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nova Economia_Belo Horizonte_13 (2)_137-172_julho-dezembro de 2003 O modelo de liberalização financeira dos anos 1990: “restatement” ou auto-crítica? Jennifer Hermann Professora do Instituto de Economia Universidade Federal do Rio de Janeiro Resumo O artigo examina as revisões que sofreu o mo- delo de liberalização financeira nos últimos vin- te anos (décadas de 80 e de 90). Tais revisões foram forçadas, de um lado, pelos resultados desfavoráveis de alguns testes econométricos do modelo Shaw-McKinnon e, de outro, pelas experiências de diversos países desenvolvidos (PD) e em desenvolvimento (PED) com a polí- tica de liberalização. No plano econométrico, os testes revelaram fraco poder explicativo das duas variáveis-chave do modelo: a taxa real de juros e a taxa de poupança agregada. Quanto às expe- riências de PD e PED, o principal desafio ao modelo original de Shaw e McKinnon foram as crises bancárias e/ou cambiais que, em grande parte dos casos, se seguiram à implementação da política de liberalização financeira. Diante dessas limitações, a “versão moderna” do mo- delo de liberalização acabou por incorporar di- versas críticas (em geral keynesianas) à teoria e à política financeira do modelo Shaw-McKinnon, sendo forçada a admitir a necessidade de algum grau de intervenção do governo na liberdade de escolha do mercado quanto à composição de seu portfolio. Mais que isso, o novo modelo faz uma verdadeira autocrítica, admitindo que, sob determinadas circunstâncias, algum grau de re- pressão financeira pode ser necessário, e mes- mo benéfico, ao desenvolvimento financeiro. Abstract The paper examines the revisions suffered by the financial liberalization model during the 80 and the 90 decades. These revisions was forced by two set of factors: the unfavorable results of some econometric tests of the Shaw-McKinnon model and the experiences of several developed (DC) and developing (LDC) countries with the liberalization policy. In the econometric field, the tests have revailled a weak explaining role of the two key-variables of the model: the real interest rate and the saving rate. As for DC and LDC experiences, the main challenge to the original Shaw-McKinnon model was the banking and currency crises that, in most cases, have followed the liberalization policy. Facing this limitations, the “modern version” of the liberalization model has embodied several (keynesian) critiques to Shaw-McKinnon’s financial theory and policy and has been forced to allow for the need of some degree of government intervention in the free choice of financial market concerning its portfolio composition. Farther, the new model make a real self-critique, admitting that, under certain conditions, some degree of financial repression could be necessary, and even beneficial to financial development. Palavras-chave política financeira, liberalização financeira, modelo Shaw-McKinnon. Classificação JEL O23. Key words financial policy, financial liberalization, Shaw-McKinnon model. JEL Classification O23.

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Page 1: O modelo de liberalização financeira dos anos 1990 - CORE · grau de intervenção do governo na liberdade de escolha do mercado quanto à composição de seu portfolio. Mais que

nova Economia_Belo Horizonte_13 (2)_137-172_julho-dezembro de 2003

O modelo de liberalização financeira dos anos 1990:“restatement” ou auto-crítica?

Jennifer HermannProfessora do Instituto de Economia

Universidade Federal do Rio de Janeiro

ResumoO artigo examina as revisões que sofreu o mo-delo de liberalização financeira nos últimos vin-te anos (décadas de 80 e de 90). Tais revisõesforam forçadas, de um lado, pelos resultadosdesfavoráveis de alguns testes econométricosdo modelo Shaw-McKinnon e, de outro, pelasexperiências de diversos países desenvolvidos(PD) e em desenvolvimento (PED) com a polí-tica de liberalização. No plano econométrico, ostestes revelaram fraco poder explicativo das duasvariáveis-chave do modelo: a taxa real de juros ea taxa de poupança agregada. Quanto às expe-riências de PD e PED, o principal desafio aomodelo original de Shaw e McKinnon foram ascrises bancárias e/ou cambiais que, em grandeparte dos casos, se seguiram à implementaçãoda política de liberalização financeira. Diantedessas limitações, a “versão moderna” do mo-delo de liberalização acabou por incorporar di-versas críticas (em geral keynesianas) à teoria e àpolítica financeira do modelo Shaw-McKinnon,sendo forçada a admitir a necessidade de algumgrau de intervenção do governo na liberdade deescolha do mercado quanto à composição deseu portfolio. Mais que isso, o novo modelo fazuma verdadeira autocrítica, admitindo que, sobdeterminadas circunstâncias, algum grau de re-pressão financeira pode ser necessário, e mes-mo benéfico, ao desenvolvimento financeiro.

AbstractThe paper examines the revisions suffered by the

financial liberalization model during the 80 and

the 90 decades. These revisions was forced by

two set of factors: the unfavorable results of some

econometric tests of the Shaw-McKinnon model

and the experiences of several developed (DC)

and developing (LDC) countries with the

liberalization policy. In the econometric field, the

tests have revailled a weak explaining role of the

two key-variables of the model: the real interest

rate and the saving rate. As for DC and LDC

experiences, the main challenge to the original

Shaw-McKinnon model was the banking and

currency crises that, in most cases, have followed

the liberalization policy. Facing this limitations,

the “modern version” of the liberalization model

has embodied several (keynesian) critiques to

Shaw-McKinnon’s financial theory and policy

and has been forced to allow for the need of some

degree of government intervention in the free

choice of financial market concerning its portfolio

composition. Farther, the new model make a

real self-critique, admitting that, under certain

conditions, some degree of financial repression

could be necessary, and even beneficial to

financial development.

Palavras-chavepolítica financeira,liberalização financeira,modelo Shaw-McKinnon.

Classificação JEL O23.

Key wordsfinancial policy,

financial liberalization,

Shaw-McKinnon model.

JEL Classification O23.

Page 2: O modelo de liberalização financeira dos anos 1990 - CORE · grau de intervenção do governo na liberdade de escolha do mercado quanto à composição de seu portfolio. Mais que

1_ IntroduçãoA política financeira dominante nos paí-ses desenvolvidos (PD) e em desenvolvi-mento (PED) nas décadas de 80 e 90,orientada pelo modelo de liberalização fi-nanceira, tem por fundamentação teóricaos trabalhos seminais de Shaw (1973) eMcKinnon (1973). Shaw e McKinnon fun-daram uma nova visão de política financei-ra a partir da crítica à prática então domi-nante, cunhada pelos autores de “políticade repressão financeira”. Esta se consti-tuía no braço financeiro de um modelo depolítica de desenvolvimento econômico,centrada na intervenção do Estado. Alémde uma série de regulamentos e controlessobre o mercado financeiro, no plano ma-croeconômico, duas condições completa-vam o arcabouço da política de “repres-são”: a tolerância com inflação, responsá-vel pelo rebaixamento artificial dos jurosreais, e déficits públicos financiados poremissão monetária, refletindo a precarie-dade do mercado financeiro.1

Na visão de Shaw e McKinnon,antes que um auxílio, a repressão finan-ceira prestaria um desserviço ao desen-volvimento econômico, entendido a par-tir de duas relações de causalidade (posi-tivas) fundamentais:

a. entre a taxa de poupança e a taxade crescimento da economia;

b. entre as taxas de juros reais (ativase passivas) e a taxa de poupança.

Alegava-se que a manutenção dejuros reais abaixo do equilíbrio, ou mes-mo negativos, desincentivava a formaçãode poupança, bem como sua alocação aativos financeiros e, em conseqüência, ofinanciamento dos investimentos. A libe-ralização financeira, entendida como eli-minação dos controles sobre as taxas no-minais de juros e câmbio, bem como dasbarreiras legais à livre composição deportfolios pelos poupadores e instituiçõesfinanceiras, foi, então, proposta como ocaminho para elevar a taxa de poupançada economia e, com ela, as taxas de in-vestimento e de crescimento econômico.

As idéias de Shaw e McKinnon ti-veram influência crescente entre acadê-micos e gestores de política econômicaao longo das últimas três décadas: no

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1 Com pesos variados entrediferentes países, estesregulamentos e controlestinham um núcleo comumformado por:a) tetos para as taxas nominaisde juros nas operaçõesbancárias ativas e passivas;b) elevadas alíquotas derecolhimento compulsóriosobre os depósitos bancários;c) controles quantitativos

sobre a alocação docrédito privado;d) programas de créditopúblico subsidiado,direcionado a setores eleitoscomo prioritários;e) controles cambiais, combase em regimes de câmbiofixo e limites ao livre fluxo debens e capital entre fronteiras(Agénor e Montiel, 1999,p. 190-191).

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meio acadêmico, suscitaram uma série deestudos econométricos sobre as relaçõesteóricas do modelo e, no plano político,deram origem a diversas experiências deliberalização financeira.

As experiências de liberalização dosanos 60 e 70 se concentraram nos PED enão foram, em geral, bem sucedidas. Nocaso dos PED asiáticos, as reformas fo-ram muito tímidas e lentas, dificultandoo alcance e a avaliação dos resultadosprevistos por Shaw e McKinnon. NosPED latino-americanos, ao contrário, asreformas foram excessivamente abran-gentes e rápidas, mas tiveram que ser re-vertidas, em razão de crises bancárias ecambiais que se seguiram à sua imple-mentação (World Bank, 1989, ch. 9; Fry,1995, ch. 19; Agénor e Montiel, 1999,p. 719-721). Este quadro obrigou os go-vernos locais a reeditarem os antigoscontroles, agora, porém, não mais comopolítica de desenvolvimento, mas sim deestabilização monetária e cambial.

Os anos 80 marcam o início de umperíodo de clara hegemonia teórica e po-lítica do modelo de liberalização. Desdeentão, este tem orientado amplos progra-mas de reforma financeira em diversosPD e PED, em muitos casos também se-guidos de “crises de liberalização”. Taiscrises, aliadas a resultados desfavoráveis

em grande parte dos testes econométri-cos do modelo Shaw-McKinnon, impu-seram a seus defensores um esforço derevisão do modelo, dando origem à polí-tica de liberalização predominante nosanos 1990. Esta se distingue da inicial-mente proposta por Shaw e McKinnonem dois aspectos essenciais:

a. a maior abrangência, passando aincluir medidas de ajuste macro-econômico, bem como de sanea-mento, reestruturação, controleprudencial e supervisão do mer-cado bancário;

b. a proposta de seqüenciamento (gra-dualismo) das reformas, especial-mente quando aplicadas aos PED.

Estas mudanças foram propostascomo meio de evitar as crises de liberali-zação e, assim, ampliar a eficiência dasreformas.

Este artigo examina a evolução re-cente do modelo de liberalização finan-ceira, começando, na Seção 2, por umasíntese das relações teóricas fundamentaisdo modelo Shaw-McKinnon. A Seção 3descreve os principais resultados dos tes-tes econométricos dessas relações. A Se-ção 4 discute os desafios empíricos – denatureza econométrica e macroeconômi-ca (as crises de liberalização) – impostosao modelo original. A Seção 5 apresenta

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as principais revisões do modelo Shaw-McKinnon, a partir dos problemas empí-ricos identificados, que deram origem aoque aqui chamamos de “novo modelo”de liberalização financeira. A Seção 6 su-maria e conclui o artigo.

2_ As relações teóricasfundamentais do ModeloShaw-McKinnon

O modelo Shaw-McKinnon ergue-se so-bre duas relações de causalidade funda-mentais:

a. entre a taxa de crescimento ( g) ea taxa de poupança ( � ) da eco-nomia;

b. entre � e a estrutura de taxas reaisde juros ( )� :

g hk

��

, � �h 0 (1)

(k � relação incremental capital-produto).

� � �� ( ), � � �� 0 (2)

� �� j k( , ) (3)

onde:�

��

��

j j� 0 0; .

A relação entre � e g é intermedia-da por uma série de outras. Em primeirolugar, seguindo a teoria dos fundos em-

prestáveis (TFE), admite-se que � influ-encie positivamente a taxa de poupançada economia, como expresso em (2), e adisponibilidade de crédito (F ):

F F d F� ( ,� ) (4)

onde: definindo-se � E como a taxa deequilíbrio do mercado livre;�

��

F� 0 para � � E (repressão fi-

nanceira);�

��

F 0 para � �� E ;

��

F� 0 no ponto � �� E ;

d F = demais variáveis que afetam F .

Ainda de acordo com a TFE, a rela-ção entre � e F é intermediada por �, esta-belecendo-se uma cadeia de causalidade nosentido: � � F . A taxa de poupançaatua sobre F ampliando a demanda dospoupadores por novos ativos financeiros( B D ), de forma que B BD � ( )� , � �B 0, ou,

equivalentemente, B bD � ( )� , � �b 0. O mo-

delo supõe também uma relação positivaentre F e a taxa de investimento agregado(� � I Y/ ), na forma:

� �� (F d, � ) (5)

onde: ����F � 0;d � = outras variáveis que afetam �.

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Paralelamente a este efeito quanti-tativo sobre a taxa de investimento (viaF ), admite-se ainda que � influencie po-sitivamente g através de seus efeitos so-bre a eficiência da economia na alocaçãodos recursos financeiros e produtivos.Este “efeito-eficiência” se daria pela sele-ção de projetos de investimento com ma-iores taxas de retorno real (e maior risco)e pela concomitante exclusão dos proje-tos de baixo retorno (e baixo risco), à me-dida que � se eleva. Contudo, dada aimpossibilidade de se medir a taxa de re-torno real do investimento agregado, esteefeito tem sido estudado de forma indi-reta, a partir de testes de natureza micro-econômica (envolvendo amostras de em-presas) ou utilizando-se, no plano ma-croeconômico, o comportamento da re-lação produto-capital (Y K K/ /� 1 ) comoindicador da taxa de retorno do investi-mento (Fry, 1995, p. 172-178). Presu-me-se que, a longo prazo, aumentos nes-ta taxa elevem Y K/ , refletindo a mudan-ça qualitativa no portfolio de projetos deinvestimento financiado a taxas reais dejuros mais elevadas. Assim, o efeito de �

sobre a eficiência produtiva pode ser re-presentado (ceteris paribus) por uma rela-ção inversa entre k e �, como sugereMcKinnon (1993, p. 20-21):

k k d K� ( ,� ) (6)

onde: � �� � k/ ;d K = outras variáveis que afetamk.

De (3) e (6) deduz-se, ceteris paribus:

g g� ( )� , � �g 0. (7)

A função (7) sintetiza a teoria docrescimento do modelo Shaw-McKinnone justifica a proposta da política de libera-lização, com foco na liberação das taxasde juros nominais, visando ao aumentode �. A cadeia de causalidade que vincula� a g em (7) teria duas vertentes: uma fi-nanceira (linha superior) e outra “real”(linha inferior):

� � �B F gD

(8)

� k g

Os diversos elos dessa cadeia fo-ram alvos de testes econométricos, en-volvendo, em sua maioria, dados de PED.Estes testes consistiram, basicamente, daestimação de funções para as variáveisdependentes de � em (8), a partir de re-gressões lineares múltiplas, contendo, en-tre outras, uma ou mais das variáveis ex-plicativas sugeridas no modelo Shaw-McKinnon. As relações �-k, F -�-g , ou

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diretamente, k-g e F -g foram confirma-das sem ambigüidades: os coeficientes deregressão estimados apresentaram os si-nais esperados, atingiram valores esta-tística e economicamente significativos2

e os coeficientes de determinação R 2

(ajustados) foram razoavelmente próxi-mos de 1 (Fry, 1995, p. 169-179; Agénore Montiel, 1999, p. 100 e 689-692; Roubi-ni e Sala-i-Martin, 1992; King e Levine,1993; Levine, 1997).

Estes resultados, porém, poucocontribuem para a avaliação estatísticado modelo Shaw-McKinnon, já que asrelações�-k, F -�-g ek-g não são uma pe-culiaridade do modelo, nem foram origi-nalmente propostas por seus autores. Aimportância do crédito e do desenvolvi-mento financeiro para o investimento edeste para o crescimento econômico jáhavia sido reconhecida e enfatizada mui-to antes, por Schumpeter (1985); Keynes(1985); Gurley e Shaw (1955) e, indireta-mente (através da taxa de poupança) nosmodelos keynesianos e neoclássicos decrescimento (exógeno) dos anos 40 e 50.Estes últimos apontaram também a im-portância dek.3 Além disso, a validade darelação F -g , intermediada ou não por � ek, prescinde da TFE, tendo sido derivadapor Keynes a partir da teoria da preferên-cia por liqüidez e pelos demais autores

com base em argumentos que enfatizamapenas a insuficiência de poupança da fir-

ma (e não da poupança agregada) para fi-nanciar seus planos de investimento.

Assim, as relações teóricas funda-mentais do modelo Shaw-McKinnon sãoas que compõem a “vertente financeira”do mecanismo de transmissão (8), vincu-lando �, seqüencialmente, a �, B D , F e g .

As evidências estatísticas sobre estas re-lações são comentadas a seguir.

3_ Testes econométricosdo modelo Shaw-McKinnon

3.1_ Observações preliminaresAlgumas observações se fazem neces-sárias para orientar a interpretação dostestes aqui relatados, como instrumentosde avaliação empírica do modelo Shaw-McKinnon. Como já observado, estestestes consistiram de regressões linearesmúltiplas, contendo a variável explicati-va em foco em cada caso, além de outras.A maioria deles baseia-se em análises dotipo cross-section. Alguns poucos utilizamséries temporais para países específicos(EUA, Coréia do Sul e Turquia, entre ostestes aqui comentados), mas a relaçãoentre a variável explicada (�, F ou g) e asvariáveis explicativas foi estabelecida semqualquer defasagem temporal. Nestas con-

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2 Em todos os testes aquirelatados, a hipótese nula foirejeitada para níveis designificância de 1 ou 5%.3 As principais referênciaspara o modelo de crescimentokeynesiano são os trabalhosde Domar (1957) e Harrod(1948), que deram origem aoconhecido modeloHarrod-Domar. Kaldor(1955-1956); Pasinetti (1979)deram também contribuiçõesimportantes nesta linha.O enfoque neoclássico temcomo principais referências ostrabalhos de Solow (1956);Swan (1956); Meade (1961).

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dições, os coeficientes de regressão esti-mados representam valores médios doconjunto de países ou do período em fo-co, de modo que os testes nada garantem(ou informam) sobre as relações de causalidade

entre as variáveis envolvidas. Estas rela-ções são propostas apenas com base nosargumentos teóricos do modelo Shaw-McKinnon e serão “confirmadas” ou nãode acordo com as estatísticas de avaliaçãodos testes e com a interpretação, em gran-de parte, subjetiva do analista.

As estatísticas de avaliação aquiconsideradas são as convencionais, in-formadas pelos autores dos testes co-mentados – basicamente, as estatísticas t

dos coeficientes de regressão e os coefici-entes R 2 (ajustados) das regressões. Sãocomentados somente os testes em que oscoeficientes de regressão apresentaramos sinais esperados de acordo com o mo-delo Shaw-McKinnon, a níveis de signifi-cância de 1 ou de 5%. Os demais sãoeventualmente mencionados apenas co-mo indicadores de fragilidade da relaçãoem análise. Os coeficientes R 2 , quandodisponíveis, são explicitados. Contudo,como as funções estimadas, em geral,envolveram outras variáveis explicativas,além de � (variável central do modeloShaw-McKinnon), o R 2 da regressão pou-co informa sobre as relações bilaterais es-

pecíficas que nos interessam aqui – asrelações �-�, �-F e �-g .

Por fim, é necessário distinguir en-tre o significado estatístico e o significadomacroeconômico dos coeficientes de regres-são estimados. O primeiro é uma questãotécnica, que se define de forma objetivapelas estatísticas t de cada coeficiente. Osignificado macroeconômico requer ain-da uma avaliação qualitativa dos resulta-dos, em função da magnitude dos coe-ficientes de regressão e, principalmente,do conhecimento prévio que se tenha arespeito do padrão histórico de compor-tamento da variável em foco. Uma vezcumpridas as condições técnicas conven-cionais, o que define se um coeficiente émacroeconomicamente significativo é a re-lação entre sua magnitude (em módulo) ea magnitude média, a longo prazo, da va-riável analisada. Assim, um coeficienteserá interpretado como significativo doponto de vista macroeconômico se indi-car uma variação percentual “importan-te” (ao ano, por exemplo) na variáveldependente, associada a uma variaçãofactível na variável explicativa.

Dois exemplos ajudarão a escla-recer o critério. Um coeficiente de 0,2para a relação �-g , estimado pelo WorldBank (1989, p. 30), indica que cada pontopercentual de aumento em �, ao ano, ele-

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va g em 0,2 pontos percentuais a cadaano. Na prática, isto significa que umprograma de “desrepressão financeira”que promova um aumento de cinco pon-tos percentuais na taxa real de juros (oque é factível, partindo-se de níveis nega-tivos ou próximos de zero) elevará a taxahistórica de crescimento da economiaem um ponto percentual. Dado o padrãode crescimento econômico mundial dopós-II Guerra, no qual taxas anuais emtorno de 5,0% indicam um crescimentorobusto, um coeficiente desta magnitudepode ser interpretado como macroeco-nomicamente significativo, especialmen-te para países com “baixa” taxa inicial decrescimento. Partindo-se, por exemplo,de uma taxa média (a longo prazo) emtorno de 3% ao ano, um aumento decinco pontos percentuais em � elevaria g

em 33% (para 4%).Por outro lado, nos testes para a

relação �-�, um coeficiente da ordem de0,2, estimado em alguns estudos, é me-nos significativo do ponto de vista ma-croeconômico, porque a base de com-paração (a taxa de poupança da econo-mia) é bem maior que a anterior (a taxaanual de crescimento do PIB). O mesmoaumento factível de cinco pontos per-centuais em � resultaria também em umacréscimo de um ponto percentual na

taxa de poupança. Neste caso, porém, oaumento obtido em � é pequeno, se con-siderarmos que países identificados co-mo de baixa capacidade de poupançapartem de taxas iniciais da ordem de10-15% e almejam elevá-la para cerca de25-30%. Feitas as ressalvas necessárias,passemos à análise dos resultados.

3.2_ A relação �-� (taxa real de juros –taxa de poupança)

Agénor e Montiel (1999, p. 93-95); Fry(1995, ch. 8); Balassa (1990) relatam umasérie de estudos econométricos sobre opapel de � na função-consumo (efeito-substituição) – que, por resíduo, permi-tem estimar a relação �-� – ou, direta-mente, na função-poupança. De modogeral, estes testes não apresentaram re-sultados conclusivos a respeito da exis-tência de uma relação �-� estatistica-mente significativa: embora, na maioriados casos, os coeficientes R 2 tenhamsido elevados (acima de 0,6), os coefici-entes de regressão estimados e/ou os ní-veis de significância das estimativas fo-ram, em geral, baixos.

Entre os primeiros estudos eco-nométricos envolvendo PED asiáticos,Williamson (1968); Mikesell e Zinser(1973) não encontraram evidências deuma relação �-� estatisticamente signifi-

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cativa. No entanto, mais tarde, diversosoutros testes chegaram a resultados favo-ráveis ao modelo Shaw-McKinnon, entreeles, Fry (1978); Fry e Mason (1982);Gupta (1984); Boskin (1978); Gylfason(1981) – os dois últimos, com base emdados para os Estados Unidos (EUA).

Giovanini (1985) reestimou o mo-delo de Fry (1978) excluindo da amostraa Coréia do Sul, onde os coeficientes deregressão e níveis de significância forammuito mais altos que nos demais países.Giovanini atribuiu esta diferença à varia-ção das taxas reais de juros, que, na Co-réia, foram também muito mais intensasque no resto da amostra. De fato, a ex-clusão da Coréia enfraqueceu o teste deFry (1978): no estudo de Giovanini, en-volvendo dezoito PED entre meados dadécada de 70 e meados dos anos 80, ape-nas para cinco países da amostra foi esti-mado um efeito-substituição significa-tivo (da ordem de 0,5) entre consumopresente e consumo futuro. Nos demais,o coeficiente estimado, embora positivo,não passou pelo teste de significância es-tatística. Este resultado foi, mais tarde,contestado por Rossi (1988) e pelo pró-prio Fry (1978). De todo modo, ele suge-riu que o grau de variação de � afeta aelasticidade-juros da taxa de poupança, oque, como observa Balassa, é coerente

com a sugestão de Shaw (1973, p. 73), deque “small and reversible changes in interest rates

may not affect savings” (Balassa, 1990, p. 114).Mais tarde, Fry (1991) estimou um

coeficiente de 0,1 para � na função-taxade poupança de 11 países asiáticos no pe-ríodo 1961-1988 – ou seja, o aumento deum ponto percentual na taxa real de ju-ros acrescentou apenas 0,1 ponto per-centual à taxa de poupança destes países.Fry (1995, p. 165-166) e Balassa (1990,p. 103-107) relatam outras estimativasenvolvendo PED, com coeficientes se-melhantes, entre 0,1 e 0,3. Boskin (1978)e Gylfason (1981) encontraram tambémcoeficientes desta ordem para os EUA.Fry e Balassa reportam também diversosestudos que geraram coeficientes muitomenores (próximos de zero) ou não con-firmaram a significância estatística da re-lação �-� – entre eles, Williamson (1968);De Melo e Tybout (1986); Gupta (1987).

Em estudo recente, Ogaki, Ostrye Reinhart (1996), estimando a elastici-dade-juros de � para uma grande amos-tra de PED, encontraram coeficientesentre 0,05, para os países da amostra comrenda per capita mais baixa, e 0,6, para paí-ses com maior renda per capita. A grandeamplitude de variação destes coeficientessugeriu que a poupança é mais sensívelao nível de renda que à taxa de juros.4

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4 A lógica deste resultado(Agénor e Montiel, 1999,p. 94-95; Rossi, 1988, p. 117)é que nos países de baixarenda o consumo é reprimidopela restrição orçamentáriados agentes, o que limita oefeito substituição associado amudanças nas taxas de juros.Apenas nos países onde opadrão de vida é mais elevado,situando-se bem acima donível de subsistência, háespaço para ajustes doconsumo em função depreferências intertemporais.

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Balassa (1990, p. 112); Agénor e Montiel(1999, p. 88) observam que, para os pou-padores líquidos, o aumento de � temainda um efeito-renda positivo, além doefeito-substituição (negativo) sobre oconsumo. Sendo assim, o resultado líqui-do de uma variação em� sobre a propen-são a consumir e, por conseguinte, a pou-par, depende da magnitude destes doisefeitos combinados, o que tende a redu-zir o coeficiente da relação �-�.

Um aspecto relevante apontadopor Fry (1995), a partir dos estudos queanalisou é a importância do ponto departida de � para a magnitude da elasti-cidade de �:

While an increase in the real deposit rate

from -30 to -20 percent raises the saving

ratio by 5,6 percentage points, an increase

from -5 to +5 percent raises the saving

ratio by only 1,8 percentage points.

(Fry, 1995, p. 166).

Tal resultado, obtido por Ritten-berg (1988) para a Turquia, no período1961-1985 é compatível com os demaisestudos analisados por Fry (1995). Estes,de um modo geral, sugeriram ser maior oimpacto do aumento de � sobre � quan-do o ponto de partida são economias“muito reprimidas” financeiramente, istoé, com taxas reais de juros fortementenegativas e condições gerais de acesso a

crédito muito restritivas, seja, diretamen-te, pela política de repressão financeiraou pela própria condição de PED. Aconclusão é de que o aumento de � é ca-paz de elevar � (de forma estatisticamen-te significativa) apenas nos estágios iniciais

da política de liberalização, reduzindo-seeste efeito à medida em que a desregula-mentação avança:

(...) As a device for increasing saving, the

real deposit rate is subject to an upper

bound at its competitive free-market equi-

librium level normally lying in the range of

0 to 5 percent. Hence, only in countries

where the real deposit rate is negative by a

considerable margin can there be much

scope for increasing saving directly by ra-

ising the deposit rate. (Fry, 1995, p. 164).

Assim, os testes sugerem que, nafunção (2), � �� 0 e ��� 0. Esta segundaderivada, por sua vez, explica os sinais daderivada de (4) em diferentes trechos dafunção: à medida em que, via liberaliza-ção, avança o desenvolvimento financei-ro e ampliam-se os canais de acesso deconsumidores e firmas ao crédito, a taxareal de juros se aproxima de seu nível deequilíbrio “eficiente” (� E ). Neste está-gio, reduz-se o potencial impacto positi-vo de aumentos adicionais de � sobre � eF . A explicação para esta tendência éque, em um mercado liberalizado, parte

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O modelo de liberalização financeira dos anos 1990146

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do consumo e investimento restringidospelo efeito-substituição, é compensadapela expansão da oferta de crédito. Esta,por sua vez, é estimulada não só pelo au-mento de �, mas também por outras me-didas que, normalmente, compõem polí-ticas de liberalização – como redução dasalíquotas de recolhimento compulsório erelaxamento de outros tipos de controlequantitativo da oferta de crédito das ins-tituições financeiras (Fry, 1995, p. 168).

Ou seja, o efeito-renda do aumen-to de � e o “efeito-crédito” desta e de ou-tras medidas da política de liberalizaçãoexplicariam os baixos coeficientes esti-mados para a relação �-�. Pela mesma ra-zão, Bencivenga e Smith (1991) argu-mentam que o desenvolvimento finan-ceiro proporcionado pela liberalizaçãopode resultar, inclusive, na redução de �,na medida em que, ampliando as possibi-lidades de endividamento de consumido-res e firmas, viabiliza a prática de pou-pança negativa por parte de alguns destesagentes. Este efeito é confirmado em es-tudo empírico de Drees e Pazarbasioglu(1998) sobre os efeitos da liberalizaçãofinanceira nos países nórdicos.

Em suma, seja pela influência donível de renda per capita, pelo efeito-rendade mudanças em �, pelo “efeito-crédito”mencionado, ou pela disparidade de re-

sultados, o fato é que a maioria dos auto-res, atualmente, deposita pouca confiançana validade da relação�-�, admitindo que:

Available econometric evidence indicates

that national saving ratios may be affected

positively by the real deposit rate of inte-

rest. Even when this effect is statistically

significant, however, its magnitude is not

large enough to warrant great policy signi-

ficance. (Fry, 1995, p. 453).

3.3_ A relação �-F (taxa real de juros –oferta efetiva de crédito)

Paralelamente aos estudos que indicarama fraqueza da relação �-�, alguns testessugeriram que as taxas reais de jurosexerciam influência mais significativa so-bre a alocação que, propriamente, sobre ataxa de poupança da economia:

... it seems likely that interest rates are

more significant in determining the chan-

nels into which savings will flow in the de-

veloped and developing countries than in

altering saving propensities.

(Mikesell e Zinser, 1973, p. 17).

... changes in the real deposit rate of inte-

rest cause considerable reallocation of hou-

sehold portfolios while producing only

modest changes in the overall sizes of those

portfolios. (Fry, 1995, p. 190).

Nos termos da notação que vimosutilizando, afirma-se que, embora a rela-

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Page 12: O modelo de liberalização financeira dos anos 1990 - CORE · grau de intervenção do governo na liberdade de escolha do mercado quanto à composição de seu portfolio. Mais que

ção �-� seja estatisticamente fraca, a rela-ção �-B D (demanda por títulos) mos-trou-se significativa. A partir de umaamostra muito semelhante à que serviude base para os testes da sensibilidade-juro de �, e definindo B D como um agre-gado monetário M3 (M1 mais depósitosa prazo em geral), Fry (1995, p. 191) esti-mou coeficientes de regressão entre 0,8 e1,4 (dependendo do tempo de reaçãoconsiderado) para a relação �-B D , no pe-ríodo 1961-1983, com R 2 próximo de0,60. Chamley e Hussain (1988) chega-ram a coeficientes semelhantes em esti-mativas individuais para a Tailândia, aIndonésia e as Filipinas.

Considerando que, para os mes-mos países que mostraram relações�-B D

significativas, de um modo geral, esti-mou-se fraca reação da poupança agrega-

da a mudanças em �, estes resultadosapontam para a irrelevância da relação�-B D , sugerindo que grande parte do au-mento da poupança financeira deve-se àmigração de recursos de outras fontes depoupança já existentes (Fry, 1995, p. 192).Como B D , nestes testes, está sendo re-presentado apenas por papel-moeda empoder do público e depósitos (a vista e aprazo), estas outras fontes seriam o mer-cado de capitais e/ou os mercados infor-mais de crédito e divisas. Em se tratando

de PED, cujos sistemas financeiros eram,sabidamente, pouco desenvolvidos àépoca, especialmente no segmento domercado de capitais, conclui-se que o au-mento de M3 associado ao aumento de �

deve-se, essencialmente, à redução da in-formalidade do setor, como previa o mo-delo Shaw-McKinnon.

A partir da identificação conceitu-al entre B D e F , com o argumento de queF seria a contrapartida de B D , os testesque mostraram elevados coeficientes pa-ra a relação �-B D foram, em geral, inter-pretados como indicadores de confirma-ção da importância estatística da relação�-F (Fry, 1995, p. 196-202; Agénor eMontiel, 1999, p. 691-692). Cabe notar,contudo, que a eqüivalência conceitualentre B D e F só é válida, a rigor, em mer-cados dominados por mecanismos de fi-nanciamento direto. Neste caso – e so-

mente neste – B D e F se manifestam simul-taneamente no mercado de ativos e osdois conceitos representam, de fato, “doislados de uma mesma moeda”. Quanto àparcela de B D alocada a depósitos bancá-rios, porém, sua conversão em oferta decrédito não é imediata, nem garantida,sendo condicionada pelas decisões dealocação de portfolio dos bancos – e não, di-retamente, dos poupadores finais.

É sabido que, em países caracte-rizados por baixo grau de desenvolvi-

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Page 13: O modelo de liberalização financeira dos anos 1990 - CORE · grau de intervenção do governo na liberdade de escolha do mercado quanto à composição de seu portfolio. Mais que

mento financeiro, como é o caso dosPED que foram alvo dos testes, B D com-põe-se, basicamente, de depósitos bancá-rios (a vista e a prazo) – e, não por acaso,estes ativos foram utilizados como medi-da da poupança financeira nos testesmencionados. Esta condição é reconhe-cida por diversos autores, inclusive Fry(1995, p. 4 e 317-322), Agénor e Montiel(1999, p. 26-28 e 189-190) e os próprios“pais” do modelo de liberalização (Shaw,1973, ch. 1; McKinnon, 1973, ch. 1-2).Nestes casos, portanto, a vinculação en-tre B D e F não é óbvia, de modo que osresultados dos testes da relação �-B D

não são indicadores seguros da relação�-F . Confirmando esta condição, Fry(1995, p. 194) – curiosamente, um dosautores que interpretam a relação �-B D

como proxy da relação �-F – estimouuma função “crédito/PIB” para umaamostra de doze PED asiáticos (quase amesma do teste anterior, da relação �-B D ),no período 1961-1977, cujo coeficientepara a variável � foi de 0,05, com R 2 de0,95. Comparando-se este coeficientecom o obtido para a relação �-B D , con-clui-se que, para cada ponto percentualde aumento em �, o percentual de au-mento na demanda do público por ativosfinanceiros é da ordem de 0,8 a 1,4%, en-quanto a expansão relativa do crédito é

de 0,05% – ou seja, apenas uma pequenaparcela, entre 3,5 e 6,3%, do aumento deB D explicado pelo aumento dos juros re-ais converte-se em efetivo aumento daoferta de crédito.

A fraqueza das relações �-F eB D -F , no entanto, não atestam a irrele-vância da variável F para o processo decrescimento. Como já observado, a im-portância das relações F -�-g e F -g foi,em geral, confirmada estatística e econo-micamente. O baixo coeficiente de � nafunção-F , associado ao elevado R 2 daregressão, sugere apenas que a oferta decrédito não reage de forma estatistica-mente significativa ao aumento das taxasreais de juros. Em outros termos, os tes-tes demonstram que d� não explica dF ,negando, portanto, a validade da função(4). Assim, a expansão do crédito que,em todos os casos, se seguiu às políticasde liberalização deve ser atribuída a ou-tras medidas, que não a liberação (au-mento) dos juros.

3.4_ A relação �-g (taxa real de juros –taxa de crescimento econômico)

Fry (1995, p.178-188) relata diversos estu-dos econométricos da relação �-g , que, se-gundo sua interpretação, confirmam aexistência de “positiva e significativa relação en-

tre a taxa de crescimento econômico e a taxa real de

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juros dos depósitos” (Fry 1995, p. 181-182).No entanto, como se demonstrará a se-guir, na maioria dos estudos relatados, oscoeficientes R 2 e/ou os coeficientes deregressão estimados foram baixos – em-bora os últimos tenham sido, em todosos casos, positivos, como prevê o mode-lo Shaw-McKinnon.

Fry (1978) estimou uma função decrescimento para sete PED asiáticos noperíodo 1961-1972 com significativo co-eficiente de regressão para �, de 0,4, indi-cando que cada ponto percentual deaumento na taxa real de juros (ao ano)adicionaria 0,4 pontos à taxa de cresci-mento anual dos países em análise. Noentanto, apesar da importância econômi-ca deste resultado, ele tem pouco valorestatístico, porque foi associado a um bai-xíssimo R 2 – de apenas 0,16. Mais tarde,estudo de Lanyi e Saracoglu (1983) paravinte e um PED no período 1971-1980estimou um coeficiente de regressão ain-da mais significativo para� (de 2,4), asso-ciado, porém, a um R 2 ainda baixo, de0,41. Fry (1995, p. 180-181) ampliou estaamostra para incluir Taiwan, obtendo re-sultados apenas marginalmente melhores:coeficiente de 2,6 para � e R 2 de 0,43.Estimativa do World Bank (1989) parauma amostra maior, de trinta e três PED,no período 1974-1985, estimou um coefi-ciente de 0,2 para �, com R 2 de 0,45.

As poucas estimativas que obtive-ram R 2 mais elevados (superiores a 0,5),indicando melhor qualidade do ajusta-mento aos dados efetivos da amostra, re-sultaram em coeficientes de regressãobem menores que nos casos de baixo R 2 .Uma delas, do Asian Development Bank(1984, vol. II), para uma amostra de qua-torze PED asiáticos no período 1961-1982, estimou um coeficiente de 0,04para�, com R 2 de 0,77. Khan e Villanueva(1991), analisando vinte e três PED noperíodo 1975-1987, estimaram coefici-entes de 0,08, com R 2 0 55� , , para uma

função-g de duas variáveis (� e a taxa deinvestimento) e de 0,07, com R 2 0 72� , ,

para uma função de três variáveis (a taxade crescimento das exportações, alémdas outras duas). Roubini e Sala-i-Martin(1992, p. 22), em estudo envolvendo cin-qüenta e três PED, no período 1960-1985, chegaram a resultados ainda maisfrágeis para a relação �-g : coeficiente deregressão de 0,0072 e R 2 de 0,69.5

Em razão da ordem de grandezaenvolvida, no caso da relação �-g , coefi-cientes aparentemente baixos podem tergrande significado econômico, especial-mente numa perspectiva de manutençãoda nova condição a médio e longo prazo,em que as taxas anuais de variação de � eg são acumuladas e, portanto, magnifica-

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O modelo de liberalização financeira dos anos 1990150

5 Roubini e Sala-i-Martin(1992) estimaram diversasvariações do modelo básico,alterando o elenco de variáveisindependentes. As mençõesaqui tomaram por base,em cada caso, as regressõesde maior R 2.

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das. Ainda assim, a disparidade de resul-tados quanto aos coeficientes (tal comonos testes da relação �-�) e o baixo R 2 dagrande maioria das regressões descritastornam os testes da relação �-g poucoconfiáveis. Outros testes de Roubini eSala-i-Martin (1992) confirmam esta in-terpretação. Os autores estimaram regres-sões com base em outros indicadores derepressão financeira, alternativos ou com-binados à baixa (ou negativa) taxa real dejuros, encontrando coeficientes de re-gressão e R 2 maiores em todos os casos:

a. coef. = 0,0156 e R 2 =0,74 para umindicador “composto” (denomi-nado DISTORT), incluindo di-versos outros fatores de distor-ção nos mercados de ativos, defatores de produção e de comér-cio exterior (Roubini e Sala-i-Martin (1992, p. 23, Table 3);

b. coef. = 0,0301 e R 2 = 0,64 para arelação “reservas compulsórias-g”(Roubini e Sala-i-Martin (1992,p. 26, Table 5);

c. coef. = –0,0453 e R 2 = 0,67 para arelação “inflação-g” (Roubini eSala-i-Martin (1992, p. 27, Table 6).

De acordo com os estudos relata-dos, ao contrário de Fry, entendemosque os testes não sustentam evidências de

uma relação �-g “positiva e significati-va”, mas positiva e fraca. Assim como nocaso da relação �-F , isto não indica queas políticas de liberalização financeiranão tenham influência sobre g . É sabidoque em todas as experiências de PD ePED, a implementação destas políticasesteve associada ao aumento da taxa decrescimento do PIB (embora com dura-ção e intensidade variável). No entanto,face à debilidade das relações �-F e �-g ,associada à importância da relação F -g ,este efeito deve ser atribuído a outrasmedidas, que não o aumento da taxa realde juros. Conseqüentemente, os meca-nismos através dos quais a política de li-beralização é capaz de afetar a taxa decrescimento g devem ser revistos.

4_ Desafios empíricos à teoriada liberalização financeira

4.1_ Desafios impostos pelostestes econométricos

Como já ressaltamos, antes de Shaw eMcKinnon, outros autores já haviam re-conhecido a importância do grau de de-senvolvimento financeiro para o cresci-mento econômico. É, porém, uma pecu-liaridade deste modelo a ênfase na taxareal de juros como síntese do conjunto

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de variáveis financeiras que influencia atrajetória de crescimento a longo prazo.Assim, a relação �-g é a mais represen-tativa e emblemática do modelo Shaw-McKinnon, que se caracteriza como ummodelo neoclássico de crescimento, am-pliado para explicitar e enfatizar o papeldas variáveis financeiras. Neste contex-to, a identificação de coeficientes positi-vos e estatisticamente significativos para� nas funções de crescimento estimadasrepresenta um indicador crucial de vali-dade do modelo Shaw-McKinnon, aindaque as etapas anteriores do mecanismode transmissão (8) não sejam confirma-das com segurança.

No entanto, contrariando o queprevia o modelo teórico, as evidênciasempíricas mostraram que:

a. embora, na maior parte dos casos,a taxa de crescimento do PIB te-nha se elevado após a implemen-tação de políticas de liberaliza-ção, a taxa real de juros não temum papel explicativo importantena função-crescimento;

b. entre as variáveis explicitadas em(8), a taxa real de juros é capaz deexplicar (estatisticamente) ape-nas a parte da demanda por ati-vos (B D ) direcionada a depósitosbancários;

c. a influência da taxa real de jurossobre B D não é intermediada (ouexplicada) pela reação da taxa depoupança, mas sim pela realocação

da poupança já existente, a favordos depósitos bancários;

d. a disponibilidade total de crédito(F ) tem correlação significativacom a taxa de crescimento daeconomia, mas não com a taxareal de juros, nem, sequer, comos depósitos bancários.

Estes resultados colocam dois pro-blemas teóricos para o modelo Shaw-McKinnon:

a. questionam, diretamente, sua teo-ria do crescimento, sintetizada nafunção (7);

b. questionam sua teoria monetária –a TFE, que privilegia o volume depoupança no mecanismo de trans-missão da taxa de juros à taxa decrescimento. Neste aspecto, osresultados dos testes comenta-dos mostraram-se mais compatí-veis com as teses de filiação key-nesiana a respeito do mecanismode transmissão da política mone-tária – ou, mais especificamente,de transmissão de mudanças nataxa de juros à demanda efetiva –já que este enfoque enfatiza, jus-

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tamente, as mudanças provoca-das no portfolio dos agentes, como,por exemplo, em Tobin (1978).

Em particular, a indicação de queo aumento da taxa de juros é capaz deimpulsionar mais intensamente a deman-da do público por depósitos bancáriosdo que a oferta de crédito é absolutamen-te compatível com a tese keynesiana deque esta última não é determinada apenas

pela restrição orçamentária dos bancos,mas também – e principalmente – peloseu grau de preferência por liquidez. Adisponibilidade de recursos é uma variá-vel importante neste processo, mas o quedetermina sua forma de alocação – isto é,se os fundos emprestáveis serão, de fato,emprestados – é o estado da preferênciapor liquidez dos poupadores e, principal-mente, dos próprios bancos, que admi-nistram (alocam) os fundos emprestáveisdos poupadores finais.

Uma taxa real de juros positiva eelevada, ceteris paribus, é um incentivo àtroca de liquidez por ativos de maturida-de mais longa, como sustentam a TFE eo modelo Shaw-McKinnon. Por outrolado, como observou Tobin (1958), o ris-co inerente a estes ativos atua como umfreio à demanda motivada pela expectati-va de retorno. Nestas condições, a ofertade fundos emprestáveis é inversamente

relacionada ao grau de aversão ao riscodos agentes – que, em seu modelo, é oque justifica a existência de algum graude preferência por liquidez por parte depoupadores e bancos. No enfoque pós-keynesiano, que privilegia a incerteza en-volvida no cálculo do risco (e não o riscoem si) como limite à demanda por ativos,sustenta-se que, quanto maior este graude incerteza, maior será a preferência porliquidez (uma estratégia de hedge em umambiente instável) e menos eficaz será ataxa real de juros como mecanismo de in-centivo à demanda por ativos.

Os resultados obtidos para as rela-ções �-B D e �-F podem ser compreendi-dos, também, a partir do modelo novo-keynesiano de racionamento de crédito(Stiglitz e Weiss, 1981), no qual taxas re-ais de juros mais elevadas têm dois efei-tos para os bancos: de um lado, impac-tam positivamente B D , aumentando a

disponibilidade de depósitos e reservasno sistema bancário; de outro, induzemos bancos a elevarem as taxas ativas, vi-sando preservar seus spreads. Os dois efe-itos, em princípio, favorecem a expansãodo crédito. No entanto, o aumento dastaxas de juros dos empréstimos têm tam-bém dois efeitos do ponto de vista doemprestador: até certo ponto, eleva a re-ceita esperada e a propensão a emprestar;

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a partir de então, amplia mais que pro-porcionalmente o risco do banco, con-duzindo ao racionamento de crédito. Emvista deste aspecto, é compreensível queos testes tenham identificado uma rela-ção�-B D mais forte que a relação�-F empaíses que passaram por processos de li-beralização, com aumentos sensíveis nastaxas reais de juros.6

Quanto à teoria do crescimento, damesma forma, os testes empíricos forammais favoráveis à interpretações alternati-vas, que ao modelo Shaw-McKinnon. Osresultados dos testes envolvendo a taxa g

como variável dependente sustentam ape-nas as relações não peculiares ao modeloShaw-McKinnon e originalmente pro-postas em modelos keynesianos – as rela-ções F -�-g , F -g e k-g – sendo, em geral,desfavoráveis quanto à alegada impor-tância de � para a teoria do crescimentoeconômico. Assim, os testes não forne-cem evidências suficientes da validadeestatística e econômica da função (7).

Em suma, as evidências empíricasconfirmam a importância macroeconô-mica e a significância estatística, para ocrescimento a longo prazo, de diversosindicadores de desenvolvimento finan-ceiro associados ao volume de recursosdisponível – aqui representado pela rela-ção F -g , intermediada ou não por � (Rou-

bini e Sala-i-Martin, 1992; King e Levine,1993; Fry, 1995, ch. 8-9; Levine, 1997,entre outros). Não se confirma, porém, omecanismo de transmissão proposto nomodelo Shaw-Mckinnon, já que F e g

não demonstraram ter relações estatisti-camente significativas com � ou �. Ape-nas a “vertente real” deste mecanismo ésustentada, ainda assim, com a ressalvade que os testes relativos à eficiência doinvestimento devem ser vistos com cau-tela, face às limitações do uso dedk comoindicador das variações na taxa real de re-torno do investimento.

Nestas condições, as evidênciasempíricas não são suficientes para validara tese da liberalização financeira comopolítica eficaz de promoção do cresci-mento econômico, já que tal política temno preço relativo (aqui representado pelavariável �) o instrumento-chave de estí-mulo ao desenvolvimento financeiro (re-presentado pela ampliação de F ). Se oobjetivo final, no campo financeiro, ésimplesmente ampliar a disponibilidadede crédito, a manutenção de linhas decrédito público seletivo a preços compa-tíveis com a saúde financeira da institui-ção emprestadora pode ser mais eficazque a simples liberação das taxas de ju-ros. Reforçando este argumento, algunsautores keynesianos alegam que, sob de-

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6 A intensidade do aumentodos juros reais é apontadapor muitos autores como aprincipal causa da ocorrênciade crises bancárias emseguida a processos deliberalização financeiranos PED (Fry, 1995,ch. 19; Agénor e Montiel,1999, ch. 18; McKinnon,1993, ch. 7; Demirgüç-Kunte Detragiache, 1998).Retomaremos esteponto adiante.

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terminadas circunstâncias (basicamente,alta concentração do mercado e assime-tria de informação), a manutenção decontroles sobre as taxas de juros passivase ativas é capaz de estimular os bancos aexpandirem seus depósitos e o volumede crédito, seja porque taxas menores re-duzem o risco bancário (Stiglitz, 1994)ou porque limitam o aumento do lucrovia preços (Demetriades e Luintel, 1996).Stiglitz (1994) vai além, sustentando que,se o que se requer para promover ocrescimento é a expansão do crédito delongo prazo (bancário e direto) e o con-trole do risco a ele associado, a repressãofinanceira pode ser uma política maiseficaz que a liberalização.

4.2_ Desafios impostos pelas“Crises de Liberalização”

Diversas experiências de reforma finan-ceira em PD e PED, nos moldes do mo-delo Shaw-McKinnon, conduziram, apósalguns anos de forte crescimento econô-mico, ao que se pode denominar de “cri-ses de liberalização” – crises bancárias,seguidas de estagnação ou recessão eco-nômica, sendo estas, de modo geral, maisgraves e acompanhadas de crises cambia-is nos PED. Ilustram este resultado as se-guintes experiências: EUA, Espanha, Ja-pão e países nórdicos, entre os PD, e

Argentina, Uruguai, Chile, México, Vene-zuela, Coréia do Sul, Tailândia, Indonésia,Filipinas e Turquia, no grupo dos PED.7

Os defensores do modelo de libe-ralização apontam quatro fontes básicasde geração de crises de liberalização(World Bank, 1989, p. 127-128; McKin-non, 1993, ch. 1-2; Fry, 1995, ch. 19; Agé-nor e Montiel, 1999, ch. 20):

a. desequilíbrios macroeconômicosprévios à implementação da refor-ma financeira;

b. má gestão da política macroeco-nômica durante o processo de li-beralização, mantendo o quadrode desequilíbrio macroeconômi-co ou dando origem a ele;

c. sobre-endividamento externo (over-borrowing syndrome) – o que é umsub-produto do item anterior;

d. precária supervisão da atividadefinanceira e do setor bancário,em particular.

Os dois primeiros fatores seriamos principais responsáveis pelo aumentoexcessivo da taxa real de juros (�), presentena grande maioria das crises financeirasque se seguiram à liberalização. Sob ele-vado risco macroeconômico, o aumentode � é liderado pelo aumento do risco em-butido na taxa, em detrimento do retornoreal esperado. Nestas condições � tor-

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7 Sobre as experiências deliberalização financeira nosPD, vide: Cargill (1983);World Bank (1989, ch. 3 e 9);Edey e Hviding (1995); FDIC(1997); Cintra e Freitas (1998).Para os PED, vide: WorldBank (1989, ch. 3 e 9);McKinnon (1993, ch. 3 e 6);Mathieson e Rojas-Suárez(1993); Fry (1995, ch. 16 e 19);Johnston et al. (1997).

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na-se ineficiente como instrumento dealocação de recursos, criando uma ten-dência à “seleção adversa”, a partir da qualo risco é melhor remunerado que o retor-no. Além disso, altas taxas reais de juroselevam os índices de inadimplência dos de-vedores, ampliando o risco de crédito dosbancos e, conseqüentemente, a propensãoda economia a problemas bancários.

Outra fonte de crise de liberaliza-ção nos PED apontada por McKinnon(1993, ch. 10) é o fenômeno que denomi-nou de overborrowing syndrome: endivida-mento externo “excessivo”, motivado peloelevado diferencial de juros interno-ex-terno dos primeiros anos de liberalização(em que as taxas domésticas se elevam),sem contrapartida nas reais necessidadesde financiamento externo do país, medi-das pelo déficit em conta corrente. Numasituação típica de overborrowing, os déficitsem conta corrente são mais que propor-cionalmente compensados por superá-vits na conta de capital, tornando o ba-lanço de pagamentos superavitário.

Por parte dos devedores domésti-cos, o sobre-endividamento externo sejustifica pela sua preferência (racional)por uma fonte de recursos mais barataque as disponíveis em moeda nacional.Nos primeiros anos da liberalização, osjuros nominais (r ) se elevam, tendendo a

superar o nível requerido pela condição de“paridade coberta”, ou seja: r � (� �X P� ),onde � X = taxa real de retorno dos ati-vos externos e �P = risco-país, que em-bute as expectativas de inflação e des-valorização cambial, além de riscos denatureza política. Os potenciais credoresexternos, por sua vez, assim como os in-vestidores domésticos, não percebem,rapidamente, o aumento de �P , à medidaem que os residentes se endividam emmoeda estrangeira; assim, também consi-deram r � (� �X P� ). Nos países onde BP

é, de fato, reduzido no início do processode liberalização – como nas experiênciasdo Chile e Coréia do Sul nos anos 1980,por exemplo – o fenômeno do sobre-endi-vidamento é ainda mais acentuado, já que acondição r � (� �X P� ) é, sucessivamente,confirmada nos primeiros anos da liberali-zação, sustentando a “miopia” dos investi-dores externos (McKinnon, 1993, p. 115).

Os sucessivos superávits no ba-lanço de pagamentos, gerados pelo so-bre-endividamento, criam dificuldadespara a política monetária:8

a. nos regimes de câmbio flexível,apreciam-se as taxas nominal ereal de câmbio (admitindo-se quenão haja deflação): isto compro-mete os saldos comerciais dopaís, gera expectativas de desva-

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8 Os problemas impostosà política monetária sobelevada mobilidade decapital são discutidos emHermann (1999).

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lorizações posteriores e instabili-za o mercado cambial;

b. nos regimes de câmbio fixo ousemi-fixo, a aquisição das divisaspelo banco central expande exces-

sivamente a base monetária – já quea demanda doméstica por moedanão acompanha o ingresso de ca-pital – dificultando o necessáriocontrole da demanda agregada nosprimeiros anos da liberalização;

c. a alternativa de esterilização da ex-pansão monetária pela colocaçãode dívida pública no mercado,compromete o equilíbrio fiscalno futuro próximo.

Em todos os casos, eleva-se �P e,conseqüentemente, o risco de exposiçãodo país a ataques especulativos. Nos casosem que o capital externo concentra-se (outem elevado peso relativo) no passivo dosistema bancário, além de uma crise cambi-al, este quadro pode precipitar uma crisebancária de grandes proporções – como seviu, recentemente, no México (1994-1995),na Argentina (1995-1996) e no sudesteasiático (1997-1998).

Ainda que o governo seja hábil naadministração monetária de curto pra-zo, o sobre-endividamento, a médio pra-zo, eleva substancialmente as despesasdo país com serviços de fatores (juros e

remessas de lucro). Aliado aos déficitscomerciais, característicos dos primeirosanos da liberalização comercial (que, emtodos os casos, precede a liberalização fi-nanceira), isso conduz a déficits crescen-tes na conta corrente do balanço de pa-gamentos, ampliando o risco de uma cri-se cambial.

Por fim, na presença ou não dedesequilíbrios macroeconômicos prévi-os e sobre-endividamento, crises de libe-ralização podem refletir uma estruturaprecária de supervisão e controle do ris-co da atividade bancária, erroneamente“compensada” por mecanismos formaisou informais de socorro de liquidez pelobanco central. Esta tem sido apontadacomo a principal causa de crises de li-beralização nos PD (McKinnon, 1993,p. 91; Fry, 1995, ch. 19; FDIC, 1997;Drees e Pazarbasioglu, 1998). A liberali-zação financeira eleva as taxas de juros(nominais e reais) e cria novas oportuni-dades de negócios em mercados antesvetados ou fortemente regulamentados.Estes efeitos tendem a tornar os bancos,bem como os investidores não-bancári-os, mais otimistas com relação às pers-pectivas de retorno dos investimentos e,assim, mais propensos ao risco. Nesteprocesso, eleva-se o grau de exposiçãodos bancos aos riscos de taxa de juros, de

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liquidez e de mercado, à medida em queampliam suas operações nos mercadosmonetário e de capitais. O risco de crédi-to também é ampliado, pelo aumento ex-pressivo e generalizado do volume deempréstimos e pela eventual concentra-ção destes nos novos setores recém-libe-rados – e, por isto mesmo, pouco co-nhecidos para os bancos.

Na ausência de uma regulamenta-ção prudencial, capaz de disciplinar a ex-posição do sistema bancário aos riscosde um mercado liberalizado, os bancoscentrais vêem-se, praticamente, forçadosa assumir uma postura passiva no merca-do interbancário, concedendo emprésti-mos de última instância a bancos que sevejam, eventualmente, em dificuldades,por terem suas expectativas (otimistas)de receita frustradas.9 Agindo desta for-ma, a autoridade monetária evita, por al-gum tempo, o contágio de outras ins-tituições financeiras e, por conseguinte, aconversão de um problema localizado deliquidez em uma crise bancária sistêmica.No entanto, tal conduta envolve um grauelevado de “risco moral”, que pavimentao caminho da crise bancária: o baixo ris-co de liquidez proporcionado pela con-descendência do banco central estimulaos bancos a assumirem elevados riscosde crédito, no intuito de explorar as no-

vas e, supostamente, melhores oportuni-dades de retorno geradas pela liberaliza-ção financeira.

Em suma, com �P previamenteelevado ou se elevando em decorrênciada liberalização, crises bancárias e cambi-ais podem ser desencadeadas por qual-quer choque de oferta ou de demandaque afete negativamente as expectativasdos agentes (domésticos e estrangeiros)quanto às condições de retorno-risco dosativos no país em questão. O argumentoparece, à primeira vista, semelhante ao dealguns críticos (de filiação keynesiana) domodelo de liberalização, que apontam oelevado grau de risco financeiro e ma-cro-econômico como a principal contra-indicação da política de liberalização.

No enfoque novo-keynesiano (Sti-glitz, 1994) este risco é atribuído a “falhasde mercado”, decorrentes, no caso domercado de crédito, à assimetria de in-formação que o caracteriza: não sendocapazes de distinguir os diferentes grausde risco de crédito dos diversos proje-tos que financiam, os bancos “se defen-dem” fixando um teto para a taxa de ju-ros e, concomitantemente, um volumede crédito máximo, que atenda à renta-bilidade esperada a partir desta taxa – ouseja, racionando o crédito. Com isto, li-mitam seu grau de exposição a riscos,

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9 Esta é uma interpretaçãocorrente da conduta do Fednos anos 1970-1980, quelevou à crise bancária (e dasassociações de poupança eempréstimo) nos EUA entrefins da década de 1980 e inícioda de 1990.

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porque associam taxas de juros mais ele-vadas com riscos de crédito maiores. Apolítica de liberalização teria a vantageminicial de ampliar a demanda de crédito e,com ela, o lucro esperado pelos bancos.O risco financeiro aumenta na medidaque, neste contexto mais promissor, osbancos tornam-se mais propensos a ris-cos, o que, no modelo de racionamentode crédito, se traduz por um aumento doteto de juros. Assim, a expansão do cré-dito que se segue à política de liberaliza-ção vêm, neste enfoque, necessaria-mente, acompanhada de aumento do ris-co de crédito dos bancos e, por extensão,da economia.

No enfoque pós-keynesiano (Stu-dart, 1995, ch. 5; Arestis e Demetriades,1997), em vez da assimetria de informação,enfatiza-se a incerteza inerente ao mercadode ativos – e não só ao mercado de crédito– já que este lida com direitos sobre rendasfuturas. Também aqui, os agentes desen-volvem estratégias defensivas como:

a. a fixação de contratos, que permi-tem melhorar as previsões de pre-ços e quantidades – mas que nãoeliminam o risco de avaliaçõeserradas do mercado;

b. o que Keynes (1985) chamou de“comportamento convencional”,que consiste em tentar seguir de

perto o comportamento do con-junto do mercado, de modo a re-duzir as perdas decorrentes deeventuais erros de previsão;

c. a preferência por liquidez, que ga-rante ao investidor a posse de ri-queza na forma geral.

As duas últimas são consideradasas estratégias mais eficazes do ponto devista individual, mas envolvem riscos ele-vados macroeconômicos. Deixado ao sa-bor das preferências individuais, o mer-cado financeiro expõe-se a dois tipos deriscos macroeconômicos:

a. tendência à concentração das apli-cações em ativos de alta liquidez(mais seguros), penalizando, sis-tematicamente, os investimentosem capital físico, que geram em-prego e renda futura;

b. o risco permanente de crises fi-nanceiras, resultantes do exercí-cio do comportamento conven-cional em períodos de forte oti-mismo, que tendem a originar“bolhas especulativas”, ou pessi-mismo, que podem deflagrar cri-ses de crédito e/ou deflação ge-ral dos ativos.10

Em suma, nesses dois enfoques,os efeitos desfavoráveis da política de li-beralização sobre a eficiência do merca-

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10 A crítica pós-keynesiana aomodelo de liberalizaçãofinanceira envolve umadiscussão teórica maisprofunda que a aquisumariada, voltada para aslimitações da “hipótese demercados eficientes” comoconceito útil à interpretaçãodo funcionamento dosmercados financeiros.O desenvolvimento destadiscussão foge aos objetivosdeste artigo. Uma resenha arespeito pode ser encontradaem Hermann (2002, cap. 6).Para os argumentospós-keynesianos nestadiscussão, vide Kregel (1980),Studart (1995-1996) eGlickman (1994).

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do na alocação de recursos e, por ex-tensão, sobre o investimento e o cresci-mento econômico contra-indicariam a li-beralização financeira como política dedesenvolvimento.

Nesta visão crítica, ainda que o au-mento dos juros reais para níveis positi-vos seja entendido como meio de estí-mulo ao crescimento econômico, o au-mento permanente do risco é apontadocomo uma conseqüência inevitável da li-beralização. Em outros termos, suge-re-se que, em economias cujo mercadofinanceiro opera de forma amplamenteliberalizada, estabelece-se uma relação fun-cional do tipo �� �� � / . Nestas condi-ções, admitindo-se válida uma relação� �� � g/ , o efeito líquido da liberaliza-ção sobre o crescimento econômico alongo prazo seria negativo.

Na interpretação de McKinnon edos demais adeptos do modelo de libera-lização, no entanto, os níveis elevados de� e, portanto, as crises financeiras pós-li-beralização não são atribuídos ao modelode política financeira, mas sim a desequi-líbrios macroeconômicos prévios ou pro-duzidos pela má gestão fiscal e monetá-ria.11 Mais que isso, no caso dos PED, osdesequilíbrios macroeconômicos causa-dores das crises de liberalização são in-

terpretados como herança da longa ex-periência de políticas keynesianas e de re-pressão financeira (Fry, 1995, ch. 19;Agénor e Montiel, 1999, ch. 18). Destaforma, as crises de liberalização seriamainda um subproduto da política de re-pressão financeira. O aumento da pro-pensão ao risco e do efetivo risco decrédito assumido pelas instituições finan-ceiras, bem como o fenômeno do overbor-

rowing externo, não seriam também ineren-

tes ao modelo de liberalização financeira,mas apenas conseqüências – evitáveis – damá gestão da política monetária no quetange, respectivamente, à (desejada) ex-pansão do crédito doméstico e aos fluxosde capital. Assim, ao contrário do que ar-gumentam os críticos do modelo, ale-ga-se aqui que as crises de liberalizaçãoseriam causadas por “falhas de governo”,e não por “falhas de mercado”.

Nesta visão, portanto, antes queum efeito capaz de justificar sua rejeição,as crises de liberalização tornam-se armade defesa e refinamento do modelo de li-beralização financeira, apontando o “ca-minho das pedras” para a adequação dapolítica macroeconômica e do aparatoregulatório do mercado financeiro àscondições de operação de uma economialiberalizada. Estas propostas são detalha-das na Seção 5.2.

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11 Drees e Pazarbasioglu(1998, p. 1) são explícitosquanto a este ponto em suaanálise das crisespós-liberalização nos paísesnórdicos, atribuindo suascrises bancárias à erros degestão da política financeirae macroeconômica.

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5_ O modelo de liberalizaçãofinanceira revisado

5.1_ O mecanismo de transmissão e afunção-crescimento do “novo modelo”

Diante da fraqueza das evidências empíri-cas, bem como das crises bancárias e cam-biais que se seguiram a diversas experiên-cias de liberalização financeira, os defen-sores desta política incorporaram algumascríticas e reviram o modelo em dois aspec-tos principais (McKinnon, 1993; Fry,1995, ch. 19; Fry, 1997, entre outros):

a. o mecanismo de transmissão da re-lação �-g , que é qualificado pelainfluência de outras variáveis –basicamente, indicadores de (des)equilíbrio macroeconômico;

b. a própria função de crescimento,que é ampliada para incorporarF como variável independentede �, bem como as demais variá-veis apontadas no (novo) meca-nismo de transmissão proposto.

A revisão da teoria do crescimen-to do modelo Shaw-McKinnon parte daconstatação de que os elos principais domecanismo de transmissão do desenvol-vimento financeiro a g são a taxa de in-vestimento (�) e, principalmente, a pro-dutividade (ou eficiência) do capital (físi-co e humano), sintetizada na relação ca-pital-produto (k):

Higher real deposit rates of interest had

their major impact through increased in-

vestment efficiency (as measured by IOCRs

[“incremental output-capital ratio”, oequivalente a 1/k, em nossa notação])

rather than through increased investment

or aggregate saving as a share of GDP.

(McKinnon, 1993, p. 22).

Assim, as funções (5) e (6) per-manecem válidas e a função (7) é, inici-almente, substituída por (McKinnon,1993, p. 21):

g q� (� ,k), q � � 0 e q K 0 (9)

Mantido o mecanismo de trans-missão originalmente proposto no mo-delo Shaw-McKinnon, no qual F erafunção positiva de �, voltaríamos à fun-ção (7). Sendo, porém, F independentede �, a função de crescimento fica:

g g� (� , F ), g � � 0 e g F � 0 (10)

onde F é, agora, a variável responsávelpela “vertente financeira” de (8) e � sus-tenta apenas a “vertente real” deste me-canismo de transmissão. Esta é uma dasqualificações da relação �-g , que compõea revisão do modelo: o papel de � passa aser, essencialmente, o de orientar os in-vestimentos e as operações de financia-mento que os viabilizam para os setorescom maiores taxas de retorno, e não maiso de estimular, diretamente, os volumes de

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poupança, crédito e investimento agrega-dos. Contudo, como os empreendimen-tos de maior taxa de retorno prospectivosão também, normalmente, os que en-volvem maior risco, a esta nova interpre-tação do papel de � na função-g , cor-responde uma visão mais ampla (que aanteriormente sugerida pela TFE) do pa-pel do sistema financeiro no desenvolvi-mento econômico. Além de, simples-mente, repassar recursos dos poupado-res aos investidores, às mais altas taxas deretorno possíveis – função que se materi-aliza na expansão de F – sua importânciase explica pela maior capacidade, quandocomparado ao poupador individual, deadministrar os riscos inerentes a uma car-teira de ativos.

A vantagem comparativa das ins-tituições financeiras decorre, essencial-mente, de sua especialização e da eco-nomia de escala que caracteriza as ativi-dades de coleta e processamento de in-formações sobre as condições de retornoe risco do mercado de ativos. Assim, a in-termediação financeira contribui para ocrescimento econômico, essencialmente,reduzindo o risco para o poupador final;com isto, incentiva a demanda por ativosde maior retorno-risco e eleva a produti-vidade da carteira de projetos de investi-mento financiados, reduzindo k.

A ênfase na função alocativa de �

requer uma segunda qualificação da rela-ção �-g : seu resultado depende da com-posição de � em termos de taxa básica deretorno (� B ) e taxa de risco (�) ou, alter-nativamente, em termos de taxa nominalde juros (r ) e inflação esperada (� e ):� � � ��� � � �( ) ( )r e . Uma taxa � posi-

tiva e elevada pode refletir alta taxa de re-torno e eficiência do capital, se � B pre-domina sobre �, ou elevado grau de ris-co do mercado financeiro e, portanto, daeconomia, se � é a variável predominan-te. Apenas no primeiro caso a relação �-g

geraria os efeitos esperados no modeloShaw-McKinnon. No segundo, como orisco inibe o crédito e a própria demandade investimentos, a mesma taxa � gerariauma taxa de crescimento baixa, ou mes-mo negativa. Assim, a taxa de retornoque, a rigor, tem forte relação positivacom o crescimento econômico é a taxabásica � B . No entanto, não sendo possí-vel isolar o componente � nos testes em-píricos da relação �-g , seus resultadosexigem uma qualificação posterior.

Considerando que, em um merca-do eficiente, � B tem um limite superiordado pela capacidade de geração de lucropelo capital – limitada pela extensão epossível saturação do mercado, bem

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como pelo estado da técnica – pode-seafirmar que, em geral, taxas reais de jurosmuito elevadas refletem, predominante-mente, elevado grau de risco do merca-do. Assim, a relação �-g teria a forma deum “U ” invertido (De Gregorio e Gui-dotti, 1995; Fry, 1997), indicando quetanto taxas reais de juros muito baixas,quanto muito altas são prejudiciais aocrescimento: no primeiro caso, porque oretorno real � B fica comprometido e,com ele, a demanda por ativos de maiorretorno-risco; no segundo, esta demandaseria limitada pelo elevado valor de �.

O mesmo raciocínio é válido paraeconomias com elevada taxa de inflação,efetiva e esperada. Neste caso, se vigorauma política de repressão financeira, r

não se ajusta para compensar � e � e , tor-nando � baixa ou negativa e comprome-tendo o crescimento. Se o mercado ope-ra de forma “eficiente”, r se eleva além de� e , garantindo � positiva; isto, porém,não garante um efeito positivo sobre ataxa de crescimento, porque � e elevada,assim como �, inibe a poupança, o crédi-to e a demanda por investimentos. Deacordo com esses argumentos, a função-g

deve ser ampliada para:

g g F e� ( , , , ,� � � � ), (11)

g � � 0; g F � 0; g � 0; g � 0; g e� 0

Na forma (11), embora não se eli-mine a taxa real de juros como argumen-to da função – mantendo-se, portanto, onúcleo da teoria original do modelo Shaw-McKinnon – reduz-se sensivelmente seupeso na explicação do crescimento eco-nômico. A importância de � é reduzidanão só pela inclusão de novas variáveis,mas também porque a maior parte dostestes econométricos, como vimos, suge-riram que, em (11), g gF � � e g g� �� .12

A função (10) é também útil paraesclarecer a interpretação do modelo pa-ra as “crises de liberalização”. Em todasessas experiências, a desregulamentaçãofinanceira teria promovido o aumento de� e F – como se requer, nesta visão, paraestimular o crescimento. Contudo, napresença de desequilíbrios macroeconô-micos prévios e/ou de precários sistemasde controle prudencial de riscos e de su-pervisão bancária, o aumento de � e F

foi acompanhado do aumento simultâ-neo de �, � e � e ou da manutenção destes

indicadores em níveis elevados. Isto teriacomprometido duplamente os benefíciosda liberalização financeira:

a. pelos efeitos negativos diretos des-tas variáveis sobre o crescimentoeconômico;

b. por seus efeitos indiretos, à medi-da em que níveis elevados de �, �e � e são incorporados a �, am-

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12 Sobre a relação empírica�-g , vide De Gregorio (1993)e Fry (1995, p. 185 e ch. 10).

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pliando perigosamente o risco decrédito a que se expõem as insti-tuições financeiras.

5.2_ A política financeira do“novo modelo”: seqüenciamento eviés macroeconômico

A interpretação das crises de liberalizaçãocomo resultado de falhas da política ma-croeconômica sustenta dois importantesrefinamentos da política financeira pres-crita no modelo Shaw-McKinnon: a am-pliação do escopo e o seqüenciamento dapolítica de liberalização. Neste novo en-foque, a estabilização macroeconômica ga-nha importância e prioridade na seqüên-cia de medidas que devem compor a polí-tica financeira:

“How fiscal, monetary and foreign exchan-

ge policies are sequenced is of critical impor-

tance. (...) [T]here is an ‘optimal’ order of

economic liberalization, which may vary for

different liberalizing economies depending

on their initial conditions (...).”(McKinnon, 1993, p. 4, aspas do original).

O critério básico de ordenação é ode antepor a estabilização macroeconô-mica às medidas de liberalização finan-ceira propriamente dita e o objetivo cen-tral é evitar o aumento excessivo dos ju-ros reais e dos riscos bancário e cambialassociados ao processo de liberalização.Idealmente, a “ordem da liberalização”

seguiria um roteiro semelhante ao descri-to abaixo (World Bank, 1989, p. 127-128;McKinnon, 1993, ch. 2-3; Fry, 1995, ch.19; Agénor e Montiel, 1999, ch. 20).

Primeira etapa: estabilização macroeconômica

1. Ajuste fiscal, visto como pré-con-dição para a estabilização mone-tária e para a liberalização finan-ceira. Como coadjuvante da po-lítica de liberalização, o ajustefiscal deve ser comandado pelareconstrução do sistema tribu-tário, de modo a viabilizar o or-çamento público na ausênciadas receitas extraordinárias ge-radas pela repressão financeira.Paralelamente à reforma tribu-tária, mas em ritmo mais lento,deve ser iniciado um programade privatização, de modo a re-duzir as despesas governamen-tais – e, conseqüentemente, anecessidade de arrecadação – aomínimo necessário ao cumpri-mento das chamadas “funçõestípicas de governo”.

2. Estabilização monetária, visando re-duzir a taxa de inflação a níveiscapazes de eliminar o compo-nente � e da formação dos jurose da taxa de câmbio nominais.

3. Reforma do modelo de política monetária,em dois sentidos: a) substituição

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do antigo conjunto de instru-mentos intervencionistas (reser-vas compulsórias, impostos e re-gulação do crédito privado) porinstrumentos convencionais decontrole da liquidez (operaçõesde mercado aberto e redescon-to); b) instituição da estabilidadede preços como único objetivoda política monetária, eliminan-do, assim, o trade off característicoda Curva de Phillips keynesiana.

Segunda etapa: medidas de liberalizaçãofinanceira de implementação rápida

4. Liberalização do mercado de capitais,visando estimular a via do finan-ciamento direto e, assim, contera tendência dos bancos ao au-mento excessivo dos juros no iní-cio do processo de liberalização,enquanto os riscos � e � não sãoreduzidos.

5. Liberalização cambial: imediata unifi-cação das taxas de câmbio (ondeainda vigore algum tipo de sistemade câmbio múltiplo), de modo aampliar a liquidez e a transparên-cia do mercado de divisas. A flexi-bilização do regime cambial (ondevigorem regimes de câmbio fixo) étambém recomendada, tão logotenha sido cumprida a etapa de es-tabilização macroeconômica.

Terceira etapa: política financeira de médioprazo (de implementação ou efeito gradual)

6. Liberalização bancária gradual e condicio-

nada ao comportamento do graude risco financeiro e macroeco-nômico da economia em ques-tão. Sob condições iniciais de ele-vados�,� e� e , a liberação das ta-

xas nominais de juros deve sergradual e parcial: tetos de jurospodem ser necessários para al-guns tipos de operação, de maiorrisco, desde que garantam a ma-nutenção de � em níveis positi-vos e ainda atraentes para o pou-pador. A manutenção de linhasde crédito especiais (públicas, sub-sidiadas) e de controles legais so-bre as áreas de atuação dos ban-cos, da mesma forma, pode serum importante instrumento decontrole do risco do mercadobancário, bem como de compen-sação para o eventual raciona-mento de crédito pelos bancosprivados, enquanto � e � não sãoadequadamente reduzidos pelapolítica macroeconômica.

7. Reforço (ou criação) dos mecanismos de su-

pervisão bancária, visando contro-lar os riscos de crédito, de liqui-dez, de taxa de juros e de câm-bio, que são ampliados nos mer-

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cados liberalizados. O gradua-lismo na implementação destasmedidas é importante para evitaruma crise de liquidez no sistemabancário, decorrente do cumpri-mento das exigências de (maio-res) provisões contra riscos.

8. Reestruturação patrimonial do setor

bancário, com base em três linhasde medidas: a) privatização dosbancos públicos, vistos comomenos eficientes e rentáveis queos privados; b) liquidação dosbancos privados com elevadaparticipação de ativos de difícilrecuperação (a serem identifica-dos pelo novo sistema de super-visão bancária), e/ ou criação deprogramas de incentivo à suaabsorção por instituições priva-das mais sólidas; c) política deestímulo à concorrência no se-tor bancário, através da aberturaà entrada de bancos estrangeirose de exigências de maior trans-parência nas condições de ope-ração dos bancos existentes.Além de visar ao aumento daeficiência, a recomendação deestímulo à concorrência é moti-vada pela análise de experiênci-as recentes, mostrando que os

países onde a liberalização foiseguida de forte aumento de �

eram, em geral, caracterizadospor mercados bancários oligo-polizados (além de níveis eleva-dos de � e �).

9. Liberalização da conta de capital: estedeve ser o último passo do pro-grama, para evitar aumento dafragilidade externa no período deabertura comercial e liberaliza-ção financeira. O investimentoexterno direto e as emissões delongo prazo no mercado de capi-tais devem ser privilegiados co-mo fontes de financiamento dosdéficits em conta corrente nosprimeiros anos de liberalização.Os demais tipos de fluxo de ca-pital devem ser mantidos sobcontrole, via impostos, recolhi-mentos compulsórios e/ou exi-gências de prazo mínimo de per-manência (“quarentena”) nesseperíodo inicial. Tais controles vi-sam conter a tendência ao so-bre-endividamento externo e in-terno e, com ele, o risco cam-bial e bancário.

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6_ Sumário e conclusõesO artigo examinou a evolução e altera-ções que sofreu o modelo de liberaliza-ção financeira nos últimos vinte anos(décadas de 80 e 90), em decorrência dosresultados dos testes econométricos domodelo Shaw-McKinnon, bem como daexperiência recente de PD e PED com apolítica de liberalização. No plano eco-nométrico, os resultados obtidos para asrelações �-�, �-B D , �-F , F -g e �-g reve-

lam, na grande maioria dos testes, fracopoder explicativo das variáveis � (taxareal de juros) e � (taxa de poupança agre-gada) no processo de crescimento e, porconseguinte, das relações teóricas funda-mentais do modelo Shaw-McKinnon.Isto exigiu uma revisão do mecanismo detransmissão expresso em (8) e sua substi-tuição pela função de crescimento (11).

No que tange às experiências con-cretas de PD e PED, o principal desafio àteoria original de Shaw e McKinnon fo-ram as crises bancárias e/ou cambiaisque, na maioria dos casos, se seguiram àimplementação da política de liberaliza-ção financeira. Essas experiências condu-ziram a três tipos de revisão no modelooriginal:

a. a proposta de seqüenciamento e,portanto, de gradualismo na imple-mentação da reforma financeira;

b. a complementação da política de li-beralização com medidas de con-trole prudencial do risco a que seexpõem as instituições financeiras;

c. a extensão da política financeirapara o campo da política macro-econômica.

No campo da política financeirapropriamente dita, a novidade da “mo-derna teoria” é o gradualismo da liberali-zação, visando evitar as crises financei-ras. Contudo, as experiências dos EUA edos PED asiáticos (da Coréia, em especial)demonstram que o gradualismo não é ga-rantia de imunização contra as crises deliberalização. Embora tenha se estendidopor mais de uma década, a política de li-beralização financeira nestes países foiseguida de crises bancárias, tal como namaioria dos PED latino-americanos, queimplementaram a política em poucos anos.

Os mecanismos de supervisão econtrole preventivo do risco, da mesmaforma, são falíveis. Como observa a FDIC,em estudo sobre as falências bancáriasnos EUA nos anos 1980:

Bank regulation can limit the scope and

cost of bank failures but is unlikely to pre-

vent failures that have systemic causes.

(...) The ability of regulators to curb ex-

cessive risk taking on the part of currently

healthy banks was (and continues to be)

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limited by the problem of identifying risky

activities before they produce serious losses

and by competing public policy objectives.

(FDIC, 1997, p. 83-84, destaques acrescentados).

A extensão da política de liberali-zação para o campo macroeconômico,por fim, reflete a constatação de que,após a desregulamentação, a manutençãode um quadro de estabilidade econômicaexige mais que a harmonização de princí-pios de “saúde financeira” e supervisãodo setor. A convergência estrutural e oelevado grau de abertura dos sistemas fi-nanceiros tornaram os mercados nacio-nais e internacional de ativos altamentesensíveis à performance macroeconômi-ca dos países membros do “mercado glo-bal”, já que esta é um elemento-chave nadeterminação do curso dos juros, dastaxas de câmbio e dos preços dos ativosno futuro próximo.

Assim, quanto aos fatores explica-tivos do desenvolvimento financeiro edo crescimento a longo prazo, a versãomoderna do modelo de liberalização fi-nanceira propõe uma radical mudança defoco, substituindo os preços relativos(sintetizados na taxa �) pelo contextomacroeconômico, representado pelos in-dicadores de inflação e risco-país. Maisque isto, o novo modelo faz uma verda-deira autocrítica, admitindo que, depen-

dendo desse contexto, algum grau de re-pressão financeira pode ser necessário, emesmo benéfico, ao desenvolvimento fi-nanceiro. Nas palavras de um dos pais e,até hoje, forte defensor do modelo:

If the price level is stable, higher real depo-

sit rates of interest can be sustained with

minimal risk. Indeed, robust real financi-

al growth may be possible even whenthe government is intervening toset ceilings on deposit and loan ra-tes of interest in the monetary system.

On the other hand, when price inflation is

high and unpredictable, having to offset it

with high nominal interest rates can be

very risky – particularly when inte-rest rates are completely decontrol-led and bank supervision is lax.

(McKinnon, 1993, p. 31, destaques acrescentados).

O ponto central do novo modeloé a manutenção de permanente equilíbriomacroeconômico. Este cumpre a funçãocrucial de manter os indicadores � (infla-ção) e�P (risco-país) em níveis baixos, demodo a garantir condições seguras de ex-pansão do crédito (F ) e da própria taxade crescimento (g). Contudo, reconhe-cendo-se que, por maior que seja a habili-dade técnica e a vontade política do go-verno, a manutenção de permanente esta-bilidade macroeconômica é uma emprei-tada falível (já que economias de mer-

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Page 33: O modelo de liberalização financeira dos anos 1990 - CORE · grau de intervenção do governo na liberdade de escolha do mercado quanto à composição de seu portfolio. Mais que

cado são, inevitavelmente, sujeitas a cho-ques), a preservação de algum grau de“repressão financeira” passa a ser vista,no enfoque atual, como uma estratégiamais segura que a completa liberalização.Tal estratégia seria particularmente indi-cada para os PED, onde, tradicionalmen-te, as taxas de risco são superiores àsatribuídas, em média, aos PD:

These experiences [de liberalização finan-

ceira em PD e PED] suggest that the be-

nefits of financial liberalization may have

to be weighted against the cost of increased

financial fragility, and some prominent

voices in the policy debate have taken the

view that some degree of financial regulati-

on is preferable to premature liberalizati-

on in developing countries (...).

(Demirgüç-Kunt e Detragiache, 1998, p. 5).

A diferença essencial entre as ver-sões “antiga” e “moderna” é quanto aomodelo de regulamentação financeiraproposto, que enfatiza o controle pru-dencial do risco, buscando evitar a via docontrole de preços. De todo modo, ocontrole prudencial requer a imposiçãode limites quantitativos a operações es-pecíficas. Assim, mesmo na ausência decontroles de preços, o novo modelo deliberalização é forçado a admitir a neces-sidade de algum grau de intervenção dogoverno na liberdade de escolha das ins-

tituições financeiras quanto à composi-ção de seus portfolios, tal como sustenta acrítica keynesiana. Outra proposta key-nesiana incorporada à nova versão é,como vimos, a manutenção de linhas decrédito público em economias sujeitas aelevado risco macroeconômico. No en-tanto, dado que a elevação desse risconem sempre pode ser prevista e que a po-lítica de crédito público requer tempopara ser implementada, conclui-se que aestratégia de menor risco macroeconô-mico é a manutenção de uma infra-estru-tura pública permanente. Isto sugere quea privatização dos serviços bancários nãodeve ser completa.

Em suma, diante do fracasso evi-dente do modelo de liberalização, tantono campo teórico, quanto empírico, seusdefensores parecem tentar uma “saídahonrosa” propondo uma “nova teoria”que, na prática, significa sua rendição aoque, há tempos, vem sendo defendido noenfoque (crítico) keynesiano.

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