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O Islã na África Maria do Carmo Ibiapina de Menezes O Islã na África

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O Islãna África

Maria do Carmo Ibiapina de Menezes

O Islãna África

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Publicado pela Secretaria de Relações Internacionais do Partido dos Traba-lhadores – Brasil – www.pt.org.br

Iole Iliada Lopes – Secretária de Relações Internacionais do PT

Coordenação: Beluce Bellucci

Diagramação: Sandra Luiz Alves

Equipe da Secretaria:Edma Valquer ([email protected]); Fábio El-Khouri ([email protected]); Wilma dosReis ([email protected]); Valter Pomar – Membro da Direção Nacional e Se-cretário Executivo do Foro de São Paulo (pomar.valter @gmail.com).

PARTIDO DOS TRABALHADORES – Integrantes da CEN para o biênio 2010/2014Comissão Executiva Nacional (CEN) – (Direito a voto e voz)Rui Falcão – Presidente; José Guimarães – Vice-presidente; Fátima Bezer-ra – Vice-presidente; Elói Pietá – Secretário Geral; João Vaccari Neto – Secre-tário de Finanças; Paulo Frateschi – Secretária de Organização; André Vargas –Secretário de Comunicação; Renato Simões – Secretário de MovimentosPopulares; Jorge Coelho – Secretário de Mobilização; Carlos Henrique Ára-be – Secretário de Formação Política; Geraldo Magela – Secretário de AssuntosInstitucionais; Iole Ilíada Lopes – Secretária de Relações Internacio-nais; Humberto Costa – Líder do PT no Senado; Paulo Teixeira – Líder do PTna Câmara; Maria do Carmo Lara – Vogal; Benedita da Silva – Vogal; MarienePantoja – Vogal; Arlete Sampaio – Vogal; Virgílio Guimarães – Vogal; FátimaCleide – Vogal

Membros observadores da CEN – (Direito a voz sem direito a voto)João Felício – Secretário Sindical Nacional; Valdemir Rodrigues Pascoal –Secretário Nacional da Juventude; Edmilson Souza – Secretário Nacional deCultura; Júlio Barbosa – Secretário Nacional de Meio Ambiente e Desenvol-vimento; Laisy Moliére – Secretária Nacional de Mulheres; Cida Abreu – Secre-tária Nacional de Combate ao Racismo; Elvino Bohn Gass – Secretário Nacio-nal Agrário

São Paulo – Rua Silveira Martins, no 132, Centro, CEP 01019-000São Paulo-SP, Brasil. E-mail: [email protected] – Tel. (+5511) 3243-1377

Fax (+5511) 3243-1359.Brasília – SCS Quadra 2 – Bloco C – no 256 – Edifício Toufic

CEP 70302-000 – Brasília-DF, Brasil. Tel. (+5561) 3213-1373/1423

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Índice

Apresentação ....................................................5

O Islã na África ................................................7

Notas .............................................................54

Referências bibliográficas ................................59

A autora .........................................................61

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Apresentação

O continente africano sempre teve importância ímpar para oPartido dos Trabalhadores. Mas foi somente após o início daadministração Lula, com o incremento das relações governa-mentais, que o PT acentuou práticas com o continente paraalém das definições de princípios. Assim, já foram realizadosseminários e palestras no âmbito das Relações Internacionaissobre a temática, como agora esta edição de uma coleção espe-cífica sobre a África que a Secretaria de Relações Internacionaisdefiniu preparar e encarregou-me da coordenação.

Iniciada com o texto já editado Por que África? de BeluceBellucci e Luiz Carlos Fabbri, a coleção inclui Cadernos especí-ficos sobre os seguintes temas:

O Islã na África, de Maria do Carmo Ibiapina de Menezes; O tráfico transatlântico de escravos e o desenvolvimento

do capitalismo mercantil, de Luiz Carlos Fabbri; Escravidão e tráfico de escravizados, de Keila Grinberg e

Hebe Mattos. África no século XIX. O fim do tráfico e o início do colo-

nialismo, de Philippe Lamy. A Ocupação Colonial da África. Da Conferência de Berlim

à Primeira Guerra Mundial, de Philippe Lamy. A exploração colonial na África, de Beluce Bellucci e

Philippe Lamy

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África do Sul: Ocupação e apartheid, de Pablo de RezendeSaturnino Braga.

Finalmente, trará ainda ao debate assuntos contemporâneossobre a África, como as ideologias de emancipação, os processosde independência, a modernização, a experiência socialista, asrelações Brasil x África, e a atual conjuntura político-econômi-ca.

Esta Coleção foi pensada para ser útil aos militantes e ativis-tas sociais, para permitir o conhecimento sobre o continenteafricano, a discussão e a formulação de políticas comuns, demaneira a aproximar conscientemente os nossos povos, supe-rando as lacunas do passado e ampliando caminhos para alémdas nossas origens comuns.

Beluce Bellucci

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1. O domínio muçulmano na África do Norte

1.1. O mundo muçulmanoA partir do século VII da era cristã, apesar das dissidências e

lutas intestinas, o mundo muçulmano foi capaz de conservaratravés dos séculos uma unidade que transcendia as divisões detempo e de espaço: a língua árabe; um conjunto de conheci-mentos comuns, transmitidos por uma sequência conhecidade professores, que preservava a comunidade moral; os mes-mos e imutáveis locais de peregrinação (Meca e Jerusalém) e acrença num mesmo deus único.

O Norte do continente africano, do mar Vermelho ao Atlân-tico, era parte integrante deste mundo. O Egito e o Magrebe1

foram palcos de acontecimentos marcantes, tanto para a evolu-ção do Islã2 como para a história da humanidade.

1.2. A revolução islâmicaNo início da era cristã, surgiram sistemas de crenças e movi-

mentos políticos que resistiram à pressão imperial de Roma euniram povos dispersos. As origens das três religiões, judaís-mo, cristianismo e islamismo, inscrevem-se nesse contexto.

Com efeito, no final do século VI e início o século VII,quando surgiu a liderança de Maomé, a península Arábica en-

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contrava-se cercada por dois grandes impérios: o Bizantino (Im-pério Romano do Oriente) e o Persa, dominado pelos sassânidas.Ao lado de clãs judaicas e de núcleos cristãos, ali vivia um grandenúmero de tribos (kabila) árabes, constituídas sobretudo denômades mercadores. Politicamente independentes, juntas for-mavam uma comunidade linguística e cultural. Assim, os co-merciantes de Meca, principal centro comercial e religioso daArábia, tinham de lidar com os dois gigantescos vizinhos.

Nascido em Meca na segunda metade do século VI, comer-ciante até a idade de quarenta anos, Maomé3 conhecia bem arealidade que o cercava. O seu ímpeto espiritual

[...] era praticamente alimentado por paixões socioeconô-micas, pelo desejo de reforçar a posição comercial dos ára-bes e sua necessidade de impor um conjunto de regras co-muns... O Islã tornou-se o cimento utilizado por Maomépara unir as tribos árabes e, desde o início, via o comérciocomo a única ocupação nobre. (Ali, 2002:45-46)

A partir do seu estabelecimento em Medina4 (622 d.C.),Maomé passou a ser não apenas o transmissor da revelação,mas também o chefe político, jurídico e militar. Tinha comoobjetivo organizar um novo Estado, muçulmano. Na Constitui-ção então promulgada, não deixou transparecer sua intenção defundar uma nova religião, mas apenas de voltar ao monoteísmooriginal, do qual ele era o último dos profetas. O profeta Maoméaparece, assim, como um líder político visionário.

1.3. A rápida expansão islâmicaAté a sua morte, em 632, o Profeta reforçou e governou a

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comunidade muçulmana, resistiu aos ataques de seus inimigosda Meca e, pela diplomacia ou pela guerra, submeteu à suaautoridade uma vasta confederação de kabilas árabes. Quandosentiu-se suficientemente forte, regressou à Meca onde entrouvitorioso, e foi reconhecido como chefe religioso e político in-vestido de poder supremo. No momento do triunfo de Maoména Meca, a Pérsia acabava de ser derrotada por Bizâncio, masos dois campos saíram fragilizados deste processo. Uma guerrade quase um século entre os dois impérios, os havia desgastado.

Sob o reino dos quatro primeiros califas que sucederam aMaomé, os árabes muçulmanos iniciaram sua expansão paraalém das fronteiras da península arábica. Uma rápida sucessãode significativas vitórias levou os generais de Meca a derrota-rem, num curto espaço de tempo, os exércitos das duas grandespotências, bizantinos e persas, em seus próprios territórios.

Em dois anos conquistaram a região da Síria aos bizantinos(em 636) que abandonaram definitivamente essas províncias.

A conquista da Pérsia foi mais longa, mas a tomada da capi-tal Cteisifonte, em 637, abriu as portas aos árabes para a ocu-pação das férteis planícies do Iraque (sob domínio persa), aoeste do rio Tigre. A batalha em 642 selou o destino do Impé-rio sassânida fundado há vários séculos.

Entre 639 e 642, o baixo Egito, com sua capital Alexandria,foi ocupado. O país serviu de base para um novo avanço dastropas árabes, agora em direção da África do Norte. Em 650,os árabes atingiram os confins da Índia, o norte do Iraque e aArmênia.

Uma das principais razões do sucesso fulminante dos muçul-manos foi o estado de esgotamento financeiro e militar dos doisimpérios após o longo período de guerra entre ambos. Além dis-

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so, os bizantinos, que haviam adotado oficialmente a fé cristã,eram odiados pelos seus súditos. Estes, além de suportarem umaforte carga fiscal, eram também perseguidos na sua fé, acusadosde formação de igrejas “heréticas”, como foi o caso dos coptas5.

No Império Persa, a situação não era diferente. As provínci-as mais férteis do Iraque estavam povoadas por cristãos que seopunham ao zoroastrismo6 das classes dirigentes.

Desta forma, os árabes encontraram pouca ou quase nenhu-ma resistência neste percurso expansionista. Ao contrário, umasimpatia por parte de uma parcela importante da populaçãoenvolveu a chegada dos novos invasores na maioria dos países.Outras permaneceram passivas, querendo ver que lado triunfa-ria. Mas todos estavam cansados de defender ou ajudar os an-tigos impérios, e pouco ou quase nada tinham a perder com achegada dos novos dirigentes.

Do Império Persa, bem como das províncias de Bizâncio, osárabes herdaram a riqueza e a cultura, sem, contudo, abando-narem sua identidade, sua crença, sua língua e seus projetos:eram portadores de uma religião universal que se consideravaprecursora de um Estado universal.

1.4. A islamização do EgitoO Egito foi a primeira região da África a ser ocupada pelos

árabes muçulmanos. O afrontamento que aí se verificava entreas duas Igrejas cristãs, a ortodoxa bizantina no poder e a copta,abriu espaço para a conversão rápida dos egípcios ao islã. Asquestões abstratas e metafísicas envolvidas na disputa entre cris-tãos estavam distantes da compreensão da maioria dos fiéis,que foram seduzidos pela clareza e simplicidade da mensagemda nova religião.

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Vários outros fatores contribuíram para a arabização eislamizacão do Egito, como a chegada de um grande númerode imigrantes de origem árabe, as conversões sinceras, e ainda,a busca de vantagens fiscais e sociais, o medo de perseguição, adecadência da Igreja copta, a substituição progressiva da lín-gua copta local pelo árabe, graças à liberdade religiosa e à tole-rância do poder face aos não muçulmanos.

No século XIII, sob o domínio dos mamelucos, o Egito jáhavia se tornado um país predominantemente muçulmano.Judeus e coptas tornaram-se minorias.

1.5. A primeira fase da conquista do MagrebeA conquista do Magrebe pelos árabes iniciou-se em 642 e se

estendeu por várias décadas. A região era habitada pelos berberesque viviam organizados em grandes confederações de kabilas (tri-bos). Umas resistiram, outras aderiram aos ocupantes e se con-verteram ao Islã ao longo do período que durou a conquista.

O cristianismo era praticamente ausente entre os berberes,existia apenas na franja litorânea no seio de uma comunidademultiétnica. O judaísmo estava presente em todo o norte docontinente, reunindo, sobretudo, convertidos autóctones, deuma fase anterior à islamização.

Em 643, os árabes conquistam, sem encontrar resistência, aTripolitânia e a Cirenaica, duas grandes regiões ao norte daLíbia atual. Na época, o Imperador Bizantino as havia anexadoao Egito. Trípoli foi em seguida ocupada, bem como Waddan,o mais importante oásis da região.

A oeste estendia-se a província bizantina de Bizacena, aTunísia atual. O ataque foi lançado em 647 pelo novo gover-nador do Egito, à frente de 20 mil cavaleiros de elite. A região

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foi tomada após uma batalha decisiva contra o governadorbizantino do Magrebe. Mas a conquista da região ainda nãoestava consolidada quando as tropas árabes decidiram terminaresta campanha em 649.

1.6. A segunda fase da conquista do MagrebeDoze anos irão decorrer até a segunda campanha, devido à

luta pelo poder entre os sucessores do Profeta Maomé. Em 661,foi fundada a dinastia omíada – primeira a governar o mundomuçulmano com sede em Damasco – e foram retomadas asconquistas em todas as frentes. Iniciou-se um longo período devitórias e de derrotas, até que foram consolidadas definitiva-mente a sua presença no Magrebe, da Cirenaica ao Atlântico.

Um dos fatos mais importantes do período foi a criação dacidade de Cairuão, numa região fértil e distante do mar, e queviria tornar-se a grande base militar e o centro da administra-ção da região. Com ela nascia (entre 670-675) a primeira pro-víncia muçulmana da África do Norte, batizada Ifríquia7, naregião da atual Tunísia.

Líderes berberes representaram obstáculos de peso neste avan-ço árabe em direção ao centro e o oeste do Magrebe. O maiordeles foi Kusayla, poderoso chefe berbere da época, que domi-nava o Magrebe central. Depois de alianças e rupturas com asforças árabes, Kusayla tomou Cairuão e se tornou o primeirochefe berbere a governar um território árabe-muçulmano, semabjurar ao islã ao qual se convertera. Recusou-se a se submetera uma potência estrangeira, ao mesmo tempo em que osOmíadas não podiam aceitar que um chefe local não árabe,mesmo sendo muçulmano, assumisse o poder na nova provín-cia de Ifríquia.

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Colocava-se assim claramente a problemática das relaçõesconflituosas entre árabes e não-árabes na construção do mundoislâmico, que iria posteriormente manifestar-se também na penín-sula Ibérica e, mais amplamente, no processo de enfraquecimentoda dinastia omíada no poder. Em 690, Kusayla foi derrotado.

Um novo governador árabe continuou a marcha para o oes-te, travando violentos combates e tomando fortalezas e colôni-as bizantinas. Outras tribos resistiram, como a liderada porKahina, a chefe de uma kabila berbere, mas acabam se conver-tendo ao Islã.

Em 702 construiu–se o porto de Tarshish, hoje Tunis, quese tornou um importante centro marítimo da província deIfríquia. Esta passou a ser solidamente organizada, tornando-se o apoio principal da estrutura árabe no Norte da África.

1.7. A conquista da península ibérica: Al-AndaluzOs berberes jogaram um papel decisivo na conquista da pe-

nínsula ibérica, bem como na história da Espanha muçulmanae na hegemonia muçulmana no Mediterrâneo.

Mais de 17 mil combatentes partiram em conquista do ter-ritório ibérico, reforçados por tropas árabes e um contingentede negros. Em 711 venceram os visigodos (que dominavam aregião) e inauguram a era da Espanha muçulmana.

Os berberes invadiram a península e participaram da con-quista do resto do território e da campanha da França. Em 732sofreram a grande derrota de Poitiers, quando 80 mil deles,com as respectivas famílias, participaram da batalha. Foi o fimdas pretensões em relação à Gália8. Muitos permaneceram naEspanha e casaram-se com árabes ou íbero-romanos, tornan-do-se os andaluzes muçulmanos.

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1.8. Árabes, berberes e a independência do MagrebeQuando se completou a conquista árabe do norte da África

em 711, a região tinha mudado completamente suas estruturassociais e étnicas, seu modo de vida, sua maneira de pensar emesmo a concepção de mundo. Havia uma nova populaçãoque se espelhava no oriente muçulmano e árabe, e adquiria umforte sentimento de pertencer a esse mundo.

Os imigrantes árabes tornaram-se os professores, os imãs(chefes religiosos), que também se transformaram em chefespolíticos das kabilas. Ao mesmo tempo, eram colonos árabesque se “berberizaram”.

Na época, ser árabe era ser muçulmano e vice-versa. O po-der central encontrava-se nas mãos dos omíadas, uma aristo-cracia da Meca, que já havia transgredido os princípios demo-cráticos das origens do islã. Sediados em Damasco, seus califasem geral não concediam aos convertidos os mesmos privilégiosreservados aos muçulmanos de origem árabe.

Na conquista da África do norte, os berberes foram tratadoscomo cidadãos de segunda categoria, como estrangeiros derro-tados, apesar da sua conversão e participação maciça nas con-quistas da expansão muçulmana. Eles aderiram assim à dissi-dência khardijita e se afastaram da ortodoxia sunita representa-da pelos omíadas.

Em 741 ocorreu um levante geral dos muçulmanos berberescontra a administração omíada, que reclamavam que os guer-reiros berberes eram excluídos da repartição dos bens tomadosaos inimigos, que eram colocados na linha de frente nas bata-lhas mais violentas, que seus rebanhos eram capturados e aba-tidos, e que as jovens e as mulheres berberes eram raptadas.Este levante marcou o início da independência do Magrebe.

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A partir desta data, e durante toda a Idade Média, o Islã nonorte da África dará provas de sua independência política facea Bagdá, para onde foi transferida a capital do califado sob adinastia abássida.

1.9. Dinastias e califadosApós a morte do profeta Maomé, os califas, primeiros suces-

sores, foram escolhidos democraticamente. Mas, rapidamentese instalou a luta pelo poder, com enfrentamentos e dissidências.Em 661, o quarto sucessor (excluindo-se o califa Ali, genro doProfeta e alijado do processo de sucessão), instalou a sede doimpério em Damasco e impôs a hereditariedade do califado.Constituiu-se assim a primeira dinastia, a dos omíadas, quegovernou até o ano de 750.

Em 750, a revolução Abássida abriu uma nova era: em lugarde pôr o acento no arabismo como os omíadas, ela fez do Islã ofundamento do regime. Sua vitória foi possível graças ao apoiodos descontentes, sobretudo muçulmanos não-árabes, que rei-vindicavam a parte que lhes cabia numa comunidade fundadano princípio da igualdade entre os crentes.

A propagação do Islã tornou-se uma das principais tarefasda administração do califado. Os árabes perderam o estatutoprivilegiado, mas o idioma árabe permaneceu a língua de Esta-do, da literatura e da ciência, ao mesmo tempo em que eraamplamente praticada pela população não árabe.

Em 762 foi fundada Bagdá para onde se transferiu a sede doImpério muçulmano e da administração abássida. Os abássidasreivindicam um califado universal com autoridade sobre o con-junto do mundo muçulmano, tanto a oriente como a ocidente.Mas, progressivamente, o califado foi se dividindo. Perdeu aEspanha e, depois, o Magrebe.

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Com efeito, em 756, criou-se na Espanha uma dinastia com-pletamente independente sediada em Córdoba, a partir da li-derança de um sobrevivente omíada que fugira à repressão aque foram submetidos os membros de sua dinastia no Oriente.

Os abássidas governaram em Bagdá até 1258, mas tiveramque repartir o poder sobre os diferentes territórios. Além daEspanha, enfrentaram a dinastia dos fatímidas que se instala-ram no Cairo em 909, reivindicando um califado e estendendoseu poder sobre o Magrebe, o Egito, a Arábia e a Síria.

Em 929 passaram a existir, por uns tempos, três califas noIslã: em Bagdá, no Cairo e em Córdoba.

1.10. Sunitas e xiitasPara a compreensão do islã moderno, é fundamental conhe-

cer as duas grandes correntes que permeiam a história do Islãno mundo: a sunita e a xiita.

A luta pela sucessão do Profeta no século VIII está na ori-gem da divisão entre sunitas e xiitas e não se limitou às ques-tões de ordem política. Ela veio também acrescentar novidadesno plano doutrinário puramente religioso. Os xiitas rejeitaramo princípio do consenso da comunidade e o substituíram peladoutrina segundo a qual havia em cada época um imã infalívelao qual Deus confiava a missão de guiar a humanidade. Oprimeiro deles teria sido Ali9. Acreditam que mesmo quando oimã “desaparece” deste mundo, ele continua como o “imã es-condido” a desempenhar o papel de guia. Ele reaparecerá umdia para restabelecer a paz e a justiça no mundo sob a forma demahdi, aquele que é guiado por Deus.

O xiismo, por sua vez, dividiu-se em seitas em torno daquestão de saber quem era o “imã escondido”. A que desempe-

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nhou o maior papel histórico foi o grupo dos “duodécimos”,que reconhece o duodécimo descendente de Ali, desaparecidono ano de 880. O bastião desta tendência é hoje o Irã, ondeesta versão do xiismo tornou-se religião de Estado desde o sé-culo XVI. Encontram-se grupos importantes de xiitas tambémno Iraque, na Síria, no Líbano e na Índia. O xiismo está longede ser monolítico e o Irã não fala em nome de todos os seusadeptos.

Nesta luta interna, terminou majoritária a tendência sunitaque representa hoje cerca de 90% da população muçulmanamundial10. Trata-se da afirmação da ortodoxia, daqueles queaderem à sunna, a via do Profeta. As leis sunitas buscam suasfontes no Corão, nos hadith11 do Profeta, no consenso da co-munidade e na analogia. Enquanto que para os xiitas, além doCorão e dos hadith do Profeta, os outros fundamentos da leisão os imãs, o consenso dos imãs e a razão.

1.11. As dinastiasEm Ifriquia, os fatímidas fundaram uma dinastia do impé-

rio que se estendeu do Atlântico à Síria e durou mais de doisséculos.

Várias regiões da África do Norte escaparam à autoridadedos fatímidas, como a franja setentrional do Saara, onde sesituavam os pontos de chegada das caravanas vindas do Sul, daregião do lago Chade e de Gao. Apesar dos esforços que fize-ram para controlar este comércio lucrativo, inclusive a rota oci-dental do ouro.

Um duelo de grandes dimensões pela hegemonia opôs, noséculo X, os omíadas da Espanha aos fatímidas de Ifríquia,através dos respectivos aliados na população berbere.

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A política imperial dos fatímidas os levou ao Mediterrâneo,sobre o qual conquistam a supremacia graças à posse da Sicília.Palermo tornou-se uma importante base naval. A frota fatímidapilhava regularmente as margens do Adriático, a costa do marTirreno e o sul da Itália. Ela devastou também a costa meridio-nal da França, tomou Gênova e fez uma incursão ao longo dacosta calabresa.

Conquistam o Egito em 969, construíram uma nova capital,al-Kahira, o Cairo, e transferiram para lá o centro do seu impé-rio. Este deslocamento para leste do centro do Estado fatímidateve profundas consequências sobre a história da África do Norte.

Em Ifríquia assumiu então uma nova dinastia, os ziristas,que se tornou a primeira família reinante de origem berbere,inaugurando o período onde o poder político passou a perten-cer exclusivamente a dinastias berberes: almorávidas, almoadas,zaianidas, marinidas, hafsidas.

Estas dinastias expandiram suas conquistas no norte da Áfri-ca, incluindo uma grande região ao sul da Espanha, e marca-ram, já com os almoadas, no início do século XII, o apogeu daunificação do Magrebe e do ocidente muçulmano, até a chega-da dos otomanos.

1.12. Os otomanosOs otomanos12, como quase todos os soberanos da Ásia mu-

çulmana a partir do século XI, são turcos chegados na Ásia Me-nor no início ou meados do século XIII, junto com numerosasoutras tribos que se instalaram em antigos territórios bizantinos.

Os turcos da Ásia central gozavam de uma posição domi-nante nos países muçulmanos do Oriente Médio desde o sécu-lo IX. Os exércitos dos Estados muçulmanos da região eram

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compostos principalmente de cavaleiros turcos e seus generaispassaram a ter influência no plano político. A invasão turcapretendia conquistar a maior parte da Ásia Ocidental. Foi oinício da era da predominância turca na história política e mi-litar de vastos territórios do mundo islâmico.

Os próprios turcos acrescentaram ao mundo islâmico váriosterritórios da Ásia Menor, central e oriental. Em meados doséculo XIV atravessaram o mar para a conquista de terras daEuropa. Os otomanos conquistam progressivamente os balcãseliminam outros principados turcos na Ásia Menor, continu-ando a progredir na Europa até a tomada de Constantinoplaem 1453, que passará a chamar-se Istambul. Em 1459 tornou-se a capital política do Império Otomano. “Na véspera do co-lapso total da civilização islâmica na península Ibérica, a dinas-tia otomana inaugurava seu reinado abrindo um novo frontislâmico no SE [sudoeste] da Europa” (Ali, 2002, 67).

No século XVI, tornaram-se a maior potência do mediterrâ-neo, da Europa e da Ásia Ocidental, tendo conquistado o Egito eo Magrebe (com exceção do Marrocos). Constituíram um Esta-do multi-religioso, onde cristãos e judeus exerciam livrementeseus cultos e “...criaram no oriente árabe uma nova sínteseuniversalista: uma cultura árabe otomana que unia toda a regiãoatravés de uma burocracia estatal que governava sobre uma ad-ministração e um sistema financeiro comuns”. (Ali, 2002, 70)

O Império Otomano somente teve fim no final da GuerraMundial de 1914-1918.

1.13. A herança do mundo muçulmanoUma das grandes características da expansão muçulmana foi

a sua abertura às culturas dos conquistados, a começar pela

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Pérsia. A nova civilização islâmica absorveu também rapida-mente as belas-artes, a literatura e a filosofia da culturahelenística, cuja síntese tornou-se uma herança comum.

[...] depois do fim da civilização clássica, a renascençaislâmica da Idade Média preservou e refinou o pensamentodos gregos antigos, produzindo nas artes plásticas e nas ci-ências obras que, alguns séculos depois, serviram como ponteintelectual para a renascença europeia e ideias que domina-riam o Ocidente moderno... A estrada da Grécia antiga paraa Europa ocidental fez um longo desvio através do mundodo islã. (Ali, 2002: 58-59)

Mas a contribuição do mundo muçulmano não se reduziu àpreservação do saber grego e à sua transmissão à Europa oci-dental. Ela foi muito mais longe, trazendo grandes contribui-ções no campo da astronomia, da matemática, da física (in-cluindo a ótica), da química (através da alquimia), da medici-na e da arquitetura.

Esta contribuição foi, de fato, o fruto de uma mestiçagemsocial e cultural num contexto imperial multiétnico emultirreligioso, onde o norte do continente africano ocupouum lugar de destaque.

2. A difusão do Islã ao sul do Saara

2.1. Islã e comércioCom exceção do Sudão13 oriental, o resto da faixa situada

abaixo do Saara e que se estende da região do lago Chade até o

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Atlântico, não foi islamizada a partir de invasões de povos es-trangeiros, árabes ou berberes. O papel destas conquistas noprocesso de islamização das populações locais foi menor do quese pode imaginar à primeira vista, com exceção do Chade. Narealidade, o grande vetor da difusão da nova religião no Sudãoocidental e central, foi o comércio, tanto o de longa quanto ode média distância.

A associação do Islã e do comércio na África sul-saariana éum fato bem conhecido. Os grupos mais ativos no planocomercial, como os Diula, os Hauçás, estiveram entre osprimeiros a se converterem quando seus respectivos paísesentraram em contacto com os muçulmanos. E esta conver-são se explica por fatores sociais e econômicos.Religião nascida no seio da sociedade mercantil da Meca epregada por um profeta que havia sido ele mesmo comerci-ante durante muito tempo, o Islã apresenta um conjuntode preceitos morais e práticos estreitamente ligados às ati-vidades mercantis. Este código moral ajudava a homologare a controlar as relações comerciais e oferecia aos membrosdos diferentes grupos étnicos uma ideologia unificadora queagia em prol da segurança e do crédito, duas das condiçõesessenciais à existência de relações mercantis entre parceirosque se encontram geograficamente distantes uns dos ou-tros. (El Fasi, vol. III, 1997:80)

O processo de islamização da África sul-saariana será abor-dado a partir de duas áreas geográficas: o Sudão Ocidental eCentral e a África Oriental, costa do indico. Cada uma delas,por condições históricas específicas, conheceram caminhos dis-

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tintos de islamização, mesmo se os progressos da expansão danova fé tenham acontecido, com frequência, simultaneamenteem ambas as partes do continente.

2.2. A islamização no Sudão Ocidental e CentralA difusão do Islã entre os povos berberes disseminados atra-

vés do Saara, foi superficial no primeiro momento e limitou-seàs raras feitorias comerciais ou centros urbanos, onde comercian-tes muçulmanos instalaram-se de forma permanente.

A fé islâmica chegou mais rápido ao reino de Gana14, noSudão ocidental. A partir do século VIII, as cidades sudanesasde Gana, Gao, Audagosta, Tadmeca, Gaiaru, Zafunu e Kugajá registravam a presença de mercadores muçulmanos (ibaditas)vindos de Taert, de Vargla, do sul da Tunísia e de Djabal Nafusa.

Os fiéis islâmicos desta primeira fase constituíram pequenascomunidades ao longo das rotas comerciais que atravessavam oSael e o Sudão e nos grandes centros urbanos. Nesses, comoGana e Goa, comerciantes muçulmanos ocupavam bairros àparte das cidades, onde chegavam a usufruir de relativa autono-mia política e judiciária. Eles serviriam de base ao proselitismoposterior da fé islâmica.

No rastro dos comerciantes chegaram os clérigos que, alémda pregação doutrinária, tornaram-se importantes personagensna vida local destes centros urbanos, como curandeiros, adivi-nhos, distribuidores de amuletos e encarregados das preces, par-ticularmente para atrair as chuvas.

Depois dos comerciantes, os primeiros a se converterem aoIslã foram os chefes, os monarcas e suas cortes. Mas é difícilapreciar o impacto desta primeira vaga de islamização, atribu-ída aos ibaditas15. Estes desapareceram após a pressão dosalmorávidas, que pregavam a ortodoxia islâmica no século XI.

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Pode-se afirmar que este primeiro Islã continha ainda ele-mentos de religiões pré-islâmicas conhecidas no Magrebe, comoo judaísmo e o cristianismo, assim como das crenças berberes eafricanas. Mas foram sobre estas bases que os futuros propa-gandistas iriam construir estruturas mais sólidas da religiãomuçulmana na região.

2.3. A conversão dos monarcasFoi ao longo do século XI que, do baixo Senegal às margens

do lago Chade, o Islã foi sendo adotado por vários chefes esoberanos, adquirindo assim um reconhecimento oficial no seiodas sociedades africanas. Neste século ocorreu também a con-versão do mais célebre e poderoso dos estados sudaneses, o doreino de Gana.

Considera-se que um dos primeiros chefes do Sudão oci-dental a converter-se ao Islã tenha sido War Dyabi do Tacrur,região do baixo Senegal, nos anos 1030, o qual se dedicou adifundir a fé islâmica na região. Nos séculos posteriores, o nomeTacrur passou a designar de maneira geral, na África do Norte,todos os países muçulmanos do Sudão ocidental e central.

Anteriormente já havia ocorrido em 1009-1010, a conver-são de um líder local de Gao, Kosoy. O historiador Al-Bakri16

relata que no momento da entronização de um novo chefe emGao, era-lhe entregue uma espada, um escudo e um exemplardo Corão, como insígnias do poder. Desta mesma época datatambém a conversão do rei do Mallal, uma das mais antigaschefaturas malinqué. Mas, a adesão à nova fé limitou-se à fa-mília real e à corte.

Quanto ao reino de Gana, muito antes da chegada dosalmorávidas em 1076, os soberanos e a população já se encon-

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travam em contacto com a fé muçulmana. É provável que estalhes tenha chegado sob a forma karijita.

Assim sendo, os almorávidas não operaram uma conversãopropriamente dita do reino, apenas impuseram uma versãoortodoxa do Islã a uma comunidade já praticante. O grandemérito deles foi o de ter obtido a conversão do soberano e desua corte.

Porém, não houve coerção nem conquista. A saída dossoninqués de Gana e a sua dispersão já tinha sido iniciada an-teriormente. Os comerciantes soninqués islamizados teceramaos poucos uma grande rede comercial até os limites da florestatropical, por onde propagaram a fé islâmica. Eles contribuírama difundi-la em regiões onde árabes e berberes jamais haviamchegado.

No Sudão central, a conversão do mai (soberano) do Kanem,Hummay Djilmy, deu-se entre 1080 e 1097. Na sua corte jáviviam religiosos muçulmanos que iniciavam os chefes aos pre-ceitos islâmicos. Mas ele foi o primeiro a professar publica-mente a nova fé. Seu filho e sucessor, Dunama (1097-1150),realizou duas peregrinações à Meca.

Quanto ao Império do Mali17, a conversão de seus sobera-nos ocorreu no final do século XIII. Diz a tradição oralmalinqué, que o primeiro a converter-se foi Mansa Uli, filho esucessor do fundador do império. Fez sua peregrinação à Mecaentre 1260-1277 e, desde então, esta prática tornou-se umatradição respeitada pelos soberanos do Mali.

O Império adotou a forma islâmica no século XIV, sob oreinado de Mansa Musa (1312-1337) e de seu irmão Suleiman(1341-1360), que intensificaram a construção de mesquitas eo desenvolvimento da doutrina islâmica.

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2.4. O surgimento de um Islã africanoA conversão dos malinqués e de outros povos do Sudão oci-

dental foi fundamental para a constituição de um Islã próprioda África sul-saariana, um Islã que deixou, progressivamente,de ser uma religião de estrangeiros brancos vindos de fora.

Ao longo dos séculos, foi se constituindo nessas sociedadesuma classe de clérigos e de sábios locais que se concentravamnos grandes centros políticos e comerciais, como Jené eTombuctu, mas também em Gao e Niani. Já no século XV, amaior parte dos eruditos muçulmanos de Tombuctu eram deorigem sudanesa. Conheciam as línguas e os costumes locais ealiavam este conhecimento a um alto nível de erudição, o quechamava a atenção dos visitantes estrangeiros.

Estes clérigos autóctones foram os responsáveis por transfor-marem o Islã numa religião africana. Propagaram a doutrinaislâmica por todo o Sudão ocidental e central. No decorrer dosséculos XIV e XV, pelo menos dois grupos de eruditos muçul-manos vindos do Sudão ocidental contribuíram para expandirsua fé em Cano, Zaria e Katsina, onde os respectivos chefescom suas cortes se converteram.

Mas, apesar dessa ofensiva, no Sudão central o Islã perma-neceu durante muito tempo restrito às pequenas comunidadesde comerciantes e aos clérigos profissionais. A grande massa dapopulação continuava ligada às crenças tradicionais.

Foi a aceitação da nova religião pelos comerciantes hauçás,extremamente empreendedores, que favoreceu a sua expansãoem várias destas regiões do Sudão. Abrindo rotas comerciaisem direção às localidades produtoras de cola situadas nos ser-tões da Costa do Ouro18, levaram o Islã até as fímbrias da flo-resta tropical. Os mosis, que viviam próximo à curva do rioNíger, resistiram até o século XVII.

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Embora no século XVI as massas camponesas tivessem sidopouco atingidas por esta religião universal, o Islã tornava-se, depois de tantos séculos de presença, um fenômeno fa-miliar, um dos elementos do cenário cultural da África oci-dental. (El Fasi, 1997:86)

2.5. A grande virada do século XVIO progresso africano que se verificou em torno dos grandes

estados como Gana, Mali e Songai foi interrompido no iníciodos tempos modernos, pelas repercussões diretas ou indiretasdas transformações que afetaram a Europa Ocidental.

No Marrocos, como em toda a África do Norte, esta época foimarcada pelo declínio da civilização urbana e comercial, sobre aqual repousava todo o sistema de troca e de intercâmbio, tantono plano econômico como cultural, com a África sul-saariana.Concomitante aos portugueses, os espanhóis, depois de concluí-da a “reconquista”19, passaram à ofensiva na África do Norte.

Este ataque cristão provoca uma reação popular e o desper-tar do Islã. Mas, no Magrebe, o Islã não era mais aquele dascidades e dos comerciantes. Tratava-se de um Islã rural efeudal, das confrarias, marabutos e guerreiros feudais. (Suret-Canale, 1980:42)

Foi assim que o sultão do Marrocos, Al Mansur, enviou tro-pas que tomaram as cidades de Tombuctu, Gao, Jené e destru-íram o império de Songai em 1591.

Mas, já a partir do século XV, a atuação dos portugueses aolongo da costa atlântica, como na costa índica, contribuiu, porsua vez, no estrangulamento das relações comerciais entre as

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duas margens do Saara, acarretando transformações tanto noplano econômico como no plano social. Em conseqüência, oIslã no Sudão não foi mais o mesmo.

Dominando o litoral marroquino, os portugueses se substi-tuem aos caravaneiros20 como intermediários entre a Áfricado Norte e a África negra, indo vender nas ilhas do Cabo-Verde, e mais além, por via marítima, as mercadorias antesimportadas do Magrebe. Este desvio do circuito comercialtradicional verifica-se também no sentido inverso: a funda-ção do forte de Mina (Costa do Ouro) desvia do mundoárabe senão todo o ouro do Sudão, pelo menos aquele dasjazidas meridionais. (Suret-Canale, 1980:42)

Em 1509, os portugueses destruíram a frota egípcia e blo-quearam o acesso do mar Vermelho e do golfo Pérsico. Oitoanos mais tarde, o Egito caiu nas mãos do império Otomano eforam os turcos que, daí para frente, asseguraram a defesa doIslã face às ameaças cristãs, inclusive no Magrebe.

O comércio magrebino e egípcio se degradou, os centrosurbanos na faixa Sudanesa, como Tombuctu, se esvaneceram edesapareceram os grandes reinos antigos associados aos merca-dos urbanos e apoiados no Islã.

Mas, apesar das dificuldades de ordem política e militar, ocomércio transsaariano continuou sendo a principal ativi-dade econômica de vastas regiões do Magrebe e do Sael. Oque mudou a partir do fim do século XV não foi o volumedas trocas, mas o significado econômico deste comércioquanto às perspectivas de desenvolvimento dos países im-plicados. (Ogot, 1998:232)

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Com efeito, paralelamente ao recuo da influência das cida-des, assistiu-se no Sudão a uma regressão do Islã e ao surgi-mento de estados de um tipo novo, essencialmente de campo-neses, muitas vezes não islâmicos e apoiados em forças armadaspermanentes.

Um dos muitos exemplos são os reinos rivais de Segu e Kaarta,constituídos por camponeses bambara21 que se revoltaram porvolta de 1660.

Um outro exemplo é o reino de Bornu, Estado antigo, que seadaptou às novas condições. Seu rei Idris III (1571-1603) criouum batalhão de escravos munidos de armas de fogo, o que lhepermitiu dar ao Estado a maior extensão da sua história.

Estes reinos tiravam seus recursos principalmente dos saques,da caça aos escravos e da imposição de tributos, muitas vezesrecolhidos manu militari. A importação das mercadorias euro-péias aumentou e elas passaram tanto pelas feitorias dos próprioseuropeus, como pelo intermédio do Império Otomano.

Esse processo resultou no aprofundamento e na extensão dadiferenciação social, na regressão das forças produtivas e noempobrecimento paulatino das grandes massas na regiãosudanesa.

2.6. Os Estados teocráticos muçulmanos (século XVIII)O papel relevante desempenhado na vida política da África

Ocidental, acompanhado pelo proselitismo religioso, sobretu-do a partir do século XVIII, conferiu aos peuls22 um lugar cen-tral na difusão do Islã nesta região.

Esse povo sofreu uma extraordinária mutação na medidaem que parte deles se converteu ao Islã e se tornou sedentária.A conversão ao Islã forneceu aos peuls uma ideologia e, ao

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mesmo tempo, regras de uma nova vida social, perfeitamenteadaptadas a esta transformação. Este processo das conversões etransformações se efetuou, simultânea ou sucessivamente, emregiões diversas.

A partir desse momento, os peuls e outros povos aliados, pas-saram a intervir na história da África Ocidental como uma aris-tocracia guerreira e ardente propagandista da fé islâmica, quecomandaram poderosos Estados, dominaram populações autóc-tones, em geral agricultores, que eram reduzidos à servidão.

A primeira experiência do gênero consistiu na fundação, em1727-28, no Futa-Jalom, um Estado peul teocrático e militar,ao qual se associaram outros grupos, que rapidamente foramassimilados, como os saracolés, os tucolores e os malinqués doalto Senegal.

À antiga estrutura de povo nômade, substitui-se uma orga-nização territorial. Nove províncias foram reunidas numa con-federação dirigida por um almani (Al Iman), chefe religioso epolítico muçulmano. Desta forma foram criados reinos peulscomo o de Sokoto, de Macina, de Adamaua, entre outros.

Em 1776, estabeleceu-se no Futa-Toro23 um Estado tam-bém teocrático, sob a forma de monarquia eletiva, tambémdirigidos por um almani. Na origem, estava um grupo detucolores muçulmanos24 que, revoltados, derrubaram a antigadinastia peul dos denianquês25.

Pouco tempo depois, no Bondu, uma revolução foi acom-panhada pela criação de outro Estado teocrático peul, igual-mente dirigido por um almani. Estes Estados teocráticos nãodevem ser assimilados à idéia de tirania. Tratava-se de monar-quias eletivas, onde o povo não era desprovido de poder. NoFuta-Jalom, por exemplo, os conselhos de anciãos eram con-

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trolados pela base por assembléias gerais dos homens livres edesempenhavam um papel decisivo.

A vida política era intensa e tanto na Confederação como aonível local, a prática era disondirde - consultar uns aos outros,palavra que aparece a todo momento nos relatos da época.

Fonte de fraqueza, na medida em que elas favorecem asdissensões, estas sobrevivências de instituições herdadas detempos ancestrais [...] foram certamente um elemento desuperioridade dos Estados peuls, assegurando-lhes uma co-esão que faltava aos seus rivais. (Suret-Canale, 1980:60)

2.7. Os legados islâmicos na regiãoO islã não encontrou no resto da África as condições histó-

ricas favoráveis que explicaram o seu sucesso no oriente, nonorte do continente africano e na Espanha.

Se obteve resultados religiosos importantes ao sul do Saara,no Sudão ocidental e central, deixou o poder nas mãos de che-fes e soberanos locais, impregnados das tradições africanas. Atéo século XVI, ainda não tinha encontrado a solução de sínteseque lhe permitisse integrar e absorver, sem problemas, as soci-edades africanas e as suas culturas.

Abre-se depois um período onde o diálogo foi interrompi-do, marcado pelas conseqüências da desintegração do ImpérioSongai pelo Marrocos, no final do século XVI.

Finalmente, a integração produziu-se no curso dos aconteci-mentos revolucionários do século XVIII e início do século XIX,baseados em Estados teocráticos e guerreiros. Eles fizeram doIslã, em certas regiões, um fenômeno que exprimiu a vida so-cial e cultural do povo. Os legados dessa integração, entretan-to, são controversos.

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O Islã trouxe às sociedades ao sul-saarianas a escrita e a uti-lização de certas técnicas, como a da pesagem. Mas a literaturaem língua árabe ignorou a cultura e as tradições africanas au-tóctones. E os eruditos locais também, na medida em que des-conheciam igualmente a existência de culturas ancestrais. Osletrados peul, malinqué, soninqué ou berbere pensavam emárabe, escreviam em árabe e comentavam livros de tradiçãoislâmica. Tratava-se de um mundo fechado, minoritário face àgrande massa que praticava as religiões tradicionais.

Estava-se de fato diante de um islamo-centrismo, cujos pro-tagonistas não estavam interessados em se tornar historiadoresdo passado africano nem serem testemunhas simpatizantes dasreligiões tradicionais.

A esse processo de islamização somou-se o de “arabização”,que consistiu em atribuir um título de nobreza e de superiorida-de a tudo o que provinha do Oriente. Ter ascendência árabe pas-sou a ser um mérito e a literatura genealógica floresceu na Áfricaoriental após o século XIV. A prática chegou à África ocidental e,pouco a pouco, todo grupo islamizado de certa envergadura tra-tava logo de encontrar um ancestral vindo da Arábia.

O que se encontra assim consideravelmente reforçado é umesquema de origem bíblica que considera o povoamento daÁfrica oriundo do Oriente Médio com todas as conseqüên-cias expansionistas desta visão; e também o hábito de desco-brir origens “brancas”- no caso, árabes e persas - para tudo oque se reveste de algum valor na África, mesmo ao preço datotal desvalorização das culturas africanas, cujas existênciassão comprovadas há muito mais tempo. O eclipse da histó-ria africana começou aí; ele foi consideravelmente agravado,em seguida, pelos Europeus. (El Fasi, 1997:108-9)

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2.8. A islamização da ÁfricaOriental: Núbia e Sudão nilóticoDesde a conquista árabe do Egito no século VII, a Núbia26

entrou em contacto com o Islã. Mas este encontrou resistênciade Estados cristãos e o apego do povo núbio à fé cristã. Apósvárias tentativas fracassadas, os árabes concluíram com os che-fes núbios um tratado que assegurou a independência do Esta-do cristão durante séculos.

As boas relações mantidas com o Egito favoreceram a pene-tração de comerciantes muçulmanos no território da Núbia.Não foram bons propagandistas, mas disseminaram os rudi-mentos da nova fé, até então ausente no país, que era inteira-mente cristianizado.

A partir do século VIII, começaram à chegar na Núbia gru-pos de nômades árabes, principalmente a região entre o vale doNilo e o litoral do mar Vermelho. No século X, já estavamimplantados no extremo norte da Núbia e, nesta mesma épo-ca, Núbios instalados ao norte da segunda catarata já estavamconvertidos ao Islã. Outros grupos árabes emigraram e, pelocasamento, aliaram-se às famílias dirigentes. Seus filhos torna-ram-se chefes locais, dando origem a poderosas famílias mu-çulmanas. Assim aconteceu também com os bedja, que viviamainda mais ao norte.

A partir do início do século XIII, a imigração árabe, quecontinuou a progredir lentamente, conseguiu penetrar nas que-relas internas da família real núbia. Foram os mamelucos queconseguiram reduzir a vassalos os reis da Núbia. Em 1315,escolheram como rei um príncipe já convertido ao Islã. Foi ofim da dinastia cristã e do cristianismo como religião de Esta-do, o que favoreceu a conversão ao Islã das populações sedentá-

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rias do vale do Nilo. No Estado meridional de Alwa, o cristia-nismo irá resistir até o século XVI.

No rastro do nômades árabes, chegaram os pregadores muçul-manos, trazendo as noções da lei canônica, a sharia. Nos séculosseguintes, missionários das ordens sufi começaram a se instalarno Sudão e contribuíram para a propagação do Islã. Consegui-ram converter os fundj, povo originário do Alto Nilo Azul. Sob oreinado dos fundj, o Islã foi incentivado e numerosos eruditos ereligiosos muçulmanos vieram se instalar no reino.

A partir do século XVI, a fronteira meridional do Islã nestaregião do continente africano estabilizou-se ao longo do 13ºparalelo Norte27.

2.9. O Chifre da ÁfricaO Chifre da África28 é a região banhada pelo mar Vermelho,

o golfo de Aden e oceano Indico, situada face à península ará-bica. O Islã penetrou na Etiópia através de dois grandes eixoscomerciais ligando as ilhas de Dahlak e o importante porto deZeila ao interior do continente. O primeiron, no mar Verme-lho, e segundo, mais ao sul, no golfo de Aden.

Desde o século VIII, muçulmanos estrangeiros ao continen-te, de origem árabe ou outra, começaram a se instalar ao longodo litoral. Foi a partir desses centros que o Islã se difundiu noseio da população local, mas sem exercer grandes influênciasaté o século X.

O principal obstáculo à penetração do Islã nos altos planaltosda Etiópia foi a sólida implantação do cristianismo no norte dopaís, entre os povos de idioma amárico29 e tigre. Os chefes locaisproibiram aos comerciantes de propagar a fé islâmica, o que nãoimpediu o surgimento, já no século IX, de núcleos muçulmanosnos principais centros e nos grandes eixos comerciais.

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No sul do país as condições foram diferentes. O movimentopartiu do importante porto de Zeila no golfo de Aden. E, nointerior das terras, muçulmanos e cristãos encontraram-se facea face na disputa pela imensa população autóctone ligada àsreligiões tradicionais.

As primeiras cidades comerciais e principados muçulmanosdo golfo de Aden começaram a se estabelecer ao longo do planal-to de Harar, no fim do século X. Um século depois, a expansãodo Islã havia-se traduzido pela fundação de sultanatos muçulma-nos entre as populações de língua semítica e cuxita30 da região.

Vários reinos muçulmanos foram criados, e um dos maisimportantes foi o de Ifate, cujos reis se diziam descender doprofeta Maomé. O seu mais influente sultão anexou em 1285o sultanato de Xoa. Um outro reino, o de Hadia, ficou famosoa partir do século XIII pelo seu mercado de escravos.

Uma grande ofensiva cristã enfraqueceu a influência e o nú-mero de adeptos do Islã. No século XVI, uma contra-ofensivareligiosa (jihad) reuniu um número considerável de fiéis mu-çulmanos para lutar contra a Etiópia cristã. Mas, a tentativa defundar um império etíope muçulmano fracassou. Só as franjasorientais e meridionais da Etiópia permaneceram fiéis ao Islã.

Desde o início do Islã, as migrações muçulmanas no conti-nente africano tiveram algumas vezes de enfrentar ummonoteísmo rival, o cristianismo.

No Magrebe, os cristãos representavam uma minoria vindaessencialmente do exterior. O Islã não teve nenhum problemaem tornar-se hegemônico e o cristianismo praticamente desa-pareceu no século XI.

Quanto ao Egito, esse processo foi mais lento. E, mesmotendo sido desde o século VII ocupado pelos muçulmanos, foi

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só sob os fatímidas, no século X, que o processo de islamizaçãose acelerou. Mas o cristianismo nunca desapareceu completa-mente do país, e representa hoje 10% da população, da IgrejaCopta.

Na Núbia cristã, o Islã permaneceu minoritário até o séculoXIII, mas ao longo dos dois séculos posteriores o cristianismofoi sendo progressivamente suplantado pelo Islã.

E, finalmente a Etiópia, onde um número maior de pessoaspermaneceu fiel à fé cristã. Atualmente, as religiões dominan-tes no país são o cristianismo ortodoxo e o islamismo, reunin-do cada uma cerca de 34% da população.

Os somalis que vivem na costa do Índico, conheceram o Islãatravés das cidades do litoral, Mogadiscio, Brava e Marka, ondese estabeleceram comerciantes árabes e outros, desde o séculoX. A assimilação dessas comunidades deu origem a uma socie-dade mestiça, onde o principal denominador comum era o Islã.Estas cidades, na verdade entrepostos comerciais, estavam emcontacto permanente com o interior africano, e os somalis des-ses territórios. Pouco se sabe do papel desempenhado por essaspopulações autóctones no processo de difusão do Islã pelo país.

2.10. A costa oriental da ÁfricaDo ponto de vista da expansão do Islã, a costa índica apre-

senta um quadro bem diferente daquele observado no resto daÁfrica.

O Islã aí se desenvolveu de fato, mas somente como reli-gião de imigrantes vindos de além-mar e vivendo em círcu-los fechados em estabelecimentos costeiros ou insulares. Aarqueologia, apoiada por fontes árabes, fornece provas sufi-

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cientes sobre o caráter islâmico de numerosas cidades lito-râneas, se estendendo de Lamu a Moçambique; mas elaconfirma ao mesmo tempo que o Islã não penetrou no inte-rior do país e que nem os bantu, nem nenhum outro grupoétnico foram tocados por esta religião antes do século XIX.O Islã só teve sucesso junto às populações do litoral queestavam em contacto direto com os imigrantes árabes e/oupersas instalados nas cidades. (El Fasi, 1997:91)

Durante muito tempo, os muçulmanos na África oriental sereduziram a uma pequena minoria, cujo centro de interesseestava muito mais no oceano do que propriamente na África.

Uma única exceção a este quadro: a penetração de mercado-res muçulmanos, na maioria suaíli ou autóctones, no interiordas terras que correspondem ao atual Moçambique e aoZimbábue. A sua presença no Império Monomotapa31 não foiindiferente aos Portugueses presentes na região.

Mas, os muçulmanos que penetraram na África do sudestenão deixaram marcas junto aos povos da região. Na costa índica,o Islã não conseguiu impor-se como religião aos africanos dointerior, apesar de séculos de convivência e de vizinhança.

3. Alguns aspectos do islã na atualidade

Embora o foco seja o continente africano, a natureza e aimplantação da religião muçulmana através dos diferentes con-tinentes obriga-nos a fazer incursões em outras regiões do mun-do. Ao mesmo tempo, algumas das manifestações atuais doislã, sempre presente na cena política internacional, tiveram

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suas origens em outros períodos da História: será também ne-cessário revisitá-las, mesmo se rapidamente.

3.1. A islã e o cristianismo no continente africanoEm 1935, antes da Segunda Guerra mundial, e em pleno

período colonial, cerca de 80% da população total do conti-nente africano se dividia de maneira mais ou menos igual entremuçulmanos e cristãos. Desde então, ambas as religiões decla-ram haver progredido em detrimento das religiões tradicionais.No entanto, certos países da África central e austral, cujas esta-tísticas mostravam habitualmente uma adesão quase total aocristianismo, constatam no final dos anos 1990 uma sobrevi-vência e uma renovação consideráveis das crenças tradicionais.

Em relação ao Islã, é preciso lembrar que a sua difusão eenraizamento na África se deram maciçamente na parte nortedo continente e numa estreita faixa ao longo de sua fachadasobre o oceano Índico. Dentre os países de maioria muçulma-na, alguns proclamaram o Islã religião de Estado (Marrocos,Tunísia, Argélia, Líbia, Somália, Mauritânia, Ilhas Comores),mesmo se a charia32 não seja aplicada em todos.

O Egito e o Senegal, embora tenham uma população majo-ritariamente muçulmana, contam com uma importante mino-ria cristã. Em vários outros países, a repartição entre muçulma-nos e cristãos constitui mesmo um problema político relevan-te, como no Sudão, na Etiópia, no Chade, na Nigéria, nosCamarões e na Tanzânia. O Sudão em particular atravessouduas décadas de conflito entre o norte, majoritariamente mu-çulmano, e o sul, parcialmente cristão, quando mais de doismilhões de habitantes perderam a vida. A pedido da região sul,no dia 9 de janeiro de 2011 iniciou-se um referendo popular

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sobre a independência deste território. O resultado do pleitofoi amplamente favorável à formação de um novo Estado no suldo atual Sudão. Em dezembro de 2010, 55.000 pessoas já havi-am regressado a esta região em previsão do pleito em perspecti-va. Os dirigentes do norte, por seu lado, já anunciaram a deci-são de aplicar a charia, no norte, em caso de divisão do país,como forma de pressão sobre os não-muçulmanos lá residentes.

Alguns dos países que não são majoritariamente islâmicosdeclaram em suas constituições que o Estado é “laico” ou “neu-tro” em matéria de religião. Embora a grande maioria das lide-ranças africanas tenha sido formada em escolas ou instituiçõesreligiosas, cristãs ou islâmicas, todas se declaram favoráveis àmanutenção e expansão dos princípios e valores tradicionaisafricanos, evitando um choque frontal com as suscetibilidadesreligiosas de cristãos e muçulmanos.33

3.2. Os antecedentes políticos do islã contemporâneoAs potências vencedoras da Primeira Guerra Mundial divi-

diram o Império Otomano, cuja capital era Istambul, em doisterritórios: o norte turco e o sul árabe.

Para chamar os Árabes para a luta contra a Turquia, foi-lhesprometido, durante a guerra, um único e vasto império ára-be. Porém, essa promessa foi imediatamente quebrada porum acordo secreto estabelecido em 1916 entre Inglaterra eFrança, o Acordo Sykes-Picot, [...]. Concentrados em seuspróprios interesses, os Ingleses e os Franceses dividiram oterritório árabe em diferentes Estados, zonas de influênciae zonas autônomas: em grande parte foram apenas constru-ções artificiais do imperialismo. Desta forma, apagaram o

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Império Otomano do mapa, o qual havia representado aestrutura política para os povos do Médio Oriente (e norteda África) durante 400 anos”. (Kung, 2010: 501-502)

No entanto, no final do século XVIII, início do XIX, o Im-pério Otomano conheceu uma série de reformas visandotransformá-lo num Estado moderno, orientado pelos mesmosprincípios liberais dos países ocidentais. Intelectuais otomanosde várias procedências – turcos, árabes, muçulmanos e cristãos– empenham-se neste sentido. Encontram, no entanto, umaforte oposição interna vinda dos meios tradicionalistas que, em1877, derrotam aquela tentativa, sob a autoridade do sultãoAbdulhamid II.

Em 1869, ocorreu a abertura do estreito de Suez, e o Egitovoltou a dominar o ponto de passagem entre o Mediterrâneo eo oceano Índico. Mas, o período de prosperidade que se abriu,beneficiou particularmente as potências européias. Em 1882,os britânicos ocuparam o Egito, o que os separou do governode Istambul. Em 1881, a França ocupou a Tunísia, e já haviainiciado, em 1830, a ocupação da Argélia. Rapidamente se or-ganizou uma oposição a este domínio tanto político como eco-nômico. Jovens nacionalistas se insurgiram no Egito, no Sudão,na Argélia bem como na Índia. Embora tenham sido derrota-dos, representaram o fermento de um nacionalismo árabe. Es-tes reformistas abriram espaço político na Turquia, onde o mo-vimento Jovem-Turco visava renovar o Império Otomano apoi-ando-se no pan-islamismo. Após a cisão entre este movimentoe os árabes, o movimento passou a apoiar-se no pan-turquismo.Esta renovação também se expressou no plano intelectual e re-ligioso, gerando um brilhante renascimento das letras árabes.

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Porém, os governos ocidentais aumentaram a pressão políti-ca e econômica sobre o governo otomano. Quanto mais pres-são, mais o arabismo e o islamismo tendiam a se aproximar e aconfundirem-se a fim de lutar contra os inimigos internos eexternos do mundo árabe-muçulmano. No final da PrimeiraGuerra Mundial, assistiu-se à queda definitiva do Império Oto-mano. Embora o Islã permanecesse vivo no seio das popula-ções, tanto na África como no Oriente Médio e na Ásia, so-mente em dois lugares os muçulmanos conservaram a inde-pendência: na Arábia de Ibn Saud34 que, proclamado rei em1926, constituiu a Arábia Saudita, governada por ele próprio,e na Turquia de Mustafá Kemal Ataturk35, mal vista pelos de-mais muçulmanos pelo caráter laico do seu Estado.36 O EstadoTurco, construído após o Império Otomano, foi reconhecidopelas potências aliadas pelo Tratado de paz de Lausanne, em 24de julho de 1923.

Enquanto isso, no conjunto do continente africano esten-deu-se a noite do período colonial. “Apesar da efervescênciadas idéias que contribuíram a minar o sistema imperialista, adominação colonial tornou-se uma situação de fato, a tal pon-to que, para certos autores, o período entre as duas guerras foina África a ‘idade de ouro’ do colonialismo” (Olotuntimehin2000:609). Mas, ao mesmo tempo, assistiu-se nos anos 1920-30, a um dinamismo reformador, no plano político e religioso,tanto no Marrocos, como na Argélia e na Tunísia (nesta jáemerge a liderança de Burguiba, o “pai da independência”),mesmo diante de uma situação bem menos agitada do que avivida no Egito britânico na mesma época, quando surgiramos primeiros movimentos islamitas.

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3.3. A emergência dos radicalismosAntes de tratarmos esta questão tão atual e global, cabe re-

fletir sobre a afirmação do professor Mohammed Arkoun,37

em 2010:

...o cristianismo tenta apagar as conseqüências de sua solida-riedade ativa com os responsáveis de uma “ordem” social einternacional fundada nas desigualdades. Seus adeptos reco-nhecem ter fornecido a caução “espiritual” a estruturas dedominação. O islã, ao contrário, se glorifica de ter contribuí-do, pelo seu ensinamento, à libertação dos povos oprimidos.De fato, com exceção da América Latina, a repartição espa-cial das duas religiões coincide com a oposição Norte-Sul.

Mas a principal advertência consiste em não confundir oIslã em geral com os radicalismos. Nem colocar no mesmo pa-tamar todo tipo de radicalismo. A confusão é grande quando sefala hoje da religião muçulmana, como dos países onde ela émajoritária, sejam eles africanos, asiáticos ou do Oriente Mé-dio. Esta confusão estende-se também às comunidades oriun-das desses países e que foram levadas, por razões econômicas, aemigrarem, sobretudo para a Europa: turcos, magrebinos, ci-dadãos africanos sul-saarianos. Várias distinções tornam-se as-sim necessárias.

Segundo Olivier Roy,38 “só se pode falar de radicalismoislâmico quando a violência é explicitamente colocada a servi-ço da construção de um Estado ou de uma sociedade islâmica”.Deve-se assim excluir desta categoria a violência envolvendopopulações muçulmanas, mas dentro de um contexto de ideo-logias e estratégias que nada têm a ver com o Islã, como é o

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caso dos movimentos nacionalistas na Palestina, na Bósnia, noKosovo ou na Chechenia. E, pode-se acrescentar, como foi naguerra da Argélia pela independência. Neste espaço, como emoutros, vão surgir exceções, sem contudo mudarem o caráterdo fenômeno histórico.39

Um outro esclarecimento necessário diz respeito ao Corão.Não é pertinente querer achar no livro sagrado dos muçulma-nos a justificativa ao radicalismo islâmico. Nele não se vai en-contrar a pregação da violência, nem do jihad40, que não cons-titui tão pouco, um dos pilares do proselitismo religioso. Mas,o Corão é manipulado e utilizado politicamente e pode, comoa Bíblia, alimentar tanto uma posição moderada como umamais radical.

As divergências internas ao Islã, que nos primeiros tempossituavam-se sobretudo no plano político da sucessão do Profe-ta, manifestaram-se também no plano doutrinário gerando gran-des correntes e seitas, algumas das quais chegaram até os nos-sos dias e permeiam o noticiário internacional, como o sunismoe o xiismo. Outro erro freqüente consiste em identificar todasas formas modernas de radicalismo islâmico com o xiismo. Noentanto, é preciso lembrar que esta cisão político-doutrináriaocorreu há mais de um milênio, por ocasião da luta pela suces-são entre o terceiro e o quarto califa, no século VIII, entre ospartidários de Mutawia e os de Ali, genro do Profeta. Os parti-dários de Ali foram chamados xiitas pelas línguas ocidentaiseuropéias. E muitas outras transformações ocorreram no seioda religião muçulmana ao longo dos séculos. É preciso consi-derar que a maior parte das formas contemporâneas do radica-lismo islâmico não encontra equivalente na história do mundomuçulmano e devem ser apreendidas como profundamente

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novas. Pode-se citar, por exemplo, a revolução iraniana e osatentados da Al Qaeda. Para compreendê-los é preciso referir-se ao contexto político e estratégico contemporâneos.

Para contextualizar os radicalismos atuais, é necessário re-tornar aos anos 1980, no Afeganistão. Foi nesta década que ogoverno americano e aliados se ligaram a redes e movimentosislâmicos de orientações e origens diversas que foram financia-dos e armados para combater o exército soviético então presen-te naquele país. Em 1989, as forças soviéticas foram obrigadasa partir. A vitória foi vista como um triunfo militar do Islã: AlQaeda havia nascido. Mas, mesmo se os combates no Afega-nistão contribuíram para o fortalecimento desta tendênciaradiacal, não se pode atribuir nem à CIA nem aos americanosa iniciativa da sua criação e a subseqüente expansão pelo mun-do muçulmano.

Os soviéticos partiram do Afeganistão, mas os americanosficaram, e em seguida, em 1991, desencadearam a guerra doGolfo bombardeando em 17/01/91 o território do Iraque, umdos berços da religião e da cultura muçulmanas. Em ambos ospaíses as tropas ocidentais aliadas estão presentes até hoje. Damesma forma que o ocidente internacionalizou a violência emnome da guerra ao terrorismo, sobretudo após o 11 de setem-bro de 2001, os combatentes muçulmanos multiplicaram suasredes através do mundo.

Na guerra do Afeganistão contra as tropas soviéticas partici-param combatentes muçulmanos de outros países, como a Ar-gélia, que em seguida engrossaram as fileiras de movimentosradicais em seus países de origem. A Al Qaeda se expandiu naÁfrica, onde, em 2007, foi criada a AQMI: Al Qaeda noMagrebe Islâmico. Para só se falar do continente africano.

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No que e refere aos conflitos atuais (guerras do Golfo, ocu-pação americana do Iraque e do Afeganistão, revoltas popula-res no Norte da África e no Oriente Médio) torna-se necessáriorelembrar os interesses econômicos envolvidos, como o acessoàs fontes energéticas, principalmente o petróleo, cujas maioresreservas encontram-se exatamente em torno do Golfo Pérsico.Não é por acaso que a V frota americana encontra-se estacio-nada no reino do Barein. Referindo-se ao bloqueio no planopolítico e ao déficit de democracia nos países árabes que ante-cederam durante décadas as revoltas populares que eclodiramem fevereiro de 2011, Alain Gresh (2002:136) comenta que“É o petróleo (além do conflito israelo-árabe) que estruturatoda a política ocidental para esta região, desde os anos 1930[...] Para garantir o acesso ao ouro negro, o Ocidente estavapronto a justificar todos os regimes susceptíveis de assegurar-lhe este acesso: o poder na Arábia Saudita é o melhor exem-plo”. E acrescenta que depois da guerra fria, o Ocidente exer-ceu pressão em todos os continentes por aberturas democráti-cas, salvo junto às monarquias do Golfo.

3.4. Os principais radicalismosislâmicos contemporâneosÉ possível distinguir dois tipos de radicalismos islâmicos

contemporâneos: o dos islamitas e o dos fundamentalistas.Os primeiros visam antes de tudo a criação de um Estadoislâmico, numa nação determinada, e os segundos, a instau-ração ampla da charia, ou seja, a aplicação do direito canônicoao conjunto da sociedade, seja ela qual for. Destes objetivos edo contexto histórico no qual se inserem, vão decorrer seusmétodos de ação.

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A queda do império Otomano em 1918, e o desaparecimen-to do sistema político do califado em 1924, significaram umaperda irreparável para o mundo muçulmano. Significaram par-ticularmente uma perda de identidade, na medida em que dei-xavam de existir, ao mesmo tempo, um centro aglutinador e dereferência, assim como a garantia (mesmo se relativa), da suaunidade político-religiosa. Para o Império Otomano, a perdapaulatina de seus territórios já vinha ocorrendo ao longo detodo o século XIX, ficando finalizada pela intervenção das po-tências aliadas na Primeira Guerra Mundial. Estes fatos coinci-diram com o surgimento, no anos 1920, dos primeiros movi-mentos islamitas. Para os seus fundadores41 e seguidores, o Islãrepresentava ao mesmo tempo uma religião e uma ideologia po-lítica e devia levar em conta todas as dimensões de uma sociedademoderna. Interessavam-se por tudo, a todos os campos do co-nhecimento e todos os setores de atividade. As mulheres podiamparticipar da vida social, tanto no plano político como no profis-sional. A única exigência era a de cobrir a cabeça (uso do lençoque não se confunde com a cobertura completa do rosto e docorpo ocasionada pela burca). Seus membros eram recrutadosentre os jovens instruídos e competiam com os ulemas42. Adota-ram a bandeira do anti-imperialismo e foram muito ativos nosprimeiros anos da revolução islâmica no Irã, nos anos 1980. Vi-savam (e visam) restaurar politicamente a umma, isto é, a comu-nidade de todos os muçulmanos, mas adotam a estratégia detomada do poder de um Estado que corresponda a uma naçãodeterminada (Egito, Irã, Turquia). Tentam formar-se no contactodireto com a realidade. O atual primeiro ministro da Turquia R.Erdogan, por exemplo, foi prefeito de Istambul de 1994 a 1998,quando era membro do Refah43.

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Depois da vaga revolucionária dos anos 1980, os grandesmovimentos islamitas tornaram-se claramente nacionalistas. NoIrã, defendem unicamente os interesses nacionais do país, as-sim como o Hamas palestino. Este jamais atacou Arafat noplano religioso, mas unicamente no plano das relações comIsrael. É o que sucede igualmente com o AKP44 turco, oHezbollah libanês, o FIS45 argelino e diferentes ramos daFraternidade Muçulmana. Participam de eleições, estabelecemalianças políticas, aceitam a legalidade constitucional. E, mes-mo se o Hamas palestino esteja implicado na violência arma-da, não há movimentos terroristas a eles ligados.

Mas nada é estático e alguns desses movimentos e liderançasse transformaram em fundamentalistas. Da mesma forma quea guerra ao terror abriu espaço para o surgimento de novosmovimentos, de ultradireita grupos ultraradicais, como a AlQaeda, pregam a ação direta em detrimento de uma ação delongo prazo. São movimentos que condenam a participação navida política de um país, o que ocorreria em detrimento daumma. Esta tendência tradicional é a dos fundamentalistas.

A Al Qaeda e todos os seus ramos, bem como os talibãs noAfeganistão, são os dois movimentos emblemáticos desta ten-dência. Seus membros saem em geral das escolas religiosas,particularmente a escola doutrinal deobandi (do seminário deDeobandi na Índia), de onde vieram os talibãs. Pregam a ins-tauração da charia e a volta à interpretação “literal” da leireligiosa. Seu objeto é a sociedade em geral e não um Estadoem particular. Começam por opor-se aos seus próprios gover-nos, à sua própria sociedade da qual querem desalojar tudoquanto não for islâmico. Para os talibãs afegãos, por exemplo,o importante é que todos os membros da sociedade se confor-

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mem à charia. Pouco lhes importa a construção de um Estado.Na realidade, colocam a comunidade dos muçulmanos (aumma) acima dos Estados e nações. Lutam contra aocidentalização da cultura e dos costumes, conseguindo aliar aluta armada contra o imperialismo americano e francês e con-tra o Ocidente (tema herdado dos islamitas que os precede-ram) às formas mais tradicionais de islamização da sociedade.

Os fundamentalistas funcionam mais como seita do quecomo partido ou movimento político. Não são necessariamen-te politizados, mas suas ações no norte do continente africanoe no Sael se revestem cada vez mais de caráter político.

3.5. O caso da Argélia e dos países do SaelUm dos braços da Al Qaeda, a AQMI, criado em 2007 no

Magrebe, procura afirmar-se perante a “casa mãe” e ao ramoarábico. Um de seus dirigentes mais temidos da atualidade é oemir Abou Zeid que, embora não seja o chefe do conjunto doSaara, é visto como o futuro comandante supremo da região.Ao seu lado, há um outro emir igualmente argelino, MokhtarBelmokhtar, da mesma geração, que combateu no Afeganis-tão. Ambos são casados com mulheres de tradicionais famíliastuaregues e participam de ações comuns. A zona que dominame onde circulam, situa-se no Mali, região de Kidal e no maciçodos Ifoghas. Trata-se de um extenso território entre o Níger, aArgélia e a Mauritânia cujas fronteiras são permanentementeatravessadas. Seus grupos são fortemente armados e circulamem veículos 4x4. Ambos figuram na lista das Nações Unidasdos terroristas mais procurados no mundo. Os dois chefes fo-ram formados durante mais de vinte anos de luta armada nasmontanhas argelinas. Pertenciam anteriormente ao GSPC,

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Grupo Salafista para a Predicação e o Combate, que se trans-formou no ramo magrebino da Al Qaeda, a AQMI, dela im-portando os métodos.

O chefe supremo do ramo magrebino da Al Qaeda, Abdel-malek Droukdal, possivelmente encontra-se em Kabília, nonorte da Argélia, cercado pelas forças do exército argelino.

Em 21 de setembro de 2010, a televisão Al-Jazira divulgou aseguinte mensagem lida pelo porta-voz da AQMI:

Um grupo de heróicos moudjahidins conseguiu, na últimaquarta-feira, sob o comando do xeique Abou Zeid, pene-trar nos sítios franceses de mineração de Arlit, no Níger46

(...) Apesar das estritas medidas militares e as múltiplas bar-reiras de segurança, os leões do Islã conseguiram contornartodos os dispositivos de vigilância e raptar cinco especialis-tas nucleares franceses. (Le Monde de 08/10/2010)

É preciso não esquecer que a matriz energética da França éjustamente a nuclear. Até início de 2011, nenhum dos cincoreféns foi devolvido, sendo que um deles foi executado. Osserviços franceses têm a certeza de que esta execução ocorreuem decorrência do bombardeio do norte do Mali por forçasfranco-mauritanianas em 24 de julho de 2010.

Cada vez se torna mais claro que as forças da AQMI visam aFrança em particular. Na mesma edição do Le Monde, MathieuGuidère, professor na universidade de Genebra, referindo-seao emir Abou Zeid, declarou: “Ele aceita negociar, mas dentrodas regras conformes à charia, ou seja, com intermediários tra-dutores que ele julga serem bons muçulmanos. Ele compreen-de o francês, mas recusa-se a falar ‘a língua do colonizador’.

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Além deste rapto, Abou Zeid esteve implicado em vários ou-tros, sempre de ocidentais, bem como em confrontos violentoscom os exércitos da Argélia, Mauritânia e Mali. Consideradomais radical e rigoroso do que Belmokhtar, Abou Zeid substi-tuiu os cantos tuaregues pela leitura do Corão nos campos detreinamento. De fato, as primeiras ações da AQMI foram per-petradas na Mauritânia, em 2007, quando franceses foram exe-cutados, bem como um evangélico americano.

Em 07 de janeiro de 2011, dois jovens franceses foram cap-turados em Niamey, a capital do Níger, e depois encontradosmortos, quando as forças militares francesas, baseadas na re-gião, e as nigerianas perseguiam e atacavam os raptores. Ascircunstâncias da morte dos dois franceses não foram esclarecidasnos primeiros dias, mas a AQMI reivindica o seqüestro atravésde vários canais de mídia, em resposta “à atitude da França faceaos muçulmanos e à sua cruzada no Afeganistão”. E informa-ram, alguns dias depois, que um dos reféns havia sido mortopelas bombas da aviação francesa. Em uma semana, em duascidades consideradas seguras, Bamako, capital do Mali e Nia-mey, capital do Níger, a França sofreu ataques da AQMI. EmBamako, foi a sua embaixada que foi visada. Membros daAQMI entrevistados pela televisão francesa47 justificaram estesatos na medida em que, na França, as mesquitas, as mulheres eos homens muçulmanos são vítimas de discriminação. É o ca-minho escolhido por Sarkozy e, desta forma, ameaçam aberta-mente os interesses da França na África, bem como seus turis-tas, enquanto esta política perdurar. Na entrevista, apesar dealgumas imprecisões, mostraram-se perfeitamente a par da po-lítica francesa e dos últimos acontecimentos que dizem respei-to aos muçulmanos vivendo na França.

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3.6. Nigéria, Egito e Sudão e a presença do cristianismoNa Nigéria e no Egito assistiu-se no final de 2010 a uma

investida por parte de seitas fundamentalistas contra os lugaresde culto cristãos. No Sudão, chega-se a uma fase de resoluçãode conflitos muito antigos que opõe o norte islamizado ao sul,com dominância cristã.

No norte da Nigéria, na véspera do Natal de 2010, a seitafundamentalista Boko-Haram atacou na cidade de Maiduguri(um feudo talibã) uma igreja batista, fazendo seis mortos, entreos quais um pastor. Nesta mesma cidade mais de cinqüentapessoas morreram, entre policiais, soldados, chefes locais, polí-ticos. A seita declarou querer instaurar um Estado islamita “puro”e se diz ligada aos talibãs do Afeganistão. Na língua hauçá, onome da seita quer dizer “a educação ocidental é um pecado”.

No centro do país, também na véspera do Natal de 2010,trinta e duas pessoas foram mortas e setenta e quatro feridasnuma série de explosões em Jos, região onde as tensões entrecristãos e muçulmanos são fortes.

As autoridades preferiram não estabelecer uma relação entreos fatos ocorridos no norte e no centro do país por ocasião dasfestas natalinas.

Em 2009, a mesma seita, que conta com milhares de adep-tos, no mês de julho desse ano levou a cabo uma ofensiva coor-denada contra várias delegacias de polícia de estados situadosna região norte do país. Em poucos dias, oitocentas pessoasmorreram nos enfrentamentos com as forças de ordem. Estesforam particularmente intensos na cidade de Maidiguri, ondea sede da seita foi destruída.

No Egito, no dia 31 de dezembro de 2010, um carro-bom-ba explodiu em frente a uma igreja copta48 na cidade de

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Alexandria fazendo vários mortos. A Al Qaeda e organizaçõesiraquianas estariam vinculadas a vários outros ataques pratica-dos contra os cristãos do país segundo a imprensa europeia. Oscoptas representam 10% da população do Egito e não sofriamperseguição por parte do regime que foi derrubado pelo levan-te popular de fevereiro de 2011, embora certos altos postos lhestenham sido vedados. Ao mesmo tempo, a Fraternidade Mu-çulmana, de orientação islamita, esteve proibida durante déca-das no Egito, até poder expressar-se como tal na revolta quelevou à queda do regime de Mubarak.

Referindo-se a essa revolta, “Nenhum incidente a deplorarentre cristãos e muçulmanos” declarou Kamel Nashed, pai deum adolescente copta assassinado em 2010 na região de NagaaHamadi. “Os habitantes organizaram-se formando comitêspopulares encarregados de vigiar as idas e vindas nos bairros.Isto prova bem que nossos inimigos não são os muçulmanos,mas os policiais que, sob o pretexto de patrulhar nossas igrejas,só estavam lá para impedir a construção e restauração das mes-mas.” E prossegue: “Estes jovens egípcios derrubaram o regimeguiados pela mão de Deus. Eu não tenho mais medo dos mu-çulmanos” (www.lemonde.fr, 21/02/2011, 11:52). No âmbitodos acontecimentos de fevereiro de 2011, assistiu-se a umamanifestação de algumas centenas de pessoas que partiram debairro plurireligioso do Cairo e dirigiram-se ao edifício da tele-visão nacional em nome da “Revolução da cruz e do crescen-te”, reclamando um Estado laico no Egito.

No Sudão, o maior país do continente africano, o conflitoque opõe há décadas o norte e o sul do país não é meramentereligioso, mas engloba grandes interesses econômicos: cerca de80% das reservas de petróleo encontram-se na região sul. Uma

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solução pode estar a caminho através da realização do referen-do popular que teve início no dia 9 de janeiro de 2011 e cujoresultado decidiu pela independência da região sul do país. Umacordo estaria sendo estabelecido entre as duas partes relativo àpartilha dos recursos petrolíferos. A situação de criação de umnovo país rompe um paradigma acordado por ocasião da cria-ção da OUA em 1961, e reafirmado pela sua sucessora a UniãoAfricana, de não mexer nas fronteiras coloniais.

Mapa 1. O Islã na África

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Mapa 2. Principais religiões

50% ou mais de muçulmanos

50% ou mais de cristãos

Muçulmanos e cristãos juntos com mais de 50%

Animistas com forte minoria muçulmana

Animistas com forte minoria cristã

Hindus com forte minoria cristã

H

H

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1 Região do norte da África formada pela Tunísia, Argélia e Marro-cos. O grande magrebe inclui também a Líbia e a Mauritânia.2 Islã, Islam ou Islão, em árabe significa “submissão”, “entrega”, de-rivada de outra palavra que significa paz. No sentido religioso, Islãsignifica “total submissão à vontade de Deus (Alá)”.3 Maomé, Muhammad ou Mohammed (c.570-632). Segundo a reli-gião islâmica é o mais recente profeta do Deus de Abraão, é conside-rado o profeta por excelência. Teria sido precedido pelos profetasJesus, Moisés, Davi, Jacob, Isaac, Ismael e Abraão.4 Cidade da península arábica onde Maomé e seus seguidores refu-giaram-se das hostilidades sofridas na Meca. O ano da emigraçãopassou a contar como o ano 1 do calendário muçulmano.5 Cristãos do Egito, cuja pregação chegou até a Etiópia. Hoje, hácoptas separados da Igreja Católica e, outros, minoritários e só noEgito, unidos à Santa Sé.6 Religião monoteísta fundada na Pérsia antiga pelo profeta Zaratustrano século VI a.C.7 Possivelmente esta é a origem do nome dado ao continente África.8 Província do Império Romano que corresponde à França atual.9 Ali ibn Abi Talib (c. 600 – 661) ou Ali ben Abu Talib, Nascido emMeca, filho de Abu Talib, tio do Profeta. Foi adoptado e educadopor Maomé. Quando Otman, o terceiro profeta, faleceu ocorreuuma disputa em torno de quem deveria ser o novo califa. Dividi-

Notas

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ram-se entre os partidários de Ali, primo de Maomé e casado com asua filha Fátima, e os do Mutawia (ou Muawiyah), primo de Otman.Ali foi eleito califa em 656, mas Mutawia contestou e irrompeuuma guerra civil. Ali foi assassinado em 661 e Mutawia assumiu opoder, fundando a dinastia dos Omíadas. Mutawia passou a ser con-siderado o quarto califa.10 População mundial estimada em 1,5 bilhão de fiéis muçulmanos.11 Hadith são as palavras, feitos e gestos do Profeta. Estes curtosrelatos foram feitos pelos primeiros companheiros de Maomé e, de-pois de sua morte em 632 de nossa era, foram primeiro transmitidosoralmente e, depois, recolhidos e redigidos ao longo do século VIII.12 A dinastia otomana é originária da tribo pertencente ao ramooghuz dos turcos.13 O Sudão neste texto refere-se ao Sudão francês (colonial) queocupava uma grande área nos territórios do atual Mali e Chade, enão ao atual pais Sudão, localizado mais a leste.14 Trata-se do reino de Gana, do século VIII, e não do atual paísGana (ex-Costa do Ouro no período colonial), e são localizados emregiões distintas.15 Um dos ramos do karijismo, que representou as aspirações dosberberes e pregava uma versão democrática do Islã.16 Historiador e geógrafo cordobês (1014-1094).17 O reino de Gana no século VIII, o império Mali no século XIV, eos reinos de Songai e Bornu no XVI, se organizaram politicamenteapoiando-se no comércio com o mundo árabe.18 Atual Gana.19 Queda do reino de Granada, em 1492, último bastião da presençamuçulmana e da cultura multiétnica na península Ibérica. Uma vi-tória dos reis católicos, Fernando e Isabel.20 Aqueles que conduziam as caravanas transportando mercadorias

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através das rotas transsaarianas que ligavam a África do Norte aoSudão ocidental, central e oriental.21 Ramo do povo malinqué que constituiu as bases do Império doMali.22 Peul, chamados também fula ou fulani, povo nômade dedicado aopastoreio de bovinos, das regiões ocidentais do Sael. Hoje, são maisde 12 milhões vivendo nas mesmas condições de há muitos séculos,espalhados por vários países da África. Mas, ao longo da História,uma grande parte dos seus descendentes se sedentarizaram e suaselites estiveram à frente de poderosos reinos.23 Antigo Tecrur, no atual Senegal.24 Constituíram, no início do século XIX, uma confederação teocrá-tica, destruída pela colonização francesa.25 Dinastia estabelecida desde o século XVI.26 Região situada no vale do rio Nilo, compartilhada atualmentepelo Egito e o Sudão. Berço de uma das mais antigas civilizações daÁfrica.27 Nas proximidades de onde hoje ficam as cidades de Al-AUbayyide de Kosti no Sudão atual.28 Região que corresponde aos atuais países Etiópia, Eritréia, Djibutie Somália.29 O idioma oficial e o mais falado na Etiópia atualmente.30 Ramos da família lingüística camito-semítica, que compreendevárias línguas faladas hoje na África oriental.31 O Império de Monomotapa, estendeu-se entre os rios Zambéze eLimpopo num território hoje dividido entre Moçambique, Áfricado Sul, Zimbábue e Malauí. Foi fundado provavelmente no séculoXI e a ofensiva colonial do século XIX o aniquilou. Seus territóriosvoltaram a ser divididos em diversos reinos.32 Leis e regulamentos elaborados pelos juristas a partir do Corão e dos

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ensinamentos de Alá, visando enquadrar a vida dos muçulmanos.33 Mazrui e Wondji (1998: 326-327).34 Abdul Aziz Al-Saud ou Abdul Aziz Ibn Saud (1880-1953) descen-dente de família que governava a região há mais de cem anos, econtinua a governar até os dias de hoje.35 (1881-1938). Oficial, político, que liderou o Movimento Nacio-nal Turco garantindo o estado turco após a guerra, dando origens areformas modernas iluministas conhecidas como kemarismo.36 Mantran (2010).37 Universidade de Paris III, Sorbonne Nouvelle, proferida em con-ferência.38 Diretor de pesquisa no CNRS (Centre National de La RechercheScientifique), Paris.39 O movimento palestino Hamas islamisa o discurso nacionalista ecertos ulemás sauditas apóiam os talibãs e mesmo Bin Laden.40 Literalmente “esforço” em árabe, que depois passou a designar aguerra contra os adversários do Islã, primeiro entre os deveres cole-tivos do Estado islâmico.41 Hassan alBanna fundou no Egito o movimento FraternidadeMuçulmana, Madudi foi o líder no Paquistão e o imã Komeini, olíder no Irã.42 Sábios, especialistas das ciências religiosas.43 Partido político islâmico (Partido do Bem Estar) fundado por TekdalAhmet em 1983, em Ancara, e dissolvido em 1998.44 Partido da Justiça e do Desenvolvimento, criado em 2001, comdissidentes do movimento islamita tradicional. Declaram-se demo-cratas conservadores e comparam-se aos partidos democrata-cristãoseuropeus. Ganharam as eleições de 2002, obtendo maioria absolutana Assembléia Nacional.45 Frente Islâmica de Salvação, movimento banido da vida política ar-

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gelina após sua vitória nas eleições de 1991. Estas foram anuladas pelogoverno da época, abrindo quase uma década de guerra civil no país.46 Lugar onde opera o grupo AREVA, maior produtor mundial deurânio. A mina deste mineral estratégico situada no Niger é a maiordo mundo.47 Programa Envoyé spécial de 13/01/2011, Antenne 2, França. http://envoye-special.france2.fr/les-reportages-en-video-2681-sur-les-tra-ces-dal-qaida-au-sahel.html.48 Cristãos ortodoxos do Egito que se tornaram independentes noano de 451. O seu papa é o patriarca de Alexandria.

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A autora

Maria do Carmo Ibiapina de MenezesMestre em Sociologia pela Ecole des Hautes Etudes en SciencesSociales, Paris. Licenciada em Pedagogia pela PUC-RJ. É pro-fessora-pesquisadora do Centro de Estudos Afro-Asiáticos daUniversidade Candido Mendes.