de muitos centros de ne-gcios e a falncia de muitas indstrias da cidade. Mas a direo da migrao co-meou a ser revertida quando crianas entediadas da classe mdia suburbana (jun-tamente com os gerentes de empresas e os yuppies recm-formados) foram atradas pelos prazeres organizados da vida da cidade, no apenas pelos museus e teatros, como tambm pela vertiginosa mistura de anonimato, comunidade, diversidade e possibilidade que preenchem o imaginrio urbano. Para ser direta, a experincia brutalmente homognea de vida nos subrbios, com seus shoppings idnticos e re-des de fast food, no oferece muito daquele potencial modo de ser criativo na for-

    quanto em pequenas cidades rurais, mas no em subrbios cercados. Esse repovoamento e transformao das cidades de espaos carentes

    de lojas e fbricas, carentes de recursos, e habitados por pessoas pobres e da classe trabalhadora ou ocupantes que vivem no parque habitacional degradado, transformado em espaos de desejo da classe mdia, de compras e entretenimento

    169 Considerando que o racismo foi um importante motivador, o encolhimento urbano resultante algumas vezes atribudo no em pouca proporo ao movimento branco. Pequenas cidades se tornam cidades-dormitrio para trabalhadores dos centros. A cidade de pequeno porte se tornou a preferncia de moradores dos Estados Unidos por conta da sua histria e foi idealizada durante o segundo ponto alto da sociologia americana que foi difundida na Segunda Guerra Mundial.

  • de alto nvel levou pelo menos uma gerao. Isso tambm depende do esforo conjunto de lderes da cidade. Os bairros Soho e East Village em Nova Iorque j

    -mazns e reas decadentes em bens imobilirios valiosos poderia ser realizada ao permitir que artistas pudessem viver e trabalhar neles mais que nada, o governo

    necessidades. Os representantes eleitos que, em pocas anteriores, poderiam ter apoiado o trabalho organizado, descobriram que tais crculos eleitorais estavam desaparecendo. Artistas, alm disso, no iriam se organizar e tornar a vida difcil para os governos municipais. Nas dcadas seguintes, o modelo Soho tornou-se paradigmtico para cidades no mundo inteiro. (Outra ttica popularera atrair pe-quenas novas lojas industriais, principalmente aquelas de alta tecnologia.) Mas no importa o quanto as artes (artes cnicas ou artes visuais institucionalizados em museus) foram consideradas motor econmico em algumas cidades, tal recur-so no aplicvel em qualquer lugar, e nem toda cidade pode de fato funcionar como um m para as artes. Uma nova teoria urbana se fazia necessria170.

    A utilidade cvica de jovens educados, mas muitas vezes economicamen-te marginalizados foi popularizada por um jovem professor de planejamento ur-bano na Universidade de Carnegie-Mellon University, na cidade ps-industrial de Pittsburgh. O que o professor Richard Florida viu sua volta naquela cidade em declnio foram bairros tornados aconchegantes e atraentes graas aos esforos de jovens recm-formados que montavam lojas de cafe pequenas empresas em locais de aluguel barato. O ambiente de consumo amigvel criado amigvel para os clientes de classe mdia enfatizava gostos compartilhados desde meados da

    -

    mostrava que elementos do que poderia, ironicamente, ser visto como virtude su-burbana, da reciclagem jardinagem passando pelo artesanato (talvez resgatados da sabedoria de uma pequena cidade paradisaca por revistas de estilos de vida nostlgicos), estavam sendo trazidos de volta aos bairros decadentes da cidade.

    O professor Florida desenvolveu uma nova teoria baseada em vender esses amontoados de jovens geralmente subempregados assim como categorias subculturais como gays, que tendem eles tambm a se reunir no que se costuma-

    170 Ainda que a demonizao da classe trabalhadora e dos trabalhadores pobres em reas caindo de maduras para a colheita da propriedade privada seja uma prtica j antiga, a

    mesma; anteriormente, privilgios de classe eram tomados como um direito de posse merecido.

  • va chamar de vizinhana bomia para planejadores urbanos como se fossem remdio certo para o desuso urbano (Ou aparentemente vend-los, pois h aqui uma ttica que funciona como uma isca). Criando uma forma nova e cativante de pensar o marketing da cidade como um marketing do estilo de vida assim como

    uma tbua de salvao para gestores municipais muitas vezes desesperados171, seu livro A Ascenso da Classe Criativa... e seu papel na transformao do trabalho, do lazer, da comunidade e do cotidiano ofereceu ao evangelismo dos negcios o esboo de uma virada astuta. Com suas anlises aparentemente sistemticas, Flo-rida transformou a popularidade do seu livro num novo emprego e numa carreira de consultor. Ele agora o chefe do Instituto Prosperidade Martin da Universida-de de Toronto, e consultor para cidades, empresas, museus e organizaes sem

    Florida, uma palavra-chave. Seu site, creativeclass.com, diz,

    O Grupo Creative Class uma boutique empresa de consultoria de servios composta dos principais pesquisadores, especialistas em comunicao e consul-tores empresariais. CCG alia uma abordagem pioneira de pensamento global de liderana com estratgias comprovadas, oferecendo assim a clientes em todo o mundo a inteligncia crtica de mercado para a competitividade e maior pros-peridade econmica.

    Fiz referncia tese de classe criativa de Florida em uma srie de arti-gos anteriores; aqui eu ofereo um resumo abreviado para elaborar a argumenta-

    longo prazo lana alguma dvida sobre o apelo da teorizao da criao de classe

    e ela teve garra.172 As anlises de Florida tm sucesso com gestores municipais na medida em que parecem promover diversidade em formas que muitas vezes reproduzem o que j est em vigor. Muitos que examinaram seus dados demons-

    171 Florida no criou a ideia de classe criativa, mas ele tornou isso popular atravs de cate-gorias estatsticas. De acordo com sua tese, a classe criativa constitui cerca de 30% dos trabalha-dores norte-americanos, mas como veremos, os agrupamentos que ele usa so problemticos.

    172 Toronto, a base de Florida, atualmente afetada pelo maior aumento do nmero de protes-tos contra receber prisioneiros, um estilo populista de direita, que se junta aos pronunciamentos

    -ciamento para ciclovias e metr. Ao serem perguntados sobre a resposta de Florida, moradores de Toronto com os quais conversei disseram que a cidade estava eliminando todas as coisas que faziam dela a sua cidade

  • 173 Crticos

    classe criativa todos os trabalhadores da indstria do conhecimento, desde os dos call-centersraramenteartistas.174 Um consenso sobre suas concluses que elas se referem bem-estabelecida tese do capital humano de um desenvolvimento urbano co-locado dentro de novos quadros lingusticos, e mais importante, com a etiqueta criativa que vem nomeando de lavada todos que trabalham nas indstrias do conhecimento. Um grupo pequeno e relativamente pobre de habitantes urbanos aqueles que oferecem ao consumidor simpatia e cor local torna-se a face de um grupo maior e mais rico de membros basicamente invisveis do ncleo super-criativo de Florida.175

    -gao de dados de pesquisa e estatsticas econmicas em seu artigo Por que a Amrica conti-nua se tornando mais conservadora, publicado na venervel revista The Atlantic (atualmente de centro-direita), da qual ele um dos 19 editores. Veja: http://www.theatlanticcities.com/po-litics/2012/02/why-america-keeps-getting-more-conservative/1162/ Muitos dos outros comen-tadores leem os dados quase da maneira oposta, e clamam que o eleitorado dos Estados Unidos est, por outro lado, crescendo em suas crenas, sem parar, no sentido do liberalismo enquanto que a poltica dos Estados Unidos, graas radicalizao do Partido Republicano, moveu-se para a direita. Veja por exemplo: http://bit.ly/1al97NX

    174 Flrida engenhosamente inclui em seu mix um grupo estatisticamente pequeno de bo-mios que inclui os gays mas, como o economista de Harvard, Edward Glaeser relutantemente observou, sua regresso de dados sugere que, em apenas duas cidades, localizadas no estado da Flrida, a populao gay de fato ajuda na economia.

    suas formas. Voc no pode apenas gerar uma economia tecnolgica ou economia da informa-o ou uma economia do conhecimento; voc deve subordinar os aspectos multidimensionais da criatividade. existem trs tipos de criatividade: criatividade tecnolgica...; criatividade econmica, transformar essas duas coisas em novos negcios e novas indstrias; e criativi-dade cultural e artstica, novas formas de pensar sobre as coisas, novas formas de arte, novos

    o crescimento econmico. A classe criativa composta de duas dimenses. Existe o ncleo dos supercriativos, cientistas, engenheiros, tcnicos, atores, artistas, msicos os to chamados bomios que constituem cerca de 12% da fora de trabalho... o ncleo supercriativo realmente

    tambm usam suas prprias ideias, seu conhecimento e criatividade em seu trabalho. Eu no incluo nessa classe pessoas que trabalham em servios ou indstrias de manufatura que usam criatividade em seu trabalho.

  • concha como pessoas cujo engajamento mental est no corao do seu trabalho e em outra concha como pessoas que sabem viver com estilo, bem e barato, e sob outra concha ainda como pessoas essencialmente com altos salrios e impostos a pagar. Como inconveniente visto que a poltica segue as prescries , a classe trabalhadora marginalizada, empurrada ainda mais para as bordas da cidade ou para os subrbios, enquanto nos recintos recm-conquistados da cidade, escolhas burguesas de rituais egocntricos, mercantilizados e mediatizados embalam cada momento marcante da vida, desde o nascimento at noivado e festas de des-pedida, casamentos, chs de beb, nascimentos, comunhes, e talvez at mesmo falecimentos.

    3. Os limites da criatividade e do liberalismo

    Muitos crticos ingenuamente no percebem que Florida, assim como Clark Kerr, um liberal social. Como a maioria dos neoliberais, ele est l fora nas barricadas retricas defendendo a tolerncia, subsdios, bem como o direito da classe criativade realizar o trabalho da classe patrcia em troca de pouca ou nenhuma compensao. Estranhamente, ele pode ento ser tido comoa projeo coletiva de certo ramo da elite liberal. Liberais gostam de celebrar artistas, ou, melhor ainda, criativos aquele grupo amorfo de cervejeiros, padeiros, agri-cultores urbanos e donos de bar contanto que suas festas e celebraes possam ser patrocinadas por bancos, empresas e fundaes se que seus esforos possam ser civicamente logomarcados. Institutos de arquitetura realizam reunies se publicam boletins publicizando cidades habitveis. Instituies de artes se be-

    importante considerar os custos.Artistas j cmplices (intencionalmente ou no) da renegociao de sig-

    -cesses imobilirias tm sido estendidas a artistas e a pequenas entidades sem

    traz-los de volta para nveis altos de aluguel. O destaque da arte e da artistici-dade confere a museus e grupos de arquitetura, assim como a grupos de artistas,

    lucrativos a possibilidade de se inserir na conversa sobre modismo cvico.-

    tes urbanas, desde os interesses municipais e de propriedade imobiliria at os co-lecionadores de ponta e curadores de museus. Ironicamente, talvez, este tambm o momento em que o engajamento social por parte dos artistas uma modali-

  • dade cada vez mais vivel no mundo da arte, e jovens curadores se especializam em projetos de prtica social. Muitos artistas estudaram na esperana de ganhar comerciabilidade e, muitas vezes, assim, adquirem pesados encargos de dvida. Escolas tornaram-se gradualmente gestoras e formadores de desenvolvimento ar-tstico; por um lado, elas preparam artistas para entrar no mercado de arte, e, por outro, por meio de departamentos de prtica pblica e prtica social, elas moldam as restries disciplinares de uma arte que pode ser considerada como um aparato governamental menor. Estes programas so seminrios seculares de novas formas de ativismo, de prticas de base comunitria, de organizao alter-nativa e liderana participativa nas artes que exploram a mirade de links entre arte e sociedade para examinar as maneiras pelas quais os artistas... se envolvem com questes cvicas e articulam sua voz na esfera pblica.176

    Se voltarmos a olhar novamente para os Estados Unidos mas no so-mente l veremos que as instituies de artes e arquitetura esto bastante satis-feitas de estarem sendo arrastadas pela mar da classe criativa de planejamento urbano. O luxuoso fabricante de veculos BMW da velha economia da distino se juntou ao Museu Guggenheim para criar um laboratrio mvel que viaja pelo mundo para inspirar ideias inovadoras para a vida urbana com os nomes de ar-

    177

    corporao, o museu, arquitetura, arte e entretenimento ao emburguesamento das cidades. Cidadania urbana substituiu outras formas de halo de polimentopara os chamados cidados corporativos. A propsito, todos eles gostam de bicicletas. As-sim como o Urban Omnibus, que tambm gosta de Arte como ativador urbano.

    O Urban Omnibus um projeto online da venervel Architectural Le-

    176 Essas frases so de um anncio de trabalho difundido pelo departamento de uma grande universidade que oferece um grau de mestre em Arte-Poltica que trata de elaborar, em uma chave ativista, o nexo entre a poltica que a arte faz e a poltica que faz a arte. Para alm do meu ceticismo, eu no quero desacreditar o potencial de tal formao e participao em uma rede; o problema recai na vida curta que tais iniciativas podem ter antes das instituies as transformarem em zumbis. Veja as duas ltimas partes dos meus artigos da Classe Cultural para uma discusso do argumento de culturalizao de Fredric Jameson e sua adoo de George Ydice para debater que a arte que pode ser enquadrado como prtica social pode colocar os artistas na posio de involuntariamente servir os objetivos do Estado e, concentrando-se em melhoramento, de abandonar a possibilidade da crtica.

    177 No site The BMW Guggenheim Lab (http://www.bmwguggenheimlab.org), h o um es-foro realizado, sem sucesso, por artistas para ocupar o laboratrio ao longo de um dia de ao dos artistas.

  • epelo Governo Federal.178 Seu recurso recente Ao Cvica: Uma Viso para Long Island City descreve um novo empreendimento desenvolvido por dois museus locais de arte contempornea que convida equipes lideradas por artistas a propor vises para o futuro da cidade de Long Island, uma localidade no bairro de Queens em Nova Iorque que uma runa ps-industrial com novo desenvol-vimento residencial de alto nvel em seu waterfront. Outro recurso Abrindo Espaos um projeto de pesquisa, design e advocaciapara moldaro parque residencial de Nova Iorque para atender s necessidades de mudana da forma como vivemos hoje179. Enquanto escrevo, em maro de 2012, h uma atrao especial no projeto em que um escritor freelance descreve a festa de aberturada recm-renovada Casa de Deteno do Brooklyn como um evento destinado a ga-

    e o Urban Omnibus para representar a mriade de esforos de rgos municipais e instituies de elite e algumas instituies autnomas ou ligadas a universi-dades pblicas que ainda seguem um caminho no corporativo para adotar uma criatividade praticamente naturalizadas e memes hipster-friendly em termos de design, imaginao, advocacia assim como, em alguns aspectos, eu estou usando o nome de Florida para representar a tese da classe criativa que o seu trabalho tem ajudado a transformar em jargo poltico dominante.

    A verso que Florida concebeu do modelo de transformao urbana do

    cenrios de transformao. Assim como a cincia foi tida pela mente capitalista como um degrau necessrio para a tecnologia (um termo de negcio), a criati-vidade considerada como o ingrediente necessrio de inovao. As classes criativas tal como concebidas por Florida operam estritamente dentro da viso de mundo retratada pelo imaginrio capitalista. Mesmo aqueles que no so sim-plesmente empregados em companhias de alta tecnologia so vistos como ins-tituindo pequenos negcio se aprendendo a oferecer servios de boutique retr

    Cultural da Fundao Rockefeller da Prefeitura de Nova Iorque, pelo Fundo Nacional de Dota-o para as Artes, pelo Departamento de Projetos Culturais de Nova Iorque, e pelo Conselho da Cidade de Nova Iorque. A Liga de Arquitetura foi fundada em 1881 por Cass Gilbert e h muito tempo procura reconhecer a importncia das artes em relao arquitetura.

    -sveis quem constitui esse ns. Como escrevi em maro de 2012, existe uma atrao especial nesse local que descrita pelo escritor free lance como uma Open House na recentemente reno-

  • comeos de lojas e delicatessen de bairros americanos de antes da guerra ou servios de fornecedores do sculo XIX (em breve teremos novamente a carroa de leite e o entregador de gua com gs) ou lojas idealizadas, francesas ou italia-nas, em cidades e vilas. Eles no tm nenhum agenciamento para alm da apli-

    feitores. Eles no tm nenhum agenciamentono que diz respeito transformao poltica e social em grande escala. verdade que o modelo de Florida no est estritamente interessado naqueles cuja leitura contempornea reconhece como artistas. Mas aqui o quadro de agenciamento ainda pior se comparado ao dos artistas de mercado cujo potencial social vale, bastante diretamente, para servir os interesses da clientela internacional que habita os nveis de renda mais altos um papel de servio ao qual uma ou duas geraes de artistas foram treinadas para ambicionar.

    Mas esta no a imagem de ns mesmos que a maioria de ns artis-tas, curadores e crticos gostaria de reconhecer. Como outros participantes dos movimentos que ocorrem no mundo inteiro, e como participantes dos anteriores, os artistas tendem a querer emprestar a sua energia e as suas habilidades para a melhoria social e para o sonho utpico, mas no necessariamente como partici-pantes dentro dos sancionados quadros institucionalizados. A imaginao artstica continua a sonhar com a ao histrica. Em um contexto de recesso econmica prolongado como o que estamos vivendo agora, enquanto a tese de classe cria-tiva mostra seus limites no que diz respeito salvao de cidades, torna-se mais claro que artistas e outros membros da comunidade artstica pertencem classe pan nacional ou no nacional cuja composio forjada atravs de fronteiras e cujos membros esto inclinados, como exige o clich, a pensar globalmente e agir localmente.

    Movimentos polticos so perpetuamente perseguidos por acusaes de nostalgia dos anos 1960 e at mesmo de ludismo, acusaes que resultam do antimodernismo da contracultura daquela dcada. Pessoas de esquerda so ro-tineiramente ridicularizadas pela Direita como hippies sujos de merda e, quan-do as ocupaes comearam, a Direita no demorou a usar esta imagem para desacreditar os ocupantes. Mas as constelaes de dissidncia mudaram muito desde os anos 1960. Se as pessoas tm por objetivo romper com a modernidade, elas o fazem com uma gama variada de tericos continentais a quem recorrer, e isso sem o modelo terceiro-mundista da contestao poltica em que o campons ligado terra ou o nmade tribal para aqueles que no tm simpatia pela re-voluo socialista representou fortemente um ideal. A revoluo hoje tem ares

  • mais anarco-sindicalista ou eventualmente ares de conselho comunista do que marxista-leninista. A cidade no simplesmente o terreno a ser evacuado, nem o local de uma guerrilha warfare; ela um quebra-cabea conceitual e tambm um campo de batalha em que as apostas so uma guerra de classes em cmera lenta; e a agricultura trazida para a cidade no por sonhadores em roupas caseiras, mas

    apicultor. Criativos podem trazer no apenas uma formao em design e bran-ding e, muitas vezes, um conhecimento de agitprop histrico e performance de rua, como tambm a capacidade de trabalhar com as ferramentas tecnolgicas de pesquisa, de elaborao de estratgias e de implementao de aes em espaos virtuais ou fsicos. A classe mdia verdadeira ou funcionalmente est von-tade com os discursos e os modos de esforo intelectual tais como so exigidos no ensino superior ou na preparao para a faculdade. Artesanato e habilidades

    -tendimento anterior, mas o papel hegemnico das indstrias do conhecimento e os dispositivos eletrnicos de produo e de comunicao tornam esse quadro quase onipresente.180

    membros dos setores precrios das classes criativas/bomias de Florida tambm permitem uma liberdade de ir e vir em acampamentos e reunies: uma capacidade de alterar tempo e compromissos de trabalho que no possvel para todos.

    Anonymous, um grupo amorfo de hackers, ou hackivistas (dos quais um pequeno grupo foi detido em fevereiro de 2012, chamado LulzSec), que usam mscaras como as de Guy Fawkes com o V da franquia Vendetta (usado por manifestantes e ocupantes como um sinal comum). Anonymous aparentemente conduziu uma srie de negao de servios contra os websites dos governos da Tunsia, Egito e Bahrain duranteas revolues em curso nesses lugares, e isso expressou ou criou apoio para o Occupy. Veja http://bit.ly/178TPjb.Eu no tenho espao aqui para dissecar ainda mais o possvel papel desse pontualmente anr-quico e de certo modo festivo agrupamento de hackers. Mas, de maneira prosaica, uma gama de facilidades tecnolgicas sugerida pela facilidade com que o movimento Ocuppy fez uso no apenas das redes sociais amplamente conhecidas como Facebook e Twitter mas tambm de outros sites menos conhecidos como Vibe, o antigo IRC, o agora indispensvel Livestream, Reddit, ou sites de reproduo de chat, de acordo com a revista PC assim como Tumblr e Google docs. Veja por exemplo http://mappingthemovement.tumblr.com .Uma avaliao anterior:Ns criamos google docs compartilhados para que possamos nos co-municar... E ns criamos google voice numbers para todos... Uma pgina Tumblr, Ns so-mos 99% (http://wearethe99percent.tumblr.com) revela um momento ruim para as pessoas, que se veem a si mesmas longe do topo do 1% dos Americanos. http://news.discovery.com/tech/occupy-wall-street-tumblr-111006.htm

  • Podemos ver os ativistas de ocupao reclamando um direito, criando uma presena, estabelecendo uma nova esfera pblica, recusando-se a apresentar simplesmente demandas aos representantes e governantes e, exigindo o restabe-lecimento da poltica e decretando eles mesmos a democracia (a democracia tem sido parte da marca privada norte-americana, embora seja geralmente combinada com o neoliberalismo ou neoimperialismo). Ao mesmo tempo em que dou boas vindas ao novo, no posso deixar de apontar o velho: no para as demandas de auto-governo por parte de um grupo de rebeldes burgueses coloniais nas colnias americanas do sculo XVIII, e sim para o Movimento dos Direitos Civis Ame-

    Speech e anti-guerra da dcada de 1960 para quem a democracia democracia direta, sem representao era uma ideia fundamental, pelo menos no momento zero do movimento no incio daqueles anos.181 Na iterao atual, a contribuio de artistas famosos como Shepard Fairey (famoso por seu cartaz de Obama na campa-nha Hope de 2008) foram educadamente saudadas, mas esto por fora da questo, j que no difcil ver as prprias ocupaes como grandes obras de arte pblicas em processo com um elenco de milhares de pessoas182. A grande maioria dos artistas que formam o ncleo mal pago, o exrcito urbano no remunerado cujas atividades

    181 Aqui eu estou olhando no apenas para as reunies na cidade nos primeiros anos dasco-lnias americanas e sim, explicitamente, ao modelo de democracia participativa no violenta que foi apresentado por um dos grupos centrais do Movimento de Direitos Civis, o Comit de Coordenao de Estudantes de No-violentos, ou SNCC. Muitos dos jovens estudantes ativis-

    posicionamento de Port Huron, um documento inicial do movimento estudantil e anti-guerra. -

    plexas do que eu consigo rascunhar aqui. O amplamente conhecido discurso galvanizante do lder estudantil de Berkeley Mario Savio liberado no campus de Berkeley em 2 de dezembro de 1964, durante um impasse com a polcia universitria, inclui o seguinte prembulo: Eu peo a

    se o Presidente Kerr de fato o diretor-gerente, ento direi algo a voc o corpo docente um bando de empregadores e ns somos o material bruto! Mas ns somos um monte de material bruto que no queramos ser temos um processo se desenvolvendo em cima de ns. No queremos ser transformados em produtos... No queremos ser comprados por clientes de Uni-versidades, sejam eles o governo, a indstria, o trabalho organizado, sejam eles quem forem! Ns somos seres humanos!

    182 Grupos de artistas esto cada vez mais atestando isso, por bem ou por mal; veja, por exemplo http://newamericanpaintings.wordpress.com/2011/11/09/the-art-of-occupatione http://bit.ly/pe4WZA

  • os aclitos de Florida desejam explorar vivem em um estado de precariedade que podem lev-los a buscar solues sociais de maneiras novas e inesperadas. Aqui o lugar onde o denominado modo de produo artstica entra.

    precariedade da vida bomia como um dos cinco principais meios com queo modo de produo artstica afeta o meio ambiente urbano. Os outros so: a ma-nipulao de formas urbanas [e] a transfernciado espao urbanodo velho mundo

    -mica produtiva para aquele da atividade econmica no produtiva; expectativas decrescentes sobre a oferta de habitao resultante da substituio dos arranjos de

    Enquanto o trabalhador colarinho azul se afasta do corao da cidade -

    -industrial. O mnimo que se pode dizer que esse fato desloca as questes das relaes de trabalhoindustriais paraoutro terreno183.

    Se a tese de classe criativa pode ser vista como uma espcie de hino

    lderes da cidade e interesses imobilirios, orientando a cidade em direo con-dio ps-industrial, talvez as atuais ocupaes de base possam ser vistas como a erupo de um novo conjunto de questes relacionado a um novo conjunto de relaes sociais de produo. O modo de produo, lembremo-nos, inclui as for-as de produo, mas tambm as suas relaes, e quando estes dois entram em

    espcie de hino harmonia entre as foras criativas de produo e as relaes sociais urbanas que as utilizariam em benefcio de cidades desprovidas de capital industrial, talvez as atuais ocupaes de base possam ser vistas como a inevitvel

    respeito, que o grito de guerra foi ocupar (que ecoa a injuno semelhante de

    social e poltico, de forma anloga forma como movimentos anteriores radicali-zaram liberdade ememancipao, repblica em democracia, igualdade em justia.

    Isso nos leva ao prximo passo, j em curso. O que as ocupaes tm feito fazer com que os membros de diferentes grupos grupos de advocacia dos bairros, grupos de direitos de imigrantes e grupos de trabalhoda classe trabalhado-ra, organizados ou no se tornassem visveis uns aos outros, e a primeira fase do

    183 Sharon Zukin, Loft Living (Vivendo num loft), p. 180.

  • movimento Occupy consistiu em coloc-los em alianas temporrias. So essas alianas que formamos ncleos de ocupao do presente e do futuro.

    Esse artigo uma verso expandida da palestra apresentada em Traba-lho da Multido? A Economia Poltica da Criatividade Social, uma conferncia organizada pela Universidade Free/Slow de Varsvia, e que aconteceu naquela universidade entre 20 e 22 de outubro de 2011, apenas um ms aps o movimento Occupy ter comeado. Esse artigo recebeu as importantes contribuies de Ste-phen Squibb, em comentrios e discusses.

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