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  • 8/13/2019 O IHGMG e os parmetros para a escrita da Histria mineira (1907 1927)- Mariana Vargens Silva

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    O IHGMG e os parmetros paraa escrita da Histria mineira (1907-1927)

    Mariana Vargens

    TemporalidadesRevista Discente do Programa de Ps-Graduao em Histria da UFMGVol. 5, n. 2, Mai/Ago - 2013 ISSN: 1984-6150 www.fafich.ufmg.br/temporalidades

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    O IHGMG e os parmetros para a escrita da

    Histria mineira (19071927)

    Mariana Vargens SilvaGraduanda em HistriaUFMG

    [email protected]

    RESUMO: Este artigo tem por objetivo recuperar os elementos definidores dos projetoshistoriogrficos para a escrita da histria mineira formulados pelos membros do InstitutoHistrico e Geogrfico de Minas Gerais (IHGMG), desde sua criao, em 1907, at 1927,perodo em que se pretende iniciar uma nova fase dentro da instituio. O Arquivo Pblico

    Mineiro, criado anos antes do Instituto Histrico, em 1895, teve a funo de recolher os

    documentos importantes para a histria do Estado. Faltava agora uma instituio que sededicasse exclusivamente redao desta histria e aqueles que se dispuseram a esta nobretarefa tinham objetivos polticos muito claros em mente. Os fundadores do IHGMGpossuam a demanda de construir uma histria que conseguisse justificar a posio deprestgio ocupada pelo Estado dentro da nascente Repblica brasileira.

    PALAVRAS-CHAVE: Histria da historiografia, Instituto Histrico, Minas Gerais.

    ABSTRACT: This article aims to recover the defining elements of historiographicalprojects for the writing of Minas Gerais history expressed by members of the InstitutoHistrico e Geogrfico de Minas Gerais (IHGMG), since 1907 until 1927, a period in which

    wanted to start a new phase within the institution. The Arquivo Pblico Mineirocreated yearsbefore the IHGMG, in 1895, had the task of collecting the important documents to thehistory of the State. Now lacked an institution that is devoted exclusively to the writing ofthis story, and those who agreed to this "noble task" had very clear political objectives inmind. The founders of IHGMG had the demand to build a story that could justify theprestigious position occupied by the State within the nascent Brazilian Republic.

    KEYWORDS:History of Historiography, Historical Institute, Minas Gerais.

    Introduo

    So relativamente recentes os esforos no sentido de se compreender a produo dosinstitutos histricos como parte integrante da historiografia brasileira. Relegados margem

    quando da criao dos cursos universitrios de histria, a produo destas associaes foi

    muito mais criticada do que conhecida, ao menos quanto ao que vai alm do Instituto

    Histrico e Geogrfico Brasileiro (IHGB). O objetivo do nosso trabalho passa pela ideia de

    reconhecer os esforos realizados por uma das associaes estaduais, o Instituto Histrico e

    Geogrfico de Minas Gerais, dentro de suas caractersticas especficas.

    Estamos, portanto, de acordo com Margarida dos Santos Dias, quando ela afirma que:

    mailto:[email protected]:[email protected]:[email protected]
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    A histria factual, descritiva, desprovida de anlises profundas, tem sidomuito criticada. Vulgarmente denominada positivista, muitas vezes nemchegou a tal. Na realidade toda a historiografia factualista tem sidomenosprezada, sem, contudo essa atitude proceder de uma avaliao realdo seu poder de influncia, de suas ligaes com polticas oficiais (...) emais ainda, sem saber at que ponto atende a determinados anseios dasociedade.1

    A ideia da criao de institutos histricos nas provncias do Imprio j constava no estatuto

    do IHGB desde sua criao, em 1838. Entretanto, como afirma Lcia Paschoal Guimares,

    o que houve foi uma inverso nos planos traados pelos fundadores do IHGB, que

    imaginaram a expanso da Casa da Memria Nacional de dentro para fora, promovida por

    sua prpria iniciativa e na prtica o que tivemos foi a solicitao das provncias para a

    fundao ou o reconhecimento destas filiais pelo IHGB, tido como matriz do Rio deJaneiro.2 Os dois primeiros institutos estaduais de que se tem notcia a solicitarem este

    reconhecimento foram o do Rio Grande do Sul, criado em 1853 e refundado em 1860, e o

    Instituto Arqueolgico e Geogrfico Pernambucano, que surgiu em 1862. Aps a Proclamao da

    Repblica, no entanto, h a criao de vrios institutos estaduais ao longo do territrio

    nacional. Apenas para citar alguns exemplos, temos neste momento a criao de institutos

    histricos no Cear, 1887; na Bahia, em 1894; em So Paulo, 1895; Santa Catarina, 1896;

    Rio Grande do Norte, 1902; Paraba, 1905; e em Minas Gerais, 1907.

    Com a instaurao da Repblica, as antigas provncias passam ao estatuto de estados que

    compunham a Federao. A maior autonomia dos estados era um desejo amplamente

    reivindicado no movimento republicano, influenciado pelo positivismo de Augusto Comte,

    que defendia a ideia de pequenas ptrias 3. Contudo, mesmo com a aparente vitria

    poltica, a sociedade passa por um momento de incertezas quanto ao futuro. Neste

    momento de conflito, era preciso construir uma identidade forte, que definisse o Estado

    perante os demais, mostrando, inclusive, como se inseria de maneira destacada e ativa na

    grande histria do pas, e, em alguns casos, mais do que isso: mostrar como a histria

    daquele estado era propriamente a parte mais significativa da histria do Brasil republicano.

    Para esta tarefa, os intelectuais do perodo foram buscar no passado elementos que

    1DIAS, Margarida Maria Santos. Intrepda ab origine:o IHGP e a p roduo da histria local (1905-1930).JooPessoa: Almeida Grfica e Editora, 1996, p.19.2GUIMARES, L cia Paschoal. Debaixo da imediata proteo de sua majestade imperial: O Instituto Histrico eGeogrfico Brasileiro (1838 1889). 387 f. Tese (Doutorado em Histria). Universidade de So Paulo,Programa de Ps-graduao em Histria Social, So Paulo, 1994, p. 172-173.

    3 IGLESIAS, Francisco. Prefcio reedio de Diogo de Vasconcellos. In: VASCONCELOS, Diogo de.Histria Antiga das Minas Gerais. Vol.1 4 ed. Belo Horizonte: Itatiaia, 1974.

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    um conceito interessante para o nosso trabalho ainda em dois aspectos. No primeiro,

    pela ideia de que o pblico no o verdadeiro destinatrio do livro de histria8, pois

    perceberemos que o destinatrio da produo destes intelectuais/polticos so eles

    mesmos. A histria tida como uma ferramenta de auxlio para a soluo de problemas a

    nvel poltico ou social. E como so eles os governantes, a eles quem mais interessa a

    produo historiogrfica. No que isto exclua certas iniciativas em se divulgar a histria

    para a populao, pois h a publicao de algum material em jornais e a comemorao de

    eventos cvicos que mobilizam a sociedade, mas esta relao hierrquica, daquele que

    informa algo a quem no o sabe. Em segundo lugar, e para finalizar esta introduo,

    Certeau define uma ideia de lugar que nos d liberdade para pensar na formao de

    subgrupos, uma vez que o lugar tambm se demultiplica9

    . Ressaltamos essa ideia, poismesmo no nvel da poltica, a trajetria de alguns integrantes do IHGMG foge do padro

    de republicano comum, seja ele adesista (ps Abolio, portanto) ou histrico. O

    exemplo mais marcante certamente Diogo de Vasconcellos, que possui uma longa

    tradio de defesa da Monarquia e da religio catlica em Minas Gerais, mantendo-se um

    saudosista da monarquia mesmo aps a Proclamao da Repblica. Vasconcellos se afasta

    da militncia poltica, mas a sua proposta historiogrfica trar marcas da manuteno do

    seu tradicional conservadorismo.

    A escrita da histria mineira

    A primeira investida no sentido da escrita da histria em Minas Gerais de maneira

    institucional e que tivesse uma durao significativa no foi a criao do Instituto

    Histrico, mas sim a do Arquivo Pblico Mineiro (APM), em 1895. O APM tinha por

    objetivo reunir os documentos importantes para a escrita da histria do Estado e dar

    incio a esta tarefa. O primeiro diretor do Arquivo, Jos Pedro Xavier da Veiga, lana a

    obraEfemrides Mineiras (1897), j com o claro objetivo de construir uma histria doEstado que o apresentasse enquanto sujeito histrico e no mais como uma parte

    constitutiva e sempre ligada ao plano de uma histria geral do Brasil. 10

    A criao do Arquivo em Minas Gerais de fundamental importncia na vida do

    Instituto Histrico, uma vez que ambas as instituies iro compartilhar boa parte de

    8______.A escrita da hist ria, p. 56. 9______.A escrita da hist ria, p. 52.

    10ARAJO, Valdei Lopes de. MEDEIROS, Bruno Franco. A histria de Minas como histria do Brasil: oprojeto historiogrfico do APM. In: Revista do Arquivo Pblico Mineiro.Dossi, v. XLIII, p . 22-37, 2007.

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    seus membros e tambm a revista na qual publicaro em seus anos iniciais. O IHGMG

    nasce com uma funo complementar o APMou a prpria Histria, uma vez que a

    obra patritica do governo que fundou o Archivo e que deu lugar ao opulento

    repositrio as Ephemerides Mineiras, e a divulgao de um grande nmero de factos e

    documentos da nossa histria, no devia ficar isolada,11como afirma Augusto de Lima.

    Era necessrio o surgimento de uma instituio que se dedicasse exclusivamente

    sistematizao da histria do estado e que outorgasse a ela a fora necessria para

    justificar a liderana poltica de Minas Gerais no cenrio nacional12.

    O Instituto Histrico Mineiro ento criado a partir da iniciativa dos membros do Clube

    Floriano Peixoto, que era uma das vrias associaes republicanas do perodo e possua

    forte tradio em relao s marchas cvicas e defesa da memria dos heris

    mineiros. De acordo com a historiadora Claudia Regina Callari, no dia 21 de abril de

    1902 o Clube organizou uma romaria cvica, partindo de Belo Horizonte para Ouro

    Preto terra sagrada que deu origem aos primeiros republicanos. Para Callari, que

    compara os projetos do IHGB com os do IHGMG e a recepo de sua produo quando

    da transio entre os regimes, a presena da religiosidade marcaria o trabalho dos

    membros do Instituto Mineiro, que no desprezaram os smbolos religiosos na

    elaborao do panteo cvico do Estado 13. Tambm Ivana Parrela14 recorda das

    procisses guiadas pelo busto da Repblica, que eram promovidas, em Belo Horizonte

    pelo Clube Floriano Peixoto, com intuito pedaggico.

    O Instituto Mineiro pretende-se, no entanto, como o iniciador da escrita da histria do

    estado de Minas Gerais, relegando marginalidade as tentativas individuais anteriores,

    considerando-as como crnicas esparsas e demasiadamente apaixonadas. Os

    fundadores do Instituto possuam o interesse de escrever uma histria de carter

    11LIMA, Augusto de. Discurso. Ata da sesso de fundao do Instituto Histrico e Geogrfico de MinasGerais, publicada na Revista do Arquivo Pblico Mineiro . Belo Horizonte, ano/ volume 14, p. 3-16, 1909.12 Diferente do que acontece em outros institutos histricos, especialmente no caso daqueles da regionordeste do pas, o IHGMG no compartilhava da necessidade de destacar o estado em uma posiorelevante no cenrio poltico nacional, uma vez que ele j havia conquistado tal prestgio. Vide a sucesso depresidentes na chamada Poltica dos Governadores, ou Poltica do Caf com Leite, que abrange operodo estudado.13 CALLARI, Claudia Regina. Os Institutos Histricos: do patronato de D. Pedro II construo doTiradentes. In: Revista Brasileira de Histria, So Paulo, v. 21, n. 40, p. 59-83, 2001.14 PARRELA, Ivana D. Entre arquivos, bibliotecas e museus: a construo do patrimnio documental para uma

    escrita da histria da ptria mineira (1895-1937). 415 f. Tese (Doutorado em Histria) - Universidade Federalde Minas Gerais, Programa de Ps-Graduao em Histria, Belo Horizonte, p. 73, 2009.

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    profissional e que dialogasse com as referncias historiogrficas em voga no perodo.

    No momento da criao da instituio os discursos so unnimes em declarar que a

    criao do Instituto fazia falta ao estado, e boa parte deles complementa dizendo que ela

    se deu de forma tardia em relao a outros institutos estaduais, menos ricos e

    influentes, o que era um absurdo uma vez que, para eles, a histria de Minas Gerais era

    a parte mais importante da histria do Brasil.

    Dentre os fundadores do Instituto Mineiro encontramos personagens como Joo

    Pinheiro, Diogo de Vasconcellos, Augusto de Lima, Nelson de Senna, Carlos Otoni e

    Jlio Csar Pinto Coelhoe a lista de nomes ligados poltica mineira segue extensa!

    O forte vnculo entre a escrita da histria e a dimenso poltica na historiografia

    brasileira de fins do sculo XIX e incio do XX uma ideia que j conquistou seu

    espao entre os historiadores, especialmente aps os trabalhos da sociloga ngela

    Alonso, para a gerao da dcada de 187015, e da historiadora ngela de Castro Gomes

    ao lidar com o IHGB16. Em conformidade com esta teoria, observamos que os

    fundadores do IHGMG pertenciam aos quadros da poltica, ainda que tambm

    exercessem outras funes, como as de jornalista e advogado. Predominantemente, ou

    seja, dentro do Instituto Histrico em questo, este vnculo fica explcito e marca do

    lugar de onde falam.

    No podemos nos esquecer da participao de membros do IHGB no momento de

    criao do Instituto Histrico Mineiro. Destacamos a presena de Max Fleiuss na sesso

    de inaugurao do Instituto e Pedro Lessa, na fundao da associao. Max Fleiuss,

    secretrio perptuo do IHGB, esteve presente no dia 15 de agosto como convidado

    especial e proferiu um discurso que colocava a criao do IHGMG dentro dos planos do

    prprio IHGB, fazendo questo de recordar que constava no artigo 9 do primeiro

    estatuto do grmio carioca a ideia de ramificar-se nas provncias do Imprio, para

    facilitar a reunio dos documentos necessrios escrita da histria e ao

    desenvolvimento da geografia do Brasil o que se deu de forma invertida, como j

    dissemos. A histria definida por Fleiuss como elemento social mais decisivo,

    servindo s necessidades concretas da sociedade, mesmo porque a poca das

    15 ALONSO, ngela. Crtica e contestao: o movimento reformista da gerao de 1870. In: Revista

    Brasileira de Cin cias Sociais, vol. 15, n 44, out. 2000.16GOMES, ngela de Castro.A Repblica, a Histria e o IHGB. Belo Horizonte: Argvmentvm, 2009.

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    banalidades literrias [...] passou a histria deveria ser desenvolvida de maneira sria,

    pautada na razo, deixando para trs a viso da histria como gnero literrio, ideia que

    se remete tradio greco-romana clssica. Para se enfrentar as mudanas que estavam

    acontecendo naquele momento, era necessrio compreender profundamente a histria,

    que habitua variao das formas sociais e dissipa os receios dessas mudanas. Para

    Fleiuss o trabalho do historiador estava imbudo de tamanha importncia que concorda

    com Oliveira Viana quando este afirma que at aquele momento o Brasil tem tido (...)

    grandes pesquisadores, como Varnhagen, mas no possui ainda um grande

    historiador17.

    Fleiuss cita uma srie de autores, dentre eles Xavier da Veiga, Augusto de Lima e

    Diogo de Vasconcellos, de quem os trabalhos realizados at aquele momento so

    magnficos subsdios que poderemos oferecer ao definitivo historiador que no tardar,

    deixando transparecer sua crena em uma histria ou um historiador definitivo. Alm

    do trabalho desses autores, a Revista do Arquivo Pblico Mineiro tambm oferecia os

    subsdios para a escrita da histria mineira. Finalizando seu discurso, Fleiuss

    recordar um evento da histria mineira que tambm aparece nos discursos de Joo

    Pinheiro e de Diogo de Vasconcellos, tambm proferidos na inaugurao do Instituto.

    Referimo-nos chegada dos bandeirantes paulistas, que para o historiador oferecem

    margem para fecundas pesquisas. Foram invases benemritas, pois tiveram como

    consequncia a descoberta das riquezas da ptria.

    De passagem por Minas Gerais, o mineiro Pedro Lessa, que vivia ento em So Paulo,

    foi convidado para proferir um discurso na reunio de fundao do IHGMG, que ocorre

    pouco depois de o historiador tomar posse no IHGB18. Apesar de doente, ele comparece

    no dia, declarando que tinha grande prazer em acompanhar o desenvolvimento de sua

    terra natal. O discurso de Pedro Lessa traz reflexes interessantes para se compreender a

    viso que estes homens possuam do fazer histria no perodo.

    17FLEIUSS, Max. Dis curso de Max Fleiuss no Institu to Histrico e Geogrfico de Min as Gerais15 deagosto de 1907.In: Revista do Instituto Histrico e Geogrf ico Brasileiro, 1928 [1927], tomo 101, vol. 155, p. 229-233.Grifo nosso.18Pedro Lessa contribua com o IHGB desde 1901, mas a solenidade de sua posse ocorre apenas em 10 de

    junho de 1907. Apenas recordando, a sesso de fundao do IHGMG acontece no dia 17 de junho domesmo ano, ou seja, sete dias aps Lessa tomar posse no IHGB.

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    Para Lessa quase uma banalidade afirmar que a criao do Instituto Histrico em

    Minas era algo importante, assim como no h quem duvide que o olhar que se

    embebe no passado v mais cla ramente o presente e chega a vislumbrar o futuro. Neste

    ponto, ele faz um rpido levantamento historiogrfico para, logo em seguida, definir o

    que entendia por histria. Assim, mergulhado nas referncias do classicismo greco-

    romano, Lessa afirma que, tanto para os gregos, quanto para os romanos, a histria era a

    mestra da vida. Para Polbio, Plutarco e Ccero, ela era um gnero literrio e possua

    como finalidade a educao poltica e moral. Entretanto, essa conceituao ingnua da

    histria foi severamente desmentida pelo critrio da exactido e da fidelidade na

    averiguao dos factos humanos contrapostos a creao romantica dos seus primeiros

    cultores. Desse modo, a histria no era nem a mestra da vida, nem literatura, nemromntica, e possua critrios objetivos a serem seguidos, como os da exatido e da

    fidelidade na averiguao dos fatos.19

    Todavia, logo em seguida, Lessa afirma: mas a histria continua mestra da vida, no se

    limita a reunir os fatos humanos, de cujo exame comparativo se induzem as leis

    sociolgicas; proporciona ensinamentos prticos, lies de immediata utilidade,

    exemplos vivamentes suggestivos, que os estadistas no podem deixar de aproveitar.20

    A histria ento entendida como este saber prtico, uma forma de conhecimento

    metdico que possui seus critrios de investigao, mas deve visar abranger mais do

    que o campo intelectual, pois tem condies de fornecer aos governantes orientaes

    para sua ao poltica. Lessa finaliza sua fala relembrando alguns problemas vividos

    naquele momento em Minas Gerais sem querer ofender ao Presidente Joo Pinheiro,

    ele enfatizae d a entender que poderiam ser solucionados com o auxlio da histria.

    No tarefa simples compreender o que Pedro Lessa pensava sobre a histria.

    Identificado dentro dos parmetros da escola metdica por ngela de C. Gomes,

    Lessa tentava superar a viso greco-romana clssica da histria como mero gnero

    literrio, sem, contudo acreditar nela enquanto uma cincia, como a queria Buckle

    pois no prprio da histria assumir as generalizaes necessrias cincia. O que

    fica claro a funo social atribuda por Lessa histria, no para prever o futuro,

    19LESSA, Pedro. Discu rso. Ata da sesso de fundao do Inst ituto Histrico e Geogrfico de Minas Gerais,

    publicada na Revista do Arquivo Pblico Mineiro. Belo Horizonte, ano/ volume 14, p. 8, 1909.20_____. Discurso. Ata da sesso de fundao do Instituto Histrico e Geogrfico de Minas Gerais, p. 9.

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    mas para conhecer a sociedade, o que seria possvel atravs do trabalho com sries de

    processos lgicos (os indutivos e os dedutivos) e examinando-se e comparando-se os

    fatos, atravs do uso de documentos. 21

    Sem mais consideraes, faamos neste ponto o nosso prometido passeio pelas

    propostas historiogrficas desses polticos e intelectuaistal como se intitulavam, por

    meio da anlise de trs discursos proferidos no momento de criao do IHGMG, sendo

    um da sesso de fundao (17 de junho de 1907), o de Augusto de Lima, e dois da

    sesso de inaugurao (15 de agosto de 1907), os de Joo Pinheiro e Diogo de

    Vasconcellos. Acreditamos que esses discursos marcam a forma ou as formas da

    escrita da histria dentro da instituio e que tornam possvel, sem deixar de lado os

    dilogos com a produo externa seja do IHGB, seja a nvel internacional , a fuso

    de modelos para a prtica historiogrfica em Minas Gerais, pelo menos at 1927.

    Augusto de Lima e os combates pela histria

    Augusto de Lima um dos nomes mais importantes para a Histria no cenrio mineiro

    deste perodo, ao menos no que diz respeito ao incentivo produo e proteo dos

    documentos. Como representante do Clube Floriano Peixoto, ele abre seu discurso na

    sesso de fundao do IHGMG falando da necessidade de se criar o Instituto Histrico doEstado e recordando o longo processo que foi necessrio para se chegar efetivao deste

    projeto. Ele recorda tambm os esforos que tanto ele, quanto Nelson de Senna tiveram

    que investir nessa empreitada. De acordo com o j mencionado trabalho de Ivana Parrela,

    Lima defendia a ideia de criao do Instituto Histrico desde 189722, antes portanto de

    tornar-se diretor do APM (1901-1910). Somente em 1907, o coronel Jlio Csar Pinto

    Coelho, scio do Clube Floriano Peixoto, nomeou uma comisso de onze membros para

    organizar a associao, que se rene pela primeira vez neste dia.

    Assim, Lima refora o que havia dito:

    Senhores, j era tempo de Minas fundar seu arepago histrico, quandoquasi todos os outros Estados da Unio j o fizeram. No demaisrecordar que Minas foi o foco mais intenso da formao da nossanacionalidade, sendo a precursora dos eventos mais notveis da nossaevoluo poltico-social.23

    21GOMES, ngela de Castro.A Repblica, a Histria e o IHGB.P. 40-52.22PARRELA, Ivana D. Entre arquivos, bibliotecas e museus, p. 73. 23LIMA, Augusto de. Discurso. Ata da sesso de fundao do Instituto Histrico e Geogrfico de MinasGerais, publicada na Revista do Arquivo Pblico Mineiro . Belo Horizonte, ano/ volume 14, p. 6-7, 1909.

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    O IHGMG e os parmetros paraa escrita da Histria mineira (1907-1927)

    Mariana Vargens

    TemporalidadesRevista Discente do Programa de Ps-Graduao em Histria da UFMGVol. 5, n. 2, Mai/Ago - 2013 ISSN: 1984-6150 www.fafich.ufmg.br/temporalidades

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    necessrios, que resguardem o futuro, melhorando-o. E completa dizendo que, de par

    com os estudos propriamente da erudio, devem ser feitos e principalmente, os que visem

    uma utilidade humana, procurando, pela imparcial observao do passado, induzir leis que

    regulem o presente para que o futuro seja melhor que ambos. 25Infere-se desta fala a

    concepo de histria como ferramenta de compreenso da sociedade que serviria como

    ponto de partida para a soluo de problemas da atualidade este um trao marcante

    nesta historiografia que visa construo de um novo estado e percebe a histria como

    indutora de leis sociais. O carter da imparcialidade, elemento caro para a historiografia do

    perodo, tambm se encontra presente na fala de Joo Pinheiro, como na maioria dos

    discursos do Instituto Mineiro, ainda que seja raro na prtica.

    Joo Pinheiro define a histria como sendo a marcha da Humanidade, que passa porperodos gloriosos e perodos de decadncia. Por isso, apesar de dizer que o estudo do

    passado nos remete ao entendimento de que devemos confiar no Direito, na Justia, na

    Liberdade, [e] no Bem, Joo Pinheiro afirma que a histria assinala lies de prolongado

    aviltamento dos povos e nele o exemplo da desonra do homem e, por isso, no pode ser a

    mestra da vida. 26Observamos aqui um posicionamento que questiona a relao direta

    entre a disciplina histrica e o ensino dos bons costumes a histria comea a se afastar da

    ideia de magistra vitae, deixando de ser uma disciplina fundamentalmente moralizante.Para finalizar seu discurso, Joo Pinheiro d enfoque ao que talvez considerasse como o

    momento mais importante da histria do Estado, que o descobrimento de Minas Gerais

    pelos bandeirantes paulistas, assim como vimos com Max Fleiuss. Refere-se ao exemplo de

    luta e persistncia que marcam a origem da vida no Estado e ao incomparvel legado de

    fora moral que os paulistas deixaram aos mineiros. Joo Pinheiro oferece ainda algumas

    referncias de onde se devem buscar os documentos relativos ao perodo do

    descobrimento da estremecida terra mineira, que poderiam ser encontrados nasreclamaes dirigidas ao governo del-Rei, nas respostas de ultramar, nos roteiros, nas

    informaes dos governadores sobre os descobrimentos felizes, como sobre as fundas

    desiluses dos garimpeiros sem riqueza, nas narraes das prprias lutas ensanguentadas

    25BARBOSA, Francisco de Assis. Joo Pinheiro : documentrio sobre a sua vida. Belo Horizonte: Arquivo Pblico

    Mineiro, 1966, p. 248-50.26______. Joo Pinheiro: documentrio sobre a sua vida, p. 249-250.

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    27, ou seja, a histria de Minas ser encontrada nos momentos de conflito com a Corte e

    nas dificuldades e desiluses de seus primeiros habitantes.

    Joo Pinheiro demonstra com sua proposta que, apesar de no ter se dedicado

    profundamente escrita da histria talvez por estar mais interessado em fazer histria

    , era um leitor dedicado a esta e possua uma boa noo ou pelo menos apresentava

    uma proposta coerente para a poca de como deveria ser desempenhado o ofcio do

    historiador.

    Diogo de Vasconcellos e a hermenutica do cristianismo

    Passemos agora para o projeto historiogrfico defendido por Diogo Lus de Almeida

    Pereira de Vasconcellos. Vasconcellos eleito como orador perptuo do Instituto Mineiro,ainda que possusse um passado de militncia em prol da monarquia. Membro ativo do

    Partido Conservador Mineiro e rduo defensor do catolicismo, o historiador no fazia

    questo de esconder sua admirao pelo passado imperial, mesmo aps a Proclamao da

    Repblica. Em 1893, no entanto, Vasconcellos se afasta do meio poltico e comea a se

    dedicar escrita da histria, publicando sua primeira grande obra, a Histria Antiga das

    Minas Gerais,em 1901, e reeditando-a ampliada em 1904.

    Em seu discurso, tambm proferido na inaugurao do IHGMG, o orador do Institutoinicia sua fala ressaltando a importncia da criao do grmio para o povo mineiro, que

    sentia falta de se lhe erigir a oficina central do pensamento, na qual se cuidam com esmero

    de fortificar a sua homogeneidade, e de unificar os seus elementos tnicos tradicionais. 28

    J aqui a histria apresentada como elemento unificador e homogeneizador da sociedade:

    esto suprimidos os conflitos e divergncias. Talvez tenha sido por acreditar nesta teoria

    e/ou pela recordao de seu passado poltico que Vasconcellos tenha evitado escrever

    sobre a Conjurao Mineira.

    O orador levanta uma longa lista de pensadores europeus que refletiram sobre a histria,

    dos quais discorda em grande parte, dando mostras de sua experincia no campo. Como a

    prtica na poca no exigia a citao completa das referncias, muitas vezes difcil

    acompanhar as citaes de Vasconcellos, mas sabemos que so majoritariamente autores de

    origem europeia. Vasconcellos traz para o discurso, por exemplo, a doutrina de Hegel, que

    27______.Joo Pinheiro: documentrio sobre a sua vida, p. 250.28VASCONCELLOS, Diogo de. Discu rso. Ata da sesso de inaugurao do Instituto Histrico e Geogrfico

    de Minas Gerais, publicada na Revista do Ar quivo Pblico Mineiro. Belo Horizonte, ano/ volume 14, p. 213-214,1909.

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    nos ensina que a histria a justificao divina, mostrando-nos como Deus se manifesta na

    vida coletiva dos homens, mas o orador afirma que, se tudo fosse obra de Deus, o bem e

    o mal se igualariam o que torna a ideia inaceitvel.29

    Achamos conveniente transcrever uma passagem do discurso do orador, ainda que

    demasiado extensa, com a finalidade de recuperar suas expresses e a maneira como ele

    desliza por diversas teorias da histria. Sobre Augusto Comte, ele afirma:

    Esprito genial, mas puramente cientfico, preocupado exclusivamente defatos e algarismos, alma todavia leal, e honesta, no dizer de Guisot,Augusto Comte a seu turno se fez inovador e dogmaturgo. Sem se falarde sistema atesta [...], o Mestre se apresentou fazendo descobertas, epropondo a histria uma nova filosofia.Mas, senhores, a maior descoberta de Comte resulta da semelhana com

    as trs idades de Vico, e a sua crtica histrica iniciada desde os temposde Santo Agostinho, coordenada por Volney, no excede em mrito Cincia Novadaquele mesmo insigne Napolitano.O sucesso do grande inovador se fez notvel pelo emprego exclusivo domtodo experimental, pelas tendncias materialistas do mundo vigente, emais ainda pelo ceticismo metafsico de Kant, em meio das classesmatemticas e especulativas, que preferem sobre tudo os mtodos apriori.Proclamando o progresso, por fim, supre o ideal humano e para tantoinvoca a histria que trunca e desencadeia a propsito e a medida deconcluses antecipadas. Comte no pode alegar ter feito uma filosofiapara a sua histria, mas uma histria para a sua filosofia.

    Tomando de Bukle o modo de observar os fatos, de que se deduzemlogicamente as consequncias, concebeu igualmente a ideia de leis geraissegundo a histria, semelhana das leis fatais que regem os astros eproduzem os fenmenos.No positivismo camos, portanto sob o guante da mesma fatalidade; etanto basta para ser falso em tudo que respeita ao mundo moral. 30

    Desse modo fica claro que para Vasconcellos o positivismo no tem utilidade para a

    histria, pois se aplica ao mundo das cincias naturais e no ao mundo moral. Nestas

    condies, ele afirma, rejeitando-se todas as doutrinas, inclusive a de Bossuet, que prega

    um fatalismo da Providncia to igual como o dr. Hegel [...], o remdio parece-me

    deparado no uso da hermenutica do cristianismo, buscando-se com ela a soluo

    desejada.31

    29 ______. Discurso. Ata da sesso de inaugurao do Instituto Histrico e Geogrfico de Minas Gerais,publicada na Revista do Arquivo Pblico Mineiro, p. 217.30VASCONCELLOS, Diogo de. Discurso. Ata da sesso de inaugurao do Inst ituto Histrico e Geogrficode Minas Gerais, publicada na Revista do Arquivo Pblico Mineiro, p. 217.

    31______. Discurso. Ata da sesso de inaugurao do Instituto Histrico e Geogrfico de Minas Gerais,publicada na Revista do Arquivo Pblico Mineiro, p. 217.

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    Por hermenutica do cristianismo, o autor demonstra compreender uma teoria composta

    por trs verdades, que so, por sua vez, a Verdade Filosfica, trplice cincia das coisas

    intelectuais e morais; a Verdade Religiosa, conhecimento de Deus, manifestado no

    culto, que por natureza ama o passado; e, por fim, a Verdade Poltica, que repr esenta a

    ordem, ou seja, a liberdade do direito natural do povo associado soberania exercida pelo

    poder pblico. De acordo com este raciocnio, da interao entre estas trs dimenses

    poltica, religio e filosofia - que os fatos histricos acontecem, partindo-se do

    pressuposto da existncia de uma verdade a respeito delas. A Verdade Poltica seria

    disputada pelas duas anteriores (Religiosa e Filosfica), mas elas se equilibram, pois mesmo

    que combatam entre si, nunca podero se destruir. Ainda sobre este assunto, Vasconcellos

    afirma que a maneira apaixonada [...] de se encarar na histria o fenmeno do progressod em resultado das lutas os desvarios, que no desespero proclamam a fatalidade das coisas.

    O cristianismo, porm, separando aquelas trs verdades e contendo-as cada uma em sua

    esfera e competncia, restabelece a paz e salva a l iberdade sem prejuzo da Providncia. 32

    A imparcialidade tambm surge na fala do orador como um elemento importante para a

    escrita da histria e ele nos oferece uma mostra do que entendia por imparcialidade. Diz

    Vasconcellos, ao historiador [...] decorre o dever de assumir a tarefa, de todas a mais

    difcil, no campeonato das letras. [...] A crtica tem de ser [...] imparcial e justa, no somentecom os tempos, se no ainda mais com os homens. Os povos no podem ser acusados

    ou defendidos seno pelas leis do sculo em que viveram; nem ser condenados por ideias,

    que no tiveram submetidos.33

    Tal como fizeram Max Fleiuss e Joo Pinheiro, Vasconcellos traz ao fim de seu

    pronunciamento o descobrimento dos bandeirantes como o aspecto da histria de Minas

    que deve ter lugar de destaque. Considerando os princpios historiogrficos elencados

    acima, os historiadores mineiros deveriam ressaltar a origem privilegiada do Estado, pois descendente de generoso sangue paulista. Para Vasconcellos, Minas Gerais possui uma

    tradio conservadora e catlica, herana dos bandeirantes. Observe-se, portanto, que tanto

    Joo Pinheiro, quanto Diogo de Vasconcellos lanam mo do mesmo episdio para

    defender aspectos bastante diferentes. Enquanto o primeiro v nos bandeirantes o exemplo

    32VASCONCELLOS, Diogo de. Discurso. Ata da sess o de inaugurao do Institu to Histrico e Geogrficode Minas Gerais, publi cada na Revista do Arquivo Pblico Mineiro, p. 217-218.

    33______. Discurso. Ata da sesso de inaugurao do Instituto Histrico e Geogrfico de Minas Gerais,publicada na Revista do Arquivo Pblico Mineiro, p. 218.

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    de luta e persistncia, ressaltando as dificuldades que estes tiveram em relao coroa, o

    segundo, a seu turno, ressalta aspectos que lhe so caros: o conservadorismo e a

    religiosidade dos paulistas, deixando de lado os conflitos. Temos aqui a presena da

    experincia poltica ditando regras para a escrita da histria.

    Desenvolvimento da escrita da histria nos primeiros anos

    Apesar de toda a efervescncia inicial e da importncia que os membros do IHGMG viam

    na criao da associao, a produo realizada a partir de ento deixou a desejar aos seus

    prprios membros em um perodo posterior (1927). Aps a morte precoce de Joo

    Pinheiro, em 1908, o Instituto passar por dificuldades de ordem financeira. A falta de

    recursos para promover a publicao de sua revista que estava prevista desde seu

    primeiro estatuto e mesmo para se conseguir uma sede prpria, gera desgastes a nvel

    administrativo, o que ajuda a explicar, em uma perspectiva interna, a baixa quantidade na

    produo efetiva. Fatores externos podem tambm ser apontados, como a Primeira Guerra

    Mundial, que, para ngela de Castro Gomes produz um profundo impacto sobre os

    valores polticos acreditados no Ocidente, como a ideia de progresso e de civilizao

    fundada em modelos universais otimistas, oriundos ou no de teorias cientificistas. 34

    Apontamos da mesma forma o ressurgimento do nacionalismo diante da situao colocada

    pela Primeira Guerra, o que enfraqueceu o federalismo e a ideia de pequenas ptrias noBrasil.

    Por ltimo, vale recordar que o IHGB absorveu para si a histria de Minas Gerais como

    parte importante da histria da Repblica, pois fez um alto investimento no uso de

    elementos da histria mineira, em especial a figura de Tiradentes, transformando-os em

    smbolos nacionais. de iniciativa do IHGB que parte, por exemplo, em 1922, a

    preservao dos edifcios nos quais residiram personagens como Tiradentes, Marlia de

    Dirceu e outros participantes da Inconfidncia Mineira, pois os mesmos se encontravamem estado de deteriorao.35A produo do IHGB sobre tais smbolos no encontrou uma

    grande concorrncia no IHGMG pelo menos at fins da dcada de 1920.

    A escassez e a diversidade de locais de publicao da produo dos membros do IHGMG

    e tendo em vista que nem as atas das reunies trazem de forma integral o contedo

    referente aos encontros dificultam em muito a anlise de forma sistemtica da produo

    34GOMES, ngela de Castro.A Repblica, a Histria e o IHGB, p. 66.

    35Palavras sobre a preservao dos edifcios em que residiram Marlia de Dirceu, Tiradentes e outros. In:Revista do Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro, 1926, tomo 92, p. 392.

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    dos membros do IHGMG enquanto tais. Todavia, possvel analisar alguns artigos e

    discursos transcritos que aparecem no jornal Minas Geraes, na Revista do Arquivo Pblico

    Mineiro(RAPM), como tambm na Revista do Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro (RIHGB)

    e usar como complemento as publicaes independentes, como a de Diogo de

    Vasconcellos, que lana sua Histria Mdia das Minas Geraisem 1918. Contudo, no nosso

    objetivo, neste trabalho, o esforo de adentrar nesta produo historiogrfica, ainda que a

    consideremos importante para a compreenso da escrita da histria no perodo.

    1927, um ano importante para a historiografia do Estado

    Em 1927, Minas Gerais perde seu renomado historiador Diogo de Vasconcellos. Contudo,

    Vasconcellos viver o bastante para presenciar a insatisfao dos membros em relao aos

    rumos que o IHGMG havia tomado. H neste ano a tentativa de se reestruturar o Instituto

    Histrico de Minas Gerais, que recebe um novo flego graas ao incentivo do Presidente

    do Estado, Antnio Carlos Ribeiro de Andrada. No discurso de Antnio Carlos, ele afirma

    de maneira enftica: a histria de Minas Geraes est ainda por ser feita. Estava

    inaugurada uma nova fase da historiografia no Estado ou pelo menos se havia a

    pretenso de uma nova fase.

    Um artigo de comemorao aos vinte anos do Instituto publicado no jornal Minas Geraes,

    de 24 de maio de 1927, e posteriormente, republicado na RAPM.36 Naquele ponto, o

    Institutoj havia passado pela presidncia de Joo Pinheiro da Silva, Joo Brulio Moinhos

    de Vilhena, Virglio de Martins de Mello Franco, Carlos Honrio Benedicto Ottoni,

    Antnio Arnaldo de Oliveira, e de Rodolpho Jacob. Alguns membros dos quadros iniciais

    ainda permanecem na associao, mas a insero de novos membros alta. O artigo tenta

    reconstruir o desenvolvimento da associao desde sua fundao, passando por algumas de

    suas principais atas e chegando at a reunio de reestruturao do IHGMG. Curioso

    observar que este artigo , em boa parte, formado pela reproduo de atas antigas, comuma sutil narrativa de fundo que tenta coorden-las os documentos praticamente falam

    por si.

    No discurso proferido por Antnio Carlos em fevereiro de 1927, ele afirma que, com

    exceo das obras de Xavier da Veiga e de Diogo de Vasconcellos, os estudiosos do

    assunto no podem encontrar mais nada alm da leve narrativa de episdios esparsos ou

    36Instituto Histrico e Geogrfico de Minas Geraes: Origem; histrico; fins; sede.In: Revista do Arquivo PblicoMineiro , Belo Horizonte, vol. 21, n. 2, p. 101-145, abr./ jun. 1927.

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    monographias que, embora meritrias, valem a pena como ligeiros lineamentos para as

    grandes generalizaes que o historiador do futuro ter de lanar.37 O discurso da

    Histria Geral ganha novamente fora. Antnio Carlos prope ainda que sejam feitas

    conferncias mensais pelos membros do Instituto, trabalho que ter por objetivo lanar luz

    sobre os fatos que ainda permanecem obscuros, e contribuir para a sistematizao que ter

    de vir no futuro, como tambm para manter viva a memria dos homens do passado e de

    seus feitos.

    Afonso Celso, diretor do IHGB, ento convidado para proferir o discurso de inaugurao

    da srie de conferncias mensais, cujo tema era Traos moraes do visconde de Ou ro

    Preto. Amplamente aplaudido, o discurso tem um carter extremamente elogioso e deixa

    entrever o sentimento de nostalgia pelo perodo monrquico. O tema, assim como aconduo dada por Afonso Celso na inaugurao dessas conferncias, deixa claro o

    posicionamento adotado pelo IHGMG. Se o Instituto havia nascido com um carter

    majoritariamente republicano, direcionando seus esforos para o futuro, este entusiasmo

    sede lugar ao conservadorismo e ao saudosismo em relao ao passado monrquico.

    Encerrando o encontro, Antnio Carlos afirma que as ltimas palavras a serem proferidas,

    naquella memorvel sesso, deviam ser somente as que bem traduzissem a venerao dos

    mineiros pela memria do visconde de Ouro Preto.38

    Na ata da reunio seguinte, do dia 21 de abril, h transcrito o discurso do orador Jos

    Eduardo da Fonseca, que sintomtico da tentativa de rompimento com o passado do

    Instituto. Ele critica a filosofia positivista de Augusto de Lima (que ainda era membro da

    associao, mas no estava presente no dia), dizendo que era uma philosophia negativa,

    assim como o evolucionismo e o pragmatismo, que vieram mais tarde [e] no passavam de

    simples hypotheses.39 H nessa reunio assim como na anterior uma grande

    preocupao de rompimento com as prticas do passado da instituio, e com isso, aassociao se posiciona de maneira ainda mais conservadora e fechada, lembrando que a

    dcada de 1920 foi um momento em que o Brasil vivia uma fase de efervescncia cultural,

    mas tambm de certa insegurana poltica devido ameaa comunista.

    Uma ltima considerao se faz necessria. Retomando a sesso, aps a crtica do orador,

    lido o fim da sentena condenatria de Tiradentes. Em seguida, Aurlio Pires inicia seu

    37Instituto Histrico e Geogrfico de Minas Geraes: Origem; h istrico; fins; sede, p. 117. 38Instituto Histrico e Geogrfico de Minas Geraes: Origem; histri co; fins; sede, p. 127.39Instituto Histrico e Geogrfico de Minas Geraes: Origem; histri co; fins; sede, p. 127.

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