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O JOGO ENQUANTO PERSPECTIVAS E CONTRIBUIÇÕES A PARTIR DA PEDAGOGIA HISTÓRICO-CRÍTICA: AÇÃO-REFLEXÃO-AÇÃO PARA A
EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR
ILMA CÉLIA RIBEIRO HONORATO1
CHRISTINE VARGAS LIMA2
RESUMO
O presente trabalho parte do pressuposto de que a disciplina de educação física deve por meio de suas aulas possibilitarem um ensino de qualidade intermediado por seus conteúdos estruturantes de forma sistematizada permitindo ao aluno um ensino crítico, histórico, dinâmico, com significados e contextualizado à luz de uma metodologia pautada pela teoria histórico-crítica. A problemática envolvendo o trabalho perpassa pela questão das possibilidades de intervenções tendo como princípio balizador o conceito da coletividade. Para a sustentação metodológica, o presente estudo utilizou de uma pesquisa qualitativa com o método fundamentado em uma pesquisa ação, por meio de aulas aplicadas aos alunos, permitindo confrontar a realidade e possibilitando as discussões de resultados e contribuições para uma possível ruptura do estigma que acompanha a educação física, como aulas fragmentadas, descontextualizadas, esvaziadas de conteúdos ou esportivizadas.
Palavras chave: Educação física; jogo; coletividade; pedagogia histórico crítica.
THE GAME WHILE PERSPECTIVES AND CONTRIBUTIONS FROM A HISTORIC-CRITIQUE PEDAGOGY PERSPECTIVE :
ACTION-REFLEXTION TO SCHOLAR PHYSICAL EDUCATION
ABSTRACT
The present study focus on the previewed assumption that the Physical Education Discipline can, by means of its classes, give access for a qualitative teaching, which making use of its structuring syllabus in a systematized way allows the students to take part of a critical, historic and dynamic study into a meaningful context and that at the same time shed lights on the agenda of historical critic pedagogy. The problematic involving the research goes through the intervention´s possibility elicited by the balanced principles of collectivity concepts. In order to support it methodologically, the present research made use of a qualitative research with a method made upon an action research, by means of classes, whose students attended, it makes possible to face the reality and also it gives the possibility to discuss the results and contributions to achieve a rupture of stigmas which grabs on Physical Education, with fragmented, non contextualized , empty of of subject or even though sportiveless classes.1 Professora da Rede Pública de Ensino PDE 20082 Professora do Departamento de Pedagogia da Universidade do Oeste do Paraná - UNICENTRO
Key words: Physical Education; game ; collectivity; historic critique pedagogy.
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O presente trabalho parte do pressuposto de que a disciplina de educação física
deve por meio de suas aulas possibilitarem um ensino de qualidade intermediado por
seus conteúdos estruturantes de forma sistematizada permitindo ao aluno um ensino
crítico, histórico, dinâmico, com significados e contextualizado à luz de uma
metodologia pautada pela teoria histórico-crítica.
A problemática envolvendo o trabalho perpassa pela questão das possibilidades
de intervenções tendo como princípio balizador o conceito da coletividade.
Para a sustentação metodológica, o estudo utilizou de uma pesquisa qualitativa
com o método fundamentado em uma pesquisa ação, por meio de aulas aplicadas aos
alunos, permitindo confrontar a realidade e possibilitando as discussões de resultados e
contribuições para uma possível ruptura do estigma que acompanha a educação física,
como aulas fragmentadas, descontextualizadas, esvaziadas de conteúdos ou
esportivizadas.
Em um primeiro momento conceituamos a coletividade e seus princípios por
acreditarmos ser um processo emancipador em relação a sociedade em que vivemos.
Em seguida o trabalho retrata a possibilidade de se planejar e executar as aulas seguindo
uma didática pautada pela pedagogia histórico crítica. Seguindo esse processo relatamos
a aplicação de um conjunto de aulas com o conteúdo estruturante jogo. Finalizamos o
trabalho com as reflexões, debates e referencial teórico da educação física confrontado
com as vivências dos alunos relatadas no diário de campo, bem como o seu “olhar”
diante da atividade vivenciada entregue na forma de relatórios no início de cada aula.
Sabemos que os aspectos metodológicos vêm sendo historicamente desenvolvidos
tanto na área da Educação Física como também nas diversas áreas do conhecimento,
buscando fornecer propostas que possam atender as exigências do quadro atual de
ensino (OLIVEIRA, 1997).
Justificamos assim, o fato de almejar por meio deste estudo, contribuir para um
aprofundamento teórico dos professores, buscando fornecer subsídios para a práxis
pedagógica.
Nesse contexto, o trabalho tem o formato de análises pautadas em referenciais
teóricos, buscando deixar clara a possibilidade de intervenção a partir da proposição da
relação teoria/prática e ação /reflexão/ação utilizando uma didática pautada na
pedagogia histórico crítica (GASPARIN, 2005).
EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR: ALGUMAS REFLEXÕES
A Educação Física mesmo fazendo parte da organização curricular na escola,
pertencente ao núcleo comum, ela exerce uma configuração diferenciada das demais
disciplinas. Essa configuração diferenciada representada por aulas em que a essência se
traduz em movimento se torna um tanto paradoxal na medida em que é uma aula muito
apreciada pelas crianças e adolescentes, porém com pouco respaldo enquanto saber
científico, ou seja, no conceito dos alunos no mesmo instante que é a melhor aula
também é considerada a aula menos importante3.
Nesse sentido a disciplina assume um papel secundário quanto o conceito é
ensinar e um papel importante quando o assunto é desgaste de energia, aula diferenciada
em que os alunos possam mover o corpo, enfim, modelos colocados no decorrer da
história da disciplina que entrou para o currículo escolar sob a forma de modelos
ginásticos importados da Europa no qual o principal objetivo era a docilização4 corpórea
passível de manipulação e alienação.
Na década de 70 o esporte entra em cena como principal conteúdo da Educação
Física que teria como único objetivo tornar o País potencia olímpica.
A Educação Física não logrando êxito de fazer com que tornássemos campões e
na tentativa de ter um espaço com grau de importância elevado no âmbito escolar
recorreu à abordagem em que a tornava suporte para as demais disciplinas. Essa
abordagem denominada psicomotricidade desconsiderou os conteúdos da Educação
Física para ensinar lateralidade, esquema corporal, noção espaço e tempo, entre outros,
como se essas noções não perpassassem pela dança, ginástica, jogos e esportes. Com
isso as aulas de Educação Física além de serem fragmentadas com atividades estanques,
3 Pesquisa feita por Darido em 2004, em que pergunta para os alunos qual a melhor aula na escola, o resultado desse questionamento coloca a disciplina de Educação Física em primeiro lugar. Quando pergunta qual aula é a mais importante, temos a Educação Física em penúltimo lugar.4 Quanto à docilização de corpos ver Wagner Wey Moreira em Corpo presente corpo pressente, 1992.
apresentavam o estigma de somente contribuir com outras disciplinas não tendo,
portanto, conteúdo próprio.
Na década de 80 surgem então efervescentes debates em relação à disciplina de
educação física como uma disciplina pedagógica, com conteúdos clássicos para além
das quatro linhas de uma quadra esportiva, uma disciplina pertencente ao quadro de
disciplinas da escola com especificidades próprias denominada de cultura corporal em
que por meio de conteúdos como a danças, jogos, ginásticas, lutas e esportes
comporiam seu objeto de estudo.
Esses debates contribuíram no intuito do aprofundamento em questões ligadas a
Educação Física escolar que até aquele momento visualizavam a disciplina como objeto
de estudo pertencente à aptidão física, contribuindo dessa forma para defender
interesses das classes no poder (SOARES et al, 1992).
Diante dessa proposta pedagógica o esporte também teve a contribuição de
desenvolver a aptidão física, e favorecer a alienação interferindo, portanto na sua
condição de sujeito histórico com capacidade de transformação da realidade.
Nesse conceito tão limitado para a disciplina de Educação Física atuar no
contexto escolar, é que surgiram grupos de estudiosos que elencaram o debate no
sentido pedagógico permeado pelas contribuições da pedagogia histórico - crítica5 com
o intuito de desmistificar a possibilidade da educação física atuar como agente que
educa o homem forte, ágil e empreendedor e também que vê no esporte um conteúdo
propício por meio da biologia como forma de adestramento e alienação.
Nesse contexto de intensos debates a cultura corporal veio com uma perspectiva
de desenvolver reflexões por meio de conteúdos como a dança, esporte, ginástica, jogos
e lutas como forma do homem de representar o mundo no decorrer da história
exteriorizada pela expressão corporal (SOARES et al, 1992).
A perspectiva da cultura corporal debatida a partir da década de 80 e recorrente
até os dias atuais trabalham em um contexto que permite abordar a transformação do
homem ao longo da história da humanidade, como resultado dessa relação homem com
a natureza e com os outros homens. “O erguer-se, lenta e gradualmente, até a posição
ereta corresponde a uma resposta do homem com a natureza” (SOARES, et al, 1992,
p.38).
5 Ver Pedagogia Histórico – Crítica primeiras aproximações – Dermeval Saviani, 1991.
Diante dessa idéia expressada acima, podemos entender que a materialidade
corpórea foi historicamente construída, desenvolvendo assim uma cultura corporal,
resultados de conhecimentos socialmente produzidos e culturalmente acumulados.
Com essas reflexões apresentadas poderíamos concluir que a Educação Física a
partir da década de 80 ganha respaldo enquanto disciplina conseguindo se fazer
pertencer ao núcleo comum da organização curricular na escola como uma disciplina
importante em nível de conhecimento, saberes pedagógicos e reflexivos.
Porém, atualmente, apesar dos avanços da Educação Física no que tange a
produções literárias, congressos, fóruns, pós-graduações tanto lato como stricto – sensu
percebemos a disciplina de Educação Física atuando de forma fragmentada,
descontextualizada e um tanto quanto equivocada no ambiente escolar.
Importante ressaltar que este estudo não tem a pretensão de solucionar a tão
debatida falta de identidade da educação física, mas aproximar um dos seus conteúdos -
no caso o jogo - de uma pedagogia pautada e referendada pela cultura corporal e
instrumentalizada por uma didática histórico -crítica articulada com o princípio da
coletividade.
PEDAGOGIA DA COLETIVIDADE: ANTON MAKARENKO COMO
PRECURSSOR
Anton Makarenko e sua pedagogia situam-se em um contexto histórico
fertilizados por movimentos revolucionários socialistas, que segundo o historiador Eric
Hobsbawm citado por Luedemann (2002) o acontecimento histórico do século XX foi a
revolução Russa de 1927 em que orientou a criação de um sistema de ensino no qual o
lema era o ensino público, gratuito, universal e leigo, portanto um lema considerado
para além da revolução burguesa.
Makarenko viveu as grandes transformações históricas do século XIX e as
primeiras do século XX (LUEDEMANN, 2002), portanto refletiu sobre o seu tempo
como um tempo de mudanças e contradições, em que as escolas e o conhecimento
formal deixou de ser privilégio das elites para ser um projeto de uma sociedade
industrial, portanto segundo Luedemann (2002) a escola nascia com a fábrica.
Um fato importante para seguirmos com nossas reflexões é que nessa época a
família que tinha como base e provedor o pai estava destroçada, e diante desse fato tanto
a mulher quanto a criança passava a ser explorados pelo trabalho. Diante desse contexto
surgiam diferentes concepções pedagógicas com base em duvidosos projetos de lei.
Surge então nessa época uma criança marginalizada, e a principal função da
educação seria nesse sentido dar condições de sobrevivência para essas crianças sob a
forma de uma educação que tinha como pressuposto o trabalho.
No entanto, Makarenko ao concluir o magistério, teve contato com as teses
educacionais que tinham como direcionamento a filosofia especulativa e as que
naturalizavam a infância com base teórica em Rosseau, portanto, a Pedagogia Russa
construía a imagem da criança que teria que se desenvolver individualmente
prevalecendo suas tendências naturais (LUEDEMANN, 2002).
Para Makarenko, no entanto, a criança abstrata não existia, e por isso se fazia
necessário desenvolver uma pedagogia que pensasse a criança no concreto, com suas
diferentes marcas sociais, culturais e psicológicas. Surge então desse pensamento a
pedagogia de que a solução para as problemáticas existentes no processo educativo
estava em torno de um objeto de estudo tendo como foco a coletividade.
Foi na Colônia Gorki que Makarenko elaborou aspectos fundamentais da sua
pedagogia, para ele é por meio da dialética que podemos estabelecer de alguma forma
uma pedagogia e que seguindo essa lógica não podemos esperar um sistema pedagógico
absolutamente justo.
Percebemos nessa idéia de Makarenko sua base construída por meio de ações
concretas no interior da Colônia Gorki na qual pode sistematizar um processo educativo
com bases sólidas na coletividade retratada em sua principal obra intitulada poema
pedagógico6.
A sistematização de seu trabalho era caracterizada pelo princípio do coletivo do
trabalho e do trabalho produtivo, em que denominava como coletivo do trabalho um
organismo social vivo colocado como meio e fim da educação. Os indivíduos ligados
entre si com um objetivo em comum que era a responsabilidade sobre o trabalho
mediante normas e disciplinas, inspiradas na tríade de valores dever – honra
-produtividade.
Quanto ao trabalho produtivo ele nasce da própria consciência do coletivo que se
envolve no desenvolvimento da sociedade da qual se deve participar ativamente
(CAMBI, 1999).
6 Principal obra literária de Anton Makarenko é a narrativa em que o conflito principal é a construção da coletividade e a transformação dos sujeitos nesse processo (LUEDMANN, 2002).
Para Makarenko o processo coletivo não poderia ser tomado como uma
abstração, mas como um organismo social desenvolvendo o máximo a vida coletiva. A
escola dentro desse contexto deveria ser um espaço aberto em contato com a sociedade
e a natureza contextualizada com a realidade e o momento histórico, vemos, portanto, o
vislumbre de uma educação pautada nas necessidades reais de cada lugar possibilitando
o desenvolvimento da criança e adolescente como sujeitos ativos e emancipados dentro
da sociedade em que convivem.
No que se refere ao projeto educacional de Makarenko ele estava embasado na
reflexão e em conceitos que segundo Luedemann (2002, p 13) perpassava pelo:
[...] materialismo histórico de Marx, mas principalmente das contribuições da análise sociológica de Lênin, produzindo, no campo da pedagogia, uma educação das diferentes personalidades na direção de uma exigência histórica para a produção de qualidades concretas.
Cambi (1999), no entanto sinaliza que o marxismo pedagógico foi o modelo
teórico-prático no qual Makarenko se inspirou, em um paradigma educacional
eminentemente diferente das pedagogias burguesas.
Esse paradigma educacional estava alicerçado pelos seguintes princípios:
Conjugação dialética entre educação e sociedade, em que a formação implica interesses
ideológicos ligados a estrutura política e econômica da sociedade e aos objetivos
práticos das classes que a governam; Possui um vínculo estreito, entre educação e
política, em que esse vínculo estabelece por meio da ação política, no qual podemos
chamar de práxis revolucionária; A escola possui uma finalidade socialista centrada no
trabalho e na formação do homem; Formação omnilateral, ou seja, o homem liberto de
condições culturais, submissão e alienação; Oposição frontal a toda forma de
espontaneísmo e naturalismo ingênuo.
Por esse dizer entendemos que a educação prima por trabalhar com as
necessidades reais dos educandos e também está em constante transformação histórica
possibilitando desenvolver por meio de um processo coletivo a autonomia e a
emancipação humana.
A escola de Makarenko pressupõe uma organização com os princípios da
instrução geral do trabalho produtivo, retirando segundo Luedemann (2002) a
centralidade da aula. A Pedagogia deveria assim, tomar como objeto o processo de
constituição dialética da coletividade em seus diferentes aspectos: educação, instrução e
trabalho produtivo.
Makarenko acreditava, portanto que por meio do trabalho coletivo se daria a
construção dos sujeitos e sua transformação aconteceria por meio das resoluções dos
conflitos no decorrer do processo.
Diante do contexto acima explanado podemos perceber que a pedagogia de
Makarenko reconhece a força social e revolucionária que a escola possui,
principalmente se ela estiver constituída da classe trabalhadora.
Para Manacorda (1992), Makarenko elabora uma pedagogia original, não
espontânea, realizada por meio do trabalho coletivo dos quais as crianças podem ver os
frutos concretos e visualizando o processo do qual fazem parte, ou seja, não se traduz
em uma educação descontextualizada, fragmentada e utilitária servindo aos interesses
das classes dominantes.
Utilizando desse conceito de educação realizada por Makarenko e argumentada
por Manacorda (1992), Cambi (1999) e Ludemann (2002) e que predispomos a
relacioná-la com o ensino da educação física no contexto escolar mais especificamente
no ensino do conteúdo jogo.
O CONTEÚDO JOGO NO PROCESSO DA COLETIVIDADE
O jogo é considerado dentro da disciplina de Educação Física uma das mais
importantes ferramentas do ensino-aprendizagem, porém tentar defini-lo não é tarefa
das mais fáceis.
Segundo Kishimoto (1999), a palavra jogo cada um pode ser entendida de
modo diferente, podemos falar de jogos políticos, de adultos, crianças, animais,
amarelinha, xadrez, adivinhas, contar estórias, brincar de mamãe e filhinha, futebol,
dominó, quebra-cabeça, uma infinidade de outros. Tais jogos embora recebam a mesma
denominação, têm suas especificidades.
Especificidades essas que quando bem utilizadas tornam-se um recurso
riquíssimo dentro do contexto escolar. Porém muitas vezes não se dá importância ao
jogo por acreditar que ele não tem nenhum sentido, que não ensina e que serve apenas
para passar o tempo.
Nesse pensar, Piaget citado por Freire, (1989) entende que o jogo é
negligenciado na escola pelo fato de parecerem destituídos de significado funcional,
sendo considerado apenas um descanso ou o desgaste de um excedente de energia. Mas
essa visão simplista, afirma Piaget, não explica nem a importância que as crianças
atribuem aos seus jogos e muito menos a forma constante que se revestem os jogos
infantis.
Para Huizinga (1999,) o jogo é mais que um fenômeno fisiológico ou um
reflexo psicológico, ele é uma função significante, isto é, encerra um determinado
sentido.
Independente das suas definições, o jogo permite à criança a liberdade para
criar, perceber, reinventar, dentro de momentos prazerosos e livres, Freire (1989)
acredita que o jogo seja um suporte na preparação da criança para viver em sociedade.
Portanto, acredita Freire que dentro do contexto escolar, o jogo é uma forma de ensinar
conteúdos às crianças, ou seja, o jogo transformado em instrumento pedagógico, em
meio de ensino.
Os jogos compõem um conjunto de possibilidades que ampliam a percepção e
a interpretação da realidade, portanto quando os alunos respeitam o combinado do jogo
eles aprendem a mover em liberdade e os limites que o próprio grupo estabelece
(PARANÁ, 2008).
Portanto, nesse trabalho, a preocupação foi ressignificar o jogo como agente
que transforma dentro do contexto escolar, considerando o jogo como uma totalidade,
capaz de resgatar e desenvolver valores nas crianças e adolescentes, conforme relata
Freire:
Essas considerações são necessárias para que as atividades de Educação Física não sejam entendidas, especialmente quando se trata de jogos, como algo descomprometido com a formação do aluno para cumprir seu papel social de criança e, mais tarde, de adulto (1989, p.92).
O jogo tem um papel crucial no desenvolvimento de valores humanos nas
crianças e adolescentes, valores como respeito, solidariedade, cooperação, amizade,
enfim valores pertencentes a coletividade que podem ser vivenciadas no processo
ensino-aprendizagem. O jogo nos ajuda a construir coletivamente uma visão de uma
sociedade mais justa e mais digna de se viver.
Para Kishimoto (1999), o jogo é um dos caminhos capaz de dar ao homem
uma visão de ser simbólico, cuja capacidade de pensar está ligada à capacidade de
sonhar, imaginar e jogar com a realidade.
Portanto, ao apresentar o jogo como um instrumento pedagógico, estamos
oportunizando os alunos trabalhar no sentido de modificar, transformar e transcender
sua realidade, já que o jogo permite a compreensão do processo de organização
existente no mundo.
Brotto (2001) acredita que, ao jogar, estamos representando simbolicamente a
vida. Portanto, o jogo se torna um meio de vivenciar valores humanos pertinentes aos
nossos dias, possibilitando soluções de problemas e superação de dificuldades.
Como estabelece Santin (1996, p.102): “Jogo é alteração dos possíveis como
sendo alternativas prováveis de acontecer”. E é exatamente essas alternativas que fazem
o jogo ter um papel fundamental dentro não só da disciplina de Educação Física como
na escola de uma forma geral, pois sempre nos deparamos com diversas situações no
cotidiano e no mundo escolar das crianças e dos jovens, em que o jogo cria um espaço
de se aplicar vários conteúdos, fazendo do processo uma forma rica de aprendizado.
O jogo oportuniza vivenciar com os alunos, uma forma real de educação,
tendo a cooperação, a solidariedade, o respeito, a inclusão e a autonomia como
principais agentes de crescimento e transformação. Permite, portanto pensar o processo,
propiciando aos alunos momentos valorosos de reflexões sobre situações de respeito à
vida, não violência e generosidade como também de uma maior percepção da realidade
no qual está inserido.
Percebemos por meio dessas definições, o quanto o conteúdo jogo é
importante, não somente no aspecto educacional, como também no sentido de
transformar os conteúdos fragmentados e mecânicos da Educação Física em conteúdos
significativos e expressivos, proporcionando os alunos aprender em um espaço de
liberdade e consciência.
Diante do explanado sobre as inúmeras possibilidades do jogo foi que neste
trabalho configuramos o ensino do seu conteúdo pautado pela didática da pedagogia
histórico-crítica à luz de sua proposição respaldada por cinco momentos de prática
pedagógica nominadas de prática social, problematização, instrumentalização, catarse e
retorno à prática social (GASPARIN, 2005).
Vale ressaltar neste esboço que os momentos elencados acima não são
estanques, ou seja, um complementa o outro contextualizando os conteúdos, permitindo
um saber efetivo e significativo.
AULAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA: RELATO DA EXPERIÊNCIA
Esta intervenção foi realizada em um conjunto de doze aulas com o conteúdo
específico jogo em quatro turmas de 5ª séries.
O processo de intervenção foi realizado durante as aulas de educação física e
em nenhum momento foi explicitado para os alunos que se tratava de um projeto ou de
aulas diferenciadas, optamos por adotar uma postura de preparar o planejamento anual
com a mesma estrutura, ou seja, elaborar um conjunto de aulas para cada conteúdo
estruturante subsidiado pela pedagogia histórico crítica.
Portanto, as aulas ministradas foram concebidas não como aulas
diferenciadas, mas sim aulas elaboradas para o ano de 2009 em que a sua
contextualização partiria do princípio de coletividade reunido em conjunto de aulas
abarcando os cincos conteúdos estruturantes.
Para o relato dessas aulas e a discussão dos resultados optamos por um único
conteúdo estruturante que foi o primeiro a ser trabalhado durante os meses de fevereiro,
março e abril e também por ser o conteúdo trabalhado no material didático “Folhas” que
serviu de subsídio para o início da intervenção.
CONJUNTO DE AULAS DO CONTEÚDO ESTRUTURANTE JOGO
As atividades foram iniciadas pelo princípio da prática social, em que se
caracteriza por uma preparação do aluno para a construção do conhecimento escolar.
“[...] o educando deve ser desafiado, mobilizado, sensibilizado; devem perceber alguma
relação entre esse conteúdo e sua vida cotidiana, suas necessidades, problemas e
interesses” (GASPARIN, 2005, p. 15).
A atividade proposta para os alunos durante o momento da prática social foi o
“jogo dos nomes” em que reunidos em círculo, um iniciaria o jogo falando seu nome e
um jogo que gostava de praticar. Para a realização dessa atividade foi ministrada uma
aula.
O segundo momento foi permeado pelo princípio da problematização em que
consiste na transição entre teoria e prática “[...] ela é um desafio, ou seja, é a criação de
uma necessidade para o educando, que através de sua ação, ele busque o conhecimento”
(GASPARIN, 2005, p.36).
Para contemplar o momento da problematização foi escolhido um jogo de
queimada7 com regras institucionalizadas pelos jogos estudantis do município8, em que
são estabelecidas de forma que a criança que foi queimada saia do jogo, não é permitido
ultrapassar a linha demarcatória, qualquer parte que do corpo em que a bola foi tocada a
criança terá que deixar o jogo e somente um jogador que está no fundo da quadra –
chamado de goleiro- tem o direito de arremessar a bola para “queimar” os adversários.
Nessa aula foi pedido que os alunos fizessem um relatório do jogo, elencando
pontos com sentimentos vivenciados durante a atividade. Essa estratégia escolhida foi
para nos subsidiar nas discussões de resultados, uma vez que o diário de campo- outra
ferramenta escolhida- poderia ficar comprometido uma vez que o professor pesquisador
somente relataria os acontecimentos ocorridos durantes às aulas no final das quatro
aulas aplicadas.
O terceiro momento foi marcado pelo eixo da instrumentalização o qual visa
confrontar o aluno com o conhecimento sistematizado, para isso torna-se necessário
“[...] uma relação triádica marcada pelas determinações sociais e individuais que
caracterizam os alunos, o professor e o conteúdo” (GASPARIN, 2005, p.36).
Para esse momento foram utilizadas quatro aulas e em cada uma delas um
jogo de queimada com regras diferenciadas e assim nominadas: “queimada inversa”,
“queimada do xadrez”, “queimada das cores” e “garrafabol”.
O principal objetivo de instrumentalizar esses jogos foi que as regras e suas
configurações permitiriam um trabalho coletivo do grupo e oportunizariam o princípio
da inclusão uma vez que durante a realização do jogo nenhuma criança sairia e todas
teriam funções específicas perante o grupo, contribuindo para a realização da atividade
e também se sentindo atuante perante o grupo.
O jogo denominado “queimada inversa”, consiste em ter dois grupos (times),
jogando um contra o outro, em que inicia todos do lado de fora do campo pré-estipulado
para acontecer a atividade. No campo, inicia somente um jogador de cada time, o
7 Também conhecido como “caçador”, “bola queimada”, entre outros.8 JESP: jogos estudantis da semana da pátria, organizados pela prefeitura municipal, em que escolas municipais, estaduais e particulares se enfrentam em diversas modalidades, sendo uma delas o jogo de queimada.
restante do grupo se espalha pelas laterais e fundos da quadra para tentar “queimar” o
jogador do time contrário, toda vez que a equipe acerta o jogador que está dentro da
quadra tem o direito de colocar um participante do seu grupo dentro. Portanto, a
configuração do jogo permite que as crianças entrem no jogo e não saia fora dele.
Mesmo existindo a competitividade em que um grupo vence o outro, o processo de
coletividade está assegurado uma vez que o grupo que estiver mais coeso nas estratégias
elaboradas vencerá a partida.
O segundo jogo utilizado foi o da “queimada do xadrez”, este jogo consiste
em dois times, em cada time terão jogadores que serão nominados com peças de xadrez.
Optamos por trabalhar nesse jogo a peça rei, rainha e peões, com as seguintes
especificidades: O rei do grupo é a peça considerada mais importante, pois se ela for
“queimada” o jogo termina, a estratégia utilizada é que somente o grupo e o professor
saibam quem é o rei, o grupo adversário tenta durante o jogo descobri-lo para queima-lo
e consequentemente vencer o jogo.
Outra regra estabelecida é que a peça do jogo denominada de rainha será o
jogador que tem imunidade, ou seja, a bola poderá pegar em qualquer parte do seu
corpo que ele continuará no jogo, permitindo assim que essa peça entre na frente da
bola e proteja seu grupo de serem “queimados”.
A função dos peões nesse jogo será de queimar nas laterais da quadra quando
tiverem que sair do jogo, ou seja, quando forem “queimados” não deixarão o jogo e sim
se posicionarão estrategicamente nas laterais da quadra. Para o este jogo cada equipe
estavam constituídas de um rei duas rainhas e 16 peões (cada sala de 5ª séries constam
de 38 alunos).
O terceiro jogo caracterizado como “queimada das cores”, consistem em dois
grupos, cada grupo trabalha com três cores, as cores escolhidas para este jogo foram:
branca, azul e laranja.
A regra desse jogo consiste em cada jogador “queimar” somente o colega do
grupo adversário que estiver com o colete da mesma cor que a sua, ou seja, colete
branco somente poderá queimar o colete branco. Esta estratégia permite que o time se
organize no sentido de passar mais a bola e também proteger seus colegas, uma vez que
se a bola estivesse com um colete da cor laranja, azuis e brancos protegeriam seus
colegas com coletes laranjas
O último jogo foi o denominado de “garrafabol”, em que cada aluno possui
uma garrafa pet que terá que proteger, ou seja, “queima-se” a garrafa. Também nesse
jogo se utiliza a estratégia de se jogar nas laterais da quadra que em algumas literaturas
está descrito como queimada dos “quatro cantos”.
Importante ressaltar em relação a esse momento é que em cada vivência o
aluno elaborou um relatório descrevendo suas sensações e impressões sobre o jogo que
era entregue na aula seguinte, portanto, em cada inicio de aula antes de começar o
próximo jogo, relembrávamos o jogo da aula anterior com a entrega dos relatórios.
Para a próxima etapa caracterizada pela pedagogia histórico crítica como
catarse cuja operação fundamental é a síntese do cotidiano e do científico, do teórico e
do prático a que o educando chegou, é o momento de avaliação em que o aluno pode
demonstrar corporalmente, oralmente ou pela escrita o que compreendeu durante todos
os momentos anteriores (GASPARIN, 2005).
Para esse momento foi escolhida a atividade de ressignificação do jogo da
“queimada do xadrez”, em que cada grupo teria que elaborar uma função para a peça
torre, bispo e o cavalo, ou seja, completaríamos nosso jogo de xadrez dando uma função
corporal para as peças que restavam. Para esse trabalho foi utilizado um total de quatro
aulas, sendo que uma delas para elaboração da atividade e três aulas para a execução.
A quinta etapa proposta para o trabalho caracterizou-se pelo retorno à prática
social, que busca a modificação intelectual e qualitativa do professor e do aluno em
relação as suas concepções, como também a análise e compreensão mais ampla e crítica
da realidade (GASPARIN, 2005).
Nesta etapa a atividade escolhida foi o jogo “feedback em arte”, em que os
alunos foram divididos em quatro grupos, cada grupo recebeu uma folha de cartolina
branca, no qual deveriam desenhar um sol, uma nuvem e um arco-íris. O sol significa
nesta atividade todas as situações positivas ocorridas durante o desenvolvimento da
aula, portanto os alunos deveriam escrever embaixo do desenho sol, todas as situações
que o grupo acreditava ser importantes o relato. A nuvem representa todas as situações
que precisam ser melhoradas neste processo de coletividade e o arco-íris todas as
sugestões que o grupo deveria propor para o melhor andamento do processo. Para o
trabalho de retorno a prática social foram utilizadas duas aulas, encerrando o conteúdo
jogo com um total de doze aulas.
As vivências até aqui explanadas foram o resultados do processo ensino-
aprendizagem mediada pelo princípio da coletividade com o foco de execução voltada
para a pedagogia histórico crítica que teve uma sustentação em cinco momentos que
consideramos como sendo o diferencial para este processo, em que o professor
pesquisador consegue perceber o desenvolvimento e o crescimento intelectual, motor e
coletivo do aluno que será refletido e debatido nas discussões de resultados.
ENCAMIN HAMENTOS METODOLÓGICOS
Nesse trabalho adotamos o método de pesquisa qualitativa. A pesquisa
qualitativa, para Triviños (1987), possui suas raízes fundamentadas na Antropologia e
Sociologia estudando a vida em comunidade, a participação do pesquisador de ordem
direta, dando ênfase à observação no processo e não a produção final.
Acreditamos que o tipo de pesquisa que mais se aproxima da proposta de
intervenção que fundamenta uma ação transformadora é a pesquisa ação, pois ela
garante a superação da neutralidade e nos aproxima da produção teórica com as
atividades práticas.
Thiollent (2005,) argumenta que há diversas definições possíveis para a
pesquisa ação, uma delas a utilizada nesse trabalho corresponde:
[...] pesquisa social com base empírica que é concebida e realizada em estreita associação com uma ação ou resolução de um problema coletivo e nos quais os pesquisadores e os participantes representativos da situação ou do problema estão envolvidos de modo cooperativo ou participativo. (2005, p.16)
Apesar de estar voltada para o empirismo, pois o projeto trabalha com ações
concretas e a intervenção foi feita diante dos problemas apresentados, a pesquisa-ação
também coloca a questão do referencial teórico como de extrema importância, pois
senão a pesquisa empírica não teria sentido algum.
Para concretizar a escolha sobre a referente pesquisa se faz salutar resumir alguns
aspectos que para Thiollent (2005, p. 18) são as principais para a estratégia
metodológica da pesquisa social:
- Há uma ampla interação entre pesquisadores e pessoas implicadas na situação
investigada; Dessa interação resulta a ordem de prioridade dos problemas a serem
pesquisados e das soluções a serem encaminhadas sob forma de ação concreta.
- O objeto da investigação não é constituído pelas pessoas, e sim pela situação social e
pelos problemas encontrados nessa situação.
- O Objetivo consiste em resolver ou, pelo menos esclarecer os problemas da situação
observada.
- Há durante o processo, um acompanhamento das decisões, das ações e de toda a
atividade intencional dos atores da situação.
- Pretende-se aumentar o conhecimento dos pesquisadores e o conhecimento ou o nível
de consciência das pessoas e grupos considerados.
Com esses esclarecimentos, acreditamos ser o método mais condizente no
processo de realização de um projeto de intervenção em que os principais objetivos
foram ações transformadoras para o ambiente educativo.
As ferramentas que subsidiaram o trabalho foram observações diretas, e a confecção de
um diário de campo e relatórios produzidos pelos alunos à respeito das aulas
vivenciadas.
Buscamos neste projeto atender alunos na faixa etária de 10 a 12 anos da 5ª série
do ensino fundamental, desenvolvendo ações com o objetivo de proporcionar vivências
grupais que permitem o aprimoramento da capacidade de comunicação, de convivência,
de respeito às diferenças individuais e coletivas, impulsionando assim a construção de
um ambiente mais justo e menos excludente.
Nessa perspectiva os conteúdos foram trabalhados de forma contextualizada,
evidenciando ao aluno que tudo que eles vivenciaram são produzidos historicamente,
portanto os conteúdos reuniram dimensões conceituais, científicas, históricas,
econômicas, ideológicas, políticas, culturais, educacionais que serão explicitadas e
apreendidas no processo ensino-aprendizagem (GASPARIN, 2005).
Um dos primeiros passos para essa construção foi com base no projeto “Folhas”
que com uma linguagem simples e eficaz propôs ações concretas e interdisciplinares a
respeito do jogo e seu processo coletivo, em que o principal foco de realização dessas
ações foram as aulas de Educação Física no Estabelecimento de Ensino da Rede Pública
Liane Marta da Costa no Município de Guarapuava – PR.
Optamos neste trabalho por relatar a experiência desenvolvida por um conjunto de
doze aulas para os alunos de 5ª série a partir de uma perspectiva crítica da realidade,
vivenciaram ações por meio do conteúdo estruturante jogo.
Essas ações tiveram como principal objetivo fazer com que os alunos refletissem,
questionassem, integrassem, recriassem e solucionassem situações problemas de uma
forma participativa, em busca de uma transformação de postura, relacionamento e de
conhecimento no ambiente da escola.
Para sustentar essa reflexão apoiamos no que diz Gasparin:
Este fazer pedagógico é uma forma que permite compreender os conhecimentos em suas múltiplas faces dentro do todo social. Cada conteúdo é percebido não de forma linear, mas em suas contradições, em suas ligações com outros conteúdos da mesma disciplina ou de outras disciplinas. Assim, cada parte, cada fragmento do conhecimento só adquire seu sentido pleno à medida que se insere no todo maior de forma adequada. (2005, p.3)
Portanto o fazer pedagógico foi pautado não somente nos fundamentos teóricos
da disciplina, mas também na interdisciplinaridade para uma apreensão crítica da
mesma realidade.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
As discussões de resultados do trabalho parte do confronto das teorizações no
campo da educação física a partir da década de 80, em que as produções críticas tiveram
em evidência por conta de inúmeros fatores produzidos por meio do debate e embates
na área, outro ponto para as reflexões são os apontamentos registrados no diário de
campo juntamente com o “olhar” do aluno evidenciado nos relatórios entregues em cada
atividade vivenciada. Optamos neste trabalho por confrontar os dados obtidos em forma
de tópicos, cada tópico se refere a uma atividade vivenciada no decorrer do trabalho
correspondente ao momento indicado pela didática da pedagogia histórica crítica
(GASPARIN, 2005). Outros fatores a serem considerados é que os nomes utilizados
para nos referirmos aos alunos são fictícios preservando dessa forma sua integridade e
suas idéias escritas nos relatórios foram transcritas na íntegra.
PRÁTICA SOCIAL: “O JOGO DOS NOMES”
O início do trabalho foi amparado pela prática social, em que fizemos uma
leitura da realidade em relação ao conteúdo jogo. Procuramos saber neste momento qual
o conhecimento dos alunos em relação a este conteúdo.
Durante o jogo os alunos se apresentaram dizendo depois do nome o jogo que
mais gostavam. Percebemos durante este processo que os alunos não conseguiam
diferenciar jogo do esporte e também que as aulas de educação física nas séries iniciais
do ensino fundamental não seguem uma sistematização de conteúdos, uma vez que
durante o jogo, foi perguntado para os alunos quais atividades foram vivenciadas por
eles nas aulas de educação física do ano anterior. Com as respostas obtidas percebemos
que as aulas continham certo esvaziamento de conteúdos, pois os conteúdos elencados
pelos alunos foi o futebol de salão para os meninos e pular corda para as meninas na sua
grande maioria.
Este contexto reflete a situação relacionada a disciplina de educação física que
perpassa por situações de formação profissional, formação continuada , estrutura física e
material, entre outras.
Porém, se faz importante ressaltar que as situações relacionadas acima por mais
que sejam fatores relevantes para um ensino de qualidade não é o suficiente para não
existências de alguns conteúdos fundamentais para o desenvolvimento da criança.
PROBLEMATIZAÇÃO: “O JOGO DA QUEIMADA”
Para o desenvolvimento desta fase, foi escolhido o “jogo da queimada
tradicional”, entendemos neste trabalho como tradicional, o jogo com regras
institucionalizadas por regulamentos de setores esportivos do município ao realizarem
os jogos envolvendo as escolas municipais, estaduais e particulares.
Essas regras são excludentes, uma vez que o objetivo do jogo é unicamente
vencer a outra escola, uma regra que deixa clara a situação de exclusão é que se a
criança durante o jogo pisar na linha limite da quadra pré-indicada para o
desenvolvimento do mesmo ela é considerada “queimada”, mesmo não sendo atingida
pela bola.
Os relatórios entregues pelos alunos depois de vivenciado este jogo contemplam
nossa fala nos seguintes relatos:
“O que menos gostei do jogo foi que sai rapidinho.”
(aluno da 5ª C)
“Brinquei pouco porque fui o primeiro a ser queimado.”
(aluno da 5ª A)
“Nossa o João me queimou de primeira.”
(aluna da 5ª D)
“Não ‘jóquei’ nada hoje.”
(aluna da 5ª A)
Percebemos pelos relatos acima citados que as regras que o jogo estabelecia não
permitiam o aluno a se integrar na brincadeira, pois participou pouco tempo do jogo.
Um fator que vale ressaltar é que os alunos dos relatos acima apresentam dificuldades
de coordenação motora, são crianças mais arredias e tímidas, portanto as que mais
precisam que as atividades as incluam no processo educativo. Neste sentido Soares et al
(1992, p.66) nos alerta: [...] “um jogo como a ‘queimada’ é discriminatório, uma vez
que os mais fracos são eliminados (queimados) mais rapidamente, perdendo a chance de
jogar.”
Nesse sentido, pensamos que a presença do lúdico e a mudanças nas regras seja
um fator fundamental na contribuição de um processo coletivo em que a participação
dos alunos se deem de forma mais efetiva e autêntica.
Durante essa aula perpassada pelo processo da problematização, outro fator
passível de debate é o que tange a questão de gênero (masculino e feminino) nas aulas
de educação física, uma vez que percebemos no processo da prática social que o relato
das atividades vivenciadas pelos alunos no ano anterior era dissociado por atividades
consideradas apenas de meninos e outras consideradas somente de meninas.
Observamos que essas questões perpassam novamente pelas regras que podem ser
adaptadas e também pelo processo de coletividade.
Sobre estas questões observamos as críticas das alunas em relação ao contexto do
jogo:
“Não gosto de jogar queimada, só levo bolada forte.”
(aluna da 5ª D)
“Eu deixo que me queime rápido pra sair logo do jogo.”
(aluna da 5ª C)
“O Paulo joga a bola muito forte nas meninas.”
(aluna da 5ª D)
“O Paulo fica rindo da gente depois de queimar ‘nóis’.”
(aluna da 5ª D)
Percebemos por esses relatos, que o jogo não é prazeroso e muito menos
integrador e motivante, complementando nossa reflexão Soares et al (1992, p. 67)
argumenta: “Quanto mais rígidas são as regras dos jogos, maior é a exigência de
atenção da criança e de regulação da sua própria atividade, tornando o jogo tenso”.
Diante deste contexto, acreditamos que o processo de adaptação das regras e mudanças
na configuração do jogo permitiu que as crianças se integrassem, independentes de
gênero, força e habilidade.
INSTRUMENTALIZAÇÃO: NOVA CONTEXTUALIZAÇÃO DOS “JOGOS DA
QUEIMADA”
Este processo foi contemplado por quatro aulas, e retrata as modificações
estabelecidas nas regras dos jogos trabalhados, com ênfase no processo coletivo,
integrador e na participação efetiva do aluno.
Nesta etapa os alunos tiveram contato com o mesmo jogo, porém com suas
configurações modificadas, o jogo continuou sendo jogado por duas equipes, que no
final uma sairia vencedora, porém o momento valorizado era o desenvolvimento da
atividade, ou seja, o processo foi fortemente evidenciado em detrimento do resultado
final.
Escolhemos alguns aspectos a serem evidenciados durante a instrumentalização
que merecem serem refletidos e debatidos no sentido de legitimar o processo educativo
das aulas de educação física.
Os aspectos a serem evidenciados foram no que se referem a não exclusão
durante o jogo, maior integração do grupo, estratégias estabelecidas pelo grupo,
possibilidades de modificar as configurações do jogo durante o mesmo.
Por meio dos relatos percebemos no que refere a inclusão e maior integração do
grupo os seguintes comentários dos alunos:
“Demorei a sai do jogo das cores”
(aluno da 5ª A)
“Sempre protegi a Camila”
(aluna da 5ª B)
“Gostei porque o colete azul tava com o Paulo, ele joga a bola forte mas eu tava de
laranja” (aluna da 5ª B)
“Adorei ser bispo, eu corri bastante”
(aluno da 5ª B)
“No jogo da garrafa é legal ‘agente’ não ‘toma’ bolada”
(aluna da 5ª B)
As estratégias evidenciadas e relatadas no diário de campo durante os jogos
modificados foram bastante significativas, no que tange a questão da integração do
grupo, percebíamos o quanto eles protegiam determinadas crianças que apresentam
dificuldades motoras durante as aulas. Outro fator presenciado e de extrema importância
no processo pedagógico e a legitimidade da vivência, uma vez que a criança escolhida
para ser o “rei” (peça considerada principal no jogo), não era aquele que mais se destaca
nas aulas, ou seja, muitos alunos (as) tiveram oportunidades de vivenciar várias
configurações, pois uma das regras do jogo era que em uma segunda partida teriam que
trocar de peças, ou seja, quem foi “rei” na primeira partida jogada, não poderia ser “rei”
na segunda partida.
CATARSE: RESSIGNIFICAÇÃO E TRANSFORMAÇÃO DO JOGO
Para esse momento escolhemos a atividade em que os alunos distribuídos em dois
grupos criariam uma função para as peças torre, bispo e cavalo, ou seja, as peças que
faltavam para completar o jogo da queimada.
As escolhas dessas funções variaram bastante de uma turma para outra, umas
funcionaram de forma interessante no decorrer do processo, outras não alcançaram o
êxito esperado pelo grupo.
Diante da problemática de algumas funções elaboradas para as peças não
funcionarem, o jogo era parado e coletivamente debatíamos para chegar a um consenso
da forma que ficaria melhor o movimento de determinada peça.
Os acordos estabelecidos para as movimentações das peças no jogo ficaram as
seguintes: a torre teria a função de “encaixar” a bola, toda vez que a torre conseguisse
segurar a bola teria o direito de escolher um peão para retornar ao jogo; o bispo teria a
função de sair do limite das linhas do campo pré-estabelecido para o jogo para recuperar
a bola para o seu time; o cavalo teria uma segunda chance caso fosse “queimado”.
Diante do exposto acima, acreditamos que os alunos entenderam a dinâmica
proposta para a atividade e a desenvolveram de forma coletiva e coerente, no entanto,
cabe ressaltar que esse exercício de coletividade e democracia requer paciência,
disposição e dinamismo por parte do professor que conduz o processo, uma vez que as
idéias são muitas e também pela dificuldade de alguns se desprenderem da sua criação.
Outro fator preponderante nesse processo é fazer que os alunos entendam que uma vez
criada a movimentação da peça para o jogo e escolhida para o seu desenvolvimento, a
idéia passaria a ser do grupo e não mais sua.
Este processo vivenciado foi importante uma vez que desestrutura a forma como a
avaliação vem sendo representada no ambiente escolar. A idéia de transformar um jogo
fazendo parte do processo avaliativo permitiu desarraigar esse momento de concepções
pautadas na aptidão física, ampliando dessa forma as possibilidades pedagógicas.
Ressaltamos que neste processo, os momentos de avaliação não se resumiram
somente no momento da transformação do jogo, mas foi perpassado por todos os
momentos, não limitando em uma única ferramenta, ou seja, a entrega dos relatórios e o
momento do retorno à prática social também foram subsidiados por um processo
avaliativo.
PRÁTICA SOCIAL: “FEEDBACK EM ARTE”
Para o último momento do conjunto das doze aulas, foi escolhida a atividade
“feedback em arte”, em que a turma foi dividida em quatro grupos, cada grupo faria um
cartaz para a confecção do mural,
Neste cartaz elencariam os pontos positivos, pontos a serem melhorados e
sugestões de todo o processo das dez aulas vivenciadas até então.
Os principais pontos a serem ressaltados pelos alunos em relação ao sol (pontos
positivos) foram:
“Muito legal a queimada das cores”
(aluna da 5ª D)
“De massa todos os jogos”
(aluno da 5ª B)
“Nosso time encaixou todas as bolas”
(aluna da 5ª C)
“A queimada do xadrez foi a melhor”
(aluno da 5ª A)
Em relação aos pontos negativos:
“Não gostamos quando chove”
(aluno da 5ª A)
“A queimada da garrafa não foi legal”
(aluno da 5ª C)
“O dia em que ‘trabalhemo’ na sala”
(aluna da 5ª C)
“O nosso grupo não ficou com o colete laranja nenhuma vez”
(aluno da 5ª D)
Em relação as sugestões:
“Mais aulas da queimada das cores”
(aluna da 5ª B)
“Não ficar mais na sala”
(aluno da 5ª B)
“Trocar a cor branca”
(aluno da 5ª C)
“O Sergio parar de arremessar bola tão forte”
(aluno da 5ª D)
Pensamos que, mais importante que os relatos evidenciados pelos alunos, foi o
momento do trabalho em grupo, em que o exercício da coletividade foi oportunizado. A
atividade foi realizada em duas aulas, no qual os grupos discutiram, refletiram e
debateram até chegarem a um acordo de qual componente realizaria determinada
atividade (escrever, desenhar, pintar) e o que escreveriam em relação a cada item do
desenho.
Percebemos que os conteúdos foram apropriados mesmo quando um grupo coloca
como ponto negativo aulas em sala, entendendo como ruim um processo educativo ser
desenvolvido em outro ambiente que não a quadra. Acreditamos que precisa de um
processo pedagógico vivenciado em um espaço maior de tempo para que essa situação
dualidades nas aulas de educação física seja desmistificada. Em relação a esta situação
Gasparin (2005, p 03) nos indica que:
[...] essa nova forma pedagógica de agir exige que privilegiem a contradição, a dúvida, o questionamento; que se valorizem a diversidade e a divergência; que se interroguem as certezas e as incertezas, despojando os conteúdos de sua forma naturalizada, pronta, imutável.
Nesta perspectiva retratada pelo autor é que acreditamos que no processo ensino-
aprendizagem deve se instituir novas formas de trabalho no contexto da escola e que o
presente trabalho de alguma forma contribuiu para impulsionar essa mudança
paradigmática.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho pretendeu por meio das aplicações de um conjunto de aulas,
dialogar com literaturas pertinentes, uma forma metodológica em que foi possível
confrontar os resultados com as ferramentas diário de campo e relatórios dos alunos.
Dessa forma podemos identificar, por meio dos pressupostos teóricos
pesquisados e do retorno apresentado pelos alunos que é possível articular os conteúdos
de forma lúdica e crítica com base no princípio da coletividade.
Pensamos que o processo educativo deve ser planejado e compreendermos que
o “processo didático está centrado na relação fundamental entre o ensino e a
aprendizagem orientado para a confrontação ativa do aluno com a matéria sob a
mediação do professor [...]” (LIBÂNEO, 1994, p.56).
Nesse sentido, é necessária uma metodologia em que os conteúdos são
selecionados e organizados de acordo com a faixa etária, conhecendo a realidade e o
contexto dos alunos, entre outros fatores, os quais são fundamentais para fortalecer a
ação do professor no processo de ensino – aprendizagem.
Em relação as experiência concreta desenvolvida neste trabalho, percebemos que
alguns fatores interferem no processo ensino-aprendizagem, as quais estão atreladas a
questões de estrutura física, materiais didáticos e principalmente a questões
paradigmáticas das aulas estarem amparadas ao conteúdo esporte ou ao esvaziamento de
conteúdos, em que somente um único conteúdo é apresentado durante o ano letivo
desprovido de qualquer cunho pedagógico.
Um dos fatores essenciais para a garantia da legitimidade da disciplina de
educação física no âmbito escolar é uma proposta de trabalho coerente e consistente
pautada por uma teoria crítica reconhecida pelo professor, se desvinculando de
concepções ultrapassadas que desconhecem as reais necessidades dos alunos.
Portanto, o trabalho aqui apresentado partiu do princípio em que a
ação/reflexão /ação além de transformar o conteúdo apresentado no processo
pedagógico, também é capaz de transformar o próprio aluno (GASPARIN, 2005).
Nesse sentido, acreditamos que essa práxis mediada por princípios como
coletividade, ação e transformação não seja um momento único e capaz de modificar
todas as dificuldades existentes em relação a disciplina de educação física, porém retrata
solidamente que é possível impulsionar metodologias de trabalho em que os princípios
propostos são perfeitamente articulados com a realidade do aluno permitindo uma ação
integradora capaz de permitir modificações intelectuais e transformadoras.
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