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Esse evento contou com a reunião ele professores e estudiosos cio Direito Tribulê:lrio para exame e di scussão ela nova di sc ipli- na cio ISS, ocasião em que foram debatidos alg un s aspectos controvertidos ela nova lei. O esclarecime nt o é necessário cm ra zão ela interp reta- ção que vem sendo atribuída pela Fisca li zação e pela Procu- radoria Municipal, ele texto isolado do nosso trabalh o, se m ·considerar a totalidade cio estudo - iníc io e fim- , o que leva à conclusão distorcida, atribuindo afirmações que não re- produzem fi e lme nte o que escrito Ou seja, a Procura- doria di z o que não foi dito por s, co mo será demonstrado. Naquele estudo afirmamos que a LC nº 11 6/2003 não so lu cionou , integra lme nte, alg un s aspectos controve rtidos, co mo se esperava, poss ibi litando a continuidade ela "guerra fi scal ", entre os Municípios, entre outros questionamentos, ocasião em que esc revemos: "a nova lei complementar trou- xe mudanças que não configuram aprimoramento na leg is - lação, mas, ao contrário, poderão suscitar novas di scussões jucl icia is". À pág in a 1 87 cio li vro ora em comento (O ISS e a LC 116), passamos e nt ão a enumerar alguns aspectos contro- vertidos da nova lei, entre eles a questão ela exportação de serviços e a imunidade tributária. A Constituição Federal atribuiu aos Municípios compe- tência para in stituir o ISS -1 mposto sobre Serviços de Qual- quer Natureza, nos seguintes termos: "A rt. 1 56- Compete aos Mun icípios instituir im posto sobre: lil - serviços de qualquer nat ureza, não compreendidos no art. 155, II , defin idos cm lei complementar; § Em relação ao imposto prev isto no inciso Ili cio caput deste artigo, cab e à lei co111ple111e11tar: 1 - fi xar as suas alíquotas máximas e mínimas; II - excluir da sua in cidência a exporta ção de se rvi ços para o exteri or; 11 uv 1 :.tcu1d• ta 11. a 1 u1:1u111:1110 1 riuut é lrl O n • L 11 4::1 111 - regular a forma e as condi ções como as isen ções, in ce nti vos e benefícios fi sc ais serão co ncedidos e revogados." A redação do inciso li cio parágrafo 3º cio art. 156, transcrito, foi introduzida no texto constitucional pela Emenda Constitucional 3/ 1993, concedendo imunidade trihutária do ISS, nas operações de exporta çcio de serviços, condicionada à r eg 11 - la111 entação por lei co111pl e111e11tar a ser posteriormente aprovada e pub li cada pelas duas Casas Legislativas - Câmara e Congresso Nacional. Por ter origem na Constituição, essa desoneração, qualificada como imunidade trilmtária, representa uma limitação ao poder de tributai; carecendo às pessoas po líticas de competência para instituir e exigir imposto sobre as situações definidas como tal. Trata-se, à evidência, de desoneração que tem em vi sta incenti va r as exporta- ("(je s de serviços, com objetivo de, num mundo cada vez mais globali zado, conqu is- tar o mercado internacional, seguindo a mesma tendência internacional de desone- ração tributária ele bens e mercadoria.\· destinados à exportaçcio, para que o merca- do produtor bras il eiro possa ser mais competitivo no exterior, e assegurar o equi lí- bri o da balança comercial, com geração de empregos e entrada de divisas para o País. Com tal objetivo, a Constituição Federal estabeleceu a im unidade ele impostos cm operações destinadas ao exterior. Ass im desonerou a exportação de produtos industrializados - IPI (a rt. 1 53, parágrafo , li , da CF); desonerou, també m, as operações de exportação de me rcadorias - lCMS (a r l. 155 , parágrafo 2°, X, "a", ela CF). Em relação ao ISS, a Constituição Fede ra l dispôs (a rt. 156, parágrafo 3º, ll) qu e cabe à l ei complementar "exc lu ir ela sua in cid ência exportação ele serviços para o ex terior''. Concedeu a imunidade na exportação de serviços, mas deixou a Lei Co mpl ementar discip linar a matéri a. Por ser a desoneração cl etenninacla pela Constituição, nem mesmo a Lei Com- pl eme nt ar, a pretexto de estabelecer normas ge ra is aplicáveis ao ISS , poderia levar ri tributaçcio de serviços ou atividades abrangidas pela imunidade tributária, co n- cedida pelo texto constitucional, qu e, no caso, é bastante claro: "o imposto não in- cid e sobre exportações de serviços para o exte ri or". A Lei Complementar nº 11 6/ 2003, ao di sc iplinar a maté ri a, prevê a desoneração tributária em seu a rt. 2º, parágrafo único, ass im redi gi do: "Art. 2º O imposto não in c ide sobre : 1 - as ex portações de serviços para o ex terior do País; Parágrr!fo único: Não se e nqu adram no di sposto no inciso 1 os serviços dese11vol vidos 110 Bra sil, rnjo resulwdo aqui se ve r!fique, ainda qu e o pagamento seja feito porr e- sidente 110 ex terior ." (Destacamos) Co mo se vê, referida norma, ao confirmar a imunidade tributária atribuída pelo tex to constitucional à exportação el e se rv iços, procura definir o que eleve ser e nten- dido co mo tal, estabelecendo como condição, que o resultado do serviço aqui não se ve rifiqu e. Por essa razão, o parágra fo único desse di spositivo determina que "não se en- quadram no disposto no inciso I os serviços desenvolvidos no Brasil , c ujo resultado aqui se verifique, ainda que o pagamento se ja fe ito por res id ente no exterior".

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Jves Gaudra da Silva Martins é Professor E111éri10 das U11i1•ersidades Macke11zie, U11ip, U11ijieo. U11ifi1111. do Ciee/O Estado de Siio Pa11/o, das Escolas de Co111a11do e 1::.1·tado-Maior do Exército - Ece111e e Superior de Guerra -ESG e Projéssor /-fm1orcírio das U11i1•ersid11des Austral (Arge11ti11a ). Sa11 Marti11 de Porres (Peru ) e Vasili Gol d is ( Ro111ê11ia).

Marilene Ta/arico Martins Rodrigues é Advogada e111 São Paulo.

O ISS, a Exportação de Serviços e a Imunidade Tributária

Jves Gandra da Silva Martins Marilene Talarico Martins Rodrigues

O presente artigo tem por finalidade esclarecer estudo nosso anterior, publicado na obra coletiva denominada O JSS e a LC 116, coordenada por Yaldir de Oliveira Rocha, publicada pela Dialética em 2003, que foi objeto de realiza­ção de seminário tão logo publicada a referida LC. Esse evento contou com a reunião ele professores e estudiosos cio Direito Tribulê:lrio para exame e di scussão ela nova di scipli­na cio ISS, ocasião em que foram debatidos alguns aspectos controvertidos ela nova lei.

O esclarecimento é necessário cm razão ela interpreta-ção que vem sendo atribuída pela Fiscalização e pela Procu­radoria Municipal, ele texto isolado do nosso trabalho, sem ·considerar a totalidade cio estudo - iníc io e fim-, o que leva à conclusão distorcida, atribuindo afirmações que não re­produzem fielmente o que escrito cst ~'í. Ou seja, a Procura­doria diz o que não foi dito por nós, como será demonstrado.

Naquele estudo afirmamos que a LC nº 116/2003 não solucionou , integra lmente, alguns aspectos controvertidos, como se esperava, possibi litando a continuidade ela "guerra fi scal", entre os Municípios, entre outros questionamentos, ocasião em que escrevemos: "a nova lei complementar trou­xe mudanças que não configuram aprimoramento na legis­lação, mas, ao contrário, poderão suscitar novas discussões jucl icia is".

À página 187 cio livro ora em comento (O ISS e a LC 116), passamos então a enumerar alguns aspectos contro­vertidos da nova lei, entre eles a questão ela exportação de serviços e a imunidade tributária.

A Constituição Federal atribuiu aos Municípios compe­tência para instituir o ISS - 1 mposto sobre Serviços de Qual­quer Natureza, nos seguintes termos:

"Art. 156- Compete aos Municípios instituir imposto sobre: lil - serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, defin idos cm lei complementar; § 3º Em relação ao imposto prev isto no inciso Ili cio caput deste artigo, cabe à lei co111ple111e11tar: 1 - fi xar as suas alíquotas máximas e mínimas; II - excluir da sua incidência a exportação de serviços para o exterior;

11 uv 1:.tc• u1d• ta 11.a 1 u1:1u111:1110 1 riuut élrl O n • L 11 4::1

111 - regular a forma e as condições como as isenções, incentivos e benefícios fi scais serão concedidos e revogados."

A redação do inciso li cio parágrafo 3º cio art. 156, transcrito, foi introduzida no texto constitucional pela Emenda Constitucional nº 3/1993, concedendo imunidade trihutária do ISS, nas operações de exportaçcio de serviços, condicionada à reg11-la111entação por lei co111ple111e11tar a ser posteriormente aprovada e publicada pelas duas Casas Legislativas - Câmara e Congresso Nacional.

Por ter origem na Constituição, essa desoneração, qualificada como imunidade trilmtária, representa uma limitação ao poder de tributai; carecendo às pessoas políticas de competência para instituir e exigir imposto sobre as situações definidas como tal.

Trata-se, à evidência, de desoneração que tem em vista incentivar as exporta­("(jes de serviços, com objetivo de, num mundo cada vez mais globali zado, conqu is­tar o mercado internacional, seguindo a mesma tendência internaciona l de desone­ração tributária ele bens e mercadoria.\· destinados à exportaçcio, para que o merca­do produtor brasileiro possa ser mai s competitivo no exterior, e assegurar o equi lí­brio da balança comercial, com geração de empregos e entrada de divisas para o País.

Com tal objetivo, a Constituição Federal estabeleceu a imunidade ele impostos cm operações destinadas ao exterior. Assim desonerou a exportação de produtos industrializados - IPI (art. 153, parágrafo 4º, li , da CF); desonerou , também, as operações de exportação de mercadorias - lCMS (arl. 155, parágrafo 2°, X, "a", ela CF). Em relação ao ISS, a Constituição Federal dispôs (art. 156, parágrafo 3º, ll) que cabe à lei complementar "exclu ir ela sua incidência exportação ele serviços para o ex terior''. Concedeu a imunidade na exportação de serviços, mas deixou a Lei Complementar disciplinar a matéria.

Por ser a desoneração cletenninacla pela Constituição, nem mesmo a Lei Com­plement ar, a pretexto de estabelecer normas gerais aplicáveis ao ISS, poderia levar ri tributaçcio de serviços ou atividades abrangidas pela imunidade tributária, con­cedida pelo texto constitucional, que, no caso, é bastante claro: "o imposto não in­cide sobre exportações de serviços para o exterior".

A Lei Complementar nº 116/2003, ao di sc iplinar a matéria, prevê a desoneração tributária em seu art. 2º, parágrafo único, assim redigido:

"Art. 2º O imposto não incide sobre : 1 - as exportações de serviços para o exterior do País; Parágrr!fo único: Não se enquadram no disposto no inciso 1 os serviços dese11volvidos 110 Brasil, rnjo resulwdo aqui se ver!fique, ainda que o pagamento seja feito porre­sidente 110 exterior." (Destacamos)

Como se vê, referida norma, ao confirmar a imunidade tributária atribuída pelo texto constitucional à exportação ele serviços, procura definir o que eleve ser enten­dido como tal , estabelecendo como condição, que o resultado do serviço aqui não se verifique.

Por essa razão, o parágrafo único desse dispositivo determina que "não se en­quadram no disposto no inciso I os serviços desenvolvidos no Brasil, cujo resultado aqu i se verifique, ainda que o pagamento seja feito por residente no exterior".

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O parágrafo único cio arl. 2º ela LC nº 11 6/2003, ao assim dispor, tem sido obje­

to de grandes controvérsias jurídicas. Ora, o que é exportação de serviços senão a fruição do resultado ela util idade

produzida, fora cios limites do nosso País? É assim que eleve ser considerado. O que é importante para a caracterização ela at ividade ele exportar é que o resul­

tado do serviço e a sua utilidade para o tomador do serviço ocorra fora do País, pouco importando se o pagamento seja feito no Brasil ou no exterior.

O termo resultado, em sua concepção semântica significa: "conseqüência, efei­to, segmento, ato ou efeito ele resultar, produto ele uma operação matemática, deli­beração, decisão, resolução, proveito" (Dicionário Aurélio da língua portuguesa. 2ª edição. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986).

De tal forma que o beneficiário efetivo do serviço (tomador cio serviço) eleve operar e ex istir como fonte produtora no exterior para que se configure a exportação

de serviços. Como a exportação de um bem material pressupõe que o referido material tenha

sido aqui produzido, o mesmo ocorre com a exportação ele serviços. Se o serviço for prestado no exterior, por uma empresa de prestação ele serviços e/ou profissional pessoa física aqui sediada, de exportação não se tratará . Pelo princípio da territoria­lidade aquele serviço prestado no exterior sujeitar-se-à à legislação cio País estran-

geiro. Ocorre que em alguns processos aclm i n istrati vos, tanto a fiscalização 111t111ici-

pal ao elaborar " Relatório Circunstanciado", que acompanha o auto de infração, como a Procumdoria Municipal e111 decisões administrativas proferidas pelo Con­selho Municipal de Tributos, para justificar a ex igência de ISS, têm mencionado traba lho nosso, a partir de trecho isolado, que leva à conclusão cont rária a nossa

afi rmação, ao destacarem: "Segundo lves Gandra da Silva Ma rtins e Marilene Talarico Martins Rodrifi 11e.1· na obra 'O ISS e a LC 116' ( ... )para que considere o serviço 'ex po rtado, é necessário que a prestação ocorra fora do Brasi 1. Caso contrário, será tributado a inda que o pagamen-

to seja fei to no exterior'." Em outro trecho de determinada decisão administrativa, consta:

" No mesmo sentido são as lições de lves Gandra da Silva Martins e Marilene Tala ri­co Martins Rodrigues, na Revista Dialética de Direito Tributário."1

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"No tocante às exportações de serviços, a le i compleme ntar prevê a não inc idê nc ia do imposto, desde que o serviço não seja desenvolvido aq11i no Brasil e q11e ta111po11co o res11ltado aq11i se verifique. Portanto, para que se conside re o serviço 'exportado', é necessário que a prestação ocorra fom do Brasil. Caso contrário, será tributado, a inda que o pagame nto seja feito por reside nte no exterior - O lSS e a LC 11 6."

Esse comentário que foi feito é do texto de le i, que conforme escrevemos na oportunidade, não está aperfeiçoado como deveria, para estancar d(1vidas na sua

aplicação, que poderia levar a essa conclusão.

1 O /SS <' o LC 116. e não Rel'ista Dio/ética t/1• Dirl'ito 7i"i/1111ária. como crroncamcnlc mencionado.

Tanto que à pág ina 212, escrevemos: "Na prática , essa regra, estabelecida pelo art. 2º, parágrafo único, poderá trazer al ­guns inconvenientes, especialmente para empresas multinac iona is que costumam efe­tua r pagamentos de serviços pela matriz no exterior."

A leitura mai s ate nta, contudo, do tÚto dos autores (publicado pela Dialética), leva à conclusão contrária a afirmação mencionada.

Conforme consta à página 187, os autores apontaram o rol de Alguns aspectos controvertidos da Nova Lei (LC nº 11 6/2003), em seminário reali zado tão logo publicada a referida lei complementar, em que afirmamos que poderiam trazer di­vergências de interpretação em razão de não ser a le i complementar suficiente111e11-te abrangente ao disciplinar a matéria. Tanto que ao final do trabalho os autores concluíram: "Estes são alguns dos aspectos relevantes da Nova Lei Complementar nº 116/2003, que trazemos para discussão e que poderão ser objeto de questiona­mentos perante o Poder Judiciário."

Para compreensão do texto, é preciso que se faça uma le itura integral dos co­mentários ai i produzidos.

Assim, no estudo doutrinário dos autores, sobre a LC nº 116/2003, art. 2º, 1, ao apontarem aspectos controvertidos da Nova Lei, escreveram: " No tocante às ex­t>ortações de serviços, a le i complementar prevê a não incidência (que em verdade é i1111111idade, por ter origem na Constituição), do imposto, desde que o serviço não seja desenvolvido aqui no Brasil ( 110 sentido de resultado), ou seja, que o resultado (/q11i não se verifique. Portanto, para que se considere o serviço 'exportado', será necessá rio que a prestação efetiva (resultado) ocorra fora do País, a inda que o paga­mento seja feito por residente no exterior." ("O ISS e a LC 11 6/2003 - aspectos re­leva ntes". O ISS e a LC / 1612003. São Paulo: Dialé tica, 2003).

Q uem melhor eleve interpretar o texto são seus próprios autores, para que não ocorram distorções com interpretações convenientes pela Fiscali zação, de texto iso­lado, sem considerar todo o trabalho.

A gra nde di scussão - não devidamente prevista na lei infraconstituc iona l - é saber quando se caracteriza a exportação de serviços.

É imprescindível que o efeito do serviço executado seja produzido no exterior. De maneira a não restar dúvidas; exportação de serviços significa a reali zação

de um determinado serviço aqui para surtir efei to fora do País. É fundamental para a caracterização da exportação de serviço que o destinatário ou beneficiário dos serviços prestados estej am localizados no exterior.

Ora, a preva lecer o entendimento do texto isolado, atribuído aos autores pela Procuradoria Municipal: "para que se considere o serviço exportado, é necessário que a prestação ocorra fora do Brasil. Caso contrário, será tributado, a inda que o pagamento seja feito por residente no exterior", estaria sendo violado o princípio da t1•rritorialidade do Município, pois a Constituição Federal atribu iu competê ncia aos Municípios para instituírem o ISS dentro do espaço de seus respectivos territó­rios e não fora do País. Há de serem observados os limites territoriais para a com­petência tributária em relação ao ISS. Embora a LC não tenha feito expressa men­\';io, à ev idência que os limites territori ais de competência tributári a estão determi­nados na Constituição.

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Tais controvérsias, infelizmente, comprovam nossos comentários sobre as im­perfeições da LC nº 116/2003, tão logo foi publicada, o que resulta em ex igência ele ISS em relação a serviços a que a Constituição Federal concedeu desoneração tribu-

tária. A expressão "cabe a lei complementar excluir da sua inc idência exportações de

serviços para o exterior", a que faz menção o art. 156, parágrafo 2º, Ir e parágrafo 3°, li , do texto constitucional , não significa que possa a lei infraconstitucional dis­ciplinar a matéria de forma a retirar a desoneração concedida pela Constituição, por tratar-se de limitação ao poder de tributar.

Roque Antonio Carrazza, a propósito da lei complementa r a que faz menção o art. 146, II e III, da Constituição Federal , quando d isciplinar matéria tributária,

escreve: "É ev idente que a lei complementar veiculadora de normas gerais em matéria ele le-gislação tributária não cria (e nem pode cri ar) fi111i1açõe.1· ao poder de 1rib111ar. Disto, se ocupa o próprio Texto M:1ximo. O que ela pode fazer é regular as li111i1ações com -1i111cio11ai.1· 'ao poder de 1rib111ar', para a salvaguarda dos direitos subjetivos cios con­tribuintes, e para prevenir a ocorrência ele conflitos ele competência entre pessoas credenciadas a legislar acerca da matéria." (Curso de Direi /O Co11s1i111cio11al Trib111â­rio, T ed. São Paulo: Malheiros, 1995, pp. 401/402)

E mai s ad iante observa o autor: "Por out ro lado, 'regular as li111i1ações ao poder de Jrih111ar ', não é o mesmo que cria1; ampliar, reslri11gir 011 a1111lar essas li111i1ações, que, sendo constitucionais, es­tão sob reserva de emenda constitucional. A lei complementar, pode apenas, regulá­la, isto é, dar-lhes condições de plena eficácia e, ainda assim , quando instada a fazê­lo, pela Constituição." (p. 41 3)

Em outras pa lav ras, é a lei complementar que deve obed iência à Constituição e não a Constituição que deve estar subordinada à lei infraconstitucional. A lei com­plementar pode tão somente regular as li mitações const ituc ionais ao poder de tribu­tar, dando condições ele plena eficácia. O que não pode f'azer a lei complementar é ampliw; restringir ou anular as /imitações constituciona is ao poder de tributar,

outorgada pela Constituição Federal. Da mesma forma a interpretação ela Fiscalização e ela Procuradoria Municipal

não pode restringir nem anular a imunidade outorgada pela Lei Maior, interpretan­do a Constituição a partir da lei ordinária. É preciso observar o que diz a Constitui­ção Federal. Embora o texto ela LC não seja suficientemente claro, a Constituição não poderá ser desobedecida.

Eros Roberto Grau, Professor e Ministro aposentado do Supremo Tribunal Fe-deral, sobre a interpretação e aplicação do direito, ensina que:

"Não se i11Jerpre1a o direi/o em liras. A interpretação do direito é interpretação do direito no seu todo, não ele textos isolados, desprendidos cio direito. Não se interpreta o direito em ti ras, aos pedaços. A interpretação ele qualquer texto cio direito impõe ao intérprete, sempre, cm qualquer circunstância o caminhar pelo percurso que se projeta a partir dele - do texto - até a Constituição. U111 Jexlo de direi/o isolado des/acado, desprendido do si .1·1e111a jurídi­co, 11 ão expressa significado 11or111 a1ivo alg11111." 2

' Ensaio e discur.w .wbre t1 i111erprernç<iolaplicaç<io do Direi/o. 3' cdiçiio. São Paulo: Malheiros. 2005. p. X V 111.

Transportando tais ensinamentos para o caso presente, o exame do texto escrito pelos autores ("O ISS e a LC 116/2003"), deve ser apreciado em sua totalidade, 11:10 apenas da parte isolada que é de conveniência da Procuradoria Mu nicipal e que 11tio tmduz a inteireza do e11te11di111ento dos subscritores do trabalho em comento. Nada obstante tenha sido esclarecido no processo admi ni strat ivo - tais esclareci­mentos foram ignorados -, continuou a interpretação errônea da Procuradoria, sem levar em consideração referidos esclarecimentos.

A prevalecer tal entendimento mencionado pela douta Procuradoria, seria o 111es1110 que interpretar os parágmfos de 11111 artigo de lei, sem considerar aquilo que está escrito 110 caput da norma legal, quando aj11·ma que a desoneração do ISS 1u1 exportação de serviços ocorre somente quando os serviços foram prestados 110 <'.rlerior. Essa pretensão da municipalidade para efeitos de exigência do ISS não pode preva lecer por estar fora da sua competência territoria l para tributar.

No Estado Democrático de Direito, a li berdade ele expressão é uma das garan­tias constitucionais (art. 5º, 1 V), que assegura em relação ao Oi rei to, a interpretação das normas de variados aspectos pelos seus intérpretes.

O que não pode ser ad mitido, entretanto, é interpretar textos isolados, sem con­siderar o conteúdo cio trabalho expressado pelos autores. E isto vem ocorrendo em decisões municipais, reiteradas vezes, em relação a textos publ icados pelos subscri­tores do presente artigo.

É importante assinalar que a Adm in istração Pública, cm toda a sua atuação, deve obedecer, rigorosamente, os princípios que regem a Administração, estabele­cidos pelo a rt. 37 ela Consti tuição:

"Art. 37 - A admin istração pública direta e indireta ele qua lquer cios Poderes ela União, elos Estados, do Distrito Federa l e dos Mu nicípios obedecerá aos princípios de legali­dade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência."

As controvérsias na interpretação da LC nº 116/2003 têm sido uma constante nas decisões adm inistrativas. Tais decisões vêm ocorrendo em razão dos conceitos amplos trazidos pela Lei Complementar nº 116/2003, ao definir export ação de ser­viços, para fins da prestação destinada ao exterior, o que de certa forma foi confir­mado em nossos comentários no estudo em comento, no sentido de que a LC 11º

11612003 não configurou aprimommento ao disciplinar a matéria, 111as, ao con­Jrário, suscita novas discussões, que deixam o contribuinte sem a necessária segu­ra nça jurídica, quanto à ex portação de serviços. Principa lmente, pela necessidade dos municípios de maior arrecadação tributária.

Quando a Constituição determi na de forma explíc ita que "cabe a le i comple­mentar excluir da sua incidência exportações de serviços para o exterior" (art. 156, parágrafo 3°, li ), não pode a lei infraconstitucional pretender exclu ir a desoneração ou torgada pelo texto constitucional, 11e111 tampouco ser interpretada de forma a e.rcluir o benefício constitucional para os exportadores de serviços.

O leg islador infraconstitucional deve regulamentar essa imunidade tributária da l'orma mais ampla possível, para atender a norma constitucional e as finalidades para as quais foi institu ída.

A determinação constitucional de reali zar a desoneração tributária no caso de ~xportação ele serviços, impõe ao legislador complementar o dever de encontrar a 111ellior técnica e o critério mais adequado para cumprir a Constituição.

"º ll U li'IJ,l.f '""IUI U \l""'U .._....., ...,., ... ,~ .., ,, , __ .. _,,_,, -

Em resumo, para que se repule export ado, o serviço prestado para o tomador localizado fora do País há de ser concluído e produzir seu resultado no exterior. Só assi m pode ser considerado imune e, portanto, desonerado do ISS.

Nesse sentido decidiu o Superior Tribunal ele Justiça, ao examinar o REsp nº 831.124/RJ, lendo como Relator o Ministro José Delgado, em que se di scutiu sobre a incidência cio ISS nos serviços ele reparação de motores ele aeronaves, para desti­natários no exterior. Entendeu o E. STJ "que no caso específico não restou carac­terizada a exportação de serviços, porque os serviços fora 111 iniciados e ter111ina­dos no Brasil, não sendo aplicável o art. 2º, J, § único ela LC nº 116/2003 e, portan­to, lribut<"iveis aqueles serviços desenvolvidos dentro do território nacional cujo resultado aqui se ver(fique, ainda que o pagamento seja fei to por residente no exte­rior".

Desse julgado do STJ (REsp nº 83 1.1 24/RJ), bastante esclarecedor é o voto vencido cio Ministro Teori Albino Zavascki, do qual se transcreve o seguinte trecho:

" Penso que não se pode confundi r resultado da prestação de serviço com a co11cl11-süo do serviço. Não há dúvida nenhuma que o serv iço é iniciado e conclu ído aqui. Não há dúvida nenhuma que o teste na turbina faz parte do serviço. O fato de ser testado aqui foi o fundamento adotado pelo Jui z de Primeiro Grau e pelo Tribunal para dizer que o teste é o resultado. Mas essa co11cl11são 11ão é correia: o teste fa z parte do serviço e o serviço é co11cl11ído depois do teste. Depois disso, a 111rbi11a é e11 viada ao tomador do serviço, que a instala 110 avião, q11a11do entrio, se verifica ró o resultado do serviço. O resultado, para mim, não pode se confundir com conclusão do serviço. Por1a1110, o serviço é co11cl11ído 110 País, mas o resultado é verificado 110 exterior, após a turbina ser instalada no avião. Sr. Ministro Relator, com devida vênia, dou provimento ao recurso especial para con­ceder a ordem."

A conclusão a que chegou o voto divergente cio Ministro Teori Albino Zavascki foi no sentido de que "o resultado não pode ser confundido com a conclusão do serviço". Portanto, o serviço pode ser conclu ído no País, mas o resultado deve ser verificado no exterim~ onde também se verificará a sua utilidade para o tomador do serviço, após a turbina ser instalada no avião e após realização de lestes, ser constatado o resultado cio serviço.

É que, de rigor, as imunidades devem ser interpretadas ele forma extensiva e não como as isenções de forma restritiva. Ex iste neste sentido texto ele acórdão proferi­do no RE nº 87.049/SP, em que o Ministro Thompson Flores declara:

"Ao aderir também a interpretação extensiva da imunidade sobre jornais, livros e periód icos, justifica a inclusão de ser viços não discriminados expressamente na Mag­na Carta, dizendo: 'Embora arrimado em bons fundamentos, peço vênia ao eminente Relator para acompanhar o voto do eminente Min. Cunha Peixoto. Como S. Exa. considero que a Constituição, cm seu art. 19, III, 'd', instituiu ampla imunidade tributár ia em prol dos jornais e periódicos, assim propugnando por sua mais ampla circulação e por óbvias razões. Tal desiderato, por certo só seria alcançado reduzindo o preço de aquisição, e para isso também tornou imune o papel destinado à impressão. O anúncio constitui base segura para a redução dos custos, o que importa na mitiga­ção dos preços. Tributá-los não poderia estar na cogitação do princípio.

Com isto c:er1amcn1c não se esllí aliviando as empresas de publicidade, as quais esta­rão sujeitas à tributação normal. E a conclusão que cx lraio do sistema adotado pela Magna Cana.' (RTJ 87, vol. li , pg. 612)"

Em nossa opinião, esse é o melhor entendimento para a interpretação da ques-1ão em comento, sem violar a Constituição.

Não compele, portanto, à municipalidade ex igir JSS ele atividades ele exporta­ção de serviços às quai s a Constituição outorgou imunidade tributária, nem preten­der que a desoneração somente ocorre quando o serviço é prestado fora cio País, por estar fora ela territorial idade cio município e, portanto, ele sua competência para ex igir o ISS.

O que é importante para caracterização da atividade de exportar é que o resul­tado do serviço ocorra fora do País.

Por serem as exportações - e no caso a exportação ele serviço - fundamentais para a Nação, em razão da sua relevância na balança comercial, merecem cuidados especiais tanto cio estudioso cio dire ito, como do julgador na aplicação da lei. A in­terpretação sistemática da Constituição revela que o legislador constituinte preten­deu preservar o princípio da não oneraçc7o das exportações com exigência de tri­lmtos que possam afetar a i11serçc70 do Bmsil 110 mercado internacional, razão pela qual foi concedida a imunidade tributária na exportação de serviços.

Em conclusão, entendemos que: 1) As imunidades lributárias devem ser interpretadas de forma a não permitir que os legisladores ordinário ou complementar inviabilizem seu usufruto, com restrições não instituídas pelo conslituintc.

2) As imunidades de vendas ele bens ou pres1ação de serv iços para o exterior ele IPI, ICMS e ISS objeti vam obter divisas e ofertar competiti vidade 11s empresas brasi !ei ras. 3) Não pode a lei complementar criar restrições de usufruto da imunidade que não esteja explicitamente ou implicitamente constante do texto constitucional. 4) O texto constitucional sobre a imunidade de ser viço para o exterior, não contém restrições sobre se o serviço prestado é ou não prestado no Brasil, mas sim que o destinatário seja do exterior.

5) A regulamentação da lei complementar para a imunidade do ISS , em relação aos serviços dest inados ao exterior, só pode ser sobre aspectos formais e não sobre o pró­prio usufruto da imunidade.

6) Finalmente, no que concerne à rcslrição da Lei Complementar nº 11 6/2003, ao gozo da imunidade na destinação de serviços para o exterior é ela manifestamente inconstitucional.