o jardim vermelho da bia

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ōʚȫ ÞoƼ ōƼo o ō ȫȫōōƼʚ ÞooÞoō Vermelho O jardim da Bia Beatriz Quintella pôs palhaços a divertir crianças hospitalizadas. Em 2002, criou a Operação Nariz Vermelho, que conta com 22 doutores-palhaços que visitam 13 hospitais. Hoje, dois meses depois da sua morte, é inaugurado o Jardim da Bia, no Hospital Dona Estefânia, em Lisboa. Uma homenagem à “Dra. da Graça: meio médica, meio palhaçaS aiu do Brasil em 1990 para estar seis meses fora e nunca mais voltou. Escolheu Portugal. “Quando saímos, não sabemos para onde vamos. A vi- da é o que acontece enquanto fazemos planos”, disse numa entrevista à revista digital Progredir, no final de 2012. Também aí desejou “mais dez anos de trabalho e de saúde”. O desejo não lhe foi concedido. Morreu no dia 4 de Setembro, aos 50 anos. Hoje, nasce um jardim em homenagem à “doutora” que só receitava alegria. E ali serão plan- tados narizes vermelhos. Com início marcado para as 11 ho- ras, no Hospital Dona Estefânia, em Lisboa, a cerimónia contará com o ministro da Saúde, Paulo Macedo, representantes dos doutores-palha- ços e da Operação Nariz Vermelho (ONV), como Mónica Franco, parcei- ros, familiares e amigos mais próxi- mos de Beatriz Quintella e de crian- ças visitadas. “A cerimónia não pôde ser aberta ao público em geral por questões de segurança inerentes ao funciona- mento de uma unidade hospitalar”, explica Magda Morbey Ferro, coor- denadora de comunicação da ONV. Mas fica a promessa de, no próximo Dia Mundial da Criança, 1 de Junho de 2014, se organizar “um evento, aberto ao público, pensado para as crianças, um desejo que Beatriz Quintella gostaria de concretizar”. A operação quer assim dar “um si- acompanharam-nos sempre, não sei se é assim com as outras famílias, mas connosco foi”, vai dizendo. Re- corda que Rafael “não tinha um pa- lhaço preferido, mas dizia que a Dra. da Graça era a sua namorada”. Catarina também ficou muito li- gada a todos eles. “Eu andava no 9.º ano quando o meu irmão foi in- ternado. Também era uma miúda. Eles passaram a fazer parte da mi- nha família.” Depois de sete anos de interna- mento, impunha-se que Rafa fosse transferido para uma instituição onde pudesse ser sempre vigiado e assistido. “A pediatra do meu ir- mão, Ana Jorge, ex-ministra da Saú- de, conseguiu integrá-lo na Associa- ção de Paralisia Cerebral de Lisboa. Quando algo se complicava, o Rafael ia para o Hospital de Santa Maria. E a Dra. da Graça aparecia sempre.” Por isso considera os Narizes Ver- melhos “não só animadores, mas cuidadores”. As recordações atro- pelam-se na memória e na voz, en- tre o tom comovido e o divertido: “O meu irmão esteve em coma muitas vezes e também vários períodos nos cuidados intensivos. E lá vinha ela [Beatriz Quintella] fazer palhaçadas, chamar por ele em voz alta, lançar- lhe bolas de sabão, cantar.” Ontem, Catarina Carreiro ainda não sabia se ia escrever o que que- ria dizer hoje aos convidados para a homenagem: “Numa folha de papel não cabe o que ela fez. Ninguém faz o que eles fazem.” Mas não deixa- rá de contar o que a mãe, que não poderá estar presente, lhe pediu. E agradecer, agradecer muito. “O meu irmão estava prestes a fa- zer 18 anos e tínhamos uma grande festa de anos preparada. Ia ser no Rita Pimenta nal de agradecimento às inúmeras pessoas que manifestaram o desejo de prestar uma última homenagem à sua fundadora”. Muita vontade de prestar home- nagem a Beatriz Quintella tem Cata- rina Carreiro. “Em nome da minha mãe, em meu nome e no do meu ir- mão, Rafael”, diz ao PÚBLICO. E fala sempre na “Dra. da Graça”, persona- gem médica interpretada por Beatriz Quintella. Hoje, Catarina contará a sua história a quem estiver no jardim. Antes, partilhou-a connosco. “O meu irmão foi das primeiras crianças a serem visitadas pela Na- riz Vermelho. Entrou no Garcia de Orta no dia em que fez dez anos.” Rafael, a quem chamavam “Rafa”, ficou tetraplégico em consequência de uma meningite. “A Dra. da Graça acompanhou-o sempre. Aliás, os Narizes Vermelhos

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VermelhoO jardim

da BiaBeatriz Quintella pôs palhaços a divertir crianças hospitalizadas. Em 2002, criou a Operação Nariz Vermelho, que conta com 22 doutores-palhaços que visitam 13 hospitais. Hoje,dois meses depois da sua morte, é inaugurado o Jardim da Bia, no Hospital Dona Estefânia, em Lisboa. Uma homenagem à “Dra. da Graça: meio médica, meio palhaça”

Saiu do Brasil em 1990 para estar seis meses fora e nunca mais voltou. Escolheu Portugal. “Quando saímos, não sabemos para onde vamos. A vi-da é o que acontece enquanto fazemos

planos”, disse numa entrevista à revista digital Progredir, no fi nal de 2012. Também aí desejou “mais dez anos de trabalho e de saúde”. O desejo não lhe foi concedido. Morreu no dia 4 de Setembro, aos 50 anos. Hoje, nasce um jardim em homenagem à “doutora” que só receitava alegria. E ali serão plan-tados narizes vermelhos.

Com início marcado para as 11 ho-ras, no Hospital Dona Estefânia, em Lisboa, a cerimónia contará com o ministro da Saúde, Paulo Macedo, representantes dos doutores-palha-ços e da Operação Nariz Vermelho (ONV), como Mónica Franco, parcei-ros, familiares e amigos mais próxi-mos de Beatriz Quintella e de crian-ças visitadas.

“A cerimónia não pôde ser aberta ao público em geral por questões de segurança inerentes ao funciona-mento de uma unidade hospitalar”, explica Magda Morbey Ferro, coor-denadora de comunicação da ONV. Mas fi ca a promessa de, no próximo Dia Mundial da Criança, 1 de Junho de 2014, se organizar “um evento, aberto ao público, pensado para as crianças, um desejo que Beatriz Quintella gostaria de concretizar”. A operação quer assim dar “um si-

acompanharam-nos sempre, não sei se é assim com as outras famílias, mas connosco foi”, vai dizendo. Re-corda que Rafael “não tinha um pa-lhaço preferido, mas dizia que a Dra. da Graça era a sua namorada”.

Catarina também fi cou muito li-gada a todos eles. “Eu andava no 9.º ano quando o meu irmão foi in-ternado. Também era uma miúda. Eles passaram a fazer parte da mi-nha família.”

Depois de sete anos de interna-mento, impunha-se que Rafa fosse transferido para uma instituição onde pudesse ser sempre vigiado e assistido. “A pediatra do meu ir-mão, Ana Jorge, ex-ministra da Saú-de, conseguiu integrá-lo na Associa-ção de Paralisia Cerebral de Lisboa. Quando algo se complicava, o Rafael ia para o Hospital de Santa Maria. E a Dra. da Graça aparecia sempre.”

Por isso considera os Narizes Ver-melhos “não só animadores, mas cuidadores”. As recordações atro-pelam-se na memória e na voz, en-tre o tom comovido e o divertido: “O meu irmão esteve em coma muitas vezes e também vários períodos nos cuidados intensivos. E lá vinha ela [Beatriz Quintella] fazer palhaçadas, chamar por ele em voz alta, lançar-lhe bolas de sabão, cantar.”

Ontem, Catarina Carreiro ainda não sabia se ia escrever o que que-ria dizer hoje aos convidados para a homenagem: “Numa folha de papel não cabe o que ela fez. Ninguém faz o que eles fazem.” Mas não deixa-rá de contar o que a mãe, que não poderá estar presente, lhe pediu. E agradecer, agradecer muito.

“O meu irmão estava prestes a fa-zer 18 anos e tínhamos uma grande festa de anos preparada. Ia ser no

Rita Pimentanal de agradecimento às inúmeras pessoas que manifestaram o desejo de prestar uma última homenagem à sua fundadora”.

Muita vontade de prestar home-nagem a Beatriz Quintella tem Cata-rina Carreiro. “Em nome da minha mãe, em meu nome e no do meu ir-mão, Rafael”, diz ao PÚBLICO. E fala sempre na “Dra. da Graça”, persona-gem médica interpretada por Beatriz Quintella. Hoje, Catarina contará a sua história a quem estiver no jardim. Antes, partilhou-a connosco.

“O meu irmão foi das primeiras crianças a serem visitadas pela Na-riz Vermelho. Entrou no Garcia de Orta no dia em que fez dez anos.” Rafael, a quem chamavam “Rafa”, fi cou tetraplégico em consequência de uma meningite.

“A Dra. da Graça acompanhou-o sempre. Aliás, os Narizes Vermelhos

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Estádio da Luz porque ele era louco pelo Benfi ca.” Uma crise obrigou-o a ser internado antes do aniversário. Festa anulada e esquecida.

“Não é que, no dia dos anos do Rafael, sem que ninguém tivesse avi-sado quem quer que fosse, a Dra. da Graça e o Dr. Félix Férias [Andreas

Piper] aparecem no quarto do meu irmão com um bolo de aniversário a fazer a festa.” Rafael estava em co-ma, mas a mãe acredita ter-lhe vis-to um sorriso. “Foi muito marcante para a minha mãe. Ela pediu-me para lhes agradecer mais esse mo-mento.”

Rafa esteve muito perto de fazer 19 anos, “mas”, conclui a irmã, “já não tinha forças”. Beatriz Quintella deu-lhe a última festa de aniversário.

Uma das aspirações da fundado-ra da Operação Nariz Vermelho era alegrar também os mais velhos. No entanto, segundo Magda Ferro, ain-da não é possível: “Iniciámos alguns trabalhos nos serviços de medicina junto a idosos no S. Francisco Xavier e no Hospital de Cascais, mas rapi-damente nos apercebemos de que a nossa especialidade são as crianças e que, para trabalhar com idosos,

necessitamos de investir em forma-ção, nomeadamente entender pa-tologias como Alzheimer e outras doenças do foro neurológico.”

A ONV, nas palavras da coordena-dora de comunicação enviadas por email, “está muito bem e recomen-da-se”. Segundo Magda Ferro, “a Beatriz Quintella e a equipa actual prepararam a associação para que a obra de levar alegria e felicidade às crianças hospitalizadas continue”. Mais: “Apesar do contexto econó-mico, temos uma gestão minuciosa dos nossos recursos. No entanto, tendo em conta que o nosso ob-jectivo não é o lucro, quanto mais fundos tivermos, mais podemos investir para levar mais sorrisos a mais crianças hospitalizadas.”

Quando a Operação Nariz Ver-melho contava ainda só com três doutores-palhaços e ia formando outros três, Bia disse ao PÚBLICO: “Fazemos parte da equipa de cura da criança. Para além do médico, do psicólogo ou do enfermeiro, a presença do palhaço é essencial.” E acrescentou: “Os hospitais são lugares que provocam muito medo às crianças. Medo da dor, da doen-ça, das máquinas, medo de não ter futuro. Além disso, as pessoas que contactam com as crianças, como enfermeiros e médicos, também têm medo. Medo de não ter tempo, medo de não serem perfeitos.”

Estávamos em 2003 e já nessa al-tura a formação artística em artes performativas e a longa experiên-cia de voluntariado enquanto Dra. da Graça permitiam-lhe concluir que “o palhaço não tem medo do erro, é vulnerável e imperfeito nos gestos e nos pensamentos”.

Cecília Galvão, então psicóloga do Hospital Dona Estefânia, lem-brava “que a primeira forma de co-municação humana é o sorriso”. Com experiência de contacto diá-rio com crianças em internamen-to, sabia não ser “nada fácil fazer sorrir ou rir uma criança nestas condições”. E dizia: “Os palhaços da ONV sabem meter-se com estes meninos e meninas sem que eles se sintam ameaçados.”

A artista inspirou-se no projecto do palhaço norte-americano Mi-chael Cristensen para criar a Ope-ração Nariz Vermelho. E é dele a resposta que passou a dar sempre que lhe diziam: “Lugar de palhaço não é no hospital.” Era esta: “Lu-gar de criança também não.”

A algazarra que Beatriz Quintella levava para as enfermarias pedi-átricas vai continuar. Assim fi cou escrito pela ONV depois de a “Dra. da Graça, meio médica meio palha-ça” ter morrido: “O seu amor pela criança hospitalizada viverá sem-pre enquanto existirem doutores-palhaços no hospital. Da mesma forma que o seu coração fi cará sempre nos nossos, porque esta-remos para sempre ligados pela ternura do seu nariz.” Vermelho.

FOTOS: DR

O meu irmão esteve em coma muitas vezes. E lá vinha ela [Beatriz Quintella] fazer palhaçadas, chamar por ele em voz alta, lançar-lhe bolas de sabão, cantar

Catarina Carreiroirmã de Rafa

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Beatriz Quintella criou a Operação Nariz Vermelho. Hoje é homenageada p12/13

O jardim vermelho da Bia, “meio médica, meio palhaça”