o hippie que virou homem de negócios, américa economía brasil janeiro 2013

2
32 AméricaEconomia Janeiro, 2013 EMPREENDEDORISMO GESTÃO Conheça a trajetória do ex-esquiador profissional chileno que criou a primeira produtora de tulipas hidropônicas da América do Sul David Cornejo, de Santiago O chileno Andrés Cartes sem- pre foi inquieto. Embora te- nha estudado publicidade, desde os 19 anos dedicou-se ao esqui de forma profissional. Foi cam- peão nacional de snowboard em seu país e chegou a ocupar o 50º lugar no ranking mundial. Com uma mochila e aspecto hi- ppie, percorreu o mundo, comprometido com o esporte de inverno. Porém, como costuma ocorrer com os esportistas, com o passar dos anos che- gou o momento de planejar um futuro após a aposentadoria. Para Cartes, isso ocorreu no começo de 2000. Na época ele estava com 30 anos, tinha um filho, e en- frentava o problema de encontrar um sus- tento para sua família que o esporte não lhe proporcionava. Por essa razão, deci- diu mudar de rumo. Com suas economias, comprou um terreno em Pucón, um balneário turísti- co no sul do Chile, a 800 quilômetros de Santiago. Lá, construiu por conta própria uma casa e começou a buscar uma ideia para empreender. Foram anos de tentati- va e erro, até que em 2006 ele criou a pri- meira empresa de tulipas hidropônicas da América do Sul, a Araucanía Flowers. Fez tudo sem conhecimento em adminis- tração ou finanças, armado apenas com a tenacidade que trazia do esporte. Hoje, a empresa exporta para Peru, Colômbia e Estados Unidos, e Cartes su- pre suas deficiências cercando-se de es- pecialistas, em um caso que foi estudado pela universidade mexicana Tecnológico de Monterrey no artigo “Araucanía Flo- wers: de hippie a empreendedor”, escrito pelos pesquisadores Soledad Etchebarne e Camilo Drago. Antes de investir nas tulipas, Car- tes havia experimentado o cultivo de lí- rios, plantados em seu jardim em Pucón e vendidos na região da Araucanía chile- na. Mas a ideia que realmente foi adian- te chegou em 2003, em plena temporada de esqui no Gran Hotel Pucón. Ali, o em- preendedor conheceu o holandês Nicolás Botman. Dono de uma empresa produ- tora de bulbos na Holanda e nos Estados Unidos, Botman tinha propriedade pa- ra falar sobre as tulipas – seu cultivo e as vantagens e desvantagens como negócio. Impressionado com o trabalho de Car- tes no cultivo de lírios, em 2004 Botman convidou-o a conhecer as instalações de sua empresa na Holanda. Foi lá que o chi- leno teve a ideia de produzir tulipas hi- dropônicas com a técnica “forcing tu- lips”, apostando em oferecer a espécie nove meses por ano, quando o comum no Chile é que ela seja produzida duran- te apenas três meses, por questões cli- máticas. Este sistema simula o processo do bulbo sob a terra com câmaras frias, permitindo cultivos constantes, sem a ne- cessidade de esperar pela regeneração da terra, como ocorre habitualmente. O ex-esportista voltou ao Chile moti- vado com a novidade. A vontade de em- preender, no entanto, esbarrou na falta de formação. Cartes não tinha estudos de mercado nem planos de negócio, mui- to menos financiamento. “Eu não co- nhecia nada, era um hippie de cabelos O hippie que virou homem de negócios compridos que sabia esquiar, fazer snow- board e me divertir”, afirma. Cartes conciliou seus pontos fracos aproximando-se das pessoas adequadas, munido apenas de sua vontade e da deci- A força de aprender foi o que convenceu a incubadora Incubatec a financiar o projeto de Cartes 32_EMP_MAPUCHE1.indd 32 12/19/12 7:13 PM

Upload: david-cornejo

Post on 25-Jul-2015

130 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

32 AméricaEconomia Janeiro, 2013

EMPREENDEDORISMOGESTÃO

Conheça a trajetória do ex-esquiador profi ssional chileno que crioua primeira produtora de tulipas hidropônicas da América do SulDavid Cornejo, de Santiago O chileno Andrés Cartes sem-

pre foi inquieto. Embora te-nha estudado publicidade, desde os 19 anos dedicou-se

ao esqui de forma profi ssional. Foi cam-peão nacional de snowboard em seu país e chegou a ocupar o 50º lugar no ranking mundial. Com uma mochila e aspecto hi-ppie, percorreu o mundo, comprometido com o esporte de inverno.

Porém, como costuma ocorrer com os esportistas, com o passar dos anos che-gou o momento de planejar um futuro após a aposentadoria. Para Cartes, isso ocorreu no começo de 2000. Na época ele estava com 30 anos, tinha um fi lho, e en-frentava o problema de encontrar um sus-tento para sua família que o esporte não lhe proporcionava. Por essa razão, deci-diu mudar de rumo.

Com suas economias, comprou um terreno em Pucón, um balneário turísti-co no sul do Chile, a 800 quilômetros de Santiago. Lá, construiu por conta própria uma casa e começou a buscar uma ideia para empreender. Foram anos de tentati-va e erro, até que em 2006 ele criou a pri-meira empresa de tulipas hidropônicas da América do Sul, a Araucanía Flowers. Fez tudo sem conhecimento em adminis-tração ou fi nanças, armado apenas com a tenacidade que trazia do esporte.

Hoje, a empresa exporta para Peru, Colômbia e Estados Unidos, e Cartes su-pre suas defi ciências cercando-se de es-pecialistas, em um caso que foi estudado pela universidade mexicana Tecnológico de Monterrey no artigo “Araucanía Flo-

wers: de hippie a empreendedor”, escrito pelos pesquisadores Soledad Etchebarne e Camilo Drago.

Antes de investir nas tulipas, Car-tes havia experimentado o cultivo de lí-rios, plantados em seu jardim em Pucón e vendidos na região da Araucanía chile-na. Mas a ideia que realmente foi adian-te chegou em 2003, em plena temporada de esqui no Gran Hotel Pucón. Ali, o em-preendedor conheceu o holandês Nicolás Botman. Dono de uma empresa produ-tora de bulbos na Holanda e nos Estados Unidos, Botman tinha propriedade pa-ra falar sobre as tulipas – seu cultivo e as vantagens e desvantagens como negócio.

Impressionado com o trabalho de Car-tes no cultivo de lírios, em 2004 Botman convidou-o a conhecer as instalações de sua empresa na Holanda. Foi lá que o chi-leno teve a ideia de produzir tulipas hi-dropônicas com a técnica “forcing tu-lips”, apostando em oferecer a espécie nove meses por ano, quando o comum no Chile é que ela seja produzida duran-te apenas três meses, por questões cli-máticas. Este sistema simula o processo do bulbo sob a terra com câmaras frias, permitindo cultivos constantes, sem a ne-cessidade de esperar pela regeneração da terra, como ocorre habitualmente.

O ex-esportista voltou ao Chile moti-vado com a novidade. A vontade de em-preender, no entanto, esbarrou na falta de formação. Cartes não tinha estudos de mercado nem planos de negócio, mui-to menos fi nanciamento. “Eu não co-nhecia nada, era um hippie de cabelos

O hippie que virouhomem de negócios

compridos que sabia esquiar, fazer snow-board e me divertir”, afi rma.

Cartes conciliou seus pontos fracos aproximando-se das pessoas adequadas, munido apenas de sua vontade e da deci-

A força de aprender foi o que convenceu a incubadora Incubatec

a fi nanciar o projeto de Cartes

32_EMP_MAPUCHE1.indd 32 12/19/12 7:13 PM

Janeiro, 2013 AméricaEconomia 33

cebeu uma proposta de sociedade do en-genheiro comercial Philipp Goyeneche. Ambos eram amigos e conheciam-se do ambiente do esqui. Se a incubadora foi o berço, a inclusão de Goyeneche como in-vestidor-anjo, naquele mesmo ano, deu o empurrão defi nitivo à empresa, que ter-minou de ser montada com a inclusão de Botman, o holandês que deu a ideia ini-cial, como terceiro sócio.

No mesmo ano, a empresa foi fi nal-mente constituída. E, com esta estrutu-ra formalizada, eles candidataram-se no-vamente ao fi nanciamento da Corfo. Os US$ 90 mil obtidos permitiram adquirir um terreno na cidade de Valdivia, tam-bém localizada no sul do Chile. Lá, cons-truíram os escritórios e a estufa na qual as tulipas são produzidas.

Enquanto Goyeneche se encarrega da gestão e Botman dá apoio com sua re-de de contatos, Cartes faz experiências a partir da hidroponia. Sua paixão é estar em contato direto com as fl ores, muito atento aos processos. “Ele gosta de ter os pés na terra, sujos de barro, não de andar de terno e gravata”, afi rma Soledad sobre o papel de Cartes na equipe.

Atualmente a empresa exporta suas tulipas para clientes na Colômbia, Peru e Estados Unidos, e negocia com brasilei-ros. Enquanto isso, as fi nanças continu-am melhorando. Segundo Goyeneche, no primeiro ano eles ganharam apenas 200 mil pesos chilenos (cerca de US$ 400). Hoje, esse valor aumentou para US$ 500mil anuais. Uma expansão considerável.

Desde que criou a Araucanía Flowers, há cinco anos, Cartes aprendeu sobre to-dos os âmbitos de organização de uma empresa, incluindo aspectos legais, de produção, de administração e até de co-brança, indo atrás do dinheiro.

O fundador da empresa compartilha essa experiência por meio de um acordo com a Incubatec: todos os meses, dedica quatro horas a assessorar outros empre-endedores como mentor, a partir de sua experiência. “Agora ele é uma pessoa de negócios”, afi rma Claudina Uribe. “Hoje podemos falar de balanço, de resultados. Foi um processo de transformação”.

Foto

s: D

ivul

gaçã

o

são de criar algo. “Ele já era um empreen-dedor em sua vida como esportista. Isso o ajudou a fi xar metas e a ser sistemáti-co”, afi rma a acadêmica Soledad Etche-barne, coautora do artigo.

Após experimentações com bulbos de tulipas em seu jardim, ele procurou a In-cubatec, incubadora de negócios da Uni-versidad de la Frontera, na região chile-na de Araucanía. Lá, ganhou o concurso “Atreva-se a Empreender 2006” e rece-beu US$ 5 mil em horas de assessoria profi ssional para estruturar a empresa.

A incubadora foi sua matriz empre-sarial. “‘Não sei, mas estou disposto a aprender’, essa foi minha carta de apre-sentação” comenta Cartes sobre sua ati-tude diante da Incubatec, a quem con-venceu principalmente com base em seu entusiasmo pelo projeto. “Apostamos na pessoa; embora ele tenha reconhe-cido que não tinha habilidades em ges-tão, planejamento ou números, era mui-to perseverante”, afi rma a atual diretora executiva da Incubatec, Claudina Uribe, que teve a função de assessorá-lo a par-tir do prêmio. Esse foi outro fator-chave, já que Claudina tinha sido anteriormen-te gerente comercial da empresa Red de Flores localizada na região, e portanto conhecia bem o mercado.

Com o apoio da incubadora, o empre-sário participou de um concurso de fun-dos públicos no Chile. Da linha de capi-tal-semente disponibilizada pela Corfo (Corporación de Fomento de la Produc-ción), obteve US$ 12 mil para fazer um estudo de mercado e plano de negócios. “Um empreendedor não tem por que sa-ber de tudo. Neste caso, ele teve a possi-bilidade de contratar as pessoas adequa-das e reconhecer que não sabia de tudo”, afi rma Soledad.

MUDANÇASDurante os primeiros passos do negócio, Cartes precisou se adaptar à vida de em-preendedor. “Realmente não entendia bem o que estava fazendo, mas tive de aprender”, reconhece. Em 2007, ele re-

32_EMP_MAPUCHE1.indd 33 12/19/12 7:13 PM