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    * O presente texto foi redigido originalmente como verbete a ser editado em uma

    publicao europeia. Dadas as restries de espao, o autor foi compelido a reduzir as

    referncias a inmeros autores importantes, contemporneos ou no.

    ** Professor emrito da UFRJ, militante do PCB.

    Nota sobre o marxismo na Amrica Latina *

    Jos Paulo Netto **

    As ideias de Marx e Engels chegam Amrica Latina no final do sculo XIX,

    simultaneamente ao aparecimento animado por emigrantes europeus (sobretudo

    italianos e espanhis, os mais politizados e com forte inspirao anarquista)de grupos

    socialistas pioneiros. Destes grupos, ideologicamente diferenciados, nascem os

    primeiros partidos socialistas (Argentina, 1896; Uruguai, 1910; Chile, 1912), logo

    alinhados com a Segunda Internacional; e, do desenvolvimento e/ou das dissidncias de

    alguns deles, nos anos 1920 surgiro os partidos comunistas. Tais partidos, superandoos influxos do anarquismo e do anarcossindicalismo sobre os trabalhadores, nas dcadas

    seguintes respondero pela divulgao do marxismo.

    nos anos 1920, de fato, sob o impacto da Revoluo Bolchevique, que ser

    criada a maioria dos partidos comunistas latino-americanos. E tambm no fim desta

    dcada que a Internacional Comunista comear a exercer decisivamente a sua

    influncia sobre eles: em junho de 1929, na sequncia da primeira conferncia dos

    comunistas da Amrica Latina (Buenos Aires), reorganiza-se o Secretariado Sul-

    Americano da Internacional Comunista (criado em 1925) que, sediado na capital

    argentina, sistematizar a publicao do quinzenrioLa correspondencia sudamericana,

    instrumento de articulao do comunismo latino-americano sintonizado com a

    orientao crescentemente stalinizada da Internacional Comunista. De formao

    posterior, bem mais tardia, so poucos partidos comunistas (Bolvia, 1950; Honduras,

    1954; Nicargua, 1967).

    Desde os anos 1920 verifica-se que tanto a difuso do marxismo quanto a

    constituio de uma cultura marxista (terica e poltica) na Amrica Latina no se

    revela como um processo nico e idntico; ao contrrio, expressou e expressa a

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    realidade prpria de um subcontinente que envolve formaes sociais muito diversas,

    pases com um desenvolvimento bastante desigual das foras produtivas, estruturas de

    classe e instituies scio-polticas distintas, problemticas tnicas e culturais

    especficas e diferentes inseres internacionais.

    Ao longo do sculo XX, a Amrica Latina registrou experincias polticas muito

    peculiares, que a marcaram profunda e diversamente: grandes insurreies

    antioligrquicas, vitoriosas ou no (Mxico, 1910; El Salvador, 1932; Bolvia, 1952),

    intentos mais ou menos exitosos de modernizao social sob regimes ditatoriais (no

    Brasil, Vargas, 1930/1945, e, na Argentina, Pern, 1946-1955), guerra civil (Costa Rica,

    1948), processos revolucionrios que se orientaram ao socialismo, vitoriosos ou no,

    contra a ordem ou no interior da ordem (Cuba, 1959; Nicargua, 1979; Chile, 1970-

    1973), lutas guerrilheiras (em praticamente todo o subcontinente, nos anos 1960) que

    at hoje persistem (Colmbia), breves episdios democratizantes envolvendo as Foras

    Armadas (Peru, 1968; Bolvia, 1971), longas ditaduras extremamente corruptas (no

    Paraguai, 1954-1989, na Nicargua dos Somoza, intermitentemente entre os anos 1930e 1979, e no Haiti dos Duvalier, 1964-1986) e, enfim, as ditaduras do grande capital

    erguidas no Cone Sul sob a gide da doutrina de segurana nacional (Brasil, Chile,

    Uruguai e Argentina) entre 1964 e 1976, cujas crises diferenciadas culminaram, nos

    anos 1980, em movimentos de democratizao muito particulares.

    compreensvel, pois, que uma efetiva unidade latino-americana s possa ser

    pensada como no identitria, como unidade do diverso. Esta unidade latino-americana

    um processo em construo, que possui como base objetiva o fato de as massastrabalhadoras do subcontinente terem os mesmos inimigos: o imperialismo (especial,

    mas no exclusivamente, o norte-americano) e as classes dominantes nativas, a ele

    associadas. E , portanto, compreensvel que no se possa falar sem mais de um

    marxismo latino-americano: desde os anos 1920, o desenvolvimento do marxismo (e

    das organizaes polticas nele inspiradas) na Amrica Latina foi e continua sendo, na

    entrada do sculo XXI, largamente diferenciado, diferenciao que no elude traos e

    elementos comuns.

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    A dcada fundacional

    Se os primeiros ecos socialistas ressoam na Amrica Latina na sequncia das

    revolues europias de 1848, a partir dos anos 1880 que as ideias de Marx e Engels

    chegam ao subcontinente o mexicano Juan de Mata Rivero (1838-1893) publicou o

    Manifesto do Partido Comunista em 1884 e o argentino Juan B. Justo (1865-1928),

    pensador e dirigente socialista identificado com a Segunda Internacional, traduziu o

    livro I de O capitalem 1898. Em vrios pases, ativistas e pensadores contriburam para

    criar condies para o florescimento das ideias marxistas: assim, por exemplo, citam-se,

    na Colmbia, Lus Tejadas (1898-1924); no Brasil, Silvrio Fontes (1858-1928) e

    Euclides da Cunha (1866-1909); no Chile, Lus Emlio Recabarren (1876-1924); no

    Uruguai, Emilio Frugoni (1880-1969); em Cuba, Jos Mart (1853-1895), Diego V.

    Tejera (1848-1903) e Carlos Balio (1848-1926). Mas as ideias marxistas constituem

    poca no mais que um vetor de um complexo e heterogneo universo poltico-

    ideolgico, conformado num caldo de cultura que envolvia os mais heterclitos

    componentes ideolgicos do pensamento anticapitalista.

    Nos anos 1920, a organizao autnoma do movimento operrio d os primeiros

    passos; ento que se fundam os partidos comunistas e se registra uma difuso maior dealguns materiais de Marx e Engels (na primeira metade da dcada, esto disponveis em

    castelhano, alm dos dois textos j citados, a Misria da filosofia e Do socialismo

    utpico ao socialismo cientfico; no Brasil, a primeira traduo do Manifesto data de

    1924; na segunda metade, circulam, em todo o subcontinente, em edies francesas e

    espanholas, textos de Marx e Engels, e ainda de Plekhanov, Lenin, Trotski, Bukharin).

    somente ento que o marxismo comea a se perfilar nitidamente como uma

    concepo terica e poltica peculiar.Os anos 1920 constituiro a dcada fundacional do marxismo na Amrica

    Latina. Escritos de dirigentes polticos alguns dos quais haveriam de influir por

    longos anos em seus partidos comunistas, como o talo-argentino Victorio Codovilla

    (1894-1970), outros sendo afastados dos partidos que fundaram em consequncia da

    stalinizao dos anos 1930, como o brasileiro Astrojildo Pereira (1890-1965)

    forneceram as bases ideolgicas para este processo fundacional, que foi dinamizado por

    vrias lideranas. Entre essas lideranas, cabe destacar o protagonismo de Julio

    Antonio Mella (1903-1929), fundador do PC cubano, obrigado ao exlio pela ditadura

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    de Machado, sob cujas ordens foi assassinado no Mxico. Mella, organizador e

    publicista brilhante, notabilizou-se pela dura crtica a que submeteu, em 1928, as

    propostas do peruano Victor Raul Haya de la Torre (1895-1979), que criou, em 1924, a

    APRA (Aliana Popular Revolucionria Americana, frente antiimperialista depois

    transformada em Partido Aprista Peruano). So deste decnio as primeiras tentativas

    de interpretao marxista das realidades nacionais latino-americanas, de que um

    exemplo incipiente encontra-se em Agrarismo e industrialismo (1928), do brasileiro

    Octavio Brando (1896-1980).

    Estas duas problemticasa posio dos marxistas em face do imperialismo e a

    anlise da realidade latino-americanaforam enfrentadas nesta dcada fundacionaldo

    marxismo na Amrica Latina pela figura mais importante do perodo, o peruano Jos

    Carlos Maritegui (1894-1930). Autodidata extremamente talentoso, Maritegui

    assimilou o marxismo durante um estgio (1919-1923) na Itlia e, no seu regresso,

    dedicou-se intensivamente a uma ampla interveno revolucionaria: no plano da

    organizao da cultura, criou a revista Amauta (1926), de impacto continental e

    repercusso europeia e, no plano da organizao poltica, o Partido Socialista (1928,

    logo Partido Comunista) e a Confederao Geral dos Trabalhadores do Peru (1929). E

    toda a sua interveno foi conduzida por uma diretriz terico-metodolgica que colidiacom o provincianismo intelectual caracterstico de um continentalismo estreito e

    sectrio, que demandava uma teoria prpria (ou autnoma, especfica) para a

    compreenso da Amrica Latina: contra Haya de la Torre, que o acusava de

    europesmo, afirmou peremptoriamente a universalidade do marxismo numa

    formulao antolgica: Fiz na Europa meu melhor aprendizado. E creio que no h

    salvao para a Indo-Amrica sem a cincia e o pensamento europeus ou ocidentais.

    Polemizando a partir de 1927 com Haya de la Torre, que tomava a pequenaburguesia como sujeito revolucionrio por excelncia e desvinculava o combate ao

    imperialismo da luta pelo socialismo, Maritegui elaborou uma concepo da revoluo

    latino-americana na qual o anti-imperialismo era componente de um processo que o

    transcendia, vale dizer, o processo revolucionrio direcionado ao socialismo e cuja

    vanguarda era o proletariado urbano. Esta concepo subjaz anlise que ofereceu de

    seu pas nos Siete ensayos de interpretacin de la realidad peruana (1928), que

    permanece at hoje como paradigma da lenineana anlise concreta da situao

    concreta: recusando a aplicao de esquemas apriorsticos no trato da sociedade

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    peruana, Maritegui apreendeu a sua particularidade histrica ao enfrentar com

    originalidade a problemtica da propriedade da terra, problemtica de quatro quintos da

    populao: o indgena. Todo o seu esforo analtico foi no sentido de clarificar o

    processo da revoluo peruana (para ele, de carter socialista e, por consequncia, anti-

    imperialista, antilatifundista e anticapitalista) que, liderada pelo proletariado, teria como

    pedra de toque a unidade dos trabalhadores urbanos com o campesinato. Graas

    ateno de Maritegui para com os contingentes trabalhadores de raiz autctone, sua

    obra ganhou novo relevo em funo de fenmenos polticos recentes (o zapatismo

    mexicano, os eventos na Bolvia e no Equador) em que adquiriu plena visibilidade a

    questo dos povos originrios. Entretanto, a obra de Maritegui foi duramente

    criticada por idelogos vinculados Terceira Internacional na sequncia de sua morte,

    s vindo a ser devidamente valorizada a partir da segunda metade dos anos 1950; mas

    teve continuadores em seu pas, como Hildebrando Castro Pozo (1890-1945), estudioso

    dos problemas andinos (Del ayllu al cooperativismo, 1936), e Ricardo Martnez de la

    Torre (1904-1969), historiador (Apuntes hacia una interpretacin marxista de la

    historia del Per, 1947).

    A dcada de 1920 inscreveu as ideias marxistas na cultura latino-americana

    esta inscrio, porm, no configurou o marxismo nesta cultura como um componenteconsolidado.

    A consol idaoos anos do marxismo-leninismo

    Entre os incios dos anos 1930 e meados dos anos 1950, o marxismo tornar-se-

    uma referncia indescartvel no conjunto da cultura latino-americana, mesmo quando se

    leva em conta a desigualdade do seu nvel de desenvolvimento nos vrios pases dosubcontinente. Atesta-o, no primeiro tero dos anos 1950, o largo rol de personalidades

    do mundo da cultura que, em todos os pases do subcontinente e para alm da ao

    estritamente poltica, ligaram seus nomes ao marxismo (alguns anos depois, chocados

    com as revelaes feitas por N. Kruschev no XX Congresso do PCUS, muitos desses

    cientistas, poetas, escritores, arquitetos, pintores e artistas se deslocaram para outros

    espaos do espectro poltico-ideolgico). O marxismo, poca, exerceu um verdadeiro

    fascnio sobre o melhor da intelectualidade latino-americanarecorde-se, entre aqueles

    que dele nunca se afastaram, escritores do porte do peruano Csar Vallejo (1898-1932),

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    do chileno Pablo Neruda (1904-1973), do brasileiro Graciliano Ramos (1892-1953) e

    dos cubanos Juan Marinello (1898-1977) e Nicols Guilln (1902-1989).

    Na base desta consolidao do marxismo esto processos mundiais (o fascismo

    europeu e a resistncia a ele, a guerra civil na Espanha, a Segunda Guerra Mundial e o

    papel protagnico nela desempenhado pela Unio Sovitica, a Revoluo Chinesa e o

    incio da luta anticolonialista na sia e na frica) e processos propriamente endgenos

    s sociedades latino-americanas (migraes, industrializao, urbanizao),

    dinamizadores de novas lutas sociais e que possibilitaram um adensamento da

    influncia de seus partidos comunistas. Por outra parte, h que considerar que a

    circulao de publicaes marxistas experimentou, no perodo, um enorme crescimento

    quantitativo e um verdadeiro salto de qualidade: a partir de finais dos anos 1920 e

    incios dos anos 1930, a documentao divulgada pelas editoras Bureau dditions e

    ditions Sociales Internationales (Frana) e Cenit e Europa-Amrica (Espanha)

    permitiu o conhecimento de mais obras de Marx e Engels, de expoentes bolcheviques e

    revolucionrios europeus; e tambm, a partir dos anos 1930, nota-se o crescimento, em

    boa parte do subcontinente, de atividades editoriais autctones centradas na literatura

    marxista e apresentando produes nacionais. Cumpre destacar, neste mbito, a partir

    da dcada de 1940, a importncia de que se revestiu a produo editorial mexicana,estimulada, inclusive, pela emigrao de republicanos espanhis: a presena do editor

    Juan Grijalbo (1911-2002, que nos anos 1950 divulgaria inmeros manuais soviticos) e

    de intelectuais como Wenceslao Roces (1897-1992, tradutor de Marx e de clssicos da

    filosofia) contribuiu para tornar o Mxico um polo difusor do marxismo. Noutros

    pases, igualmente, a chegada de pensadores europeus no marxistas alentou o debate:

    foi o caso da Argentina, com as polmicas animadas pelo italiano Rodolfo Mondolfo

    (1877-1976), que ali se radicou em 1938.Contudo, esta consolidao do marxismo na cultura latino-americana se opera

    e este um dos seus traos mais decisivosquando o processo de stalinizao iniciado

    no final dos anos 1920 na URSS triunfa e, na sequncia, pela mediao da Terceira

    Internacional, equaliza ideolgica e politicamente os partidos comunistas latino-

    americanos, enquadrando-os segundo os parmetros do marxismo-leninismo que se

    tornou a ideologia oficial da era a que Stalin vinculou seu nome e que, nos anos

    seguintes, constituiria a matriz da cultura de manual que seria dominante at a primeira

    metade dos anos 1950. sabido que esse marxismo-leninismo no passou de uma

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    degradao, vulgar e positivista, do legado de Marx, Engels e Lenin: frequentemente

    reduzido a um economicismo barato e/ou a um sociologismo mecanicista, em geral

    tratou-se de uma codificao escolstica da teoria social dos clssicos, que esterilizou

    boa parcela dos esforos de mais de uma gerao de comunistas. Parte expressiva da

    produo dos marxistas latino-americanos foi domesticada e amesquinhada pelos

    cnones desse marxismo-leninismo, que se tornou uma espcie de senso-comum dos

    militantes comunistas e que, pelo menos at 1956, orientou a linha poltica dos partidos

    latino-americanos. Mas o XX Congresso do PCUS no ps fim cultura de manual,

    o que obrigou marxistas mais informados, como o venezuelano Ludovico Silva (1937-

    1988), a critic-la ainda duas dcadas depois (Anti-manual para uso de marxistas,

    marxlogos y marxianos, 1975).

    Mesmo entre dirigentes qualificados e intelectuais dotados, em todos os

    quadrantes do subcontinente, foram deletrias as implicaes (algumas de largo prazo)

    da imposio/aceitao desse marxismo-leninismo. Dirigentes qualificados

    sacrificaram as peculiaridades das formaes sociais de seus pases para formular

    estratgias e tticas conformadas s orientaes da Terceira Internacional (ou, depois,

    do Kominform) e em no poucas ocasies identificaram sumariamente o

    internacionalismo proletrio com a poltica de Estado da Unio Sovitica. Intelectuaisdotados dobraram-se aos imperativos daquilo que Marcuse designou como marxismo

    sovitico, incorporando acriticamente a recusa abstrata e apriorstica ao pensamento

    burgus, ao idealismo, bem como as exigncias do realismo socialista de corte

    staliniano. Sobre todo o subcontinente, multiplicaram-se algozes/vtimas dessa

    ideologia vulgar. Para exemplificar muito sucintamente, entre dirigentes, sua pesada

    hipoteca pode ser verificada sobre os argentinos Rodolfo (1897-1985) e Orestes Ghioldi

    (1901-1982), o brasileiro Lus Carlos Prestes (o Cavaleiro da Esperana, 1898-1990)e o peruano Jorge del Prado (1910-1999); e, entre intelectuais e ficcionistas, sobre o

    argentino Emilio Troise (1885-1976), o equatoriano Manuel Agustn Aguirre (1903-

    1992), o peruano Cesar G. Mayorga (1906-1983), o brasileiro Jorge Amado (1912-

    2001) e o costarricense Jos Marn Canas (1904-1980).

    Seria um grave equvoco, porm, considerar o perodo de consolidao do

    marxismo (1930-1950) na cultura latino-americana como carente de elaboraes

    fecundas ou somente como um triunfo do marxismo-leninismo. Neste perodo, com

    efeito, registram-se contribuies significativas, entre as quais se deve mencionar a de

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    Jacques Roumain (1907-1944) que, nos anos 1930, procurou compreender a realidade

    haitiana, e os estudos do argentino Anibal Ponce (1898-1938); este, tornando-se

    marxista no fim da dcada de 1920, recuperou a herana do humanismo clssico

    burgus (Humanismo burgus y humanismo proletario, 1935) e, tematizando a

    problemtica da educao, escreveu Educacin y lucha de clases (1937), que

    permaneceu como referncia por dcadas na Amrica Latina. Na Bolvia, Jos Antnio

    Arze (1904-1955) j surgia como o pensador importante que, nos anos seguintes,

    publicariaProblemtica general de las ciencias, de la sociologa y del marxismo (1949)

    e Sociografa del Incario (1952); seu companheiro de lutas, Ricardo Anaya (1907-

    1997), escreveu Derecho penal y marxismo (1943) e, ainda, La nacionalizacin de las

    minas en Bolivia (1952). Nestes mesmos anos, no Chile, o futuro dirigente socialista

    Clodomiro Almeyda (1923-1997) redigiaHacia una teora marxista del Estado (1948).

    No Mxico revolucionrio, o marxismo reformista de Vicente Lombardo Toledano

    (1894-1968) era um constitutivo das polmicas sobre educao, em confronto com o

    filsofo construtivista Antnio Caso (1883-1846); mas Jos Revueltas (1914-1976),

    pensador e artista ento vinculado ao Partido Comunista, expressava uma postura mais

    firme, em 1938, com La revolucin mexicana y el proletariado (depois do XX

    Congresso do PCUS, em 1962, publicaria, noutro registro ideolgico, pormreivindicando o marxismo, Ensayo sobre un proletariado sin cabeza). No Paraguai, o

    dirigente comunista Oscar Creydt (1903-1987) editava, em 1947, Diplomaca norte-

    americana y dictadura fascista, e recolhia materiais para Formacin histrica de la

    nacin paraguaia, publicado em 1963.

    Nestes decnios, talvez a dimenso de maior relevncia do marxismo na

    Amrica Latina tenha sido a pesquisa histrica. Verifica-se um interesse pela histria

    das formaes sociais latino-americanas que, desde ento, s se veio acentuando. NoUruguai, Francisco Pintos (1880-1968) inicia as investigaes de que resultaro as suas

    primeiras obras (Batlle y el proceso histrico del Uruguay, 1938; De la dominacin

    espaola a la Guerra Grande, 1942 e Historia del Uruguay. 1851-1938, 1946). Em

    1940, o argentino Rodolfo J. Puiggross (1906-1980) d luz De la colonia a la

    revolucin; expulso do Partido Comunista em 1946, tomar mais tarde o rumo do

    peronismo (em 1958, publica El proletariado en la revolucin nacional). de 1942

    Economa y cultura en la historia de Colombia, de Lus Eduardo Nieto (1888-1957) e,

    pouco depois, Carlos Rafael Rodrguez (1913-1997), que desempenharia destacadas

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    funes polticas no processo revolucionrio cubano, publicaria El marxismo y la

    historia de Cuba (1944) eMart y la liberacin de Cuba (1947). E de 1943 o ensaio

    El alvorecer del capitalismo y la conquista de Amrica, do chileno Volodia Teitelboim

    (1916-2008), mais tarde um importante dirigente comunista.

    O interesse dos marxistas latino-americanos pela histria no se pode separar de

    uma problemtica extremamente polmica, que j viera tona na obra de Maritegui, ou

    seja, a questo do(s) modo(s) de produo vigente(s) na Amrica Latina, questo com

    claras implicaes polticas nas estratgias comunistas e que se prolongou at os anos

    1970. J nos anos de que estamos tratando, esta problemtica aparece nitidamente, com

    alguns historiadores marxistas argumentando pela vigncia plena do modo de produo

    capitalista e outros sustentando a forte ponderao de relaes pr-capitalistas

    (feudais ou semifeudais). Entre os primeiros, cabe destaque ao brasileiro Caio

    Prado Jr. (1907-1990), autor de obra seminal (A evoluo poltica do Brasil, 1933;

    Formao do Brasil contemporneo, 1942; A revoluo brasileira, 1966) que, em 1945,

    na suaHistria econmica do Brasil, defendeu a tesesempre reafirmada por ele de

    que o processo de colonizao foi, desde a sua origem, um empreendimento mercantil e

    que as relaes prprias da produo de mercadorias eram secularmente dominantes no

    pas. Na esteira de Prado Jr., um cientista social independente, o argentino Sergio Bag(1911-2002), interpretou a histria argentina em nova chave (Economa de la sociedad

    colonial, 1949 e Estructura social de la colonia, 1952); tambm numa via similar

    trabalhou o trotskista chileno Marcelo Segall (1920-1991), com o seu Desarrollo del

    capitalismo en Chile. Cinco ensayos dialcticos (1953). O contraponto s teses de Caio

    Prado Jr., no Brasil, coube a um historiador de obra monumental, Nelson Werneck

    Sodr (1911-1999): militar comunista, intelectual de largos horizontes culturais e autor

    de mais de cinquenta livros (entre os quais uma notvelHistria da literatura brasileirae uma pioneira Histria da imprensa no Brasil), Sodr sustentou suas teses

    especialmente em Formao histrica do Brasil (1962), Introduo revoluo

    brasileira (1962), Histria da burguesia brasileira (1964) e Capitalismo e revoluo

    burguesa no Brasil(1990). No Chile, Hernn Ramrez Necochea (1917-1979) defendeu

    posio semelhante de Sodr.

    preciso deixar claro, igualmente, que o perodo de que nos ocupamos no foi

    inteiramente dominado pelo marxismo sovitico oficial: por fora dos partidos

    comunistas (ou em grupos que deles dissentiram) tambm se encontram

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    desenvolvimentos significativos, de que exemplo C. L. R. James (1901-1989),

    caribenho de Trinidad-Tobago educado na Inglaterra, ativista nos Estados Unidos ao

    lado de Raya Dunayeskaya, professor em universidades europeias e, em seu perodo

    trotskista (posteriormente, tornou-se um porta-voz do nacionalismo da frica Negra,

    com textos comoK. Nkrumah y la revolucin en Gana, 1977), ensasta de pensamento

    culto (Notas sobre dialcticos: Hegel, Marx y Lenin, 1948) e autor de uma obra

    essencial sobre a revoluo haitiana:Los jacobinos negros. Toussaint LOuverture y la

    revolucin de Santo Domingo (1938).

    No por acaso, h pouco fizemos referncia ao chileno Segall: os trotskistas, em

    seus variados matizes, exercitaram uma ativa interveno publicstica na Amrica

    Latina. Esta interveno foi quase sempre, salvo uns poucos episdios, a crtica direta

    e contundente aos partidos comunistas que, por sua vez, responderam com igual

    contundncia, chegando a confrontos cuja exasperao foi exemplificada no atentado

    contra a vida de Trotski (maio de 1940), comandado pelo pintor David Alfaro Siqueiros

    (1896-1974), comunista que rompera com seu ex-amigo, o ento trotskista Diego Rivera

    (1886-1057).

    O trotskismo, para alm de captulos barulhentos, no plano prtico-poltico foi,

    na Amrica Latina, salvo na Bolvia e na Argentina, sempre pouco mais que residual,mas revestiu-se de importncia no confronto ideolgico com o marxismo-leninismo

    stalinista. Na Bolvia, teve seu primeiro representante em Tristn Marof (pseudnimo

    de Gustavo Adolfo Navarro, 1898-1979), autor deLa tragedia del Altiplano (1935) eLa

    verdad socialista en Bolivia (1938); no entanto, foi o ativssimo Guillermo Lora (1922-

    2009) a sua maior expresso no pas: dirigente do Partido Operrio Revolucionrio e

    formulador das clebres Tesis de Pulacayo (cidade onde, em 1946, reuniu-se um

    congresso de mineiros), que incidiram na vida poltica do pas, Lora notabilizou-se coma suaHistoria del movimiento obrero boliviano. 1848-1971 (1969-1979). No Brasil, em

    1931, constitui-se talvez a primeira frao trotskista latino-americana, tendo frente trs

    intelectuais refinados: os jornalistas Lvio Xavier (1900-1988) e Flvio Abramo (1909-

    1993) e o polgrafo Mrio Pedrosa (1900-1981). Este ltimo, com formao e

    experincias na Europa e nas Amricas, deixou vasta obra, produto de contnuos

    trabalho e militncia, revelando-se no s um mestre na crtica das artes plsticas

    parte de sua copiosa produo foi ulteriormente reunida em Poltica das artes (1995) e

    Forma e percepo esttica (1996), mas tambm um estudioso de processos polticos

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    contemporneos (A opo brasileira e A opo imperialista, ambos de 1966). Na

    Argentina, quase simultaneamente ao Brasil, expressam-se os primeiros trotskistas:

    Antonio Gallo (1913-1990, autor deAdonde va la Argentina?, 1935), e Hector Raurich

    (1903-1963, pensador sofisticado, do qual textos importantes foram publicados

    postumamente, como Hegel y la lgica de la pasin, 1975); seguiu-se-lhes Liborio

    Justo (apelidado Quebracho, 1902-2003, figura controvertida, que acabou por criticar

    Trotski); escritores profcuos, mas sobretudo dirigentes polticos, foram J. Posadas

    (pseudnimo de Homero Cristaldi, 1912-1981) e Nahuel Moreno (pseudnimo de Hugo

    Miguel Bressano Capacete, 1924-1987). Mas depois, na segunda metade dos anos

    1950, que se registraria uma interveno terica mais significativa de raiz trotskista (e

    esta observao vale, genericamente, tanto para a Argentina quanto para toda a Amrica

    Latina).

    As trs dcadas aqui sumariadas constituram, como se pode inferir, um acmulo

    das idias marxistas que, consolidadas sob a dominncia do marxismo-leninismo de

    feio stalinista, haveriam de ultrapass-lo largamente quando da sua imploso.

    A imploso do marxismo-leninismo

    e a renovao do marxismo

    O marxismo-leninismo de raiz stalinista implodido na Amrica Latina entre

    a segunda metade dos anos 1950 e incios dos 1960, tendo por deflagradores o XX

    Congresso do PCUS e a Revoluo Cubana. Estes dois eventos, porm, foram apenas

    detonadores: a crise (pode-se dizer: a imploso) do marxismo-leninismo stalinizado

    no subcontinente no foi um processo engendrado por condicionantes externas; estas to

    somente permitiram e fomentaram a sua deflagrao. Nele, essenciais foram as

    determinaes endgenas: entre outras, as modificaes nas estruturas produtivas, as

    novas inseres na diviso internacional do trabalho, as alteraes nas estruturas de

    classes e as reconfiguraes dos aparatos polticos e ideolgicos das classes dominantes.

    O processo de desconstruo do marxismo-leninismo se manifestou flagrante

    e irreversivelmente, primeiro, nos fenmenos erosivos que afetaram os partidos

    comunistas na sequncia da denncia do culto personalidade e dos crimes de Stalin:

    em todos eles, o impacto dessa denncia foi imenso (abrindo, em muitos casos, a via

    para um revisionismo e/ou um reformismo explcitos). Em seguida, a RevoluoCubana coroou o processo, pondo em xeque as tradicionais projees revolucionrias

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    desses partidos, nas quais a sua prpria liderana era vista como indispensvel, j que

    nica expresso do papel necessariamente transformador do proletariado, de que, em

    sua viso, eles detinham o privilgio da representao. Em alguns casos, o processo foi

    traumtico, como no Brasil: entre 1956 e 1958, o partido perdeu milhares de militantes;

    em outros, a habilidade das direes travou os vetores de crise e conseguiu contorn-la,

    como no partido uruguaio; em outros, ainda, as direes se reciclaram, reproduzindo-se

    com a excluso de alternativas renovadoras, como na Argentina.

    De qualquer forma, em todo o subcontinente, depois do XX Congresso do PCUS

    e da Revoluo Cubana, os partidos comunistas nunca mais foram os mesmos. Entre

    outras modificaes, ps-se um dado de realidade fundamental: estes partidos (a

    includos os de raiz trotskista, aos quais, compreensivelmente, o XX Congresso

    forneceu boa munio) deixaram de ser a instncia privilegiada do pensamento

    marxista, da sua produo/expresso/legitimao. Tambm a diviso do movimento

    comunista internacional, em razo do conflito sino-sovitico, na entrada dos anos 1960,

    contribuiu para o debilitamento de alguns PCs (ainda que o maosmo, do ponto de vista

    terico, no tenha passado, essencialmente, de uma recidiva stalinista). Em poucas

    palavras: os partidos comunistas deixaram efetivamente de ter uma espcie de

    monoplio do marxismo, seja na sua divulgao, seja na sua utilizao. Outrasagncias (movimentos sociais, universidades, institutos de pesquisa etc.) passaram a

    intervir de modo novo na elaborao marxista. O resultado imediato desse processo foi

    uma notvel renovao do marxismo no subcontinente.

    Mas fato que, em vrios partidos, dirigentes e intelectuais formados no perodo

    anterior foram capazes de, em maior ou menor medida, contribuir para esta renovao.

    Ilustra-o o exemplo de Rodney Arismendi (1913-1989), que assumiu a secretaria geral

    do Partido Comunista Uruguaio em 1955; travou os vetores de crise, promoveu umadiscreta, mas sensvel, renovao no PCU e levou-o condio de um dos principais

    artfices daFrente Ampla, que rompeu (1971) com o bloqueio institucional representado

    pelos partidos uruguaios tradicionais. Seu trabalho de 1962,Problemas de la revolucin

    continental, constituiu um srio esforo de compreenso dos processos polticos latino-

    americanos. Na Argentina, frutificou o empenho de Hctor P. Agosti (1911-1984): autor

    de vrios livros (dos quais so expressivos Para una poltica de la cultura, 1956, e

    Nacin y cultura, 1959), dirigiu, entre 1951 e 1976, a revista Cuadernos de cultura,

    rgo do partido comunista, mas que sempre garantiu um espao de crtica e elaborao

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    cultural avanada. Agosti, que permaneceu at a morte no partido, tem a seu crdito

    uma iniciativa de envergadura histrica: a traduo de Antonio Gramsci ao castelhano,

    das Cartas do crcere, em 1950, e de volumes da edio temtica dos Cadernos do

    crcere, em 1958-1962. O pioneirismo da iniciativa fica claro se se considera que

    Gramsci tornou-se conhecido na Argentina antes de s-lo na Frana, na Inglaterra, na

    Alemanha e nos Estados Unidos (no Brasil, as primeiras tradues de Gramsci surgem

    nos anos 1960uma seleo das Cartas e textos da edio temtica dos Cadernos).

    Os Cuadernos de cultura dirigidos por Agosti estimularam um grupo de

    intelectuais comunistas de Crdoba a avanar na direo de uma poltica cultural e de

    uma investigao terica liberada das hipotecas do marxismo-leninismo. A principal

    figura desse grupo era Jos Aric (1931-1991), a quem se ligou Juan Carlos Portantiero

    (1934-2007). Aric foi um dos animadores da revista Pasado y presente, criada em

    1963 e que circulou at 1965; em 1973, voltou a circular, mas s tirou trs nmeros, em

    razo das condies polticas do pas (que, como se sabe, agravaram-se com a

    instaurao, trs anos depois, de uma ditadura genocida, que obrigou milhares de

    argentinosassim como Aric e Portantieroao exlio para escapar da morte). Entre

    1965 e 1973, a revista deu lugar a Cuadernos de Pasado y presente, que divulgou, para

    toda a Amrica Latina, textos de um marxismo aberto e pluralista. A criao de Pasadoy presente colidiu com a orientao da direo do partido e tanto Aric como

    Portantiero foram dele expulsos. A filiao do pensamento de ambos a Gramsci

    inconteste: Aric, que estudou Maritegui y los orgenes del marxismo latino-

    americano (1978) e as relaes entre Marx y Amrica Latina (1980), dedicou ao

    marxista italiano seu ltimo grande texto, La cola del diablo. Itinerario de Gramsci en

    Amrica Latina (1988); Portantiero, ensasta produtivo, que nos anos 1980 fez carreira

    acadmica e terminou seus dias nos braos da social-democracia, redigiu, em 1977, oensaioLos usos de Gramsci; j antes, em 1970, utilizara categorias gramscianas numa

    obra em co-autoria com M. Murmis (1933),Estudios sobre los orgenes del peronismo.

    O trabalho de Agosti e, depois, o dePasado y presente, introduzindo na reflexo

    e no debate a produo gramsciana, sinaliza uma caracterstica que, desde ento,

    marcar o marxismo em todo o subcontinente: a abertura a novas interlocues e a

    dilogos com inspiraes tericas situadas para alm do marxismo-leninismo.

    Anteriormente, registraram-se tentativas neste sentido, mas foram dbeis; a partir de

    finais dos anos 1950, tais aberturas e dilogos, verificveis em praticamente toda a

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    Amrica Latina, diversificaram e enriqueceram a elaborao dos seus marxistas. Assim

    que, na entrada dos anos 1960, autores to diferentes como Henri Lefebvre, Erich

    Fromm, Roger Garaudy, o Sartre da Crtica da razo dialtica e, em seguida, Louis

    Althusser tornaram-se referncias frequentes no debate latino-americano. No mesmo

    processo, influram nas discusses pensadores radicados nos Estados Unidos (Paul M.

    Sweezy), russos (Mikhail Baktin), ingleses (E. P. Thompson, Eric J. Hobsbawm),

    belgas (Ernest Mandel) e at malditos como Karl Korsch e Gyrgy Lukcs, alm de

    Bertolt Brecht. A partir da dcada de 1970, a escola de Frankfurt tambm se fez ouvir

    (Herbert Marcuse, Max Horkheimer, Theodor W. Adorno e, em seguida, Walter

    Benjamin), juntamente com autores como Ernst Bloch. Definitivamente, desde finais da

    dcada de 1950 o marxismo tornou-sepolifnico na Amrica Latina. E esta polifonia foi

    favorecida por uma mais ampla difuso, nos principais pases latino-americanos, de

    textos de Marx e Engels at ento pouco conhecidos (em especial, escritos do jovem

    Marx), alm de materiais de marxistas quase ignorados pelo marxismo-leninismo (por

    exemplo, Rosa Luxemburg).

    So destes anos de renovao, na Argentina, trabalhos expressivos de

    pensadores como o trotskista Jorge Abelardo Ramos (1921-1994), que acabou por ser

    mediante a sua peculiar interpretao do peronismo e sua adeso a eleum idelogo daesquerda nacional: seus livros Revolucin y contra-revolucin en Argentina (1957) e

    Historia de la nacin latino-americana (1968) sintetizam as suas ideias. Tambm

    oriundo de fileiras trotstkistas foi Milcades Pea (1933-1965) que, entre 1955 e 1957,

    produziu um largo e original painel da formao histrica da Argentina, em obras como

    Antes de Mayo: formas sociales de la transplantacin espaola al Nuevo Mundo. 1500-

    1810; El paraso latifundiario: federalistas y unitarios. La civilizacin del cuero. 1810-

    1850; La era de Mitre: de Caseros a la Guerra de la Trplice Infamia. 1850-1870 ; DeMitre a Roca: consolidacin de la oligarqua anglo-nativa. 1870-1885; Alberdi,

    Sarmiento y el 90. 1885-1890; Masas, caudillos y elites. 1890-1955. Parece no haver

    dvidas, contudo, de que a figura mais destacada desses anos foi a de Slvio Frondizi

    (1907-1974, assassinado por terroristas da Triple A): procedente do trotskismo,

    combinou a docncia universitria (que o primeiro governo de Pern interrompeu) com

    a interveno poltica, que culminou com sua ligao com o Partido Revolucionrio dos

    Trabalhadores. Sua obra, inicialmente, incide sobre a teoria poltica (El Estado

    moderno, 1944), mas logo se desloca para a anlise da Argentina e do marxismo (La

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    realidad argentina, 1954; Doce aos de poltica argentina, 1958; Interpretacin

    materialista dialctica de nuestra poca, 1959).

    Pode-se afirmar que, na Amrica Latina, os anos 1960 registraram claramente a

    superao do marxismo-leninismo stalinizado no domnio da pesquisa histrica, o que

    se manifestaria concretamente nas pesquisas dos marxistas desses anos e

    posteriormente. Comprova-o, por exemplo, no Uruguai, o conjunto de investigaes

    realizado pelo coletivo (Nelson de la Torre e Julio Carlos Rodrguez) do qual Luca Sala

    de Tourn (1925-2006) foi figura destacada; entre 1967 e 1969, este grupo publica trs

    estudos sobre a histria uruguaia que se tornaram referenciais: Artigas: terra y

    revolucin, Evolucin econmica de la Banda Oriental eEstructura econmico-social

    de la colonia. Retornando do exlio a que foi obrigada pela ditadura, Luca Sala de

    Tourn, em colaborao com Rosa Eloy, escreve os dois volumes de El Uruguay

    comercial, pastoril y caudillesco (1986-1991). No Mxico, o argentino Adolfo Gilly

    (1928), de extrao trotskista, apresentaria uma nova interpretao da revoluo de

    1910, emLa revolucin interrumpida (1971).

    O trato histrico das formaes nacionais continuar a ser uma caracterstica

    desses anos. No Brasil, um pouco antes, o debate terico sobre a economia nacional

    aprofundado. Em 1957, aparece o ensaio A dualidade bsica da economia brasileira(1957), de Igncio Rangel (1914-1994); Alberto Passos Guimares (1908-1993),

    estudioso da questo agrria, divulgar o seu polmico Quatro sculos de latifndio

    (1963) e, anos depois, publicar A crise agrria (1978), obra de natureza terica, e

    cuidar do banditismo urbano e rural brasileiro em As classes perigosas (1982). Uma

    forma peculiar do banditismo rural, no nordeste do Brasil, o cangao, foi estudada por

    Rui Fac (1913-1963) em Cangaceiros e fanticos (1963). Ainda neste perodo, L. A.

    Moniz Bandeira (1935) inicia sua carreira intelectual, com O caminho da revoluobrasileira (1963), que expressa suas posies trotskistas; em sua evoluo,

    desenvolver sobretudo estudos das relaes internacionais, com O expansionismo

    brasileiro (1985) eEstado nacional e poltica internacional na Amrica Latina (1993);

    sua ltima obra a anlise do queda do governo Allende, Frmula para o caos (2009).

    Na Colmbia, os estudos de histria econmico-social logo seriam dinamizados: Mrio

    Arrubla (1939) um dos pioneiros, com a sua Historia del subdesarrollo colombiano

    (1962); nos anos seguintes, prosseguiram nesta via Estanislao Zuleta (1935-1990), com

    Historia econmica de Colombia (1970), lvaro Tirado Mejia, com Introduccin a la

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    historia econmica de Colombia (1971), Dario Mesa (1921), comEl problema agrario

    en Colombia, 1920-1960 (1975) e Julio Silva Colmenares (1938), com uma larga obra,

    de que so marcos Tras las mscaras del subdesarrollo: dependencia y monoplios

    (1983) e El grande capital en Colombia (2004). Na Venezuela, Hctor Malav Mata

    (1930) recorreu a instrumentos marxistas em Petroleo y desarrollo econmico en

    Venezuela (1962) e, depois, em Formacin histrica del anti-desarrollo de Venezuela

    (1974). O equatoriano Agustn Cueva (1937-1992), tantas vezes afastado de seu pas

    por razes polticas, publicouEl proceso de la dominacin poltica en Ecuador(1972);

    suas pesquisas sobre o subcontinente resultaram em El desarrollo del capitalismo en

    Amrica Latina (1977) e, depois, no ensaio Literatura y consciencia histrica en

    Amrica Latina (1994). No Mxico, Sergio de la Pea (1931-1998) escreveria em 1975

    La formacin del capitalismo en Mxico e, em 1978, El modo de produccin

    capitalista; mas seu trabalho mais importante de 1984: La clase obrera en la historia

    de Mxico. Em Honduras, Longino Becerra (1932) elabora a suaEvolucin histrica de

    Honduras (1983)mais tarde, publicariaMarxismo y realidad nacional hoy (1991).

    Em muitos desses estudos abordada a questo dos modos de produo na

    Amrica Latina. Ela foi objeto de especial ateno nos anos 1970, nos ensaios do

    argentino Ernesto Laclau (1935),Feudalismo y capitalismo en Amrica Latina (1971), edo brasileiro Ciro F. Cardoso (1942), Sobre los modos de produccin coloniales en

    Amrica (1973), autor que, com Hector P. Brignoli, publicaria, em 1979, uma

    importanteHistoria econmica de Amrica Latina; no Brasil, outra contribuio quela

    questo foi a de Jacob Gorender (1923), com O escravismo colonial(1978).

    ainda nos anos 1960 que as relaes entre a economia latino-americana e os

    centros imperialistas sero problematizadas pela chamada teoria da dependncia,

    elaborada a partir de um confronto crtico com as teses da CEPAL, a ComissoEconmica para a Amrica Latina, cujos expoentes foram Raul Prebisch (1901-1986) e

    Anibal Pinto (1919-1996); estas teses influram na obra do grande economista brasileiro

    Celso Furtado (1920-2004). Entre os tericos da dependncia, havia aqueles inspirados

    em Schumpeter e Weber e aqueles vinculados ao marxismo, marcados por A. Gunder

    Frank. Entre os primeiros, cabe destacar o brasileiro Fernando Henrique Cardoso

    (1931) e o chileno Enzo Faletto (1935-2003), autores de Dependencia y desarrollo en

    Amrica Latina (ensaio de 1967 divulgado em livro em 1970). Entre os marxistas, o

    brasileiro Ruy Mauro Marini (1932-1997) foi, sem dvida, o mais influente, com seu

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    livro Dialctica de la dependencia (1973). de observar que, na ltima fase da

    filosofia do mexicano Leopoldo Zea (1912-2004), a questo da dependncia aparece

    expressamente (Dependencia y liberacin en Amrica Latina, 1974).

    Fenmeno prprio dos anos 1960, seja pela abertura da universidade latino-

    americana s demandas polticas da poca, seja pela gravitao posta pela renovao do

    marxismo que ento tinha curso, foi o desenvolvimento de uma relao positiva entre as

    cincias sociais acadmicas e o pensamento marxista, de onde emergiu a chamada

    sociologia crtica, cujos frutos so perceptveis at hoje em vrios pases latino-

    americanos. Trs cientistas sociais se destacaram neste movimento: o brasileiro

    Florestan Fernandes (1920-1995), em cuja larga bibliografia a incidncia do marxismo

    se faz sentir aps 1968 (Sociedade de classes e subdesenvolvimento, 1968; Capitalismo

    dependente e classes sociais na Amrica Latina, 1973;A revoluo burguesa no Brasil,

    1975); o mexicano Pablo Gonzlez Casanova (1922), autor de Sociologa de la

    explotacin (1969),Medio siglo de historia de Amrica Latina (1978) eImperialismo y

    liberacin en Amrica Latina (1983); e o peruano Anibal Quijano (1928), estudioso de

    J. C. Maritegui e a quem se devem, entre outros estudos relevantes, Nacionalismo y

    capitalismo en Per (1971) e Imperialismo y marginalidad en Amrica Latina (1977).

    Tambm se inscreveu nesta tradio Octavio Ianni (1926-2004), discpulo de FlorestanFernandes e escritor de larga produo, da qual vale mencionar Imperialismo na

    Amrica Latina (1974),A formao do Estado populista na Amrica Latina (1975) eA

    ditadura do grande capital(1981).

    tambm nos anos 1960 e a interlocuo com diferentes autores, sobretudo

    europeus, foi essencial para tanto que se registra, no marxismo da Amrica Latina,

    uma elaborao filosfica significativa. No Panam, Ricaurte Soler (1932-1994)

    publica, em 1961, o seu Estudio sobre las idias en Amrica Latina, a que se seguemModelo mecanicista y mtodo dialctico (1966) e Estudios sobre la dialctica (1973).

    Se, no Brasil, Leandro Konder (1936), um pioneiro na divulgao do pensamento de G.

    Lukcs, lana, em 1965, Marxismo e alienao, logo em seguida Jaime Labastida

    (1939) publica, no Mxico, Producin, ciencia y sociedad. De Descartes a Marx

    (1969). Ao contrrio de Labastida, na sua evoluo Konder manter-se-ia no campo do

    marxismo, tornando-se um dos seus mais influentes difusores (da sua enorme

    bibliografia, cabe destacar Os marxistas e a arte, 1967; O pensamento poltico de

    Lukcs, 1980; A derrota da dialtica, 1984). Enquanto, tambm nesses anos, na

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    Argentina o filsofo Carlos Astrada (1894-1970), de extrao existencialista, culmina o

    seu dilogo com o marxismo (El marxismo y las escatologas, 1957; Marx y Hegel,

    1958;Dialctica y historia, 1969), o marxlogo brasileiro Jos Arthur Giannotti (1930)

    d incio sua interveno, com Origens da dialtica do trabalho (1967) e com o

    ensaio Contra Althusser(1968).

    Estava aberta a polmica em torno do estruturalismo, especialmente na sua

    verso althusseriana, naquele momento em voga na Amrica Latina recorde-se sua

    incidncia sobre a chilena Marta Harnecker, autora, poca, de manuais de grande

    divulgao no subcontinente. quando se publica, quase simultaneamente no Brasil

    (1972) e no Mxico (1973), o livro de Carlos Nelson Coutinho (1943), O estruturalismo

    e a misria da razo. Coutinho, um dos pioneiros na divulgao da obra de Lukcs,

    estreara como crtico literrio (Literatura e humanismo, 1967); nos anos seguintes,

    deslocar-se-ia para a teoria poltica e, explorando o pensamento gramsciano, tematizaria

    a questo da democracia (A democracia como valor universal, 1979) e utilizaria a

    categoria de revoluo passivapara a anlise do Brasil (Cultura e sociedade no Brasile

    Contra a corrente, 1990;Intervenes, 2006). Cientista poltico que tambm incorporou

    a inspirao gramsciana para estudar o Brasil Luiz Werneck Vianna (1936), em

    Liberalismo e sindicato no Brasil(1977). No Mxico, a crtica a Althusser encontrariaslida argumentao em Ciencia y revolucin (1978), de Adolfo Snchez Vzquez

    (1915-2011); espanhol ali exilado, Vzquez j elaborara uma obra filosfica pondervel

    ( de 1965 o livroLas ideas estticas de Marx), da qual o texto mais importante saiu em

    1967 (Filosofia de la prxis); mas seu trabalho, de grande influncia em todo o

    subcontinente, prosseguiu incansavelmente (Esttica y marxismo, 1970;Del socialismo

    cientfico al socialismo utpico, 1975; Filosofa y economa en el joven Marx, 1983;

    Invitacin a la esttica, 1992;tica y poltica, 2007). No Mxico, alis, o pensamentofilosfico j se enriquecera com a contribuio de Eli de Gortari (1918-1991),

    substantivamente preocupado com a dialtica (Introduccin a la lgica dialctica, 1956;

    Dialctica de la fsica,1964;El mtodo dialctico, 1970).

    So da primeira metade dos anos 1960 os textos mais importantes de Ernesto

    Che Guevara (1928-1967), o jovem mdico argentino que teve papel destacado no

    processo da Revoluo Cubana e fez da sua vida uma saga herica e generosa,

    morrendo na selva boliviana pelas mos covardes da ditadura de Barrientos e seus

    assessores norte-americanos. La guerra de guerrillas (1960) se tornou o brevirio de

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    todos os movimentos que, naqueles anos e em praticamente todo o subcontinente,

    tomaram a experincia cubana como modelo; seus escritos econmicos (Sobre la

    concepcin del valor, 1963; El sistema bancario, el crdito y el socialismo e La

    planificacin socialista, su significado, 1964) revelam um discutvel conhecimento da

    crtica da economia poltica. O ponto forte das suas reflexescomo se pode ver em El

    socialismo y el hombre en Cuba (1965) consiste na sua dimenso tico-poltica,

    saturada de um otimismo humanista e uma profunda convico na vitria final do

    socialismo. A sua morte, num combate desigual, foi o prenncio de uma derrota (grave,

    porm transitria) do projeto socialista no subcontinente.

    Derr ota da esquerda, r esistncia e avanodo marxi smo na Amrica Lati na

    Os anos 1960, na Amrica Latina, representaram uma expressiva e criativa

    renovao do pensamento marxista, alentada pelo adensamento ento ocorrente das

    lutas de classes. E esta renovao, como se viu, projetou-se na produo marxista dos

    anos seguintes.

    Um significativo sinal dessa renovao foi a influncia, por ela possibilitada, do

    marxismo sobre o que veio a designar-se teologia da libertao. O pano de fundo desta

    corrente crist, parte as mudanas prprias do pontificado de Joo XXIII (1958-1963),

    foram transformaes no interior da Igreja Catlica (mas no s dela) no subcontinente,

    marcadas pela viragem do Conselho Episcopal Latino-Americano (CELAM), que desde

    1968 descolou-se da defesa dostatus quo. A partir da, inclusive figuras da hierarquia

    assumiram bandeiras de luta que eram tradicionalmente de movimentos de esquerda.

    Este processo propiciou e coincidiu com o surgimento de uma reflexo (estimulada por

    desenvolvimentos da teologia na Alemanha e na Holanda) que incorporaria, no nvel da

    chamada anlise social, ideias marxistas e/ou marxizantes, sem prejuzo, no nvel onto-

    teolgico, do seu ncleo testa.

    Construram esta corrente o telogo belga, ento no Brasil, J. Comblin (1923),

    autor de Teologia da revoluo (1970), o peruano Gustavo Gutirrez (1928), com

    Teologa de la liberacin (1971), e os brasileiros Hugo Assmann (1933-2008), com

    Teologia a partir da prtica da libertao (1973), e Leonardo Boff (1938), com Jesus

    Cristo libertador(1972) eIgreja, carisma e poder(1986). As condenaes do Vaticano teologia da libertao, ao tempo do papado de Joo Paulo II (1978-2005), orientadas

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    por J. A. Ratzinger, depois seu sucessor, no impediram seus desenvolvimentos, muitos

    dos quais devidos ao alemo Franz Hinklammert (1931) que, no Chile, escrevera

    Economa y revolucin (1967) e, anos depois, radicado na Costa Rica, publicaria textos

    substantivos (Las armas ideolgicas de la muerte, 1977; Crtica de la razn utpica,

    1984 eEl grito del sujeto, 1998). No interior desta linha de reflexo, muito conhecido

    o argentino Enrique Dussel (1934), inicialmente influenciado por Heidegger; desde

    1975 radicado no Mxico, autor de Filosofa de la liberacin (1977) e tica de la

    liberacin en la edad de la globalizacin y de la exclusin (1998) e de obras sobre

    Marx: La produccin terica de Marx. Un comentario a los Grndrisse (1985) e El

    ltimo Marx (1863-1882) y la liberacin latinoamericana (1990).

    Mas os anos 1970, assinalando no subcontinente a derrota poltica das esquerdas,

    simbolizada na morte do Che, criaram condies extremamente adversas reflexo

    marxista. O fracasso de todos os movimentos guerrilheiros ou o impasse a que foram

    levados (salvo, no fim da dcada, o sandinismo), a liquidao da experincia da

    Unidade Popular chilena, as ditaduras no Cone Sul tudo isto afetou duramente boa

    parte dos marxistas latino-americanos, obrigados ao exlio para escapar da priso ou da

    morte. Mesmo naqueles pases que no passaram por esta experincia (como o Mxico),

    o impacto da derrota foi sentido.Evidentemente, a reflexo marxista no foi cancelada; por exemplo, no Mxico,

    Gabriel Vargas Lozano (1947) dinamiza a partir de 1976 a revista Dialctica e inicia

    uma carreira intelectual de que os principais frutos viriam nos anos seguintes:Marx y su

    crtica de la filosofia (1984), Que hacer con la filosofia en Amrica Latina? (1990) e

    um ensaio sobre a crise do socialismo real,Ms all del derrumbe (1994). Ainda no

    Mxico, Roger Bartra (1942) avana na anlise da realidade nacional (Estructura

    agraria y clases sociales en Mxico, 1974) e tematiza a relao entre Marxismo ysociedades antiguas, 1975). Na Nicargua, sobressai o trabalho de Alejandro Serrano

    Caldera (1938), com Introduccin al pensamiento dialctico (1976) e Dialctica y

    enajenacin (1970); Caldera publicaria depois La permanencia de Karl Marx (1983) e

    El doble rostro de la postmodernidad(1994). O brasileiro Francisco de Oliveira (1933)

    inicia a sua interpretao do Brasil contemporneo (A economia brasileira: crtica da

    razo dualista, 1975, e A economia da dependncia imperfeita, 1977). E so tambm

    dos anos 1970 os primeiros trabalhos significativos dos venezuelanos Ludovico Silva e

    Rafael Nuez Tenorio, do brasileiro Jos Chasin e do peruano Camilo Valqui Cachi.

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    A dcada de 1980, que registra a restaurao democrtica nos pases do

    subcontinente at ento submetidos a regimes ditatoriais e, portanto, favoreceria o

    desenvolvimento da reflexo marxista, foi, todavia, tambm impactante para esta: abre-

    se e se conclui o colapso do socialismo real (Polnia, 1981; a queda do Muro, 1989; a

    extino da Unio Sovitica, 1991), os grandes partidos comunistas do Ocidente se

    espatifam e partidos comunistas latino-americanos experimentam, em alguns casos,

    crises terminais (Brasil, Argentina, Mxico), ainda que seguidas de processos de

    refundao. O fim da Guerra Fria, com a hipertrofia do hegemonismo norte-americano,

    constitui o umbral dos vinte anos seguintes, marcados pela ofensiva do pensamento

    neoconservador (neoliberalismo, ps-modernismo). uma conjuntura em que se

    verificam, entre intelectuais e dirigentes antes revolucionrios, capitulaes e

    apostasias.

    Para os pensadores marxistas, so anos, simultaneamente, de resistncia e

    avano. No Brasil, publicam-se os ensaios filosficos de Paulo Arantes, consolida-se a

    crtica literria de Roberto Schwarz, surgem os trabalhos histrico-polticos de Joo

    Quartim de Moraes e Dcio Saes, Mrcio Naves pesquisa a crtica do direito e aparecem

    as investigaes de Celso Frederico sobre a conscincia operria (depois, este

    investigador se dedicaria anlise da cultura e da constituio do marxismo). NoEquador, Bolvar Echeverra avana na pesquisa econmica, assim como Nelson

    Fajardo, na Colmbia; no Mxico, a discusso filosfica animada por Juan Mora

    Rubio e, no Peru, por Luiz Silva Santisteban.

    Uma das temticas mais salientes dos anos 1980, entre os marxistas latino-

    americanos, foi a da democracia; quer em funo do passado recente da maioria dos

    pases do subcontinente, quer em razo da problemtica do socialismo real, esta

    temtica envolveu intelectuais de diferentes geraes e pases entre muitos, osbrasileiros Carlos Nelson Coutinho, Caio Navarro de Toledo e Juarez Guimares, os

    argentinos Alberto Kohen e Atilio A. Born e o chileno Carlos Altamirano. A estas

    discusses estiveram conectados, de algum modo, os debates subseqentes sobre a crise

    do socialismo real, travados em toda a Amrica Latina.

    Exceo no subcontinente, Cuba sempre estimulou a reflexo marxista. Nos

    anos 1980 e seguintes, a produo marxista cubana revelou contribuies de todo um

    conjunto de pensadores formados sob a Revoluo: no trato das ideias filosficas,

    registre-se o nome de Isabel Monal; no domnio da reflexo terico-filosfica,

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    significativa a elaborao de Zayra Rodrguez Ugidos e Rigoberto Pupo; Jorge Nuez

    Jover cuidou de problemas epistemolgicos; Jorge Lus Acanda tematizou a teoria

    poltica e Pablo Guadarrama Gonzlez dedicou-se ao estudo do marxismo na Amrica

    Latina.

    A partir dos anos 1990 e na entrada do sculo XXI, alm da reinsero na cena

    intelectual de marxistas antes ocupados basicamente com a interveno poltica como

    o argentino Lus Vitale (1927-2010), um dos fundadores do Movimento de Izquierda

    Revolucionaria/MIR chileno, que em seus ltimos anos produziu bibliografia

    expressiva , verifica-se uma consolidao/diversificao dos interlocutores dos

    marxistas latino-americanos. Densificam-se as influncias de Lukcs (especialmente no

    Brasil e na Argentina) e Gramsci (esta, praticamente em todo o subcontinente); e outros

    autores marxistas passam influir no debate latino-americano: Istvn Meszros, David

    Harvey, Frederic Jameson, Ellen M. Wood, Franois Chesnais e outros. Em todo o

    subcontinente no se revela apenas um pondervel interesse pelo marxismo (constatvel

    pelo grande nmero de eventos e de revistas e bibliografia marxistas, acadmicas ou

    no); revela-se uma criativa abordagem, pelas novas geraes de marxistas, de

    temticas do passado recente (o socialismo na histria latino-americana, os seus

    processos revolucionrios) e de problemticas contemporneas (a mundializao docapital, as mudanas no mundo do trabalho, a situao da mulher, a ps-modernidade,

    a ecologia).

    indiscutvel um novo fluxo criador do marxismo na Amrica Latina. Basta

    lembrar argentinos como Nestor Kohan, Claudio Katz, Daniel Campione; brasileiros

    como Marcos del Roio, Ricardo Antunes, Ruy Braga, Joo Antonio de Paula, Srgio

    Lessa, Antnio Carlos Mazzeo, Mauro Iasi; peruanos como Alberto Rocha e Alfonso

    Ibaez; mexicanos como Pvel Blanco e Fernando Matamoros; colombianos comoRenan Vega; nicaragenses como Orlando Nuez.

    Em todos os quadrantes do subcontinente, pesquisadores mais jovens assumem o

    marxismo como referncia central do seu trabalho. Trata-se de um marxismo

    diferenciado ou, como o designamos, polifnico: sinfonia executada em tons diversos

    por msicos autnomos, mas to criativa e promissora que merece uma audincia

    mundial.

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