o lazer no planejamneto urbano

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    PRESENT O

    Por tratar se de rea de estudo extremamente importante epela riqueza d a experincia acumulada pela autora sobre oassunto. tomamos a iniciativa de incluir na srie de mono-grafias do programa Ford/Fundao Getulio Vargas. a pre-sente obra sobre o planejamento e a organizao do lazer emsociedade. Trata se de obra extraordinariamente rica em refle-

    xes. estudos e anlises sobre tema to especializado e contro-vertido dentre os mltiplos desafios impostos ao homem pelatecnologia.

    To espinhosa a misso dos administradores e educadoresmodernos diante do aumento das horas de lazer. provocado deum lado pela automao e de outro pelo desenvolvimentotecnolgico que a institucionalizao do planejamento d a re-creao exige solues imediatas e inadiveis.

    Trazendo solues. mostrando as dimenses e os desafios

    do problema e at mesmo incluindo esboo decarta

    dolazer

    estamos certos de que a presente monografia cumprir suamisso e muito mais. alicerar as bases de uma filosofia deaproveitamento do tempo livre como direito e acima de tudo.dever do homem urbano.

    Kleber Nascimento

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    Direitos reservados. para esta edio. da Fundao Getulio VargasPraia de Botalogo 188. Rio de Janeiro. RJ. ZC02. Brasil.

    vedada a reproduo total ou ~ ~ c ~ ~ ld e s t a o b r ~~ I ' ~ ~ J : ; ' "~

    1 3 I B l - j - -r ' C A j J, :,:.,RIC) H , ' ~ ';; . ele: ~ i i l l o r c ; ( r - . jj F ' m . J r , C . ~ 0Gc,UiiU VAPS"cil ~ ~ : I I . . . . . . . _

    G l 2 . 0 G I15/ 1-105 I

    I.a edio - 1971

    2.a edio revista - 1975

    Copyright da Fundao Getulio Vargas

    FGV - Instituto de Documentao. Diretor: Benedicto Silva - Editora daFundao Getulio Vaqas . Chele: Carlos Maurcio Junqueira Ayres; Coordenao editorial: Robson Achiam Fernandes; Superviso de originais: MariaRegina de Lima Renzo; Superviso grfica: Ari de Araujo Viana; capa deNanci Monteiro; composto e impresso no Servio Grfico da Fundao IBGE.

    Medeiros Ethel Bauzer.

    o lazer no planejamento urbano. I 2. ed. I Rio de Janeiro, Editora daFundao Getulio Vargas. 1975.

    xix. 253 p. 21cm. Cadernos de administrao pblica.Administrao geral. 82).

    Bibliografia : p. 24144.

    1. Lazer. 2.

    4. Urbanismo.r

    Ttulo.

    Centros recreativos. 3. Comunidade - Desenvolvimento.

    Fundao Getulio Vargas.Rio

    deJaneiro.

    n. Srie. m.CDD 790.0135CDU 711:79

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    CADERNOSDE ADMINISTRAAO PBLICA 82

    ADMINISTRAAO GERAL

    ETHEL BAUZER MEDEIROS

    Professora de Psicologia Aplicada da Secretaria de Administrao do Estadodo Rio de Janeiro e do Institutode Estudos Avanados em Educao da Funda-o Getulio Vargas. Membro brasileiro do Conselho Diretor da IntemationalRecreation Association. ExTcnica de Educao do Ministrio da Educaoe Cultura. aster oi rts n Educaton pela Northwestem University.Evanston.minois.

    o L ZER NOPL NEJ MENTO URB NO

    FGV INSTITUTODE DOCUMENTACAOEditorada Fundao Getulio VargasRio de Janeiro RJ 975

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    SUM RIO

    APRESENTAO V

    O PROBLEMA: A EXPANSO DOLAZER N SOCIEDADE PS-INDUSTRIAL

    1 A importncia do lazer 3Um planejamento para o lazer 52. O lazer atravs dos tempos: bno ou maldio 7

    Notcia histrica 7O lazer no BrasilColnia 14Grandes festas 16A vida no interior 22

    Primeiras experincias de vida urbana 24O domnioda sociedade rural 253 s mquinas conquistam mais lazer 26

    Novos tempos.Novas aspiraes 28A utilizaodo novo tempo de folga 3Clubes sociais atlticos edesportivos 3Outros hbitos de lazer 32

    Panorama do lazer no Brasil do sculo XIX 33Influncia europia 34s grandes procisses 35

    Festas religiosas 36

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    A intensa vida social 40O carnaval 4

    As diverses no interior 42Os primeiros povoados vilas e cidades 44A influncia dos novos meios de transporte e de comu-

    nicao 46Modificaes trazidas pelos imigrantes 47A transio para uma sociedade industrial com outroshbitos de lazer 50O crescimento da rede urbana 5O emprego do lazer como problema do administrador 54

    4 A era espacial: o lazer atinge a massa 56Uma mentalidade diferente 56Um novo sistema de vida 58Como aproveitar a nova folga? 6

    O problema do lazer num pas em desenvolvimento 6A celeridade da mudana 64O crescimento urbano 65

    Estmulos ao desenvolvimento 66Novas indstrias novos padres de vida 68A telecivilizao dos dias de hoje 70A influncia dos meios de transporte 7Indstrias mais ligadas ao uso do lazer 75

    O lazer como caracterstica do estilo atual de vida 78

    5 Novos estilos de vida novos problemas 9

    A nova maneira de ganhar a vida 80As dificuldades de espao e moradia 8Uma cultura em mosaico 82O conformismo social 84A solido em meio massa 84Sedentarismo e fadiga nervosa 86Progresso x poluio 87

    A destruio da natureza 88Um tempo de angstia 9O reverso do avano 93O lazer como esperana de reencontro do homem 94

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    UM DAS SOLUES A RECREAAO ORGANIZADA9

    6. O desafio do lazer 97A criao de um conselho de uso do lazer 98

    7. Tecnologia valores hum nos e lazer 1 1

    Esboo de filosofia do uso do lazer 1 1Aspectos sociais de um lazer to dilatado 1 2

    O vnculo entre esporte e industrializao 1 3

    A fora econmica do novo tempo livre 1 5

    Mais lazer para qu? 1 6

    O aproveitamento do lazer como opo individual 1 8

    Atitudes comuns diante do novo lazer 1 9

    Resultados de algumas pesquisas 112Funes do lazer para o homem contemporneo 115Elementos tpicos do lazer 117

    8. Proposta de Carta do Lazer 118

    9. Recreao: forma universal de aproveitar o lazer 123Nota sobre a histria da atividade criadora 124

    Ligao com cultos mgicos e religiosos 125Auto-expresso como necessidade universal 126A atividade criadora na Amrica Pr-colombiana 128Trabalho e recreao na sociedade contempornea 13Distines bsicas entre as duas atividades 13

    Caractersticas da recreao 3

    Evoluo do conceito de recreao 3

    10. A recreao organizada e su s v nt gens 138O administrador enfrenta o desafio do lazer 138Resultados positivos da recreao organizada 14Vantagens da prtica regular da recreao 4

    Programas oferecidos por instituies 4Iniciativas de particulares 142A explorao comercial do lazer 143

    Crtica s diverses comerciais 144Esporte popular e profissionalizao do jogador 145O futebol como espetculo 146Atletas amadores ou profissionais? 148

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    o estrelismo nas atividades de lazer 149Aspectos positivos das diverses comerciais 15

    O papel dos poderes pblicos na recreao 5

    Medidas que competem ao Governo 5

    Ao conjugada das diferentes esferas 5

    Providncias governamentais 152Exemplos de iniciativas bem sucedidas 154

    11. Uma soluo a curto prazo mobilizar os recursos dacomunidade 16

    Elementos bsicos do planejamento 6

    Providncias fundamentais 6

    Outras providncias 162Planejamento a longo prazo 165O papel do recreador 166A participao da comunidade toda 166A programao princpios gerais de planejamento eexecuo 168Fatores bsicos a considerar na programao 7

    Atividades mais comuns nos programas de recreao 7

    12 Recreao e pl nej mento urbano 178Um crescimento rpido e indisciplinado 178O planejamento para uma vida melhor 18

    O crescimento urbano no Brasil um fenmeno re-cente 182A expanso da rede urbana 185Um crescimento desigual 187Notas sobre o planejamento urbano em nosso Pas 189Experincias de planejamento urbano no sculo XIX 9

    O problema no sculo XX 192Uma capital especialmente planejada 192Um plano de recreao para uma cidade nova 194Princpios bsicos do planejamento urbano para a re-creao 195

    Instalaes para recreao nos conjuntos residenciais 199Areas e acomodaes para recreao em cidades an-tigas 202A organizao do espao 203

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    reas e acomodaes para recreao na cidade do Riode Janeiro 2 5Um grande porto 2 7A capital do Vice Reino 2 8Melhoramentos urbanos 2 9

    A transmigrao da famlia real 21O municpioneutro 21O DistritoFederal 212Planos para disciplinar o crescimento 213O Estado da Guanabara 215O Plano Doxiadis 215O crescimento para o sul 218

    Normas para orientar o crescimento 219Um novo estado 2213. O Parque do Flamengo: um milho de metros quadra-

    os para recreio 22

    O projeto inicial 22Diretrizes especficas para o planejamento das unidadesde recreao 224Sugestes e especificaes para o equipamento 23Uma lista de opes 235O parque em funcionamento 237

    BIBLIOGRAFIA 24

    NDICE N lTICO 245

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    o L ZER OPL NEJ MENTO URB NO

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    PROBLEMA: A EXPANSAO O LAZERN SOCIEDADE PS INDUSTRIAL

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    1.

    A IMPORTNCIADO LAZER

    De que vale a tua vida. se. em meio lida.no achas tempo para te deteres e te pores a contemplar.Tempo de sob a ramada te deitares e. como as vacas e as ovelhas.longas horas ficares a fitar.Tempo para luz do dia poderes enxergarrios cheios de estrelas. como um cu a cintilar.Tempo de teus olhos volveres para uma beleza a despontare apreciares como h ps que sabem danar.Tempo de esperares uma boca terminaro riso que uns olhos comearam a esboar.Afinal. que pobre vida essa tua. se. sempre em meio lida.no achas tempo para te deteres e te pores a contemplar.

    William Henry Davies 1

    De incio, convm esclarecer o sentido de lazer, que conceituamos como o espao de tempo no comprometido, do qual podemos dispor livremente, porque j cumprimos nossas obrigaesde trabalho e de vida.

    To imperiosa a necessidade de dispor de algum tempolivre, que o prprio Criador, ao terminar a Sua obra, descansou e ordenou que todos, sem distino de classe, guardassem o sbado (palavra oriunda de shabbath dia de descansoem hebraico). Por Lhe parecer fundamental este repouso,ordenou ao homem: trabalhars seis dias e fars neles tudoo que tens para fazer. O stimo dia, porm, o dia do descanso consagrado ao Senhor teu Deus. No fars nesse diaobra alguma, nem tu, nem teu filho, nem o teu escravo 2Preocupado com a obedincia ao preceito, recomendou: ten-de grande cuidado de observar o meu sbado, porque este o sinal que eu estabeleci entre mim e vs, e que deve passardepois de vs a vossos filhos , continuando por advertir:aquele que o violar ser castigado com a morte. Se algum

    trabalhar neste dia, perecer no meio do seu pOVO .:lDesde ento, sempre se tm voltado os homens para o tem-

    po de folga que lhes resta, depois de atendidas as necessi-

    1 Davies. William H. Leisure. Trad. livre da autora. In: Maugham. W. So-merset. Introduction to modem English and American literature Philadelphia,New Home Library. 1943. p. 415.2 Bblia Sagrada. Trad. Pe. Antnio Pereira de Figueiredo. Rio de Janeiro.Ed. Barsa. 1966. Ex XX 910.3 Id Ex XXXI. 1314.

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    dades de sobrevivncia e cumpridas as obrigaes. Entretanto. cada qual o preenche a seu modo. de acordo com um estilode vida pessoal e segundo os costumes do grupo a que pertence. A prpria origem da palavra lazer patenteia esta variedade de opes: vem do latim licere. ser permitido. isto .ser lcito escolher a maneira de aproveitar o tempo disponvel.

    Conseqentemente. estende-se muito o campo abrangidopelo lazer. como a simples observao dos entretenimentosdas pessoas com quem convivemos pode evidenciar. Enquanto algumas preferem repousar aos domingos. a outras parecemelhor comer. fazer visitas. ir ao cinema. ao estdio ou aoteatro. Divertem-se muitas com o rdio. a televiso ou o jor-nal. ao passo que menor nmero se volta para a prtica deesportes. jardinagem ou trabalhos manuais. H. ainda. quembusque ocupaes como filatelia. numismtica. fotografia. poesia ou msica instrumental.

    Porque esto a salvo das presses do mundo de trabalhoe de vrias outras sanes sociais C ue sempre afetam as nos-sas escolhas). tais preferncias refletem cem clareza as dife-renas individuais. Da o empenho dos psiclogos em investi-g-las. para melhor compreender a motivao dos indivduos.Conforme Ealienta um dos seus representantes Gordon All-port a melhor chave para se penetrar numa personalidade a hierarquia dos interesses de um indivduo. . . Quando co-nhecemos a ordo amoris de algum. ento. sim. ns conhecemos tal pessoa . 4

    Contudo. tais preferncias no se subordinam exclusivamente a atitudes pessoais. pois que o homem vive em sociedade.Alm de traduzir os atributos dominantes de cada personalidade. revelem os moldes de comportamento que o prpriogrupo cultural valoriza. Ento este prefere o futebol. aquele obeisebol e outro o golfe. embora estejam todos a praticar es-portes; distrai-se um com o cavaquinho. outro com a ctara eoutro mais com a guitarra eltrica. no obstante tenham os trsigual encanto pela msica; fato anlogo ocorre nas artes plsticas. na literatura e nas demais ocupaes do lazer. Eis porque. denunciando a filosofia de vida de cada sociedade. autilizao do tempo vago passou tambm a atrair a atenode socilogos e antroplogos

    Um terceiro ngulo ao encarar o uso da folga o d a repercusso de tais escolhas na ordem social e da conseqente

    importncia de bem orient-las. Porque. juntamente com aoportunidade de ser livre. cada pessoa C u grupo) tambm4 Allport. Gordon. B Isic consideratons for a psychology of personality NewHaven. Yale Univ. Press, 1955. p. 29.

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    desfruta no seu vagar da possibilidade de destruir essa tosonhada liberdade, interessam-se educ dores e dministr -dores pela boa utilizao das horas de folga. Percebem queno suficiente ao homem conseguir mais lazer para si nembasta sociedade garantir aos seus membros domingos e frias remunerados. Sabem que no podem confiar apenas tradio o ensino das formas de ocupar o tempo de sobra, porque as mudanas sociais ora se vm acelerando muito e avida est a sofrer profundas alteraes. Admitem como sua aresponsabilidade de cuidar que o tempo disponvel seja utilizado no apenas de maneira prazerosa para cada cidado,porm de modo construtivo para a sociedade. Porque ocupamposio de liderana e reccnhecem como seu dever cuidar queos interesses pessoais sejam atendidos, dentro de clima social

    salutar, promovem medidas destinadas a transformar o lazerem fora soci l positiva.Todas estas consideraes ganharam vulto nos nossos dias,

    de vez que o tempo livre est a aumentar, a vida vem tendoa sua dl.uao prolongada e o trabalho solicita menos o esprito criador do indivduo sendo feito ainda em condies quedesencadeiam maior tenso emocional). Alm disto a populao do globo cresce assustadoramente e os meios de comunicao de massa envolvem as pessoas num emaranhado de

    estmulos que as deixa confusas e exauridas.

    m pl nej mento para o l zer

    Conscientes destes problemas, que as aglomeraes urbanass tendem a acentuar, administradores e educadores preocupam-se em planejar e promover numerosas atividades comque ocupar o tempo livre. Geralmente voltam os seus esforospara as seguintes metas, bsicas consecuo dos fins acimaapontados:

    - criao e desenvolvimento da infra-estrutura material necessria prtica satisfatria de diversos tipos de atividadesdesinteressadas jardins, parques, campos de esportes, balnerios, teatros, bibliotecas, salas de msica etc.);- educao sistemtica para o bom aproveitamento do lazer,com especial ateno ao desenvolvimento precoce de atitudesfavorveis participao de fato em atividades recreativas,pela conscincia do seu valor para o indivduo e da sua contribuio ao bem-estar social; e- preparao de orientadores capazes de estimular, levaravante e coordenar programas de recreao organizada, den-

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    tro da comunidade em obedincia a uma filosofia explcita deaproveitamento das horas de folga

    Esta monografia tem por objeto esboar as bases e sugerirdiretrizes para tal trabalho do administrador particularmenteno que diz respeito ao favorecimento do uso adequado do lazernos centros urbanos.

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    o LAZER ATRAVSDOS TEMPOS:BNO OU MALDIO?

    Tomou, pois, o Senhor Deus ao homem e p-lo no paraso das delcias parao hortar e guardar . GnesisA terra ser maldita por causa da tua obra: t i rars dela o teu sustento

    fora de trabalho . GnesisConsiderai como crescem os lrios do campo. No t rabalham nem bam.

    Entretcmto vos digo que nem Salomo, com toda a sua glria, se vestiucomo um deles . So Mateus

    Otia omnia vitia parit . Provrbio latino.A mente vazia oficina de Satans. Dito popular.

    No correr dos sculos, o lazer tem sido encarado de maneiracontraditria, ora representando tempo a fruir ora vazio perigoso a evitar. No incio vivia o homem no lug r de delciasmas dele foi expulso por desobedincia, precisando a partirda cultivar arduamente a terra, para obter o seu po. Aindaassim, o Senhor lhe prescreveu: t rabalhars seis dias; ao stimo dia descansars para que descanse teu boi e teu jumentoe [para que] o filho da tua escrava e o estrangeiro tenhamalgum alvio . At o ano stimo era o sbado na terra, consagrado honra do descanso do Senhor , no se devendosemear os campos, para que repousassem. S Tais recomendaes eram reforadas em outras passagens, que apontavamainda punies para quem as desatendesse.

    Notcia histricaNas socied des primitivas haveria de ser difcil firmar a distino entre lazer e trabalho. Cada indivduo partilhava naturalmente de ambos, contribuindo para as tarefas comuns,de acordo com o costume e segundo os ritos e mistrios. Anoite congregava-se o grupo em torno do fogo para cantar,danar C u simplesmente marcar o ritmo), relatando-se feitose episdios, de modo a garantir a preservao d a cultura. At

    5 Bblia Sagrada. Op. cil. Gen., lI. 15.6 Id. Gen. III 17.7 Id MI. VI. 28.

    Id Ex XXIII 12 e Lev XXV 3.

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    hoje, vem-se reumoes semelhantes entre os nossos ndios ouno seio de outros primitivos, como certos grupos da Austrlia,que nos corroborees com as suas danas simblicas, celebramregularmente os principais acontecimentos da tribo.

    No perodo pr-clssico a ampla disponibilidade de trabalho escravo proporcionava aos membros das classes deten

    toras do poder - sacerdotes e nobres - copiosas horas defolga. Eram em geral consagradas a esportes, lutas, msicase festivais. Identificava-se ento o lazer com um privilqio dascamadas da elite, que o preenchiam com ocupaes ditas nobres, como a caa, os debates e as artes. Nos tmulos egpciospunham-se ao lado das mmias as suas armas e instrumentosmusicais, num atestado da importncia perene de tais objetos.No mesmo povo, as danas eram apreciadas; havia grandesorquestras e coros, atribuindo-se ao teatro fins educativos. Entretanto, as camadas sociais inferiores dispunham de poucovagar, pois delas dependiam o artesanato e o comrcio, cabendo aos escravos as tarefas mais rduas.

    Os homens livres da Grcia desfrutavam de abundante lazer, para o que contavam com o beneplcito dos deuses, devez que nem Apolo permanecia sempre ocupado - nequesemper arcum tendit ApoUo - Horcio Odes, 11 X 19). Aprpria mitologia est pontilhada de festas, celebraes, alegres caadas, bosques para repouso, cantores e seus instrumentos musicais, alm de deuses brincalhes, que se divertempregando peas nos mortais. que o nmero avultado deservos (cinco ou seis para cada c idado) facilitava o cultivode interesses variados, podendo os cidados ir praa discutirproblemas de guerra e paz, assistir a peas de teatro, participar de debates filosficos, apreciar solos instrumentais, entregar-se natao ou praticar exerccios fsicos no ginsio. EmAtenas, o labor era entregue aos escravos, pois que os homenslivres precisavam de tempo para cuidar da defesa da cidadee lhe vigiar a administrao, nisto consumindo todas as foras. Na Lacedemnia, as prprias mulheres fugiam a trabalhos como fiar ou tecer, para no ver reduzida a sua nobreza.(Lembremos, a propsito, o nosso conto popular das trs fiandeiras, exemplo das deformidades causadas pela sua tarefa,bastando olh-las para a repudiar.) Bem expressiva destamentalidade a conhecida queixa de Xenofonte - o trabalhotoma todo o nosso tempo e nem deixa lazer para a Repblicaou para os amigos

    Os grandes filsofos gregos, homens de vasta cultura e defensores da liberdade, paradoxalmente justificavam a escravido, porque permitia lazer aos cidados. Quatro sculos antesde Cristo, Aristteles afirmava que o objetivo da educao

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    era o uso adequado do lazer schol), pois que os homensno s deveriam "ser capazes de trabalhar bem, mas aindade saber usar a folga". Declarava que "o primeiro princpiode toda ao o lazer. Se o trabalho e o lazer so ambosnecessrios, o lazer sem dvida prefervel ao trabalho e geralmente preciso procurar o que se deve fazer para apro

    veitlo", no bastando para tanto os prazeres. Segundo ele,"parece que existe no prprio descanso uma espcie de prazer, felicidade e encanto, unidos vida, mas que se encontrasomente nos homens livres de todo trabalho e no nos quese acham ocupados".

    Em Roma, caberia a Ccero assinalar a importncia de gozaro cio com dignidade e a Horcio aconselhar o aproveitamentode cada dia, por ser curta a vida - "carpe diem". Enquantoisso, Virglio proclamava a predileo das musas por atividade essencialmente ldica como o desafio cantado - "amantalte na Camenae", encarando o lazer como presente divino -"Deus nobis haec otia fecit . cloga, m 59 e I. 6). Era fcilento aos poderosos conquistar mais servos, com a ajuda dashostes romanas e, assim, dispor de vagar. Recordemos, ainda,a expresso trabalho servil e o vultoso nmero de dias nebsti .isto , nos quais, por preceito divino no se devia trabalhar.Feriado outro vocbulo que nos veio desta poca de abundncia ( n a qual se dispunha at de escravos instrudos paraeducar as crianas) . Originou-se de teria, em latim, dia defesta, de alegria.

    Quanto s brincadeiras das crianas, conta Juvenal (sculoI d.C.) que armavam casinha3, atrelavam camundongos acarrinhos, disputavam par e mpar e gostavam de cavalgarvaras compridas - "aedificare casa, plostello adiungere mures, ludere par impar et equitare in harundine longa". J Macrbio (sculo V ) menciona o jogo de cara-ou-coroa - naviaaut capita, vindo tambm at ns a notcia da popularidadedas brincadeiras de cabracega - murinda, de cavalgar nosombros dos companheiros - umeris vectare - e de adivinharo nmero de dedos que o contendor ir ia estender, chegada asua vez - micatio.

    Os costumes de ento refletiam a ampla disponibilidade deescravos, o gosto pelo luxo (que o poderio econmico instigava) e o farto lazer. Uma vila romana elegante dispunhade acomodaes para banho bem superiores s atuais, no

    obstante o conforto dos nossos dias. Inclua um quarto parasuadouro e outro para massagem, tanque para banho frio de

    Aristteles. Poltica. 3 ed. trad. de Silveira Chaves. So Paulo, Atena, s.d.,liv. V capo 11 45, p. 185.

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    imerso e compartimento tpido onde o senhor se enxugavadevagar. reclinado em div. enquanto contemplava afrescosou conversava com amigos. E no somente nas casas particulares eram tantas as comodidades: banhos pblicos e termas tinham instalaes caprichosas. J dois sculos antes daidade crist. Cato. o censor. combatia o luxo e a corrupodos costumes. enquanto Sneca reclamava no incio desta era:"a tal luxo chegamos. que ficamos insatisfeitos quando nopisamos em gemas nos nossos banhos " Alm do mais. eramestes numerosos. pois. segundo Pblio Vitor. chegaram a funcionar em Roma 856 termas (pblicas e particulares).

    Havia ainda os gladiadores. treinados em escolas a fim demelhor divertirem. com os seus combates. a multido queaflua ao Circo Mximo. S nas festas pelo advento de Trajano. dez mil homens lutaram nas arenas de Roma. para entreter o povo. Divertimento a que se dedicava muito tempoeram as corridas de biga. que atraam verdadeira massa aocampo de Marte. Em suma. as diverses eram mltiplas e oconforto amplo para os membros das classes dominantes.

    H que lembrar. tambm. a primeira biblioteca pblica dosromanos. datada de 39 a.C.. cabendo mais tarde ao prprioAugusto criar a Biblioteca Palatina e proteger cincias e artes.Mas a educao escolar. de sentido prtico. era severa (comvaradas e castigos). ministrada juntamente com o ensino c-vico e moral. A par da instruo intelectual. compreendia lies de jogos atlticos. natao. msica e manejo de armas.

    A este perodo. porm. seguiu-se um de declnio e desordemmilitar. ocorrendo a diviso do Imprio e seu progressivo enfraquecimento. Na fase que sucedeu queda e desinte-grao do imprio romano. aceleradas pelas invases dosbrbaros. o lazer viu-se reduzido em extenso e transformadoem tempo a ser dedicado ao aperfeioamento da alma. O cristianismo combatia os espetculos pagos das lutas com ferasou entre gladiadores (finalmente abolidos no sculo V). opondo-se aos festins e banquetes. Segundo So Jernimo (sculoIV). at as crianas precisavam ficar ocupadas sem cessar.devendo as meninas fiar l e tecer com agulhas. para descanso dos estudos. Nem instrumentos musicais poderiam escutar.convindo a Paula nunca ouvir um instrumento. Isto porque"ita anima christiana ludat et ludus ipse eruditio sit . ist .recreie-se o cristo de forma tal que o prprio divertimentoseja construtivo. Epstola lI ad. Laetam.)

    Um dos oito vcios principais que ento acometiam o homem. dele exigindo incessante combate, era a acidia (indiferena, em grego). Conforme assinala Aldous Huxley ( O nthe margin: notes and essays). tal defeito. de frouxido e

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    mercia, era provocado pelo mesmo esprito maligno - dae-mon meridianus - que se deleitava em assaltar os cenobitasda Tebaida. Quando- o sol estava a pino e o calor era opressivo, faziaos sentir a vida vazia, demasiado longa e sem esperana, neles avolumando o taedium cordis

    Na Idade Mdia dominada pela organizao social e poltica do feudalismo, dependia a vida da proteo oferecidapor alguma coletividade. Procuravam por isto os indivduosfiliar-se a um suserano, a um mosteiro ou a uma corporaode ofcio. Embora tivesse sido abolida, a escravido persistiasob forma mitigada, baseando-se as relaes de trabalho nodireito do proprietrio da terra. As possibilidades de lazer subordinavam-se classe social de cada pessoa, ao critrio dosenhor e s exigncias da associao a que se pertencia(pois, alm do servo da gleba havia o ar teso) . Ademaisdisto, o horrio do sol limitava o dia til, de vez que a luzartificial era precria, quando no perigosa. As prprias corporaes proibiam o trabalho fora das horas de luz natural,embora, em contrapartida, desencorajassem o uso de mquinas a fim de evitar o desemprego).

    Ainda no sculo XII, entre os princpios a que a Igrejamandava o cavaleiro obedecer estava desprezar o repouso eamar o sofrimento. Cervantes iria satirizar tais modelos deconduta, ao relatar a vida do cavaleiro da Mancha, luz yespejo de toda la caballeria andante , a quem melhor pareciavelar que dormir, pois considerava o seu descanso el pelear . Segundo o denodado cavaleiro, el buen paso, el regalo

    el reposo all se invent para los blandos cortesanos; masel trabajo, la inquietud las armas solo se inventaran e hicieron para aquellos que el mundo l lama caballeros andantes l U

    No obstante, ascendiam nesse perodo os dias santos e feriados a mais de um cento, do que resultava bastante tempolivre. Entretanto, uma atitude reliqiosa, de predomnio do interesse pela vida extraterrena, cloria a utilizao do lazer.Assim, deixando de lado o realismo e a prpria natureza, cultivados pelos gregos, preocupava-se agora a pintura em decorar a casa do Senhor. Cuidava de dar aos fiis uma idiado Paraso, d a Virgem e dos santos, que os prprios pintoresjamais haviam visto. Tal arte partia de abstraes, para concretizar-se em imagens, amplamente servidas por smbolos,

    muitos deles realados por cores e dourados (como to extraordinariamente conseguiria Cimabu, no sculo XIII). Tal

    10 Cervantes Saavedra. Miguel de. El ingenioso hidalgo don Quijote de laMancha New York. Jackson. s.d p. xii. 12 e 96.

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    cunho simblico manifestava-se ainda nos mosaicos bizantinos, aperfeioando-se a pintura com as tcnicas delicadas doafresco e da iluminura C sta mais executada pelos monges .Quanto arte dramtica no havia teatros mas se representavam peas religiosas nas igrejas e em praa pblica, comboa concorrncia.

    No obstante tantas restries, desta poca de autoprivaovenerao justia e culto do amor C e Deus e das damas ,ficaram-nos como formas duradouras de usar o tempo livrealm das artes j mencionadas: as trovas cantadas por jograis e menestris, freqentemente ao som de harpa; as canes de gesta, obras-primas de poesia pica; muitas danasregionais; os grandes romances da Cavalaria; os torneios e asjustas; a caa ao falco; vrios jogos de dados; o hipismo;a esgrima; o tiro ao arco; e as ruidosas feiras populares.

    No sculo XIV o teatro que era antes pouco cultivado, recomearia a merecer interesse, realizando-se ainda ao ar livre, mas com a participao da populao inteira. Fazia-seem geral em frente igreja ou num largo, sendo particularmente apreciados os nmeros de fantoches C omo nos contaCervantes . Espicaada a curiosidade intelectual pela redes.coberta de textos antigos, renascia o interesse pelas lnguase literatura clssicas, ressurgindo o ideal grego de educaoliberal. Mais tarde, as grandes invenes - a aplicao daplvora artilharia, o aperfeioamento da bssola e do astrolbio, bem como a imprensa - abririam novos horizontes aohomem, que j ampliava o seu mundo com ousadas navegaes.

    Assim na enascena voltavam a prosperar artes, letras,cincias e o culto do individualismo. A civilizaco italiana,pO exemplo, que no sculo XIII havia sido religi;sa e moral,tornava-se nos sculos XIV e XV artstica, literria, filosficae cientfica. Se os artistas da Idade Mdia, com suas imagense mosaicos, tinham feito Deus descer Terra, os renascentistas tentavam elevar a Ele o homem, ocupando-se deste ltimo com entusiasmo. Voltava por isto o corpo a merecer atenes. Rabelais, por exemplo, advogava que se entremeassemas lies de leitura com ginstica, jogos de bola, equitao,luta e natao. Para completar a educao dos jovens, recomendava a contemplao da paisagem e do cu estrelado,canto, msica e visitas a artistas.

    Despertadas do seu sono as alegrias da vida pastorale das artes ganhavam apreciao na literatura, alm de lugarimportante nas festividades pblicas. Rompendo com as tradies medievais populares, tentava o teatro imitar os modelosclssicos. No sculo XVI surgiria na Espanha o primeiro teatro

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    nacionaL nele se destacando Lope de Vega. No sculo seguinte. dominaria os palcos europeus a Commedia dell Arte. italiana. com seus tipos regionais e textos improvisados. Entretanto. no foi o teatro - e sim a pintura - a arte que maisfloresceu nesta fase. seguindo-a de perto a arquitetura e escultura.

    Com o estado de esprito dominante. retomava o lazer o seulugar de prestgio. j que no mais se devia buscar a felicidade na vida ps-morte. Novamente se podia dar expresso alegria de viver. apenas redescoberta. Refinavam-se por istoos prazeres. tornando-se mais polidos os jogos e esportes. Atal ponto. porm. foi o arroubo. que ainda no sculo XV odominicano Savonarola precisou exortar ao arrependimentopela falta de temor a Deus e pela alegria por coisas no sagradas .

    Nesse nterim a controvrsia religiosa. iniciada por Erasmoe l iderada por Lutero. desencadeava no norte da Europa oreacendimento do esprito religioso e dos preconceitos contraas artes. O perodo da Reforma foi pontilhado de intolernciade parte a parte. dissenses. perseguies. queima de bruxas.fanatismo e lutas (sculos XVI e XVII). Se bem que Luteroaprovasse a recreao como arma para combater a delin-qncia. passara o lazer a significar algo terrivelmente sujeitoao pecado. instigado pelas pompas e vaidades deste mundomau . Louvavam-se diligncia e aplicao constantes. tendoCalvino mandado fechar as casas de diverso e proibido asfestas populares.

    O perigo da acdia continuava a rondar os homens. tendoagora minuciosamente descritos os seus sintomas por RobertBurton Anatomy of melancholy). Encarando-a como doena- spleen - recomendava para a sua cura dieta moderada.riso. leitura e companhia de moas simples. alm da abstenco de bebidas e festas. Constitua verdadeiro castigo. pois

    se havia inferno sobre a terra. achava-se no corao de umhomem melanclico .

    Atravessava o mundo. a esse tempo. uma fase de disputapelo poder. de lutas sobre o direito divino dos reis. Os povostentavam realizar o seu destino como naes. erguendo-segrandes imprios. Os preconceitos contra a investigao cientfica iam perdendo terreno e os homens j podiam dedicarmais tempo observao. experimentao. matemtica. fsica e qumica. Destarte. foi-se logrando concretizar a idiada mquina a vapor, descrita j dois sculos antes de Cristopor Heron de Alexandria C neumtica). Aps uma srie detentativas - Della Porta. Savery. Papin e outros - chegouWatt. em 1781. a um tipo realmente prtico. desencadeando o

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    incio de nova era. Junto com as mquinas de tecer ento instaladas, veio esta fora motriz precipitar a renovao econmica e social do sculo XVIII. Por sua vez a expanso daindstria metalrgica, pela utilizao do coque, tornou possvel ampliar e aperfeioar os meios de transporte. Todos esteselementos afetaram intimamente a vida do homem, chegandoa provocar verdadeira revoluo nos seus costumes.

    o lazer no rasil ColniaContudo, tais mudanas levariam muito tempo para chegarao Brasil onde a vida transcorria morna e lenta, sob o domnio portugus. As comunicaes com o exterior eram difceise demoradas. De incio consumia um ano a troca de cartasentre a Colnia e a Metrpole: seis meses para ir e outros

    tantos para voltar. Por causa dos piratas, organizavam-se comboios de dezenas de navios, escoltados por belonaves, o quecustava tempo e dinheiro.

    Logo ao chegar, encontrara o descobridor grupos de primitivos cujo gosto artstico transparecia na arte plumria, nastatuagens, na decorao de armas e de instrumentos musicais(como tacapes e maracs) e na ornamentao de vasos eutenslios. (To requintada a cermica de Maraj e Santarm, que mais parece obra de grupo adiantado.)

    Segundo os cronistas da primeira poca, merecia o cantogrande estima dos indgenas, pois poupavam o inimigo aprisionado que se revelasse bom cantor e inventor de trovas .Mas eram pobres as suas melodias, valendo mais pela intensidade do ritmo sempre dominante, marcado com o auxliode flautas, chocalhos, buzinas e tambores.

    As danas eram muito apreciadas, sendo comuns as imitativas (de animais e totens), de carter mmico e pantommico.Havia ainda as que celebravam os principais acontecimentos

    da vida - nascimentos, casamentos, partida para a caa, colheita, morte etc. Certas tribos executavam tambm danascom mscaras, de sentido religioso. De modo geral. faziam-setodas em roda, associavam-se beberagem e duravam dois outrs dias. Os danarinos, que pintavam o corpo com tinta vermelha de urucu e azul de jenipapo, marcavam o compassocom tambores, maracs, bastes de ritmo e guizos penduradosaos prprios colares.

    Fossem rituais ou guerreiras, as suas festas eram ruidosas,

    incluindo sempre canto e dana. A Jean de Lry agradou amsica com que auxiliavam a magia e cultuavam os deuses,sendo ele o primeiro a registr-la. Aps uma festa religiosa,anotou no seu dirio de viagem: Ora, estas cerimnias tendo

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    assim durado cerca de duas horas, aqueles quinhentos ouseiscentos selvagens continuando sempre a danar e cantar,surgiu uma tal melodia que, embora eles no soubessem oque a arte da msica, os qUE no os ouviram custariam acrer que se harmonizassem to bem .

    Este pendor musical foi aproveitado posteriormente pelo colonizador, que aos poucos logrou impor os seus modos decantar e danar. Para converter os selvagens, recorreu Anchieta poesia e ao teatro, apoiados em canto e msica,escrevendo autos em tupi. espanhol e portugus. Entretanto,outra influncia viria marcar a nossa msica - a do africano.Junto com a dana, ela representaria o principal derivativodo escravo no Brasil. Assim ganhamos o ritmo marcante docanto negro (d e trabalho, feitiaria e acalanto), das danasafricanas (cateret, lundu, candombl, batuque, samba, coco)

    e dos seus bailados dramticos (congos, maracatus, cucumbis). At hoje os instrumentos africanos (atabaques, agogs putas, berimbaus, marimbas) enriquecem o nosso folclore e subsistem vrias das suas cerimnias entre ns, numainfluncia duradoura.

    Ao elemento africano mestiaram-se os europeus (principalmente o portugus e o espanhol) , dando origem ao maxixe ao samba, polca brasileira e marcha. Junto com abatucada, tais danas haveriam de empolgar os sales. Do-minou naturalmente, a contribuio lusa, que de resto se afirmou em todos os costumes. De Portugal nos vieram a guitarra(violo), a viola, o cavaquinho, a flauta e o piano, a modinha, o acalanto e o fado as rodas infantis e as danas dramticas (como os reisados e o bumba-meu-boi), alm dos romances e xcaras (como a Nau Caiarineia) .

    Bem depressa aqui se estabeleceu uma sociedade patriarcale escravocrata. Como aproveitava o trabalho servil no s nalavoura mas tambm nas tarefas domsticas e atividades urbanas, havia folga abundante para os senhores. Conforme salienta Gilberto Freyre Casa grande e senzala), a nossa colonizao processou-se aristocraticamente , j que o portugusaqui se fizera senhor de terras mais dilatadas e dono de homens mais numerosos que qualquer outro colonizador da Amrica. Nessa sociedade agrria, o smbolo da aristocracia eraum pequeno domnio autnomo, quase feudal - a casa grande - que volta da morada principal reunia senzala, capela,

    cozinha e quarto de hspedes. Para quem possua to vastosdomnios e muitos servos, o lazer era copioso embora mal

    Lry Jean de. Ristoire d lln voyage fa i t en la terre Brsil, alltrementdite Amriqlle . Geneve, 1611. p. 322.

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    utilizado segundo nossos primeiros visitantes. Comentavameles a frouxido dos costumes, freqentemente justificada coma tese de que "ultra aequinoctialem non peccavi".

    Comenta Renato de Almeida que "a nossa sociedade colonial nunca foi aprimorada. Se houve no sculo XV luxo extremo nas casas dos nobres, em pouco a necessidade de rura-lizar a vida e a mestiagem acabaram com aqueles pruridosde ostentao e galas. Indo para as fazendas, os senhoreslanaram os alicerces da sociedade brasileira numa vida montona, ignorante e sem prazeres. Durante todo esse tempos a Igreja era centro social e de diverses, pois nela haviafestas profanas com danas e representaes" 1 ~ Fora da salgum festejo oficial ou as raras reunies de famlia (chama-das assemblias , alm de visitas aos domingos e algumascaadas.

    Quanto aos escravos, suas poucas oportunidades de diverso erc m vez por outra, prestigiadas pelos amos. Do inciodo sculo X X nos viria uma carta do ltimo vice-rei o condedos Arcos recomendando aos senhores que, em lugar de combater, estimulassem msica e dana aos sbados na senzala.

    Grandes testas

    As maiores celebraes religiosas apresentavam poca duasfeies: de um lado a cerimnia solene a que compareciamos fiis levando ex votos e promessas; do outro as diversesdo adro, como barraquinhas, leilo de prendas, comes e bebes, foguetrios desafios cantados, jogos e dana. Corno dizLus Edmundo, "suprindo, muita vez a ao do Estado, vamosenccntrar a Igreja do Brasil colonial como uma espcie deempresria das alegrias do povo". Encorajava ela as oca-sies "de recreio e folia onde o homem se deleitasse, semprecom o pensamento em Deus". Cita a propsito as repetidasprocisses, pitorescas e divertidas", com "prstitos interminveis, com msicas alegres, com danas, alegorias pags eat mscaras". No Rio sobressaam as de Corpus Christi pelasolenidade e a da Glria pela animao. Alm do mais, "aMitra sempre animou e protegeu os festejos de rua, que dequalquer forma tivessem significao religiosa, como as congadas, os reisados, o Imprio do Esprito Santo e a Serraoda Velha" . 1 3

    I: Almeida Renato de. Histria da msica brasileira. 2. ed. Rio de Janeiro,Briguiet 1942. p. 152.

    13 Ecmundo, Lus. O Rio de Janeiro no tempo dos vicereis. 3. ed. Rio deJaneiro, Aurora, 1951. p. 17273.

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    Trazida de Portugal. realizava-se esta ltima no vlgeslmodia da Quaresma. quando as famlias preparavam iguariasespeciais. Pelas ruas saam bandos de folies. acompanhadosde msica. a puxar um estrado apoiado em rodas. sobre oqual se erguia uma pipa. Nela. diziam. escondia-se a velhacondenada ao serrote. brandido por algum do grupo. O queinteressava. porm. era encher o barril de comezainas. pedidasnas casas por onde passava o ruidoso cortejo. Terminada apasseata. distribuam-se pela comitiva os comes e bebes arrecadados. entrando depois no barril. a fazer de vtima da serrao. um dos folies.

    Outra atrao popular eram as congadas ( n a Bahia chamadas cucumbis . Comeavam tais folias. de origem africana.com a aparatosa coroao do rei negro na igreja. A seguirdesfilavam pelas ruas o rei e a rainha. acompanhados desquito e banda. todos vestidos com luxo. Carregados em andores pela turba que cantava e danava. iam at o largoprincipal. onde representavam perante uma autoridade o seudrama coreogrfico. entremeado por versos. canto em coro emsica. Findo o bailado. voltava o prstito a percorrer jubilo-samente o centro.

    Boas oportunidades de alegre congraamento surgiam aindadurante os festejos em homenagem a So Gonalo (santo vio-

    leiro e casamenteiro) e aos santos juninos (Santo Antnio.So Joo e So Pedro). Mas era na capital dos vice reis quese desenvolviam as mais animadas celebraes de rua. Paracomemorar datas do calendrio real. davam-se ao povograndes festas. ruidosamente anunciadas pelas esquinas porcavaleiros. no raro mascarados. Seu programa compreendia

    embandeiramentos. Te De um. beija-mo. procisso. touradas.cavalhadas. outeiros. pera. luminrias Festas para durar

    seisdias .14

    Outrosfestejos oficiais

    marcavam a posse deautoridades. Ento. preparado o anfiteatro em terreno amplo.nele se armavam vistosos camarotes de madeira. para se-nhores e governantes. alm de bancadas para o povo. As -larmnicas cedidas pelas corporaes de ofcio dispunham deacomodaes especiais. servindo a vasta arena de palco parao desfile de carros alegricos. bailados. corridas de touros edisputas a cavalo. Vinham sempre as alegorias em carrosenormes. oferta de algum ofcio. cada qual seguido por seu

    conjunto de bailarinos. J as cavalhadas apresentavam lances dramticos: em galope vistoso. defrontavam-se dois gru-pos de cavaleiros. vestidos de cores contrastantes. buscando

    H Edmundo, Lus. Op. cil. p. 120.

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    cada qual superar o outro em rapidez e destreza. Aps as primeiras manobras e figuraes de conjunto, comeavam osjogos, muito variados. Ora deviam os cavaleiros fisgar coma lana quantas cabeas de massa pudessem, das que estavam fincadas ao cho, ora precisavam derrubar com tiros depistola as colocadas no alto de plintos.

    No jogo do estafermo cabia aos cavaleiros acometer coma lana avantajado boneco (munido de escudo e longo chicote), o qual ficava bem aprumado no centro da arena. Nojogo das argolinhas e no dos pombos, quem arrebatasse coma lana tais prendas as devia entregar sua dama. O mesmofazicm os cavaleiros que logravam arrebatar combuq ..linhasde barro (alcanzias), cheias de flores ou fitas. Aps o desafiodas canas-de-acar, que precisavam ser decepadas de umas espadada, vinha o grande final - o combate simulado entre mouros e cristos. Como sempre, o espetculo terminavacom msica e demonstraes de pirotecnia, arte ensinada edivulgada pelos jesutas.

    As touradas oriundas da pennsula ibrica, sofriam adaptaes, porm continuavam com o mesmo objetivo - exibiode audcia e agilidade. Complementavam-nas por vezes -padas ou vaquejadas, de sabor bem local, onde os homensdo campo revelavam sua percia. A noite, faziam-se enca-

    misadas, simulacros de assalto por combatentes vestidos decamisoles brancos. Ficou clebre, por sinal, a festa de touros realizada ao empossar-se o Marqus do Lavradio em 1769,quando fogos e luminrias (obrigatoriamente postas s janelas das casas) animaram a capital. Para alegrar a gente alternaram-se ento trs dias da pera com trs de outeiro (desafio potico no ptio dos conventos).

    Associado aos festejos oficiais estava sempre o teatro, encenado em palco improvisado, em praa ou rua de algum

    grande centro. Ao nascer o prncipe da Beira, por exemplo,deram-se ao povo em 1762 trs peras, apresentadas em

    palanque erguido junto casa dos governadores, no Rio, entoprofusamente ilumincdo. Embora durante longo tempo tais dramatizaes ao ar livre continuassem a integrar as festas pblicas, j na primeira metade do sculo XVIII funcionavamcasas de pera no Rio (do padre Ventura), em Salvador e emBelm. mesma poca havia teatros em Vila Rica, So Paulo,Recife e no Porto do Viamo (hoje Perto Alegre), onde se

    representavam comdias e dramas, entremeados por concertosinstrumentais. Achava-se at em cena uma pea de AntnioJos (o Judeu na casa do padre Ventura em 1776, quandoo fogo a devorou. To apreciado era o teatro, que aps a

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    execuo de Tiradentes, mal lavado o sangue, ali mesmo ogoverno encenou o asamento fora, visando dissipar atristeza reinante.

    Para substituir a sa la incendiada, instalou-se n a capitala Casa de Manuel Lus com muito luxo a qual constituiriaa diverso mais elegante at a vinda de D. Joo. Relembremse tambm as companhias de fantoches, umas fixas C seexibir em sala especial ou porta de casa) e outras ambulantes C correr feiras, ruas movimentadas e adros de igrejaem dias de festa).

    Dentre as grandes comemoraes religiosas sobressaa afesta do Divino Esprito Santo. Segundo Melo Morais FilhoC ue a registraria muito depois, preocupado com o esquecimento das tradies), meses antes da festa, por vales e serras, por estradas e povoados garridos folies dispersavam-se em bandos no interior das provncias, a angariardonativos para as celebraes. J no domingo de Pscoa,saam 'em bandeiras' , compostas cada qual de um terno derapazes vestidos de branco, com jaquetas enfeitadas delaarotes de fitas . 15 A frente ia o alferes, a carregar o estandarte do Divino de seda rebordada. Cabia-lhe parlamentarcom os devotos, para obter o mximo em prendas e dinheiro,sendo a turma rumorosamente engrossada por tocadores deferrinhos pandeiros, pratos, tambores e violas. Seguiam-nosanimais de carga, para conduzir as ddivas, promessas ouprendas coletadas. Assim viajavam os folies dias inteirospedindo pousada aqui e ali chegando por vezes freguesia,a fim de fazer entrega das esmolas e outras ofertas, que eramvendidas para as despesas da celebrao.

    Dias antes da festa, prestavam-se as ltimas contas e seerguiam, num ponto central do povoado, o coreto para a msica, o palanque para o leilo e o tablado para o imperadorC leito havia semanas) . J ento comeavam a chegar famlias em carros de boi romeiros e peregrinos a cavalo, almde escravos a caminhar. Demandavam todos matriz da vila,onde os folies os recebiam com cantos e festas. A noite acendiam-se no largo as fogueiras, o povo acorria igreja e principiava o leilo de cartuchos-surpresa, roscas, pes-de-l segredos, marrecos, galinhas e o que mais havia. Enquanto osvelhos subiam ao tablado, animava-se a msica, principiandoas danas dos jardineiros e dos alfaiates.

    Junto matriz iluminada de alto a baixo, vinham tocar asmsicas de barbeiros, compostas de escravos negros. Por ali

    15 Melo Morais Filho. Festas e tradies populares do Brasil. 3. ed. Rio deJaneiro. Tecnoprint. 1967. p. 7177.

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    tambm, cravava-se o mastro, encimado por uma pomba demadeira prateada, flutuando um pouco abaixo a bandeira doDivino. Seguia-se a coroao solene do imperador, havendoainda espetculos em barracas armadas perto da igreja, cavalgada de circo de cavalinhos, venda de doces especiais pelasruas e distribuio de comida aos pobres C eita no ltimodia, aps grande missa cantada) . De manto e coroa, sentava-se o Imperador do Divino junto com a sua corte de monarcas no tablado chamado Imprio de onde acompanhavao espoucar dos foguetes e o repicar dos sinos, tudo secundado pela msica de barbeiros. Quanto a esta, como iria explicar Manuel Antnio de Almeida, nada havia mais fcilde arraniar-se; meia dzia de aprendizes ou oficiais de barbeiro, ordinariamente negros, annados, este com pistom desafinado, aquele com uma trompa diabolicamente rouca, formavam uma orquestra desconcertada, porm estrondosa . lGPara completar o quadro, os folies misturavam aos sonsd a instrumentaco marcial o rufo acelerado dos tambores, ostinidos dos fer;inhos, o tropel das castanholas e o chocalhardos pandeiros, que acompanhavam as suas cantigas . 1.

    No dia do Esprito Santo havia cavalhadas, mas a festaatingia o auge noite, com o combate de foguetes entre fortalezas e fragatas, armadas no largo. Para terminar, soltavamse ccprichosos fogos de artifcio, tendo legendas e figuraes.

    Muito divertida era a festa de So Joo. Na vspera doseu dia, acendiam-se fogueiras, fincava-se o clssico mastroe se armava no altar da casa o trono do santo, onde ficava asua imagem, deslumbrante de luzes e flores. Os violeiros cantavam, tiravam-se sortes e se faziam previses sobre o futuro, enquanto os escravos batucavam roda do fogo, assando cars, batatas, roletes de cana e espigas de milho, queiriam acompanhar a ceia. L fora b::lles e foguetes coloriama noite.

    No Natal, antes de imponente Missa do Galo, bailavam-seos autos da quadra - os pastoris, danados e cantados diante do prespio, e as cheganas de mouros representadas aoar livre. Os festejos prolonqavam-se por dias, recrudescendona vspera de Reis, com seren.atas de pastores e ajuntamentono ptio das igrejas. Organizavam-se grupos de moas e rapazes. . . de distino , de negros e pardos , de crioulose mulatas , para percorrer a cidade, cantando versos de memria e de longa da ta . . . Ao fogo de archotes, ao som das

    16 Almeida, Manuel A. de. emrias de um sargento de milcias. Rio deJaneiro, BUP, 1964. p . 84. [1852 .

    j Melo Morais Filho. Op. cit. p. 205.

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    flautas e violo, dos cavaquinhos e pandeiros, das cantoriase castanholas , dirigiam-se tais ranchos ao presepe da Lapinha, s casas conhecidas pelos seus festejos de Natal, ou

    tiravam Reis ao acaso . 18 As famlias os acolhiam com comida e bebida, esperando em troca que tocassem e cantassem para louvar o Deus Menino. Como aponta Gilberto Frey

    re, reisados e pastoris costumavam representar nos engenhosmomentos de confraternizao da fidalguia com a plebe.Nos povoados renovavam-se no largo central, junto ma

    triz as cheg n s (em geral de mouros ou de marujos), enquanto nas casas encenavam-se reisados autos entremeadosde dana e cantos. Aquilo que a festa possua de mais popular em todo o norte do Brasil e de mais nosso era o bum-ba-meu-boi, auto de carter grotesco, em duas cenas, entremeado de chulas, de dilogos patuscos e desempenhado porpersonagens extravagantes . [ Havia, ainda, as janeiras cantadas para desejar feliz ano-novo em todas as provncias, comoregistra Slvio Romero em Cantos popul res do Brasil (XIV).

    Festejo dos mais antigos e concorridos no Rio de Janeiroera o da Penha, de forte sabor lusitano. Compreendia decorao do arraial e lavagem da igreja para receber promessas,milagres (de cera, ouro ou prata), velas e painis votivosem meio a estrepitosa romaria. Como sempre, havia barracasde comida e bebida, cantoria, danas (cana-verde, chimarrita fadinho etc.), desafios, violas e rabecas, foguetrio e acerimnia religiosa que encerrava a comemorao.

    Outra diverso popular, o entrudo realizava-se nos trs diasque precediam a Quaresma. Todavia duravam meses os seuspreparativos, pois era preciso moldar em cera laranjas e limes, para depois os encher com gua perfumada. Na Festad'gua, raros escapavam aos banhos dados nos caminhantes,em renhidas batalhas de laranjinhas, acrescidas de chuvasde farinha-do-reino (de trigo) e ps-de-sapato de vrias cores. Na algazarra que caracterizava os trs dias irresponsveis e delirantes, bacias e quartinhas d'gua inundavamos passantes; e o polvilho e o vermelho mascaravam o escravo ou o homem da plebe, que seguia o seu caminho .

    Afora estas festividades, havia as ligadas lavoura, dentre as quais se destacava a da moagem da cana, em maio,quando os engenhos principiavam a funcionar. Com bambuse folhagens decorava-se o terreiro mandava-se buscar msica na vila e se preparava o banquete para os convidados

    18 Melo Morais Filho. Op. ci t 105-106.19 Id . p. l U

    20 Id. p 165.

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    v indos de longe). Aps a bno solene pelo vigrio, comeava o engenho a funcionar, enquanto os msicos tocavam e se estouravam os infalveis foguetes. S depois eraservida a refeio, regada a caldo de cana. A festa prosseguia com danas no salo e batucada no terreiro onde o lun-du e a chiba imperavam, s findando noite.

    No correr do ano surgiriam outras ocasies para regozijo- nascimentos, batizados ou noivados - porm, as maisesfuziantes eram os casamentos, principalmente na roa. Alegravam-nos violeiros de fama, especialmente contratados paraacompanhar o cortejo da casa da noiva at a matriz. Na voltafazia-se a grande ceia, entremeada por brindes e cantos delouvao aos noivos terminada a qual principiava o baile.

    O mutiro era mais uma oportunidade de congraamento esolidariedade entre vizinhos acabando de hbito por comese bebes, cantos e danas, estimulados pelos senhores. Realizava-se em ocasies de maior trabalho - colheita, derrubadada mata, plantio ou limpeza do caminho para viajantes -baseando-se em ajuda mtua e prazerosa.

    vida no interior

    A no ser nessas circunstncias, o intercmbio social mostrava-se assaz reduzido. No nosso dilatado territrio quase no

    se observava vida urbana. Os transportes eram insuficientese primitivos: embarcaes maiores percorriam o litoral comrara freqncia; canoas, mont ri s e bateles cruzavam osrios navegveis; carros de boi e tropas de muares palmilhavam os caminhos, rudes e estreitos. Nas poucas cidades usavam-se cadeirinhas, serpentinas e liteiras carregadas aos ombros pelos nd s escravos vestidos com garbo), alm debangs, berlindas, seges e coches, puxados por animais. Emsuma, no eram muitas as facilidades de transporte.

    Quanto s comunicaes, tambm eram precrias. Havia oscorreios-mores do rei criados em 1520 porm a correspondncia geral era tida como mercadoria e levada por tropeiros. Quem tinha pressa despachava um prprio ou expresso.S ao fim do sculo XVIII uma lei estabeleceria o servio regular de correio nutico do Brasil construindo-se um prdio

    n a atual rua Primeiro de Maro, no Rio) para a sua administrao. Mas teramos de esperar pela chegada de D Joopara o correio organizar-se inicialmente com a instituiodo servio de postilhes, que conduziam a correspondncia acavalo) .

    Nos povoados, a venda, a taberna e a botica eram os pontos de encontro, de troca de informaes e de diverso. Neles

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    surgia com freqncia o jogo de azar. a banca Segundo LusEdmundo CO Rio de Janeiro no tempo dos vice-reis . constituiu o jogo paixo to avassaladora nos tempos do Brasilportugus. que as disputas de cartas. dados e bolas chegaram a ser proibidas. Vale a pena lembrar aqui uma lgurahabitual onde os houvesse - a do capoeira. Tambm afeioado msica. dana e s demonstraes de valentia. impressionava a todos com a sua destreza mpar e a coreografiaimprevista da sua luta. que podia ser apreciada nas ruas doRio. de Salvador e Recife.

    Como resume Renato de Almeida. na Colnia as boasmaneiras. o prazer das reunies eram inteiramente desconhecidos. A-mulher estava em segundo plano. metida entremucamas e molecas. casando-se entre os doze e os quatorzeanos. no raro analfabeta Fazia doces. cosia. bordava esobretudo tinha muitos filhos. Nunca aparecia e era comums conhecer o noivo no dia do casamento. quando cessava atirania do pai. para comear a do marido . No comparecia afestas pblicas. participando apenas das mais ntimas. queconsistiam em interminveis repastos. com muita abundncia.mas sem arte. sem finura alguma . Assim. enquanto os escravos se divertiam com os seus folguedos. os senhores brancosviviam muito mais insipidamente. ociosos e libertinos . 21

    Se bem que tivesse havido no sculo XVI certa floraocultural em Salvador e Olinda. pouca importncia mereceramas artes na Colnia. a no ser. talvez. a msica e o teatro.Eram ambas de forte cunho religioso. sendo mais cultivadaspelos jesutas. que compunham autos musicados para a catequese. tocavam e ensinavam a cantar. Prosseguiam assim natrilha de Anchieta C ue. por sinal. fundou no Rio de Janeiroem 1555 o Teatro So Loureno. o primeiro que tivemos).

    Alm de verem na msica um auxlio ao culto. muitos senhores nela buscavam diverso. Criavam nas suas fazendasbandas e orquestras. em regra integradas por escravos (oque surpreendeu na Bahia certo visitante francs. do sculoXVII). No mesmo perodo. tambm estimulada pelos padres.desenvolvia-se a msica em Pernambuco. chegando a surgirem Olinda uma escola para a ensinar. No comeo do sculoseguinte. ela seria intensamente cultivada em Minas Gerais.comentando Saint-Hilaire ter ouvido bons concertos em VilaRica. Ao fim do sculo XVIII ganharia novo alento no Rio. exigindo

    salas deconcertos

    para as suasgrandes platias.

    Aesse tempo sobressaa no campo erudito o padre Jos Maurcio. com as suas admirveis composies sacras C omo a

    21 Almeida, Renato de. Op. cit., p. 152-153.

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    famosa Missa de Rquiem . Enquanto isto. modinha e lundumarcavam a msica popular.

    Primeiras experincias de vida urbana

    Mas. paralelamente a esta sociedade rural. desenvolveram-seduas experincias de vida urbana: uma no nordeste. na primeira metade do sculo XVII e outra no centro-sul. no sculoseguinte. Nestes dois pontos observaram-se a diversificaodas ocupaes C pica da vida urbana e o desabrochar decostumes burgueses. As famlias abastadas promoviam reunies e davam saraus ltero-musicais. que incluam recitais decravo e rabeca. declamao de poesias. jogos de cartas. danas C omo o minueto . brincadeiras de prendas. gamo exadrez.

    Em Pernambuco. foi extraordinrio o desenvolvimento aotempo de Maurcio de Nassau. que importou cientistas C omoMarcgraf e Leyde . alm de arquitetos e pintore3 C omo Pieter e Franz Post . Alm disto. calou ruas. construiu pontese ergueu palcios cercados de jardim C de despachos e ode veraneio . Fez tambm o primeiro observatrio astronmico. deixando-nos ao partir. em 1644. uma verdadeira cidade- Mauritzstadt.

    Mais tarde. ao cabo do sculo XVII e comeo do outro.com a descoberta do ouro em Minas Gerais. uma nova civilizao iria plantar-se no interior do pas. O encontro de diamantes. que se seguiu. permitiu requint-la. propiciando o florescimento de letras e artes. especialmente da arquitetura. enriquecida por pintores e escultores. O estilo barroco. trazidopelos jesutas. pde assim atingir esplendor incomum. comoatestam as ricas igrejas de Ouro Preto. Mariana. Sabar ouSo Joo del-Rei. Dentre os artistas que emergiram. avulta oAleijadinho. cuja obra-prima. os Doze Profetas seria executada nos primeiros anos do sculo XIX.

    Nos crculos literrios ento formados. a poesia ganhou prestgio. notadamente no grupo de Cludio Manuel da Costa eToms Antnio Gonzaga. mesma ocasio. criavam-se academias literrias em Salvador e no Rio embora houvessem dedurar pouco.

    Estas. em breves linhas. foram as principais formas de empregar o lazer no Brasil Colnia. perodo em que as atividadesrecreativas mais se ligaram religio. raramente por elas seinteressando os governantes. No obstante os primeiros ensaios de vida urbana em Pernambuco e Minas com os seusambientes literrios e musicais. os sales dos seus palcios esobrades e as ricas igrejas - marcou o ruralismo o com-

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    passo na Colnia. De incio era a busca absorvente do paubrasiL depois, foi a plantao e explorao da cana no litoral. Ao norte prosseguiu a extrao vegetal C ue mais tardese iria ampliar , enquanto a oeste se desenvolveu a extraomineral. Afora isto criava-se gado junto aos engenhos ou onde houvesse condies favorveis de terreno vendo-se o homem sempre muito preso ao solo. Proibida pela Metrpole aindstria no crescia C xceto a do acar , enquanto o comrcio permanecia restrito sendo em geral feito por mascatesambulantes. A prpria estrutura dominante, de grandes fazendas auto-suficientes que produziam os seus gneros alimentcios e tinham o seu artesanato, mandando os senhores buscar no exterior os artigos de luxo opunha-se ao desenvolvimento urbano.

    o domnio da socied de rur lEmbora cada ciclo fosse dando origem a alguns aglomeradosurbanos, durante bom tempo os latifndios caracterizaram opanorama. Cada grande prto representava uma regio econmica, drenando os seus produtos e comerciando diretamente com as capitais europias, sem maiores relaes entre si.Apenas cinco cidades eram importantes - Rio de Janeiro,Salvador, Recife So Lus do Maranho e So Paulo. As outras mais pareciam aldeias em ponto grande. Segundo Capistrano de Abreu, na Colnia no existiu vida social porquenela no houve sociedade. MeEmo no Imprio e no comeo daRepblica continuaria o campo a reger as nosses atividades.A vida urbana s iria principiar de fato com a vinda da famlia reaL que aqui inauguraria um novo estilo.

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    S M QUIN S CONQUIST M M IS L ZER

    Os pases que esto progredindo com rapidez so os que primeiro seindustrializaram. isto . aaueles em que os homens aprenderam a usar mquinas para fazer o trabalho que as m:ros executavam

    Hoje. exist3 uma grande distncia entre os pases industrializados. emrelao ao que a maioria das pessoas dispe de tempo para fazer e pensar.No mundo antigo, um governante tinha s suas ordens muito m:::ris luxo quequalquer um dos seus sditos. Todavia. se considerarmos a m:::rneira de viverdo comum das pessoas em dois pases quaisquer - Babilnia e Egito antigos,por exemplo - veremos que no eram to grandes as diferenas entre o queumas e outras podiam fazer. Atualmente isto no ocorre. N'.Im pas industrializado como os Estados Unidos, uma famlia que vive numa casa comumpode utilizar mais energia para obter aJ:mento, gua. luz, calor e refrigerao.bem como dispor de telefone, rdio e televiso do que podia um rei muito

    rico na antigidade,com

    todo o trabalho das suas centenas de escravos. Masnum pais no industrializado, muitas pessoas vivem descalas, doentes, comfome e carentes de educao Marg uet Mead.

    No fim do sculo XVIII. o mundo se apresentava muito diferente do que fora at o aparecimento da mquina a vapor.j que esta desencadeara profundas alteraes na vida sociale econmica. Tais mudanas no se deviam apenas ao avano da tecnologia industriaL mas decorriam. tambm. dos novosprocessos de produo agrcola e distribuio dos produtos.Como os transportes haviam progredido. era possvel s pessoas e aos bens de consumo viajar mais depressa e com maiorfacilidade. Novas idias e hbitos assim se difundiam.

    As grandes mquinas eram. porm. dispendiosas. sendopoucos cs que as podiam comprar ou manter. Os artfices. queat ento tinham trabalhado por conta prpria. viam-se forados a buscar emprego fora d e casa. perdendo a antiga in -dependncia. Com o sistema de fbricas. que ento se desenvolvia. conseguiam ganhar mais gastando menos forafsica. porm a sua vida sofrera grandes modificaes.

    As pessoas acudiam a morar junto aos centros fabris. aglomerando-se em espaos reduzidos e fazendo crescer as cidades. Nestas concentraes urbanas acentuavam-se os problemas de espao para habitao. de abastecimento. de higiene.de transporte e de circulao. O domiclio era agora em localseparado da oficina ou da loja. o que precipitava novos moldes de vida. A progressiva subdiviso das tarefas C ue a mquina exigia) e a decorrente especializao das funes contribuam. por seu turno. para aumentar o tdio. conseqente

    22 Mead, Margaret. People and places Cleveland, World Publishing, 1959.p. 299300.

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    a um trabalho mecanizado e rotineiro. Nele o homem ia tendocada vez mais reduzidas as suas oportunidades de auto-afirmao, pois compreendia que podia ser substitudo com relativa facilidade por quem quer que apenas aprendesse a alimentar a mquina.

    Ainda no era grane o lazer - contavam-se 84 horas semanais de trabalho (quando hoje so cerca de 45 e, em certasindstrias, menos de 32). Findo o dia e exausto por 14 horasde labor, o operrio utilizava o tempo de sobra unicamentepara recuperar as foras e poder retomar a atividade. Almdisto, estendia-se a todas as classes a nsia de fugir rotinada vida, da qual a organizao estava a tirar o sabor ( ao suprimir a criao individual, tendo em vista a padronizaonecessria produo em srie). O que antes fora cOll3iderado pecado - o t edium cordis - e depois havia sido vistocomo doena - o spleen - iria constituir no sculo XIX omal-du-siec1e to explorado pelos romnticos. Como assinalouBaudelaire, sucedeu que l 'ennui, fruit de la morne incuriosit,prit les proportions de l ' immortalit .

    Os sistemas econmicos, por seu turno, mostravam-se progressivamente mais complicados, instigando a fragmentaodo trabalho em operaes simples, para que as mquinas aspudessem executar. Tornavam-se assim os homens mais dependentes uns dos outros, no apenas dentro da prpria regio, como ainda em relao aos produtores e consumidoresde outras reas. Fazia-se cada vez mais vlida a advertnciado poeta ingls, John Donne, enunciada no sculo XVI (Devotions XVII): nunca mandes saber por quem o sino dobra; ele dobra por ti , visto no constituir o homem uma i lhaisolada, porm fazer parte do continente que a humanidade.

    J nesse perodo lutavam as trade-unions por melhorescondies de trabalho e pela reduo da jornada de 12 ou 1horas para 8. Iniciadas pelos operrios em 1825 na Inglaterra,ali s foram lograr mbito em 1851 e reconhecimento legal2 anos aps. Nesse entretanto, sancionava-se no mesmopas a primeira lei do mundo fixando em 1 horas a jornadade trabalho (1847). Observe-se que o lazer no figurava ainda como reivindicao valiosa por si mesma: visava-se apenas reduo das horas de trabalho. Na Frana, por exemplo, s em 1864 apareceria o primeiro movimento solicitandotempo vago para determinado uso (no caso, o estudo noturno ) .

    A esse tempo o movimento sindical ia avanando, propagando-se pela Europa e pelos Estados Unidos. (Ao Brasil haveria de chegar mais tarde, com a Repblica, porm, j nocomeo deste sculo um decreto estenderia o direito de sindi-

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    calizao a quase todas as categorias profissionais.) Na ltima dcada do sculo XIX coube ao Papa Leo XIII insistir nconcesso ao trabalhador de descanso proporcional ao desgaste das suas foras CRerum Novarum . O repouso semanalaos domingos e o direito aos feriados, inicialmente ligados tradio religiosa, principiaram a ser regidos por textos legais, tornando-se obrigatrios em vrios pases. Embora algumas empresas j os pagassem espontaneamente, sua remunerao foi-se configurar como obrigao patronal somente aofim da segunda dcada do nosso sculo. mesma ocasio,algumas naes comearam a conceder frias aos trabalhadores da indstria e do comrcio, medida que aos poucos sedifundiu pelo mundo. O pagamento destas frias, todavia shaveria de se generalizar aps a Segunda Guerra Mundial .

    No sculo XX finalmente, logrou o homem substancial ampliao do seu tempo livre. Aps as recomendaes do Tratado de Versailles e da Conferncia Internacional do Trabalho, em 1919, a maioria dos pases foi fixando o mximo dajornada de trabalho em oito horas, regulamentando a atividadeprofissional de menores e mulheres e promovendo legislaosobre descanso semanal, frias remuneradas e aposentadoria.

    Em conseqncia destas medidas, reuniu-se em 1930, emLiege, o Primeiro Congresso Internacional de Lazer Operrio,que sugeriu a criao de comisso permanente sobre o assunto, junto Organizao Internacional do Trabalho iniciada em 1919). Em 1936 criou-se na Frana o Ministine des Loi-sirs sendo sintomtica da nova conotao a troca da palavrarepouso por lazer. Mais tarde, a Declarao Universal dos Direitos do Homem, apresentada em 1948 pela Organizao dasNaes Un:das, insistiria, embora sem fora coativa no respeito aos princpios de proteo ao trabalho. No ano seguinte,a Comisso de Lazer Operrio, j reunida em Genebra sob osauspcios da O.LT., adotaria resolues que valorizavam arecreao para o trabalhador.

    Novos tempos. Novas aspiraes

    A essa altura j se haviam expandido os sistemas pblicosda educao. Aceito o princpio de que a mesma lngua, costumes semelhantes, idias comuns e anseios gerais deviamconstituir O ncleo de cada nao C u unidade poltica), passara o ensino a representar obrigao do governo. Destarte,de 1850 a 1870 foram surgindo na Sucia, Noruega, Frana,Grcia, Egito e Hungria os primeiros ministrios de instruopblica. Oferecendo ao homem novas oportunidades, iam taissistemas afetando profundamente os ses interesses, atitudes

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    e nveis de aspirao, em suma, mudando a sua maneira dencarar a vida. No Brasil, o Ministrio de Instruo Pblica,-Correios e Telgrafos seria criado logo aps a Repblica, sdurando, porm, at 1891.

    Outra fonte de renovao dos ideais humanos foi o extraordinrio aperfeioamento dos meios de comunicao e detransporte Enquanto o telgrafo, o telefone e o rdio facilitavam a aproximao entre as pessoas, o vapor, a eletricidadee o motor a gasolina iam permitindo a expanso da rede detransportes, ligando o campo cidade.

    Tudo isto foi ocasionando transformaes radicais no modode viver, fazendo-omudar em ritmo to acelerado que se tornou difcil acompanh-lo. Basta considerar, por exemplo, oefeito de apenas dois destes novos meios de intercmbio -o rdio e o trem - para se ter uma idia de quanto nos afetaram e afetam). Ambos no s reduziram as distncias,como tambm concorreram para a rpida divulgao das notcias, levando s mais remotas paragens novos costumes, eassim lhes abrindo perspectivas jamais sonhadas. Quandoatentamos para a rede mundial de ferrovias e para a sua significao onde quer que passe, parece incrvel que h 150anos no existisse uma nica estrada de ferro pblica noglobo. No Brasil, a primeira apareceria em 1845.

    Outras alteraes nos padres de vida do sculoXIX

    decorreram do avano da higiene e da medicina que, ao prolongarem a durao da vida, deram ao homem mais tempopara fru-Ia. De um lado a vacinao e a antissepsia, comorecursos preventivos, e do outro o avano d a cirurgia, graasao desenvolvimento da anestesia e das cincias biolgicas,contriburam para o aumento da expectativa de vida. Da mesma forma, a preveno das avitaminoses e os novos medicamentos como a droga mgica o Salvarsan) reduziram as ta

    xas de mortalidade, ao mesmo tempo em que medidas desaneamento pblico tornavam as cidades mais habitveis. Porsua vez, a refrigerao dos alimentos e as novas tcnicas d asua ccnservao melhoravam a disponibilidade de comida.Assim, praticamente controladas a peste isto , as doenasinfecciosas) e a fome ou seja, a subnutrio), ganhavam oshomens mais tempo para viver.

    Entretanto, junto com este progresso avanavam, tambm,dificuldades, como as de convivncia nos aglomerados urba

    nos e das tenses nervosas que neles se avolumavam. Inquietude crescente e sentimentos de frustrao seguiam de pertoo desenvolvimento da sociedade. que nela prevalecia agoraum ritmo acelerado de trabalho, ligado a intensa competio,sendo comuns os choques de interesses nos ncleos popula-

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    cionais cada vez mais congestionados, que se formavam junto s fbricas.

    Outros fatores de desgaste emocional eram o tom impessoalC ue passou a caracterizar os contatos entre os numerososhabitantes das cidades) e os problemas que a indispensvelorganizc:o burocrtica comeou a estender a todos os setores da vida. A pouco e pouco os habitantes dos aglomeradosurbanos iam deixando de se sentir como pessoas, para representarem nmeros. Nos prdios em que se comprimiam principiava a ocorrer o que Drummond de Andrade to bem exprimiria: no cimento, nem trao da pena dos homens. Asfamlias se fecham em clulas es tanques . . . Entretanto hmuito se acabaram os homens. Ficaram apenas tristes moradores . 3

    O trabalho industrial, de execuo mais fragmentada e disCiplinada, feito em tempo rpido, exigia menos energia fsicaque no sculo anterior, porm fatigava mais os nervos, exacerbando a necessidade de repouso. Para agravar tais problemas, o morador dos centros densamente povoados foi tendo devassada a sua vida particular e perturbado o seu recolhimento, de vez que o mesmo espao para viver precisou serrepartido entre nmero crescente de indivduos.

    Com o aumento e a diversificao da populao nas cidades, cada pessoa foi pertencendo simultaneamente a diversosgrupos - de famlia, vizinhana, bairro, trabalho, escola, parquia, clube etc. - cada qual lhe exigindo certos moldes d ecomportamento e obedincia prpria escala de valores. Viuse ento o homem compelido a dividir entre muitos a fideli.dade que antes devia a apenas alguns grupos, bem conhecidos,e a aceitar princpios por vezes contraditrios. Destarte as suastradicionais lealdades famlia, vizinhana, igreja, aogrupo profissional e ao povoado foram tendo abaladas as ra

    zes, para maior confuso dos sentimentos de todos.Como se todos estes conflitos ntimos no bastassem, os indivduos tiveram que enfrentar ainda a mobilidade agora permitida e estimulada dentro da sociedade. Precisaram aprender, a cada passo, a fazer a melhor escolha dentre numerosaspossibilidades, sequer imaginadas antes. No mais eram obrigados a permanecer o resto da vida na classe em que tinhamnascido; podiam movimentar-se dentro da estrutura social,conforme os prprios esforos e mritos. Novo fator de inse

    gurana os envolvia - a busca do sucesso - pois que seviam continuamente instigados a procurar a ascenso social.

    23 Andrade. Carlos Drummond de. Edifcio Esplendor. Obras Completas Riode Janeiro, Aguilar. 1964. p. 124.

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    Segundo Erich Fromm, esta suposta libertao os foi levandoa tal medo das opes agora possveis e a tamanha solidoque, paradoxalmente, neles despertou e incitou o desejo defugir liberdade , de voltar s antigas peias da civilizaomedieval.

    A utilizao do novo tempo de folga

    Datam dessa poca os primeiros jardins pblicos, cpia dosque eram privativos da corte. Constituam tentativa de oferecer burguesia, surgida com o declnio da nobreza feudal.alguns dos prazeres inicialmente reservados aristocracia.Enquanto os membros da nova classe neles se divertiam, compasseios, piqueniques e bailes populares, ou freqentavam osruidosos parques de diverso, permaneciam os aristocratas

    entregues a seus passatempos habituais. J em 1859, uma leiinglesa permitia s autoridades adquirir terras para fins derecreao. Lembremos, a propsito, que sete dos grandes parques pblicos, hoje encontrados em Londres, eram propriedade particular da realeza, destinando-se um deles, at, s caadas da Corte. (Esta transformao de stios da realeza emparques pblicos iria repetir-se bem mais tarde entre ns, naQuinta da Boa Vista e no palcio imperial de Petrpolis -este posteriormente feito museu pblico, inaugurado em 1943.)

    lubes sociais atlticos e desportivos

    Tambm no mesmo perodo h que salientar o aparecimentode clubes, onde se cultivavam novas formas de sociabilidade.Em oposio s outras associaes, de classe ou tipo sindicato, eram eles abertos a todos, deixando a taberna e o botequim de ser os pontos para onde deviam convergir os trabalhadores, interessados em convvio social.

    Igualmente na segunda metade do sculo XIX renovava-se ointeresse pelas atividades atlticas (que culminaria com areimplantao dos Jogos Olmpicos, em 1896) e cresciam osesportes. J no fim do sculo anterior havia a ginstica logrado maior apoio da opinio pblica, despertada por Rousseau. Aconselhava ele no Emile a tornar primeiro sadio eforte o aluno, cuidando do seu fsico, para depois lhe cultivara inteligncia, de vez que aquele guiaria o desenvolvimentodesta. Assim renasceu o prestgio da ginstica, criando-se escolas e sistemas em diversos pases, que no prprio sculo XIXconseguiriam boa difuso em toda a Europa (como os deJahn na Alemanha, Ling na Sucia, Dmeny e, depois, Rbert 'na Frana) .

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    Na segunda metade do sculo, convm destacar os seguintes fatos no terreno desportivo: a fundao da Football sso-ciation; a emancipao do rug y em relao ao futebol); acriao do basquetebol e do voleibol; a inveno do plo aqutico; a propagao do tnis pela Europa; a idealizao dobeisebol a partir do cricket ingls); a expanso do ciclismo

    C raas aos aperfeioamentos que lhe permitiam maior velocidade); o despontar do motociclismo e do automobilismo; ea regulamentao do remo como esporte.

    Outra grande mudana nos hbitos de lazer deveu-se extenso da prcduo em srie aos jornais, a partir da primeirametade do sculo XVIII. No sculo seguinte, a linotipo e arotativa, aliados difuso da instruo e conscincia crescente da importncia das notcias locais levaram os jornaisa entrar em mais casas pela primeira vez na do operrio,que antes no sabia ler e pouco se interessava pela informao, alm de no poder pagar o alto preo dos peridicos, debaixa t iragem). Tambm no sculo XIX os livros comearama ser produzidos em srie, crescendo evidentemente o seu consumo, mesmo porque os novos meios de comunicao iam reforando nos homens o desejo de se manter ao corrente dosfatos. O s nossos jornais s apareceriam quando a corte paraaqui se transferiu, pois que antes eram proibidos pela Metrpole.)

    Outros hbitos de lazer

    Os novos meios de transporte e de comunicao distnciarepercutiram muito no aproveitamento das horas livres. Senos meados do sculo XIX a vida era profundamente marcadapelos jogos e festas tradicionais, de carter corporativo ou religioso ao chegar o sculo XX tais atividades extravasaram osquadros rituais e profissionais, multiplicaram-se e se compli

    caram. A solicitao que o homem moderno recebe para tomar parte em entretenimentos deixou de ficar na dependnciada realizao peridica de cerimnias coletivas ou de comemoraes religiosas com datas aprazadas. Passou a ser diria e insistente, secundada por alto-falantes, cartazes, jornais,revistas, telefone rdio, televiso e cinema. Como o transportetornou-se cada vez mais abundante e as estradas de ferro erodagem se ampliaram e ramificaram notadamente as ltimas, aps o surto do automvel), a essas atividades acodem

    no apenas os que pretendem participar, porm uma multidode espectadores aficionados. Seus hbitos de lazer vem-seassim, cada vez mais influenciados por tais ocupaes. A publicidade que as cerca e na qual se investem altas somas),

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    vai, por sua vez repercutindo em ondas at atingir todas ascamadas da populao, numa tentativa de uniformizar tambm o campo do lazer. As pessoas passam a sentir que devem ler certo livro ver determinado filme gostar de um jogode cartas, apreciar pescarias ou passar fora os fins de semana. Emergiu o que Martha Wolfenstein denominou fun mo

    rality ou seja, a obrigao moral de se divertir de certom o d o ~ 4

    Panorama do lazer no Brasil do sculo XIX

    Somente quendo a corte portuguesa para aqui se transferiu,com o seu squito de quase quinze mil pessoas, que a nossasociedade acusou maiores transformaes. At a vinda doregente, o ruralismo dominava a Colnia, vivendo a camada

    social mais alta retirada nas suas enormes quintas. Ser senhor de enqenho era ttulo de nobreza e ter chcara sinal deabastana, -detendo as classes rurais o predomnio poltico. Aprpria capital, embora fosse desde 1763 o centro do governo,s ganharia ares urbanos aps a transmigrao da famliareal.

    Terminados os nove dias de festas com que foi acolhido,cuidou logo o prncipe D. Joo de melhorar o Rio de Janeirocom abastecimento d'gua, i luminao e calamento de ruas.Ento o comrcio C empre vinculado sociedade urbana) tomou impulso, constituindo-se as lojas da capital em atrativopara o resto da Colnia. r corte passou a ser o sonho detodos pois segundo Tavares Bastos as provncias nada maisrepresentavam poca do que colnias do Rio.

    Hbitos e usanas sofreram intensa renovao; introduziram-se novidades no vesturio, na vida social e na atividadeeconmica. O prprio D Joo dava-se pressa em imprimir novocunho sociedade, abrindo os portos s naes amigas. Atraiuassim viajantes, deles absorvendo costumes, idias e tcnicas.Naturalmente a ocupao do lazer modificou-se com os hbitos importados e a criao de instituies como o Horto Reale o Real Teatro So Joo. Desnecessrio agora o combate stentativas locais de impresso, comearam os jornais a aparecer. Desde o incio do sculo publicava-se mensalmente oCorreio Braziliense mas era ele impresso em Londres. Criadapor D. Jeo a Imprensa Rgia, iria publicar-se aqui semanalmente a azeta do Rio de Janeiro. Em pouco se instalaria aprimeira biblioteca pblica, hoje Biblioteca Nacional C ujo

    24 Wollenstein. Martha. The emergence of fun moraJity. In: Larrabee, E. ,Meyersohn. R. Mass leisure. G1encoe m Free Press, 1958.

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    acervo a faria a maior da Amrica do Sul) e, nascia o RealMuseu.

    O regente, que estimava letras e artes, prestigiou os nossosartistas, notadamente mestre Valentim, que aqui se instalara,embelezando a cidade com os seus riscos, talhas e esculturas.Ao padre Jos Maurcio confiou ele a Capela Real, renomada

    pela excelncia de seu coro e orquestra. Tambm na arquitetura repercutia a nova mentalidade, ampliando as casas.

    Em oito dias reformavam-se em janelas francas as suas gelosias e rtulas, sendo que o mobilirio e a decorao internatambm acusavam mudana. C Em 82 registraria MariaGraha, no seu Dirio de uma viagem ao Brasil ter visto noRio prdios de trs e quatro andares.)

    Influncia europia

    Quando em 1815 foi a Colnia elevada a Reino Unido ao dePortugal e Algarves, consolidou-se o status da sua capital,como centro cultural a ser buscado e imitado pelas provn.cias. No ano seguinte viria a Misso Artstica Francesa C earquitetos, pintores e escultores) para instalar a Escola Realde Cincias, Artes e Ofcios Cmais tarde Academia de Bel03-Artes), destinada a promover e difundir instruo e conhecimentos indispensveis ao homem Um dos seus membros,Jean.Baptiste Debret, haveria de documentar os nossos costumes em livro fartamente ilustrado, oyage pittoresque et his-torique au Brsil que publicaria em Paris, em 1834.

    A cada passo notava-se a influncia europia: no cultivodas artes, nas atividades comerciais, na vida social C ue assumira requintes de elegncia e bom gosto) e at na linguagem. Enriquecia-se esta de termos franceses, idioma agoraindispensvel s famlias da lite. No se faziam mais saraus,porm soires onde se danava o co tillon , com toilettes vindas de fora. Todavia, at 1815 seria mais acentuada a influncia inglesa, tanto no vesturio e no mobilirio, quanto nocomrcio, estendendo-se mesmo ao exrcito C ue se disciplinava e vestia inglesa) . Aps a queda de Napoleo, retornaria o entusiasmo pelas coisas francesas, com o novo intercmbio.

    Os passatempos ganharam refinamentos vindos de almmar, dominando nos bailes o minueto, a quadrilha francesa,o solo ingls e o pas-de-quatre. No mais presas ao lar nemobrigadas a se esconder atrs de rtulas, as mulheres iam sfestas nos paos, assistiam s comemoraes de rua e participavam das grandes celebraes religiosas. Para elas tinhamse aberto os sales, os restaurants, os locais pblicos de di-

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    verso. Era chie ir ao lunch nas casas de ch, participar depiqueniques na Tijuca ou no Jardim Botnico e fazer visitasprolongadas (geralmente concludas com uma noitada de jogos de cartas) .

    Durante bom tempo prosseguiu a verdadeira mania de copiar os costumes europeus, a qual seria ridicularizada porMartins Pena. Excelente documentarista da poca, registrariatal capricho em vrias farsas, como m sertanejo na corte(provavelmente escrita em 1837) ou O ingls maquinista (datada de 1842). Nesta ltima, uma jovem entusiasma as mestras porque fala francs e daqui a dois dias no sabe maisfalar portugus . 25 Outro dos seus personagens, desta feitade A f ml i e a festa da roa, reclama que as moas ria cidade s gostam de modas francesas e de citar Mme. de Genlis, Mme. de Stael e Lamartine, pensando apenas em ir aosbailes, ao teatro, s partidas e ao Catete.

    As grandes procisses

    Entretanto, as tradicionais celebraes religiosas (com o seulado profano) continuavam a ter papel de relevo na vida sacial. Segundo Manuel Antnio de Almeida, as procisses multiplicavam-se, buscando cada qual ser mais rica e ostentarmaior luxo . Um dia de procisso era sempre de grande festa Enfeitavam-se portas e janelas, estas com magnficas colchas de seda, de damasco de todas as cores . Nasesquinas armavam-se coretos e as ruas enchiam-se de povo,nelas aparecendo at um rancho de baianas . . , a danarnos intervalos dos Deo Gratias . 26

    Na capital, algumas procisses ganhavam maior aparato,pois contavam com o prprio Imperador, como as de orpus

    hristi e da Glria. Ao tempo de Pedro I mostrava-se estaltima ofuscante de brilho pelo lado religioso, de grandezadesusada como pompa exterior e de verdadeiro carter principesco, como concluso aristocrtica . 27 Quando terminava,j noite, apinhavam-se os quarteires do Catete e da Glria,tocavam-se msicas nos coretos, acendia-se nas casas umaprofuso de luzes e se realizavam bailes nos palacetes. Nasruas, divertia-se o povo com msicas de barbeiros, bandas militares, tocatas de violo e fogos de artifcios.

    25 Martins Pena, Lus C. omdias de Martins Pena. Rio de Janeiro, Tecno

    print, 1966. p. 119.26 Almeida, Manoel A. de. Op. ci l . p. 84.27 Melo Morais Filho. Festas e tradies populares do Brasil. 3. ed. Riode Janeiro, Tecnoprint, 1967. p. 262.

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    No interior eram as procisses cercadas do m9smo entusiasmo, vindo gente de longe para nelas tomar parte e se dis.trair com os folguedos paralelos (ranchos de pastores, autosdo tipo do bumba-meu-boi, congadas, disputas no pau-de-seboe girndolas), como se contaria nos Cadernos de uma menin provinciana nos fins do sculo XIX

    Festas religiosas

    As festas de Natal incluam autos pastoris junto ao prespio,seguidos de danas (polcas e valsas nas casas de tratamento ). L fora repicavam os sinos, os escravos batucavamna senzala, tocando pandeiro para avivar o jongo e os vio-leiros se animavam, enquanto os cantadores ambulantes pros-

    seguiam pelos caminhos. Na literatura do perodo encontramosdescries vivas destes costumes. No Tronco do ip Jos deAlencar retrata uma noite assim, com os seus autos e ranchos de pastores, lembrando que antes de se dirigirem Mis-sa do Galo, os convidados danavam a quadrilha francesa,entremeada pelo riL a polca e o miudinho, ao som da bandada fazenda. O batuque dos escravos merece-lhe longa descrio, o mesmo sucedendo no livro de Helena Morley, que re-lata uma festa na senzala. Conta ela que os escravos enfei-

    tavam o cmodo maior com bambus, bananeiras ou folhagem,e pondo-se a cantar cantigas da