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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE EDUCAÇÃO DEPARTAMENTO DE PRÁTICAS EDUCACIONAIS E CURRÍCULO CURSO DE PEDAGOGIA NATÁLIA MARINA DANTAS CUNHA O LUGAR DA LINGUAGEM ESCRITA NA VIDA DAS CRIANÇAS DA EDUCAÇÃO INFANTIL NATAL/RN 2016

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE EDUCAÇÃO

DEPARTAMENTO DE PRÁTICAS EDUCACIONAIS E CURRÍCULO

CURSO DE PEDAGOGIA

NATÁLIA MARINA DANTAS CUNHA

O LUGAR DA LINGUAGEM ESCRITA NA VIDA DAS CRIANÇAS DA

EDUCAÇÃO INFANTIL

NATAL/RN

2016

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NATÁLIA MARINA DANTAS CUNHA

O LUGAR DA LINGUAGEM ESCRITA NA VIDA DAS CRIANÇAS DA

EDUCAÇÃO INFANTIL

Trabalho monográfico apresentado ao Curso de Graduação em Pedagogia do Centro de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como parte dos requisitos para obtenção do título de Licenciada em Pedagogia. Orientador (a): Profª. Dra. Denise Maria de Carvalho Lopes.

NATAL/RN

2016

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NATÁLIA MARINA DANTAS CUNHA

O LUGAR DA LINGUAGEM ESCRITA NA VIDA DAS CRIANÇAS DA

EDUCAÇÃO INFANTIL

Monografia examinada e submetida à aprovação pelo Curso de Graduação em Pedagogia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como parte de requisitos para obtenção do título de Licenciatura Plena em Pedagogia, sob orientação da Professora Dra. Denise Maria de Carvalho Lopes. Monografia aprovada em: 23 de junho de 2016.

______________________________________________________________

Profª Dr. Denise Maria de Carvalho Lopes (Orientadora) - DFPE/UFRN

______________________________________________________________

Profª Drª Mariangela Momo - DFPE/UFRN

______________________________________________________________

Profª Drª Naire Jane Capistrano - NEI/UFRN

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AGRADECIMENTOS

A Deus, por ser o meu tudo e por ter me permitido trilhar por caminhos que

não estavam em meus planos, mas que, hoje, com o Seu discernimento, consigo

compreender e confiar em Seus propósitos;

Aos meus pais, que sempre dedicaram suas vidas em prol da minha; que

serviram de conforto nas horas difíceis, de trilho nas indecisões, que confiaram em

meu potencial quando eu não mais confiava, que me apoiaram e continuam a me

apoiar nas minhas escolhas. A vocês, o meu eterno agradecimento por infinito amor

e cuidado. Não menos importante, agradeço aos meus familiares pelo carinho e

apoio, em especial ao meu irmão Felipe, meus “tios pais” Raimundo Dantas e Eliane

Cunha, e à minha amada avó, a fortaleza da nossa família, a quem dedico o melhor

de mim, Luiza Moura Dantas.

Ao amor que me escolheu e que ao meu lado tem caminhado, me faltam

palavras para expressar minha gratidão por tudo o que representa em minha vida; o

amo por completo. Obrigada, Ênnio Marques, pela infinita paciência, pelo ombro

amigo, pelo amor e dedicação em me ajudar. Obrigada por me enxergar com olhar

tão sensível e por fazer parte da minha história.

Aos meus amigos, presentes de Deus em minha vida. Vocês fazem parte

dessa conquista. A vocês agradeço pelas risadas, pela paciência, pela amizade

duradoura firmada na fé, na confiança e na doação. Vocês são preciosos. Obrigada

por tornarem meus dias mais felizes.

Às amigas que a graduação me presenteou. Ana Paula e Larissa Dantas,

obrigada pela amizade, pelo companheirismo e, por que não dizer, pelos ouvidos

atentos para ouvir minhas loucuras. A vocês, meu muito obrigada!

À professora Denise, minha orientadora. Obrigada pela confiança, pela

oportunidade dada, pelo acolhimento e ensinamentos que rompem os muros da

graduação e adentram a vida. Aproveito para agradecer às “meninas” que fazem

parte do Grupo de Pesquisa Processos de Aprender e Ensinar na Educação Infantil:

suas experiências e estudos enriqueceram e continuam a enriquecer meus

conhecimentos.

Ao Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq), pela concessão da bolsa de

Iniciação Científica.

A todos, o meu sincero agradecimento.

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Todas as pessoas grandes foram um dia

crianças, mas poucas se lembram disso.

Antoine de Saint-Exupéry

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RESUMO

O presente trabalho analisa o lugar da linguagem escrita na Educação Infantil. Seu desenvolvimento orientou-se pelas seguintes premissas: a) as crianças são sujeitos concretos, contemporâneos e de direitos; com necessidades, interesses e potencialidades de apropriar-se da cultura e produzir cultura, bem como de participar dos contextos sociais onde vivem; são sujeitos em fase de transformações intensas decorrentes de processos de aprendizagem e desenvolvimento que ocorrem em condições de mediação social e simbólica; b) a Educação Infantil é etapa inicial da Educação Básica, com função pedagógica de educar-cuidar e promover o desenvolvimento integral das crianças mediante experiências em que podem compartilhar as práticas da cultura – conhecimentos do mundo natural e social, múltiplas linguagens, em especial a linguagem verbal e a brincadeira; c) a escrita é uma prática cultural/linguagem, com dimensões de sistema e de produção discursiva, pela qual é possível conhecer, pensar, sentir e dizer o mundo e a si mesmo e, portanto, conhecimento a ser aprendido e desenvolvido pelas crianças na Educação Infantil, desde que sejam respeitadas as especificidades, tanto das crianças enquanto sujeitos, quanto da escrita, enquanto objeto de conhecimento, quanto da Educação Infantil enquanto espaço de aprendizagem e desenvolvimento; d) o lugar da escrita na educação infantil converte-se em tema de debates e controvérsias em relação aos modos como pode e precisa ser experimentada pelas crianças. Com base nessas premissas, a investigação teve, por objetivo, analisar modos como a linguagem escrita tem sido vivenciada e significada por crianças e professores da Educação Infantil. Os dados foram construídos em uma instituição de Educação Infantil, tendo como aportes teórico-metodológicos, princípios da abordagem histórico-cultural de L. S. Vygotsky e proposições do dialogismo de M. Bakhtin para a pesquisa sobre processos humanos, segundo os quais, em tais pesquisas é preciso considerar: que os objetos de estudo não estão dados, mas existem como permanente construção; que sua compreensão exige sua situação em contexto, buscando as relações que o constituem; que tanto o objeto, como sua compreensão são produções discursivas, ou seja, são textos; que as relações de pesquisa são relações co-construídas entre pesquisadores e sujeitos de pesquisa e exigem, do pesquisador, movimentos de aproximação e afastamento, de responsabilidade e sensibilidade. A metodologia envolveu os seguintes procedimentos: análise documental, sessões de observação do tipo semiparticipativa em uma turma da Educação Infantil e entrevistas do tipo semiestruturado com crianças e professora da turma observada. O estudo foi realizado em uma instituição de Educação Infantil da rede pública de Natal/RN – Centro Municipal de Educação Infantil - CMEI, em uma turma de nível IV, com crianças na faixa etária de 5 anos. A análise que desenvolvemos nos deu indícios de que os modos como a escrita tem sido inserida na vida das crianças na Educação Infantil apresentam-se como “adorno”, ornamento de paredes; como código, cujas partes precisam ser aprendidas por memorização; como parte de práticas em que não se faz ênfase ao seu caráter simbólico/discursivo. Essas constatações nos indicam uma significação-apropriação de ideias inovadoras em relação à presença da escrita na vida das crianças na Educação Infantil de modo restrito e lacunar; em que esta não é experimentada como linguagem, inter-ação por meio de textos escritos; com finalidades sociais reais, em contextos significativos de uso. E nos apontam a necessidade de que tais práticas sejam repensadas para que possam possibilitar às crianças a compreensão sobre o quê, para que e, ainda, indícios de como se escreve, mediante a produção e compreensão mediada de textos escritos reais, enquanto unidades de sentido, podendo envolver outras linguagens, como o desenho e a brincadeira. Portanto, tanto para as crianças, como para suas professoras – e demais profissionais das instituições – é preciso condições em que possam ressignificar a escrita, seu aprendizado e seu ensino, mesmo considerando-se as especificidades da Educação Infantil. Palavras-chave: Educação Infantil; Linguagem Escrita; Práticas Pedagógicas.

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ABSTRACT

This paper examines the place of written language in kindergarten. Its development was guided by the following assumptions: a) children are concrete subjects, contemporary and rights; with needs, interests and potential of appropriating the culture and produce culture and to participate in social contexts in which they live; are subject undergoing intense changes resulting from learning and development processes that occur in conditions of social and symbolic mediation; b) Early Childhood Education is the initial stage of basic education, with pedagogical function of education and care and promote the comprehensive development of children through experiences they can share cultural practices - knowledge of the natural and social world, multiple languages, especially verbal language and play; c) writing is a cultural / language practice, with system size and discursive production, by which it is possible to know, think, feel and tell the world and himself, and therefore knowledge to be learned and developed by children in children's education, since the specifics are respected, both children as subjects as writing, as an object of knowledge, as of early childhood education as an area of learning and development; d) the place of writing in early childhood education becomes the subject of debates and controversies regarding ways can and must be experienced by children. Based on these assumptions, the research had for objective to analyze ways in which the written language has been experienced and meant for children and teachers of early childhood education. Data were built in a childhood education institution, with the theoretical and methodological contributions, principles of cultural-historical approach LS Vygotsky and dialogism the propositions of M. Bakhtin for research on human processes, according to which, in such research is I need to consider: the objects of study are not data, but exist as permanent construction; that their understanding requires its situation in context, seeking relationships that constitute it; both the object as his understanding is discursive productions, or are texts; that research relationships are co-constructed relations between researchers and research subjects and require the researcher, approach and departure movements, responsibility and sensitivity. The methodology involved the following: document analysis, observation sessions semiparticipativa type in a class of early childhood education and semistructured interviews of the kind with children and teacher observed class. The study was conducted in a childhood education institution from public Natal / RN - Municipal Center for Child Education - CMEI, at a level of class IV, with children aged 5 years. The analysis we developed has given us evidence that the ways in which writing has been inserted into the lives of children in kindergarten are presented as "adornment", ornament walls; as code, which parts need to be learned by rote; as part of practices that do not make emphasis on its symbolic / discursive character. These findings indicate to us a meaning-appropriation of innovative ideas in relation to the writing presence in the lives of children in kindergarten restricted and incomplete manner; where this is not experienced as speech, inter-action by means of written texts; with real social purposes, in meaningful contexts of use. And they point out the need for such practices to be rethought so that they can allow children the understanding of what, for that, and also evidence of how it is written by the production and mediated understanding of actual written texts as units of meaning and may involve other languages, such as the design and play. Therefore, both for children and for their teachers - and other professionals of the institutions - it is necessary conditions in which to reframe writing, their learning and their teaching, even considering the specifics of early childhood education. Keywords: Early Childhood Education; Written language; Pedagogical practices.

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LISTA DE SIGLAS

ANPED – Associação Nacional de Pesquisas em Educação

CMEI – Centro Municipal de Educação Infantil

DCNEI – Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil

LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

PNE – Plano Nacional de Educação

RCNEI – Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil

SEMTAS – Secretaria Municipal de Trabalho e Ação Social

UFRN – Universidade Federal do Rio Grande do Norte

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 11

2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS DO ESTUDO: UM CAMINHO

PERCORRIDO .......................................................................................................... 23

2.1 APORTES E PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS DO ESTUDO ................................... 23

2.2. CONHECENDO O CMEI....................................................................................... 28

2.3. OS SUJEITOS DO ESTUDO: A TURMA DO NÍVEL IV. .................................................. 36

2.4. AS ENTREVISTAS: COORDENADORA PEDAGÓGICA, PROFESSORA E CONVERSA COM AS

CRIANÇAS. ............................................................................................................... 36

3 CRIANÇAS, INFÂNCIAS, EDUCAÇÃO INFANTIL E LINGUAGEM ESCRITA .... 39

3.1. A EDUCAÇÃO INFANTIL COMO LUGAR DE APRENDIZAGEM ....................................... 40

3.2 O LUGAR DA LINGUAGEM ESCRITA NA EDUCAÇÃO INFANTIL ..................................... 44

3.3 A EDUCAÇÃO INFANTIL COMO LUGAR DA ESCRITA .................................................. 49

4 A ESCRITA NA VIDA DAS CRIANÇAS DA EDUCAÇÃO INFANTIL .................. 52

4.1. A ESCRITA NA VIDA DA ESCOLA ............................................................................ 52

4.2. A ESCRITA SEGUNDO A PROFESSORA ................................................................... 61

4.3 A ESCRITA SEGUNDO AS CRIANÇAS ....................................................................... 64

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 67

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 69

APÊNDICES ............................................................................................................. 73

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho teve origem em nossas experiências como graduanda do

Curso de Pedagogia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN,

mediante as quais tivemos acesso a teorizações e reflexões em relação à criança, à

infância, à Educação Infantil e sua função social, juntamente a conhecimentos

relativos ao processo de apropriação da escrita. Nos estudos desenvolvidos nas

disciplinas obrigatórias da grade curricular, como Aprendizagem e Desenvolvimento

da Linguagem, Fundamentos Psicológicos da Educação II, Educação Infantil,

Alfabetização e Letramento I, e Alfabetização e Letramento II, bem como na

disciplina, de caráter optativo, Oficina Pedagógica na Educação Infantil, foi possível

adentrar no campo das discussões iniciais acerca das concepções de criança,

infância, Educação Infantil, e escrita enquanto linguagem.

Essas experiências incluíram, tanto as atividades próprias dessas disciplinas

cursadas a cada semestre, quanto nossa inserção como bolsista de Iniciação

Científica, mediante processo seletivo, no Grupo de Estudos Processos de Aprender

e Ensinar na Educação Infantil. Este, por sua vez, desenvolve estudos relativos à

educação de crianças pequenas e, em especial, sobre o aprendizado e

desenvolvimento das múltiplas linguagens infantis, bem como sobre as práticas

pedagógicas e curriculares dessa etapa.

Mediante o processo de seleção para a Bolsa de Iniciação Científica, fomos

vinculadas a um Plano de Trabalho que já vinha sendo desenvolvido, intitulado

“Escrita na Educação Infantil: o que? Para quê? Como?: significações de crianças e

professores”. Esse plano, por sua vez, integra ações de um Projeto de Pesquisa

mais amplo: “Múltiplas linguagens na Educação Infantil: condições propiciadas à

aprendizagem e desenvolvimento das crianças”, coordenado pela Profa. Dra. Denise

Maria de Carvalho Lopes. Desse modo, tornou-se possível, nas diversas atividades

desenvolvidas, ampliar nosso interesse por tal área de estudo.

A inserção no referido Grupo de Pesquisa, em meio às discussões realizadas

e alimentadas pelos diferentes estudos dos integrantes, bem como pelos nossos

percursos de sistematização e aprofundamento de estudos teóricos acerca da

relação das crianças pequenas com a linguagem escrita na Educação Infantil, serviu

para direcionar, de modo mais específico, nosso olhar e interesse por essa temática,

haja vista que até então não havíamos pensando em estudá-la no âmbito da etapa

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da Educação Infantil, apesar de ter, desde antes, apreço/afinidade por estudos que

envolvem a criança e os processos de alfabetização.

À medida que fomos nos inteirando das discussões em relação a essa

temática que envolve a criança da Educação Infantil e a linguagem escrita, notamos

que essa questão não pode ser considerada resolvida. Pelo contrário, é uma

questão que há muito tempo tem feito parte de discussões, debates e embates entre

grupos que defendem posições diferentes no que se refere ao lugar da escrita nessa

etapa educacional. Isso remete à necessidade de compreensão acerca do que é

Educação Infantil, qual a sua função; bem como da significação de criança,

educação da(s) criança(s), de como aprendem e se desenvolvem. Ao mesmo tempo,

a discussão envolve compreensões sobre a escrita enquanto objeto/prática da

cultura presente na sociedade, nos meios socioculturais, principalmente urbanos.

O campo de embates é permeado por posicionamentos relativamente

extremos. Por um lado, educadores/estudiosos defendem que a escrita não seja

trabalhada de forma sistemática na Educação Infantil, justificando que, sempre que

essa é tratada como objeto do conhecimento nessa etapa educacional, isso ocorre

de modo “escolarizado”, sendo o referido termo significado de forma pejorativa,

denotando a “escolarização” como processo que trata as coisas da cultura de modo

rígido, sem significado, e que, por sua vez, ocupa o espaço de outras práticas

importantes para as crianças pequenas, a exemplo da brincadeira. Desse modo,

nessa visão, a presença e exploração da escrita na Educação Infantil contribui para

um empobrecimento das possibilidades de as crianças viverem infâncias mais livres

e ricas.

Seguindo essa concepção, a Educação Infantil assumiria, enquanto etapa

educacional, um caráter preparatório e/ou antecipatório da etapa subsequente, o

Ensino Fundamental. Uma das principais representantes dessa posição no Brasil é a

Professora Dra. Ana Lúcia Goulart de Faria, da Faculdade de Educação da

Unicamp, que justifica seu posicionamento apontando pesquisas que constatam a

antecipação da escola obrigatória, como antecipadora não apenas de conteúdo, mas

de exclusão social.

A referida professora considera que é preciso entender melhor o que é

alfabetização e letramento, tendo em vista que “não basta antecipar o que é feito na

primeira série para garantir o direito e o prazer de ler e de escrever mais tarde”

(FARIA, 2012, p. 99). Assim, defende a ideia de a Educação Infantil não se

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configurar como instância “de ensino”, visto que “a criança é capaz de se expressar

sem usar a palavra e a escrita, e nós é que temos que nos alfabetizar nessas

linguagens sem letra e sem escrita” (FARIA, 2012, p. 110).

Essa posição alcançou considerável hegemonia durante muito tempo entre

outros educadores/pesquisadores da área da Educação Infantil, ainda que não

evidenciada de forma tão explícita. Mas, evidências de como essa compreensão

ganhou força nos meios acadêmicos e da pesquisa na área podem ser encontradas

nos registros de eventos científicos importantes do país. A exemplo disso, é possível

verificar, nos documentos das reuniões anuais da Associação Nacional de Pesquisa

em Educação - ANPED, que durante o período compreendido entre 2000 e 20151,

dos 311 (trezentos e onze) trabalhos apresentados no GT 07 – “Educação da

criança de zero a seis anos”, apenas dois fazem referência em seus títulos ao

trabalho com a escrita na Educação Infantil, enquanto 9 (nove) fazem minimamente

referência ao tema no corpo do texto, seja utilizando exemplos de práticas com

posicionamento favorável à presença da escrita nesse contexto (6 trabalhos), ou

com a defesa da não presença da escrita nessa etapa educacional (3 trabalhos). Já

no GT 10, cujo tema é “Alfabetização, Leitura e Escrita”, dos 270 (duzentos e

setenta) trabalhos apresentados, 6 (seis) referenciam, em seus títulos, práticas de

escrita na Educação Infantil, enquanto 2 (dois) fazem menção mínima no corpo do

texto.

É preciso destacar que as reuniões da ANPED, ainda que não representem a

totalidade das pesquisas realizadas no país, e que, portanto, há outras posições em

relação ao tema, tais eventos configuram-se como espaços altamente prestigiados

de difusão da produção científica e representativos de modos de compreender as

temáticas em discussão em cada área. Assim, a quantidade ínfima a considerar de

trabalhos apresentados ao longo desses 14 anos nos fornecem indícios de que a

linguagem escrita na Educação Infantil não era foco nas pautas de discussão nos

grupos de trabalho ou, dito de outro modo, não tem sido considerado

pertinente/apropriado discutir a questão.

Em contrapartida, outras fontes nos dão indícios de que há posições

diferentes em relação ao tema. Trabalhos considerados significativos como

referências da organização de práticas pedagógicas na Educação Infantil trazem

1 Não havia cadastro do ano de 2014 no site da ANPED.

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registros de que é possível e necessário que a escrita possa ser inserida nesse

contexto. Entre esses trabalhos, citamos os relatórios de Madalena Freire,

publicados no início dos anos 1980, no livro “A paixão de conhecer o mundo”, nos

quais descreve e comenta experiências vividas na Escola da Vila, em São Paulo.

Dentre essas, destacam-se práticas significativas com a escrita vivenciadas em uma

“turma do Pré”2. Em seus relatos, a autora apontava que “o processo de

alfabetização – leitura do mundo e da palavra, que sempre caminharam juntos

desde o início do ano [...] fluiu, foi „gestado‟ na vida, no todo, das experiências de

cada um, no entendimento do mundo, na leitura do mundo” (FREIRE, 1983, p. 120).

Em posicionamento semelhante, Sonia Kramer (1997) no livro “Com a pré-

escola nas mãos: uma alternativa curricular para a Educação Infantil”, escrito em

parceria com Pereira, Oswald e Assis, propõe uma possibilidade de organizar um

currículo para crianças até seis anos. Em suas propostas, resultantes das

experiências das autoras enquanto professoras dessa etapa educacional,

encontramos proposições para o trabalho sistemático com a linguagem escrita que

envolvem, desde o reconhecimento e escrita do próprio nome das crianças e de

palavras contextualizadas, à produção de textos diversos, tais como livros, histórias,

álbuns, jornais, cartas, convites etc.

Isso significa que nessa organização de conteúdos as autoras reforçam a

possibilidade de experimentação da escrita enquanto linguagem, com seus usos e

funções sociais, ou seja, em contextos significativos para as crianças, revestidos de

seu valor real, para alguma finalidade e com objetivos claros para os pequenos

(KRAMER, 1997, p. 63).

Além dessas produções que tiveram muita repercussão em muitos contextos

no país, citamos, ainda, o livro de Marília Amorim, “Atirei o pau no gato: a pré-escola

em serviço” (AMORIM, 1986), em que a autora propõe conteúdos e atividades a

serem desenvolvidos pelas crianças dos dois aos seis anos, dentre eles, a leitura e a

escrita.

2 O termo “pré” é uma abreviação da palavra “Preliminar”, denominação para o então último ano da

Pré-escola – turma tradicionalmente composta por crianças que iniciavam o ano com seis anos ou próximo de completá-los. Nesse ano, em diversas regiões do país, era sistematizado o ensino da leitura e da escrita. Ainda que com denominações diferentes – “prezinho”, “pré-primário” ou “turma de alfabetização”, “turma do ABC”, “Jardim II”, “Nível IV” – esse era o ano “de aprender a ler e escrever”. Essa configuração foi modificada pela Lei 11.274/2006 que inseriu as crianças de seis anos no Ensino Fundamental) à qual faremos menção mais adiante.

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Além dessas produções, entre outras, destacamos o documento “Professor

da Pré-Escola”, produzido pelo Ministério da Educação, em 1994 (BRASIL, 1994).

Em dois volumes, são discutidas concepções de criança, infância, aprendizagem e

desenvolvimento infantil e são descritos conteúdos e atividades para serem

desenvolvidos na pré-escola, dentre os quais, questões da Língua Portuguesa – oral

e escrita.

Consideramos ser importante registrar que o termo “pré” encontrado nos

trabalhos citados em referência a uma turma é, em alguns casos, uma abreviação

da palavra “Preliminar” ou, em outras situações, referência ao ano que antecede o

Ensino Fundamental, sendo a denominação para o então último ano da Pré-escola –

turma tradicionalmente composta por crianças que iniciavam o ano com seis anos ou

próximo de completá-los. Nesse ano, em diversas regiões do país, era sistematizado

o ensino da leitura e da escrita. Ainda que com denominações diferentes –

“prezinho”, “pré-primário” ou “turma de alfabetização”, “turma do ABC”, “Jardim II”,

“Nível IV” – esse era o ano “de aprender a ler e escrever”. Essa configuração foi

modificada pela Lei 11.274/2006 que inseriu as crianças de seis anos no Ensino

Fundamental à qual faremos menção mais adiante.

Todavia, é importante salientar que essa situação era mais característica da

rede privada, onde as crianças geralmente concluíam o “pré” sabendo ler e escrever,

enquanto que na rede pública, em muitas instituições pré-escolares isso não

acontecia, e as crianças passavam para o primeiro ano do ensino fundamental sem

o domínio dos conhecimentos básicos de leitura e escrita. Essa situação

configurava-se de modo diferente em algumas situações consideradas “alternativas”

e que se tornavam destaque. Era o caso de escolas públicas que desenvolviam

propostas de Pré-Escola que possibilitavam a alfabetização das crianças. Em Natal,

podemos citar, como exemplos desse fato, a Escola Municipal Professora Emília

Ramos, fundada em 1988, como pré-escola, e que, situada em um bairro

extremamente pobre, passou a desenvolver um trabalho de referência na

alfabetização de crianças. Outro exemplo é o Núcleo de Educação da Infância da

UFRN, hoje Núcleo de Educação da Infância que, fundado em 1979, passou a

desenvolver, desde 1988, a sistematização da alfabetização de crianças na pré-

escola, tornando-se referência e campo de diversos estudos sobre tais práticas

(CARVALHO, 1999, entre outras).

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Destacamos, também, como referência de reconhecimento do trabalho com a

escrita na etapa pré-escolar, o documento Referencial Curricular para a Educação

Infantil – RCNEI, publicado pelo Ministério da Educação (BRASIL, 1998) com a

finalidade de orientar a organização de práticas pedagógicas nessa etapa. No

documento, composto por três volumes, o terceiro volume, que envolve conteúdos e

proposições didáticas para os segmentos de 0 a 3 anos e 4 a seis anos, traz, como

um dos eixos do currículo, a Linguagem Oral e Escrita, com sugestões de atividades

a serem desenvolvidas para propiciar, de forma significativa, o aprendizado inicial da

escrita pelas crianças, desde os primeiros anos. Esse documento tem, até a

atualidade, muita influência nas práticas de professores de todo o país.

Os estudos e documentos referidos nos indicam que, ainda que não fosse

foco de discussões em pesquisas em educação – pelo menos na instância da

ANPED –, a escrita já se fazia presente em práticas pedagógicas de professores

atuantes junto a crianças pequenas, levando-nos a refletir sobre como essa

linguagem tem sido vivenciada nessa etapa educacional e qual o seu lugar na vida

das crianças nas instituições de Educação Infantil, pois as crianças vivem parte

significativa de seus dias nesses espaços.

Vemos que há, há muito, posições diferentes que consideram a Educação

Infantil lugar/espaço de trabalho com a linguagem escrita. Antes da referida Lei (que

redefiniu a faixa etária dessa etapa) essa posição foi explicitamente defendida –

ainda que reconhecendo que não haveria uma finalização da alfabetização na pré-

escola, ou seja, que o aprendizado e desenvolvimento da escrita teria

prosseguimento no Ensino Fundamental – por autores como Ferreiro (1987; 2005),

Carvalho (1990; 1999), Maruny Curto (2000), Teberosky (2003), Brandão (2010),

dentre muitos outros.

Essa discussão volta a ganhar evidência e força após ser sancionada a Lei

11.274, de 6 de fevereiro de 2006, que instituiu o Ensino Fundamental de nove anos,

redefinindo a faixa etária da Educação Infantil. Então, se até aquele momento as

crianças de seis anos até sete anos incompletos faziam parte do público dessa

etapa, passam agora a compor o Ensino Fundamental, integrando a turma de

primeiro ano que, por sua vez, passou a integrar o já identificado “Ciclo de

Alfabetização”, antes composto pelos dois primeiros anos.

Com a saída das crianças de seis anos da Educação Infantil e consequente

redução da faixa etária para até cinco anos ou seis anos incompletos, as discussões

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envolvendo o lugar da escrita no currículo ganham mais força, haja vista o contexto

atual em que as crianças passaram a concluir a etapa ainda mais novas, reforçando

o discurso de não lugar da escrita no currículo de instituições de Educação Infantil.

É preciso considerar que entre um extremo e outro há uma lacuna, um

espaço de discussão acerca de, se não é função da Educação Infantil a

sistematização de modo conclusivo desse conhecimento básico, qual é o lugar da

escrita na Educação Infantil? Nenhum? Ela precisa ser um espaço asséptico que

ignore a escrita como objeto e prática cultural? Essas questões desencadeiam a

necessidade de discutirmos, ainda, a função dessa etapa educacional, as

concepções de criança enquanto sujeito sociocultural e a escrita como linguagem.

Consideramos em nosso trabalho a Educação Infantil, assim como está

definida na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB 9.394/96), sendo a

primeira etapa da educação básica, que tem como finalidade o desenvolvimento

integral da criança até cinco anos em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e

social, complementando a ação da família e do Estado3. Isto posto, ao ser

reconhecida legalmente com função pedagógica de educar-cuidar, bem como

promover o desenvolvimento integral das crianças mediante interações sociais e

compartilhamento das práticas da cultura, que envolve tanto vivências de

conhecimento do senso comum, quanto conhecimentos sistematizados que ajudam

a compreender a realidade física e social do mundo que as cerca, as múltiplas

linguagens e brincadeiras, adquire seus fins próprios que visam respeitar as

características das crianças reais, conforme aponta as Diretrizes Curriculares

Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI, 2010).

Esse documento, de caráter mandatório, foi produzido inicialmente em 1999

e, em 2009, atualizado, tendo sido ampliadas definições e proposições. É importante

registrar que em sua última versão, a linguagem escrita é apresentada como uma

das linguagens a serem propiciadas às crianças por meio de experiências

constantes do currículo das instituições. Dentre essas práticas encontram-se as de

linguagem, tanto oral, quanto escrita, e outras que podemos assumir como tal, a

exemplo da brincadeira, o desenho e as artes de modo geral. Esse documento

oficial representa uma síntese de discussões e negociações que vinham se

3 Art. 29. A educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem como finalidade o

desenvolvimento integral da criança de até 5 (cinco) anos, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade

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processando desde a década anterior, e fixa-se a partir da Resolução nº 5, de 17 de

dezembro de 2009, que declara que as crianças têm direito de aprender e para se

desenvolverem têm direito a aprender práticas presentes na cultura, dentre elas, a

linguagem escrita.

É importante registrar que, com o acirramento das discussões decorrentes,

tanto da mudança da faixa etária das crianças da Educação Infantil, como da

atualização das Diretrizes Curriculares Nacionais para essa etapa, foi desenvolvida

uma pesquisa, encomendada pelo Ministério da Educação e coordenada por três

universidades do país, sobre “boas práticas de leitura e escrita na Educação Infantil”.

A pesquisa envolveu cinco universidades, dentre as quais a Universidade Federal do

Rio Grande do Norte, e buscou identificar, em instituições da rede pública, que

atuam nessa etapa, modos como a linguagem escrita é trabalhada junto às crianças,

envolvendo objetivos, atividades e materiais4.

Nessa perspectiva, a Educação Infantil torna-se espaço legítimo de inserção

da linguagem escrita, como prática cultural, desde que suas ações educativas

respeitem as especificidades das crianças, admitindo como eixos norteadores do

trabalho pedagógico e das situações de aprendizagens as interações e a brincadeira

(BRASIL, 2010, p.25). Logo, a escrita só ganhará sentido na escola e na vida das

crianças se propiciada assumindo esses eixos, ou seja, se for vivenciada como

linguagem, interação com os outros; bem como na forma de atividade que envolve a

brincadeira, a imaginação e a fantasia.

A criança, por sua vez é considerada em nosso estudo como sujeito concreto,

pessoa capaz, “com seus próprios direitos como seres humanos individuais e

membros plenos da sociedade [...] são atores sociais [...] com voz própria” (MOSS,

2003, p. 70-71). De modo que, ao contrário de concepções de crianças como seres

incapazes, as compreendemos enquanto sujeitos sóciohistóricos e de direitos,

pessoas reais; ainda que, por sua pertença à espécie humana, as crianças

pequenas se caracterizam por serem vulneráveis e dependentes dos adultos mais

experientes do seu meio social para aprender, se desenvolver e sobreviver, mas, ao

mesmo tempo, são capazes, desde cedo, de produzir e participar de práticas de

4 A esse respeito ver BAPTISTA, Mônica Correia; COELHO, Rita de Cássia Freitas; CORSINO,

Patrícia; NUNES, Fernanda Rezende; NEVES, Vanessa Ferraz Almeida; Leitura e Escrita na Educação Infantil: práticas educativas. Brasília: MEC. 2014. Relatório de Pesquisa.

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cultura, sendo seres globais, integrais, que vivenciam as situações que lhes são

propiciadas (KRAMER, 2007).

Assumindo a compreensão da abordagem histórico-cultural de L. S. Vigotski,

entendemos que só é possível haver desenvolvimento das funções tipicamente

humanas, desde a mais tenra infância, mediante o compartilhamento de práticas da

cultura, interações sociais nas quais os sujeitos, ainda no início de suas vidas,

compartilham práticas presentes no contexto sociocultural onde vivem, práticas de

linguagem, modos de interagir, se relacionar, de dizer, compreender a realidade ou

se movimentar.

Enfim, tudo o que diz respeito aos modos de estar no mundo como

pertencentes de determinada cultura, desde se alimentar a nomear e designar

coisas, permitem-nos aprender e a apreender essas práticas compartilhadas. Se

consideramos que as crianças se desenvolvem à medida que aprendem por meio

das interações com os objetos da cultura, é possível admitir que se torna necessário

garantir a elas o acesso às práticas que são valorizadas socioculturalmente, como a

escrita e tantas outras.

Sendo uma prática cultural de centralidade nas sociedades atuais, a

linguagem escrita se faz presente de modo intenso e prestigiado, vez que as

interações com a escrita acontecem cotidianamente, já que esta está em todos os

espaços sociais de diversos modos e em ações diversas, sendo considerada um

patrimônio cultural de direito de todos. No entanto, os sujeitos não a vivenciam do

mesmo modo, haja vista que em uma sociedade marcada pelas desigualdades de

condições de vida como a nossa, as pessoas têm condições diferenciadas de

interação com a escrita, o que acontece desde cedo, ainda na infância.

Se as instituições em que as crianças convivem têm negado a elas o direito

de compartilhar, bem como interagir com práticas significativas de escrita que

circulam e são valorizadas na sociedade, elas terão, também, diminuídas as

oportunidades e possibilidades de aprender e se apropriarem dessas práticas, não

sendo capazes de fazerem usos delas de igual maneira como são feitas na

sociedade, ao mesmo tempo que não conseguirão compreender a escrita em seu

funcionamento e função.

Isso nos aponta que a escrita precisa, sim, estar presente nas instituições de

Educação Infantil, já que são espaços onde as crianças convivem, interagem. Nessa

perspectiva, essa deverá ser apresentada como linguagem e, à medida em que for

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sendo vivenciada de igual modo como existe socialmente, em situações reais de

uso, sendo algo necessário às crianças, os elementos de sua constituição, de seu

modo de funcionar vão sendo apropriados por elas, enquanto algo significativo, não

rígido, sem que se sobreponha a outras vivências, as quais as crianças também têm

direito. Logo, o que precisa ser colocado em pauta é a necessidade de se redefinir e

repensar qual o lugar da escrita na Educação Infantil, como objeto que se faz

presente em nosso meio sociocultural e que também necessita estar presente nessa

etapa educacional.

Embora essa discussão tenha se acirrado nos últimos anos configurando-se

como central e atual, podemos dizer que não é nova. Já no início do século XX,

Vygotsky (2007, p.143) apontava a possibilidade de as crianças com idade inferior a

seis anos serem capazes de descobrir a função simbólica da escrita, ou seja, de se

alfabetizarem aos cinco anos. Todavia, salientava que a escrita precisava fazer

sentido para elas, ter significado, sendo relevante à vida, ensinada não como uma

habilidade motora restrita a mãos e dedos, mas enquanto atividade cultural

complexa.

Dessa forma, criticava os métodos que desconsideravam que a escrita

deveria ter significado, restringindo o ensino ao desenho enfadonho de letras e

palavras de modo mecanizado, que requer treinamento e esforços por parte dos

alunos e professores, dando ênfase ao fato de que a escrita era imposta de fora

para dentro, pelos docentes (VYGOTSKY,2007, p. 126). Corroborando com as

ideias de Vygotsky, Brandão e Rosa (2010, p. 8) afirmam a necessidade de as

práticas de uso da escrita estarem em consonância com os interesses e desejos

infantis, a fim de que as crianças sintam prazer em realizar as atividades e usar a

leitura e escrita de igual modo como são utilizados em nossa cultura, sem que seus

direitos de aprender brincando sejam cerceados.

Trabalhos como o de Ferreiro e Teberosky, divulgados no Brasil ao final da

década de 1970, trouxeram contribuições para esse campo de discussão. Ao

apresentar novas ideias e formas de pensar o processo de alfabetização e a

Educação Infantil, fundamentadas na epistemologia genética de Piaget e em teorias

psicolinguísticas, alertavam a necessidade de se redefinir os objetivos da pré-escola

com respeito à alfabetização, haja vista que esta se inicia antes mesmo da inserção

no ambiente escolar. Logo, afirmam que não é obrigatório “dar aulas” de

alfabetização na Educação Infantil, no entanto, é possível oferecer oportunidades

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das crianças observarem a escrita sendo vivida pela professora em situações reais,

assim como elas também podem vivenciá-la de igual modo (FERREIRO, 2005, p.

38-39).

O trabalho pedagógico com a linguagem escrita visto sob esse prisma implica

na ruptura nos modos como essa linguagem tem sido vivenciada e significada na

Educação Infantil. Somos favoráveis à inserção da escrita nessa etapa educacional

enquanto linguagem vivenciada de forma significativa para as crianças, em

situações mediadas de interações lúdicas e intencionais, em que as práticas de/com

a escrita se deem em situações reais de uso, onde os materiais possam ser

explorados em contextos significativos e em suas múltiplas possiblidades, como

aponta Carvalho (1999, p. 98), sem o prejuízo de experiências infantis com outras

diversas linguagens, como a brincadeira, aproximando dos modos como a escrita é

vivenciada em nosso meio social, com função e sentido.

Em conformidade com Brandão e Rosa (2010, p. 8), entendemos que as

práticas de leitura e a produção de escrita devem se pautar por objetivos claros,

intencionais e sistemáticos de aprendizagem, compreendendo essas situações

como oportunidade de acesso e inserção das crianças, ainda pequenas, na cultura

letrada. Uma das formas de atribuir aos escritos significado é trabalhá-los junto às

outras linguagens, como a brincadeira, onde as crianças interajam com a escrita nas

práticas da cultura, fazendo coisas com ela, vivenciando-a e percebendo sua

finalidade e função social. Função essa que ajuda a viver a vida em sociedade e que

contribuem para a constituição do sujeito. Em sendo linguagem, à medida que as

crianças experimentam dizer, pensar segundo a organização da escrita, elas mudam

também seus modos de funcionar mentalmente.

Diante dessa nova possibilidade de ressignificar a escrita, não podemos vê-la

como um código a ser ensinado de modo rígido e mecânico, desprovido de

significação, o que acaba por desconsiderar as possibilidades infantis de interação,

vendo-as como sujeitos passivos; ou que a escrita seja tratada meramente como um

código a ser codificado/transcrito. É preciso que professores propiciem interações a

fim de que a escrita se torne necessária e relevante à vida das crianças, como

propunha Vygotsky (2007), o que não significa acelerar etapas ou alfabetizar na

Educação Infantil, ou que esse aprendizado tenha que ser finalizado, mas não negar

às crianças o conhecimento sobre algo que está presente em seu cotidiano e lhe

desperta curiosidade.

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Em decorrência dessas considerações que fomos construindo mediante

nossa pesquisa bibliográfica inicial, definimos nossa questão de estudo: de que

modos a linguagem escrita é vivenciada e significada por crianças e professores na

Educação Infantil?

Orientadas por esta questão, nos propomos a analisar o lugar que está sendo

dado à linguagem escrita nas instituições de Educação Infantil, buscando

compreender como a escrita está sendo pensada, experimentada e oferecida às

crianças nessa etapa educacional. O objetivo de nosso estudo é, portanto,

analisar modos como a linguagem escrita é vivenciada e significada por professores

e crianças da Educação Infantil de um Centro Municipal de Educação Infantil (CMEI)

na cidade do Natal.

O presente trabalho está organizado em cinco partes. Nessa primeira parte,

de caráter introdutório, buscamos apresentar as origens de nosso interesse pela

temática, definir nosso objeto de estudo, nossa questão de pesquisa e o objetivo,

bem como apresentar a estrutura do texto.

No segundo capítulo, intitulado “Procedimentos metodológicos do estudo: um

caminho percorrido”, descrevemos os fundamentos os quais tomamos como

referência para a nossa pesquisa e os procedimentos metodológicos que

desenvolvemos, bem como a caracterização do campo de estudo e dos sujeitos

envolvidos.

O terceiro capítulo, cujo título é “Crianças, Infâncias, Educação Infantil e

Linguagem Escrita”, sistematiza discussões e reflexões sobre a história da

Educação Infantil, as concepções de criança e escrita, bem como uma discussão

sobre como a escrita, historicamente, faz parte daquilo que é trabalhado nessa

etapa educacional.

O quarto capítulo, intitulado “A escrita na vida das crianças da Educação

Infantil”, revela modos como a escrita é vivida e significada por crianças e

professores da instituição na qual realizamos nossa pesquisa.

Por fim, concluímos este trabalho monográfico tecendo nossas

“considerações finais”, onde retomamos algumas das discussões desenvolvidas ao

longo do texto, destacando as contribuições da pesquisa na ampliação dos nossos

conhecimentos. Por fim, apresentamos como o percurso “finda com a abertura” de

questões para futuras pesquisas nesse campo de estudo.

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2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS DO ESTUDO: UM CAMINHO

PERCORRIDO

2.1 Aportes e procedimentos metodológicos do estudo

Nosso percurso metodológico foi trilhado segundo princípios da abordagem

qualitativa de pesquisa, a qual é descrita por Ludke e André (1986) como aquela que

privilegia os processos, e não apenas o produto, tomando como fonte direta de

dados o seu contexto natural de origem; atentando para as significações que os

sujeitos dão ao objeto de investigação; sendo uma pesquisa essencialmente

descritiva e interpretativa.

Bogdan e Biklen (1994, p.47-51) propõem cinco princípios da abordagem

qualitativa: (a) na investigação qualitativa a fonte direta dos dados é o ambiente

natural, construindo o investigador o instrumento principal; (b) a investigação é

descritiva; os dados recolhidos são em forma de palavras ou imagens e não apenas

números; (c) os investigadores qualitativos interessam-se mais pelo processo do que

pelos resultados; (e) os investigadores qualitativos tendem a analisar os seus dados

de forma indutiva; (f) o significado é de importância vital na abordagem qualitativa.

Além desses princípios, o encaminhamento metodológico de nossa pesquisa

assumiu as proposições da abordagem histórico cultural de Lev S. Vygotsky (2007)

e do dialogismo de Mikhail Bakhtin (2003), as quais “enfatizam [...] a compreensão

dos fenômenos a partir de seu acontecer histórico no qual o particular é considerado

uma instância da totalidade social. A pesquisa é vista como uma relação entre

sujeitos, portanto dialógica” (FREITAS, 2002, p. 21). Isso significa que

fundamentados em uma perspectiva sóciohistórica, cuja base é o materialismo

histórico-dialético, buscamos compreender o sujeito em sua totalidade e nas

relações de que faz parte nos contextos em que vive.

Dessa maneira, nas pesquisas que têm como foco os processos humanos, é

preciso observar os seguintes princípios: (a) o objeto em estudo é o texto, visto que

os processos psíquicos humanos se desenvolvem e são compreendidos como

produção de sentidos que compõem as significações dos sujeitos envolvidos sobre

os diferentes aspectos da vida e de si mesmos; (b) a relação do pesquisador com os

contextos e sujeitos da pesquisa é de interação – há uma coprodução de sentidos,

pois não há “dado” pronto e acabado, mas processos em movimento de

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composição; (c) a descrição está em relação com a interpretação e a compreensão,

buscando reproduzir e identificar as relações que compõem os processos; (d) o

papel do pesquisador abrange tanto seu envolvimento rigoroso com os contextos e

sujeitos, quanto seu distanciamento para poder interpretar suas significações, o que

implica uma atitude responsiva – de construir uma resposta – e responsável, que

envolve pensar na finalidade do estudo e garantir as vozes dos sujeitos envolvidos.

Para Bakhtin (apud FREITAS, 2002), não é possível compreender o homem

sem que se compreenda os signos que são criados por ele e que, por vez, denotam

sentidos, vez que o homem se expressa por meio do texto e requer sua

compreensão (FREITAS, 2002). Assim, não cabe apenas interpretar, mas inserir-se

em um processo dialógico de compreensão entre os sujeitos envolvidos no processo

de investigação. Isso significa que em uma pesquisa o pesquisador e pesquisado

estão em interação, em processo dialógico, onde o pesquisado não pode ser visto

como “um objeto”, sem voz (FREITAS, 2002, p. 24), mas como indivíduo que

também dialoga com o pesquisador. Enquanto este interage diretamente com o seu

objeto, e não apenas fala dele, mas estabelece com ele um diálogo, uma interação,

haja vista que ambos devem participar de forma ativa da pesquisa.

Ao teorizar sobre a pesquisa acerca dos processos humanos, Vygotsky

(2007) nos aponta que precisamos estudar o objeto em seu acontecimento, ou seja,

em sua historicidade, assim, “estudar alguma coisa historicamente significa estudá-la

no processo de mudança: esse é o requisito básico do método dialético

(VYGOSTSKY, 2007, p. 68). Para isso, é necessário que o pesquisador articule a

descrição à explicação, buscando não apenas descrever, mas identificar relações,

causas que estejam relacionadas aquele determinado fenômeno ou acontecimento.

Fundamentados por esses princípios de investigação, compreendemos a

importância de considerar os contextos e a perspectiva dos participantes como fonte

de dados, entendendo que há muito a ser compreendido nessas relações. Logo, a

metodologia da pesquisa assume os seguintes procedimentos: análise documental;

sessões de observação do tipo semi-participativa em uma turma da Educação

Infantil; e entrevistas do tipo semiestruturado com professores e com crianças (em

forma de conversa) da turma observada.

Além dos aportes citados, referenciamos como documentos analisados o

Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (BRASIL, 1998), a Política

Nacional de Educação Infantil: pelo direito das crianças de zero a seis anos à

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educação (BRASIL, 2005), os Parâmetros Nacionais de Qualidade para a Educação

Infantil (2006) e as Diretrizes Curriculares para a Educação Infantil (BRASIL, 2010).

Além desses documentos, não pudemos deixar de considerar a Documento Base

Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2016) – 2ª versão – ainda que este não esteja

finalizado e encontre-se em fase de análise para posterior homologação pelo

Conselho Nacional de Educação5. Nesse documento, como resultado de discussões

desenvolvidas como desdobramento das DCNEI/2009, encontra-se proposições

mais explícitas para a inserção da escrita na Educação Infantil, tomando-a como

linguagem/prática cultural.

Orientando-se pelos princípios supra apresentados, pela questão de

pesquisa, pelo nosso objeto e objetivo de estudo, bem como pela perspectiva

metodológica que vem sendo construída pelo grupo de pesquisa ao qual nos

integramos, definimos nosso campo de estudo e os sujeitos da pesquisa.

A fim de analisar modos como a linguagem escrita tem sido vivenciada e

significada por professores e crianças da Educação Infantil, precisamos ir às

instituições de Educação Infantil onde os processos estão acontecendo e sendo

vividos pelos sujeitos. Tal como proposto por Vygotsky e Bakhtin, na pesquisa sobre

processos humanos, entendemos os seres humanos como inacabados, então os

processos a serem “estudados” estão sempre em movimento e em relações com o

contexto em que se inserem. Assim, para compreender é preciso tentar apreender o

movimento em seu acontecimento, ou seja, nas instituições de Educação Infantil.

A fim de apreendermos o “movimento” de constituição da relação da

linguagem escrita na educação infantil e das crianças com suas práticas, ou seja, os

modos como a escrita se insere nos espaços, tempos e ações das crianças na

instituição, registramos em diário de campo a rotina da turma, as atividades, bem

como as práticas que tomavam a escrita como objeto do conhecimento, desde como

acontecia o momento de abertura da escola e recebimento das crianças até o final

5 O referido documento, resultante de processo de elaboração por uma comissão de assessores e

especialistas convidados pelo MEC e indicados por entidades como a UNDIME, CONSED e universidades públicas, encontra-se, atualmente, no contexto de transição e interinidade do governo federal vigente em nosso país, em decorrência da abertura do processo de “impeachmant” da presidente eleita em 2014, Dilma Roussef – situação reconhecida por diversos setores da sociedade como um “golpe de Estado”. Nesse contexto, a situação do documento é, diferentemente do definido na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei 9394/96), (de que ele passaria a ser analisado pelo Conselho Nacional de Educação), a ser objeto de discussão da Comissão de Educação da Câmara dos Deputados. Essa situação tem sido considerada como “um golpe” na BNCC e na educação de nosso país.

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do turno. Buscamos, com essa finalidade, seguindo o proposto por Vygotsky,

descrever, o mais detalhadamente possível, o movimento, como as coisas

acontecem, como se dão naquele espaço. Então, procuramos compreender como a

escrita tem sido experimentada e oferecida às crianças na educação em seu

acontecimento.

Assim, buscamos nos aproximar do “objeto” de nosso estudo em seu contexto

de emergência - uma instituição de Educação Infantil - CMEI, numa turma de nível

IV com crianças de cinco anos de idade. A entrada em campo foi orientada pelo guia

de observação já referido. Foram feitas 17 (dezessete) sessões de observação de

quatro horas cada, totalizando 68 horas de observação e registro, realizadas no

turno da manhã, quatro vezes por semana. Durante esse período, desde o início, a

escola – equipe gestora, professores e crianças se mostraram receptivos à pesquisa

e à nossa presença, o que aconteceu mediante encontros anteriores de

apresentação da proposta e solicitação de aceitação por parte da direção e da

professora.

As observações tiveram como foco os momentos da rotina diária em que a

escrita se tornou objeto de interação das crianças e da docente, bem como as

entrevistas realizadas com a coordenadora pedagógica, a professora, e a conversa

orientada – individual e coletivamente – com as crianças, registrada em áudio,

visaram identificar que concepções são atribuídas à escrita, quanto ao que é, para

que serve e como se escreve.

O desenvolvimento do processo de observação se iniciou em nossa primeira

ida à escola quando apresentamos a proposta de pesquisa, os objetivos, intenções e

como pretendíamos encaminhá-la. A coordenadora pedagógica do turno matutino

acolheu positivamente e se dispôs a ajudar no que fosse necessário, de igual forma

fomos recebidas pela professora do nível IV que permitiu que as observações

fossem realizadas em sua turma, contribuindo favoravelmente com nosso estudo.

Passamos então a frequentar a escola, inicialmente em dois dias a cada

semana, chegando um pouco antes do horário de abertura do portão, às 07h da

manhã. Nesse momento do dia observamos a dinâmica da instituição, como se dava

a acolhida às crianças e seus responsáveis, bem como a chegada das crianças até

sua sala.

A partir de sua entrada em sala, tinha início a rotina diária da turma. O

primeiro momento na sala de atividades era, diariamente, a ida ao “lavódromo” –

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local onde iam lavar as mãos. Em seguida, iam ao local destinado ao café da

manhã. Após o café, o retorno à sala para pegarem as escovas de dente e, em

seguida, a ida ao “escovódromo” (nomes utilizados pelas professoras), onde faziam

a escovação dentária. De lá, retornavam à sala onde acontecia o momento da roda

e, posteriormente, da atividade. Seguia-se o momento do parque e, logo após, a

“hora do almoço”. Por fim, a saída das crianças ao final do turno.

À medida que acompanhávamos a rotina diária e as atividades desenvolvidas

junto às crianças, íamos registrando, descrevendo em nosso caderno – diário de

campo, todos os acontecimentos.

As primeiras idas ao CMEI nos proporcionaram sentimentos de acolhida que

se justificaram pela receptividade de todos os funcionários da escola, em especial, a

coordenadora pedagógica, a professora e as crianças da turma observada,

demonstrando-se favoráveis à pesquisa e à nossa presença em seu dia a dia.

Desde a nossa inserção, a apresentação às crianças no “momento da roda”

despertou muitas curiosidades e perguntas: “O que você está fazendo? Olha meu

brinquedo! Vai ficar aí? Senta aqui. Como é seu nome, mesmo? Tá escrevendo o

que? Você só escreve, é? Você nem veio ontem”6. Durante os dias que sucederam o

primeiro encontro, as crianças foram nos incluindo em sua rotina, assim como a

diretora que, por vezes solicitava que ficássemos com as crianças em sala,

enquanto a professora chegava à escola (!).

Em conformidade com os apontamentos de Bakhtin, pesquisador e

pesquisado(s) tornaram-se na pesquisa sujeitos que interagem e são co-produtores.

À medida que fomos participando da vida diária das crianças na instituição, fomos

aprendendo e nos reposicionando, como “pesquisadora”, a cada solicitação de uma

criança: para ajudá-la a escrever determinada palavra, ou a desenhar, ou ainda a

ver e elogiar seus desenhos. Podemos mesmo dizer que, a cada vez que ouvimos

com atenção as vozes (o enunciado vivo) das crianças, o que elas demonstravam

saber fazer e o que apontavam não saber, passamos a aprender com elas. Se por

um lado essa aproximação é, como nos diz Bakhtin, imprescindível para que

possamos enxergar os pontos de vista dos sujeitos, por outro lado, traz o desafio de

“manter um distanciamento” necessário a conseguir ver suas ações de outra (nossa)

6 Falas das crianças retiradas do diário de campo.

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posição, haja vista que apenas a nossa presença propiciava reações/reorganizações

no contexto em que estávamos inseridas.

2.2. Conhecendo o CMEI.

O estudo foi realizado em uma Instituição de Educação Infantil da rede

pública de Natal/RN, localizada em um bairro residencial da Zona Sul da cidade. Os

critérios de escolha do campo, envolveram: ser integrante da rede pública, oferecer

facilidade de acesso e disponibilidade da instituição em participar da pesquisa.

A instituição foi fundada em 1992 como uma creche, sendo, naquele

momento, administrada pela Secretaria Municipal de Trabalho e Ação Social -

SEMTAS. Em 2008, seguindo o disposto pela LDB – Lei 9394/96, ela foi incorporada

pela Secretaria Municipal de Educação e passou a ser denominada Centro Municipal

de Educação Infantil (CMEI), atendendo crianças de três a cincos anos de idade. Até

2013 a instituição atendia todas as crianças em tempo integral. A partir de 2014

passou a atender em tempo integral apenas crianças de três anos. As demais, de

quatro a cinco anos, são atendidas em tempo parcial, nos turnos da manhã ou da

tarde. No primeiro semestre de 2015, o CMEI atendia 80 crianças matriculadas,

organizadas conforme o quantitativo abaixo:

Quadro I - Crianças matriculadas 2015.1

Turma/turno Faixa etária Quantitativo de

crianças

Nível II - tempo integral 3 anos a 3 anos e 11 meses 22 crianças

Nível III – matutino 4 anos a 4 anos e 11 meses 12 crianças

Nível III – vespertino 4 anos a 4 anos e 11 meses 23 crianças

Nível IV – matutino 5 anos a 5 anos e 11 meses 10 crianças

Nível IV – vespertino 5 anos a 5 anos e 11 meses 13 crianças

Fonte: Elaborada pela autora.

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No tocante à estrutura física da instituição, esta conta com os seguintes

espaços: 3 (três) salas de atividades; 1 (um) refeitório/pátio; 1 (um) copa/cozinha; 2

(dois) banheiros para adultos; 2 (dois) banheiros infantis; 1 (uma) sala pequena

denominada de depósito; 1 (uma) sala pequena que funciona como secretaria, sala

de direção e coordenação; 1 (uma) sala pequena onde é guardado o acervo de

livros; 1 (um) ambiente amplo externo ao prédio, aberto, denominado de “parque”,

onde se realizam atividades livres.

De um modo geral, podemos qualificar a estrutura física da instituição como

razoavelmente adequada às necessidades do trabalho, embora não tenha sala de

professores, o que dificulta os encontros da equipe de profissionais, conforme

aponta a coordenadora, em entrevista.

Os ambientes da escola são organizados em um espaço coberto, onde ficam

o refeitório/pátio, copa/cozinha, banheiros para adultos, banheiros para as crianças;

sala da direção/coordenação, sala de deposito e as três salas de atividades. A área

livre de cobertura envolve o espaço destinado ao parque e um quintal de areia,

como se pode observar no esboço abaixo:

Ilustração I - Organização dos espaços do CMEI.

Fonte: Ilustração elaborada pela autora.

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Ao entrarmos na escola passamos por um corredor estreito, em cujas paredes

há cartazes de cartolina com desenhos das crianças e desenhos em papéis com

seus nomes. Há, também, um texto de Paulo Freire impresso em uma folha de papel

e um panfleto com comunicado acerca de um evento sobre autismo.

Como mostra a ilustração, do lado oposto do corredor se encontra a área

aberta, contemplando o parque, o jardim e a caixa de areia. O primeiro espaço

coberto da escola é destinado à sala de atividades, no horário da manhã, da turma

do nível III. Ao lado desta, há uma sala muito pequena com prateleiras cheias de

livros que é mantida fechada. Próximo encontra-se a sala da direção que funciona,

ao mesmo tempo, como secretaria e coordenação pedagógica. Seguem-se dois

banheiros para adultos (feminino e masculino), a copa/cozinha, um pátio amplo onde

estão organizadas quatro fileiras de mesas compridas e seus respectivos bancos,

constituindo a área do refeitório nos momentos do café da manhã e almoço.

As mesas do refeitório são organizadas entre as salas do nível II (à direita) e

nível IV (à esquerda). Em frente às mesas há uma parede com uma janela de

acesso à copa, um extintor de incêndio, lixeira, uma rede de basquete e alguns

cartazes afixados (do Sindicato dos Professores, com calendário de mobilização da

categoria e outros encaminhamentos) e um texto sobre a transmissão de piolhos:

“Por que compartilhar pentes e bonés facilita a transmissão de piolhos?”.

Em frente à sala do Nível IV, há duas grandes casas de brinquedo – uma de

madeira e outra de plástico – com alguns brinquedos dentro para o faz-de-conta.

Próximo à sala do nível II, há um grande painel7 de madeira que separa o

pátio do espaço destinado ao banho, que envolve pia e lavanderia (respectivamente,

“lavódromo”, “escovódromo” e lavanderia). Esse ambiente dá acesso ao espaço de

areia por trás da escola (à esquerda) e a outro corredor onde estão os banheiros das

crianças e uma sala de depósito.

Na parede do pátio/refeitório há um grande cartaz afixado no alto da parede,

onde está escrito “Escola em Movimento: cultivando a vida”, decorado por pinturas

mãos pequenas, provavelmente de crianças, feitas em papel ofício, recortadas no

molde das mãos e coladas nesse cartaz formando uma copa de árvore e flores8.

7 No primeiro dia, o painel estava coberto por um TNT lilás, onde foram colados desenhos de animais

feitos de cartolina, além da frase “Sejam bem vindos”, com letras confeccionadas com esse material. 8 Esses cartazes e decoração compunham o momento em que a escola estava vivenciando o início

do ano letivo, fazendo parte dos primeiros registros feitos em diário de campo e das primeiras impressões após inserção na instituição.

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Fotografia I - corredor da escola e parte do refeitório/pátio

Fonte: Fotografia feita pela autora.

Fotografia II - janela de acesso à copa/cozinha, bem como materiais escritos nas

paredes da instituição.

Fonte: Fotografia feita pela autora.

Fotografia III - espaço onde estão o “lavódromo”, “escovódromo” e a lavanderia.

Fonte: Fotografia feita pela autora.

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Fotografia III - corredor de acesso aos banheiros das crianças e a sala de depósito.

Fonte: Fotografia feita pela autora.

Fotografia IV - espaço por trás da escola.

Fonte: Fotografia feita pela autora.

O parque é amplo, com chão de areia. Nele há espaços mais arborizados,

com plantas no chão ou em jarros, coqueiros, outras árvores, flores em arranjos na

parede ao lado do portão de entrada, construindo o jardim da escola. Próximo ao

jardim há pneus coloridos empilhados, um em frente ao outro, que “separam” esse

ambiente do parque, bem como existe uma região cimentada que é mais alta,

formando um “banco”. No topo deste “banco” há três hastes de ferro altas, como se

fossem usadas para hastear bandeiras. A parede lateral do parque é dividida por

espaços nomeados pelo nível de cada turma. Em cada um deles foram pintados

desenhos, que aparentam ter sido feitos, em sua maioria, pelas crianças. No espaço

destinado a uma turma de nível III há nomes escritos na parede, conforme a imagem

abaixo:

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Fotografia V - Jardim da escola e espaço livre.

Fonte: Fotografia feita pela autora.

Ao lado desse ambiente mais arborizado encontra-se um parquinho de

madeira interditado com faixas de TNT. Posteriormente a ele estão as “motocas”

organizadas entre uma árvore e um coqueiro, onde há um brinquedo fixado em seu

tronco para o jogo de dardo. Pneus parcialmente soterrados separam essa área do

parquinho maior de plástico. Por trás deste vemos uma “piscina de areia” (bordas

cimentadas em nível mais elevado do chão, preenchida em seu interior com areia) e

um vasto espaço livre com algumas árvores, plantas e varal; esse espaço fica atrás

das salas do nível IV e II, e consequente, configurando o quintal do CMEI, como

mostramos em seguida:

Fotografia VI - parque de madeira coberto por faixas de TNT e casinhas para as

crianças brincarem.

Fonte: Fotografia feita pela autora.

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Fotografia VII - espaço das motocas, do parque de plástico e por trás deste,

encontra-se a “piscina de areia”.

Fonte: Fotografia feita pela autora.

Fotografia VIII - Sala de atividades da turma IV, onde vemos a organização das carteiras, as atividades expostas e o cantinho dos brinquedos e jogos.

Fonte: Fotografia feita pela autora.

Fotografia IX - parede principal da sala, mostrando acima do quadro branco o

alfabeto, abaixo, o calendário das duas turmas, ao lado, o alfabeto e abaixo deste,

quadros de ajudantes do dia de ambas as turmas desse espaço.

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Fonte: Fotografia feita pela autora.

Fotografia X - armário dos professores e estante com livros, estando acessível à estatura das crianças.

Fonte: Fotografia feita pela autora.

A rotina das crianças na escola inicia às 7h, quando elas chegam e se dirigem

à sala de atividades. No primeiro momento ficam livres, circulando na sala,

brincando, conversando ou desenhando em folhas de papel ofício que solicitam à

professora ou estagiária. Às 7h30min as crianças se organizam em fila dentro da

sala junto à porta, para irem ao “lavódromo”, lavar as mãos, e em seguida

aguardarem no banco do refeitório/pátio o café da manhã. Quando terminam de

comer, vão à sala, pegam as escovas, escovam os dentes no “escovódromo”, e

retornam à sala, em fila, às 8h fazem o momento da roda, cantando algumas

músicas, conversando sobre algum tema de estudo, direcionando para a atividade

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do dia, que se limitava a escrita do nome, desenho e registro sobre o desenho. Às

9h30min é o horário do parque, às 10h20min as crianças saem do parque para lavar

as mãos e aguardarem o almoço que é servido às 10h30min. Ao terminarem,

retornam à sala e ficam livres para brincar ou desenhar, enquanto aguardam seus

responsáveis.

A sala de atividades da turma IV é ampla e arejada, sendo organizada em

“cantinhos”: de “atividades” (para turmas do matutino e vespertino); de leitura, com a

prateleira de livros; do brinquedo, prateleira com jogos e brinquedos; bancada para

colocar mochilas e materiais de uso em atividades, como lápis de cor, borracha,

lápis grafite, etc. Há também um armário para pertences dos professores e um

quadro branco. Chamou nossa atenção a identificação do cantinho “das atividades”,

como se o brinquedo e a leitura não fossem, também, atividades.

Nas paredes da sala estão afixadas atividades das crianças feitas em papel,

calendário, quadro de ajudantes do dia, alfabeto no alto da lousa branca e, ao lado

desta, mais abaixo, outro alfabeto, em altura acessível às crianças, ambos feitos de

cartolina. Todavia, durante as observações percebemos que esses alfabetos não

eram explorados pelas crianças, assim como outros materiais escritos presentes

nesse espaço tinham sua exploração limitada, o que retomaremos no capítulo 4.

2.3. Os sujeitos do estudo: a turma do nível IV.

No decorrer das observações houve uma troca de professores na turma – a

professora presente inicialmente precisou afastar-se do cargo – de modo que a

turma passou a ser assumida por uma professora que lecionava no turno vespertino.

A turma é composta por 10 crianças matriculadas. No entanto, durante as

observações percebemos que a frequência média era de 7 crianças. Na primeira

semana de observação uma delas foi transferida de escola, enquanto,

posteriormente duas outras foram matriculadas na turma.

2.4. As entrevistas: coordenadora pedagógica, professora e conversa com as

crianças.

A fim de compreender como a escrita era vivenciada na escola e quais as

significações desta para a professora e as crianças, realizamos entrevistas do tipo

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semi-estruturada, individuais, tanto com a professora9, quanto com seis crianças que

aceitaram realizá-la. As entrevistas aconteceram na sala de atividades da turma,

onde sugeriram ser um lugar confortável para tal.

Posteriormente, no último dia de observação, pudemos realizar um momento

de intervenção, onde lemos para as crianças o livro “O reizinho mandão” de Ruth

Rocha. Após a leitura, conversamos coletivamente com elas, usando fantoches de

palitos, onde contaríamos para esses sobre a história lida, tendo em vista que no

lugar onde eles vivem não existe a escrita. Essa oportunidade permitiu que algumas

crianças pudessem expressar suas ideias sobre a escrita, sendo mediadas pelas

outras e pelo pesquisador.

Na conversa individual com as crianças, como forma de descontraí-las,

iniciamos brincando com o gravador, para que pudessem se sentir à vontade com

aquele instrumento, em seguida perguntávamos:

- Para que você vem à escola?

- Para que serve escrever e para que você escreve?

- Quando você precisa escrever? O que você escreve? Na

escola e em sua casa.

- O que costuma fazer quando não está na escola?

Percebemos que as crianças apresentavam dificuldades em responder, se

limitando a respostas curtas, sem muita explicação, e por vezes aproveitavam o

momento como oportunidade de serem ouvidas, então direcionavam nossa conversa

para o relato de alguns acontecimentos pessoais ou vividos na escola.

A entrevista com a professora atual da turma foi encaminhada de forma

tranquila, apesar de inicialmente, a professora afirmar está um pouco nervosa e com

receio de não saber responder as questões. Para tranquiliza-la, mostrei as

perguntas previamente antes de iniciar a gravação, após lê-las, ela autorizou a

gravação. As perguntas contextualizam sua formação inicial e profissional, sendo

posteriormente direcionada para questões como:

- Por que você ensina na Educação Infantil?

- Como você organiza as atividades, com que finalidades?

9 A entrevista foi realizada somente com a professora que assumiu a turma, pois havíamos definido

que essa aconteceria após as observações, logo, não prevíamos que haveria a troca de professoras.

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- O que considera importante no momento de planejamento

das atividades para as crianças?

- Para que as crianças vêm a escola?

- Para que as crianças precisam aprender a escrever na escola

e na vida delas?

- Para você, como se dá a aquisição da escrita nas crianças?

- Como você encaminha esse aprendizado e como são

pensadas as atividades quanto aos eixos de leitura e escrita.

A entrevista com a coordenadora pedagógica nos auxiliou na caracterização e

funcionamento da instituição, bem como, procuramos saber aspectos em relação à

formação continuada e o planejamento pedagógico, se neste são pensadas

atividades de leitura e escrita, quais os materiais destinados a isso.

As entrevistas foram registradas em gravador e transcritas posteriormente.

Após o registro dessas informações, buscamos interpretá-las junto às observações

feitas em diário de campo a fim compreender como a escrita tem sido oferecida e

experienciada pelas crianças da Educação Infantil.

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3 CRIANÇAS, INFÂNCIAS, EDUCAÇÃO INFANTIL E LINGUAGEM ESCRITA

A infância compreendida enquanto categoria sóciohistórica esteve

relacionada ao longo dos anos às concepções de criança e ao papel desta, variando

a cada época. Construída no contexto da modernidade, com o surgimento de uma

sociedade capitalista, configura-se como construção histórica, social e cultural

sujeita a mudanças sempre que grandes transformações culturais ocorriam na

sociedade, mantendo-se em constante construção.

Nessa perspectiva, não podemos vislumbrar a infância como igual para todas

as crianças, mas infâncias enquanto múltiplos modos de ser criança, sendo cada

uma única no mundo, com suas particularidades, especificidades, características e

condições de vida. Corroboramos com Franco (2002, p.30) ao apontar que é

inapropriado supor que sejam homogêneas, haja vista que os processos históricos

são marcados em suas diferentes populações com maneiras desiguais de

socialização, o que as tornam particulares.

De igual maneira, assumindo essa perspectiva, foi necessário repensar as

compreensões de infância e crianças. Estas são compreendidas como pessoas

singulares, únicas, ainda que sejam múltiplas, são sujeitos sóciohistóricos e cidadãs

de direitos, pessoas reais, capazes de aprender, produzir cultura. Apesar de serem

vulneráveis e dependentes de seu meio social para aprenderem e se

desenvolverem, são capazes desde cedo de participar das práticas da cultura a

partir de suas vivências e das experiências que lhes são propiciadas, atribuindo a

elas sentidos e significados próprios de se relacionar e interagir com o mundo.

Portanto, respaldadas na concepção de Kramer (2007, p. 15), entendemos que:

[...] Crianças são sujeitos sociais e históricos, marcadas, portanto, pelas contradições das sociedades em que estão inseridas. A criança não se resume a ser alguém que não é, mas que se tornará (adulto, no dia em que deixar de ser criança). [...] Crianças são cidadãs, pessoas detentoras de direitos, que produzem cultura e são nela produzidas. (KRAMER, 2007, p. 15).

Conforme Lopes e Momo (2012, p. 19), percebemos que apesar de serem e

viverem de modos diferentes umas das outras, existem especificidades infantis que

precisam ser conhecidas e respeitadas. Dentre elas estão a sua dependência em

relação ao adulto mais experiente, sua capacidade de aprender e se desenvolver

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quando lhe são dadas condições para isso, produzir cultura, ser e agir de modo

integral, em sua globalidade, bem como sua forma de se relacionar com mundo por

meio da brincadeira, imaginação e da fantasia.

Logo, as práticas pedagógicas que realizamos são marcadas pelas

concepções que vamos elaborando nos contextos onde vivemos e nos formamos

professores. Isso significa que os modos de entender a criança, a infância e sua

educação implicarão, ainda que não diretamente, em práticas e atitudes, embora

essas relações não sejam lineares e envolvam, por vezes, contradições entre o que

pensamos, sentimos e dizemos e o que efetivamente realizamos. Dessa forma, é

preciso que estejamos continuamente refletindo sobre nossas ações pedagógicas,

de modo a perceber suas contradições, seus desencontros e encontros com as

finalidades e fundamentos, de modo que respeitem e favoreçam o desenvolvimento

das muitas potencialidades infantis e possam converter-se em situações/condições

da constituição das crianças como sujeitos/pessoas singulares, ou seja, que as

práticas propiciem condições de aprendizagens positivas para as crianças, o que se

configura como, ao mesmo tempo, educação e cuidado.

3.1. A Educação Infantil como lugar de aprendizagem

Até meados do séc. XV a educação e o cuidado com a criança pequena

ficavam a cargo de seus familiares ou do grupo social ao qual estava inserida, não

havendo uma instituição responsável por partilhar essa responsabilidade com seus

pais. Isso nos leva a refletir acerca do percurso histórico até que se pensasse em

uma instituição educativa tal como se configura a Educação Infantil, tendo em vista

ser esta uma conquista recente (BUJES, 2001, p.13). Vista como “adulto em

miniatura”, um “vir a ser”, ainda com pouca idade, a criança auxiliava na realização

de atividades cotidianas junto aos adultos mais experientes, aprendendo

conhecimentos necessários à sua sobrevivência e às exigências futuras.

As preocupações em torno da criança e da infância surgem em uma

conjuntura de mudanças de ordem política, econômica e social do seu tempo. Na

Europa, marcada pelos avanços científicos e pela criação da prensa tipográfica, que

permitiu adentrar no mundo da leitura e escrita, por volta dos séculos XVI e XVII, as

mudanças refletiram no nascimento da escola, com a criação de espaços destinados

a educar as crianças, e a reformulação do pensamento pedagógico moderno,

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tornando possível, posteriormente, o surgimento das instituições de Educação

Infantil (BUJES, 2001, p.14).

Isso significa que à época, em decorrência das novas exigências da Era

Moderna, essa conquista só foi possível devido aos novos modos de se conceber a

criança, pensar sua educação, e em especial, entender a infância como uma fase

importante da vida. Distanciadas das atividades dos e junto aos adultos, as crianças

passam a frequentar a escola “[...] porque passou a ser essencial na sua cultura que

elas aprendessem a ler e escrever, e a ser o tipo de pessoa que uma cultura letrada

exigia” (POSTMAN, 2012, p.51).

A Igreja assumiu um papel importante no processo de alfabetização durante o

período de transição da Idade Média para a Idade Moderna, em que, diante das

disputas entre católicos e protestantes, ambos buscavam garantir que seus fiéis

aprendessem a ler e escrever.

Em instituições de caráter filantrópico, as atividades desenvolvidas com as

crianças pobres de 2 (dois) ou 3 (três) anos eram voltadas para a memorização de

rezas e passagens bíblicas, além de exercícios de pré-escrita e pré-leitura.

Destaque-se, contudo, que “em outras escolas, leitura e escrita eram ensinadas a

partir dos 6 anos, embora ainda dentro de um objetivo de ensino religioso”.

(OLIVEIRA, 2011, p. 60-61).

Assim, a educação pré-escolar foi sendo moldada após o nascimento da

escola, sendo ofertada, na maioria das vezes, aos oriundos das classes favorecidas.

Em uma sociedade marcada por novas configurações e exigências educacionais

advindas da Revolução Industrial, a pré-escola surge para suprir as necessidades da

época. Um dos principais fatores de mudança foi a inserção da mulher no mercado

de trabalho, ou seja, seu novo papel na sociedade e, consequentemente, a nova

configuração familiar que se formava. Nesse contexto, a criança passou a ser o

centro de interesse de teóricos que buscaram, a partir de suas concepções e ideias

de como deve se constituir a infância, elaborar propostas de educação para os

pequenos, bem como discutir sobre a escolarização obrigatória, os cuidados com a

criança e sua preparação para a vida adulta em sociedade.

No Brasil, o atendimento às crianças pequenas nessas instituições se

intensifica em meados do século XIX, com a chegada dos jardins de infância e,

posteriormente, das creches e escolas maternais. Assim como na Europa, foi longo

o percurso e as discussões em torno de se levar a educação para o campo de

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debates e conquistas das políticas nacionais. Na segunda metade do século XX,

com a sanção da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 4024/61),

alcança-se a inclusão dos jardins de infância no sistema de ensino. Nos termos de

seu Art. 23 “a educação pré-primária destina-se aos menores de até 7 anos, e será

ministrada em escolas maternais e jardins de infância”.

O atendimento às crianças de 0 (zero) a 6 (seis) anos nessas instituições

assumia ora um caráter assistencialista, influenciado pelas ideias de médicos

higienistas e dos psicólogos, ora compensatório, e, ainda, em algumas ações

desenvolvidas um caráter educacional. Diante dessa circunstância ampliavam-se os

movimentos sociais pela expansão e qualificação do atendimento, à medida que

crescia a inserção feminina no mercado de trabalho, direcionando discussões em

torno da necessidade da educação da criança (PNE, 2006, p. 6-7). Assim, diante

desse quadro, a Constituição Federal de 1988 em seu Art. 208, inciso IV, reconhece

a educação em creches e pré-escolas como direito da criança e dever do Estado a

ser cumprido nos sistemas de ensino10.

Posterior a essa conquista, muitas outras foram sendo alcançadas, dentre as

principais estão: a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente (1990) que

reafirma os direitos da criança, bem como cria mecanismos de participação e de

controle social na formulação e na implementação de políticas públicas para a

infância (PNE, 2006, p. 9); a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

(LDB, Lei 9394/96) que define a Educação Infantil como primeira etapa da educação

básica, tendo por finalidade cuidar-educar, enquanto aspectos indissociáveis, bem

como promover “o desenvolvimento integral da criança até 5 anos de idade, em seus

aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família

e da comunidade”.

A fim de atender a essas especificidades a Educação Infantil tem sido

reconhecida legalmente com função pedagógica de educar-cuidar e promover o

desenvolvimento integral das crianças mediante interações sociais e

compartilhamento das práticas de cultura: conhecimentos do mundo natural e social,

múltiplas linguagens e brincadeiras; adquirindo, assim, seus fins próprios que visam

respeitar às características das crianças reais (BRASIL, 2010).

10

Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: [...] IV - educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade; [...]

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Com as novas concepções e atenção a criança, seu desenvolvimento e

educação, bem como as discussões em torno da linguagem, possibilitaram novos

debates em torno do que deve ser trabalho na Educação Infantil; esse lugar diz

respeito a que? A um ambiente apenas recreativo, mais direcionado ao cuidar, ou

um lugar onde podem ser propiciadas diversas aprendizagens? Para responder a

essas questões foram elaboradas propostas pedagógicas e documentos oficiais que

direcionassem o trabalho pedagógico a ser desenvolvido nessa etapa educativa.

O Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil, documento não

oficial, com propostas educativas que podem ser desenvolvidas nessa etapa

educacional, ressalta a importância do trabalho pedagógico com as linguagens,

principalmente a oral e escrita, sendo elementos primordiais na ampliação das

possibilidades e inserção das crianças nas práticas da cultura, importante em sua

formação enquanto sujeito e na interação com os outros, constituindo-se um dos

eixos básicos da Educação Infantil. Assim, “aprender uma língua não é somente

aprender as palavras, mas também os seus significados culturais, e, com eles, os

modos pelos quais as pessoas do seu meio sociocultural entendem, interpretam e

representam a realidade” (RCNEI, 1998, v. 3, p.116).

Em 1999 foram instituídas as Diretrizes Curriculares Nacionais para a

Educação Infantil. Revisadas dez anos após, ratificam a proposta pedagógica nas

instituições de Educação Infantil de promover o desenvolvimento integral das

crianças, mediante a garantia de acesso e compartilhamento tanto dos

conhecimentos do senso comum, quanto os sistematizados, e aprendizagens que

lhes ajudem a compreender a realidade física e social do meio em que estão

inseridas, dentre elas as múltiplas linguagens e brincadeiras. Logo:

A proposta pedagógica das instituições de Educação Infantil deve ter como objetivo garantir à criança acesso a processos de apropriação, renovação e articulação de conhecimentos e aprendizagens de diferentes linguagens, assim como o direito à proteção, à saúde, à liberdade, à confiança, ao respeito, à dignidade, à brincadeira, à

convivência e à interação com outras crianças. (DCNEI, 2010, p. 18).

Diante dessa trajetória vemos que ao longo do processo de desenvolvimento

das concepções em torno da criança e da infância, foi possível incluí-la no mundo

letrado como sujeito de direitos, capaz de aprender, ainda com suas especificidades.

A criação da escola, das instituições, das políticas e propostas que visam assegurar

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a garantia de serviços de qualidade para a criança pequena configuram e afirmam a

Educação Infantil enquanto espaço/lugar de aprendizagens, de práticas pedagógicas

que respeitem a criança integral, real, em sua totalidade; bem como valorizem os

saberes produzidos historicamente e os saberes advindos do campo das

experiências dos sujeitos, integrando ações sob os eixos norteadores das interações

e brincadeiras, valorizando o que é característica da criança, a imaginação, a

criação e a fantasia.

3.2 O lugar da linguagem escrita na Educação Infantil

As discussões acerca do trabalho pedagógico com a leitura e a escrita na

Educação Infantil ganharam a atenção de educadores e estudiosos da área,

especialmente ao final da década de 1970 com a divulgação dos estudos de Emília

Ferreiro e Ana Teberosky. Ao apresentarem novos meios de se conceber o processo

de alfabetização e a Educação Infantil, alertavam a necessidade de uma redefinição

dos objetivos da pré-escola com respeito ao trabalho com a leitura e escrita,

concebendo que o processo de aquisição se inicia antes da inserção da criança no

ambiente escolar.

Na década de 1980, no contexto histórico pós-regime militar, a preocupação

em torno da alfabetização ganha força. Foi implantado o Ciclo Básico na rede de

ensino de São Paulo em 1984, que se caracterizava por ser um projeto político que

propunha alterar as relações excludentes do ensino fundamental, marcado pela

reprovação escolar. Assim, o pilar de sustentação da proposta centrava-se em

alfabetizar e oferecer uma educação básica de qualidade.

As discussões provenientes do material “Isto se aprende com o Ciclo Básico”,

apontavam, já nessa época, a urgência de uma reflexão acerca do papel da

educação pré-escolar, denunciando práticas que ora, consideravam que essa etapa

seria compensatória para as posteriores, “preparando a criança para a

alfabetização”, identificando os pré-requisitos básicos para tal processo, bem como a

realização de testes de prontidão que avaliavam as condições das crianças em

iniciar ou não o processo de alfabetização, negando-lhes ou não o contato com a

língua escrita, ora em defesa da necessidade das crianças experienciarem a leitura

e a escrita em seu dia a dia, em contato com esses objetos valorizados

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culturalmente, sem que lhes sejam negadas e/ou roubadas essas oportunidades de

contato com a escrita (DURAN, 1987, p. 9).

Rego, em seu artigo “A prontidão para a alfabetização no contexto das

pesquisas atuais” atenta para a importância do contato da criança com a leitura e a

escrita, para que esta possa ir desenvolvendo noções básicas da escrita/sistema

alfabético, haja vista que “se aprender a ler e escrever não era uma simples questão

de inteligência, deveriam existir outras aptidões importantes, sem as quais uma

criança não poderia fazer progresso na aprendizagem da leitura e da escrita”

(REGO, 1987, p. 11).

Em contrapartida à realidade de muitas escolas da época, o relato de

experiência da professora de pré-escolar Madalena Freire, no fim da década de 70 e

início dos anos 80, revelava práticas significativas com a escrita em turma do “pré”,

na Escola da Vila em São Paulo, onde “o processo de alfabetização – leitura do

mundo e da palavra, que sempre caminharam juntos desde o início do ano [...] fluiu,

foi „gestada‟ na vida, no todo, das experiências de cada um, no entendimento do

mundo, na leitura do mundo” (FREIRE, 1983, p. 120). O que nos mostra que, tal

como afirma Marília Duran, “não são as crianças que estão despreparadas para a

escola” (DURAN, 1987, p. 9), mas a escola que não tem estado a serviço das

necessidades das crianças, não tem lhes dado oportunidades de “viver e ler o

mundo e as palavras”.

Historicamente a leitura e a escrita na Educação Infantil traçaram percursos

significativos para que se combatesse o fracasso da alfabetização. No início da

segunda metade do século XX, era predominante o discurso de prontidão para a

alfabetização, com a realização de exercícios mecânicos e exaustivos de

treinamento motor, pois não se acreditava que a criança muito pequena estaria

madura, preparada para a alfabetização, assim como não seria de seu interesse

aprender. Posteriormente, as contribuições já referidas de Ferreiro e Teberosky

sobre a temática influenciaram as políticas públicas, orientando para a necessidade

de novas práticas pedagógicas com a leitura e escrita, bem como a qualificação no

atendimento as crianças pré-escolares.

A partir desses discursos, Brandão e Leal (2010, p. 16) afirmam ter havido

maior abertura para novos modos de trabalho pedagógico com a linguagem escrita

na Educação Infantil e, dentre eles, destacam três caminhos. O primeiro diz respeito

ao que elas chamam de “a obrigação da alfabetização”, ou seja, aqueles que

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adotam esse modo de pensar, entendem que as crianças precisam concluir a

Educação Infantil dominando algumas associações grafofônicas. Para isso, são

realizados exercícios exaustivos com letras, reconhecendo, inicialmente, as vogais,

depois as consoantes e famílias silábicas. Essa ideia concebe a escrita como um

código a ser aprendido e transcrito, priorizando a memorização, o desenvolvimento

de habilidades motoras e perceptuais.

O segundo é chamado “O letramento sem letras!”. Este caracteriza por

defender o não trabalho com a linguagem escrita nessa etapa educacional,

justificando seu posicionamento pela necessidade de se priorizar outros tipos de

linguagem, concebendo a escrita como conteúdo escolar proibido de ser vivenciado

com as crianças pequenas, pois tomaria o lugar de outras atividades mais

importantes nessa faixa etária, desrespeitando a infância.

Autores como Faria (2012) e Silva (2013) adotam a concepção de que a

Educação Infantil assumiria uma etapa preparatória e/ou antecipatória para a

seguinte, o Ensino Fundamental. Faria justifica seu posicionamento apontando

pesquisas que constatam a antecipação da escola obrigatória, como antecipadora

não apenas de conteúdo, mas de exclusão social. Além disso, denuncia que é

preciso entender melhor o que é alfabetização e letramento, tendo em vista que “não

basta antecipar o que é feito na primeira série para garantir o direito e o prazer de ler

e de escrever mais tarde” (FARIA, 2012, p. 99). Assim, conclui que a ideia é de a

Educação Infantil não ser ensino, já que não se configura como ensino infantil, logo

a criança é capaz de se expressar sem usar a palavra e a escrita, e nós é que temos

que nos alfabetizar nessas linguagens sem letra e sem escrita (FARIA, 2012, p.

110).

Para Silva (2013, p. 7), o trabalho de sistematização com a leitura e a escrita

por vezes acaba por antecipar os processos de alfabetização. Ao pontuar sua crítica

à antecipação dos processos de alfabetização na Educação Infantil, afirma não estar

negando o direito das crianças à cultura escrita, mas que tal antecipação induz a

uma visão “adultocêntrica” de que é preciso inserir e preparar as crianças cada vez

mais cedo no universo adulto.

Por último, e em comum concepção com a assumida por nós, está a defesa

da necessidade de tratar a escrita como linguagem a ser vivida ainda na Educação

Infantil. Ao contrário das concepções anteriores e dos posicionamentos dos autores

supracitados, entendemos que a escrita precisa se fazer presente nesse espaço

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sem que haja o propósito de alfabetização e realização de atividades que tratem a

escrita como sistema rígido, um código a ser ensinado de forma mecânica,

desprovido de significação. Logo, por estarem inseridas em um mundo letrado, não

há porque negar às crianças o contato com algo que coexiste em seu meio social,

mas inseri-las nas práticas da cultura, tornando o ensino-aprendizagem da escrita

como algo natural e que por vez desperta a curiosidade e interesse delas.

À medida que fomos nos inteirando das discussões em relação a essa

temática que envolve a criança da Educação Infantil e a linguagem escrita, notamos

que essa questão não pode ser considerada resolvida. Pelo contrário, é uma

questão que há muito tempo tem feito parte de discussões, debates e embates entre

grupos que defendem posicionamentos diferentes no que se refere ao lugar da

escrita na Educação Infantil.

Ao apresentar tais posicionamentos, Baptista (2009, p. 13) aponta que ao se

mostrarem antagônicos, os argumentos tornam-se ao mesmo tempo hegemônicos.

Ao argumentarem, de um lado, que o trabalho com a linguagem escrita na Educação

Infantil pode tornar-se fator de antecipação do modelo escolar do ensino

fundamental, roubando das crianças a possibilidade de terem outras vivências

infantis nesse espaço; e, por outro, que esse trabalho é visto como algo positivo,

compensatório, pois as crianças obtiveriam melhores resultados nas etapas

posteriores; promovem visões que reduzem a criança a “um papel secundário,

submetido às concepções e avaliações do adulto” (BAPTISTA, 2009, p.13). Ou seja,

não se preocupam em como as crianças, enquanto sujeitos ativos no processo de

aprendizagem, interagem, se relacionam com as práticas da cultura, como significam

a escrita, e como esta se faz e pode se fazer presente em suas vidas quando ainda

pequenas.

Nos últimos anos, essa discussão tornou-se ainda mais evidente/acirrada

após ser sancionada a Lei 11.274, de 6 de fevereiro de 2006, que instituiu o Ensino

Fundamental de nove anos, redefinindo a faixa etária da Educação Infantil ao

antecipar a escolarização obrigatória com a entrada das crianças de 6 (seis) anos no

ensino fundamental. Então, se até aquele momento as crianças de seis anos a sete

anos incompletos faziam parte do público dessa etapa, passam agora a compor o

ensino fundamental, fazendo parte de uma turma de primeiro ano do ciclo de

alfabetização. Isso significa que a partir de então as discussões ganham força e voz,

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haja vista o contexto atual em que as crianças são ainda mais novas, concluindo a

primeira etapa da educação básica com cinco ou seis anos incompletos.

Segundo Cruz (2010, p. 9), as crianças são sujeitos que precisam de

múltiplas linguagens que auxiliem no seu desenvolvimento. Dessa forma, “a língua

escrita será uma linguagem a mais de que ela vai poder se apropriar” (Aquino, 2008,

p. 8). O trabalho pedagógico com a escrita para as crianças de 4 (quatro) ou 5

(cinco) anos vai oferecer a elas oportunidades de adentrarem em um universo que

não lhe é totalmente estranho, permitindo-lhes terem uma visão mais ampla da

linguagem ao participarem das práticas da cultura, sem que com isso, haja finalidade

de alfabetizá-las.

Em publicação coordenada por Sonia Kramer em 1997, “Com a pré-escola

nas mãos: uma alternativa curricular para a educação infantil”, é proposto a

organização dos conteúdos por áreas fundamentais do conhecimento, a fim de que

estes sejam trabalhados de modo significativo para as crianças. No referente ao

conhecimento linguístico, em específico, o tópico grafismo e linguagem escrita,

propõem-se as seguintes atividades:

- Desenho de pessoas, objetos, cenas e situações; - Produção livre de desenho e escrita; - Diferenciação entre desenho e escrita; - Produção de livros, histórias, álbuns, jornais, murais, convites, cartas, receitas; - Reconhecimento e escrita do nome (próprio e dos colegas) e de algumas palavras contextualizadas (iniciação da alfabetização). (KRAMER, 1997, p. 64).

Essa proposta de currículo para a Educação Infantil baseia-se no contexto

sociocultural em que as crianças se desenvolvem, vivem e constroem

conhecimentos. Estes, por sua vez, precisam ser ensinados de maneira significativa,

em situações e funções sociais reais, com finalidades e objetivos claros; a exemplo

disto destacamos a inserção da criança no mundo da escrita (KRAMER, 1997, p.

63).

Tal etapa educacional torna-se, dessa forma, espaço legítimo de inserção da

linguagem escrita, como prática cultural, desde que suas ações educativas

respeitem as especificidades das crianças, tomando como eixos norteadores as

interações e brincadeiras, conforme aponta as Diretrizes Curriculares Nacionais para

a Educação Infantil (BRASIL, 2010, p. 25). Desse modo, a linguagem escrita só

ganhará sentido na escola e na vida das crianças se propiciada assumindo esses

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eixos nas situações de aprendizagem, ou seja, se for vivenciada como linguagem,

como interação com os outros; bem como na forma de atividade que envolve a

brincadeira, a imaginação, a fantasia.

3.3 A Educação Infantil como lugar da escrita

Nas sociedades letradas a escrita ocupa lugar de centralidade na vida dos

indivíduos, mediando interações e vivências culturais valorizadas socialmente,

assumindo usos e funções diversas. Todavia, sua prática torna-se inacessível para

os sujeitos que não dominam a leitura e a escrita ou, pelo menos, não lhes é

possível de modo autônomo, o que promove exclusão social. Assim, aprender a ler e

escrever consiste em uma necessidade e é reconhecido como um direito humano.

Mas, em decorrência das características de nossa escrita – sua função social,

seus modos de circulação na sociedade, seu funcionamento como sistema de

representação, as capacidades requeridas ao desenvolvimento de práticas de

produção e compreensão de textos escritos – seu aprendizado, resultante das

interações entre os sujeitos e o conhecimento a ser aprendido, consiste em um

processo complexo que implica interações dos aprendizes com tais práticas e

mediações sistemáticas e intencionais para que possam se apropriar dessas

características, ou seja, sua função e funcionamento – o que, como e para quê

escrever.

Sendo uma prática cultural presente na sociedade de modo intenso e

prestigiado, as interações com a escrita acontecem diariamente, pois ela se faz

presente em todos os espaços sociais, de diversos modos e em ações diversas.

Mas, os sujeitos não a vivenciam do mesmo modo. Em uma sociedade marcada

pelas desigualdades de condições de vida como a nossa, as pessoas têm condições

diferenciadas de interação com a escrita, o que acontece desde cedo, ainda na

infância.

Ao contrário da concepção de escrita enquanto tarefa/objeto exclusivamente

escolar, assumimo-la como linguagem, modos de dizer, pensar; enquanto atividade

cultural complexa, com função e funcionalidade social, cuja apropriação vai além de

treinos mecânicos e habilidades motoras desvinculadas de significado (VYGOTSKY,

2007). Ainda pequenas, as crianças estão inseridas em um universo letrado, e por

isso são chamadas, naturalmente, a interpretar os signos escritos que as rodeiam

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(SMOLKA, 2012, p. 23), identificando-os, nomeando-os, atribuindo a eles um

significado. O que nos permite afirmar que a escrita preexiste entre as crianças, não

sendo algo desconhecido, mas, sim, um conhecimento que precede às práticas

escolares (FERREIRO, 1987, p. 102).

No início do século XX, Vygotsky (2007, p.143) já apontava a possibilidade

das crianças com idade inferior a seis anos serem capazes de descobrir a função

simbólica da escrita, ou seja, serem ensinadas a ler e escrever na Educação Infantil.

Todavia, salientava que a escrita precisava fazer sentido para elas, sendo relevante

à vida, ensinada não como uma habilidade motora restrita a mãos e dedos, mas

enquanto atividade cultural complexa. Para isso, as atividades precisam ser

organizadas a partir de intencionalidades e finalidades, onde as crianças façam uso

dessa linguagem em situações reais, em escritas vivas, contextualizadas, a fim de

respeitar as especificidades das crianças enquanto sujeitos capazes de aprender e

da escrita como linguagem.

Vygotsky (2007, p. 126) ao criticar os métodos que desconsideram a escrita

como prática cultural, bem como seu ensino restrito ao treino exaustivo de letras e

palavras, sendo a escrita imposta de fora para dentro, pelos professores, afirma a

necessidade de direcionar as práticas de escrita a partir dos interesses infantis,

estando aliada a outras linguagens, como o desenho e a brincadeira (VYGOTSKY,

2007, p. 145). É por meio de experiências significativas com a escrita que elas

podem, na Educação Infantil, mesmo sem finalidade formal de alfabetização e

prejuízo de experiências com outras linguagens, construir sentidos básicos acerca

do que é, para que serve e como a escrita funciona, tal como ela existe na

sociedade, com função social. Em conformidade com Smolka (2012), entendemos

que:

[...] a escrita não é apenas um “objeto de conhecimento” na escola. Como forma de linguagem, ela é constitutiva do conhecimento na interação. Não se trata, então, apenas de “ensinar” (no sentido de transmitir) a escrita, mas de usar, fazer funcionar a escrita como interação e interlocução na sala de aula, experienciando a linguagem nas suas várias possibilidades. No movimento das interações sociais e nos momentos das interlocuções, a linguagem se cria, se transforma, se constrói, como conhecimento humano. (SMOLKA, 2012, p. 59-60).

São em situações reais de uso, sob mediação do professor e por meio de

interações significativas, lúdicas, que a escrita vai sendo incorporada como uma

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necessidade à vida das crianças, à medida que estas vão sendo inseridas nas

práticas da cultura. A escrita deixa de ser concebida como objeto unicamente

escolar, e passa a ser vivida como patrimônio cultural, suscitando nos pequenos o

desejo de ler e escrever, ainda que de forma mediada e não convencional. Através

dessas possibilidades de inserção nas práticas da cultura, será possível vivenciar e

perceber as funções e usos da escrita como linguagem.

A isto se deve a necessidade de propiciar e assegurar, desde cedo às

crianças, a escrita como mais uma das múltiplas linguagens sob as quais elas

podem se relacionar com o mundo e significa-lo. É pelas linguagens que interagimos

com o meio sociocultural e com os outros, logo, o processo de aprendizagem da

escrita envolve interação entre a criança e a escrita, bem como “uma interação com

o outro através da escrita: para quem escrever e por que” (CARVALHO, 1999, p.

97). Assim, sua inserção e aquisição devem ser conduzidas admitindo a escrita

enquanto linguagem, onde as crianças precisam saber o que escrevem, porque e

para quem estão escrevendo, atribuindo aos escritos um motivo, uma finalidade.

Assumir um trabalho com a língua escrita que respeite as especificidades da

criança pequena implica em rupturas nos modos como essa linguagem tem sido

vivenciada e significada na Educação Infantil. Portanto, é fundamental promover

discussões acerca do lugar da escrita nessa primeira etapa educacional e na vida

das crianças (NEVES, CASTANHEIRA E GOUVÊA, 2015, p. 218), bem como que

experiências da cultura necessitam ser vivenciadas na Educação Infantil.

Em meio a tudo o que expomos buscamos analisar como a escrita tem sido

vivida na/pela escola e como tem sido concebida pelas crianças e professores.

Como a escrita tem sido vivenciada e tratada na/pela escola?

Que vivências são propiciadas às crianças com a linguagem escrita? Em que

atividades?

O que as crianças entendem por escrita e sua função social? E os

professores, o que entendem?

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4 A ESCRITA NA VIDA DAS CRIANÇAS DA EDUCAÇÃO INFANTIL

O lugar que a escrita tem ocupado na Educação Infantil está sendo indicado

de modos diversos, tanto nos espaços, quanto nos tempos e nas ações em que ela

aparece. Mas, como a escrita está presente nos ambientes escolares e como tem

sido explorada? Às vezes ela está nos espaços – nas paredes, mas ninguém a nota;

no tempo: em quanto tempo da rotina diária ou em que atividades a escrita é tratada

ou é objeto de atenção das crianças? E nas ações e relações: o que as crianças

fazem com a escrita na escola, ou o que a escrita faz com elas na escola; o que

fazem com a escrita, com que finalidades? As crianças tomam parte daquilo que

está aparecendo nas paredes, ou estão passivas, ficando na maior parte das vezes

alheias ao que está lá?

Ancoradas nas ideias de Vygotsky e Bakhtin entendemos que os modos como

à escrita se faz presente no cotidiano das instituições escolares fornecem indícios de

como essa linguagem tem sido vivida e significada na escola. Isso significa que,

durante todos os momentos das observações, os materiais que eram pouco ou

nunca explorados nos indicavam que aquilo que se encontrava exposto nas paredes

não tem uma finalidade real, ou seja, a escrita que está lá presente na escola nem

sempre é tratada como linguagem, com finalidade. Corroboramos com Bakhtin ao

afirmar que todos esses materiais e escritos são textos e por vez nos dizem “coisas”

sobre eles, e nós dizemos outras mais. Assim, buscamos interpretar esses “ditos”

que observamos, interpretando fragmentos da realidade que a compõe.

4.1. A escrita na vida da escola

A escola atribui à escrita o seu lugar nas paredes do parque, com alguns

nomes de crianças pintados. Também nos corredores, onde há materiais escritos,

mas todos dirigidos aos adultos – texto de Paulo Freire, cartazes, panfletos de

evento, como algumas atividades feitas pelas crianças. Ainda, no pátio, onde há um

grande cartaz no alto de uma das paredes, em que está escrito “Escola em

Movimento: cultivando a vida”, inacessível e não explorado pelas crianças. Abaixo

dele há atividades das crianças expostas próximo à sala de atividades da turma do

nível IV. As salas e demais ambientes da instituição são identificados por algarismos

romanos ou de acordo com função/funcionalidade, por exemplo, Nível II, Nível III,

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Nível IV, Copa, Banheiro, “Escovódromo” (para escovação dentária após as

refeições) dentre outros.

Na sala de atividades do nível IV – turma observada – há uma prateleira com

livros, de fácil acesso às crianças, e atividades fixadas nas paredes, materiais

escritos na parede principal da sala – como letras formando o alfabeto fixado na

parte superior do quadro branco; no espaço inferior, à altura das crianças, há um

cartaz com dois alfabetos, um em letra de forma, e outro em cursiva; um cartaz com

os nomes dos “ajudantes de cada dia da semana” e, abaixo do quadro, um

calendário a ser preenchido.

Contudo, a escrita nesses lugares não é vivida enquanto linguagem. São

escritas “mortas”, impostas de fora pelos adultos para eles mesmos e não para as

crianças, vez que estas não exploram a escrita presente nesses meios, logo não são

capazes de lhe atribuir sentido ou funcionalidade, ainda que consigam identificar que

há “letras” nos materiais escritos. A exemplo disto, destacamos abaixo um trecho

retirado do diário de campo:

“A professora chega (atrasada) na sala, justifica seu atraso aos pais que a

esperavam, junto com as crianças, se desculpando. Dirige-se ao armário no canto

da sala e, enquanto guarda seus pertences diz: „Cadê meus “ajudantes”? As

crianças mostram-se alheias à sua pergunta. Uma delas diz: “eu sou o ajudante

hoje?”. A professora dirige-se ao cartaz que está fixado na parede onde está escrito

quem são os “ajudantes” de cada dia da semana. Ela olha quem são e volta-se para

as crianças dizendo-lhes quem são os “ajudantes” daquele dia.”

(Experiência vivida com a primeira professora da turma. Notas de campo –

18/03/2015).

O evento registrado nos fornece indícios de que o cartaz, embora presente,

não é muito utilizado para sua função, ou seja, as crianças não parecem

familiarizadas com o que está escrito e sua finalidade, embora os escritos em

questão sejam os seus próprios nomes e de seus colegas, escritas facilmente

identificáveis e memorizáveis pelas crianças. A exploração desse material poderia,

quando em situação mediada e marcada por intencionalidades, contribuir para uma

série de aprendizagens das crianças como: aprendizagens relativas a função social

da escrita – de registro, de fixação, de informação, bem como as propriedades da

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escrita, a representação dos sons das palavras (relação letra-som nos nomes das

crianças); as diferenças (quantitativas e qualitativas) entre as letras que compõem

as palavras etc. A não exploração sistemática desse material escrito ficou

evidenciada quando as crianças não manifestaram reação à pergunta da professora,

demonstrando não saberem bem do que trata o cartaz, dando-lhe uma função de

“adorno” e não de prática de escrita.

Ao mesmo tempo, observamos que a presença desses escritos na sala de

atividades também nos revela que a escrita é significada pelas professoras11 como

necessária nesse ambiente, mas como objeto-tarefa escolar, ou seja, relativo a um

conhecimento puramente escolar, o que é observado na presença do alfabeto na

parede, em quadros de atividades rotineiras, estante com livros de literatura na sala.

O que está de acordo com a significação dada pela própria escola ao atribuir à

escrita, nos ambientes da instituição, sua função enquanto objeto-tarefa escolar,

sendo escritas destinadas para os adultos ou servindo de adorno.

A partir das observações, passamos a nos questionar em relação a para

quem e para quê são esses escritos, haja vista que não está havendo uma “inter-

ação” com a escrita presente nesses espaços, o que não lhe atribui função social.

Tal entendimento se justifica pela falta de exploração dos materiais expostos como:

o alfabeto afixado sendo um ornamento, em local/altura inacessível às crianças, não

explorado pela professora em nenhum dos dias observados, bem como os quadros

de atividades utilizados de forma mecânica e estereotipada, sem exploração de suas

finalidades e de seus componentes escritos.

De modo especial, chamou nossa atenção a relação da professora e das

crianças com os livros presentes diariamente na prateleira da sala (cantinho da

leitura) servindo como adorno. Ao longo dos dezessete (17) dias de nossa presença

em sala, registramos apenas cinco (5) dias em que as professoras (uma ou outra – a

anterior e a que lhe substituiu) fizeram leituras de histórias para as crianças. Os

livros, embora presentes, parecem ausentes da sala e do grupo, por falta de trabalho

das professoras, em contramão das proposições que apontam a necessidade de

mediação dos professores para que haja interação verdadeira das crianças com os

objetos da cultura – suportes de texto e com as práticas de leitura e escrita

(VYGOTSKY, 2007).

11

O termo encontra-se no plural devido a turma ter tido duas professoras durante o período da pesquisa e ambas manterem a prática de manter os materiais escritos expostos nas paredes da sala.

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Em entrevista com a coordenadora pedagógica da instituição no turno

matutino, ela afirmou que são planejadas atividades de leitura e escrita todos os dias

na escola, embora esse dado não tenha sido constatado durante o período em que

estivemos presentes na instituição. Embora afirme haver práticas de leitura e escrita

cotidianamente, quando questionada sobre qual a área ou conteúdo de maior

necessidade de estudo na escola, ela aponta, após citar o movimento, ser a

linguagem escrita. Tal afirmação revela a importância de ampliar o campo de

debates e estudos para as escolas, em especial, às públicas, de modo que as

discussões e formações adentrem nelas, promovendo momentos de formação

contínua e renovação das práticas vividas na escola no que é referente ao trabalho

com a linguagem escrita.

Ao retomarmos o registro do diário de campo, notamos que a escrita perde

sua função enquanto linguagem, pois as crianças não interagiram com a escrita em

uso. Nesses momentos, propícios à mediação do professor, a intervenção de

qualidade não aconteceu, as crianças não foram encorajadas a pensar a/sobre

escrita, não receberam pistas que as desafiassem a descobrir quem era o ajudante

daquele dia; a professora apenas olhou o cartaz e disse os nomes de quem iria

ajuda-la.

Corroboramos com as ideias de Carvalho (1999, p. 98) ao admitir que

somente o contato – ou a possibilidade de – com os materiais escritos não é

suficiente, é preciso haver mediações de outros mais experientes para que sejam

promovidas experiências significativas de interação a fim de que esses materiais

possam ser explorados, lidos em contextos reais de significação. Assim, a depender

das mediações, as crianças se apropriam mais ou menos do objeto de

conhecimento, por isso o aprendizado da escrita implica em mediações, interações

intencionais e sistemáticas nas situações diárias.

Durante a rotina diária das crianças da turma observada, a escrita era tratada

como foco do trabalho pedagógico nos momentos destinados à realização das

atividades do dia. Estas se restringiam à escrita dos nomes das crianças e de algo

que havia sido conversando no momento da roda; anteriormente ao registro era feito

um desenho sobre o “tema do dia”, como mostram as imagens abaixo:

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Imagem I e II – exemplos das Atividades desenvolvidas pelas crianças.

Fonte: imagens feitas pela autora.

Entendemos que essas atividades envolviam alguns aspectos positivos e

atuais, no que concerne à concepção da escrita como linguagem e ao seu

aprendizado como processo de experimentação, pelo aprendiz, de escrever mesmo

sem saber fazê-lo de forma convencional e de, nessas experimentações, ir

adentrando na compreensão das propriedades da escrita e de sua relação com os

sons das palavras, tal como foi proposto por Ferreiro (1986). Isso é evidenciado na

escrita dos próprios nomes – palavra(s) carregada(s) de sentido, sendo possível

referência para outros escritos, por sua estabilidade, bem como o caráter

“espontâneo” da produção de pequenos textos sobre algo discutido no coletivo.

Entretanto, realizadas todos os dias, sem exploração em relação às suas

finalidades e aos elementos envolvidos – relações letra-som, por exemplo – essas

atividades, em vez de revelarem uma interação das crianças com a escrita e suas

características, revelam o modo como a escrita e seu aprendizado estão sendo

significados: como código e como processo mecânico. A essas escritas não se

atribuíam função real, ou seja, eram desprovidas de significado, motivo ou

intencionalidade, as crianças não compreendiam o porquê estavam escrevendo e,

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ao escrever, forneciam indícios de suas necessidades quanto a como escrever

“letras”.

A exemplo disso expomos um fragmento do registro do dia em que as

crianças realizaram uma encenação da letra da canção “O cravo e a rosa” para as

demais crianças e funcionários da instituição.

“No retorno à sala de atividades, a professora direciona as crianças para sentarem à

mesa, dizendo que fariam uma atividade: desenhar o que mais haviam gostado na

apresentação e, em seguida, numa linha abaixo do espaço para desenhar, seria

escrito “Eu gostei de...”. Após desenhar, uma das crianças se aproxima da

professora, que estava sentada em uma mesa e senta ao seu lado. A professora

então pergunta:

- Você gostou de quê?

- De desmaiar (criança).

- Então escreva: É-Ú, GÓS-TÉ- Í, GÓS, GÓS, TÉ-Í (professora)

O menino ficou olhando para a professora, colocou uma das mãos na testa,

abaixa a cabeça olhando para sua folha de atividade e diz em tom baixo:

- Eu não sei, tia.

- Escreva do jeito que você sabe.

- Eu não sei escrever letras.

- E seu nome não é de letras, não?

- É, mas eu não sei fazer, tia.

- Escreva do jeito que você sabe, a gente escreve do jeito que sabe, não tá

errado.

O menino olha para a professora, olha para a folha, com o lápis na mão,

“escreve” algo. Entrega a folha à professora em silêncio e se levanta da cadeira, se

distanciando de onde estava. A professora não faz comentário”.

(Experiência vivenciada pela primeira professora da turma. Notas de Campo –

20/03/2015).

O relato deste dia nos evidencia a ausência do que Vygotsky (2007)

denomina de o único bom ensino, como sendo aquele que se adianta ao

desenvolvimento, caracterizado pelo autor como o ensino que ajuda, que dá

desafios e pistas. Oliveira (2010, p.64), ao tratar das ideias de Vygotsky, nos revela

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que esse bom ensino acontece mediante procedimentos vistos como regulares na

escola, como: assistência, fornecimento de pistas, instruções e demonstração,

sendo fundamentais ao processo de mediação quando a criança não consegue

percorrer o caminho do aprendizado sem a ajuda do outro, que pode ser o professor

ou outras crianças. Nesse caso, a criança não foi considerada como aprendiz

(inter)ativo que precisa de mediações para avançar. De igual modo, a escrita

também não foi tratada como linguagem.

Realizar atividades de escrita sem que haja mediações significativas e

intencionais não é suficiente para que o aprendiz possa experimentá-la como uma

linguagem, outro modo de pensar e dizer, com funções e modos de funcionamento

próprios enquanto sistema de representação. Percebemos evidências, no dizer da

criança e em suas expressões que esta, ao dizer “eu não sei letras, eu não sei

fazer”, indica à professora, de modo explícito, que está pedindo sua ajuda para

realizar algo que não sabe fazer sozinha. Por outro lado, apenas soletrar as sílabas

das palavras, como a professora fez supondo que a criança soubesse como grafá-

las a partir dessa indicação ou ainda que escrevesse do jeito que você sabe”, não

parece ser suficiente, pois não provoca avanços nas concepções da criança

relativas à escrita, o que não a faz pensar nas funções e formas de funcionamento

dessa linguagem.

Nessa perspectiva, “o professor tem o papel explícito de interferir na zona de

desenvolvimento proximal dos alunos, provocando avanços que não ocorreriam

espontaneamente” (Oliveira, 2010, p. 64) e já que esse papel se caracteriza de

forma explícita, é preciso que o professor reconheça-o em situações práticas de

ensino-aprendizagem, admitindo e reconhecendo o nível de desenvolvimento real de

se alunos, a fim de, com isso, estabelecer objetivos adequados à realidade,

mediando a aprendizagem dos alunos para que avancem em suas hipóteses.

O evento exemplificado no fragmento anterior é vivenciado de modo

semelhante, também, pela professora que assumiu a turma próximo ao fim das

observações, como destacamos a seguir:

Em outro dia, as crianças foram solicitadas a desenhar em uma folha de papel

ofício o que gostavam de fazer e, após, registraram o que haviam desenhado. Uma

das crianças, no momento de mediação da escrita com a professora, teve uma

reação diferente das outras.

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“Professora: K. você gosta de que?

Criança K.: De brincar.

Professora: Brincar (a professora repete o que a criança fala). BRÍN, BRÍN, como

você acha que é?

Criança K.: um “i”?

Professora: Eu falei BÍ ou BRÍN? (a criança fica calada olhando para a professora) A

professora acrescenta: BRÍN, BRÍN (dando ênfase a sua entonação).

Criança K.: Um “i”?

Professora: É só isso?

Criança K.: É.

Professora: E “CÁR, CÁR”? (a criança escreve em sua folha).

A professora espera a criança terminar e diz: Agora olhe o outro jeito.

(referindo-se a escrita convencional; ela pega um lápis e escreve abaixo da escrita

da criança).

A criança se recusa a olhar, com expressão facial de que vai chorar, se vira,

ficando de costas para a professora; abraça o apoio das costas da cadeira, deitando

sua cabeça sob o encosto. A professora chama sua atenção até que a criança olhe

para ela.

A professora diz: K. olhe aqui como é, venha, olhe, “BRIN” a gente pronuncia bem

forte, “BRÍN, BRÍN”, óh, “b”, “r”, “i” e “n” (soletra as letras); brin-cár, “CÁR”, um “c”,

um “a” e um “r”. Tá vendo? Depois do “A” tem o “r”, que é esse som de cAR (ênfase).

A criança olha em silêncio aproximando o rosto da folha.” (Experiência vivenciada

pela segunda professora da turma. Notas de Campo – 22/05/2015).

Constamos, inicialmente, por meio dos relatos, que as mediações não se

fizeram suficientes, pois as docentes, em suas ações, desconsideraram a criança

como um ser capaz de aprender, que pensa, tem suas necessidades e interesses

relativos à linguagem escrita, e que por vez se apresentam de forma clara. Assim,

ao invés de levá-las a pensar a escrita, apresenta-las às letras, fornecerem pistas

sobre seu funcionamento, pedem para que elas escrevam “do jeito que sabe” ou

“como acha que é”. Mas, afinal, o que elas já sabem? O que conseguiram aprender

sobre a escrita, se não lhes são possibilitadas condições que as levem a

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compreender o que é escrita, para que se escreve e como ela funciona? A isso se

deve a necessidade de:

[...] devemos estar preparados para responder às crianças à altura de sua curiosidade – para não desperdiçarmos suas potencialidades, para não lhes negar o conhecimento a que têm direito, para não desanimá-las e confundí-las, nem empobrecê-las nas suas iniciativas de se relacionar com a complexidade do mundo (JUNQUEIRA FILHO, 2001, p. 141).

Corroboramos com Smolka (2012, p. 65) ao atentar que a aquisição da escrita

tem se reduzido a um processo individualista e solitário, em que se pensa em uma

autonomia ilusória, onde as crianças escrevem sozinhas, sem questionar ao

professor, ou seja, sem mediação dos outros. Isso pode ser exemplificado nos

discursos “como você acha que é” e “escreva do jeito que você sabe”, onde

observamos que as professoras esperam, inicialmente, que as crianças hajam com

autonomia, escrevendo o que sabem à sua maneira. Contudo, ainda que essa forma

livre de escrita seja algo importante no processo, ela não é satisfatória sem haver

mediação do adulto mais experiente ou de outra criança, considerando que essa

interação mediada se torna facilitadora para que a criança avance naquilo que

sozinha não é capaz, ainda, de realizar.

Posteriormente, é possível evidenciar, também, o quão esse processo é difícil

e, muitas vezes, doloroso para as crianças, exigindo delas esforços enormes para

compreender as regras da escrita e sua funcionalidade. Por isso, o meio precisa ser

desafiador e ao mesmo tempo facilitador, fazendo com que hajam mediações que

auxiliem as crianças a pensarem a escrita e avançarem em suas hipóteses, e não

frustrá-las ao não responderem suas dúvidas e incertezas.

Diante do exposto, reiteramos a relevância às interações com o outro e com a

escrita, a fim de que a criança compreenda o funcionamento da linguagem escrita, e

saiba não apenas como escrever e o que escrever, mas para quem ela escreve e a

função de sua escrita, conforme aponta Carvalho (1999, p.97).

Reconhecemos que as práticas não se realizam de forma isolada, mas são

decorrentes de significações e sentidos que envolvem o que gestores e professores

entendem por criança como aprendiz, por escrita enquanto objeto de conhecimento

e pelos processos de aprendizagem envolvidos. Por essa “crença”, fundada nas

proposições de Ferreiro (1986) realizamos entrevistas de tipo semiestruturado,

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orientadas por um guia previamente definido com a professora – a segunda a

assumir a turma – e a coordenadora pedagógica, bem como, partindo do princípio

de que as crianças são sujeitos capazes de construir cultura e têm algo a dizer a

partir das significações que atribuem às coisas que as cercam, conversamos,

individualmente, com seis crianças e, posteriormente, ampliamos a conversa com o

grande grupo, coletivamente.

4.2. A escrita segundo a professora

Diante das observações da rotina diária das crianças, em que a escrita era

tomada como objeto de interação, questionamos a professora sobre para que as

crianças precisam escrever na escola. Em resposta ela nos disse:

- “Pra se inteirar da sociedade, pra participar, pra se tornar cidadão de fato,

participativo na sociedade”. (Professora da turma observada)

Em seu discurso, percebemos que a professora reconhece um papel

relevante da escrita na sociedade, mas, ao mesmo tempo, sua concepção mostra-se

genérica e restritiva, pois ao mencionar que a escrita serve para o sujeito “se inteirar

da sociedade” e “se tornar cidadão de fato”, a professora nos dá indícios de que, em

sua concepção, as pessoas que não sabem ler e escrever não são cidadãs e não

participam da sociedade.

Em relação ao aprendizado da escrita, a professora nos diz:

Inicialmente, a criança tem uma noção de escrita, a gente pode perceber que a

criança, inicialmente, ela começa com rabiscos, garatujas, com pouca

coordenação e aos poucos ela vai se apropriando disso, adquirindo sua

própria coordenação, começando a limitar espaço. Então é um processo muito

lento e que a criança que se apropria disso. Nós professores apenas conduzimos

esse trabalho, mas é a criança que se apropria dessa escrita e dessa leitura. Nós

mostramos os caminhos, mas eles que vão se apropriando, vão se apropriando da

escrita através da intervenção do professor, mas nós fazemos apenas uma

intervenção, mostramos o caminho, mas é a criança que se apropria, por isso

esse caminho é individual e pessoal, claro que é coletiva também, mas pra

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escrever mesmo é a própria criança que vai escrever, ninguém escreve pela

criança, é a criança que tem que escrever, nós mostramos o caminho para ela

escrever, mas é ela que escreve. (Professora da turma observada – Grifos nossos).

Em sua enunciação, podemos encontrar indícios de que a professora

compreende o aprendizado da escrita como em processo, mas quanto ao objeto em

questão, faz menção a aspectos perceptuais e motores, ao afirmar que “começa

com rabiscos, garatujas, com pouca “coordenação” e, aos poucos, ela vai se

apropriando disso”, não mencionando o aspecto conceitual envolvido – a

construção, pelo aprendiz, de ideias/conceitos acerca de como o sistema de escrita

funciona. Ao reconhecer que o professor, nesse processo, realiza intervenções, mas

que o caminho é individual e pessoal, nos leva a refletir que a aquisição da escrita

não é um processo puramente individual, mas essencialmente social, como aponta

Carvalho (1990, p.33) e depende da qualidade de intervenção que é feita junto à

criança.

Por último, questionamos a professora em relação ao modo como ela

encaminha o aprendizado da escrita no dia-a-dia, e ela afirma:

Eu encaminho assim, através das atividades. Eu encaminho diariamente através de

contação de histórias, das atividades, das listas de palavras, estimulando a criança

a escrever com sua própria... (pausa), a ter sua própria escrita, né? (sic), se

apropriar do som das palavras pra poder escrever, registrar, porque quando eu

estudei, fico lembrando, não era nada disso, a gente se apropriou da escrita, eu

consegui ler, consegui fazer tudo isso, mas, eu acho que foi um processo em que foi

mais conduzido do que eu mesmo me apropriar; eu até achei que eu mesma

demorei de começar a ler. Então, hoje eu procuro fazer de uma forma que ele, a

própria criança se inteire disso através da sua... (interrompido). Então,

estimulando a criança escrever espontaneamente, expressar o que pensa, através

das suas brincadeiras, das músicas, expressão de suas opiniões, estimulando eles a

participarem realmente da rotina diária, porque isso é muito importante pra esse

aprendizado”. (Professora da turma observada – Grifos nossos).

Buscando interpretar o que a professora nos expressa, é possível perceber,

primeiro, alguns distanciamentos entre seu discurso e as práticas observadas, tendo

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em vista que a atividade de contação de história, ainda que houvesse materiais

disponíveis em sala para isto, aconteceu de forma muito restrita, em relação à

frequência – foram poucos os dias em que ela leu ou contou histórias para as

crianças, as privando de oportunidades reconhecidamente preciosas de interação

com a escrita com finalidade, significação e ludicidade – aspectos característicos da

literatura infantil. Registramos, ainda, o quanto as atividades com a escrita se

caracterizavam, diferentemente do que foi mencionado, como um cumprimento de

exigências sem sentido para as crianças, não discutido com elas e de modo

repetitivo e sem função, se detendo a realizar desenho e escrever o nome do que a

criança desenhou, sendo raras as vezes em que era atribuído à escrita sua função

social.

Outro distanciamento que observamos em seu discurso é em relação às

concepções mais atuais de alfabetização (SOARES, 2000) oriundas de estudos da

Psicologia da Aprendizagem, que tratam de como a criança aprende – mediada

pelos outros da cultura – em interação com os objetos de conhecimento; da

Linguística – que afirmam que a linguagem (oral e escrita) não é apenas um código,

mas que, além de sistema simbólico com regras próprias de funcionamento, consiste

em uma interação entre sujeitos, e que seu aprendizado processa-se como uma

construção gradativa dessas propriedades, não se restringindo aos aspectos

figurativos, perceptuais e motores. E que os aprendizes aprendem “inter-agindo”

com ela; experimentando usá-la e, nessas experimentações, compreendendo suas

propriedades. Para a professora, entretanto, é preciso primeiro se apropriar do som

das palavras pra poder escrever. Desse modo, ela nos dá indícios de que é

preciso, primeiro, dominar os elementos isolados da escrita para poder se

experimentar escrever, ao contrário do que é proposto nas teorias, de que é

tentando escrever, mesmo que de forma não convencional, que as crianças

aprendem as propriedades da escrita (as letras, suas formas e valores sonoros; as

convenções de nosso sistema de notação, os requisitos à leitura e produção de

textos).

Finalmente, quanto à relação de mediação que constitui os processos de

aprendizagem e ao papel do mediador, ela nos dá indícios de que não compreende

a natureza dessa relação – de que, como afirma Vygotsky (2007, p. 40): “O caminho

do objeto até a criança e desta até o objeto passa através de outra pessoa”. Nesse

sentido, há uma relação de constituição na participação do(s) outro(s) na

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aprendizagem da criança. A esse respeito, a professora expressou, ao referir-se à

sua própria aprendizagem que: foi mais conduzido do que eu mesmo me

apropriar, nos dando indícios de que percebe essa relação como processos não

imbricados, como se a condução (o ensino), por si só, sem sua ação/apropriação

tivesse ocorrido.

4.3 A escrita segundo as crianças

Em nossos encontros de “conversa” (adaptação da entrevista para as

características infantis) com as crianças percebemos discursos que revelam que

estas atribuem à escola e à escrita funções especificamente acadêmicas, e que elas

vêm para a escola para “aprender, estudar, aprender a ler e escrever”. As crianças

julgam que a escrita serve para escrever, aprender, para não ficar burro, para

aprender muitas coisas. Isso significa que a escrita é vivenciada pelas crianças

como tarefa escolar, como “treino de mãos e dedos” (VYGOTSKY, 2007),

experimentada sem vontade ou interesse, já que não conseguem perceber sua

finalidade real: “O que eu escrevo? Para que escrevo? Para quem estou

escrevendo?”.

Evidenciamos isso, quando questionamos para que elas vêm a escola, as

crianças responderam:

- “Pra estudar”. (Criança K.)

- “Pra estudar, pra aprender, ler, e aprender”. (Criança J.)

- “Pra estudar, pra eu aprender as letras; aí, voinha disse: quando eu voltar pra ota

escola vão te ensinar a ler, a escrever”. (Criança Y.)

Quanto perguntadas em relação a para que serve a escrita, as crianças

responderam:

- “Pra aprender, pra num ficar burro”. (Criança J.)

- “Pra aprender, se não, não aprende nunca, é porque é pra aprender, aprender a ler

os nomes”. (Criança Y.)

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Apenas uma criança acrescentou, à função mais escolar da escrita, a função

vinculada ao trabalho posterior, sendo a escrita uma condição para o acesso ao

trabalho em outra fase da vida:

- “Pra aprender a estudar, aprender um monte de coisa, pra quando crescer

trabalhar, estudar” (Criança K.)

Quando interrogadas acerca de em que momentos elas precisam escrever,

obtivemos as seguintes respostas:

- “Porque tem que fazer o nome, estudar”. (Criança S.)

- “Arguns” dias a gente escreve, „arguns‟ dias a pessoa num quer escrever, a gente

escreve na escola, tem que aprender os nomes”. (Criança Y.)

- “Ah, pra aprender a ler, escrever”. (Criança P.)

Em conversa coletiva com as crianças, usando a contação de história e

fantoches como recurso lúdico, fizemos algumas perguntas acerca da escrita, de

modo que elas pudessem expressar suas ideias sobre essa linguagem

relacionando-as à situação vivenciada naquele momento. Notamos que apenas duas

crianças, das sete presentes, conseguiram interagir mais na conversa, enquanto as

outras ficavam em silêncio observando ou distraídas com os fantoches.

Não diferente da conversa individual, as crianças traziam discursos limitados

sobre a escrita, usando frases curtas, e que, por vez, atribuíam a escrita funções e

usos semelhantes enquanto objeto-tarefa escolar, conforme o diálogo abaixo:

Pesquisadora: O que é escrever?

- Não sei... É pra saber ler (Criança J.V)

Pesquisadora: Por que a gente escreve? (silêncio)

- Como é que a gente escreve?

(silêncio)

- Lápis (Criança J.V)

Pesquisadora: A gente escreve pra quê?

- Pra aprender (Criança Y.) Criança J.V acrescenta: eu já disse isso.

Pesquisadora: Aprender o que?

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- Aprender a escrever, ler (Criança Y.)

- A estudar (Criança J.V).

Pesquisadora: Como a gente aprende a ler e escrever?

- Pegando um papel e escrevendo (Criança Y.)

Pesquisadora: E o que vocês escrevem?

- Escreve os nomes, escreve meu nome, escreve todos os nomes (inaudível).

(Criança Y.).

Pesquisadora: Onde a gente escreve?

- No papel (Criança Y.)

Pesquisadora: E aqui na escola a gente escreve?

- Também (Crianças Y. e J. falam ao mesmo tempo).

Pesquisadora: Onde mais a gente escreve?

- Escreve em casa também (Criança Y.)

Pesquisadora: O que vocês escrevem em casa?

- Os nomes da minha família, escreve as letrinhas. (Criança Y.)

Pesquisadora: Como a gente saberia ler essa história se não existissem as letras?

- A gente iria inventar (Criança J.V) Outra criança repete “inventava”.

Os sentidos atribuídos pelas crianças à escrita – sua função e sua presença

na escola – nos indicam que suas interações com esta não lhes têm possibilitado

compreendê-la como linguagem, prática cultural, modo de dizer, de pensar, de sentir

e expressar as coisas do mundo e de si mesmas. À exceção de uma, todas as

crianças associam a escrita a atividades escolares, como se o aprender a escrever e

ler fosse apenas para dar conta das exigências escolares e para aprender outras

coisas que não sabem identificar. Assim, elas concebem a escrita não como uma

prática social, mas uma prática mecânica de fazer nomes para, “depois fazerem

outras coisas”, em uma perspectiva próxima do que foi mencionado pela professora:

é preciso, primeiro aprender a escrever, pra só depois, escrever, como se não fosse

possível aprender a escrever experimentando escrever, desde o início, com

finalidades.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nosso estudo nos possibilitou compreender que as discussões acerca da

escrita na Educação Infantil têm ocupado lugar de centralidade nos debates atuais.

Marcado por embates, os posicionamentos sobre o trabalho pedagógico desta

linguagem nas instituições infantis assumem posicionamentos diferentes onde, de

um lado, há educadores que defendem o não trabalho ou a não presença da escrita

na Educação Infantil, sob a alegação de que tal presença implica em restrição de

espaço-tempo para outras linguagens mais importantes para a criança, como a

brincadeira e em escolarização precoce – preparação-antecipação da “escola”

posterior, no Ensino Fundamental.

Por outro lado, pudemos constatar que, em contrapartida, há os que

defendem que a escrita, enquanto prática sociocultural valorizada nas sociedades

letradas, precisa se fazer presente nas práticas pedagógicas da Educação Infantil,

ainda que não seja função desta alfabetizar, concluir ou sistematizar o processo de

alfabetização das crianças, mas de propiciar sua aproximação com outros modos de

dizer, de compreender, presentes, de modo especial, na literatura infantil escrita, em

textos cheios de fantasia, de ludicidade, de imaginação.

Ao nos questionarmos acerca de qual o lugar da escrita nessa etapa

educacional e considerarmos a Educação Infantil como sendo instituição com função

pedagógica de educar-cuidar e finalidade de promover o desenvolvimento integral

das crianças mediante o compartilhamento e vivencia das práticas da cultura,

constatamos que a inserção da escrita nesta etapa precisa respeitar as

especificidades das crianças pequenas e da escrita enquanto linguagem, modos de

dizer, pensar.

Isto posto, a escrita precisa fazer-se presente como linguagem, sendo

vivenciada de modo semelhante a como existe socialmente, ou seja, com sentido e

significado, sendo algo relevante e necessário, uma escrita viva. Assim, se a

Educação Infantil se configura como espaço onde as crianças convivem e interagem

em suas múltiplas linguagens, a linguagem escrita enquanto mais uma linguagem

pode ser vivida sem que haja prejuízo de outras vivências e aprendizagens infantis,

assumindo como eixos do trabalho pedagógico as interações e brincadeiras. Se lhes

é negado o direito de compartilhar as praticas de escritas significativas, também

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serão diminuídas as oportunidades de aprenderem e se apropriarem dessa e de

outras praticas valorizadas socialmente.

Logo, torna-se necessário redefinir e repensar o lugar que a escrita tem

assumido na Educação Infantil. Admitir o trabalho pedagógico da escrita nesse

espaço implica na ruptura nos modos como essa linguagem tem sido vivenciada e

significada nessas instituições. A escrita precisa ser experienciada em situações

reais de uso, mediada por interações lúdicas, intencionais e sistemáticas, ou seja,

com finalidade e realizada de modo significativo para os pequenos, onde os

materiais possam ser explorados em suas múltiplas possibilidades, com função e

sentido.

Concluímos que os resultados que alcançamos construir a partir de nossa

pesquisa possibilitaram ampliar nossos conhecimentos acerca da linguagem escrita,

bem como da Educação Infantil e dos contextos onde ela se realiza; das condições

em que é oferecida às crianças e das lacunas e necessidades existentes que

precisam ser discutidas e enfrentadas, tendo em vista sua função junto às crianças

na promoção de condições que garantam seus direitos de aprendizagem e

desenvolvimento como pessoas-cidadãs. Desta forma, as reflexões que

desenvolvemos ao longo deste trabalho visam contribuir para (re)pensar as práticas

pedagógicas que estão sendo desenvolvidas nessas instituições com vistas a refletir

acerca dos modos como a escrita vem sendo (des)considerada nessas práticas com

crianças pequenas.

O percurso aqui relatado finda com a abertura de questões para futuras

pesquisas nesse campo de estudo, com vistas a aprofundar e alargar nossa

compreensão em relação ao lugar assumido pela linguagem escrita no contexto da

Educação Infantil a partir dos sentidos que assume, tanto para as crianças quanto

para os professores nessa etapa educacional, quando trabalhada em uma

perspectiva mais interacionista, propiciada na forma de pesquisa-ação, de

intervenções junto aos professores na construção de outras formas de conceber a

escrita e as crianças.

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SÃO PAULO. Secretaria de Educação. Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas. Isto se aprende com o ciclo básico. São Paulo, SE/CENP, 1987. SILVIA, Marta Regina Paulo da. Crianças, culturas infantis e linguagem dos quadrinhos: entre subordinações e resistências. 36 Reunião Nacional da ANPED, GT 07- Educação Infantil. Goiânia , 2013. SMOLKA, Ana Luíza B. A criança na fase Inicial da Escrita: a alfabetização como processo discursivo. São Paulo: Cortez, 2012. SOARES, Magda. Aprender a escrever, ensinar a escrever. In ZACCUR, Edwirges (Org.). A Magia da Linguagem. Belo Horizonte: Editora Mediação, 2000. TEBEROSKY; Ana; COLOMER, Ana. Aprender a ler e a escrever: uma proposta construtivista. Porto Alegre: Artmed, 2003. VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 2007. p. 126

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APÊNDICES

APENDICE A: roteiro de entrevista para a coordenadora pedagógica

Caracterização física e do funcionamento da instituição escolar

1) Nome da Instituição;

2) Endereço;

3) Possibilidade de relatar um pouco sobre a história da instituição;

4) Turno (s) de funcionamento da escola;

5) Quantidade de turmas;

6) Quantidade total de alunos e quantos alunos por turma; há alunos com NEE?

7) Como se dá a organização das turmas? (por faixa-etária ou por mais de uma);

8) Quais os espaços existentes na instituição de ensino? (sala de professores, biblioteca,

cozinha, refeitório, Sala de Recursos Multifuncionais...)

8.1) Há biblioteca, se sim, esta é utilizada pelos alunos? Em que aspectos? Qual a

frequência? Para quais propósitos?

Gestão

9) Quem compõe a equipe gestora;

10) Formação e tempo de atuação na função (diretor, coordenador pedagógico...);

11) Número de funcionários na escola; (quantitativo por formação)

12) Quantidade de professores titulares; (quantitativo por formação)

13) Quantidade de professores auxiliares; (quantitativo por formação)

14) Há outros funcionários na escola? Que função desempenham?

Formação continuada

15) Há espaço de formação continuada na escola? Se sim, com que frequência acontece a

formação?

16) Quem coordena o trabalho de formação?

17) Existe algumas áreas ou conteúdos de maior necessidade de estudo?

Planejamento

18) Há algum documento que norteia as práticas e a dinâmica da instituição?

19) São planejadas atividades de leitura e escrita? Quais os materiais destinados a isso?

20) O Planejamento pedagógico ocorre: Semanal, mensal, quinzenal, bimestral, trimestral,

anual? Sistemática do planejamento: Coletivo, individual, por nível de ensino, por área de

conhecimento?

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APENDICE B: roteiro de entrevista para a professora da turma observada

Formação:

Instituição formadora:

Tem alguma especialização? Fez algum curso?

Está cursando ou já cursou alguma disciplina de Educação Infantil ou

Desenvolvimento da criança?

Tempo de trabalho: na EDUCAÇÃO INFANTIL e na ESCOLA.

1. Porque você ensina na Educação Infantil?

2. Que condições a escola tem dado para que continue em processo de

formação? Que atividades são desenvolvidas pelo CMEI para a formação dos

professores?

3. Opinião sobre a turma

4. Como você organiza as atividades, com que finalidades?

5. O que considera no momento do planejamento das atividades?

6. Como planeja suas “aulas”, com base em quê? Planeja só ou com alguém?

Como acontece o planejamento?

7. O que considera importante no momento de planejar e organizar atividades

para as crianças?

8. Pra quê as crianças vêm à escola?

9. Pra quê as crianças precisam ler e escrever na vida? E na escola?

10. Como se dá a evolução e aquisição da escrita pela criança?

11. Como você encaminha esse aprendizado no dia-a-dia?

12. Como são pensadas as “aulas”/atividades quanto aos eixos de leitura e

escrita?