o martinismo conforme o dicionário das religiões do abade migne

3
O Martinismo conforme o Dicionário das religiões do abade Migne A partir de 1849, o abade Migne (1800-1875), que havia aberto uma tipografia, publicou vários volumes de teologia, de patrologia e pastoral. Essa publicação reúne quase 500 volumes e constitui-se numa gigantes-ca compilação de documentos.  Num dos volumes, o vigésimo-sexto de sua vasta Enciclopédia teológica - uma série de dicionários sobre todas as partes da ciência religiosa - ele evoca o martinismo. Esse artigo,  publicado em 1850 e situado no volume III do Dicionário das religiões de sua Enciclopédia, contem vários erros e aproximações. Entretanto, ele representa um documento testemunho da ótica dos meios católicos do século XIX sobre o martinismo. Esta é a razão que nos fez  pensar ser interessante reproduzi-lo neste site. Sectários teosóficos, ao final do século passado, formaram um símbolo copiado  parcialmente do cristianismo, parcialmente da filosofia natural e parcialmente do iluminismo. Mas o abade Grégoire pergunta qual é o fundador do martinismo; pois ele diz,  pode-se escolher entre Saint-Martin e Martinez; efetivamente é o último que inicia Saint Martin nos mistérios teúrgicos. Ignora-se a pátria de Martinez de Pasqually, que morreu em São Domingos em 1799; presume-se, entretanto, que ele era português. Ele pretendia encontrar na cabala judaica a ciência que nos revela tudo aquilo que diz respeito a Deus e as inteligências criadas por Ele. Ele reconhecia a queda dos anjos, o pecado original, o Verbo reparador, a divindade das Escrituras Sagradas. Ele dizia que, quando Deus criou o homem, Ele lhe deu um corpo material enquanto que antes este só tinha um corpo elementar. O mundo havia ficado igualmente no estado do elemento; foi Deus que coordenou o estado de todas as cria-turas físicas para aquele do homem. Saint-Martin, nascido em Amboise no ano de 1743, teve a oportunidade de conhecer em Bordeaux Martinez Pasqually, que ele cita como sendo seu primeiro mestre e Jacob Boehme como o segundo. Essas relações decidiram o destino de sua vida e de sua teoria. Saint-Martin havia primeiramente abraçado a profissão de advogado, a qual abandonou  pelo exército; igualmente renunciou ao último, viajou para a Itália e Inglaterra e estabeleceu-se em Paris onde permaneceu até a Revolução; faleceu em Aulnay-les-Bondy em 1804. Produziu algumas obras teosóficas, dentre elas várias estão assinadas Filósofo Desconhe-cido. Ele tem a pretensão de fundar sua teoria nas relações eternas que e-xistem entre Deus, o homem e o universo, e adianta que essas relações são desenvolvidas não somente no Antigo e no Novo Testamento, mas em todos os livros de reputação, sagrados  para diferentes povos.  Nós não entraremos aqui no d etalhe de sua teoria, a q ual seria bas-tante difícil de formular; ela é fundamentada quase inteiramente no ilu-minismo e numa física freqüentemente absurda. De um ponto de vista equilibrado, intercala-se uma imensidão de coisas ininteligíveis, no meio delas a razão se perde, na dança, no âmago; ela é a imagem da origem, desse matraz geral ou desse caos pelo qual a natureza temporal atual começou; -

Upload: ivan-correa

Post on 07-Apr-2018

220 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

8/6/2019 O Martinismo conforme o Dicionário das religiões do abade Migne

http://slidepdf.com/reader/full/o-martinismo-conforme-o-dicionario-das-religioes-do-abade-migne 1/3

O Martinismo conforme o Dicionário das religiões do abade Migne

A partir de 1849, o abade Migne (1800-1875), que havia aberto uma tipografia, publicou

vários volumes de teologia, de patrologia e pastoral. Essa publicação reúne quase 500

volumes e constitui-se numa gigantes-ca compilação de documentos.

 Num dos volumes, o vigésimo-sexto de sua vasta Enciclopédia teológica - uma série dedicionários sobre todas as partes da ciência religiosa - ele evoca o martinismo. Esse artigo,

 publicado em 1850 e situado no volume III do Dicionário das religiões de sua Enciclopédia,

contem vários erros e aproximações. Entretanto, ele representa um documento testemunhoda ótica dos meios católicos do século XIX sobre o martinismo. Esta é a razão que nos fez

 pensar ser interessante reproduzi-lo neste site.

Sectários teosóficos, ao final do século passado, formaram um símbolo copiado

 parcialmente do cristianismo, parcialmente da filosofia natural e parcialmente doiluminismo. Mas o abade Grégoire pergunta qual é o fundador do martinismo; pois ele diz,

 pode-se escolher entre Saint-Martin e Martinez; efetivamente é o último que inicia SaintMartin nos mistérios teúrgicos. Ignora-se a pátria de Martinez de Pasqually, que morreu emSão Domingos em 1799; presume-se, entretanto, que ele era português. Ele pretendia

encontrar na cabala judaica a ciência que nos revela tudo aquilo que diz respeito a Deus e

as inteligências criadas por Ele.

Ele reconhecia a queda dos anjos, o pecado original, o Verbo reparador, a divindade dasEscrituras Sagradas. Ele dizia que, quando Deus criou o homem, Ele lhe deu um corpo

material enquanto que antes este só tinha um corpo elementar. O mundo havia ficado

igualmente no estado do elemento; foi Deus que coordenou o estado de todas as cria-turasfísicas para aquele do homem.

Saint-Martin, nascido em Amboise no ano de 1743, teve a oportunidade de conhecer emBordeaux Martinez Pasqually, que ele cita como sendo seu primeiro mestre e Jacob

Boehme como o segundo. Essas relações decidiram o destino de sua vida e de sua teoria.

Saint-Martin havia primeiramente abraçado a profissão de advogado, a qual abandonou

 pelo exército; igualmente renunciou ao último, viajou para a Itália e Inglaterra e

estabeleceu-se em Paris onde permaneceu até a Revolução; faleceu em Aulnay-les-Bondyem 1804. Produziu algumas obras teosóficas, dentre elas várias estão assinadas Filósofo

Desconhe-cido. Ele tem a pretensão de fundar sua teoria nas relações eternas que e-xistem

entre Deus, o homem e o universo, e adianta que essas relações são desenvolvidas não

somente no Antigo e no Novo Testamento, mas em todos os livros de reputação, sagrados

 para diferentes povos.

 Nós não entraremos aqui no detalhe de sua teoria, a qual seria bas-tante difícil de formular;

ela é fundamentada quase inteiramente no ilu-minismo e numa física freqüentemente

absurda. De um ponto de vista equilibrado, intercala-se uma imensidão de coisasininteligíveis, no meio delas a razão se perde, na dança, no âmago; ela é a imagem da

origem, desse matraz geral ou desse caos pelo qual a natureza temporal atual começou; -

8/6/2019 O Martinismo conforme o Dicionário das religiões do abade Migne

http://slidepdf.com/reader/full/o-martinismo-conforme-o-dicionario-das-religioes-do-abade-migne 2/3

sobre a mente astral ou atur-dida: o templo de Jerusalém existiu para garantir as operações

do culto levita das comunicações astrais.

A existência de seres corporais não é senão uma verdadeira quadratura. – Toda a natureza éum sonambulismo. – Nossa boca está entre as duas regiões interna e externa, real e

aparente; ela é susceptível de rela-cionar-se tanto com uma como com a outra: os homenstambém se dão mais beijos desleais do que beijos sinceros e vantajosos. Se o homemtivesse ficado em sua glória, sua reprodução teria sido o ato mais importante e teria

aumentado o brilho de seu sublime destino; hoje essa reprodução está exposta aos maiores

 perigos.

 Num primeiro plano, ele vivia na unidade das essências, mas atual-mente as essências estãodivididas: uma prova de nossa degradação é que seja a mulher terrena que produza hoje a

imagem do homem e que ele seja obrigado a conceder a ela essa obra sublime que ele não é

mais digno de operar por si próprio.

Entretanto, a lei das gerações dos diversos princípios, tanto intelectual quanto física é tal

que, qualquer que seja o local para onde levar seu desejo, ele encontra logo um matraz parareceber sua imagem: verdade imensa e terrível.

 Num paralelo entre o cristianismo e o catolicismo, como se essas duas coisas não fossemidênticas, ele sentiu-se livre para depravar e caluniar o catolicismo que, como ele diz, é tão

somente o seminário, o cami-nho das provas e do trabalho, a região das regras, a disciplina

do neófito para chegar ao cristianismo.

O cristianismo conforta-se imediatamente na palavra não escrita; ele carrega nossa fé até aregião clara da palavra divina: o catolicismo con-forta-se geralmente na palavra escrita ou

no Evangelho e particularmen-te na missa: ele limita a fé aos limites da palavra escrita ou

da tradição. – O cristianismo é o termo, o catolicismo é somente o meio; o cristianis-mo é o

fruto da árvore, o catolicismo só pode ser o adubo; o cristianis-mo provocou a guerrasomente contra o pecado, o catolicismo provo-cou-a entre os homens.

 Nos reprovaríamos em não dar aqui uma lógica exata das idéias de Saint-Martin, pois seus

 próprios discípulos contestam as habilidades de apreciá-la por qualquer um que não sejaadmitido por seu sistema; al-guns o seriam apenas no primeiro grau, outros no segundo, no

terceiro etc.; de onde resulta que é necessário esperar por uma graça interior ou, como eles

dizem, uma revelação radical para poder pegá-la e compreen-dê-la.

Existe em Moscou uma seita, nascida na universidade de Moscou por volta do fim doreinado de Catherine II e pela conformidade com a teoria dos martinistas franceses lhe foi

dado o mesmo nome. Ela teve como líder o professor Schwarts.

Os martinistas russos eram numerosos no final do século XVIII mas, tendo traduzido emrusso alguns de seus manuscritos e procurado espalhar sua doutrina, muitos foram

aprisionados e depois libertados quando Paul subiu ao trono. Atualmente eles foram

reduzidos a um número muito pequeno.

8/6/2019 O Martinismo conforme o Dicionário das religiões do abade Migne

http://slidepdf.com/reader/full/o-martinismo-conforme-o-dicionario-das-religioes-do-abade-migne 3/3

Eles admiram Swedenborg, Boehme, Ekartshausen e outros escrito-res místicos. Recolhem

os livros mágicos e cabalísticos, as pinturas hie-roglíficas, os emblemas das virtudes e dos

vícios e tudo em que as ciências ocultas se apóiam.

Eles professam um grande respeito pela palavra divina que revela não somente a história da

queda e da libertação do homem mas que, de acordo com eles, contém ainda os segredos danatureza; procuram também, por toda a Bíblia, os sentidos místicos. Isto éaproximadamente o que dizia Pinkerton em 1817.

Tradução Iacy de FerranTitulo Original: Le martinisme dans l'Encyclopédie Migne (1850)

Texto cedido pelo site http://www.philosophe-inconnu.com© 2006