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  • 8/9/2019 O JOGO DE PAPIS (RPG) COMO TECNOLOGIA EDUCACIONAL E O PROCESSO DE APRENDIZAGEM NO ENSINO MDIO.

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    UTP

    UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARAN

    Matheus Vieira Silva

    O JOGO DE PAPIS (RPG) COMO TECNOLOGIA

    EDUCACIONAL E O PROCESSO DE APRENDIZAGEM NO ENSINO

    MDIO

    CURITIBA - PR

    2009

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    TERMO DE APROVAO

    Matheus Vieira Silva

    O JOGO DE PAPIS (RPG) COMO TECNOLOGIA EDUCACIONAL E

    O PROCESSO DE APRENDIZAGEM NO ENSINO MDIO

    Esta dissertao foi julgada e aprovada para a obteno do titulo de Mestre em Educao no

    Programa de Ps-Graduao em Educao da Universidade Tuiuti do Paran.

    Curitiba, 19 de fevereiro de 2009

    Prof. Dr. Naura Syria Carapeto FerreiraCoordenadora do Programa de Ps-Graduao, Mestrado em Educao

    Universidade Tuiuti do Paran

    Orientador: Prof. Dr. Ademir Valdir dos SantosUniversidade Tuiuti do Paran

    Programa de Ps-Graduao, Mestrado em Educao

    Prof. Dr. Joe GarciaUniversidade Tuiuti do Paran

    Programa de Ps-Graduao, Mestrado em Educao

    Prof. Dr. Hilton Jos Silva de Azevedo

    Universidade Tecnolgica Federal do ParanPrograma de Ps-Graduao em Tecnologia

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    Com educao no se resolve todos os

    problemas, mas sem educao no se resolve

    nenhum.

    Helena Kolody

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    DEDICATRIA

    Aos meus pais que tanto lutaram

    para que eu tivesse mais esta conquista.

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    AGRADECIMENTOS

    Agradeo primeiramente Professora Doutora Iolanda Cortelazzo, queesteve comigo durante toda a rdua caminhada que percorri para concluir esta

    pesquisa. Sem ela este trabalho no seria possvel.

    Agradeo a minha esposa Evelyn. Pela pacincia, apoio, pela compreenso

    das noites em claro na frente do computador ou dos finais de semana de intensa

    leitura.

    Agradeo meu amigo, companheiro de RPG, Fernando pelas idias, risadase disponibilidade. Ele foi o responsvel pela sementinha que resultou a minha

    pesquisa.

    Agradeo ainda os colgios que participaram da pesquisa, bem como os

    alunos envolvidos.

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    RESUMO

    A presente pesquisa tem como objetivo estudar a utilizao do jogo de papis (RPG)

    como tecnologia educacional em apoio ao processo de aprendizagem no EnsinoMdio. Partimos da conceituao do jogo, sob a tica de autores como Brougre

    (1998), Huizinga (2007), Silva (2005) e em seguida, passamos a explicar o que e

    como funciona o Jogo de papis (RPG). Resgatamos algumas obras brasileiras

    relacionadas ao RPG e educao. Buscamos a compreenso das prticas

    pedaggicas na educao contempornea. Verificamos, a partir das leituras sobre

    sociedade do conhecimento, mudanas tecnolgicas e reflexos na educao,

    tecnologia educacional, prticas educativas, resistncia mudana, aprendizagem

    colaborativa, que existe uma diferena entre como os jovens aprendem (ou

    deveriam aprender) nas salas de aula, e como os jovens aprendem em situaes

    mais flexveis, mesmo na escola. Por meio de questionrios, dirio de bordo e

    audiogravaes, verificamos o comprometimento e envolvimento dos alunos em

    sesses de jogo de RPG em situaes voluntria e compulsria. Constatamos que,

    quando utilizado em um ambiente fora do estruturado em aulas, com a possibilidade

    da escolha voluntria, o RPG traz outros elementos que contribuem para o processo

    de aprendizagem.

    Palavras Chave: RPG, jogo de papis, aprendizagem, tecnologia, Ensino Mdio

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    ABSTRACT

    The present research aims to study the use of Role Playing Game as

    educational technology supporting the learning process in the high school level.

    Starting with the conceptualization of game from studies such as Brougres (1998),

    Huizingas (2007), Silvas (2005), we explained what RPG is and how it works.

    Studying some Brazilian dissertations and researches about RPG we related this

    game to learning. We also studied the relationship between technology, society and

    education, to understand the shift from traditional to the contemporary education, we

    relate the Society of Knowledge, technological changes, and their reflections on

    education regarding teaching practice, resistance to change, collaborative learning

    as well what students learn (or should learn) at school and how they learn in extra-

    class situations even at school. To characterize student involvement in RPG during

    voluntary and mandatory sessions, we observed and recorded games sessions, and

    applied post questionnaires. We noticed that, when the game is played in an

    environment outside the classroom, with the possibility of volunteering, the RPG has

    new elements that contribute to the learning process.

    Key words: RPG, technology, collaborative learning, teaching practice, high school

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    Sumrio

    1 - Ambientao ................................................................................... 112 - O chamado para a aventura:RPG Jogo de Papis .................... 21

    2.1 - Conceituando o jogo ........................................................................ 212.1.1 - O jogo e a criana ......................................................................... 232.1.2 O jogo na atualidade.................................................................... 262.1.3 Consideraes sobre o jogo ....................................................... 292.2 Jogo de Papis (Role Playing Game - RPG) ................................. 312.2.1 Histria do RPG............................................................................ 362.2.2 Os tipos de jogos de papis ....................................................... 402.2.3 - Sistemas de Regras e tipos de jogos de papis...................... 43

    2.2.4 Um jogador diferente: o mestre ................................................. 45

    2.2.5 O RPG no Brasil: suporte educacional ..................................... 462.3 As teorias do Jogo de Papis - RPG............................................ 51

    3. Conflitos: Tecnologia, sociedade e educao ................................. 543.1 - Educao tradicional........................................................................ 553.2 - A educao contempornea uma nova viso de educao .. 593.3 Desenvolvimento de novas tecnologias ratificao do

    individualismo narcsico ou a possibilidade da colaborao ........................... 653.4- Novos desafios para a educao.................................................... 693.5 - Jovens, adolescentes: quem so eles? ........................................ 753.5.1 - Grupos, qual a importncia, em se tratando de jovens? ........ 773.5.2 - O RPG como tecnologia educacional possibilitadora da

    aprendizagem social pelo jovem .......................................................................... 78

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    4 A grande provao: da inteno consecuo............................ 824.1 - Preliminares....................................................................................... 824.2 Esta Pesquisa .................................................................................. 83

    4.2.1 Procedimentos e instrumentos de coleta de dados ........... 854.2.2 Dirio de bordo e udio gravao ......................................... 864.2.3- Os dados dos questionrios ..................................................... 88

    4.3 Anlise dos dados - Interpretao ................................................ 95

    4.3.1

    - Discusso (argumentao) ................................................... 95

    4.3.2 - Imaginao/Criatividade/Diverso ....................................... 964.3.3 - Resoluo de Problemas ...................................................... 974.3.4 - Equipe/Colaborao ............................................................... 974.3.5 - Interesse/Desinteresse .......................................................... 984.3.6 - Aprendizagem ......................................................................... 984.3.7 - Comprometimento/ Falta de Comprometimento ............... 99

    Glria ................................................................................................. 104Referncias ........................................................................................ 110APNDICE ......................................................................................... 114

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    1 - AMBIENTAO

    Preocupado com a educao dos jovens do seu reino, o monarca Balthus

    ordenou que seus homens procurassem um educador que pudesse fazer com que

    os jovens do reino se interessassem mais pelas atividades que existiam numa

    espcie de escola que havia no reino.

    Conhecido por uma ter viso diferenciada das situaes do cotidiano, VOC

    foi convocado para ajudar o rei. Filho de pais nada ortodoxos, aprendeu desde

    pequeno a abrir espao para as novidades que surgem; dessa forma, desenvolveusua criatividade e uma maneira de pensar diferente.1

    -1-

    Chegando ao reino voc pediu para conhecer o local onde os jovens

    estudavam. L voc percebeu que os alunos, embora j fossem jovens com alguma

    experincia, no podiam falar entre si. O silencio na sala era sepulcral. O professor

    falava e os alunos tentavam atentar ao que estava sendo dito. Alunos estes quesentavam em imensas fileiras, todas de frente para o professor que ficava numa

    espcie de tablado. Percebendo que voc era o encarregado do rei, um dos

    professores caminhou at voc e disse:

    - Se to inteligente a ponto de querer mudar todo o nosso sistema

    educacional, responda-me o enigma, forasteiro: todas as minhas armas so adagas,

    menos duas. Todas as minhas armas so machado, menos duas. Todas as minhas

    armas so espadas, menos duas. Quantas armas eu tenho?

    Caso saiba a resposta v para o nmero da mesma

    Caso no saiba a resposta, v para 8

    1 Depois de ler o nmero 1, escolha uma das alternativas e dirija-se ao nmero escolhido. Siga amesma instruo at o final.

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    -2-

    Voc confiante olha nos olhos daquele professor e diz:

    - Acredito que se existisse a possibilidade dos jovens poderem sentar uns

    com os outros, em grupo e discutir suas idias, seus conhecimento prvios, o

    processo de ensino-aprendizagem tenderia a acontecer mais rapidamente. Quem

    disse que apenas vocs, professores, sabem e so os donos da verdade? Esses

    jovens tm experincias que muitas vezes podem contribuir com o que est sendo

    discutido em aula. Mas cabe a vocs decidirem se querem ser os intocveis da

    educao ou querem que os jovens do reino aprendam e se interessem por

    aprender?

    O professor se calou por um instante e logo retrucou:

    - Mas voc acha que s isso? Simples assim? S deixar eles discutirem e

    pronto?

    Caso queira falar de relacionamento com os colegas, v para 7

    Caso queira falar de desenvolvimento de valores, v para 9 Caso queira falar do interesse dos alunos, v para 5

    Caso no queira falar mais nada, v para 6

    -3-

    Ao dizer a resposta, quase que imediatamente, o professor se admira e olha

    para seus colegas para seus colegas que estavam por perto, que tambm pareciam

    no acreditar que algum resolvera tal enigma tal rpido. Em seguida, ele volta afalar com voc em um tom de arrogncia e ironia:

    - Pois bem, senhor, responsvel por todas as melhorias, o que o ilustre

    mestre do saber faria para melhorar o sistema de ensino do reino?

    Caso queira falar de relacionamento com os colegas, v para 7

    Caso queira falar de desenvolvimento de valores, v para 9

    Caso queira falar do interesse dos alunos, v para 5 Caso queira falar de trabalho em equipe e dilogo, volte para 2

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    Caso no queira falar mais nada, v para 6

    -4-

    Desafiado, voc acaba por aceitar a proposta do rei. Ao cair da noite feito

    um grande banquete em sua homenagem, regado a muita bebida e iguarias do local.

    Muitas pessoas influentes do reino vieram at voc para conhec-lo. Voc se tornou

    uma pequena celebridade local; era o assunto do jantar.

    Aps toda a festa, assim que se recolheu aos seus aposentos, voc lembrou

    do rosto dos educadores do reino e de como haviam lhe tratado; lembrou de como

    eram as aulas e como eram tratados os alunos. Antes de dormir o ltimopensamento que lhe ocorreu foi:

    - ... tenho muito trabalho pela frente!

    -5-

    Antes de responder voc deu uma longa olhada para os alunos presentes

    em uma sala de aula. Seus rostos exibiam desinteresse, tdio e cansao.

    Calmamente voc se voltou quele professor e respondeu:

    - Olhe ao seu redor. Porque esses alunos teriam que gostar de aprender? O

    que lhes ensinado no empregado em suas vidas. Nem vocs, professores,

    sabem ao certo qual a vida que esses alunos levam para ensinar algo que lhes seja

    til. Acredito que se houvesse algum jeito de lhes despertar o interesse, de fazer

    com que a vida educacional desses jovens falasse a mesma lngua que a vida que

    eles levam fora dessas quatro paredes, a sim estaramos caminhando para umprocesso educacional melhor!

    O professor deu uma leve risada de canto de boca e lhe disse em tom de

    zombaria:

    - Pois bem, como o rei quer que haja mudana se nem seu grande

    conselheiro sabe ao certo o que fazer? Grande conselheiro ele conseguiu! Talvez

    haja mais alguma idia brilhante que queira dar, estou certo?

    Caso queira falar de relacionamento com os colegas, v para 7

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    Caso queira falar de desenvolvimento de valores, v para 9

    Caso queira falar de trabalho em equipe e dilogo, volte para 2

    Caso no queira falar mais nada, v para 6

    -6-

    Ao terminar de falar voc ouve algum caminhando em sua direo batendo

    palmas. Ao se virar para ver quem , voc percebe que o rei. Ele disse que estava

    seguindo seus passos desde que tinha entrado no reino; alegou que gostaria de

    conhec-lo no s quando estivesse na presena do rei. Um grande sorriso nos

    lbios no escondia a satisfao de tudo aquilo que tinha ouvido na pequena

    discusso entre voc e o professor do reino. Sem muitas delongas o rei pediu para

    que ficasse, que passasse a morar no reino e fosse o responsvel pela organizao

    da rea de educao. Teria tudo: casa, comida, ouro... tudo o que quisesse. O rei

    estava convencido que voc seria capaz de melhorar a educao do reino.

    Caso queira atender ao pedido do rei, volte para 4

    Caso queira recusar o pedido do rei, v para 10

    -7-

    Voc respira fundo e diz:

    - No sei ao certo os objetivos da educao de vocs, mas caso esteja

    includo estar pronto para conviver com outras pessoas do reino muita coisa deve

    mudar. Olhe para eles, todos calados, sozinho, olhando para a frente. no

    relacionamento cara-a-cara que eles vo aprender o que se deve fazer e o que no

    se deve fazer. Empatia, dilogo, afeio, carisma, isso no se aprende em livros, na

    teoria. Eles devem poder conversar, discutir e at mesmo brigar. Por que no?

    Assim eles entendero os motivos, as conseqncias de se ter ms condutas.

    Voc percebe que a feio do professor a sua frente muda. Pela primeira

    vez ele parece concordar com aquilo que voc disse. Em tom de curiosidade, dessa

    vez ele pergunta:

    - O que mais poderamos fazer para mudar nosso jeito de ensinar?

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    Caso queira falar de desenvolvimento de valores, v para 9

    Caso queira falar do interesse dos alunos, volte para 5

    Caso queira falar de trabalho em equipe e dilogo, volte para 2

    Caso no queira falar mais nada, volte para 6

    -8-

    Voc pensa, pensa, mas o enigma lhe confuso demais. O professor o

    questiona, em tom mais alto:

    - Como ? No sabe no? No era voc que ia mudar tudo e salvar a

    educao do reino? Ha, ha, ha, voc uma piada, uma grande piada!

    Com a ajuda de outros professores e pessoas que estavam no local voc

    acaba sendo tirado do reino sem ao menos ter conseguido falar com o rei.

    Antes de fechar os portes do reino. Um deles gritou:

    - Como voc quer ser mais inteligente que a gente se nem ao menos sabe

    fazer um raciocnio simples? Antes que se mate em busca da resposta, eu te digo: a

    resposta trs, trs armas! Agora v embora e nunca mais volte aqui.

    -9-

    Prontamente voc responde:

    - Meu caro, como desenvolver valores em jovens que so massificados em

    um ensino que no os respeita? bem provvel que eles tambm no respeitaro

    as outras pessoas. preciso que saibamos ouvir o que os jovens tm a dizer, deixarque eles vivenciem mais situaes em equipes nas aulas, e que discutam situaes.

    Assim eles podero desenvolver senso crtico, empatia, honestidade, colaborao.

    Eles sentiro na prtica a importncia de se ter esses valores.

    O professor balana a cabea de um lado a outro, como quem d um pouco

    de razo, mas desconfia e em seguida volta a falar:

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    - ... talvez voc esteja certo, mas tenho que certeza que apenas isso no

    vai mudar muita coisa, alis, talvez at piore. Espero que tenha mais alguma coisa

    em mente.

    Caso queira falar de relacionamento com os colegas, volte para 7

    Caso queira falar do interesse dos alunos, volte para 5

    Caso queira falar de trabalho em equipe e dilogo, volte para 2

    Caso no queira falar mais nada, volte para 6

    -10-

    Voc sente sua face enrubescer. Nunca se sentira to importante. Idiaspovoam sua mente: riquezas, acesso a vrios livros raros, prosperidade. Mas por

    outro lado voc pensa em seus pais distantes, amigos, outros reinos; de que

    certamente voc teria que abrir mo para cuidar dos assuntos educacionais do

    reino. Voc cautelosamente coloca tudo em sua balana mental para descobrir o

    que pesaria mais.

    Depois de muito pensar, se v obrigado a declinar do pedido do rei. Para

    no deixar ao lu a situao do reino, voc se prope a capacitar os professores j

    existentes, com idias novas, novos posicionamentos; enfim, aquilo que voc faria

    caso ficasse l. O rei sem muita opo aceita sua proposta e diz que o reino est de

    portas abertas para que voc volte, caso mude de idia.

    No precisou de muito tempo para voc elaborar um rico material para todos

    os professores. Tambm pudera, voc nunca havia estado em uma biblioteca to

    grande e com um acervo to bom.

    Depois de um pouco de resistncia os professores acabaram entendendo a

    nova proposta. Perceberam que havia algo de errado com a maneira como as aulas

    estavam sendo conduzidas.

    Voc, satisfeito com a resoluo, pede um pouco de provises, pois uma

    longa viagem o espera e promete voltar em breve para verificar como esto

    caminhando as mudanas. O plano encontrar seus pais novamente e contar-lhes o

    ocorrido. Tambm gostaria de saber das novidades de sua terra natal, j que h

    tempos no retornava para l.

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    Quando o sol j estava se pondo, todos o acompanharam at o porto

    principal e ficaram acenando. Lentamente sua imagem vai sumindo no horizonte,

    entre os ltimos raios de sol.

    A ambientao do jogo de papis (RPG) termina aqui, mas a ambientao

    da nossa pesquisa continua mais um pouco.

    Num reino distante, magos e guerreiros se reuniram para discutir o resgate

    da filha do rei. No caminho havia vrios desafios, como minotauros, drages,

    mistrios e enigmas. O perigo era grande, mas a paz do reino estava ameaada e

    os heris tinham que lutar contra o mal e salvar a princesa.

    Depois de muito discutirem as melhores idias, os melhores planos, eles

    partiram para a jornada que os esperava. Nervosismo flor da pele. Combates

    fsicos e mentais eram travados medida que se aproximavam do castelo inimigo.

    Magos, guerreiros lendrios, drages, arqueiros em posio de combate...

    Todos esses personagens lutando por um objetivo comum. Todos agindo para que o

    bem triunfe. Todos presentes em uma sala de aula.

    No se trata de um teatro ou uma dinmica de grupo. A formalidade dos

    contedos curriculares no exclui a possibilidade de ensinar e aprender utilizando

    algo inerente a todo ser humano: a imaginao e a fantasia.

    Isso possvel por meio de um jogo baseado em interpretaes de papis: o

    Role Playing Game, ou como mais comum cham-lo, RPG.

    Dentre os jogos existentes, o Role Playing Game se destaca porque ele seapropria das brincadeiras de faz-de-conta como brincar de polcia e ladro ou

    brincar de casinha permitindo organiz-las a partir de regras. Dessa maneira, no

    h discusses interminveis entre os envolvidos no jogo, como: quem vai ser a me

    e a filha ou se o meu tiro te acertou primeiro, porque h um elemento regulador, o

    juiz do jogo, tambm conhecido como mestre.

    Estudos recentes na rea de educao e de psicologia (ZACCAGNINO,

    2006; RODRIGUES, 2004; RIYIS, 2004; OTTE, 2002; entre outros) demonstram que

    o jogo de RPG, quando utilizado em sala de aula, pode trazer inmeros benefcios

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    para a aprendizagem. Os alunos demonstram maior colaborao; mostram-se mais

    interessados tanto nos contedos curriculares quanto no dinamismo das aulas - e

    demonstram um interesse maior por pesquisas, desde o cenrio onde se passa a

    aventura e como construir melhor seu personagem at a pesquisa escolar curricular

    para conseguir resolver algum enigma ou obstculo que possa surgir durante o jogo,

    desenvolvendo conhecimento e habilidades especficas.

    Instigado por discusses sobre inovaes na prtica pedaggica, busquei

    utilizar uma tecnologia que fosse ao mesmo tempo ldica e que gerasse

    comprometimento dos alunos com suas respectivas aprendizagens, decidi

    incorporar uma habilidade que possuo: a de conduzir jogos de RPG, a minha prtica,

    como professor de Ensino Mdio. Por meio dessa experincia, que vivencio desde o

    incio do segundo semestre de 2006, venho constatando por meio de observaes

    em sala de aula, e aproveitamento nas avaliaes, que alm de potencializar o

    comprometimento do aluno com seu aprendizado, o Role Playing Game - RPG pode

    trazer contribuies para a prtica pedaggica. Por exemplo: o senso de justia, o

    senso crtico, a capacidade de lidar com a diferena, etc. Utilizando esse jogo de

    papis em um ambiente escolar, ele perderia seu carter de jogo de

    entretenimento e passaria a ter um carter educativo, pois uma vez que o aluno

    estivesse mais comprometido com sua educao, o processo de ensino-

    aprendizagem educacional se torna mais profcuo.

    Quando notei a possibilidade de trabalhar com meus alunos a partir do RPG,

    vi uma oportunidade mpar de se trabalhar integrao, esprito de equipe, criticidade,

    pesquisa, interao, dentre outras habilidades. Desde os primeiros dias de aplicao

    do RPG em aula, os alunos se mostraram mais dispostos, discutiam eargumentavam sobre as situaes que estavam vivenciando no jogo. Avaliamos de

    maneira muito positiva essa experincia. Entretanto, com o intuito de divulgar e fazer

    com que o jogo de papis (RPG) fosse usado mais vezes, com outros alunos, por

    outros professores, em outras escolas, decidimos realizar uma pesquisa para

    investigar a formao continuada de professores para a utilizao de novas

    metodologias e novas tecnologias, em especial, a utilizao do RPG como

    tecnologia educacional.

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    Contudo, por razes que explicaremos no captulo 4, sobre esta pesquisa,

    com a fundamentao terica j bem encaminhada, precisamos mudar o rumo do

    trabalho de campo da pesquisa depois de um ano e meio e, por isso, alteramos

    nossa problemtica e passamos a nos perguntar: o jogo de papis (RPG) na sala de

    aula, sem seu carter de entretenimento, to instigante e motivador quanto quando

    jogado sem o compromisso disciplinar?

    A partir dessa questo, delineamos os nossos objetivos. De maneira geral o

    nosso objetivo caracterizar o envolvimento dos alunos de Ensino Mdio durante

    sesses de jogo de RPG em situaes de obrigatoriedade e de voluntariado. Temos

    como objetivo tambm identificar as diferenas entre o grau de envolvimento na

    atividade e as possibilidades no processo de aprendizagem dos alunos em ambas

    as situaes.

    O procedimento escolhido para a pesquisa foi executar o jogo de papis

    (RPG) com grupos de alunos nas situaes de voluntrios e compulsrios, aplicar

    um questionrio ps jogo, fazer observao direta (dirio de bordo) e indireta

    (audiogravao) do processo, e , da, passar para a anlise dos dados coletados nos

    dois grupos. A proposta metodolgica da pesquisa de uma pesquisa qualitativa.

    Optamos por dar dissertao uma estrutura metafrica (a de uma

    aventura)baseados na obra de Vogler (1997):

    Na Ambientao, trazemos, para a abertura deste trabalho, como surgiu a

    idia desta investigao e seus primeiros passos, primeiros estudos; aquilo que nos

    chamou aventura desta pesquisa.

    Em o Chamado para a aventura: O RPG jogo de papis, conceituamos o

    jogo e o que o Role Playing Game (RPG). Trouxemos um breve histrico desse

    jogo e como ele pode ser articulado ao ambiente pedaggico.

    Em Conflitos: Tecnologia, sociedade e educao, apresentamos outros

    conceitos e aspectos didticos, procuramos entender as posturas e posicionamentos

    de professores a respeito desses aspectos, buscando o suporte terico para criar

    alicerces slidos para a investigao. Trouxemos um panorama do que entendemospor educao tradicional e educao contempornea. Indicamos alguns desafios

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    para a educao e apontamos propostas de insero de novas tecnologias para a

    aprendizagem dos jovens no Ensino Mdio.

    A grande provao: da inteno consecuo trata da pesquisapropriamente dita. Depois de nos armarmos com a teoria, e atacarmos o

    problema da pesquisa, apresentamos nossas descobertas, as dificuldades,

    superaes e desvios de percurso que tivemos durante a aventura.

    Na Glria, com base nas informaes obtidas, nas consideraes sobre a

    batalha entre o que a teoria nos trouxe e os dados que o campo nos deu,

    fechamos o trabalho, sintetizando nossas confirmaes e constataes; nosso

    aprendizado durante a pesquisa e deixamos sugestes para prximas aventuras.

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    2 - O CHAMADO PARA A AVENTURA:

    RPG JOGO DE PAPIS

    Juventude, adolescncia, fase complicada para a vida de muitas famlias.Geralmente, nessa fase da vida no se quer saber de compromissos, nem de coisas

    srias; est-se preocupado em ficar com os amigos e se divertir. Muitas vezes a

    diverso est vinculada a algum tipo de jogo.

    Mas o que jogo? O que entendemos como jogo? possvel o jogo estar a

    favor da educao? E o jogo de papis, o que isso? Como funciona? O RPG na

    educao algo novo ou j est sendo utilizado? Tentaremos responder perguntas

    como estas no decorrer desse captulo.

    2.1 - Conceituando o jogo

    Antes de falar da utilizao educacional do jogo que protagoniza esta

    pesquisa, preciso deixar claro o que est entendido como jogo. Brougre diz que o

    jogo uma palavra polissmica, ou seja, tem mais de um significado, que no h

    conceito de jogo pronto para o uso (BROUGER, 1998, p. 210) e que estudar

    jogos estudar fatos e, ao mesmo tempo, a denominao desses fatos.

    (BROUGER, 1998, p. 29). O jogo, de alguma maneira, tido pelo senso comum

    como algo que no serve para nada, ou que s desocupadospraticam. Brougre

    destaca essa caracterstica do jogo:

    Ns tentamos descobrir a lgica da noo usual de jogo: osistema de analogia que a estrutura, a lgica de sua extensoe percebemos um uso como oposio estruturante ao trabalho,ao til e ao srio. Essa lgica permanece at hoje, apesar dasmodificaes ligadas ao uso dessa noo pela atividade dacriana, e em parte, apesar da relao com os processos dedesenvolvimento e de educao (BROUGERE, 1998, p.35)

    Brougre (1998) comea sua anlise dos jogos por Roma, levando em

    considerao que o termo jogo pode ser considerado como a traduo da palavra

    latina ludus. interessante notar, segundo o autor, que a palavra ludus pode

    designar tambm a escola. Ludusera a palavra utilizada para designar as escolas

    de gladiadores, o lugar onde se treinavam os combates. importante salientar queludusno est associado ao combate, luta, e sim ao treinamento e ao exerccio.

    Conforme Brougre diz: O adjetivo ludius designa o que exerccio, treinamento

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    em oposio ao que luta em aplicao real, o que , retomando expresso das

    crianas, para rir em oposio a de verdade (BROUGERE, 1998, p. 36)

    Para mostrar as diferentes vises sobre o jogo em diversas civilizaes ediversos momentos histricos, entre outros, o autor indica o exemplo do povo grego.

    Assim como em Roma, na Grcia os jogos tm um aspecto de simulao; neste

    caso, no h ligao com combates e lutas at a morte em arenas. As flechas so

    disparadas pelos gregos contra um alvo imvel, no contra um oponente como os

    romanos. Ainda de acordo com Brougre, para os gregos, o jogo tinha o intuito

    competitivo. Essa competio tinha o objetivo religioso. Os atletas queriam vencer

    para se aproximarem dos deuses. Competiam entre si para descobrir quem era o

    melhor ou o mais bem preparado. Brougre cita essa relao dos gregos e a

    divindade dizendo que:

    [...] a exemplo dos heris fundadores, os participantes dos

    concursos, lutando no estdio, impem-se como os atores do

    ciclo dos renascimentos, no quadro de uma teologia da

    renovao cclica da vegetao, mas tambm do universo, das

    comunidades e de seus prncipes (reproduo csmica,biolgica e social (BROUGERE, 1998, p.39-40).

    O jogo na Idade Mdia se torna mais marginal. Segundo Brougre, os jogos

    se fazem presentes por meio das comemoraes de carnaval, que embora seja um

    rito religioso, est margem dos ritos oficiais.

    Mesmo o carnaval no sendo um jogo em si, ele carrega vrios aspectos

    como recreao e divertimento, que os jogos de competio normalmentealcanavam. O carnaval era associado ao fictcio, ao fingimento e faz-de-conta: logo

    tinha hora para comear, tempo de durao e local e para acontecer.

    O jogo foi aos poucos se distanciando da seriedade, se compararmos com

    os jogos antigos. A separao das diferentes atividades sociais levou ao isolamento

    do jogo, sua separao da vida social para fazer dele uma atividade ftil

    (BROUGRE, 1998, p. 44). Com o passar do tempo, as sociedades vo passando

    por mudanas e entre elas a noo de jogo; que vai ficando cada vez mais distante

    de atividades srias e se aproximando da banalidade e futilidade.

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    O jogo comea a passar do srio ao frvolo durante o Renascimento e os

    perodos que o sucedem (BROUGRE, 1998, p. 45). Os jogos de azar, nessa

    poca, se tornam populares, ficam presentes no discurso e no cotidiano das

    pessoas, o que aos poucos, modifica a noo de jogo.

    Sobre isso, de acordo com Brougre:

    Instala-se o sistema de representao que herdamos, marcadopela futilidade, pela frivolidade e at mesmo pela nocividade do jogo na medida em que a experincia dominante que nutre anoo aquela do jogo a dinheiro, especialmente proporoque o sculo XVIII avana (BROUGRE, 1998, p. 45)

    2.1.1 - O jogo e a jovem

    No de se espantar o motivo pelo qual to paradoxal associar jogos

    educao. Se o jogo se tornou algo execrvel, que trazia a desgraa para as

    famlias, no poderia educar. Se o jogo se ope seriedade, dificilmente pode,

    enquanto tal, recobrir um valor ou uma inteno educativa (BROUGRE, 1998. p.

    53).

    Uma nova concepo de criana comea a surgir durante o sculo XVIII. Huma crtica artificialidade da sociedade e o selvagem passa a ser visto de maneira

    positiva. A criana, com sua inocncia e espontaneidade natural e selvagem. A

    criana precisa ficar livre para se desenvolver conforme a natureza lhe permitir. A

    civilizao se tornara to artificial que deformava as crianas que cresciam ali.

    Rousseau um dos pensadores que defendem o valor positivo da natureza.

    Entretanto, o pessimismo de Rousseau frente a questes da artificialidade da

    sociedade no permitia a liberdade da criana. Todas as atividades da crianadeveriam ser controladas, a criana sabendo disso ou no, o que acabava gerando

    certo comodismo por parte das crianas elas no precisavam refletir ou querer

    aprender porque no era necessrio, tudo lhes era dado pronto. Rousseau deixa

    esse controle claro quando destaca:

    [...] em breve no se atrever a respirar sem seguir suasordens. Em que quer que pense, se feito no lugar dele? [...]

    Vendo que se encarrega de sua conservao, de seu bem-estar, se sente livre, descansa seu juzo no vosso [...] Quenecessidade tem de aprender a prever a chuva? Bem sabe queoutros observam as nuvens (ROUSSEAU, 1964, p.135).

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    Todas as atividades da criana deveriam ser controladas e transformadas

    em chances de aprendizado. Havia uma falsa sensao de espontaneidade, pois at

    o que deveria ser espontneo, como os jogos, era controlado. H uma valorizao

    da criana, entretanto o jogo continua sendo um artifcio, um meio para chegar a um

    fim, ainda estando separado do srio e do til.

    A viso da criana veio sofrendo vrias mudanas ao longo do tempo.

    Mesmo assim, o jogo continuou sendo algo meio marginal sofreu algumas

    mudanas na forma em que era concebido, mas no acompanhou as mudanas

    daquilo a que estava relacionado: a infncia. Era preciso uma grande mudana na

    forma de se entender a infncia e a criana para que o jogo pudesse ser visto de

    maneira diferente.

    possvel notar que os jogos praticados pelas crianas sem a interferncia

    dos adultos tm significados e potencial educativos por si ss. Esses jogos so

    simulaes do que vem os adultos fazendo, eles experenciam o real, o mundo dos

    adultos, pela fantasia e imaginao. Se para os adultos os jogos infantis so fteis,

    para as crianas eles tm um grande significado. Os jogos comuns das crianas,

    bem diferentes dos nossos, nada mais so manifestaes de uma atividade sria,sob formas mais leves (RICHTER, 1983 apud BROUGRE, 1998, p. 63). Os jogos

    tm para as crianas, a importncia que o trabalho tem para os adultos.

    O pensamento de Richter abre as portas para uma srie de novas

    percepes. O jogo infantil vai se distanciando do jogo adulto e dos jogos de azar. A

    viso pejorativa dos jogos infantis vai ficando de lado, e uma viso exclusiva dos

    jogos infantis comea a ser construda, relacionada pureza e espontaneidade.

    A partir de ento o jogo no mais relacionado com mais nenhuma

    atividade. Ele uma atividade em si mesmo. No h mais os jogos como recreao

    apenas para descansar e depois voltar s atividades srias, no h mais controle no

    momento recreativo da criana nem tampouco a maquiagem que havia nas

    atividades srias por meio do jogo para atrair e motivar as crianas. De acordo com

    Richter, o jogo passa a ter valor educativo em si mesmo, permitindo o

    desenvolvimento de habilidades motoras e cognitivas, sendo uma atividade com o

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    fim prprio, no mais um meio. O que marca essa nova viso do jogo o

    investimento, a valorizao no imaginrio da criana, na fantasia e criatividade.

    Era preciso ter um espao para o jogo na educao. No havia mais comoesconder ou adiar essa juno de jogo e educao. O jogo no era mais a atividade

    mal vista ou atividade marginal que fora, agora ele era algo significativo. Uma nova

    viso do jogo pode ser enunciada pela primeira vez na histria intelectual de nossa

    civilizao (BROUGRE,1998, p. 65).

    Segundo Brougre (1998), Frbel teve um papel fundamental em mudanas

    na prtica na educao infantil. A proposta de mtodos utilizando jogos e certos

    brinquedos na educao infantil foram aplicados em vrios pases, principalmente na

    Alemanha.

    Frbel d grande importncia ao papel materno, sendo a me a primeira

    educadora. Logo a questo do desenvolvimento infantil no vem da escola, as

    crianas precisam se desenvolver livremente antes desse momento escolar. Frbel

    ento se torna responsvel pelo primeiro jardim de infncia, onde a estrutura mais

    relacionada com o ambiente familiar do que com uma escola em si.

    Para Frbel no possvel pensar em educao sem os jogos para crianas

    pequenas (3 a 6 anos) porque nessa fase as crianas vivem no jogo. Frbel acredita

    que o jogo traz tona para o mundo social aquilo que a criana tem em seu interior.

    Sendo assim, como pode o jogo ser algo frvolo?

    Para Frbel, a criana deve ir em direo exteriorizao de suas verdades

    interiores (BROUGRE, 1998). Cabe ao educador ajudar a criana nessa auto-

    descoberta, nunca ensinar algo ou manipulando alguma atividade.

    O papel do educador frbeliano, segundo Brougre :

    O educador deve saber anular-se para ser apenas um

    intermedirio entre a criana e ele mesmo, com a ajuda do

    material. Sua tarefa ajudar a criana a revelar-se a si mesma

    neste espelho da vida que o jogo (BROUGRE, 1998, p. 69).

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    Ainda segundo Brougre, com Frebel, o jogo perde sua caracterstica de

    frivolidade e passa ser associado educao. O uso dos jogos e brinquedos

    especficos possibilitou a insero dos jogos no campo pedaggico, embora ainda

    no campo pr-escolar, ou na educao maternal. Brincando, jogando, utilizando

    brinquedos a criana pode trazer tona suas fantasias, seus sentimentos

    possibilitando o aprendizado e o trabalho do educador sobre o material simblico.

    O jogo no estava mais relacionado com o frvolo, aos jogos de azar. Era

    possvel visualizar o jogo como atividade relacionada educao. Embora a relao

    com a seriedade, com a poltica e com a religio no existisse mais, como nos jogos

    da Antiguidade, os laos entre jogos e educao comeam a se estreitar.

    2.1.2 O jogo na atualidade

    As transformaes da noo de jogo no pararam, porm no foram to

    marcantes ou significativas como as que comentamos. Cabe agora, destacar

    algumas das principais caractersticas do jogo na atualidade.

    Brougre (1998), deixa claro que o jogo social e cultural; descartando a

    idia do jogo como algo inato e natural. A criana, desde que nasce, est cercada de

    interaes sociais, que esto relacionadas a uma determinada poca e lugar,

    determinando assim os valores e atitudes que permearo sua vida.

    O jogo resultado de relaes interindividuais, portanto decultura.(...)O jogo pressupe uma aprendizagem social.Aprende-se a jogar. O jogo no inato, pelo menos nas formasque assume o homem. A criana pequena iniciada no jogopelas pessoas que se ocupam dela, particularmente sua me

    ou o adulto que por ela responsvel. Dizer que uma crianade alguns dias ou algumas semanas joga por sua prpriainiciativa no tem sentido (BROUGRE, 1998, p. 189-190).

    Jogar diz respeito a interpretar a vida de uma maneira fictcia, algo como

    uma realidade paralela. Ou, conforme diz Brougre:

    O jogo uma mutao no sentido da realidade: nela as coisasse tornam outras. um espao comum que obedece a regrascriadas pela circunstncia. A os objetos podem ser diferentes

    do que parecem (BROUGRE, 1998, p. 191).

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    Ou ainda, como destaca Huizinga: Mais que uma realidade falsa, sua

    representao a realizao de uma aparncia: imaginao, no sentido original

    do termo (HUIZINGA, 2007, p. 17).

    Ou seja, quando estamos jogando, estamos imaginando, representando.

    Mesmo quando representamos a realidade e o cotidiano. interessante notar que,

    sendo a imaginao e a representao partes inerentes ao jogo, o jogo se estende a

    toda fase da vida humana, e no mais como uma caracterstica da infncia seja

    porque era entendida como parte biolgica da criana, seja porque era entendida

    como caracterstica do desenvolvimento social cognitivo da criana. O homem,

    desde pequeno, at sua morte, pensa, imagina e representa, o que o torna um

    jogador por excelncia, em graus diferentes, durante toda sua vida.

    O aspecto de representao do jogo permite ao jogador vivenciar,

    experienciar novas situaes, as quais possivelmente no viveria na vida real. Ele

    pode tentar, ousar agir como achar que deve, sem ter que sofrer as conseqncias

    de punies que poderia ter se no estivesse em um jogo. Jerome Bruner destaca

    essa caracterstica do jogo:

    No jogo, a gravidade das conseqncias que os erros ou osfracassos comportam se encontra atenuada. No fundo o jogo uma atividade muito sria, mas que no tem conseqnciasfrustrantes para a criana. Em resumo, trata-se de umaatividade empreendida por si mesma e no para outrem. O jogo , portanto, um soberbo meio de explorao que suscitauma espcie de coragem especfica. (BRUNER 1986 apudBROUGRE, 1998, p. 192)

    Caillois discute sobre a dificuldade de se encontrar um conceito de jogo e o

    apresenta com as seguintes caractersticas: no jogo h liberdade, os jogadores no

    so obrigados a jogar; h isolamento, existe um limite do tempo e espao pr-

    estabelecidos; presente tambm a incerteza, que faz que o desenvolver do jogo

    seja um processo e no algo estipulado; o fato do jogo ter um fim em si mesmo,

    trazendo uma improdutividade; a presena de regras que os jogadores devem

    seguir; e a ficoque o jogo tem consigo, uma realidade paralela. (CAILLOIS, 1958

    apudCAMARGO, 2006)

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    Gadamer afirma que quando se joga as leis vigentes na vida social deixam

    de existir. Surgem novas regras e limites, as leis do jogo. H uma vida nova, um

    mundo ldico, que existe paralelamente. O jogo tem suas prprias regras, uma

    seriedade prpria que envolve o jogador e exige uma suspenso das leis e

    costumes da vida pragmtico-quotidiana (GAMADER apud SILVA, 2005).

    O mesmo autor tambm comenta que o jogador no deve fingir que est

    jogando; no nosso caso, se fingir que um caador de recompensas, ele deve s-lo.

    O jogo s pode realmente surgir quando no h j sujeitos que se comportam

    ludicamente, mas antes indivduos que, suspendendo as suas exigncias

    quotidianas, se abandonam totalmente ao ritmo e harmonia do movimento ldico

    (GAMADER apud SILVA, 2005). Ainda sobre o jogador, Gadamer cita que ele est

    entre o eu e o tu. Segundo o autor h um constante movimento entre o real e o

    ldico; para jogar necessita de movimento, participao, preciso que o sujeito

    deixe de ser quem ele para ser uma metfora dele mesmo.

    Essas experincias e representaes, esto ligadas cultura da sociedade e

    da poca. O que justifica as variadas formas de se praticar e entender o jogo em

    vrias civilizaes. possvel observar que inerente ao jogo, h um conjunto deregras, que especifica as caractersticas de determinado jogo. Porm, as regras no

    so como leis que devem ser seguidas risca. As regras so institudas pelos

    jogadores e podem ser alteradas a qualquer momento, de acordo com a vontade

    dos mesmos. Brougre deixa claro essa caracterstica do jogo e das regras:

    No h jogo sem regras. Porm, deve-se ver que a regra no a lei nem mesmo a regra social que se impe do exterior. Uma

    regra de jogo s tem valor se for aceita pelos jogadores e stem validade durante o jogo. Pode ser transformada por acordodos jogadores (BROUGRE, 1998, p.192).

    De acordo com o que j foi discutido, podemos afirmar que em algumas

    sociedades, em graus maiores ou menores e em diversas formas ou modalidades,

    as pessoas praticam o jogo. O jogo est em todas as culturas, numa constante

    relao dialgica, onde o jogo interfere na construo da sociedade e a sociedade

    interfere na construo do jogo.

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    As regras so estipuladas por quem joga e podem ser alteradas a qualquer

    momento, desde que haja consentimento de todos. Antes de qualquer coisa, o jogo

    uma ao de acordos e consentimentos. Uma caracterstica fundamental do jogo

    seu carter voluntrio. Sujeito a ordens, deixa de ser jogo, podendo ser no mximo

    uma imitao forada (HUIZINGA, 2007, p. 10).

    De acordo com as caractersticas citadas, podemos elencar algumas

    condies para que alguma atividade ou ao possa ou no ser considerada um

    jogo. Huizinga (2007) nos auxilia no sentido de compilar as condies:

    (...) o jogo uma atividade ou ocupao voluntria, exercida

    dentro de certos e determinados limites de tempo e de espao,segundo regras livremente consentidas, mas absolutamenteobrigatrias, dotado de um fim em si mesmo, acompanhado deum sentimento de tenso e de alegria e de uma conscincia deser diferente da vida quotidiana (HUIZINGA, 2007, p. 33).

    Considerando as palavras de Huizinga, poderamos concordar que os jogos

    praticados nas escolas no so jogos no sentido pleno, j que no atendem a todas

    as condies necessrias. Apoiamo-nos em Brougre para caracterizar o jogo:

    No o jogo em si mesmo que contribui para a educao, ouso do jogo como meio em um conjunto controlado que lhepermite trazer sua opinio indireta educao. (...) Deve-sesaber limitar o papel do jogo, e no formar jogadores(BROUGRE, 1998, p. 201).

    Assim como qualquer outra tecnologia educacional, o jogo de papis

    depende de como ser usado para facilitar o processo de ensino-aprendizagem.

    Nenhuma tecnologia educacional por si s garante um melhor aprendizado. O jogo

    de papis pode ter como diferencial das outras tecnologias educacionais o fato demotivar para a busca de novos conhecimentos, desenvolver valores sociais e ser

    uma tecnologia independente de eletricidade.

    2.1.3 Consideraes sobre o jogo

    importante definir o que entendemos por jogo, para que possamos

    entender o que o Role Playing Game. Para isso tentamos resgatar a noo de jogo

    de acordo com as pocas e lugares, demonstrando como o jogo sofreu e sofretransformaes de acordo com a cultura. Logo, o conceito que temos de jogo

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    atualmente um conceito inacabado, est em constante mudana. Vimos, de

    acordo com Brougre (1998), como o jogo saiu de uma condio de srio, de til

    sociedade, associado religio e poltica, passou pela descrena e repdio

    quando associado aos jogos de azar, e voltou a ser associado seriedade, dessa

    vez por meio da educao. bem verdade que essa associao ainda no est

    completa. Talvez um dia o jogo possa ser entendido com seu potencial educativo

    mesmo quando praticado longe dos olhos dos educadores, praticado

    espontaneamente. Talvez um dia se perceba que possvel aprender mesmo

    quando no h contato presencial como o professor.

    No h conceito de jogo pronto para o uso (BROUGRE, 1998, p. 210).

    Devemos sempre estar atentos sociedade e poca em que o jogo em questo

    est inserido; entretanto, para o caso do nosso trabalho sobre o Role Playing Game

    ou Jogo de Papis, podemos refletir sobre a afirmao de Vauthier, que destaca

    algumas caractersticas do jogo quando usado em ambiente educacional:

    O jogo motiva os alunos, facilita a concentrao, a utilizao damemria. Atravs do jogo, o aluno ativo: ele descobre atravsde parcerias, ele tem um papel a desempenhar, uma forma de

    responsabilidade na sua equipa para ganhar, ele tem prazerem compartilhar. [...]O jogo est mudando a relao com osaber e introduz os estudantes a uma classe de relaes ss, oelemento de sorte, muitas vezes presentes, reduz o medo doerro, falha, que paralisaram alguns, qualidades comunicao, orespeito mtuo, a considerao de regras [...]os estudantesadquirem os mtodos de trabalho, o senso de ordem, a lgica,raciocnio, trabalho em equipe [...] (VAUTHIER, 2006, p.1)

    A questo em debate se o jogo, por si s, envolve e mesmo que no

    contenha contedos curriculares, permite o aprendizado de valores como auto-confiana, respeito e trabalho em equipe.

    Para introduzir o jogo especfico da pesquisa, o jogo de papis (RPG),

    trouxemos a afirmao de Gadamer que aponta: Aqui reside o fascnio

    habitualmente ligado idia de jogo: o horizonte de possibilidades que ele consegue

    oferecer variao imaginativa do eu enquanto movimento em que se joga a algo

    (GAMADER, 1986 apud SILVA, 2005).

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    Observaremos adiante como o RPG traz inmeras possibilidades aos

    jogadores, cabendo apenas imaginao, criatividade e fantasia o fascnio a

    que Gadamer se referiu na citao anterior.

    2.2 Jogo de Papis (Role Playing Game - RPG)

    O RPG que um jogo de contar histria e interpretar, um grande faz-de-

    conta com regras e leis, no qual cada jogador cria um personagem com

    caractersticas fsicas, psicolgicas e sociais prprias e passa a interpret-lo.

    Zaccagnino (2006) refere-se ao RPG como uma forma importante de instigar

    a imaginao

    um fenmeno de grande alcance que nasceu no incio dosanos setenta, tendo posteriormente vrias formas, incluindo ouso de entretenimento ou lazer, uma criativa e divertidamaneira de escapar do mundo e ativamente estimular aimaginao (ZACCAGNINO, 2006, p. 42)

    Fica mais fcil entender se lembrarmos das brincadeiras infantis de faz-de-

    conta, nas quais cada criana um heri destemido, um cavaleiro valente, um rei,

    uma princesa, enfim... cada criana representa o personagem que mais gosta oucom o qual se sente familiarizado. O RPG tem a mesma caracterstica de faz-de-

    conta e representao das brincadeiras infantis, porm com regras. Dessa forma,

    fica mais fcil ou possvel de saber qual tiro (imaginrio) acertou primeiro: o do

    mocinho ou o do bandido. O RPG apenas normatizou a brincadeira, para que a

    fantasia de um no tomasse o espao da fantasia do outro.

    Como a dinmica acontece de acordo com a interpretao dos jogadores,

    seu final sempre um mistrio, o que torna o jogo mais interessante. Embora haja

    personagens e interpretaes, como num teatro, o palco e o figurino aps devida

    pesquisa de ambientao, poca e contexto - ficam por conta da imaginao no jogo

    de RPG.

    Sentados em volta de uma mesa, os jogadores imaginam e relatam a ao

    de seus personagens a partir de situaes expostas por um jogador que atua como

    Mestre. A cada soluo apresentada, o Mestre prope uma nova situao, e osparticipantes imaginam outras aes, buscam e pesquisam o que melhor a ser

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    feito ou at mesmo como deve ser feito e assim vo decidindo os rumos da

    aventura. Ou seja, nesse jogo de contar histrias, o desenvolvimento da narrativa

    depende da imaginao e integrao dos participantes. E o grande diferencial desse

    jogo que no envolve disputa; muito pelo contrrio, para conseguirem alcanar o

    objetivo, os jogadores precisam cooperar entre si. Dessa forma, todos aproveitam o

    jogo, divertem-se sem medo de perder, pois todos so ganhadores.

    O Role Playing Game um jogo de produzir fico. Umaaventura proposta por um narrador principal - mestre einterpretada por um grupo de jogadores. A ao pode sepassar em vrios mundos: de fantasia medieval, terror oufuturista. Pode tambm interagir com o universo ficcional

    preexistente. As regras do RPG so as da narrativa(RODRIGUES, 2004, p. 18)

    importante ressaltar a que o RPG atende a todas as caractersticas que

    propomos no tpico anterior (Ao voluntria, com regras consentidas por todos,

    acontece dentro de um limite de tempo e espao e tem um fim em si mesmo), sendo,

    portanto um jogo pleno em sua concepo.

    Zaccagnino (2006) destaca as possibilidades de aprendizado do jogo de

    papis (RPG) ao consider-lo como uma prtica social na qual os jogadores

    relacionam entre si. O RPG jogado num mundo fantasioso, irreal,

    [...] consentindo aos participantes viverem uma situaoparticular, que traz para o indivduo novas informaes sobre simesmo. E do a possibilidade de transmitir mensagens deoutra forma que no poderiam ser bem recebidas e enriquecema quem est aprendendo participativamente de experinciasdas quais podem tirar concluses individualmente tanto como

    em grupo. Atravs desses exerccios, se evidenciam problemasligados tomada e deciso, comunicao e participao, mudana organizacional, etc (ZACCAGNINO, 2006, p. 86-87).

    Segundo Klimick (1992), no RPG ou jogo de papis, o jogador interpreta um

    personagem criado por ele prprio. No jogo de papis os jogadores podem ser

    crianas, adolescentes, adultos e ancios, que tm de lidar com diferentes nveis de

    dificuldade, de acordo com as suas capacidades (ZACCAGNINO, 2006, p.42).

    Embora as possibilidades sejam infinitas, a criao do personagem deve ter dois

    limites: estar de acordo com o sistema de regras, que limitam as capacidades dopersonagem; e a ambientao, o cenrio, que limita os tipos de personagens

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    possveis. Por exemplo, no seria coerente um cowboy do velho-oeste numa

    aventura espacial de fico cientfica. Portanto, os alunos precisam conhecer para

    construir seus personagens. Para construir um personagem fiel imaginao do

    jogador, este recorre a pesquisas e a diferentes informaes para elaborar o melhor

    perfil.

    Klimick (1992) tambm afirma que o RPG um jogo jogado verbalmente. As

    atividades e aes se passam sempre na imaginao e fantasia dos jogadores. No

    necessrio espao especial ou algum acessrio; bastam os livros de regras, as

    fichas de personagens e dados que decidem as aes aleatrias. Aes simples

    como caminhar ou abrir uma porta no oferecem nenhuma dificuldade para o

    personagem do jogo (a no ser que ele tenha algum tipo de deficincia). Isso faz

    com que esse tipo de ao tenha um sucesso automtico. Aes impossveis (ao

    menos para humanos) como sair voando ou desviar de uma bala disparada so

    considerados um fracasso automtico. Para aes que geram alguma probabilidade,

    como escalar um muro alto, blefar num jogo de pquer, entre outras aes, usa-se o

    dado. Esse determina se a ao foi realizada com sucesso ou no. Os dados

    usados no RPG so artefatos que chamam a ateno. De acordo com o sistema de

    jogo ou a probabilidade da ao so usados dados de vrias faces, diferentes do

    comum dado de seis faces. Para o jogo de papis os mais conhecidos e usados so

    os dados de quatro faces, de seis, oito, dez, doze e vinte faces.

    Um dos fatores que do a importncia do RPG para o processo de

    aprendizagem o desenvolvimento da capacidade argumentativa, bem como a

    socializao, visto que o jogo jogado verbalmente como afirma Klimick (2002).

    Outro ponto interessante, que se pode aprender sobre o acaso, as perdas e osganhos que acontecem no nosso cotidiano. Por exemplo, por meio da aleatoriedade

    dos dados do jogo, um atleta que treinou por muito tempo pode perder a

    competio, ou um espio, por mais cuidado que tenha, pode ser visto tentando se

    esconder; ao mesmo tempo em que um atirador amador pode acertar o alvo muito

    distante na primeira tentativa. Vivenciando as alegrias e tristezas de vitrias e

    derrotas, existe a possibilidade de se aprender a ser prudente sobre as escolhas, e

    ao faz-las, saber das chances de sucesso ou fracasso.

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    Outro fator que Zaccagnino (2006) destaca a possibilidade de aprender se

    divertindo. A autora afirma que

    [...] o jogo universalmente reconhecido como o caminho maisagradvel, mas sobretudo mais prazeroso para aaprendizagem. A criao de cenrios, dos componentes que ainteragem, dos problemas que surgem e a individualizao daspossveis solues parecem ter as condies melhores para aaprendizagem. A participao direta do processo permite"trabalhar" com os "objetos" da aprendizagem, das relaesentre si, de individualizar possveis erros na correlao devariveis, de imaginar cenrios "possveis" de desenvolvimentode hipteses de estudo. As temticas tericas tomam corpo e oproblema se torna realidade dramtica a qual se deve dar

    soluo[...] (ZACCAGINO,2006, p. 150).

    Com base no que a autora afirma, temos a possibilidade de questionar o

    quanto o jogo, uma vez que uma atividade prazerosa, pode ser um aliado de uma

    prtica pedaggica que utilize um fundamento ldico, como o RPG.

    Embora seja um jogo de representao, numa sesso de jogo dificilmente

    vemos algum de p gesticulando e agindo como se fosse o personagem. Isso

    acontece raramente para ilustrar melhor algum acontecimento diferenciado. Como j

    foi dito, o jogo se passa na fantasia, imaginao dos jogadores. Alguns mestres

    preferem usar alguns recursos como mapas, miniaturas e imagens para transmitir

    melhor a idia do que se trata. Forma-se, abre-se espao para os jogadores tambm

    tirarem suas idias da imaginao e transform-las em objetos, como uma carta a

    um rei pedindo permisso para fazer uma investigao no castelo. Escrever tal

    pedido exige mais da capacidade dos jogadores do que apenas verbalizar o memo.

    Assim como o mestre, algumas vezes, traz recursos para auxiliar o jogo, quando o

    jogador tambm o faz, pode ser muito rico para seu desenvolvimento. Entretanto, a

    ausncia de tais recursos no afeta o bom andamento da sesso.

    Segundo Otte (2002), existem dois tipos de aventura de RPG: a aventura

    solo e a campanha. Na aventura solo os jogadores formam seus personagens para

    uma aventura apenas, que tem um final e objetivos bem claros. Uma vez o objetivo

    conquistado, termina a aventura. Algo como um filme, toda a histria se passa em

    poucas horas. A campanha permite o crescimento e evoluo dos personagens, pois formada por uma seqncia de aventuras sem um final especfico. A campanha

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    permite um crescimento maior no s do personagem, mas tambm do jogador que

    o interpreta. Ao decidir por aes e verificar as conseqncias, ele pode, em outra

    oportunidade do jogo, repeti-la ou no.

    O objetivo do jogo de papis no a vitria, a conquista. Mesmo que o

    objetivo no seja alcanado, que a princesa no tenha sido salva, o personagem

    continua l, com seus defeitos e qualidades, como na vida real. Dessa forma, ele

    pode lamentar no ter conquistado o objetivo ou partir para novas aventuras.

    Diferente de um filme que termina com um final feliz, com o personagem principal

    atingindo seu objetivo, para o jogo de RPG assim como para a vida, necessrio

    continuar. Num paralelo com a vida real, o jogo no termina quando houve um

    fracasso ou um sucesso, sempre h a possibilidade de superar a derrota,

    comemorar a vitria e continuar. Entendemos que essa continuidade importante

    para a formao do indivduo, pois por meio do jogo de papis ele poder aprender

    que no vlido, nem sadio, comemorar para sempre uma vitria. O mesmo vale

    para a derrota, pois no interessante ficar lamentando que teve uma oportunidade

    e a perdeu. Com o RPG, o indivduo pode aprender que as coisas acontecem, o

    mundo continua girando, independente do que acontea a ele, e dessa forma, ele

    passa a dar o valor que se deve dar s suas conquistas.

    Nessas aventuras existe a possibilidade do personagem morrer. Conforme j

    apontamos, Bruner (1986) destacou essa caracterstica da possibilidade do

    personagem de um jogo sofrer acidentes ou at mesmo morrer. Ao contrrio do que

    muitos podem pensar, quando um personagem morre, o jogador no sai do jogo, ele

    faz um personagem novo e continua. Isso seria simples e fcil se no fossem alguns

    motivos. Normalmente, por prezar pela diverso, o mestre do jogo no permite quepersonagens morram. Isso acontece geralmente quando h a falta de bom senso ou

    de valores como trabalho em equipe por parte do jogador. interessante notar que

    em alguns casos, o luto gerado pela morte de um personagem; principalmente se for

    um personagem de campanha, que esteve em aventuras por muito tempo,

    desenvolvendo inmeras habilidades e percias. O vnculo afetivo, muitas vezes,

    criado tanto pelo jogador do personagem, quanto por outros jogadores, possibilita

    que eles vivenciem a dor da morte de algum prximo. Aprendem que mesmo sem ofalecido em questo, eles devem continuar. Entretanto, o que sempre deve ser claro

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    para todos os jogadores de que se trata de um jogo e o mais importante o

    aprendizado e crescimento do jogador e no do personagem (BOLZAN, 2003).

    2.2.1 Histria do RPG

    Embora haja muitos livros sobre o RPG, a grande maioria contm

    informaes para o jogo em si (suplementos para mestres e jogadores, sistemas de

    regras, etc). Os sites que tratam sobre o assunto no fogem regra. Neles

    possvel encontrar livros venda, informaes para downloadalm de suportes para

    mestres e jogadores desenvolverem bem suas aventuras (BOLZAN, 2003).

    A origem dos jogos de papis encontrada nos jogos de guerra, que por suavez tiveram origem em simulaes de guerra postas em prtica pelos estudiosos em

    estratgias (ZACCAGNINO, 2006, p. 13).

    De acordo com a mesma autora, em meados de 1780, um educador de

    oficiais da corte teve a idia de transferir as condies de um campo de batalha para

    quadrados coloridos, representando diversos tipos de terreno. Mais tarde, os

    quadrados foram substitudos por uma representao de terrenos mais prxima da

    realidade e foram inseridos os mapas. Esse tipo de jogo era utilizado tanto como

    entretenimento como no planejamento de batalhas.

    Os alemes foram os que formalizaram o primeiro jogo com essa dinmica e

    o chamaram de Kriegspiel. Alm disso, passaram a usar dados para representar a

    aleatoriedade de acontecimentos em uma batalha. De alguma forma, os outros jogos

    de guerra que temos hoje em dia tm origem nesse jogo alemo.

    Uma vez essa tcnica difundida, logo outros pases europeus a utilizaram.

    Entretanto, os jogos de guerra se popularizaram apenas depois que H.G. Wells

    publicou um livro chamado Little Wars(1975) que compilava regras simples para os

    jogos de guerra.

    O Little Wars representa o incio e referncia dos jogos de guerra. Seu

    autor foi quem sugeriu o uso de miniaturas para melhor visualizao do

    jogo/combate. Mesmo com a insero de dados e miniaturas, o interesse e a

    procura por esses tipos de jogos eram baixos.

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    O que fomentou o crescimento do RPG foi a publicao do livro O Senhor

    dos Anis de Tolkien (1966). O mundo de fantasia criado por Tolkien, rico em

    detalhes que vo desde a descrio do cenrio at a uma lngua prpria desse lugar

    fictcio, agradou muitos jovens dentre os quais, vrios jogadores dos jogos de

    guerra (PANICUCCI, 2004).

    Os jogos de guerra (wargames) comearam a se ligar cada vez mais com o

    aspecto da fantasia e imaginao. Gary Gygax e seus amigos desenvolveram um

    sistema de regras para os jogos de guerra que ocorresse num cenrio de fantasia,

    um ambiente medieval, com feitios, drages e criaturas fantsticas assim como o

    Senhor dos Anis (ZACANINNO, 2006). Esse sistema, chamado Chainmail se

    tornou o av do que hoje o sistema de RPG mais conhecido e mais jogado do

    mundo: o Dungeons & Dragons, ou mais conhecido como D&D.

    Em meados de 19702 lanado o ento esperado D&D, o primeiro RPG

    comercial do mundo. O lanamento gerou um crescimento e disseminao ainda

    maior desse tipo de jogo. Entretanto, por ser um jogo pensado nos que j estavam

    familiarizados com os jogos de guerra, acabou sendo considerado complicado para

    quem queria conhec-la e no tinha um histrico nesse tipo de jogo. Essacomplicao das regras fez com que os jogadores e mestres comeassem a criar

    suas prprias regras, de acordo com a necessidade do jogo. Esse motivo serviu

    para que os jogadores se vissem livres das amarras das regras e pudessem criar

    sem medo suas regras, de acordo como fosse melhor para cada grupo de

    jogadores. Dessa forma, os jogadores comearam a trocar experincias que deram

    certo e a formar f clubes para dividir essas vivncias. A cada passo dado,

    percebemos que o RPG mais divulgado, porm nunca massivamente. um jogoque se espalha muito mais pelo poder da satisfao de quem joga e comenta com

    amigos, do que pelo poder de propagandas e mdia.

    Em 1975, um ano depois da publicao do D&D, surge um sistema

    concorrente: O Tunnels and Trolls. Ao contrrio do D&Do Tunnel and Trollsprezava

    pela simplicidade das regras e logo ganhou um grande nmero de adeptos. No

    2 Existem divergncias entre algumas referncias sobre o ano de lanamento do D&D. Algunsatibuem ao ano de 1973, outros a 1974 e alguns a 1977.

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    entanto, a simplicidade de regras tornava o jogo pobre, sem detalhes, o que causou

    o desinteresse posterior de seu pblico.

    Uma vez o RPG no comrcio, estava iniciada a temporada de concorrncia.At o ano de 1977 surgiram alguns outros sistemas de jogos de RPG. Sempre

    tentando balizar o erro do sistema anterior. Ora compensando a complexidade, ora a

    simplicidade, ora o realismo, ora a fico. No ano de 1977 criado o Metamorphosis

    Alphaou simplesmente MA. MA foi o primeiro RPG que no usava dos cenrios e

    enredos medievais, com magos, espadas e cavaleiros. Esse sistema utilizava um

    cenrio de fico cientfica.

    Seguindo a quebra de paradigma, ainda em 1977, Mark Miller publica o

    Travellerque se tornou pioneiro no que diz respeito abrangncia do cenrio do

    jogo. O Travellerpermitia no s a criao de personagens, cidades ou pases, mas

    de sistemas solares inteiros. Esse sistema dava total autonomia para o mestre do

    jogo e seus jogadores. O jogo poderia acontecer em qualquer poca, em qualquer

    lugar com qualquer personagem, de acordo com a preferncia dos jogadores.

    essa liberdade que possibilita hoje o uso do RPG para as mais diversas situaes,

    de treinamento e seleo de profissionais para empresas ao uso do RPG na escola.

    Outro acontecimento que veio somar ao sucesso de Traveller foi o

    lanamento do filme Guerra nas Estrelas. As regras complacentes do sistema

    permitiam que os fs do filme revivessem seus heris em sesses de jogo.

    O RPG, ao ganhar nmeros expressivos de adeptos, faz com que esses

    sintam a necessidade de se juntar com seus iguais e se diferenciar dos outros. No

    que isso seja uma caracterstica do RPG. possvel notar essa organizao entretorcedores de time de futebol, leitores de algum tipo de livro, jogadores de algum

    outro tipo de jogo, etc... Esse senso de pertencimento a um grupo sadio e faz parte

    do processo da identidade, que veremos adiante. Huizinga indica essa fora maior

    que une os integrantes de um grupo, mesmo quando no esto juntos:

    As comunidades de jogadores geralmente tendem a tornar-sepermanentes, mesmo depois de acabado o jogo. claro que

    nem todos os jogos de bola de gude, ou de bridge, levam fundao de um clube. Mas a sensao de estarseparadamente juntos, numa situao excepcional, de

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    partilhar algo importante, afastando-se do resto do mundo erecusando as normas habituais, conserva sua magia para almda durao de cada jogo. O clube pertence ao jogo tal como ochapu pertence cabea (HUIZINGA, 2007, p. 15).

    Uma vez formada a comunidade dos jogadores de RPG, criou-se uma

    cultura, um statusde intelectual e ao mesmo tempo de estranho. Quem jogava RPG

    era tido como pessoa misteriosa, estudiosa (pois geralmente carregava um livro de

    regras de RPG consigo) e diferente, pois carregava dados de diferentes nmeros de

    faces que ningum sabia o que era ou para que servia e, vez ou outra, eram

    surpreendidos falando coisas estranhas (mas que para quem jogava faziam total

    sentido).

    Enquanto os jogos de papis iam se aperfeioando, o Brasil comea a ter

    seu primeiro contato com o RPG por meio dos jogos de guerra (wargames) que

    acompanhavam as revistas de jogos da Editora Abril (OTTE, 2002). A medida que

    os jogos de representao iam fazendo sucesso nos EUA, ele chegava

    paulatinamente para jogadores brasileiros por meio de anotaes e fotocpias de

    materiais estrangeiros (BOLZAN, 2003). Esse material acaba selecionando

    jogadores com uma classe social mais favorecida num primeiro momento, j que omaterial estava em ingls, o que dificultava um maior acesso s informaes e

    tornou, de certa forma, o jogo de papis (RPG) um jogo de elite social.

    Com a disseminao desse material, comearam a serem feitas tradues.

    De acordo com Gygax e Arneson (1974), por volta de 1983 chega ao Brasil a

    primeira verso do D&D em portugus, que foi publicada em Portugal e chegou at

    aqui por meio de importadoras. Alguns anos mais tarde, em 1991, surgiu, o primeiro

    RPG brasileiro, o Tagmar, que trazia um ambiente medieval com a autoria de Klimick(BOLZAN, 2003). Com o passar do tempo novos ttulos foram lanados e tiveram

    sua traduo para o portugus, assim como, mais jogos feitos para os brasileiros

    foram lanados.

    Com o passar os anos, o RPG foi se distanciando cada vez mais do que era

    originalmente, os jogos de guerra (wargames), destacando a interpretao como

    elemento principal do jogo. O RPG inova, evolui e revoluciona quando ousa e tenta

    navegar em outros mares. Houve a tentativa de trocar a aleatoriedade dos dados

    para cartas, sejam cartas de baralho normal ou cartas produzidas especialmente

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    para aquele jogo. Surgiram os live-actions, jogo em que os jogadores se vestem

    como seus personagens e suas aes so representadas como num grande teatro;

    e tambm os livros-jogos, no qual, o leitor, medida que vai lendo a histria, pode

    interagir com o protagonista e decidir que caminho tomar, interferindo portanto, no

    final da histria, assim como nossa ambientao para esse trabalho.

    Com o crescimento do RPG e suas inmeras tentativas e inovaes, os

    jogadores de RPG que atuavam no mbito escolar viram uma possibilidade de se

    jogar RPG na escola e esse jogo ser educativo.

    2.2.2 Os tipos de jogos de papis

    De acordo com Dutra (2003), podemos descrever trs tipos de RPG: o

    dungeons(ou sistema tradicional), cards (ou cartas) e o live action (ao ao vivo).

    Dos trs sistemas o tradicional o mais conhecido e usado, e dele que falaremos

    ao longo desse trabalho.

    O sistema dungeons comeou basicamente com o objetivo de matar

    monstros, adquirir tesouros em ambientes como masmorras e castelos medievais.

    Aos poucos o dungeons foi evoluindo e, alm de matar monstros, invadir torres e

    matar drages, h conflitos psicolgicos e ticos na trama. Essa evoluo acabou

    dividindo em basicamente trs tipos de sistemas o D&D; como veremos adiante.

    Os cards ou cartas, so jogos que no precisam de um mestre,

    representao ou histria. Eles se assemelham a um xadrez, no qual vence quem

    tem a melhor estratgia, sabendo usar os personagens e poderes exibidos nas

    cartas. Normalmente os sistemas dungeons e cards so jogados em pequenos

    grupos de quatro a dez pessoas em volta de uma mesa.

    O terceiro e ltimo tipo de RPG a que Dutra (2003) se refere o live action

    (ao ao vivo). Esse sistema tem uma grande nfase na interpretao. H uma

    representao ao vivo de todos os personagens, como se fosse um evento teatral.

    As conversas, as lutas, as alianas dependem muito de como os jogadores

    interpretam seus personagens. Nesse sistema, tambm h um mestre, embora sua

    atuao e participao sejam bem menores, se comparadas com o sistematradicional.

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    H ainda outro tipo de RPG que cresce cada vez mais e que Dutra (2003)

    acabou no elencando, que o RPG eletrnico; os jogos de vdeo-games e

    computadores que so jogados via Internet na maioria das vezes, como os jogos

    MMORPG (Massive Multiple Online RPG: jogos online mltiplos de massa). Ele

    ganha cada dia mais adeptos por sua interatividade com o jogo normalmente

    possvel construir o heri do seu jogo como lhe convm e as decises tomadas

    durante o jogo normalmente repercutem de algum modo no futuro da histria do

    jogo.

    Zaccagnino (2006) tambm fez uma lista dos tipos de RPG existentes.

    Diferente de Dutra, que separou os tipos de jogo pela sua dinmica de

    acontecimento, Zaccagnino dividiu os tipos de jogos de papis de acordo com a

    temtica envolvida.

    Tipo CaractersticaMitolgico Os personagens so deuses e heris lendrios que

    fazem aes extraordinrias. Os personagens soseres superiores, dotado de poderesextraordinrios.

    Fantasia herica Os personagens so os heris mais elevados do

    que os outros homens, so liderados por um destinoou um impulso interior que os movem para fazernegcios fora de sua cidade. O mundo em que seexistem identificado pela expresso "Fantasia",dominado pela magia e ao sobrenatural, um mundoonde tudo pode acontecer.

    Fantasia Histrica Personagens e acontecimentos so inseridos dentrode fatos histricos, com o cuidado de no serincoerente com a histria.

    Fantasia de Horror Os personagens so pessoas comuns que

    enfrentam situaes extraordinrias. Emoes comomedo e o terror so uma constante.Fantasia de Aventura Os personagens podem ser homens comuns, mas

    no comum o seu esprito de aventura. Apresena do sobrenatural reduzida ao mnimo erodeada de mistrio. Na maior parte das vezes aexplicao dos acontecimentos racional, emboraconfiada a uma racionalidade que reproduz ou imitaracionalidade cientfica

    Fico Cientfica a fico do tipo mais comum, na qual a nfase sobre uma mudana trazida pelo desenvolvimento

    tecnolgico provvel: viagem interplanetria,explorao de planetas aliengenasFantasia Cientfica Sua definio est mais relacionada no

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    desenvolvimento cientfico-tecnolgico inteiramente confiada imaginao: mundosalterados, mutaes, cientfica reinterpretao dosobrenatural, invaso de espcies exticas,

    monstros, e assim por diante.Fantastria Geralmente as histrias se passam em umasociedade profundamente alterada emconseqncia de um evento catastrfico como umaguerra nuclear ou as alteraes climticas.

    Histrico /Aventura O sobrenatural completamente ausente e a nfaserecai sobre a histria real.

    Aventura Investigativa Os personagens so os investigadores amadores ouprofissionais, a tentar resolver algum mistrio. Seuprincipal recurso o intelecto, o conhecimento e adeduo.

    Simulao Militar o tipo que mais permanece vinculado suaorigem jogos e guerra (wargame). Muitas vezes,estes so os exerccios militares no sentido estritodo termo.

    Viagem no tempo semelhante a um gnero de fico cientfica. NoRPG por vezes uma desculpa para se conectarumas com as outras configuraes diferentes. Porexemplo: usar armas futuristas em ambientesmedievais.

    Humorstico O objetivo irnico. A fixao do tipo de RPG varivel, por vezes, resultantes de contaminao devrios tipos, a fim de elevar a comdia.

    Universal Este jogo um sistema que no est baseada emuma configurao especfica. O seu objetivo fornecer um modelo de simulao adaptvel a todasas situaes. Um bom exemplo o sistema GURPS(Generic Universal Role Playing Systemou RegrasUniversais para o Jogo de Papis).

    Quadro 1: Tipos de jogos de papis/ RPG - Fonte: ZACCAGNINO (2006)

    Embora Zaccagnino (2006, p. 45) tenha elencado os tipos de RPG, h,

    ainda outra diviso que abrange os tipos de jogos citados no quadro, a diviso da

    estrutura da aventura. De acordo com Vogler (1997), podemos dividir uma aventura

    basicamente em algumas etapas:

    O chamado para a aventura O(s) heri(s) so chamados para sarem de

    seu cotidiano e resolver algum problema (investigar algo, matar um monstro, salvar a

    princesa).

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    Conflitos ou Provaes o heri encontra aliados, inimigos, mestres e

    pequenos testes que iro qualific-lo e prepar-lo para vencer o inimigo maior.

    Grande Provao clmax da aventura. Encontro com o antagonista dahistria.

    Glria retorno para o lugar de onde saiu no incio. Recebimento da fama e

    da glria por ter atingido o objetivo e restabelecimento do cotidiano, mesmo que

    diferente do incio.

    Para o campo educacional essas divises so muito teis, para dar um

    direcionamento para o professor de acordo com seus objetivos de aula e paraauxili-lo nas etapas que podem ocorrer durante a trama. mais comum encontrar

    em jogos de papis educacionais jogos do tipo Viagem no Tempo, Aventura

    investigativa, Fantasia Histrica e Histrico/Aventura; no que eles sejam mais

    adequados educao. Dependendo do objetivo do professor, um jogo do tipo

    Fico Cientfica, ou at mesmo, do tipo Humorstico pode ser mais til.

    2.2.3 - Sistemas de Regras e tipos de jogos de papis

    Se o jogo de papis jogado a partir da imaginao e fantasia, as

    possibilidades so infinitas. Como colocar regras para a imaginao? Pensando

    nisso que, em praticamente todos os livros de regras de RPG, existe uma regra

    especfica que igual para todos os sistemas, chamada a regra de ouro. A regra de

    ouro diz que, para o bom andamento do jogo, se deve desconsiderar qualquer regra

    escrita que esteja atrapalhando ou confundindo os jogadores. Para as demais

    regras, elas esto associadas ao tipo de cenrio, ambientao que aquele sistema

    se disps a descrever. Alguns ambientes so mais tradicionais como o futuro, um

    ambiente de terror com monstros ou at mesmo a poca medieval, com castelos e

    cavalaria. Se considerarmos o que a literatura e o cinema oferecem, teremos uma

    infinidade de ambientes como aqueles da triologia do Senhor dos Anis ou de

    Guerra nas Estrelas.

    Acompanhando a variedade de ambientes, h tambm uma gama de

    sistemas de regras, pois cada tipo de RPG costuma ter o seu. Klimick (1992) apontapara a variedade de possibilidades de jogos quando afirma que possvel combinar

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    um ambiente com um sistema de regras e que toda vez que isso feito, temos um

    jogo diferente.

    Como comentado anteriormente, o D&D, com o passar do tempo seramificou em basicamente trs tipos de sistemas de RPG: o Dungeons & Dragons

    (D&D) que foi o pioneiro tipo de RPG e se manteve fiel sua proposta veremos

    seu surgimento adiante o GURPS (Generic Universal Role Playing System ou

    Regras Universais para o Jogo de Papis) e o tipo Storyteller ou contador de

    histrias.

    O D&D caracteriza-se pelo universo rico em fantasia, e pelas aventuras

    tpicas de caar tesouros em cavernas e matar drages. Uma caracterstica forte do

    D&D sua vasta bibliografia, onde podemos elencar os livros bsicos de jogador e

    mestre e os inmeros suplementos como livro de monstros, guia de castelos

    medievais, livro especial sobre drages para os mestres; e suplementos

    especficos para os jogadores, que permitem que eles se aprofundem na construo

    de seus personagens, como o livro do guerreiro, livro dos monges, etc...

    Resumindo o perfil do jogo D&D Pavo (1996, p. 77) escreve que:

    [...] de acordo com as regras desse jogo, as possibilidades dopersonagem so estritamente definidas pela raa e classe aque pertence. As regras exigem uma busca obsessiva do poderfsico ou mgico, e a nica maneira de consegui-lo detonarseres de outras raa.

    O GURPS um sistema universal de regras. A partir do GURPS possvel

    criar jogos desde a poca das cavernas at o mais futurista. Tem como

    caracterstica marcante a abrangncia e a grande permissividade no quesitocriatividade,

    Pavo (1996, p.77) explica que no sistema GURPS:

    [...] todos os jogadores tm oportunidades exatamente iguaisno incio do jogo, e depois, se o player trabalhar duro, soubernegociar e administrar riscos e oportunidades, vai subir na vidade forma lenta e segura.

    Por ltimo, existe o sistema Storytellerou o contador de histrias. Esse tipo

    de RPG d uma nfase maior na interpretao e na profundidade psicolgica da

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    construo do personagem e na atuao dele no jogo. Em geral nesse tipo de jogo o

    mestre privilegia a atuao e interpretao e tende a rolar menos os dados. Em

    outras palavras, h menos burocracias e regras e mais interpretao e

    envolvimento com o personagem e com a trama. Esse sistema costuma ser

    interligado com o liveaction os jogadores contam as histrias e interagem com

    elas, caracterizadas conforme seus personagens.

    Tanto o Storytellerquando o liveaction tende a contribuir para a educao

    quando se trata de pesquisa. Como a nfase de ambos se d na construo de

    personagens e na interpretao, no basta apenas saber as regras que esto

    escritas no livro, se faz necessrio ir alm e traar com maior exatido possvel

    quem o personagem e, alm disso, tentar pensar o que ele pensa e saber o que

    ele sabe. Nesses casos a possibilidade de desenvolvimento da capacidade de

    argumentao, criatividade, expresso e argumentao crescem consideravelmente.

    2.2.4 Um jogador diferente: o mestre

    Numa sesso de RPG, todos os jogadores chegam cheios de ansiedade,

    com dvidas entre que personagem criar e que aventura os esperar. Essas dvidas

    no so compartilhadas por apenas um jogador. Esse jogador j sabe o tipo de

    aventura e no se preocupa qual personagem ir criar, pois ele no joga com um

    personagem. As suas dvidas normalmente so sobre os tipos de personagens que

    os outros jogadores criaro e suas respectivas histrias e habilidades. Esse jogador

    o mestre da sesso, aquele que narrar os acontecimentos para os outros. dele

    a responsabilidade de envolver todos na histria e fazer da sesso a mais divertida

    possvel.

    O mestre inicia a histria, contextualiza a situao de cada jogador e,

    medida que a histria vai acontecendo, os jogadores precisam interagir, ajudando a

    construir a histria. O mestre sempre pensa no ambiente, nos lugares e pessoas que

    os jogadores iro encontrar, menos nas aes que os jogadores tomaro. O mestre

    precisa estar preparado para as decises dos jogadores. Por saber quase que tudo

    sobre a trama do jogo (quem o vilo, porque o vilo) o mestre deve ser aquele

    que mais sabe sobre as regras do sistema jogado. Por isso ele deve ler o livro todo esaber os detalhes de cada situao para auxili-los no decorrer do jogo. J os outros

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    jogadores, precisam responder os enigmas e problemas altura, numa espcie de

    duelo intelectual. Para isso, eles normalmente se munem de pesquisas que

    contextualizem a trama com acontecimentos e curiosidades, e de uma boa

    estratgia de equipe para superarem juntos os obstculos colocados pelo mestre.

    Embora a funo do mestre no seja vencer os outros jogadores, funo dele

    promover a diverso, e para isso, exige um grau de dificuldade nos enigmas e

    acontecimentos da trama.

    Alm de contar a histria do jogo, o mestre o responsvel pelos sentidos