o hiato em português: a tese da conspiração

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FACULDADE DE LETRAS/ UFRJ MARISANDRA COSTA RODRIGUES O HIATO NO PORTUGUÊS: A TESE DA CONSPIRAÇÃO Rio de Janeiro 2007

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Page 1: O hiato em português: a tese da conspiração

FACULDADE DE LETRAS/ UFRJ

MARISANDRA COSTA RODRIGUES

O HIATO NO PORTUGUÊS: A TESE DA CONSPIRAÇÃO

Rio de Janeiro

2007

Page 2: O hiato em português: a tese da conspiração

Marisandra Costa Rodrigues

O HIATO NO PORTUGUÊS: A TESE DA CONSPIRAÇÃO

VOLUME ÚNICO Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa), Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Letras (Língua Portuguesa). Orientadores: Prof. Dr. Car los Alexandre Gonçalves Prof. Dr. Marília Facó Soares

Rio de Janeiro

2007

Page 3: O hiato em português: a tese da conspiração

Nº__________ RODRIGUES, Marisandra Costa.

O hiato no português: a tese da conspiração Dissertação (Mestrado em Letras Vernáculas - Língua Portuguesa)-

Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Letras. Orientadores: Carlos Alexandre Victorio Gonçalves Marília Facó Soares 1. Fonologia. 2 Teoria das Otimalidade. 3. Letras – Teses I. Gonçalves, Soares. Carlos Alexandre Victorio, Marília Facó. (Orientadores) II Universidade Federal do Rio de Janeiro. Programa de Pós - Graduação em Letras Vernáculas. II I O hiato no português.

CDD:__________

Page 4: O hiato em português: a tese da conspiração

Marisandra Costa Rodrigues

O HIATO NO PORTUGUÊS: A TESE DA CONSPIRAÇÃO

Rio de Janeiro, 29 de agosto de 2007.

Professor Doutor Carlos Alexandre Victorio Gonçalves, UFRJ

(orientador)

Professora Doutora Marília Facó Soares, UFRJ / Museu Nacional

(co-orientadora)

Professora Doutora Christina Abreu Gomes, UFRJ

Professor Doutor Afrânio Gonçalves Barbosa, UFRJ

______________________________________________________________________

Professora Doutora Carmen Teresa Dorigo, UFRJ

Professora Doutora Mônica Maria Rio Nobre, UFRJ

Page 5: O hiato em português: a tese da conspiração

SINOPSE

Estudo sobre a inserção dos glides [j] e [w] antes da átona final

para dissolução da estrutura de hiatos: investigação sincrônica e

diacrônica. Análise baseada na atuação de restrições e na

hierarquização das mesmas (análise otimalista).

Page 6: O hiato em português: a tese da conspiração

AGRADECIMENTOS Em primeiro lugar, agradeço a Deus por me conceder a oportunidade de ter chegado até aqui, pois sei que sem Ele não teria conseguido realizar este sonho.

Agradeço aos meus pais por tudo que fizeram por mim durante toda minha vida, pelo apoio incessante que me deram para que eu continuasse estudando e não parasse em meio às dificuldades.

Quero agradecer aos meus orientadores. Agradeço ao professor doutor Carlos Alexandre Victorino Gonçalves pelo constante apoio, pelo grande conhecimento transmitido, pelas palavras de incentivo em momentos de dificuldade e, sobretudo, por ter acreditado em mim. À professora doutora Marília Facó Soares, agradeço não apenas pelo apoio dado durante a dissertação, mas também ao conhecimento teórico que me passou a partir do quarto períodos de graduação durante minhas participações em alguns de seus projetos de pesquisa. Agradeço aos informantes que dedicaram parte de seu tempo para que eu pudesse recolher os dados, sem os quais não seria possível chegar às conclusões alcançadas. Agradeço também à Alexandra Oliveira por ter permitido que eu usasse os dados por ela recolhidos durante sua dissertação de mestrado. Agradeço ao professor Afrânio Barbosa pelo material histórico cedido e pela contribuição dada na parte histórica. Agradeço à professora doutora Leda Bisol, à professora doutora Bernadete Abaurre, à professora doutora Gisella Colischonn e ao professor doutor McCarthy pelas ricas contribuições dadas durante o III Congresso Internacional de Fonologia.

Agradeço à Jaqueline Peixoto pelo apoio, pela atenção e pela consideração.

Page 7: O hiato em português: a tese da conspiração

“ Porque melhor é a sabedoria do que os rubins; e de tudo o que se deseja nada se pode comparar com ela.” Provérbios de Salomão (cap. 8, versículo 11)

Page 8: O hiato em português: a tese da conspiração

RESUMO

RODRIGUES, Marisandra Costa. O hiato no português: a tese da conspiração. Rio de Janeiro, 2007. Dissertação (Mestrado em Língua Portuguesa): Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2007.

Por que o hiato aparece na forma subjacente e é evitado na forma de superfície? Que forças estão em conflito? Existe alguma conspiração para que tal estrutura não emerja? De que

maneira a teoria da otimalidade (OT) consegue dar conta dessa questão?

Os encontros vocálicos do português têm se tornado tema de muita discussão e, apesar disso, ainda existem muitas questões a serem discutidas como, por exemplo, as acima formuladas. Este trabalho não só buscará resposta para tais questões como também, com base na OT, a) se aprofundará na análise de um dos processos que agem contra a realização dos hiatos – a inserção de glide (passear >> passeio; boa >> boua) – e b) demonstrará que tanto a inserção de glide como os demais processos envolvidos no desfazimento dos hiatos (crase, absorção de uma vogal por consoante de mesma natureza e o desenvolvimento de [nh]) atuam desde o português arcaico.

Quanto à análise otimalista propriamente dita, as seguintes conclusões serão apresentadas: 1) a OT é apropriada para a análise proposta, uma vez que, tendo foco no output, consegue abordar de modo mais satisfatório os vários processos que têm em comum um mesmo alvo (o desfazimento do hiato), o que possibilita mostrar que a língua vem conspirando contra tal estrutura; 2) com o passar do tempo, a produtividade dos hiatos muda e MARCAÇÃO domina FIDELIDADE; 3) no caso da inserção de glide, processo enfatizado neste trabalho, os principais restritores atuantes são ONSET, DEP-IO, SLW, OCP e HARMONY; 4) a hierarquia proposta para a primeira fase de formação da língua é diferente da hierarquia proposta para o português brasileiro atual.

Page 9: O hiato em português: a tese da conspiração

Abstract

RODRIGUES, Marisandra Costa. O hiato no português: a tese da conspiração. Rio de Janeiro, 2007. Dissertação (Mestrado em Língua Portuguesa): Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2007.

Why does the hiatus appear in the underlying form and is it avoided in the surface form? What forces are in conflict? Is there a conspiracy so that such structure doesn’t get on? How

can the optimality theory (OT) solve this question?

The Portuguese's vocalic encounters have been theme of a lot of discussion and, in spite of that, there are a lot of subjects that still have to be discussed as, for instance, the above formulated. This work does not only clarify such subjects, as well as: a) it wil l be deepened in the analysis of one of the processes which acts against the hiatuses’ accomplishment: glide insert (passear >> passeio; boa >> boua); and b) it will show that, as much the glide insert, as the other processes involved in the dissolveness of the hiatuses (crasis, absorption of a vowel for the same nature consonant and the development of [nh]) act since the Archaic Portuguese. In regard to the optimality analysis, the following conclusions wil l be presented: 1) OT is suitable for the proposed analysis, once, having focus in the output, it approaches in a more satisfactory way the several processes that have in common the same objective: the hiatus’ dissolveness, which makes possible to show that the language is conspiring against such structure; 2) As the time goes by, the hiatuses’ productivity changes and MARKEDNESS dominates FAITHFULNESS; 3) in the case of the glide insert, the process emphasized in this article, the principals constraints are: ONSET, DEP-IO, SLW, OCP AND HARMONY; 4) the hierarchy proposed for the first phase of the language formation is different from the hierarchy proposed for the current Brazili an Portuguese.

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ...........................................................................................................13

2. OS HIATOS NA LÍNGUA PORTUGUESA: SUA HISTÓRIA E SUA MANIFES-

TAÇÃO NO PORTUGUÊS BRASILEIRO ATUAL .................................................17

2.1. QUESTÕES GERAIS ...........................................................................................17

2.1.1. Definições .................................................................................................19

2.1.2. Uma visão teórica e estrutura silábica considerada ...............................22

2.2. PANORAMA HISTÓRICO...................................................................................25

2.2.1. Diferentes propostas de divisões históricas e a proposta apresentada...25

2.2.2. Primeiro momento de formação da língua por tuguesa: o aumento do

numero de hiatos e o principal fenômeno responsável por isso .............29

2.2.3. Segundo momento de formação da língua (a partir de meados do séc.

XIII ): queda da produtividade dos hiatos...............................................31

3. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA E BASES METODOLÓGICAS..........................32

3.1. TEORIA DA OTIMALIDADE..............................................................................32

3.1.1. O conjunto das restr ições universais (Universalidade) e a sua violabili-

dade..........................................................................................................33

3.1.2. O conflito de forças: Marcação versus fidelidade...................................34

3.1.3. A arquitetura da OT e o seu funcionamento ..........................................36

3.2. DA RIQUEZA DO INPUT OU BASE...................................................................37

3.2.1. Riqueza do Input e Princípio da Otimização do Léxico .........................37

3.2.2. O Estado Inicial e a Riqueza do Input na visão de Smolensky (1996) ...39

3.3. PROCESSOS HETEROGÊNEOS QUE BUSCAM O MESMO ALVO: O DES-

FAZIMENTO DOS HIATOS. A TESE DA CONSPIRAÇÃO...............................43

3.4. TEORIA DA SÍLABA...........................................................................................49

3.5. O MOLDE SILÁBICO DO PORTUGUÊS............................................................51

3.6. BASES METODOLÓGICAS................................................................................53

3.6.1. Metodologia...............................................................................................53

3.6.1.1. Fontes de dados históricos........................................................54

3.6.1.2. Fontes de dados atuais..............................................................62

Page 11: O hiato em português: a tese da conspiração

3.6.1.3. Perfil dos informantes..............................................................64

4. VARIAÇÃO E MUDANÇA SEGUNDO A TEORIA DA OTIMALIDADE ............65

4.1. O TRATAMENTO DA VARIAÇÃO PELA OT ...................................................65

4.2. O TRATAMENTO DA MUDANÇA HISTÓRICA NA OT ..................................67

5. INSERÇÃO DE GLIDE NOS CASOS DE DISSOLUÇÃO DOS HIATOS: UMA

ANÁLISE OTIMALISTA ...........................................................................................73

5.1. RESTRITORES ATUANTES...............................................................................73

5.2. VARIAÇÃO E A MUDANÇA NA DISSOLUÇÃO DO HIATO POR MEIO DE

EPÊNTESE...........................................................................................................76

5.3. PRIMEIRO MOMENTO: A EMERGÊNCIA DO HIATO ....................................81

5.4. SEGUNDO MOMENTO: A VARIAÇÃO HIATO/ DITONGO............................86

5.5. TERCEIRO MOMENTO: A EMERGÊNCIA DOS DITONGOS E A AMBISSI-

LABICIDADE.......................................................................................................90

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................101

BIBLIOGRAFIA .............................................................................................................104

ANEXOS..........................................................................................................................109

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LISTA DE QUADROS 01 Processos que mil itam contra o hiato .......................................................................20 02 Propostas de divisões históricas...............................................................................27 03 Os dois momentos da história do hiato.....................................................................28 04 Os processos que atuavam na dissolução dos hiatos no primeiro momentos de

formação da língua ..................................................................................................45 05 Os processos que atuavam na dissolução dos hiatos no segundo momento de

formação da língua ..................................................................................................46 06 Estruturas silábicas do português.............................................................................52 07 Exemplos históricos.................................................................................................55 08 Derivação (evidência da interface morfologia-fonologia) .........................................99

LISTA DE TABLEAUX

01 Interação entre restrições I .......................................................................................69 02 Interação entre restriões II........................................................................................69 03 Interação entre restrições II I.....................................................................................70 04 Interação entre restriões IV ......................................................................................70 05 Interação entre restrições V......................................................................................71 06 Interação entre restrições VI ....................................................................................72 07 Estrutura silábica I ...................................................................................................79 08 Estrutura silábica II ..................................................................................................80 09 Estrutura silábica III ................................................................................................80 10 Estrutura silábica IV ................................................................................................80 11 Estrutura silábica V..................................................................................................81 12 Emergência do hiato no primeiro momento..............................................................82 13 Primeiro Momento (I) ..............................................................................................83 14 Primeiro Momento (II).............................................................................................84 15 Primeiro Momento (III ) ...........................................................................................85 16 Segundo momento: Variação (I) ..............................................................................87 17 Segundo momento: Variação (II) .............................................................................87 18 Aplicação da hierarquia no segundo momento(I) .....................................................88 19 Aplicação da hierarquia no segundo momento(II) ....................................................89 20 Fixação de Onset no topo da hierarquia....................................................................91 21 Dissolução do hiato (I).............................................................................................92 22 Dissolução do hiato (II) ...........................................................................................93 23 Dissolução do hiato (III) ..........................................................................................95 24 Dissolução do hiato (IV)..........................................................................................96 25 Dissolução do hiato (V) ...........................................................................................97 26 Dissolução do hiato (VI)..........................................................................................97

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1- INTRODUÇÃO

Os encontros vocálicos do português têm se tornado tema de diversos trabalhos

recentes (cf. p. ex., Oliveira, 2006; Damulakis, 2005; Gonçalves, 1997) e, apesar de tantas

discussões sobre o assunto, ainda existem muitas questões a serem discutidas como, por

exemplo:

(a) por que o hiato aparece na forma subjacente e é evitado na forma de superfície?

(b) que forças estão em conflito na língua?

(c) existe alguma conspiração para que tal estrutura não emerja?

(d) É possível dar conta dessa questão pela teoria da otimalidade?

O presente estudo não só investigará tais questões como também examinará os

processos que, de alguma maneira, exercem pressão para que os hiatos não se realizem,

conspirando contra esse tipo de estrutura lingüística. Esse levantamento será feito no sentido

de esclarecer se esses processos atuam desde o português arcaico e se eles são ou não

inovadores, pois é possível que alguns, senão todos, sejam retomados do latim.

No português contemporâneo, os principais processos que atuam no sentido de

impedir que hiatos cheguem à superfície são: (a) crase (zoológico >> zológico), (b) absorção

de uma vogal por consoante de mesma natureza (colégio >> colejo), (c) ditongação

proveniente de [y] e [w] epentéticos antes da átona final (passear >> passeyo; boa >> bowa),

(d) ditongação proveniente de alçamentos e ressilabificações (voar >> vwar; teatro >> tyatro)

e (e) desenvolvimento de som palatal [nh] em fronteira de palavras (vem aqui >> venhaqui).

O estudo de tais processos, em parte, estará voltado para um levantamento diacrônico, a fim

de que, no desenvolver da investigação, seja possível fazer uma comparação e um paralelo

para que verifiquemos se as forças que atuaram no português arcaico tiveram o mesmo papel

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14

que hoje apresentam no português falado no Brasil (dialeto carioca). No decorrer da pesquisa,

percebemos a necessidade de recorte no objeto de estudo e, devido a isso, resolvemos

centralizar o estudo em apenas um dos processos: a inserção de glide, observando, com mais

vagar, dados de interface morfologia-fonologia, a exemplo dos que ocorrem no paradigma do

presente do indicativo de verbos terminados em -ear, como, entre outros, ‘parafrasear’ e

‘cear’ . Dessa forma, será feito um estudo diacrônico de todos os processos que contribuíram

para o desfazimento de hiatos, porém a análise dos dados estará centrada em apenas um deles.

Os demais processos serão abordados futuramente, em uma possível tese de doutorado.

O estudo histórico, aliado à investigação mais sistemática do atual estágio da língua

portuguesa falada no Brasil, será elaborado com base na Teoria da Otimalidade, que, por

trabalhar com restrições e permitir que haja violações das mesmas, mostra-se mais apropriada

para explicar conflitos no que diz respeito ao que chega à superfície, uma vez que grande

parte das realizações se distancia das formas subjacentes. Mas em que consiste a Teoria da

Otimalidade (doravante OT) e como será feita a análise otimalista?

A OT foi apresentada de forma desenvolvida em 1993, por Alan Prince e Paul

Smolensky, e é uma teoria gerativista que tem se mostrado mais econômica que outros

modelos de mesma orientação, uma vez que trabalha com restrições, ou seja, há, na OT, uma

unificação de expedientes analíticos: princípios, parâmetros e regras são vistos como

restrições universais e violáveis. A análise otimalista contribuirá para um melhor

entendimento sobre a oscilação entre realização e não-realização dos hiatos no português

brasileiro atual a partir de uma mesma forma subjacente. No caso dos verbos selecionados

para análise (os terminados em -ear), uma mesma forma de input sem hiato (p. ex., ‘passear’)

pode estar relacionada a realizações com ou sem hiato (‘passeamos’ X ‘passeia’). Procuramos

mostrar como um mesmo ranking de restrições assegura a emergência de formas com e sem

hiato.

Page 15: O hiato em português: a tese da conspiração

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Quanto à metodologia, foi feito, em primeiro lugar, a partir de gramáticas históricas e

manuais de filologia portuguesa, um levantamento diacrônico dos hiatos (como foram

formados, quais já existiam e ainda existem, quais foram desfeitos, que processos

influenciavam tal encontro vocálico etc) desde o português arcaico até o português brasileiro

atual.

Foram usados, como fontes principais de análise e recolha de dados, dicionários de

língua portuguesa, sobretudo os eletrônicos, que facil itam a recolha das palavras com a

estrutura desejada. Os dados históricos foram obtidos a partir das seguintes fontes: Huber

(1933), Gramática Histórica de Ismael Lima Coutinho (1976), A Cantiga da Ribeirinha (entre

1185 e 1212), Testamento de Afonso II (1214), Notícia de Torto (entre 1214 e 1216) e a

Crônica Geral de Espanha (1344).

Quanto ao português brasileiro atual, valemo-nos, em parte, dos dados obtidos do

estudo de Oliveira (2006) sobre o apagamento e a inserção de [w] na posição de coda silábica.

Para completar a análise, utilizamos procedimento semelhante ao de Oliveira (2006) e

elaboramos dois textos para posterior leitura por um grupo de informantes.

De posse dos dados diacrônico e sincrônico, traçamos uma comparação dessas

diferentes fases da língua e explicitamos que forças entram em conflito na estrutura de hiato e

fazem essa estrutura estar presente na forma subjacente e ser evitada na forma de superfície

nos dias de hoje. Essas forças nos permitirão estabelecer a hierarquia de relevância e,

conseqüentemente, os tableaux nos quais candidatos concorrem a output. A partir da análise,

poderemos concluir se as restrições em questão são as mesmas no português arcaico e no

português brasileiro atual, ou seja, conseguiremos perceber se apenas uma hierarquia dará

conta dos dois casos ou se será necessário que se use mais de uma hierarquia de relevância.

Em suma, este estudo tem como objetivo investigar os processos que, mesmo sendo

heterogêneos, contribuem de forma homogênea para que os hiatos sejam desfeitos e com isso

Page 16: O hiato em português: a tese da conspiração

16

contribuirá para que mais uma das estruturas da língua portuguesa (o hiato) seja mais bem

compreendida e melhor analisada sob a luz da OT.

O trabalho está estruturado da seguinte maneira: no capítulo 2, apresentamos pontos

importantes sobre o hiato e a sua história na língua portuguesa até o momento atual.

No capítulo 3, trataremos da fundamentação teórica e das bases metodológicas sobre

as quais este trabalho está baseado, ou seja, apresentaremos, de uma maneira geral, a Teoria

da Otimalidade e, em seguida, as fontes e o corpus recolhidos para análise.

No capítulo 4, apresentaremos a forma pela qual a OT trata a variação e a mudança e,

por fim, no capítulo 5 aplicaremos o tratamento dado à variação e a mudança aos hiatos do

português, procedendo à análise dos dados recolhidos. Após a conclusão, alguns anexos estão

disponíveis.

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17

2- OS HIATOS NA LÍNGUA PORTUGUESA: SUA HISTÓRIA E SUA

MANIFESTAÇÃO NO PORTUGUÊS BRASILEIRO ATUAL

2.1 QUESTÕES GERAIS

Na primeira fase da história da língua portuguesa (séc. XII , cf. Coutinho p. 34), os

hiatos eram bastante produtivos e foneticamente realizados. Segundo Teyssier, na obra

traduzida por Celso Cunha em 2001, foi nessa fase que o número de hiatos do nosso idioma

aumentou consideravelmente e, segundo o autor, esse aumento se deu principalmente devido

aos seguintes processos: desnasalização (alhe�o > alheo), queda de consoantes intervocálicas

(sedere > seer, credere > creer, malu > mao, mala > maa, solu- > sôo, colore > coor, diabolu >

diaboo etc). Nessa fase da língua, os hiatos se mantinham tanto em sílabas tônicas (alheo,

creo) como em sílabas átonas (coorar [pretônica], diaboo [postônica]). De acordo com

Teyssier (p. 34),

As desnazalizações do tipo alhe�o > alheo vieram aumentar o número já importante das palavras que possuíam duas vogais em hiato. Estes “ encontros vocálicos” resultam da queda de várias consoantes: queda de -g- em maestre, meestre (<magister), em leer (<legere) e suas duas formas – leerei, leeria, etc.: queda de -d- em seer (<sedere), em creer (<credere), em traedor, treedor (traditore). A queda do -l- intervocálico, da qual se tratou no capítulo anterior,, explica um forte contingente desses encontros; por exemplo: mao (<malu), maa (mala), sôo (solu-), coor (<colore-), coorar (<colorare), *coobra (<*coloÁbra), diaboo (<diabolu-), etc. ...O galego-português passou a ter, assim, um número muito maior de palavras que comportavam vogais em hiato. (TEYSSIER, 1997,p. 34 )

Segundo Huber (1933), é a partir do séc. XIII que os hiatos começam a ser desfeitos,

principalmente no caso de vogais adjacentes idênticas, que, na maior parte das vezes, sofrem

crase. Tal posição é também defendida por Mattos e Silva (2001, p. 65):

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18

Como se trata de vogais da mesma faixa de altura atuou, ao longo do período arcaico, a regra de crase ou de fusão de vogais idênticas. Pela escrita e pela métrica dos Cancioneiros se pode afirmar que já no século XIII essa fusão poderia operar-se. A grafia, eventualmente, apresenta indicação quando alternam vocábulos ora com vogais simples ora com vogais duplas.

No trecho a seguir, Mattos e Silva (2001: 65) ainda menciona o fato de o fenômeno da

crase ter se iniciado nas sílabas não-acentuadas:

Os Cancioneiros evidenciam fatos como: nas cantigas de Santa Maria, triigo se apresenta com três ou duas sílabas; na grafia de documentação em prosa se pode observar, por exemplo, que nos D.S.G. (texto em prosa do séc. XIV) há 905 casos do tipo descrito e exemplificado acima, nelas 0,3% de representção escrita com uma só vogal (quando a distribuição é em sílaba acentuada) e 72% com uma só vogal, quando em sílaba não-acentuada. Esse dado é interessante porque pode servir de testemunho para afirmar que a crase se iniciou pelas sílabas não-acentuadas.

A opinião de que os hiatos começaram a ser desfeitos já na época do galego-português

também é partilhada por Teyssier (1997: p. 35), que tece o seguinte comentário a esse

respeito: “ ...Vemos, pois, que já na época do galego-português se iniciam as evoluções que,

ulteriormente, terão como efeito eliminar em português a maioria dos encontros vocálicos.”

Como se pode perceber, os hiatos, na língua portuguesa, passam por várias fases e são

analisados de diversas maneiras por vários autores, o que nos leva às seguintes indagações:

a) Como os hiatos são definidos e considerados pelas gramáticas tradicionais? E por

outros autores como Mattoso Câmara Jr. e Leda Bisol, entre outros?

b) Por que esse encontro vocálico deixou de ser tão produtivo? Que processos atuaram

no passado para desfazê-lo e quais processos atuam hoje? Há uma conspiração em favor do

desfazimento dos hiatos na nossa língua?

c) Será a hierarquia de restrições do português arcaico a mesma do português

brasileiro atual?

d) Hoje, os hiatos se mantêm nas mesmas condições que se mantinham em fases

anteriores da língua portuguesa?

Page 19: O hiato em português: a tese da conspiração

19

Nas próximas seções, buscaremos esclarecer essas questões que muito contribuem

para o entendimento desse tipo de estrutura na língua portuguesa.

2.1.1 Definições

Quanto à definição de hiato, a maior parte dos autores, como Celso Cunha, José Carlos

de Azeredo e Mattoso Câmara, por exemplo, define o encontro vocálico de forma muito

semelhante:

“ Dá-se nome de hiato ao encontro de duas vogais. Assim, comparando-se as palavras pais (plural de pai) e país (região), verificamos que: a) na primeira, o encontro ai soa numa só sílaba: [ ´paj6] . b) na segunda, o a pertence a uma sílaba e o i a outra: [pa i6] .” (Cunha, 1985, p. 50 )

“ Hiato é o encontro de vogais em sílabas diferentes no interior da palavra (sa-í-da, hi-a-to)” (AZEREDO, 2004, p. 62) “ ...hiato, ou seja, duas vogais silábicas contíguas” (CÂMARA JR., 1970. p. 55)

Nos exemplos acima, os hiatos ocorrem quando o segundo elemento do encontro é

acentuado. Quando o primeiro elemento porta o acento, tende a ocorrer, na língua portuguesa

falada no Brasil (dialeto carioca): (a) ou um ditongo, que pode ser crescente ou decrescente,

(b) ou uma crase, (c) ou a absorção de uma vogal pela consoante precedente de mesma

natureza, ou (d) o desenvolvimento de uma palatal. Essas realizações podem ser observadas

no quadro abaixo:

Page 20: O hiato em português: a tese da conspiração

20

(1)

Processo Exemplos

Ditongação (por alteamento da vogal média

ou por epêntese)

a) Passear > passeio

b) Cear > ceio

c) Área > ar[ia]

d) Errônea > errôn[ja]

e) Fêmea > fêm[ja]

f) Lagoa > lag[ow.wa]

g) Coroa > cor[ow.wa]

h) Mágoa > mág[wa]

i) Proa > pro[wa]

j) Faisoa > fais[ow.wa]

k) Lêndea > lênd[ja]

l) Sobrevôo > sobrev[ow]

Crase

a) Álcool > álc[o]l

b) Oosfera > [o]sfera

c) Ooforalgia > [o]foralgia

d) Cree > cr[e]

e) Lee > l[e]

Absorção da vogal por consoante de mesma

natureza

a) Colégio > cole[�]o

b) Relógio > relo[�]o

c) Pedágio > pedá[�]o

Desenvolvimento de som palatal1

a) Vem aqui > ve[Ø]aqui

b) Vim analisar > Vi[Ø]analisar

Quadro 1: Processos que mili tam contra o hiato

1 Alguns autores consideram que em casos como ‘ fim’ e ‘vem’ , por exemplo, já há uma palatal que não explode ([fi ��`] e [v(j ���]), ou seja, há o gesto articulatório, mas não há a explosão, a pronunciação (cf. Cagliari,1981,p.87). Neste trabalho estamos considerando a não existência da palatal e o seu conseqüente desenvolvimento para dissolver o hiato.

Page 21: O hiato em português: a tese da conspiração

21

Sobre o quadro acima, cabe uma observação. O processo de ditongação ocorre,

sobretudo, de duas maneiras: (1) em função do alteamento da vogal média (fêmea > fêm[j]a,

sobrevôo > sobrev[ow] etc) e (2) através da inserção de glide homorgânico à vogal acentuada

(passear > passeio, boa > b[ow.wa] etc.). É importante ressaltar que, nos casos de

ambissilabicidade, ocorre a formação de dois ditongos, sendo um decrescente (nos exemplos

acima, respectivamente ej e ow) e outro crescente (respectivamente ju; wa). Sobre os

ditongos, vale lembrar que autores, como Leda Bisol e Mattoso Câmara, consideram os

ditongos decrescentes como verdadeiros e os crescentes como falsos, uma vez que esses ora

podem ser realizados como ditongos, ora como hiatos. A título de exemplificação, observem-

se as seguintes citações:

“ Quando átonos finais, os encontros escritos –ia, -ie, -io, -oa, -ua, -ue e –uo são normalmente DITONGOS CRESCENTES: gló-ria, cá-rie, vá-rio, etc.. Podem, no entanto, ser emitidos com separação dos dois elementos, formando assim um hiato: gló-ri-a, cá-ri-e, vá-ri-o,etc. ” (CUNHA, 1985, p. 50) “ Encontros vocálicos em formas tais como águia, história, luar, fiel, leal, glória, água, tênue, série etc. podem ser pronunciados como ditongos ou hiatos” (CALLOU &LEITE, 1990, p. 94)

Neste estudo, os encontros vocálicos que oscilam entre ditongos crescentes e hiatos

estão sendo considerados hiatos na sua realização subjacente. É importante ressaltar que, além

dos ditongos crescentes que alternam as suas realizações com os hiatos, também nos

interessam os ditongos crescentes e decrescentes formados pela inserção de glide para o

desfazimento de alguns hiatos. Sobre a estrutura silábica dos ditongos, Leda Bisol apresenta

uma visão interessante do ponto de vista fonológico; é o que apresentaremos na seção

seguinte.

Page 22: O hiato em português: a tese da conspiração

22

2.1.2 Visão teórica e estrutura silábica considerada

Leda Bisol – assim como os demais autores mencionados até aqui – trata do caso dos

ditongos crescentes e os apresenta como encontros ausentes do inventário fonológico do

português, acrescentando que os mesmos surgem da fusão de rimas de duas sílabas diferentes,

ou seja, emergem do processo de ressilabação. Um dos argumentos usados pela autora é o de

que a seqüência glide + vogal está normalmente em variação com seqüência a vogal alta +

vogal:

(02) Quiabo [ki´abu ~ ´kjabu]

Suar [su´ar ~ swar] etc.

Bisol ainda faz uma observação sobre os grupos latinos [kw]/[gw]: tais seqüências são

provenientes dos grupos latinos [ku]/[gw] e não alternam com hiatos, apresentando tendência

a desaparecer da língua, como comprovam os seguintes dados retirados de dicionários e

citados por Bisol:

(03) Quociente ~ cociente

Quotidiano ~cotidiano

Quatorze ~ catorze

Quotizar ~ cotizar

Os dados acima acenam para a possibil idade de se considerar a seqüência velar + glide

posterior como uma única consoante. Assim, o glide estaria sendo considerado como extensão

Page 23: O hiato em português: a tese da conspiração

23

do segmento consonantal, ou seja, como uma articulação secundária quando seguido, é óbvio,

de a ou o.

Uma outra questão pertinente para o presente trabalho, levantada pela autora, é a da

variação da seqüência silábica vogal átona + vogal alta, que ora pode ser realizada como

ditongo e ora como hiato:

(04) Vai-da-de

Va-i-da-de

Sobre a posição do glide na sílaba, no caso dos ditongos, Bisol apresenta duas

possibilidades: (a) glide como ramificação do núcleo e (b) glide como coda (os elementos da

estrutura silábica serão apresentados na seção 3.4). Câmara Jr. opta pela primeira posição,

enquanto Bisol opta pela segunda.

Os principais argumentos usados por Câmara Jr. para a escolha da estrutura VV são:

a) realização do ‘ r’ como uma [Å] após sílaba terminada por ditongo (au[Å]ora),

o que não ocorre quando uma sílaba é travada (Is[x]ael);

b) passagem dos ditongos decrescentes a monotongos (c[aj]xá, c[a]xa);

c) variação livre da divisão silábica na seqüência átona de vogal + vogal alta

(vai-da-de, va-i-da-de);

d) passagem de /i/ assilábico a /e/ (papa[i], papa[e]).

Apesar dos argumentos usados pelo autor, optamos, assim como Bisol, pela estrutura

VC. Apoiamo-nos nos seguintes argumentos na escolha que fizemos:

a) nos ditongos decrescentes os glides podem comutar com consoantes (mau /

mar ;lei / ler);

Page 24: O hiato em português: a tese da conspiração

24

b) há um declínio de sonoridade do núcleo para o glide (o mesmo que ocorre

quando o elemento marginal é uma consoante);

c) assim como Bisol, acreditamos que as semivogais se tornam glides durante o

processo de silabação;

d) os ditongos decrescentes se formam ainda no componente lexical, enquanto os

crescentes se formam no nível pós-lexical.

Assim, com base nos argumentos apresentados, estaremos considerando as seguintes

estruturas silábicas:

(5)

Ex. Céu

(6)

Ex.: Passeio

C V V

Co Nu

R O

σσ

Nu

V

R O

σσ

V

Page 25: O hiato em português: a tese da conspiração

25

(7)

Ex.: Baú

Após a delimitação do tema e a definição de nosso objeto de estudo, passemos agora a

uma abordagem diacrônica que buscará, entre outras coisas, apresentar a formação do

encontro vocálico em questão e a sua evolução no decorrer do tempo na língua portuguesa.

2.2 PANORAMA HISTÓRICO

2.2.1 Diferentes propostas de divisão histórica e a proposta apresentada

A divisão do português em fases ou períodos históricos é um ponto de divergência

entre vários autores, seja no que se refere à nomenclatura, seja no que diz respeito à divisão

ou mesmo aos documentos históricos que marcam o início de algumas desses períodos. Tal é

o caso, por exemplo, da fase arcaica, para a qual alguns tomam como ponto de partida a

Cantiga da Ribeirinha e outros um recente texto descoberto em Portugal, cuja data também é

discutível. É importante ressaltar que estamos considerando a Cantiga da Ribeirinha como o

primeiro documento em língua arcaica.

Esta pesquisa compreenderá o período de formação da língua desde o início do

português arcaico (que se situa no período entre os séculos XIII e XV). Os historiadores que

V

R

σσ

Nu Nu

C

R O

σσ

V

Page 26: O hiato em português: a tese da conspiração

26

têm se dedicado ao estudo desse período da língua apresentam o século XIII como o seu

início devido ao que consideram o primeiro documento escrito: a Cantiga da Ribeirinha, como

já mencionado, que foi escrita pelo rei D. Sancho I e dedicada a Maria Pais Ribeiro. D.

Sancho I deteve a coroa portuguesa entre 1185 e 1212; portanto, podemos afirmar que o

documento surgiu nesse período (final do séc. XII e início do XII I). A fase anterior ao

português arcaico é geralmente denominada como período pré-literário e pode ser dividida em

pré-histórico e proto-histórico.

Também fazem parte da fase arcaica da língua outros textos como, por exemplo, o

Testamento de Afonso II (1214), a Notícia do Torto (entre 1214 e 1216) e a Crônica Geral de

Espanha (1344)2, entre outros.

Quanto ao final do português arcaico, ainda não se chegou a uma conclusão definitiva,

apesar de o séc. XVI ser apontado como o final desse período. Os principais acontecimentos

extralingüísticos que podem ser apontados como marcos finais do português arcaico são: o

surgimento do livro impresso, o incremento da expansão imperialista portuguesa no mundo e

o delineamento de uma normativização gramatical a partir de 1536 com a gramática de

Fernão de Oliveira.

Outro fator relevante sobre o português arcaico é a divisão em fases desse período,

feita por diversos autores de formas diferentes, como se vê no quadro em (8), a seguir:

2 Apesar de a Crônica Geral de Espanha ser de 1344, usamos, para recolha de dados, o texto de Cintra que utiliza a edição do séc. XV.

Page 27: O hiato em português: a tese da conspiração

27

(8)

ÉPOCA LEITE DE

VASCONCELOS

SILVA NETO PILAR V.

CUESTA

LINDLEY

CINTRA

ATÉ S. IX

(882)

Pré-histórico Pré-histórico Pré-literário Pré-literário

ATÉ + OU –

1200 (1214 –

1216)

Proto- histórico

Proto-histórico Pré-literário Pré-literário

ATÉ 1385/

1420

Português arcaico Trovadoresco Galego-

português

Português

antigo

ATÉ 1536/

1550

Português arcaico Português

comum

Português

pré-clássico

Português

médio

ATÉ S. XVIII

Português moderno Português

moderno

Português

clássico

Português

clássico

ATÉ S.

XIX/XX

Português moderno Português

moderno

Português

moderno

Português

moderno

Quadro 2: Propostas de divisões histór icas3

Cada um dos autores acima adota um diferente critério para justificar sua divisão.

Leite de Vasconcelos prefere não adotar muitas nomenclaturas e se limita apenas ao termo

português arcaico. Já Silva Neto, Pilar V. Cuesta e Lindley Cintra preferem uma sub-divisão

com nomes distintos. Sobre as divisões propostas por esses autores, vale mencionar que está

em questão não apenas o caráter diacrônico, mas também o diatópico, como cita Mattos e

Silva (2001, p. 18):

3 O quadro utilizado foi retirado de Mattos e Silva (2001, p.19).

Page 28: O hiato em português: a tese da conspiração

28

Com a dicotomia galego-português/ português se faz necessário ressaltar uma face do problema que é de caráter não apenas diacrônico, mas também diatópico. Este enfoque para a questão da subperiodização não é apenas baseado na produção li terária, como são, explicitamente, o de Carolina M. de Vasconcelos e Serafim da Silva Neto, mas tem a ver com a possível diferenciação dialetal da língua falada a que se poderia opor uma primeira fase do período pré- moderno, em que haveria uma unidade galego-portuguesa, refletida na documentação escrita, e uma segunda fase em que se poderia definir a distinção entre o diassistema do galego e o português que, na sua origem, constituíam uma mesma área lingüística em oposição a outras áreas ibero-românicas.

Apesar de cientes das divisões propostas pelos autores acima, optamos por usar uma

divisão mais simples para o português arcaico, uma vez que, para o desenvolvimento da

análise, as questões políticas e literárias envolvidas na maior parte dessas divisões não se

mostram pertinentes:

(9)

1º momento Primeira fase de formação da língua (final

do séc XII e início do séc. XIII )4

2º momento Segunda fase de formação da língua (a

partir de meados do séc. XIII )5

Quadro 3: Os dois momentos da histór ia do hiato

Para o estabelecimento da divisão acima, consideramos dois momentos pelos quais o

hiato passou, de acordo com a nossa proposta. No primeiro momento (momento no qual a

língua portuguesa começa o seu processo de formação), o hiato chega à superfície devido à

4 Para o estabelecimento da data proposta, consideramos o Testamento de Afonso II (1214) e a Notícia do Torto (entre 1214 e 1216). A Cantiga da Ribeirinha não foi considerada porque, ao ser analisada, não foram encontrados, na obra, dados pertinentes à análise. 5 Preferimos não usar uma data pontual. O séc. XIII foi escolhido por dois motivos: (a) Huber defende que o início da dissolução dos hiatos deu-se no séc. XIII ; (b) Os primeiros documentos da língua (Testamento de Afonso II e Notícia de Torto) são do início do séc XIII e, portanto, para o segundo momento consideramos tudo o que for posterior ao início do séc. XIII .

Page 29: O hiato em português: a tese da conspiração

29

ação de processos como a queda de consoantes intervocálicas, por exemplo. Já no segundo

momento, esse encontro ora se realiza como tal, ora é desfeito através de variados processos.

Mais adiante, no capítulo sobre variação e mudança na OT (cap. 4), abordaremos melhor

esses momentos pelos quais o hiato passou.

É importante mencionar que não estabelecemos datas fixas porque, uma vez que a

língua não é algo estático, as mudanças lingüísticas não ocorrem de uma hora para outra, ou

seja, a mudança ocorre gradativamente. Assim, os hiatos não deixaram de ser realizados de

uma hora para outra, mas ao longo do tempo.

Para uma melhor compreensão do que ocorreu com os hiatos, passaremos para o

estudo de algumas mudanças fonéticas e fonológicas que ocorreram ao longo da formação da

nossa língua.

2.2.2 Primeiro momento de formação da língua portuguesa: o aumento do número de hiatos e o principal fenômeno responsável por isso

A queda de consoantes intervocálicas foi o principal fenômeno, senão o único,

responsável pelo aumento do número de hiatos na língua portuguesa. O fenômeno se deu na

primeira fase de formação da língua (final do séc. XII e início do séc. XII I) e as principais

consoantes intervocálicas que sofreram queda foram:

(10) - g –

magister >> meestre

legere >> leer

(11) – d –

sedere >> seer

Page 30: O hiato em português: a tese da conspiração

30

credere >> creer

traditore >> treedor

(12) – l –

mala >> maa

solu- >> sôo

colore >> coor

(13) – n –

vino >> vi �o

manu >> mão

alheno >> alhe�o

É bom observar que, com a queda da nasal, houve um processo de nasalização da

vogal antecedente e, por esse motivo, alguns autores consideram a desnazalização um

fenômeno à parte.

Em A Crônica Geral de Espanha, o fenômeno da queda na nasal intervocálica é

bastante mencionado, como podemos perceber no trecho abaixo:

“ ... devido à queda de n intervocálico: << Vaade>> ; em U: << Vaade>> ; em V: << Nade>> .

<< Portiella>> Pr. Crón., 298 a 40. Em LP (cap. CLXXIII , 4) sem ditongação: << Portella>> ; em U: << Portella>> ; em V: <<Fortella>>.

<< Doze Manos>> Pr. Crón., 303 b 13. Em LP (cap. CLXXXII ): << Doze Mãaos>> ; ...” (V. I, p. LXVII )

A queda do “ l” intervocálico também recebe a atenção do autor:

“ ... << Pelayo>> Pr. Crón., 303 b 7, 304 a 44, 306 b 13. Em LP (caps.

CLXXXII, 3; CLXXXVII ,&) devido à queda de l intervocálico: << Paayo>> : em UQ: << Payo>> .” (V. I p. LXVII )

Page 31: O hiato em português: a tese da conspiração

31

Já no segundo momento da história dos hiatos em nossa língua, a produtividade do

encontro começa a diminuir. É desse assunto que trataremos na próxima seção.

2.2.3 Segundo momento de formação da língua (a partir de meados do séc. XIII ): queda da produtividade dos hiatos

Com base nos dados analisados, sobretudo os retirados de a Crônica Geral de Espanha,

de 1344 (cf. seção 3.6.1.1 ), observamos que é a partir da segunda metade do séc. XIII que os

hiatos começam a ser desfeitos de forma gradual e contínua, como em todos os processos de

mudança da língua.

Em a Crônica Geral de Espanha, ora encontramos o hiato, ora encontramos o ditongo,

o que ocorre, em alguns casos, em uma mesma palavra. Por exemplo, a palavra ‘ legoas’ (V1,

p. LXXIV) também aparece escrita leguas (V1, p. LXXIV), que ocasiona a formação do

ditongo pelo alçamento da segunda vogal átona da direita para a esquerda. Algumas palavras

já aparecem escritas, em todos os textos, com a inserção do glide, como é o caso de ‘cheio’ e

‘ idéia’ (cf. seção 3.6.1.1); outras sofrem a crase, como seermos (V1, p. LXII ) > sermos (V1,

p. LXII ). Assim, o hiato passa a ser desfeito ora por um processo, ora por outro6.

Assim, propomos que seja a partir da segunda metade do séc. XII I o início do processo

de dissolução dos hiatos da nossa língua. Propomos também que esse processo tenha passado

por um período de variação7 até chegar à mudança que se consolidou no português brasileiro

atual.

6 Cf. a seção 3.3 (Tese da Conspiração) 7 Os processos de variação e mudança sob a ótica da OT serão discutidos no capítulo 4.

Page 32: O hiato em português: a tese da conspiração

32

3- FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA E BASES METODOLÓGICAS

3.1 TEORIA DA OTIMALIDADE

Como já mencionado na introdução, a OT surgiu na década de 90 com Alan Prince e

Paul Smolensky e nesse primeiro momento estava voltada basicamente para a análise de

operações fonológicas. Mais tarde, outras versões foram desenvolvidas visando à descrição de

fenômenos morfológicos. Hoje, podemos contar com a Teoria da Simpatia e da

Correspondência, que ampliam a relação entre input e output e assim conseguem dar conta de

fenômenos morfológicos, os quais quase sempre envolvem apagamentos e inserções de

segmentos.

Neste trabalho, estamos utili zando apenas a versão clássica, uma vez que este estudo é

fundamentalmente fonológico. As situações de interface morfologia-fonologia presentes em

nossa pesquisa também poderão ser analisadas pela OT clássica, uma vez que envolvem

apenas casos de ajustes segmentais em fronteira de morfemas. É importante ressaltar que,

devido ao fato de a teoria da otimalidade não ser um modelo que se preocupe diretamente

com representações lingüísticas, será acrescentada à análise a teoria da sílaba que será

abordada mais adiante (cf. 3.4).

A OT é uma teoria gerativista, ou seja, parte da existência de uma gramática universal

(doravante GU):

“ ...é a GU que podemos assumir como um elemento da dotação biológica humana, a saber, a ‘ faculdade da linguagem” .( CHOMSKY 1982).

Page 33: O hiato em português: a tese da conspiração

33

Na definição acima, a gramática gerativa consiste em um mecanismo que gera todas as

formas de superfície por meio da faculdade da linguagem. Assim, todo ser humano já nasce

com uma parte do seu cérebro responsável pela linguagem e, com o passar do tempo, vai

adquirindo a especificidade da sua língua.

Baseadas nesse princípio, as teorias gerativas que antecederam a OT propuseram

análises que se fundamentavam, sobretudo, em regras (que tinham de ser aplicadas para que a

forma de superfície fosse realizada) e filtros (dispositivos responsáveis por impedir que

formas não-gramaticais chegassem à superfície). Uma análise feita com base nessas teorias

gerativas acabava sendo um pouco mais custosa. Com a OT não acontece o mesmo, uma vez

que regras e filtros, mecanismos de aplicação categórica em outros modelos, são analisados

como restrições, que, nessa teoria, têm a possibilidade de violação sem prejuízo da

gramaticalidade.

3.1.1 O conjunto das restr ições universais (universalidade) e a sua violabilidade

As restrições usadas na teoria estão presentes em todas as línguas e o que diferencia

uma língua da outra é o grau de atuação e relevância de cada uma. Assim, as restrições são

universais, mesmo que apresentem diferentes graus de relevância. O que estabelece a

relevância e a atuação das restrições é a hierarquia que cada língua apresenta. Uma restrição

pode estar no topo da hierarquia de uma determinada língua e estar muito mal cotada na

hierarquia de outra. Porém, como é possível chegar à hierarquia de um sistema lingüístico?

São os dados da língua que permitem o estabelecimento de uma determinada

hierarquia; é com base na produção dos falantes que se sabe o que é permitido, o que é

Page 34: O hiato em português: a tese da conspiração

34

proibido e o que é prioridade em uma língua. Assim, as formas agramaticais são barradas

quando submetidas à hierarquia proposta e as gramaticais chegam à superfície.

Diferentemente das demais teorias, a OT não exige que a forma de superfície respeite

todas as exigências, apresentando, assim, uma perfeição. Dessa forma, a OT acredita que a tão

venerada perfeição não passa de uma falácia: mesmo as formas gramaticais cometem

violações; é praticamente impossível existir uma forma que obedeça a todas as exigências de

uma língua. Nessa análise, violações de restrições são permitidas desde que sejam mínimas

dentro da hierarquia de relevância. Não há aqui apenas uma forma de superfície (doravante

output) e sim candidatos a output que estarão concorrendo para posterior escolha, de acordo

com as satisfações às demandas de um ranking de prioridades.

3.1.2 O conflito de forças: Marcação versus Fidelidade

Na competição de candidatos a output ótimo, restrições podem ser violadas para que

outras sejam atendidas. Na OT, a gramática de uma língua consiste em um conflito de forças

que estão traduzidas na teoria como restrições. Essas se agrupam em duas grandes famílias:

Fidelidade e Marcação.

A família Fidelidade trabalha em favor da manutenção da identidade entre input e

output: o output ótimo não deve apresentar discrepância em relação à forma subjacente.

Fazem parte dessa família, por exemplo, as restrições que proíbem apagamentos e inserções.

A família Marcação milita em favor da manutenção de estruturas mais básicas e, com

isso, busca evitar que formas marcadas cheguem à superfície. Por exemplo, há uma tendência

universal que mostra a preferência por sílabas abertas, o que faz as sílabas sem coda serem

Page 35: O hiato em português: a tese da conspiração

35

consideradas formas não-marcadas. Restrições mil itam para que o não-marcado seja mantido,

e essa milícia muitas vezes envolve custos, como, por exemplo, violação de alguma ou

algumas restrições da hierarquia. A violação de algumas restrições para que outras sejam

respeitadas mostra que constantemente forças entram em conflito.

Assim, se por um lado Fidelidade proíbe apagamentos e inserções, por outro,

Marcação permite que tais fenômenos ocorram para que estruturas mais básicas sejam

preservadas. O conflito entre Marcação e Fidelidade faz com que as restrições se alternem.

Em alguns casos, Marcação dominará Fidelidade (Marcação >> Fidelidade) e, em outros,

Fidelidade dominará Marcação (Fidelidade >> Marcação).

Além dos componentes mencionados (input, output, hierarquia de restrições, ranking),

a OT apresenta outros elementos que formam, em conjunto, a sua arquitetura. É o que

estaremos apresentando na seção seguinte.

Page 36: O hiato em português: a tese da conspiração

36

3.1.3 A arquitetura da OT e o seu funcionamento

Além das restrições, definidas por CON (do inglês constraints), a teoria utiliza os

seguintes componentes em sua arquitetura: léxico, gerador e avaliador.

O léxico é o componente responsável pelo fornecimento das especificações do input. É

no léxico que encontramos as propriedades contrastivas dos morfemas. O input, por sua vez,

não se submete à ação das restrições, ou seja, a forma subjacente não está sujeita a avaliações.

O gerador (doravante GER) é responsável pelo fornecimento dos outputs que estarão

concorrendo à forma ótima. A partir de uma forma de input, GER pode gerar uma infinidade

de outputs, desde que esses sejam compostos por dados lingüísticos. Essa propriedade de

gerar uma infinidade de candidatos é denominada de Liberdade de Análise (Kager, 1999).

Ao avaliador (doravante AVAL) compete avaliar as formas de superfície com base na

hierarquia de restrições proposta. AVAL checa o que há de regular e de irregular nos

candidatos; é ele que impede as discrepâncias entre input e output e ele quem verifica se

restrições ser atendidas ou não. Em suma, é AVAL que seleciona a forma ótima com base na

escala de prioridades da língua.

A escolha do output ótimo por AVAL é feita de forma paralela e não por meio de

extratos derivacionais, ou seja, os candidatos são avaliados paralelamente, não havendo

aplicação sucessiva de regras e filtros para se chegue a um resultado final. Vence a disputa o

candidato que viola minimamente a hierarquia de restrições (forma mais harmônica). É

importante observar que é necessário haver o mínimo de identidade entre as formas para que,

por meio do output ótimo, seja possível rastrear a forma subjacente.

Page 37: O hiato em português: a tese da conspiração

37

3.2 DA RIQUEZA DO INPUT OU BASE

A Riqueza do Input tem sido tema de diversos trabalhos dentro da OT, uma vez que a

origem do input e os critérios usados para que determinado material seja posto na forma

subjacente são pontos pertinentes tanto para o desenvolvimento de análises dentro da teoria

como para uma melhor compreensão da mesma. Esta seção tem como objetivos: a) definir o

que significa e em que consiste a riqueza do input; b) associar à riqueza do input o princípio

da Otimização do Léxico; c) apresentar um breve resumo do trabalho de Smolensky (1996),

que serviu de base para esta pesquisa, assim como alguns outros trabalhos; d) aplicar, aos

hiatos do português brasileiro atual, o tema desenvolvido.

3.2.1 Riqueza do Input e Princípio da Otimização do Léxico

Collischonn, Schwindt e Lee assim definem a riqueza do input:

“ ... ausência de proibição a determinados segmentos ou a determinadas propriedades prosódicas no input.” (COLLISCHONN E SCHWINDT, 2003, p.35 )

“ A Riqueza da Base prediz que as línguas (os inventários do léxico) se diferenciam somente pela hierarquia de restrições universais e os contrastes são derivados pelas interações de restrições nas formas de saída...” (LEE, 2004, p. 3)

Com base nas definições acima, a riqueza do Input pode ser definida como a liberdade

de colocação de material li ngüístico na forma subjacente, ou seja, uma vez que a

diferenciação entre as línguas se dá pela hierarquização das restrições, que, por sua vez, são

Page 38: O hiato em português: a tese da conspiração

38

responsáveis pela seleção do material que chega à superfície, o que serve de representação

subjacente para os outputs não importa tanto. Porém, isso resulta em um problema: se

qualquer material pode ser posto no input, como evitar que inputs e outputs ótimos não

apresentem discrepâncias que impeçam a mínima identificação entre eles?

Para solucionar o problema levantado, é necessário que se recorra ao Princípio da

Otimização do Léxico (Prince e Smolensky, 1993), segundo o qual, diante da variação entre

formas subjacentes para o mesmo output, o input escolhido é aquele que mais se assemelha à

forma de superfície. Assim, o Princípio da Otimização do Léxico restringe o input e garante

um certo grau de semelhança entre formas subjacentes e de superfície. Lee, em seu texto

“Variação Lingüística e Representação Subjacente”, trata da alternância das vogais médias no

português brasileiro e, no desenvolver do trabalho, faz uma ressalva interessante sobre

Riqueza do Input e Otimização do Léxico. O autor afirma que enquanto a Riqueza do Input

prioriza a gramática-alvo da língua, a Otimização do Léxico enfatiza a produção, o que chega

à superfície.

É importante ressaltar que a Riqueza do input e a Otimização do Léxico não se

contradizem. Apesar de o Princípio da Otimização do Léxico restringir o léxico e, com isso,

diminuir a liberdade na colocação de material subjacente, esse princípio não invalida a

Riqueza do Input – apenas a controla no sentido de evitar grandes discrepâncias, como já

mencionado.

Page 39: O hiato em português: a tese da conspiração

39

3.2.2 O Estado Inicial e a Riqueza do Input na visão de Smolensky (1996)

Paul Smolensky, em seu texto “The initial state and ‘ richness of the base’ in optimality

theory” , aborda a Riqueza do Input a partir do processo de aquisição da linguagem.

Smolensky faz algumas considerações bastante pertinentes sobre a) a hierarquia de restrições

no estado inicial da aquisição; b) a diferenciação entre o ranking infantil e o adulto; c) como

ocorre a reordenação do ranking; d) como a criança lida com palavras de empréstimos que

apresentam estruturas ausentes na sua língua; e e) o que ela seleciona como forma subjacente.

Tais ponderações serão de grande valia para a aplicação do tema aos hiatos do português

brasileiro atual.

Segundo Smolensky, o estado inicial ( Ho ) é marcado por uma hierarquia na qual

MARCAÇÃO >> FIDELIDADE, ou seja, a criança, apesar de ter o output ótimo do adulto

como input, produz apenas formas não-marcadas. Tais formas são selecionadas por meio da

atuação das restrições estruturais que, nesse momento, dominam as restrições de fidelidade.

Assim, por exemplo, na língua portuguesa, sílabas abertas serão preferidas mesmo que no

input se encontrem sílabas fechadas. Isso evidencia o fato de a criança não poder ser vista

como um mero imitador, pois se a criança apenas imitasse o adulto, o seu output ótimo

sempre seria idêntico ao output ótimo do adulto e, portanto, formas marcadas desde o início

chegariam à superfície. O papel da criança não é imitar, mas sim alcançar a gramática-alvo.

Com o passar do tempo, essa hierarquia inicial vai sendo modificada, de forma que

MARCAÇÃO e FIDELIDADE passam a alternar-se. Assim, no ranking adulto,

MARCAÇÃO não mais domina, categoricamente, FIDELIDADE. A reordenação do ranking

não é feita de forma abrupta, mas de modo gradativo. Aos poucos, a criança vai

reorganizando a ordem das restrições ativas da sua língua por meio das evidências

Page 40: O hiato em português: a tese da conspiração

40

encontradas nas formas de superfície do adulto e com isso vai substituindo, na forma

subjacente, o output ótimo do adulto pelas formas lexicais que mais se aproximam do seu

output ótimo. Com isso, formas marcadas passam a chegar à superfície quando restrições de

fidelidade dominam as estruturais.

É importante observar que, segundo Smolensky, o estado inicial de aquisição da

linguagem, no qual MARCAÇÃO >> FIDELIDADE, é um dos argumentos em favor da

Riqueza do Input, uma vez que a criança muitas vezes tem como inputs formas muito

marcadas que não chegam à superfície nesse primeiro momento e, com isso, a forma

subjacente, no ranking infantil, pode apresentar grandes discrepâncias em relação à forma que

chega à superfície.

Sobre a maneira como a criança lida com palavras de empréstimos que apresentam

estruturas ausentes na sua língua, isto é, sobre o que ela seleciona como forma subjacente,

Smolensky levanta uma hipótese para dar conta dessa questão: uma língua hipotética

denominada E /cv/ apresenta apenas estruturas silábicas do tipo CV, ou seja, apresenta apenas

sílabas abertas, sílabas terminadas por elementos vocálicos, e não admite processos

fonológicos de inserção e de apagamento. Assim, a língua E /cv/ revela que na sua gramática-

alvo as restrições estruturais estão bem-cotadas na hierarquia, o que permite que apenas

formas não-marcadas silabicamente cheguem à superfície: o output ótimo da criança sempre

será idêntico ao output ótimo do adulto, já que FIDELIDADE está coincidindo com

MARCAÇÃO. Diante desse fato, é levantada a seguinte indagação: como comprovar a

atuação de FIDELIDADE em uma língua que só admite a estrutura CV? Nesse caso, o que

fazer na ausência da contra-evidência? Para esclarecer tal questão, Smolensky utiliza o caso

dos empréstimos que apresentam a estrutura CVC e os associa ao estabelecimento de um

ranking inicial.

Page 41: O hiato em português: a tese da conspiração

41

Como os casos de empréstimos que apresentam a estrutura silábica CVC podem ser

resolvidos pelos falantes da língua E /cv/ ? Para resolver o caso, são usadas duas restrições,

sendo uma estrutural – C > CV (consoantes são permitidas apenas quando seguidas de

elemento vocálico) – e outra de FIDELIDADE: NO-DEEP-SURFACE-DISPARITY (são

proibidas discrepâncias na forma de superfície em ralação ao input). Utili zando a idéia da

existência de um ranking inicial com MARCAÇÃO dominando FIDELIDADE, no estado

inicial de aquisição da linguagem, C > CV >> NO-DEEP-SURFACE-DISPARITY e,

portanto, chegam à superfície apenas estruturas do tipo CV; as demais estruturas são barradas

mesmo que no input infantil (output ótimo do adulto) apareçam estruturas do tipo CVC, o que

evidencia claramente a Riqueza do Input. Porém, como mencionado, a língua em questão não

admite apagamentos nem inserções e, com isso, emerge a atuação das restrições de fidelidade.

MARCAÇÃO e FIDELIDADE entram em conflito porque se por um lado a língua prioriza a

estrutura CV, por outro proíbe inserções e apagamentos, o que impossibilita o desfazimento

da estrutura CVC. Uma vez que o input da criança é o output ótimo do adulto, se esse

apresentar apenas a estrutura CV, no input da criança também aparecerá apenas tal estrutura,

ou seja, se na gramática-alvo da língua E /cv/ a ordem C> CV >> NO-DEEP-SURFACE-

DISPARITY é mantida, a estrutura CVC será barrada pela hierarquia do adulto e

conseqüentemente ficará ausente do inventário da criança. Em contrapartida, se na gramática-

alvo FIDELIDADE dominar MARCAÇÃO, a estrutura CVC aparecerá na produção do

adulto, mas não na produção da criança, ainda que esteja no seu input.

Assim, na língua hipotetizada, o input pode apresentar as mais variadas estruturas

silábicas resultantes de palavras oriundas de empréstimos de outras línguas, porém, se

MARCAÇÃO continuar dominando FIDELIDADE na gramática -alvo, apenas a estrutura CV

chegará à superfície tanto no estado inicial de aquisição como na fase adulta, o que não

ocorrerá se FIDELIDADE passar a dominar MARCAÇÃO.

Page 42: O hiato em português: a tese da conspiração

42

Smolensky ainda faz uma ressalva pertinente sobre os processos fonológicos. Segundo

o pesquisador, em uma determinada língua-alvo, uma restrição estrutural pode estar abaixo de

uma restrição de fidelidade e com isso o marcado chega à superfície na fala adulta. Em termos

técnicos, estruturas marcadas vêm da ação de processos fonológicos que atuam com o

objetivo de satisfazer determinadas restrições que se encontram no topo da hierarquia de

determinada língua. Tais processos vão sendo assimilados pelo falante durante o processo de

aquisição.

Em suma, Smolensky faz as seguintes considerações no seu texto: 1) no estado inicial

de aquisição da linguagem, o falante apresenta uma hierarquia também inicial na qual

MARCAÇÃO >> FIDELIDADE e portanto apenas as formas não-marcadas chegam à

superfície para que não ocorram violações de restrições estruturais; 2) devido ao fato de o

input da criança ser o output ótimo do adulto, qualquer estrutura pode aparecer na forma

subjacente da primeira fase de aquisição de determinada língua, o que comprova e reafirma a

Riqueza da Base; 3) com o passar do tempo, o ranking vai sendo reordenado e MARCAÇÃO

passa a alternar com FIDELIDADE de forma que, se uma restrição de fidelidade domina

outra de marcação, processos fonológicos podem ocorrer para que tal ordenamento seja

satisfeito e, com isso, o input infantil pode apresentar estruturas subjacentes bem diferentes

dos seus outputs ótimos, o que consiste em mais um argumento em favor da Riqueza do Input;

4) se no ranking final da língua-alvo, uma determinada restrição estrutural continuar

dominando uma restrição de fidelidade, algumas estruturas serão barradas tanto na primeira

fase de aquisição como na fase adulta.

Utilizando a Riqueza do Input e o Princípio da Otimização do Léxico, iremos propor,

no capítulo 5, que o hiato seja posto no input apenas em alguns casos, assumindo a dominação

de MARCAÇÃO sobre FIDELIDADE.

Page 43: O hiato em português: a tese da conspiração

43

A Riqueza do Input permite que na forma subjacente apareça uma determinada

estrutura evitada no output ótimo (o hiato), ao mesmo tempo em que a Otimização do Léxico

busca manter o máximo de semelhança entre o que é posto como alvo e o que chega à

superfície, o que não significa, necessariamente, que inputs e outputs precisam ser idênticos.

Assim, o falante retira o input do seu inventário lexical, mas, antes de produzir determinadas

estruturas, forças entram em conflito para que restrições bem cotadas na hierarquia não sejam

violadas.

Nos casos em que a epêntese ocorre para desfazer o hiato, é possível perceber que a

ação desse processo fonológico ocorre para que uma restrição estrutural vinculada à sílaba

seja satisfeita, isto é, a epêntese ocorre para que o padrão silábico CV (padrão não-marcado da

língua) chegue à superfície. Todavia, tal processo nem sempre ocorre e os hiatos nem sempre

são desfeitos. No capítulo 5, mostraremos em que casos os inputs devem ser alterados (e por

que) e também os casos nos quais os inputs devem ser mantidos.

3.3 OS PROCESSOS HETEROGÊNEOS QUE BUSCAM O MESMO ALVO: O

DESFAZIMENTO DOS HIATOS E A TESE DA CONSPIRAÇÃO.

Como mencionado anteriormente, o número de hiatos é consideravelmente grande no

primeiro momento de formação da língua. Nesse período, a emergência do não-marcado não é

a prioridade, já que uma sílaba do tipo V não constitui estrutura universalmente aceita pelas

línguas. A partir, aproximadamente, da segunda metade do século XIII , os hiatos começam a

ser desfeitos por diversos fenômenos fonológicos, ou seja, vários processos contribuíram, e

ainda contribuem, para que um mesmo alvo seja alcançado: o desfazimento dos hiatos. Isso

Page 44: O hiato em português: a tese da conspiração

44

evidencia que há um empenho geral da língua para que tal estrutura não chegue à superfície,

isto é, há uma conspiração. De acordo com Adam (2002, p. 24):

“ O termo conspiração refere-se a intâncias às quais um número de regras diferentes conspiram para o mesmo objetivo fonológico, apesar de não requererem exatamente o mesmo ambiente.” 8

O termo conspiração tem sido usado na OT sempre que forças ou processos

diferenciados atuam no sentido de alcançar a realização ou não-realização de uma

determinada estrutura. Segundo Collischonn e Schwindt (2003: 26-7), a OT prioriza os alvos:

... Na OT, a ênfase está nos alvos (outputs não-marcados) que esses processos têm em comum, como, por exemplo, evitar codas ou ataques complexos, buscar seqüências de sonoridade harmônicas etc. O processo que determinada língua utiliza para chegar ao alvo é resultante da interação específica de restrições de marcação com outras restrições nessa língua. O que importa, então, é o que se chama de homogeneidade de alvo independentemente do processo (heterogeneidade de processo). (COLLISCHONN E SCHWINDT, 2003: p. 26)

“ Quando temos heterogeneidade de processos com alvo comum numa mesma língua, falamos em conspiração” (COLLISCHONN E SCHWINDT, 2003: p. 27)

A tendência da língua em desfazer os hiatos nada mais é do que o esforço para que o

não-marcado emerja, ou seja, um esforço para que a estrutura silábica CV chegue à superfície

e para que estruturas do tipo V, por exemplo, sejam barradas, uma vez que a posição de

ataque se encontra vazia nessa estrutura.

Segundo Ismael de Lima Coutinho (1970), os processos envolvidos na dissolução dos

hiatos no segundo momento de formação da língua são os que constam do quadro apresentado

em (14) a seguir:

8 “T he term conspiracy relates to instances in wich a number of different rules conspire to the same phonological goal, although they do not seem to require exactly the same environment.” (Galit Adam , 2002:24)

Page 45: O hiato em português: a tese da conspiração

45

(14)

Processos

Exemplos

crase

Seer > ser, creer > crer, coor > cor

absorção de uma vogal por consoante de

mesma natureza

Angeo > anjo, rigeo > rijo

Angeo > anjo, rigeo > rijo

ditongação proveniente de [y] e [w]

epentéticos antes da átona final

Fea > feia, cea > ceia, tea > teia

desenvolvimento de som palatal [nh]

Gallina > galina > gali aa > galinha

Vinu > vino > vi ao > vinho

Quadro 4: Os processos que atuavam na dissolução dos hiatos no primeiro momentos de formação da língua

O quadro acima nos mostra que, na maior parte dos casos, de uma forma ou de outra,

os hiatos foram desfeitos para que a posição de ataque passasse a ser preenchida. No caso da

crase, as duas vogais idênticas se unem e em conjunto passam a ocupar a posição de núcleo.

Na absorção de uma vogal pela consoante de mesma natureza, ocorre algo semelhante: dois

elementos fônicos se unem e passam a ocupar a posição de onset. Já nos dois últimos

processos, a dissolução ocorre de outra forma.

A epêntese e o desenvolvimento de um som palatal não envolvem a fusão, mas a

inserção de elementos. No primeiro caso, encontramos a inserção de glides que passarão a

ocupar a posição de ataque. É importante ressaltar que o glide inserido será aquele que

apresentar o mesmo traço da vogal que o antecede (traço coronal ou dorsal). Já no segundo

Page 46: O hiato em português: a tese da conspiração

46

caso, a palatalização ocorrerá mediante a presença de um elemento vocálico palatal nasalizado

devido à queda de uma nasal em um momento anterior.

Curiosamente, os dados atuais nos mostram que os processos que atuaram a partir do

segundo momento do séc. XIII são os mesmos que hoje atuam, como podemos perceber no

quadro a seguir:

(15)

Processos

Exemplos

crase

zoológico > zológico

absorção de uma vogal por consoante de

mesma natureza

colégio > colejo

ditongação proveniente de [y] e [w]

epentéticos antes da átona final

Passear > passeio; boa > boua

desenvolvimento de som palatal [nh]

vem aqui > venhaqui

Quadro 5: Os processos que atuavam na dissolução dos hiatos no segundo momento momento de formação da língua

Cabe mencionar que, quando iniciamos o nosso processo investigativo, tínhamos

como objetivo a análise de todos os processos mencionados; porém, logo percebemos que o

tema era muito mais abrangente do que imaginamos e, por isso, optamos pela análise de

apenas um dos processos nesse primeiro momento: a inserção de glide.

Page 47: O hiato em português: a tese da conspiração

47

Segundo David Crystal, a epêntese é um “T ermo usado na FONÈTICA e na

FONOLOGIA para indicar um tipo de INTRUSÂO, em que um som foi inserido no meio de

uma palavra...” (Crystal, 1985: p. 94). Neste trabalho estamos analisando apenas a epêntese

vocálica (a inserção de glide), definida por Collischonn da seguinte maneira:

“ A epêntese vocálica é o processo fonológico de inserção, na fala, de um segmento que não é representado na escrita, exemplificado em palavras como psicólogo, objetivo e signo, é um fenômeno teoricamente já conhecido, porém, pouco estudado.” (COLLISCHONN, 2000: p. 286) 9

Ainda segundo a autora, em uma análise derivacional, a epêntese ocorreria ainda no

componente lexical da fonologia e seria conseqüência da ressilabação. Nessa proposta, a

epêntese é apresentada como um processo categórico e não influenciado pelo acento.

Collischonn, através da análise de dados coletados, propõe uma análise via OT que apresenta

uma interação entre sílaba e acento, mostrando assim que, ao contrário do que afirmam os

derivacionistas, o acento apresenta um papel importante na realização da epêntese vocálica.

A autora analisa os casos em que a epêntese ocorre para que uma consoante que não

pode ocupar o papel de coda e nem o papel de onset10 possa formar uma sílaba do tipo CV e

não mais ficar perdida no meio da palavra, como é o caso da oclusiva bilabial surda na

palavra opção, por exemplo.

Entre outros resultados, Collischonn verificou que a epêntese é favorecida quando a

consoante perdida ocupa a posição postônica, o que evidencia o papel do acento na realização

do processo. O acento e a epêntese estariam atuando simultaneamente e a epêntese passa a ser

analisada, não mais como um fenômeno categórico como afirmam os derivacionistas, mas

como um fenômeno variável dentro de uma visão otimalista.

9 Colli schonn considera que a epêntese ocorre apenas na fala; nós estaremos considerando que a epêntese também ocorre no nível da escrita (passear >> passeio) 10 A oclusiva [p], por exemplo, não pode ocupar o papel de onset porque viola o príncípio do crescendo e decrescendo e também não pode ocupar o papel de coda porque a sua sonoridade não permite. Assim, em uma palavra como opção, esse elemento estaria perdido.

Page 48: O hiato em português: a tese da conspiração

48

Para dar conta, pela OT, do processo de epêntese vocálica no caso de consoantes

perdidas, foram usadas algumas restrições que, em conjunto, buscam a satisfação de duas

exigências principais: estrutura silábica bem-formada e acento. Essas exigências são a causa

da ocorrência da epêntese em foco. É importante ressaltar que, quanto ao acento, na posição

pretônica as duas exigências não entram em conflito, porém, na posição postônica o conflito

se instaura.

Collischonn, usando restrições de marcação, fidelidade e de acento, propõe a seguinte

hierarquia11:

SONOR/MAXIO >> BINPÉ/PÉ >> ALINH PÉ-DIR >> DEPNUC >> NOCODA >> PARSE³

��

A autora mostra que (a) uma análise pela OT se mostra bastante adequada, (b) a

estrutura métrica está presente no momento em que ocorre a silabação e (c) há uma relação

estreita entre a epêntese e o acento. Pelo que se pode observar, Collischonn trata

exclusivamente da influência do acento no fenômeno de epêntese. Já Oliveira (2006) se

estende um pouco mais em sua análise e abrange a influência do fator número de sílabas.

Oliveira (2006) trata da inserção e do apagamento da semivogal recuada em posição

de coda usando a geometria de traços. Em seu trabalho, a autora recolhe e analisa dados do

falar carioca e do falar de mineiro e, com base nos dados recolhidos, faz algumas observações

muito importantes sobre a epêntese na fala do Rio de Janeiro, sobretudo no que diz respeito à

epêntese realizada para desfazer o hiato, foco do presente trabalho.

11 Tal hierarquia não abrange os casos de variação. 12 SONOR: impede a ocorrência de sequências de consoantes no onset em que a diferença no grau de sonoridade é pequena; MAXIO: todos os segmentos/traços da entrada têm correspondente na saída; BINPÉ: pés são binários; PÉ (ALINHCAB-ESQ): a cabeça de um pé deve estar alinhada à borda esquerda do mesmo (ou seja, o pé é troqueu). Essa retrição foi abrevia pela autora (PÉ); ALINHPÉ-DIR: os pés estão tão próximos da borda direita da palavra quanto possível; DEPNUC: Todos os segmentos/ traços da saída têm correspondente idêntico na entrada (neste caso a correspondência se refere ao núcleo); NOCODA: Codas são proibidas; PARSE³ : Todas as sílabas fazem parte dos pés.

Page 49: O hiato em português: a tese da conspiração

49

Em primeiro lugar, a autora constata que em 78% dos casos dos hiatos finais <oa>,

<ôo> e <oe> o encontro é desfeito e em 21% dos casos ocorre a manutenção. A segunda

importante conclusão é o fato de a natureza da vogal final influenciar na epêntese. A vogal

final dorsal [a] e a labial [u] favorecem o fenômeno, enquanto a coronal o desfavorece. No

contexto de [a] e de [u], a inserção da semivogal recuada é categórica no Rio de Janeiro. Em

terceiro lugar, Oliveira percebe que o fator número de sílabas também influencia o fenômeno,

ou seja, a autora nota que trissílabos favorecem a epêntese.

Em suma, Collischonn e Oliveira tratam da epêntese, mostrando, através da análise de

dados, que o fenômeno é influenciado por fatores como o acento, a natureza das vogais

envolvidas e o número de sílabas. No capítulo 5, estaremos, durante a análise, verificando se

esses fatores também contribuem para a ocorrência ou não do fenômeno nos dados sob

análise.

3.4 TEORIA DA SÍLABA

Consideramos que a OT é um modelo que não se ocupa primariamente com

representações13, ou seja, é uma teoria que não está voltada para convenções representacionais

e, por isso, utilizamos a teoria métrica da sílaba, a partir da qual formalizaremos as sílabas em

nossa análise. Essa teoria foi formulada por Selkirk e se baseia nas propostas de Pike e Pike

(1947) e Fudge (1969). A sílaba, nesse modelo, é uma unidade fonológica composta de ataque

(A) e rima (R), que, por sua vez, pode apresentar núcleo (Nu) e coda (Co). Nessa estrutura,

qualquer categoria pode ser vazia, exceto o núcleo:

13 Apesar de termos ciência de que alguns autores consideram a OT como um modelo representacional, não concordamos com tal proposta. Entendemos que a OT adapta representações anteriormente propostas como é o caso, por exemplo, da Teoria da Sílaba.

Page 50: O hiato em português: a tese da conspiração

50

(16)���

Sobre a sílaba, alguns pontos devem ser levados em consideração. São eles: unidades

de duração, molde silábico, condições universais de silabação e licenciamento prosódico.

As unidades de duração determinam se as sílabas são leves ou pesadas. As sílabas

serão leves se apresentarem apenas uma mora (se tiverem apenas um núcleo constituído de

vogal simples) e serão pesadas se apresentarem uma rima composta por duas moras, ou seja,

se apresentarem uma rima ramificada (com núcleo e coda) ou um núcleo constituído de vogal

longa.

Quanto ao molde silábico, é importante observar que esse dependerá da estrutura de

cada língua: é o molde que determinará a quantidade de segmentos permitidos em cada

posição silábica. Por exemplo, algumas línguas permitem apenas um segmento no ataque e

outro na rima e outras permitem mais segmentos em tais posições. O molde silábico do

português será abordado na seção seguinte.

Sobre a divisão da seqüência dos segmentos na sílaba, há duas abordagens: uma

voltada para regras e outra, para condições. Neste trabalho, usamos a segunda abordagem.

Numa abordagem de condições, interessam-nos as condições universais (condições presentes

em todas as línguas). Nesse particular, a escala de sonoridade exerce um papel fundamental,

pois é ela que determina a posição dos elementos na sílaba. Os elementos mais sonoros

ocupam a posição do núcleo e os menos sonoros, as posições marginais (ataque e coda). Do

Co Nu

R A

σσ

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51

ataque para o núcleo, a sonoridade aumenta e, do núcleo para a coda, diminui (condição de

seqüência de sonoridade).

Outro conceito importante a ser apresentado dentro da teoria é o de Licenciamento

Prosódico (Itô, 1986). Esse conceito consiste na determinação de que todas as unidades

prosódicas (segmento, sílaba, pé, palavra fonológica, frase fonológica, enunciado) têm de

estar vinculadas a estruturas prosódicas hierarquicamente superiores. Assim, todo elemento

tem de estar associado a uma sílaba. Porém, em alguns casos, determinados elementos por não

podem ser associados ao nó silábico devido a sua qualidade ou posição em relação aos outros

segmentos. Quando isso ocorre, geralmente as línguas recorrem à epêntese ou ao apagamento.

Em relação ao Licenciamento prosódico, há dois conceitos importantes:

ambissilabicidade e extrassilabicidade. O primeiro conceito, que será usado posteriormente

em nossa análise, descreve as consoantes que fazem parte, ao mesmo tempo, de duas sílabas.

Já a extrassilabicidade se refere ao segmento que não pode ser associado a nenhuma sílaba e

tampouco pode ser apagado porque é invisível às operações de apagamento.

De posse das informações mais relevantes sobre a teoria da sílaba, passemos agora ao

molde silábico do português.

3.5 O MOLDE SILÁBICO DO PORTUGUÊS

As sílabas no português podem apresentar os seguintes padrões:

Page 52: O hiato em português: a tese da conspiração

52

(17)

PADRÃO EXEMPLO (BISOL, 1996)

V É

VC AR

VCC INSTANTE

CV CÁ

CVC LAR

CVCC MONSTRO

CCV TRI

CCVC TRÊS

CCVCC TRANSPORTE

VV AULA

CVV LEI

CCVV GRAU

CCVVC CLAUSTRO

Quadro 6: Estruturas silábicas do português

Como se pode perceber, no português, o único elemento obrigatório é o núcleo. O

número de elementos em uma sílaba é bastante variável; porém, segundo Mattoso Câmara Jr.

(1969), independentemente do número de elementos silábicos, é necessário que haja, em

termos de sonoridade, um aclive do ataque para o núcleo e um declive do núcleo para a coda.

É importante ressaltar que, segundo Câmara Jr., a sílaba pode conter até seis elementos se

interpretarmos os ditongos nasais como ditongo + consoante nasal, como ocorre em grãos.

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53

3.6 BASES METODOLÓGICAS

3.6.1 Metodologia

Para a análise, foram recolhidos dados históricos (seção 5.1.1) a partir do final do séc.

XII14 a fim de observar como era a realização dos hiatos na primeira fase de formação da

língua e como a realização dessa estrutura ocorreu no passar dos anos até chegar ao português

brasileiro atual. Cabe observar que alguns textos históricos foram analisados nas suas versões

eletrônicas, versões essas cedidas pela equipe da professora Rosa Virgínia Mattos e Silva.15

Para a análise da sincronia atual, recolhemos dados através da leitura de textos nos

quais foram inseridos os dados que deveriam ser observados. Também usamos dados já

recolhidos e quantificados por Oliveira (2006).

Nas duas próximas seções, os dados recolhidos serão detalhados e descritos no que diz

respeito ao fenômeno estudado.

14 Apesar de não utilizarmos textos do séc. XII e sim do séc. XIII , entendemos que a língua evolui continuamente e por isso otamos por não usar uma data pontual. Provavelmente, algumas das mudanças retratadas nos documentos observados começaram a ocorrer nos anos (ou séculos) anteriores. 15 Rosa Virgínia Mattos e Silva é responsável pelo site www. prohpor.ufba.com.br no qual alguns documentos históricos podem ser encontrados em versão eletrônica.

Page 54: O hiato em português: a tese da conspiração

54

3.6.1.1 Fontes e dados históricos

As fontes primárias observadas foram: Cantiga da Ribeirinha16, Testamento de Afonso

II (duas versões eletrônicas17 e edições usadas por Ivo Castro, 1991), Notícia de Torto (versão

eletrônica) e Crônica Geral de Espanha18.

Testamento de Afonso II

O Testamento de Afonso II é um documento do gênero forense, e o texto utilizado

consiste em uma das treze versões originalmente produzidas e enviada à Catedral de Toledo.

Seu autor foi a Chancelaria Real de D. Afonso II . O documento data de 1214 e o seu local de

origem é Coimbra (Portugal). A edição considerada e analisada nesta dissertação é a de

Avelino de Jesus da Costa.

O assunto central do documento é a repartição dos bens de Afonso II entre os

membros de sua família. Apesar de possuir apenas 28 anos, D. Afonso II se preocupava com a

paz em sua família e temia uma morte prematura, segundo Avelino de Jesus da Costa. O

testamento inclui também a sucessão do reino e abrange não apenas a família, mas também o

Papa, as dioceses galegas de Santiago de Compostela e de Tui, alguns mosteiros e ordem

militares.

Como já mencionado, do Testamento de 1214, chegaram duas das treze cópias feitas e

distribuídas por diferentes entidades: a enviada ao arcebispo de Braga, que é designada por

Ivo Castro (1991) por L, e a enviada ao arcebispo de Toledo, designada por T. Os dados que

16 Como já mencionado em nota anterior, não encontramos dados pertinentes na obra e por isso, após a observação, a desconsideramos na análise. Porém, mantivemos o texto no anexo. 17 As versões eletrônicas se encontram no anexo. 18 Também utili zamos as Gramáticas Históricas de Huber (1933) e de Coutinho (1976) para consulta de dados históricos. As mesmas também nos serviram de apoio para que chegássemos a algumas conclusões e divisões.

Page 55: O hiato em português: a tese da conspiração

55

serão descritos a seguir foram retirados tanto das versões eletrônicas como das versões do

livro de Ivo Castro (ambas as fontes usam as versões de Avelino de Jesus da Costa).

No testamento, a estrutura de hiato predomina em praticamente todos os casos. Apenas

em alguns poucos casos, os hiatos são desfeitos principalmente pela crase, como mostra o

quadro a seguir:

(18)

MANUSCRITO L MANUSCRITO T

seendo seendo

mia19 mia

saude saude

molier molier

filios filios

morauidiis moraudiis

Bragaa Bragaa

uoontade uoontade

auidiis auidiis

cabidoo cabidoo

caonigos conigos

pees pees

teen

ten

teen

ten

Quadro7: Exemplos histór icos

Como se pode observar, nos exemplos acima os hiatos se mantêm tanto em contextos

átonos (fil ios, uoontade etc) como em contextos tônicos (saude, pees etc), nos dois

19 Vale lembrar que os ditongos crescentes estão sendo considerados, em suas reali zações, como hiatos.

Page 56: O hiato em português: a tese da conspiração

56

manuscritos. Os casos de dissolução encontrados no documento se deram pela crase (teen >>

ten) e pela monotongação (caonigos >> conigos). A dissolução pela crase comprova a

afirmação de Huber (1933). O autor afirma que os hiatos começaram a ser defeitos

principalmente pela crase a partir do século XIII.

Nos casos de molier, fil ios e mia, teremos mais tarde o desenvolvimento de um som

palatal, o que resultará em:

(19) Molier >> mulher

Filios >> filhos

Mia >> minha

Já os casos de seendo, Bragaa, uoontade, pees, teen, auidiis e morauidiis serão

resolvidos pela crase e resultarão em:

(20) Seendo >> sendo

Bragaa >> Braga

Uoontade >> vontade

Pees >> pés

Teen >> tem

Auidiis >> *avidis

Morauidiis >> *moravidis

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57

Notícia de Torto

A Notícia de Torto é um documento escrito entre 1214 e 1216 e contém apontamentos

sobre malfeitorias de que foi vítima Lourenço Fernandes. O autor do documento é

desconhecido.

Nesta proposta de análise, utilizamos a edição de Luis Felipe Lindley Cintra. É bom

observar que Cintra considera A Notícia de Torto o texto mais antigo do português (enquanto

nós consideramos a Cantiga da Ribeirinha20).

Na Notícia de Torto, encontramos exemplos de vários vocábulos que apresentavam a

estrutura de hiato e em nenhum dos casos a estrutura foi desfeita. Vejamos alguns exemplos:

(21) Filios >> filhos

Seuo >> seu

Seem >> sem

Taes >> tais

Casaes >> casais

Casales >> casaes >> casais

Auóó >> avó

Máá >> má

Fíídos >> * fidos

Mães >> mais

Filia >> filha

20 Apesar de cientes da existência do documento que hoje tem gerado discussões em Portugal (Documento dos irmãos Paes), preferimos não entrar neste mérito, optando, assim, por usar apenas os documentos até aqui mencionados.

Page 58: O hiato em português: a tese da conspiração

58

Nos exemplos acima, podemos, mais uma vez, constatar o que já havia sido

mencionado antes: os hiatos prevaleciam e eram muito produtivos no final do século XII e

início do XIII. Nesses casos, os hiatos, mais tarde, foram desfeitos principalmente pela crase

(máá >> má etc), pelo desenvolvimento de uma palatal (fil ios >> filhos etc) e pelo alteamento

da vogal média postônica, resultando na formação de um ditongo (Taes >> tais).

Crônica Geral da Espanha

A Crônica Geral de Espanha é um documento que data de 1344. O documento foi

escrito por D. Afonso X (rei de Leão e Castela) que tinha como objetivo principal narrar os

grandes feitos dos homens nobres desde a morte de Noé até os dias de seu pai (D. Fernando

III ). Visando completar a obra iniciada por seu bisavô, Afonso XI escreveu a segunda parte da

Crônica que compreende os reinados de Afonso X, D. Sancho IV e de D. Fernando IV.

A Crônica Geral de Espanha foi escrita originalmente em catelhano e a sua tradução

para o português foi encomendada pelo rei D. Dinis. Para o desenvolvimento de nossa

pesquisa, usamos a edição crítica de Luís Filipe Lindley Cintra uma vez que o autor, para

fazer sua tradução e suas citações, usou manuscritos castelhanos e portugueses21.

Em a Crônica Geral de Espanha, foram encontrados vários casos de palavras contendo

hiatos, palavras que apresentavam, nessa época, os hiatos desfeitos por algum dos processos

mencionados e palavras que oscilavam entre a realização com hiatos e a realização sem essa

estrutura:

21 As informações apresentadas estão baseadas no trabalho de Eliéte Oliveira (cf. bibliografia).

Page 59: O hiato em português: a tese da conspiração

59

(22) Ideia (V1, p. XXV22)

Genealogia (V1, p. XXXV III)

Baseado (V1, p. XXXV III)

Raynha (V1, p. XXX IX)

Hu�u (V1, p. XXX IX)

Ataa (V1, p. XXX IX)

Oyteenta (V1, p. XXX IX)

Apoia (V1, p. XXX IX)

Alheia (V1, p. XLIX)

Esteo (V1, p.LII)

Errônea (V1, p.LII)

Caído (V1, p.LII)

Cadeados (V1, p. LIII)

Tea (V1, p. LII)

Tavoas (V1, p. LII)

Beestas (V1, p. LIV)

Mãaos (V1, p. LIV)

Lagoa (V1, p. LVII)

Laguna (V1, p. LVII )23

Veerom (V1, p. LX)

Vi �ir (V1, p. LX)

Veer (V1, p. LX)

Cheio (V1, p. LXIII)

Bõos (V1, p. LXV) 22 V1: volume 1, p. XXV : página 25 23 Lagoa se encontra na linha 1 e laguna na linha 2.

Page 60: O hiato em português: a tese da conspiração

60

Pãas (V1, p. LXV)

Gaados (V1, p. LXVI)

Louçãa (V1, p. LXVI)

Muus (V1, p. LXVI)

Veeo (V1, p. LXVI)

Magoa (V1, p. LXVII )

Magua (V1, p. LXVIII )

Obedeceeremos (V1, p. LXVIII)

Cãaes (V1, p. LXVIII)

Soo (V1, p. LXX)

Emiigos (V1, p. LXX)

Seermos (V1, p. LXII )

Sermos (V1, p. LXII )

Tiinha (V1, p. LXXIV)

Legoas (V1, p. LXXIV)

Leguas (V1, p. LXXIV)

Seello (V1, p. LXXIV)

Sello (V1, p. LXXIV)

Os dados acima mostram que, no segundo momento de formação da língua (após o

final do séc. XIII [ no caso de a Crônica Geral de Espanha, séc. XV, quando foi feita a

tradução]), o hiato já começa a oscilar sua realização, ou seja, ora a estrutura chega à

superfície e ora ela é barrada no mesmo vocábulo. Tal evidência reafirma a existência de um

momento no qual rankings competem antes que haja mudança na hierarquia.

Page 61: O hiato em português: a tese da conspiração

61

Nesses dados, além do desfazimento dos hiatos por meio de crase (seermos/ sermos,

seello/sello etc), ditongação por alteamento da vogal média postônica (magoa /magua, legoas/

leguas etc) e desenvolvimento de um som palatal (molher etc), podemos perceber a dissolução

da estrutura também pela ditongação proveniente da inserção de [j] e [w] epentéticos:

(23) Ideia

Alheia

Assim todos os processos heterogêneos que hoje atuam em favor da dissolução dos

hiatos já estavam atuando e causando grande variação na realização dessa estrutura. Em a

Crônica Geral de Espanha, há alguns trechos nos quais o próprio autor menciona a oscilação

dos copistas em relação a alguns vocábulos:

“Sobre a forma port. até, que convivia em port. Arcaico com ataa, ata,...” (Nota 42 do

V1, p. LXXV )

Em suma, esta seção, através dos dados históricos recolhidos, objetivou mostrar que a

língua passa por constantes mudanças através dos tempos e que tais mudanças não ocorrem de

uma hora para outra: sempre há um momento intermediário que prepara o caminho para que a

mudança realmente se concretize. Os dados também mostram que a dissolução dos hiatos

começou a se dar principalmente pela crase24 e depois, gradativamente, os outros processos

(ditongação, desenvolvimento de um som palatal e absorção de uma vogal pela consoante

precedente) foram atuando de forma que, no séc. XIV, quase todos, senão todos, já atuavam

fazendo com que o hiato ora chegasse à superfície, ora fosse barrado.

24 Assim, concordamos com Huber (1933) no que se refere à dissolução dos hiatos ter começado por meio da crase e a partir do séc. XIII .

Page 62: O hiato em português: a tese da conspiração

62

3.6.1.2 Fontes e dados atuais

Para que fosse feita a análise dos dados que hoje são produzidos no português

brasileiro, recorremos a dois procedimentos: (a) usamos os dados recolhidos por Oliveira

(2006), que dedicou parte de seu trabalho à análise dos hiatos finais em <oa> e <oo>, os

quais, na fala carioca, sistematicamente recebem a inserção do glide ([w]) na sua realização e

(b) recolhemos dados que priorizaram a análise dos hiatos /ea/, /eo/ e /oa/ localizados antes da

átona final25.

Oliveira (2006) usou, para recolha dos seus dados, a leitura de alguns textos e pediu

que os informantes os comentassem. A autora realizou sua pesquisa com informantes do Rio

de Janeiro e de Minas Gerais com o objetivo de comparar a realização do seu fenômeno

(inserção e apagamento da semivogal posterior nos ditongos decrescentes) nos dois falares.

As principais conclusões alcançadas pela autora foram:

(a) No contexto (V �.V), como em ‘boa’ e ‘perdôo’, por exemplo, há a

inserção categórica da semivogal [w];

(b) No contexto (V. V �), como em ‘enjoado’ e ‘ toalha’ , por exemplo, ocorre

a manutenção do hiato ou o alteamento da primeira vogal do encontro;

(c) No contexto (V.V), ou seja, quando o encontro está fora do contexto

acentuado, geralmente ocorre o alteamento da primeira vogal.

Para a recolha dos demais dados, também usamos a leitura de textos26, porém o

comentário dos mesmos foram feitos de forma dirigida. Para os comentários, formulamos

25 Apesar da ocorrência de outros hiatos durante a recolha de dados, optamos por analisar apenas os mencionados, deixando, desta forma, os demais dados para uma possível tese de doutorado. 26 Cf. anexo 4

Page 63: O hiato em português: a tese da conspiração

63

algumas perguntas27 que sugeriram a realização das estruturas que nos interessavam. Para essa

análise, recolhemos dados apenas de informantes cariocas28.

Nos dois textos usados, criamos algumas palavras com a intenção de verificar se,

mesmo sem conhecer o vocábulo, o informante faria a inserção do glide. Usamos palavras

como Rateo, por exemplo, e para confirmar, fizemos as perguntas que induziam como

resposta tais palavras.

O texto I trata da história de três professores que conversam durante o intervalo de

uma escola. Até mesmo os nomes dos personagens foram usados com a intenção de verificar

o que seria produzido. Em Rateo esperávamos que se inerisse o glide anterior [j] (Rat[ej.jo]),

o que aconteceu em alguns casos, porém alguns informantes formaram o ditongo por meio da

abertura de timbre da vogal anterior média acompanhada pelo alteamento da vogal média

posterior (Rat[(w] ou apenas pelo alteamento da vogal média posterior ([Rat[ew]). Em

Andréa, esperávamos também a inserção do gide anterior, o que aconteceu; e em Manoela o

alteamento da média posterior, expectativa também atendida.

Procuramos também usar alguns paradigmas verbais, objetivando que a interface

morfologia-fonologia fosse ratificada na realização do fenômeno observado. Usamos,

principalmente, verbos em primeira pessoa do singular e em primeira pessoa do plural para

verificar se havia ou não a influência do acento na inserção do glide.

É importante ressaltar que, observando os dados recolhidos, verificamos que, em

alguns casos inseridos no contexto (b), analisado por Oliveira, ocorre a inserção da semivogal

recuada como em c[ow.wa]mento e esc[ow.wa]mento o que revela tendência ainda maior à

dissolução dos hiatos.

Em suma, esta seção buscou detalhar o material usado para a análise do fenômeno

estudado no que se refere à produção no português brasileiro atual. Parte do material usado foi

27 Cf. anexo 5 28 Cf. transcrição no anexo 6

Page 64: O hiato em português: a tese da conspiração

64

retirado de Oliveira (2006) e parte recolhida por nós através da colaboração de 9 informantes

cariocas, cujo perfil será brevemente detalhado na próxima seção.

3.6.1.3 Perfil dos informantes

Para compor a base de dados do português brasileiro atual que complementa os dados

de Oliveira (2006), são utilizados dados de 9 informantes com graus de esclaridade, profissões

e idades diferentes. Todos os informantes são naturais do Rio de Janeiro e vivem na capital.

A primeira informante é assistente social, tem 24 anos, é casada e trabalha na sua

profissão. Seus pais também são cariocas. Já a segunda informante é pedagoga, trabalha na

sua profissão, tem 42 anos, também é casada e seus pais são cariocas. A informante de

número 3 apresenta apenas o ensino médio, está prestando vestibular, tem 19 anos, não

trabalha e seu pai é carioca enquanto sua mãe é natural de Sergipe. A informante 4, com 22

anos, está concluindo a faculdade de estatística na Universidade do Estado do Rio de Janeiro,

faz estágio no Banco do Brasil e seus pais são naturais do Rio de Janeiro. A informante 5,

com 24 anos, apresenta apenas o ensino médio, é enfermeira e seus pais são cariocas. A

informante 6, com 27 anos, é pedagoga e cursa uma pós-graduação na Universidade do

Estado do Rio de Janeiro. Essa informante trabalha também como professora e seus pais são

naturais do Rio de Janeiro.

A informante 7 tem 28 anos, é mil itar, é formada em história. Nasceu no Rio de

Janeiro, porém seus pais são naturais do Maranhão. As informantes 8 e 9, com 19 e 17 anos,

respectivamente, também são cariocas com pais nascidos na Maranhão e apresentam apenas o

segundo grau ( a informante 9 ainda está cursando o ensino médio).

Page 65: O hiato em português: a tese da conspiração

65

4- VARIAÇÃO E MUDANÇA SEGUNDO A TEORIA DA OTIMALIDADE

A variação e a mudança são temas ainda pouco abordados pelos pesquisadores em OT;

porém, ainda que poucos, já existem trabalhos que evidenciam que uma teoria baseada em

restrições tem se mostrado bastante competente e econômica para a análise dos temas, como é

o caso, por exemplo, dos trabalhos desenvolvidos por Zubritskaya (1994), Anttila (1995),

Jacobs (1994, 1995), Hutton (1996), Holt (1997) e Adam (2002). Com base nesses textos, o

presente capítulo também abordará a variação e a mudança na teoria, assumindo que alguns

hiatos da língua foram desfeitos por epêntese e que, antes de a mudança ocorrer, os mesmos

passaram por um momento intermediário de variação. Assim, tentaremos responder às

seguintes questões: (a) como a OT trata a variação? (b) e a mudança? (c) que estratégias são

usadas para que ocorra um re-ranqueamento? (d) é necessário mudar o input no momento em

que a mudança se consolida?

4.1 O TRATAMENTO DA VARIAÇÃO PELA OT

Para o tratamento da variação pela OT, há algumas propostas de análise que serão

sintetizadas nesta seção. Paralelamente, apresentaremos nossa proposta de análise. O primeiro

trabalho otimalista sobre variação de que temos notícia é o de Zubristskaya (1994). Segundo a

autora, famílias inteiras de restrições interagem no caminho da mudança, que é gradual. Na

sua concepção, a mudança do som se dá devido a uma reestruturação da hierarquia de

Page 66: O hiato em português: a tese da conspiração

66

restrições. Em outras palavras, até que ocorra a mudança, a hierarquia passa por alguns

estágios que têm como resultado um estágio intermediário de variação.

Zubristskaya analisa o caso de assimilação de perda de palatalização em consoantes no

russo moderno. Ela defende que a restrição MAXIMIZE LICENSING (restrição em favor da

articulação secundária) domina toda a família de restrições que proíbe a articulação

secundária. Um outro ponto importante, também levantado pela autora, é o de direcionalidade

da mudança. Segundo Zubristskaya, a mudança apresenta várias direcionalidades e a que

envolve o movimento do marcado para o não-marcado é apenas uma delas.

Holt (1997), em sua dissertação, aplica a proposta de Zubristskaya em sua pesquisa

sobre mudança na estrutura silábica do latim para o português e para o espanhol. Holt propõe

que, no caso da degeminação de obstruintes em final de sílaba, seja por queda ou por

simpli ficação, a restrição *C�� (consoantes não podem ser moraicas) domina toda a família

Fidelidade (*C����!!!!

��FIDELIDADE���ou seja, uma restrição de marcação estaria dominando

todas as restrições de fidelidade.

Resumindo a proposta apresentada, a variação consiste em uma coexistência de

rankings parciais29 com restrições “móveis” que ainda não estabilizaram sua posição na

hierarquia e que, por isso, permitem que candidatos diferentes, porém igualmente ótimos,

cheguem à superfície. Já a mudança consiste na fixação do lugar de tais restrições na

hierarquia, o que faz com que determinado candidato vença o concorrente que antes chegava

juntamente com ele à superfície. Assim, a mudança, na verdade, consiste em um re-

ranqueamento. Quanto à interação de restrições, a autora trabalha com a proposta de que uma

única restrição pode interagir com uma família inteira de restrições.

Com base nessa proposta, defendemos e demonstramos no capítulo 5, através da

análise dos dados recolhidos, que, no caso dos hiatos, a mudança ocorreu gradativamente e

29 Estamos assumindo que a gramática consiste em um ranking total e não em um conjunto de rankings parciais e, por isso, trabalhamos com a idéia de competição entre rankings e não entre gramáticas.

Page 67: O hiato em português: a tese da conspiração

67

que, até a mudança se estabelecer, houve um estágio (ou vários) intermediário de variação.

Ainda defendemos que, na primeira fase de formação da língua, a restrição DEP-IO domina

todas as restrições de marcação, o que mostra que nesse momento era muito mais importante

ser fiel ao input que trazer à superfície uma forma não-marcada.

Anttila (1995), assim como Zubristskaya, considera que, enquanto não há um ranking

total, vários rankings parciais coexistem para resultar em uma gramática específica. Assim,

para o autor, a variação também consiste na competição de rankings nos quais algumas

restrições ainda não apresentam seus lugares fixados numa hierarquia. Porém, Anttila tece

ainda outras considerações que merecem destaque: (a) a existência de outputs categóricos e

variáveis e (b) a harmonia de propriedades.

Segundo o autor, tanto os outpts categóricos como os variáveis são resultado de uma

preferência por determinada forma. Quanto à harmonia de propriedades presentes nos outputs,

se o sistema produz uma forma muito harmônica, não há variação; caso contrário, ou seja, se

o sistema produz várias formas harmônicas, a variação tem muito mais probablidade de

acontecer.

4.2 O TRATAMENTO DA MUDANÇA HISTÓRICA NA OT

Segundo Hutton (1996), a hierarquia é um estado de equilíbrio, o que permite a

ocorrência de um re-ranqueamento, desde que esse tenha como meta a busca desse

equilíbrio30. O re-ranqueamento é visto não como o gatilho que direciona ou dá origem à

mudança histórica, mas como a instalação do resultado da mesma. O autor ainda sugere que a

30 Havendo equilíbrio, as mudanças deixam de ocorrer? Queremos deixar claro que não entraremos nesse mérito (ideologia da mudança) e que, do trabalho de Hutton, aproveitamos, principalmente, o que diz respeito ao re-ranqueamento.

Page 68: O hiato em português: a tese da conspiração

68

hierarquia pode ser alterada de acordo com os fatores internos, isto é, com base nas condições

presentes no output.

Sobre a escolha da forma subjacente, é defendido que, ao ocorrer a mudança, é

necessário que se altere também o input. É importante ressaltar que, durante o processo de

variação, é possível que algumas formas prematuras sejam postas na forma subjacente, uma

vez que, se o input é escolhido com base no que chega à superfície, uma superfície ainda em

processo de mudança pode ser tomada como parâmetro e resultar na escolha equivocada do

input.

Outro ponto bastante importante da proposta é o que diz respeito aos mecanismos

relacionados à mudança na hierarquia. São esses os mecanismos:

(a) Promoção de restrições

A promoção de restrições ocorre quando uma ou mais restrições que ocupavam um lugar mais

baixo na hierarquia passam a ocupar um lugar mais privilegiado.

(b) Demoção de restrições

A demoção de restrições ocorre quando uma ou mais restrições passam a não mais apresentar

papel decisivo para o futuro dos candidatos que estão competindo e, por isso mesmo, deixam

de ser relevantes na hierarquia, sendo retiradas da mesma. As restrições geralmente são

demovidas com base na condição fonética do output (o que também serve de base para os

demais mecanismos).

(c) Criação de conexão entre restrições

Esse mecanismo ocorre quando duas ou mais restrições que antes não estavam hierarquizadas

passam a apresentar uma relação de dominância. Para exemplificar o mecanismo,

Page 69: O hiato em português: a tese da conspiração

69

apresentamos abaixo dois tableaux nos quais há quatro restrições atuando em uma

determinada língua hipotética. A restrição A domina as restrições B, C e D; as restrições B e

C dominam D, porém não há uma relação de dominância entre B e C:

(24)

INPUT A B C D

Candidato 1 * * * !

) Candidato 2 * *

Tableau 1: Interação entre restr ições I

No tableau 1, o primeiro e o segundo candidatos violam a restrição mais bem cotada

da hierarquia (restrição A), o que faz com que a competição entre eles continue. No segundo

momento, o candidato 1 viola a restrição B enquanto o candidato 2 viola a restrição C, porém

as duas restrições se encontram no mesmo patamar hierárquico e a disputa continua. Assim, a

restrição D (a menos cotada na hierarquia) decide o destino final dos candidatos. No momento

em que o candidato 1 viola a restrição D, o candidato 2 emerge e chega à superfície.

Já no segundo tableau, estabelece-se uma conexão, uma relação de dominância entre

as restrições B e C, e com isso ocorre o re-ranqueamento:

(25)

INPUT A B C D

Candidato 1 * * ! *

) Candidato 2 * *

Tableau 2: Interação entre restr iões II

Page 70: O hiato em português: a tese da conspiração

70

No tableau 2, as restrições B e C não estão mais no mesmo patamar hierárquico e B

passa a dominar C. Com o re-ranqueamento, o destino dos candidatos já é decidido na

restrição B e o candidato 2 é escolhido por passar pelo crivo dessa restrição.

(d) Dissolução da conexão entre restrições

Este mecanismo é inverso ao mecanismo anterior. Nesse caso, restrições que antes estavam

hierarquizadas passam a não apresentar mais uma relação de dominância. Usando a situação

hipotética anteriormente apresentada, a ordem dos tableaux se inverte:

(26)

INPUT A B C D

Candidato 1 * * ! *

) Candidato 2 * *

Tableau 3: Interação entre restr ições III

Como no tableau 2, os dois candidatos passam pela restrição mais alta da hierarquia e

o candidato 1 já perde a concorrência por violar a restrição B e o candidato 2 vence a disputa.

No tableau 4, a seguir, a perda de hierarquização entre as restrições B e C faz com que a

disputa não possa ser resolvida tão rapidamente:

(27)

INPUT A B C D

Candidato 1 * * * !

) Candidato 2 * *

Tableau 4: Interação entre restr iões IV

Page 71: O hiato em português: a tese da conspiração

71

Se antes as restrições B e C se hierarquizavam, agora elas passam a ocupar o mesmo

lugar na hierarquia, o que ocasiona, da mesma forma, um re-ranqueamento. Com as restrições

B e C não-hierarquizadas, assim como no tableau 1, os candidatos violam igualmente a

restrição A. Em seguida, o candidato 1 viola a restrição B e o candidato 2 viola a restrição C,

porém a disputa continua já que as duas restrições ocupam o mesmo ponto da hierarquia e

somente na restrição D o candidato A é escolhido por não violar tal restrição.

(e) Alteração de dominância entre duas restrições

Neste caso, uma restrição que antes era dominada por outra agora muda de lugar no ranking e

a passa a dominá-la. Para exempli ficar tal mecanismo, usaremos uma língua hipotética com

três restrições: A, B e C. Em um primeiro momento, A domina B e C e B domina C, o que

leva à seleção do candidato 1 como output ótimo, uma vez que seu rival viola o restritor B,

que domina C:

(28)

INPUT A B C

Candidato 1 * * !

) Candidato 2 * *

Tableau 5: Interação entre restr ições V

Já em um segundo momento, C passa a dominar B e ocorre o re-ranqueamento. Essa

mudança de posição na escala hierárquica faz do candidato 1 a forma vencedora, alterando,

pois, o resultado, já que o rival 2 não consegue passar pelo crivo da restrição C, agora mais

bem cotada na hierarquia:

Page 72: O hiato em português: a tese da conspiração

72

(29)

INPUT A C B

) Candidato 1 * *

Candidato 2 * * !

Tableau 6: Interação entre restr ições VI

Resta ainda, nesta seção, esclarecer a escolha do input no processo de mudança. Galit

Adam (2002), em sua tese de doutoramento, sugere que o input usado na fase anterior ao

início do processo de mudança seja mantido na fase intermediária de variação, tendo, como

base para tal sugestão, o Princípio de Riqueza do Input, que permite que sejam postas na

forma subjacente estruturas que podem estar ausentes na forma de superfície (ver seção 3.2).

Porém, o autor propõe que, a partir do momento em que a mudança se instaura, passa a ser

necessário que se altere o input com base no Princípio de Otimização do Léxico (cf. seção

3.2.1), que postula a maior semelhança possível entre forma subjacente e forma de superfície.

Já que a escolha do input está baseada no output ótimo, é pertinente trocar o input para que ele

se aproxime ainda mais do candidato vencedor, evitando, dessa forma, discrepâncias.

Com base na proposta acima apresentada, iremos propor, no próximo capítulo, que,

em alguns casos de mudança, é necessário que se faça uma reestruturação no input; em outros,

ao contrário, mostraremos que a forma subjacente deve ser mantida.

Page 73: O hiato em português: a tese da conspiração

73

5- INSERÇÃO DE GLIDE NOS CASOS DE DISSOLUÇÃO DOS HIATOS: UMA

ANÁLISE OTIMALISTA

Após os levantamentos históricos, a descrição metodológica e a apresentação do

quadro teórico, com um estudo mais específico de alguns pontos recentemente discutidos no

âmbito da OT, como, por exemplo, o tratamento da variação e da nudança (cf. cap. 4) e o

Princípio de Riqueza do Input (Base) (cf. seção 3.2), já temos condições de iniciar a análise

otimalista da inserção de glide antes da átona final nos casos de dissolução de hiatos. É

importante ressaltar que, após a análise dos dados da primeira fase de formação da língua, (a)

usaremos para a análise dos dados atuais somente dados da fala carioca e (b) alguns dados que

serão apresentados foram recolhidos por Oliveira (2006).

Primeiro, apresentaremos os retritores que se mostraram atuantes no processo. Logo

após, trataremos da variação e da mudança envolvidas no processo de uma forma mais

genérica; por fim, trataremos detalhadamente de cada momento pelo qual os hiatos do

português passaram.

5.1 RESTRITORES ATUANTES

Nos casos de inserção de glide, percebermos a forte militância de ONSET, que passa

por uma promoção com o passar do tempo. Além de ONSET, algumas outras restrições

também parecem estar disputando posição no ranking. A restrição DEP-IO (todo elemento do

output deve apresentar um correspondente no input; não pode haver inserção do input para o

Page 74: O hiato em português: a tese da conspiração

74

output) parece ser violada, atualmente, na maior parte dos casos, pois, apesar de o hiato estar

presente no input, o output que chega à superfície, em lugar do hiato, apresenta uma forma

ditongada através da inserção do glide. Assim, podemos constatar que, se ONSET apresentou

uma promoção (ver seção 4.2) com o passar do tempo, DEP-IO – que antes estava bem

cotada, uma vez que o hiato chegava à superfície e, portanto, não ocorria a inserção do glide –

passa por uma despromoção (cf. seção 4.2).

O conflito entre o que está na forma subjacente e o que chega à superfície é, na

verdade, um conflito de restrições, principalmente ONSET e DEP-IO, que pode ser

generalizado como uma concorrência entre MARCAÇÃO e FIDELIDADE. Os dados atuais

revelam que na hierarquia de hoje MARCAÇÃO >> FIDELIDADE enquanto os dados da

primeira fase de formação do português revelam FIDELIDADE >> MARCAÇÃO.

O restritor OCP (não podem existir elementos idênticos adjacentes) também merece

ser incluído na hierarquia para mostrar sua dominância por ONSET. Em casos de

ambissilabicidade observados no português atualmente falado no Brasil (Rio de Janeiro), a

dominação dessa restrição fica bastante evidente (b[ow.wa]), como bem mostrou Oliveira

(2006), em seu estudo sobre inserção e apagamento de [w] na posição de coda silábica. De

acordo com a autora, a inserção de [w], em dados como ‘ leoa’ , ‘ vôo’ e ‘ lagoa’ é categórica na

fala carioca.

O restritor SLW (peso ao acento: toda silaba acentuada deve ser pesada), da mesma

forma que ONSET, também milita em favor da ambissilabicidade, já que impede que sílabas

monomoraicas portem acento. Além dessas restrições, também HARMONY (elementos da

rima devem apresentar o mesmo traço) mostra a sua atuação quando a vogal inserida por

epêntese não pode ser qualquer uma, mas aquela que tenha o mesmo traço do elemento

vocálico que a antecede.

Page 75: O hiato em português: a tese da conspiração

75

É importante ressaltar que tais restrições foram levantadas não apenas para dar conta

da hierarquia atual, mas também para, posteriormente, permitir o estabelecimento da

hierarquia da primeira fase de formação da língua, a fim de que seja feita uma comparação

entre as duas hierarquias propostas.

O conflito entre forma subjacente e forma de superfície ainda nos remete à seguinte

questão: que estrutura deve ser posta no input da análise que aqui proposta, o hiato ou a forma

ditongada? Para resolver a questão, usaremos o Princípio de Riqueza do Input que, de acordo

com Colli schonn & Schwindt (2003: p. 35), consiste na “ ... ausência de proibição a

determinados segmentos ou a determinadas propriedades prosódicas no input.” Segundo

esse princípio, a riqueza do Input é a liberdade de colocação de material na forma subjacente,

ou seja, uma vez que a diferenciação entre as línguas se dá pela hierarquização das restrições,

as quais, por sua vez, são responsáveis pela seleção do material que chega à superfície, o que

serve de representação subjacente para os outputs não importa tanto. Usaremos também o

Princípio de Otimização do Léxico, que sugere o máximo de identidade possível entre inputs

e outputs para que algumas discrepâncias seja evitadas. Porém, resolveremos tal questão na

próxima seção, que tratará da mudança e da variação em casos de hiatos em final de palavra

na perspectiva da OT, bem como da escolha dos inputs nesses casos.

Page 76: O hiato em português: a tese da conspiração

76

Em resumo, nos casos de inserção de glide, as restrições que se mostram atuantes são:

� ONSET: exige que toda sílaba apresente onset;

� SLW31: exige que toda sílaba portadora de acento seja pesada;

� HARMONY: exige que os elementos da rima apresentem o mesmo traço;

� OCP: proíbe elementos adjacentes32;

� DEP-IO: proíbe inserção de segmentos/traços

5.2 VARIAÇÃO E MUDANÇA NA DISSOLUÇÃO DO HIATO POR MEIO DE

EPÊNTESE

Com base na proposta de Hutton (1996), apresentada no capítulo 4, sugerimos que, no

decorrer do tempo, houve um re-ranqueamento de restrições no caso do desfazimento dos

hiatos por epêntese. Essa nova ordenação, acreditamos, teve como objetivo alcançar o

equilíbrio na língua, fazendo com que a estrutura silábica CV, estrutura não-marcada,

chegasse à superfície, como já ocorria de uma forma geral no português.

Como gatilho do re-ranqueamento, propomos a promoção de ONSET (já mencionada

na seção anterior), o que não deixa de consistir em uma alteração de dominância entre essa

restrição e DEP-IO. É importante ressaltar que no momento em que o restritor ONSET é

promovido, DEP-IO é despromovido. Dessa forma, a promoção de ONSET implica, ao

mesmo tempo, (1) em uma alternância de dominância e (2) em despromoção de DEP-IO.

31 Apesar de a tendência das línguas naturais ser a atração do acento pelo peso silábico, percebemos, através dos dados, que, no caso do português, o peso é atraído pelo acento e devido a isso optamos por usar a retrição SLW (Stress-Leads-to-Weight [sílabas acentuadas devem ser pesadas]) e não a restrição WSP (Weight-to-Stress-Principle [sílabas pesadas devem ser acentuadas]) usada por Kager (1999). A restrição usada dá conta perfeitamente dos casos analisados. Assim, assumimos o português como uma língua moraica, mas preferimos deixar a discussão sobre tal opção para uma futura tese de doutorado. 32 Em casos de ambissilabicidade a violação desta restrição fica bastante evidente (b[ow.wa], cf. Couto, 1999)

Page 77: O hiato em português: a tese da conspiração

77

Hoje, a mudança já está consolidada, ou seja, o desfazimento do hiato por epêntese já

se consagrou na língua, mas, antes dessa estabil idade sincrônica, o fenômeno estudado passou

por momentos em que rankings coexistiam e mais de uma forma chegava à superfície. Para

demonstrar nossa proposta, usando as restrições já definidas e explicadas anteriormente

(ONSET, DEP-IO, SLW, OCP, HARMONY), apresentamos três momentos de evolução para

os encontros estudados.

Para o primeiro momento, propomos a existência de uma hierarquia estabilizada na

qual DEP-IO domina as demais restrições (DEP-IO >> MARCAÇÃO), o que se baseia na

proposta de Holt (dominância de uma restrição sobre uma família inteira de restrições). Para o

segundo momento (momento intermediário), sugerimos a coexistência de diferentes rankings

(variação); para o terceiro momento, propomos a estabilização da mudança, concretizada com

a promoção de ONSET, pivô da mudança, na hierarquia.

Quanto à escolha da representação subjacente, propomos, com base na proposta de

Adam, que o input do primeiro momento de formação da língua seja o mesmo do período

intermediário, uma vez que a forma subjacente não influencia o resultado gerado pela ação da

hierarquia de restrições. Para o momento em que a mudança se concretiza, propomos que se

altere o input em alguns casos e se mantenha em outros. Sugerimos que o input seja alterado

nos casos de verbos em que o glide se mantém tanto na primeira pessoa do singular, na qual o

acento não recai no segundo elemento, a marca morfológica verbal, e também na primeira

pessoa do plural, mesmo com o acento recaindo no segundo elemento do encontro vocálico

(ce[io], ce[ia]mos). Contrastem-se, em (30), a seguir, os paradigmas de ‘ frear’ e ‘passear’ no

presente do indicativo:

Page 78: O hiato em português: a tese da conspiração

78

(30) (eu) freio passeio

(você) freia passeia

(ele) freia passeia

(nós) freiamos passeamos

(vocês) freiam passeiam

(eles) freiam passeiam

Fazemos tal proposta porque se o hiato não se mantém nem mesmo no contexto em

que o acento recai no segundo elemento do encontro (primeira pessoa do plural), é evidente

que o glide já estava presente na forma subjacente. É importante observar (a) que verbos

como ‘ frear’ , ‘cear’ , e ‘enfear’ têm em comum também o fato de apresentarem apenas duas

sílabas na sua forma infinitiva e (b) que nesses casos (cear, frear, enfear33) a reestruturação do

input implica em uma reestruturação da hierarquia, principalmente no que diz respeito às

restrições de fidelidade.

Já nos casos de verbos e nomes que mantêm o hiato quando o segundo elemento é

tônico, sugerimos que o input seja mantido. Geralmente, de acordo com a análise de alguns

dados recolhidos e já analisados, os verbos que mantém a forma de hiato na primeira pessoa

do plural são aqueles que apresentam mais de duas sílabas, como, por exemplo, ‘passear’ ,

‘ ratear’ e todos aqueles formados de nomes pelo acréscimo do sufixo -ear (‘parafrasear’ ,

‘ romancear’ , ‘casear’ , ‘balancear’). Nesse caso, com base na Riqueza do Input, propomos a

manutenção da estrutura silábica V.V na estrutura subjacente, levando em consideração a

agramaticalidade das formações em (31) a seguir:

33 Tais verbos foram testados na hierarquia que será apresentada e atrvés desses testes foi constatada a necessidade de uma reestruturação da hierarquia, o que será feito em uma possível tese de doutorado.

Page 79: O hiato em português: a tese da conspiração

79

(31) * romanceiamos

*parafraseiamos

* rateiamos

*balanceiamos

*saboreiamos

Transformando a proposta feita em tableaux, temos, para o primeiro momento de

formação da língua, a seguinte situação geral, na qual C representa qualquer consoante; V,

qualquer vogal, G, glide; o símbolo 1, subescrito, revela identidade de segmentos (nesse caso,

a ambissilabicidade do glide); e, por fim, ‘ sinaliza a sílaba acentuada:

(32)

/’CV.V/ DEP-IO ONSET SLW OCP HARMONY

) [‘CV.V] * *

[‘CVG1.G1V] * ! *

Tableau 7: Estrutura silábica I

Como se pode perceber, nesse momento o hiato se encontra na forma subjacente e

chega à superfície, respeitando, assim, a sua fidelidade ao input. Isso ocorre mesmo quando o

segundo elemento não é acentuado. No estágio intermediário, tem-se a seguinte situação

variável, em que G1.G1 representa um mesmo glide em duas posições na estrutura da sílaba

(elemento ambissilábico):

Page 80: O hiato em português: a tese da conspiração

80

(33)

/’CV.V/ DEP-IO ONSET SLW OCP HARMONY

) [‘CV.V] * *

[‘CVG1.G1V] * ! *

Tableau 8: Estrutura silábica II

(34)

/’CV.V/ ONSET DEP-IO SLW OCP HARMONY

[‘CV.V] * ! *

) [‘CVG1.G1V] * *

Tableau 9: Estrutura silábica III

No momento em que ocorre a variação, independentemente da estrutura apresentada

no input, tanto a estrutura de hiato (V.V) quanto a ditongada chegam à superfície

(respectivamente tableaux 8 e 9). Para não alterar o input várias vezes em um mesmo

momento (economia de análise), o Princípio de Riqueza do Input nos permite colocar a

estrutura V.V na forma subjacente, o que não altera em nada o resultado. Já no momento em

que a mudança se consolida, tem-se a seguinte situação:

(35)

/’CV G1. G1V/ ONSET DEP-IO SLW OCP HARMONY

) 1ªp.p [‘CV G1. G1V] *

1ªp.p. [‘CV.V] * ! *

Tableau 10: Estrutura silábica IV

Page 81: O hiato em português: a tese da conspiração

81

(36)

/’CV.V/ ONSET DEP-IO SLW OCP HARMONY

1ªp.p [‘CV G1. G1V] * *

) 1ªp.p [‘CV.V] * ! *

Tableau 11: Estrutura silábica V

No momento em que a mudança se instaura, como já mencionado, entendemos que há

dois casos: um que permite e – até mesmo, pelo Princípio de Otimização do Léxico – solicita

a alteração do input (tableau 10) e o caso que não reivindica tal alteração (tableau 11). É bom

observar que, no tableau 15, mais adiante, o candidato escolhido como ótimo, apesar de não

apresentar a epêntese, pode apresentar o alteamento do primeiro elemento vocálico, como

ocorre em parafras[‘ ja]mos, por exemplo.

5.3 PRIMEIRO MOMENTO: A EMERGÊNCIA DO HIATO

Como mencionado na seção 2.2.2, por volta do final do séc. XII e início do séc. XIV,

o número de hiatos cresceu consideravelmente devido a processos segmentais, a exemplo da

queda de consoantes intervocálicas, por exemplo. Esses hiatos aparecem em vários

documentos históricos, como o Testamento de Afonso II e Notícia de Torto (cf. seção

3.6.1.1). O registro desses hiatos evidencia que os mesmos eram produzidos como tais.

A chegada dos hiatos à superfície, devido aos vários processos fonológicos ocorridos

na formação da nossa língua, é a evidência explícita da ação de FIDELIDADE. Nesse

momento, era de suma importância que a saída fosse o mais idêntica possível à entrada. Dessa

Page 82: O hiato em português: a tese da conspiração

82

forma, se um candidato a output violasse a restrição de fidelidade DEP-IO, era

automaticamente eliminado da disputa, o que explicita a interação de uma restrição com uma

família inteira de restrições: família MARCAÇÃO (cf. seção 4.1). Vejamos o tableau a

seguir:

(37)

INPUT DEPI-IO ONSET SLW OCP HARMONY

Candidato 1 * !

) Candidato 2 * * * *

Tableau 12: Emergência do hiato no pr imeiro momento

Como podemos perceber no tableau acima, o candidato 2 viola quatro restrições do

ranking, mas passa pelo crivo da primeira restrição e isso o faz vencedor. Ao mesmo tempo, o

candidato 1 respeita quatro das cinco restrições atuantes, mas viola DEP-IO e essa infração o

elimina da disputa imediatamente. Assim, em (37), temos DEP-IO >>MARCAÇÃO.

É importante ressaltar que Massini-Cagliari (2003, p. 325), em seu trabalho sobre

ditongos e hiatos no português arcaico, também defende que nessa fase da língua havia uma

relação de fidelidade entre as seqüências vocálicas do input e do output:

...A razão para esse fato está na exigência de fidelidade no PA34 entre as seqüências vocálicas do input e do output, já que, quando há formação de ditongos, não há epêntese de material vocálico ou consonantal entre as vogais que se encontram no input, nem apagamento de uma delas.

A autora ainda menciona que essa relação de fidelidade traduz, na hierarquia

estabelecida para o PA, a dominância de FIDELIDADE sobre retrições estruturais, como

ONSET por exemplo: “ ... conclui-se que ONSET ocupa uma posição na hierarquia de

34 No trabaho de Massini-Cagliari (2003), PA constitui abreviação de Português Arcaico.

Page 83: O hiato em português: a tese da conspiração

83

restrições que gera a silabação das seqüências vocálicas em PA abaixo de MAX e DEP.

(2003, P. 325)” .

Passemos agora à análise de dados reais. Comecemos com a primeira pessoa do

singular do verbo ‘passear’ :

(38)

/pa'seo/ DEP-IO ONSET SLW OCP HARMONY

a- pa.[�se.o] ( * *

b- pa.[ �seM.o] * ! *

c- pa.[�sew.wo] * ! * *

d- pa.[ �se. Mo] * ! *

e- pa.[�seM.Mo] * ! *

Tableau 13: Pr imeiro Momento (I ).

Em 38, temos cinco candidatos. Dos cinco candidatos, quatro (b, c, d, e) são

eliminados da disputa já no primeiro restritor (DEP-IO). O candidato (a), apesar de violar

ONSET (a última sílaba não apresenta ataque) e SLW (a sílaba portadora de acento é leve)

atende DEPIO e com isso vence a competição de imediato.

É importante ressaltar que o candidato (b) viola ONSET porque a sua última sílaba

apresenta apenas o núcleo; o candidato (c) viola OCP porque, ao inserir o glide, bifurca esse

segmento em duas sílabas (coda da segunda sílaba e onset da terceira). Já o canditdato (c)

viola HARMONY porque insere um glide portador do traço dorsal (e não coronal, como o

núcleo /e/, uma vogal anterior). O candidato (d), além de violar DEP-IO, apresenta a sílaba

acentuada leve e com isso viola SLW; por último, o canditdato (e) apresenta também uma

Page 84: O hiato em português: a tese da conspiração

84

violação em OCP porque insere um elemento ambissilábico. Vejamos se a emergência do

hiato se mantém em (39), a seguir:

(39)35

/es'teo/36 DEP-IO ONSET SLW OCP HARMONY

a-es['tej.o] * ! * 37

b-es['te.jo] * ! *

c-es['te.o] ( * *

d-es['tej.jo] * !

*

e-es['tew.wo] * ! * *

Tableau 14: Pr imeiro Momento (II ).

Em 39, os canditatos (a, b, d, e) já são eliminados na primeira restrição porque inserem

elementos fônicos, desfazendo, assim, o hiato apresentado no input. Esses candidatos ainda

cometem algumas outras violações: (a) viola ONSET por apresentar uma sílaba sem ataque,

(b) viola SLW por apresentar a sílaba acentuada leve, (d) e (e) violam OCP porque

apresentam elementos adjacentes iguais e (e) ainda viola HARMONY por apresentar

elementos da rima com traços diferentes. Assim, o candidato (c) chega à superfície porque,

apesar de violar ONSET e SLW, passa pelo clivo de DEP-IO.

Apesar de estarmos focando os hiatos finais e mediais presentes em verbos, nos

documentos históricos analisados encontramos poucos exemplos verbais para que pudéssemos

analisar. No entanto, um número considerável de nomes apresentou a estrutura em sua forma,

mostrando a sua produtividade nesse momento, como podemos perceber no tableau abaixo:

35 Seguem o paradigma de passeo e esteo: alheo, cheo, veo etc. 36 O dado foi retirado da obra: Crônica Geral de Espanha. 37 Só estão sendo consideradas as violações da parte analisada foneticamente.

Page 85: O hiato em português: a tese da conspiração

85

(40)38

/'tea/ DEP-IO ONSET SLW OCP HARMONY

a-['te.a] ( * *

b-['tej.a] * ! *

c-['tew.wa] * ! * *

d-['te.ja] * ! *

e-['tej.ja] * ! *

Tableau 15: Pr imeiro Momento (III ).

No tableau acima, os candidatos (b, c, d, e) são eliminados em DEP-IO porque

inserem um elemento e o candidato a vence a disputa por respeitar essa restrição. O candidato

(b) também viola ONSET por apresentar uma sílaba formda a penas pelo núcleo. O candidato

(c) ainda viola OCP e HARMONY porque insere um elemento com um traço diferente do

núcleo e o bifurca promovendo uma ambissilabicidade. (D), por apresentar a sílaba portadora

de acento leve, viola SLW e a (o candidato vencedor), apesar de respeitar o restritor mais bem

cotado da hierarquia, viola ONSET e SLW, por apresentar uma sílaba sem ataque e a sílaba

ecentuada leve.

38 Seguem o paradigma de tea: passear, fea etc.

Page 86: O hiato em português: a tese da conspiração

86

5.4 SEGUNDO MOMENTO: A VARIAÇÃO HIATO/ DITONGO

No segundo momento relevante para a análise dos hiatos na língua portuguesa, por

volta do final do séc. XIII (cf. seção 2.2.1), os hiatos começam a ser defeitos (cf. seção 2.2.1).

Segundo Huber (1933), os hiatos começaram a ser desfeitos por meio da crase; alguns dados

históricos por nós recolhidos confirmam isso:

(41) teen > ten (Testamento de Afonso II)

seermos > sermos (Crônica Geral de Espanha)

Logo, os outros processos começaram a ocorrer; porém, essas ocorrências não se

davam sempre, como nos mostram os dados recolhidos, sobretudo os encontrados em a

Crônia Geral de Espanha (cf. seção 3.6.1.1). Nesse momento, os copistas, em muitos casos,

citavam as formas pronunciadas pelos falantes para fazer as suas correções e com isso

evidenciavam a oscilação entre as realizações com hiatos e as realizações sem essa estrutura.

Em a Crônica Geral de Espanha, alguns dados nos permitem observar a oscilação entre

o hiato e a forma ditongada por meio da inserção de glide, o que evidencia, mais uma vez, a

variação existente nesse momento:

(42) Ideia

Alheia

Tea

Cheio

Page 87: O hiato em português: a tese da conspiração

87

Como visto no capítulo 4, os casos de variação são tratados pela OT como uma disputa

entre rankings na qual algumas restrições ainda não apresentam um lugar fixo na hierarquia e

oscilam entre si. Segundo Holt, essas restrições são chamadas de restrições móveis (cf. seção

4.1). No caso de inserção de glide, percebemos que as restrições móveis são DEP-IO e

ONSET.

A oscilação entre os dois restritores dá origem à competição entre dois rankings. Em

um dos rankings, DEP-IO ocupa o lugar mais privilegiado da hierarquia; no outro, ONSET

chega a tal posição. Essa disputa traz à superfície duas formas igualmente ótimas que

convivem durante um tempo até que a mudança se consolide e apenas um dos rankings seja

utilizado pelo falante. Em forma de tableaux, a variação pode ser representada da seguinte

maneira:

(43)

INPUT DEPI-IO ONSET SLW OCP HARMONY

Candidato 1 * !

) Candidato 2 * * * *

Tableau 16: Segundo momento: Var iação (I )

(44)

INPUT ONSET DEP-IO SLW OCP HARMONY

) Candidato 1 *

Candidato 2 * ! * * *

Tableau 17: Segundo momento: Var iação (II )

Page 88: O hiato em português: a tese da conspiração

88

Em 43 e 44, vemos que, entre o primeiro momento de formação da língua e o

momento no qual a mudança se concretiza, as duas hierarquias parciais faziam com que dois

candidatos chegassem à superfície: um que respeitava fidelidade e outro que militava em

favor do não marcado (estrutura silábica CV), isto é, por ONSET e DEP-IO não estarem

ranqueadas, ora a saída era idêntica à entrada e apresentava o hiato, ora a saída, para favorecer

o não-marcado, inseria o glide e com isso atendia a ONSET, restrição que começa a ser

promovida na hierarquia.

Os tableaux apresentados ainda nos permitem perceber a direcionalidade da mudança

que parte do marcado para o não-marcado (cf. seção 4.1). É bom observar que, segundo

Zubristskaya, nem sempre a direcionalidade parte em direção ao não-marcado.

Assim, nos tableaux de dados reais, teremos a seguinte situação:

(45)

/pa'seo/

ONSET

DEP-IO

SLW

OCP

HARMONY

a- pa.[�se.o] * ! *

b- pa.[ �seM.o] * ! *

c- pa.[�sew.wo] * * * !

d- pa.[ �se. Mo] * * !

e- pa.[�seM.Mo] ( * *

Tableau 18: Aplicação da hierarquia no segundo momento(I )

Page 89: O hiato em português: a tese da conspiração

89

(46)

/pa'seo/

DEP-IO

ONSET

SLW

OCP

HARMONY

a- pa.[�se.o]

(

* *

b- pa.[ �seM.o] * ! *

c-

pa.[ �sew.wo]

* ! * *

d- pa.[ �se. Mo] * ! *

e- pa.[�seM.Mo] * ! *

Tableau 19: Aplicação da hierarquia no segundo momento(II )

No tableau 18, ONSET começa o seu processo de promoção e temos também algumas

outras restrições se mostrando ativas. Nesse tableaux, o primeiro e o segundo candidatos já

são eliminados no primeiro restritor porque apresentam sílabas sem onset. O candidato (d) é

eliminado porque apresenta a sílaba portadora de acento leve e com isso viola SLW. Por fim,

o candidato (c) é eliminado da disputa porque insere um elemento que apresenta o traço dorsal

e não o coronal, violando assim HARMONY, que exige que os elementos da rima apresentem

o mesmo traço. Assim, o candidato (d) é o vencedor. No tableau seguinte (19), a dominância

de DEP-IO impede que qualquer outra forma venha ameaçar a que se mantém fiel ao input.

Em outras palavras, a prioridade desse restritor assegura a emergência do hiato.

Page 90: O hiato em português: a tese da conspiração

90

Uma questão ainda importante a ser esclarecida nessa segunda fase é a escolha do

input. Nesse momento, temos duas hierarquias parciais, porém optamos por não alterar o

input, nesse momento, e, para tal, nos baseamos em dois principais argumentos: (a) durante o

processo de variação é possível que algumas formas prematuras cheguem à superfície e, uma

vez que a forma subjacente é escolhida com base na forma de superfície, uma superfície

equivocada poderia resultar em um input equivocado (cf. seção 4.2); e (b) a oscilação na

forma de entrada poderia alterar a escolha do candidato ótimo devido à importância de

DEPIO (restrição que estabelece uma relação de fidelidade entre inputs e outputs).

Em suma, as hierarquias parciais apresentadas nos tableaux 16 e 17 nos mostram a

existência de dois outputs ótimos em um mesmo momento. A coexistência das duas formas

ocorre devido às duas restrições móveis (DEP-IO e ONSET) que revelam que o marcado

começa a dar lugar ao não-marcado, ou seja, a partir de meados do séc. XIII forças passam a

entrar em conflito para que, no caso dos hiatos, a estrutura CV fosse alcançada.

5.5 TERCEIRO MOMENTO: A EMERGÊNCIA DOS DITONGOS E A

AMBISSILABICIDADE

Aos poucos, o restritor ONSET é promovido e se estabelece no topo da hierarquia.

DEPIO, ao contrário, é despromovido e sofre um rebaixamento no ranking. Agora, já não é

mais tão importante que a saída seja idêntica à entrada. Os dados recolhidos nos mostram que

o mais importante no português moderno falado no Rio de Janeiro é que a estrutura CV seja

mantida, mesmo que para isso haja violações de fidelidade, como, por exemplo, a inserção de

Page 91: O hiato em português: a tese da conspiração

91

elementos (em alguns casos acompanhada de uma bifurcação/ ambissilabicidade).Vejamos o

tableau a seguir:

(47)

INPUT ONSET DEP-IO SLW OCP HARMONY

) Candidato 1 *

Candidato 2 * ! * * *

Tableau 20: Fixação de ONSET no topo da hierarquia

Em 47, percebemos a promoção de ONSET e a conseqüente despromoção de DEP-IO.

O candidato 2 passa pelo crivo da restrição de fidelidade, porém, entre outras violações,

apresenta uma sílaba sem ataque e isso é o suficiente para que o mesmo seja eliminado da

disputa. Já o candidato 1 viola a restrição de fidelidade, mas respeita o restritor ONSET e isso

lhe garante a vitória na competição.

Passemos à análise de dados. No tableau a seguir, vemos a manifestação da primeira

pessoa do singular do verbo ‘cear’ :

Page 92: O hiato em português: a tese da conspiração

92

(48)39

/'seo/

ONSET

DEP-IO

SLW

OCP

HARMONY

a- ['se.o] * !

*

b- [ �seM. o] * ! *

c-['sew.wo] * * * !

d- ['sew. o] * ! * ³

e- ['seM.Mo]( * *

Tableau 21: Dissolução do hiato (I )

Em 48, os candidatos (a, b e d) apresentam sílaba sem ataque e, por violarem ONSET,

são eliminados logo no início da disputa. O candidato (a) ainda apresenta a sílaba portadora

de acento leve e o candidato (d) insere um segmento de traço dorsal, com isso violando

DEPIO e HARMONY. Ficam na competição os candidatos (c) e (e). Os dois finalistas violam

igualmente DEPIO (inserem segmentos) e OCP (os segmentos inseridos se bifurcam

ocupando a posição de coda de uma sílaba e onset de outra). Dessa meneira, HARMONY

(restrição mais baixa da hierarquia) decide o vencedor da disputa. Essa restrição é violada por

(c) e (d), com isso, o candidato (e) vence a disputa.

O verbo apresentado (cear) apresenta a inserção do glide tanto na primeira pessoa do

singular como na primeira do plural, ou seja, independentemente de onde recaia o acento, o

glide é sempre inserido, como se vê no tableau referente à primeira pessoa do plural:

39 Seguem o paradigma de ceio: passeio, escaneio, anseio etc.

Page 93: O hiato em português: a tese da conspiração

93

(49)40

/se�amos/

ONSET

DEP-IO

SLW

OCP

HARMONY

a- [se �.a]mos * ! *

b- [ �seM. �a]mos * ! * *

c-[sew. �wa]mos * * * * !

d- [sew. �a]mos * ! * * ³

e- [seM.�Ma]mos( * * *

Tableau 22: Dissolução do hiato (II )

Em 49, os candidatos (a, b e d) já são eliminados no primeiro momento por violarem a

restrição ONSET. O candidato a ainda viola SLW por apresentar a sílaba acentuada leve. A

mesma violação é cometida por (b), que também viola DEP-IO por inserir um segmento. O

candidato (d), além de inserir um elemento e violar DEP-IO, apresenta a sílaba tônica leve e

ainda viola HARMONY porque o elemento inserido na rima não apresenta o traço em comum

com o núcleo. Dessa forma, permanecem na disputa os candidatos (c) e (e).

Os candidatos finalistas violam, simultaneamente, as retrições DEP-IO (inserem

segmento), SLW (apresentam sílabas acentuadas leves) e OCP (apresentam elementos

adjacentes idênticos). Assim, também nesse caso, é a restrição menos cotada da hierarquia

(HARMONY) que decide o vencedor, pois (c) é eliminado da disputa porque insere um

40 Seguem o paradigma de ceamos: freamos, enfeamos etc.

Page 94: O hiato em português: a tese da conspiração

94

segmento na rima com traço diferente do núcleo, ou seja, o elemento inserido apresenta o

traço dorsal (é o glide recuado) enquanto o núcleo apresenta o traço coronal (vogal anterior).

Através dos dados recolhidos, foi possível observarmos que em verbos como ‘cear’ e

‘ frear’ (cf. anexo) a inserção ocorre tanto na primeira pessoa do singular como na primeira do

plural; o mesmo não ocorre em verbos como ‘passear’ em que a inserção ocorre na primeira

pessoa do singular, mas não na primeira pessoa do plural.

Nesse momento, não há dúvida de que a mudança se instaura devido ao restritor

ONSET não mais alternar o seu lugar na hierarquia com o restritor DEP-IO e passar, com

isso, a assumir categoricamente o topo da hierarquia. Como já explicado em 45, em verbos

como ‘passear’ , o candidato com epêntese e ambissilabicidade ganha a disputa e os demais

concorrentes são eliminados por cometerem violações mais graves. Porém, ao analisarmos a

primeira pessoa do plural do mesmo verbo, verificamos que a inserção jamais ocorre

(*passeiamos).

A primeira pessoa do plural do verbo ‘pasear’ apresenta a dissolução do hiato com o

alçamento da vogal média e não com a inserção de um glide. O mesmo ocorre com verbos

como ‘parafrasear’ , ‘saborear’ e ‘ ratear’ , entre inúmeros outros. Com isso, surgem as

seguintes questões: (a) a hierarquia proposta para os casos de inserção de glide dá conta dos

casos de alteamento da vogal média? e (b) o que esses verbos apresentam em comum que os

diferenciam dos outros apresentados anteriormente (‘cear’ , ‘ frear’ )?

Para responder a primeira indagação, tentaremos no próximo tableau, aplicar a

hierarquia proposta à primeira pessoa do plural do verbo ‘passear’ :

Page 95: O hiato em português: a tese da conspiração

95

(50)

/pasej�amos/

ONSET

DEP-IO

SLW

OCP

HARMONY

a- pa.[se. �a].mos * ! *

b- pa.[seM.�a].mos * ! *

c- pa.[sew. �wa].mos * ! * * *

d- pa.[ �se. �Ma].mos( *

e- pa.[seM.�Ma].mos * * !

Tableau 23: Dissolução do hiato (III )

No tableau acima, os candidatos (a) e (b) apresentam sílabas sem ataque, o que já os

elimina da competição. Logo após, o candidato (c) é eliminado por substituir um dos

elementos do input por um outro com traço diferente. Permanecem na disputa os candidatos

(d) e (e). Em OCP, o candidato (e) é barrado por apresentar elementos adjacentes idênticos e

com isso o candidato (d) vence a disputa. Porém, em verbos como passear, o que tende a

chegar à superfície é a forma com alteamento da vogal média e formação de ditongo crescente

(pa.[sja].mos) e não a forma com a inserção de glide, como mostra o tableau (pa.[se.�ja].mos).

Por meio do tableau apresentado em (50), chegamos às seguintes conclusões sobre a

ditongação por meio do alçamento da vogal média (e não pela inserção de glide): (a) o

processo requer o estabelecimento de uma outra hierarquia; (b) na nova hierarquia, outras

retrições se mostram ativas, como por exemplo, MAX-IO.

Como a ditongação através do alçamento da vogal média faz parte de um outro

processo atuante na dissolução dos hiatos da língua portuguesa, não estaremos tratando desse

caso nesta análise para não perdermos o foco da nossa proposta. É possível que a análise

desse processo seja feita em uma possível tese de doutoramento.

Page 96: O hiato em português: a tese da conspiração

96

É importante ressaltar que a inserção de glide ocorre tanto em nomes como em verbos,

como mostraremos nos tableaux a seguir. Em (51), colocamos no input a forma subjacente do

substantivo ‘ idéia’ e, em (52), a do substantivo ‘ teia’ :

(51)

/i�dea/

ONSET

DEP-IO

SLW

OCP

HARMONY

a- i41.[ �de.a] * !

*

b- i.[ �deM.a] * ! *

c- i.[ �dew.wa] * * * !

d- i.[ �de. Ma] * * !

e- i.[ �deM.Ma]( * *

Tableau 24: Dissolução do hiato (IV)

No tableau acima, os dois primeiros candidatos são eliminados da disputa já na

primeira restrição da hierarquia, pois apresentam duas sílabas sem onset, enquanto os demais

candidatos apresentam apenas uma. O candidato (d), por não apresentar a sílaba portadora de

acento pesada também é eliminado da competição. Assim, permanecem na disputa os

candidatos (c) e (e). Em HARMONY o destino dos finalistas é decidido e (e) vence a disputa,

já que (c) insere um elemento na rima com traço dorsal e não coronal. Vejamos agora a

situação de ‘ teia’ :

41 Só estão sendo levadas em consideração as violações cometidas nos segmentos separados e analisados foneticamente, ou seja, o que está fora dos colchetes não está sendo considerado na análise proposta.

Page 97: O hiato em português: a tese da conspiração

97

(52)42

/�tea/

ONSET

DEP-IO

SLW

OCP

HARMONY

a- [ �te.a] * ! *

b- [ �teM.a] * ! *

c- [ �tew.wa] * * * !

d- [ �teM.Ma]( * *

e- [ �te. Ma] * * !

Tableau 25: Dissolução do hiato (V)

Nesse tableau, os candidatos (a) e (b) apresentam uma sílaba sem onset e por isso são

eliminados. O candidato (e) apresenta a sílaba acentuada leve e é eliminado em SLW. O

candidato (c) insere um elemento cujo traço é dorsal e com isso permite que o candidato (d)

chegue à superfície.

Passemos agora à análise de ‘boa’ :

(53)

/�boa/

ONSET

DEP-IO

SLW

OCP

HARMONY

a- [ �bo.a] * ! *

b- [ �bow.a] * ! *

c- [ �boj.ja] * * * !

d- [ �bow.wa]( * *

e- [ �bo. wa] * * !

Tableau 26: Dissolução do hiato (VI)

42 Seguem o paradigma de idéia e teia: ceia, areia, feia etc.

Page 98: O hiato em português: a tese da conspiração

98

No tableau acima, os candidatos (a) e (b) violam ONSET e são eliminados. O

candidato (e) viola SLW e sai da disputa. O candidato (c) viola HARMONY e com isso o

candidato (d) vence a competição.

Quanto à escolha do input para esse terceiro momento no qual a mudança se instaura,

propomos, a princípio, que o hiato seja mantido no input nos casos em que a inserção ocorre

na 1ª p.s. e não ocorre na 1ª p. p43., pois a inserção do glide no input ocasionaria uma

alteração nos resultados, principalmente no caso dos verbos que não fazem a inserção em

todas as pessoas. O fato de a inserção não ocorrer em todas as pessoas nos revela que a

mudança por epêntese, apesar de plenamente instaurada em final de palavra, não se

implementou em sílaba átona e, portanto, mesmo sabendo que após a mudança é possível que

se altere o input, optamos por não fazê-lo. É importante observar que (a) a alteração do input

também acarretaria uma análise mais custosa, já que exigiria a presença de mais restrições na

hierarquia, uma vez que, nos casos de não-inserção, MAXIO se mostraria ativa no

apagamento do glide e (b) alguns dados de derivação ajudam a evidenciar a presença do hiato

na camada mais profunda da língua. Assim, com base nos dados, concordamos com Zucarelli

(2002) que, em uma análise derivacional, os hiatos estão na forma de base em alguns

encontros vocálicos, principalmente no que se refere aos ditongos crescentes. Massini-

Cagliari (2003, p.330) também concorda com Zucarelli : “ ...Assim, conclui-se que que a

intuição dos estudos derivacionais estava correta...” .

Vejamos alguns exemplos de derivação que comprovam nossa afirmação:

43 Acreditamos que, em alguns casos, o input possa ser alterado.

Page 99: O hiato em português: a tese da conspiração

99

(54)

Forma primitiva Formas derivadas

idéia

ideal

idealizar

idealização

areia

areal

areado

areão

meio meador

entremear

Quando 8: Der ivação (evidência da interface mor fologia-fonologia)

As derivações acima confirmam a presença do hiato na forma subjacente, o que

evidencia a disponibil idade do hiato para fins lexicais. O fato de o hiato estar disponível para

fins lexicais (a) aponta para a interface morfologia-fonologia e (b) dá conta de formas

derivadas que não “enxergam” a presença da semivogal, o que nos permite concluir que os

ditongos formados pela inserção de glide com a intenção de desfazer os hiatos da língua

podem ser considerados falsos por não estarem presentes na forma de base, no inventário

fonológico (cf. Bisol 2001).

Sobre a interface morfologia-fonologia, Massini-Cagliari (2003, p.329) observa a

interação entre essas duas camadas da nossa língua:

Não acreditamos que a distinção entre as palavras como dórmia e

dormía.resida apenas na posição acento. Entre dórmia (Presente do Subjuntivo, primeira ou terceira pessoas do singular) e dormía (Pretérito Imperfeito do Indicativo, primeira ou terceira pessoas do singular) há uma importante distinção de tempo /modo/ aspecto verbal, que se reflete na estrutura morfológica dessas palavras...

Page 100: O hiato em português: a tese da conspiração

100

Esta seção investigou a dissolução dos hiatos por meio da inserção de glide sob a

ótica da OT. Para tal, usamos dados produzidos por falantes do português brasileiro atual.

Optamos por analisar apenas a fala de informantes cariocas e usamos as mesmas restrições da

primeira fase de formação do nosso idioma, porém na hierarquia propomos a promoção de

ONSET, o que marca a domoção de MARCAÇÃO sobre FIDELIDADE e, assim como

Zucarelli e Massini-Cagliari, propomos a permanência do hiato na forma subjacente nos casos

analisados. A permanência do hiato na entrada pode ser comprovada, sobretudo, por dados

derivacionais que mostram a disponibil idade do encontro para fins lexicais.

Page 101: O hiato em português: a tese da conspiração

101

6- CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho investigou a dissolução dos hiatos na língua portuguesa, focando o

processo de inserção de glide. Para tal, fizemos levantamento histórico de alguns documentos

datados a partir do XIII, utilizamos dados rastreados por Oliveira 2006 e recolhemos alguns

dados através da leitura e do comentário de dois textos que continham estruturas de hiatos

mediais e finais com o primeiro ou com o segundo elemento do encontro acentuado (cear,

ceamos, passeamos etc) e até mesmo vocábulos cujo acento recai em outra sílaba

(escoamento, bamboleamento etc), porém centramos nossa análise nos hiatos /eo/, /ea/ e /oa/

localizados antes da átona final, como mencionado no início deste trabalho44.

Durante a análise, percebemos que no primeiro momento de formação da língua

portuguesa, os hiatos eram bastante produtivos e tiveram o seu número aumentado devido a

vários fatores, entre eles a queda de consoantes intervocálicas. Nesse momento da história dos

hiatos em nossa língua, percebemos a atuação dos seguintes restritores: DEP-IO, ONSET,

SLW, OCP e HARMONY. Para que os hiatos chegassem à superfície, algumas restrições

eram violadas, como ONSET, por exemplo, o que mostra a dominância de FIDELIDADE

sobre MARCAÇÃO.

A família FIDELIDADE é representada em nossa análise pelo restritor DEPIO e

isso nos permitiu aplicar a idéia defendida por Holt (1997) sobre a dominância de uma

restrição sobre toda uma família (MARCAÇÃO). Assim, nesse primeiro momento, a saída ser

idêntica à entrada era mais importante que a predominância do não-marcado.

Por volta da segunda metade do século XIII, os hiatos começam a ser desfeitos e,

curiosamente, pelos mesmos processos que hoje conspiram contra essa estrutura. Em alguns

44 Optamos por recolher os mais variados dados visando à continuidade desta pesquisa.

Page 102: O hiato em português: a tese da conspiração

102

documentos históricos, como Crônica Geral de Espanha, por exemplo, já encontramos alguns

itens lexicais com o glide inserido em sua estrutura (alheia, cheia, ideia etc). Dessa forma, o

hiato passa a oscilar sua realização, ocasionando uma variação que precedeu a mudança que

hoje se instaura em nosso idioma.

No período de variação, dois rankings parciais convivem e trazem à superfície

dois candidatos igualmente ótimos devido à mobilidade de DEP-IO e ONSET. O hiato chega

à superfície quando DEP-IO ocupa o topo da hierarquia e o ditongo emerge quando ONSET,

que mil ita em favor do não-marcado, domina sobre todas as outras restrições. Assim, a

mudança vai ocorrendo gradativamente tanto em nomes como em verbos, o que evidencia a

interface morfologia-fonologia.

Após o período de variação, ONSET se estabelece no topo da hierarquia,

fazendo com que o hiato seja barrado por meio da inserção de glide, fenômeno analisado

neste trabalho. É importante observar que, nos contextos onde o segundo elemento do

encontro é uma vogal alta e porta acento, o hiato permanece (saúde, saída etc), o que nos

permite supor a ação de uma restrição vinculada a traços e que pretendemos estudar

juntamente com os demais processos que conspiram contra a realização dos hiatos na nossa

língua.

Quanto à escolha do input, apesar de sabermos que o mesmo pode ser alterado

após o estabelecimento da mudança, optamos por não o fazer porque (a) tal opção tornaria a

análise mais custosa, ou seja, a mudança do input exigiria o acréscimo de, pelo menos, mais

uma restrição (MAX-IO), (b) em alguns casos, tal mudança faria com que candidatos errados

fossem selecionados como ótimos e (c) entendemos, com bases em dados oriundos de

processos derivacionais (idéia>>idealizar>>idealização), que o hiato permanece na estrutura

mais profunda da língua.

Page 103: O hiato em português: a tese da conspiração

103

Em suma, propomos três momentos para a história dos hiatos em nossa língua.

No primeiro momento, os hiatos apresentam uma grande produtividade, já no segundo a sua

produtividade cai e emerge a estrutura de ditongo, o que resulta na variação. O terceiro

momento se caracteriza pelo estabelecimento da mudança. Para o primeiro momento,

propomos a seguinte hierarquia: DEP-IO >> ONSET >> SLW >> OCP >> HARMONY. Para

o segundo momento, propomos a oscilação entre os seguintes rakings parciais: DEP-IO >>

ONSET >> SLW >> OCP >> HARMONY e ONSET >> DEP-IO >> SLW >> OCP >>

HARMONY. Por fim, propomos que no terceiro momento ONSET se estabeleça no topo da

hierarquia e deixe de ser uma restrição móvel.

Page 104: O hiato em português: a tese da conspiração

104

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109

ANEXOS:

Anexo 1: Fontes e dados históricos

Testamento de D. Afonso II (1214)45

En’o nome de Deus. Eu rei don Afonso pela gracia de Deus rei de Portugal, seendo

sano e saluo, tem(en)te o dia de mia morte a saude de mia alma e a proe de mia molier reina

dona Vrr(aca) e de meus fil ios e de meus uassalos /2 e de todo meu reino fiz mia mãda p(er)

q(ue) de-

pois mia morte mia molier e meus fil ios e meus uassalos e meu reino e todas aq(ue)las

cousas q(ue) Deus mi deu en poder sten en paz e en folgãcia. P(ri)meiram(en)te mã-/3do

q(ue) meu fil io i �fan[te] don Sãcio q(ue) ei da reina dona Vrr(aca) aia meu reino

enteiram(en)te e en paz. E sse este for

morto sen semel, o maior fil io q(ue) ouuer da reina dona Vrr(aca) aia o reino

enteg(ra)me�te e en paz. /4 E sse fil io baron nu� ouu(er)m(os), a maior fil ia q(ue) ouu(er)m(os)

aia’o. E sse no te�po d(e) mia morte meu fil io ou mia fil ia q(ue) deuier a reinar nu� ouuer

reuora, seia en poder

da reina sua madre e meu reino /5 seia en poder da reina e de meus uassalos ata cãdo

aia reuora. E sse eu for morto, rogo o ap(osto)ligo como padre e senior e beio a t(er)ra an(te)

seus pees q(ue) el receba en sa com(en)da e so seu defendim(en)to a reina /6 e meus fil ios e o

reino. E sse eu

45 Para se poderem verificar mais facilmente as variantes de A1 em relação a A, dividi o texto de A1 de modo a corresponder às linhas de A, numerando, todavia, as linhas do original.

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110

e [a] reina formos mortos, rogoli e p(re)goli q(ue) os meus filios e o reino seiam en sa

com(en)da. E mãdo da dezima dos morauidiis e dos dineiros q(ue) mi remas(er)um da parte

de /7 meu padre q(ue) su� en Alcobacia e do outr’auer mouil q(ue) i pos(er)m(os) pora esta

d(e)zima q(ue) seia partido pelas manos

do arcebispo d(e) Bragaa e do de Santiago e do

bispo do Porto e de Lisbona e de Coinbra e de /8 Uiseu e

de Lamego e da Idania e d’Euora e de Tui e do

tesoureiro de Bragaa. Out(ri)ssi mando das d(e)zimas

das luitosas e das armas e doutras dezimas q(ue) eu tenio

apartadas en te-

souros per meu rei-/no 9 q(ue) eles as departan assi46 como uiren por guisado. E mãdo

q(ue) o abade d’Alcobacia lis de aq(ue)sta d(e)zima q(ue) el ten ou teiu(er) e eles as departan

segu�do Deus como uiren por dereito. E mãdo /10 q(ue) a reina dona Vrr(aca) aia a meiadade

de todas aq(ue)las cousas mouils q(ue) eu ouu(er)

a mia morte, exetes estas d(e)zimas q(ue) mãdo dar por mia alma e as outras q(ue)

tenio en uoontade por dar por mia alma /11 e non’as uiier a dar. E mãdo q(ue) se a reina dona

Vrr(aca) morrer en mia uida q(ue) de todo meu au(er) mouil aia ende a meiadade. Da outra

mia meiadade solten ende p(ri)meiram(en)te /12

mias deuidas todas e do q(ue) remas(er) facan ende tres partes e as duas partes aian

meus fil ios e mias filias e departans’ antr’eles igualm(en)te. E da t(er)ceira o arcebispo d(e)

Bragaa e u d(e) Sãtiago e u bispo do Porto e u de Lisbona e u d(e) Coinbra e u de Uiseu e u

d’Euora facan ende desta

46 Parece mais al si do que assi.

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111

guisa: q(ue) u q(ue)r q(ue) eu moira, q(ue)r en meu reino q(ue)r fora de meu reino,

facan aduz(er) meu corpo p(er) mias c(us)tas a Alcobacia./14 E mãdo q(ue) den a meu senior o

SDSD� ®®®� P�R�U�DXLGLLV�47�� D� $OFREDFLD� ®®� P���r �. por meu an�iu(er)sario, a Santa Maria de

5RFDPDGRU�®®�P�r �. por meu an�iu(er)sario,

D�6DQWLDJR�G�H��*DOL]D� ®®� �&&&�P�r �. por meu an�iu(er)sario, ou /15 cabidoo da Séé da

,GDQLD�®�P�r �. por meu an�iu(er)sario, ou moesteiro d(e) San Iorgi D. m��r �. por meu an�iu(er)sario,

ou moesteiro d(e) San Uice�te d(e) Lisbona D. m�r �. por meu an�iu(er)sario, ous conigos d(e) Tui

/16 ®

m�r �. por meu an�iu(er)sario. E rogo q(ue) cada uno destes an�iu(er)sarios facan semp(re) en

dia d(e) mia morte e facan tres comemoraciones en tres partes do ano e cada [d]ia facan

cantar una missa por /17 mia alma por se�p(re). E se en mia uida der estes an�iu(er)sarios,

mãdo q(ue) oren por mi co-

me por uiuo ata en48 mia morte e depois mia morte facan estes an�iu(er)sarios e estas

come/18moraciones assi como susu e nomeado, assi como fazen en outros logares u ia dei

meus an�iu(er)sarios. /19 E mãdo q(ue) den ou maestre e ous fraires d’Euora D m�r �. por mia

alma e ou com(en)-

dador e ous fraires de Palmela D m�r �. por mia alma. E mãdo q(ue) o q(ue) eu der

daq(ue)sta mãda en mia uida q(ue) non’o busq(ue) ne�gu�u d(e)pois mia morte. E u q(ue)

47 Desdobrei a abreviatura m�r �. em morauidiis e não em morabitinos, por ser a primeira forma a que vem por

extenso em A e em A1, respectivamente, nas linhas 5 e 6. Nos casos seguintes mantive a abreviatura, por o desdobramento ser o mesmo. 48 No texto: atren.

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112

remas(er) daq(ue)sta mia t(er)cia /20 mãdo que seia partido igualm(en)te en ci �q(ue) partes

das q(ua)es una den a Alcobacia u

mãdo ieitar meu corpo. A outra ou moesteiro d(e) Santa g, a t(er)ceira ous Te�pleiros,

a q(ua)rta ous Espitaleiros, /21 a q(ui)nta den por mia alma o arcebispo d(e) Bragaa e u d(e)

Santiago e us ci �q(ue) bispos q(ue) susu nomeam(os) segu�do Deus. E den ende ous omees

d’ordin

d(e) mia casa e ous leigos a q(ue) eu n(on) galardo/22ei seu s(er)uicio assi com’eles

uiren por guisado. E as outras duas partes d(e) toda mia meiadade seian d(e)partidas

igualm(en)te antre meus fil ios e mias filias q(ue) ouu(er) da reina dona Vrr(aca) assi co-/23mo

susu e nomeado. E mãdo q(ue) aq(ue)st’auer

dos meus fil ios q(ue) o tenian aq(ue)stes dous arcebispos c(um) aq(ue)stes ci �q(ue)

bispos ata q(ua)ndo aian reuora. E a dia de mia morte, se alguno d(e) meus fil ios ou-/24uer

reuora, aian seu au(er). E dos q(ue) reuora nu� ouueren mãdo q(ue) lis tenian seu au(er) ata

q(ua)ndo aian reuora. E mãdo q(ue) q(ue)n q(ue)r q(ue)

tenia meu tesouro ou meus tesouros a dia d(e) mia mor-/25te q(ue) os de a departir a

aq(ue)stes dous arcebispos e aq(ue)stes cinq(ue) bispos assi como susu e nomeado. E mãdo

ainda q(ue) se s’asuar nõ pod(er)en ou nõ q(ui)s(er)en ou discordia for antr’aq(ue)stes a q(ue)

eu mãdo /26 d(e)partir aq(ue)stas dezimas

susu nomeadas, ualia aq(ui)lo q(ue) mãdare� os ch(us) muitos p(er) nõbro. Out(ri)ssi

mãdo daq(ue)les q(ue) mia mãda an a d(e)partir ou todas aq(ue)las cousas q(ue) susu su�

nomeadas q(ue) se /27 todos n(on) se pod(er)en asuar ou n(on) q(ui)s(er)en ou descordia for

antr’eles ualia aq(ui)lo q(ue) mãdaren os ch(us) muitos p(er)

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113

nõbro. Mãdo ainda q(ue) a reina e meu filio ou mia fil ia q(ue) no meu logo ouuer a

rei-/28nar, se a mia morte ouu(er) reuora e meus uassalos e u abad(e) d’Alcobacia sen

d(e)morancia e sen (con)tradita lis den toda mia meiadade e todas as d(e)zimas e as outras

cousas susu nomeadas /29

e eles as departan assi como susu e nomeado. E se a mia morte meu fil io ou mia fili a

q(ue) no meu logo ouu(er) a reinar nõ ouuer reuora, mãdo enp(er)o q(ue) aq(ue)stes

arcebispos e aq(ue)stes bispos d(e)partã /30 todas estas d(e)zimas e todas estas cousas outras

assi como suso e no-

meado. E a reina e meus uassalos e u abade sen d(e)morancia e sen (con)tradita lis

den toda mia meiadade e todas as dezimas /31 e as outras cousas q(ue) teiuerem assi como

susu e dito. E se dar nu� las q(ui)s(er)en, rogo os arcebispos e os bispos com’eu en eles

(con)fio q(ue) eles o demãden pe-

lo ap(osto)ligo e p(er) si. E rogo e p(re)go meu senior /32 o ap(osto)ligo e beyio a t(er)ra

ante seus pees q(ue) pela sa s(an)c(t)a piedade faca aq(ue)sta mia mãda seer (con)p(ri)da e

aguardada, q(ue) ne�gu�u nu� aia pod(er) d(e) uenir (con)tra ela. E se a dia da mia morte /33

meu fil io ou mia fil ia q(ue) no

meu logo ouu(er) a reinar nu� ouu(er) reuora ma�do a aq(ue)les caualeiros q(ue) os

castelos teen de mi en’ as t(er)ras que d(e) mi teen os meus ricos omees q(ue) os /34 den a

esses meus ricos omees q(ue) essas t(er)ras teiu(er)en. E os meus ricos omees den’os a meu

filio ou a mia fil ia q(ue) no

meu logo ouu(er) a reinar q(ua)ndo ouu(er) reuora assi como os da-/35rian a mi. E

ma�dei faz(er) treze cartas cu� aq(ue)sta tal una como a outra q(ue) p(er) elas toda mia

Page 114: O hiato em português: a tese da conspiração

114

ma�da seia (con)p(ri)da, das q(ua)es ten una o arcebispo d(e) Bragaa, a out(ra) o arcebispo49

de Santiago, a terceira /36 o arcebispo5

d(e) Toledo, a quarta o bispo do Porto, a q(ui)nta o d(e) Lisbona, a sex(ta) o d(e)

Coi �bra, a septima o d’(E)uora, a octaua o d(e) Uiseu, a nona o maestre do Te�plo, a

d(e)cima o p(ri)or do Espital, a u�d(e)ci-/37ma o p(ri)or de Santa g, a duodecima o abade

d’Alcobacia, a t(er)cia decima faco eu aguardar en

mia resposte. E foron feitas en Coinbra IIII .or dias por ãdar d(e) Iunio E(ra) M.a CC.a

L.a II .a.

Testamento de D. Afonso II (1214)50

[1] En’o51 nome de Deus. Eu rei don Afonso

pela gracia de Deus rei de Portugal, seendo sano e saluo,

teme�te o dia de mia morte, a saude de mia alma e a proe

de mia molier raina dona Orraca e de me(us) filios e de

me(us) uassalos e de todo meu reino fiz mia mãda p(er)

q(ue) de-

[2] pos mia morte mia molier e me(us) fil ios e

meu reino e me(us)uassalos e todas aq(ue)las cousas

49 No texto está a abreviatura arch, que deveria corresponder a archiepiscopo, mas preferi desdobrar em arcebispo, porque é assim que está em A. Nos casos análogos anteriores, tanto A como A1, usaram sempre a palavra arcebispo. 50 No verso do pergaminho e na letra original encontra-se a seguinte rubrica: «Testam(en)tum regis d(om)ni Adefonsi s(e)c(un)di, que está repetida mais abaixo, mas em sentido inverso. O testamento guarda-se actualmente no cofre. 51 Só resta a parte inferior do E.

Page 115: O hiato em português: a tese da conspiração

115

q(ue) De(us) mi deu en poder sten en paz e en folgãcia.

P(ri)meiram(en)te mãdo q(ue) meu filio infante don

Sancho q(ue) ei da raina dona Orraca agia meu reino

enteg(ra)m(en)te e en paz. E ssi este for

[3] morto sen semmel, o maior fil io q(ue) ouuer da raina dona Orraca agia o reino

entegram(en)te e en paz. E ssi fil io barõ nõ ouuermos, a maior fil ia q(ue) ouuermos agia’o. E

ssi no te�po de mia morte meu filio ou mia filia q(ue) deuier a reinar nõ ouuer reuora, segia en

poder

[4] da raina sa madre e meu reino segia en poder da raina e de me(us) uassalos ata

q(uan)do agia reuora. E ssi eu for morto, rogo o apostoligo52 come padre e senior e beigio a

t(er)ra ante seus pees q(ue) el recebia en sa come�da e so seu difindeme�to a raina e me(us)

filios e o reino. E ssi eu

[5] e a raina formos mortos, rogoli e pregoli q(ue) os me(us) fil ios e o reino segiã en sa

come�da. E mãdo da dezima dos morauidiis e dos dieiros q(ue) mi remaserù� de parte de meu

padre q(ue) su� en Alcobaza e do outr’auer mouil q(ue) i posermos pora esta dezima q(ue)

segia partido pelas manus

[6] do arcebispo de Bragaa e do arcebispo de Santiago e do bispo do Portu e de

Lixbona e de Coi �bria e de Uiseu e de Lamego e da Idania e d’Euora e de Tui e do

tesoureiro de Bragaa. E out(ro)ssi mãdo das dezimas das luctosas e das armas e dout(ra)s

dezimas q(ue) eu tenio apartadas en te-

[7] souros per meu reino, q(ue) eles as departiã assi como uire� por derecto. E mãdo

q(ue) o abade d’Alcobaza lis de aq(ue)sta dezima q(ue) el ten ou teiuer e eles as departiã

52 O papa.

Page 116: O hiato em português: a tese da conspiração

116

segu�do De(us) como uire� por derecto. E mãdo q(ue) a raina dona Orraca agia a meiadade de

todas aq(ue)lias cousas mouils q(ue) eu ouuer

[8] a mia morte, exetes aq(ue)stas dezimas q(ue) mãdo dar por mia alma e as out(ra)s

q(ue) tenio en uoontade por dar por mia alma e non’as uiier a dar. Et mãdo q(ue) si a raina

morrer en mia uida q(ue) de todo meu auer mouil agia ende a meiadade. Da out(ra) meiadade

solten ende p(ri)meiram(en)te

[9] todas mias devidas e do q(ue) remaser fazam en[de] t(re)s partes e as duas partes

agiã me(us) fil ios e mias fil ias e departiãse ent(r’e)les igualm(en)te. Da t(er)ceira o arcebispo

de Bragaa e o arcebispo de Santiago e o bispo do Portu e o de Lixbona e o de Coi �bria e o de

Uiseu e o d’Euora fazã desta

[10] guisa: q(ue) u q(ue)r q(ue) eu moira q(ue)r en meu reino q(ue)r fora de meu regno

fazam aduzer meu corpo p(er) mias custas a Alcobaza. E mãdo q(ue) den a meu senior o papa

®®®��P�R�U�DXLGLLV�53��D�$OFRED]D�®®��P�r �. por meu añiu(er)sario, a Santa Maria de Rocamador ®®�

m�r �. por meu añiu(er)sario

>��@�D�6DQWLDJR�GH�*DOLFLD� ®®�&&&�P�r �. por meu añiu(er)sario, ao cabidoo da Séé da

Idania mil l(e) m�r �. por meu añiu(er)sario, ao moesteiro de San Gurge54 D m�r �. por meu

añiu(er)sario, ao moesteiro de San Uice�te de Lixbona D m�r �. por meu añiu(er)sario, aos

caonigos de Tui mill(e)

[12] m�r �. por meu añiu(er)sario. E rogo q(ue) cada un destes añiu(er)sarios fazam

se�p(re) no dia de mia morte e fazam t(re)s comemorazones en t(re)s partes do ano e cada dia

53 Desdobrei a abreviatura m�r �. em morauidiis e não em morabitinos, por ser a primeira forma a que vem por

extenso em A e em A1, respectivamente, nas linhas 5 e 6. Nos casos seguintes mantive a abreviatura, por o desdobramento ser o mesmo. 54 S. Jorge.

Page 117: O hiato em português: a tese da conspiração

117

fazam cantar una missa por mia alma por se�pre. E ssi eu en mia uida der estes añiu(er)sarios,

mãdo q(ue) orem por mi co-

[13] me por uiuo ata en mia morte e depos mia morte fazam estes añiu(er)sarios e estas

comemorazones assi como suso e nomeado, assi como fazem en’os out(ro)s logares u ia dei

meus añiu(er)sarios. E mãdo q(ue) den ao maestre e aos freires d’Euora D m�r �. por mia alma,

ao comen-

[14] dador e aos freires de Palmela D m�r �. por mia alma. E mãdo q(ue) o q(ue) eu der

daq(ue)sta mãda en mia vida q(ue) non’o busque nenguu depos mia morte. E o q(ue) remaser

daq(ue)sta mia t(er)cia mãdo q(ue) segia partido igualme�te en cinq(ue) partes das quaes una

den a Alcobaza u

[15] mando geitar meu corpo. A out(ra) ao moesteiro de Santa Cruz, a t(er)ceira aos

Te�pleiros, a q(ua)rta aos Espitaleiros, a q(ui)nta den por mia alma o arcebispo de Bragaa e o

arcebispo de Santiago e os cinque bispos q(ue) suso nomeamos segu�do Deus. E den ende aos

omees d’ordin

[16] de mia casa e aos leigos <a> q(ue) eu nõ galardoei seu servizo assi com’eles

uirem por guisado. E as out(ra)s duas partes de toda mia meiadade segiã departidas

igualm(en)te ent(re)55 me(us) fil ios e mias fil ias q(ue) ouuer da raina dona Orraca assi como

suso e dito. E mãdo q(ue) aq(ue)ste auer

[17] dos me(us) fil ios q(ue) o teniã aq(ue)stes dous arcebispos cu� aq(ue)stes cinq(ue)

bispos ata q(uan)do agiã reuora. E a dia de mia morte se alguus de me(us) fil ios ouuere�

55 Aqui e nas linhas 18 e 19, parece mais ontre que entre.

Page 118: O hiato em português: a tese da conspiração

118

reuora, agiã seu auer. E dos q(ue) reuora nõ ouuere� mãdo q(ue) lis teniã seu auer ata q(uan)do

agiã reuora. E mãdo q(ue) q(ue)n q(ue)r que

[18] tenia meu tesouro ou me(us) tesouros a dia de mia morte q(ue) os de a departir

aq(ue)stes dous arcebispos e aq(ue)stes cinq(ue) bispos, assi como suso e nomeado. E mãdo

ainda q(ue) se s’asunar todos nõ poderem ou nõ q(ui)sere� ou descordia for ent(r’a)q(ue)stes a

q(ue) eu mãdo departir aq(ue)stas dezimas

[19] suso nomeadas, ualia aq(ui)lo q(ue) mãdare� os chus muitos p(er) nõbro.

Out(ro)ssi mãdo daq(ue)les q(ue) mia mãda an a departir ou todas aq(ue)lias cousas q(ue)

suso su� nomeadas q(ue) si todos no� se podere� assunar ou no� q(ui)serem ou descordia for

ent(r’e)les ualia aq(ui)lo q(ue) mãdare� os chus muitos p(er)

[20] nõbro. Mando ainda q(ue) a raina e meu filio ou mia fil ia q(ue) no meu logar

ouuer a reinar se a mia morte ouuer reuora e meus uassalos e o abade d’Alcobaza sen

demorancia e sen (con)t(ra)dita lis den toda mia meiadade e todas as dezimas e as out(ra)s

cousas suso nomeadas

[21] e eles as departiã assi como suso e nomeado. E ssi a mia morte meu filio ou mia

filia q(ue) no meu logar ouuer a reinar nõ ouuer reuora, mãdo empero q(ue) aq(ue)stes

arcebispos e aq(ue)stes bispos departiã todas aq(ue)stas dezimas e todas aq(ue)stas out(ra)s

cousas assi como suso e no-

[22] meado. E a raina e me(us) uassalos e o abade sen demorãcia e sen (con)t(ra)dita

lis den toda mia meiadade e todas as dezimas e as out(ra)s cousas q(ue) teiuere�, assi como

Page 119: O hiato em português: a tese da conspiração

119

suso e dito. E ssi dar nõ li as q(ui)serem, rogo [o]s56 arcebispos e os bispos com’eu en eles

(con)fio q(ue) eles o demãdem pe-

[23] lo apostoligo e p(er) si. E rogo e prego meu senior o apostoligo e beigio a t(er)ra

ante seus pees q(ue) pela sa santa piadade faza aq(ue)sta mia mãda seer (con)p(ri)da e

aguardada, q(ue) nenguu nõ agia poder de uinir (con)t(ra) ela. E ssi a dia de mia morte meu

filio ou mia fil ia q(ue) no

[24] meu logar ouuer a reinar nõ ouuer reuora, mãdo aq(ue)les caualeiros q(ue) os

castelos teen de mi en’as t(er)ras q(ue) de mi teem os me(us) riquos omees q(ue) os den a

esses meus riq(uo)s omees q(ue) essas t(er)ras teiuere�. E os meus riquos omees den’os a meu

filio ou a mia fil ia q(ue) no

[25] meu logar ouuer a reinar q(uan)do ouuer reuora, assi como os dariã a mi. E

mandei fazer treze cartas cu� aq(ues)ta tal una come outra, q(ue) p(er) elas toda mia mãda segia

(con)p(ri)da, das quaes ten una o arcebispo d(e) Bragaa, a out(ra) o arcebispo de Santiago, a

t(er)ceira o arcebispo

[26] de Toledo, a q(ua)rta o bispo do Portu, a q(ui)nta o de Lixbona, a sexta o de

Coi �b(ri)a, a septima o d’Evora, a octaua o de Uiseu, a nouea o maestre do Te�plo, a dezima o

p(ri)or do Espital, a undezima o p(ri)or de Santa Cruz, a duodecima o abade d’Alcobaza, a

t(er)cia dezima facer57 guarda[r] en

[27] mia reposte. E foru� feitas en Coinbria IIII .or dias por andar de Junio, E(ra) M.a

CC.a La II.a.

56 O o desapareceu devido a um furo do pergaminho. 57 On facei.

Page 120: O hiato em português: a tese da conspiração

120

NOTICIA DE TORTO

Texto crítico

1 De noticia de torto que feceru� a Laure�cius Fernãdiz por plazo qve fece Gõcauo

2 Ramiriz antre suos fil ios e Loure�zo Ferrnãdiz quale podedes saber: e oue auer, de erdade

3 e dauer, tãto quome uno de suos filios, daquãto podese� auer de bona de seuo pater; e

fiolios seu

4 pater e sua mater. E depois feceru� plazo nouo e cõue� uos a saber quale; in il le seem58

5 taes firmamentos quales podedes saber2 Ramiro Gõcaluiz e Gõcaluo Gõca [luiz e]

6 Eluira Gõcaluiz foru� fiadores de sua irmana que o[to]rgase aqu[e]le plazo come illos

7 Super isto plazo ar fe[ce]ru� suo plecto. E a maior aiuda que illos hic cõnoceru�, que les

8 acanocese59 Laure�zo Ferrnãdiz sa irdade per plecto que a teuese o abate de Sancto

Martino

9 que, como ue�cese�60, que asi les dese de ista o abade. E que nunqua il los lecxase�

10 daquela irdade61 d[.] se� seu mãdato. Se a lexare�, i �tregare� ille de octra que li plaza.

11 E dauer que oueru� de seu pater, nu[n]qua le li 62 i �de deru� parte. Deu63 du� Gõcaliz

12 o a Laure�co Fernãdiz e Marti � Gõc[a]luiz .XII64. casaes por arras de sua auóó

58 seem: o segundo e foi acrescentado na entrelinha. 59 acanocese: no ms. acanocerse, com r raspado mas ainda visível. 60 ue�cese�: seguido de várias letras riscadas; parece-me reconhecer o e u elevados acima da linha e q. 61 irdade: seguido de d e de uma mancha que parece esconder uma letra. 62 le li : le parece cortado com um traço muito leve. 63 Deu: seguido de a laure� (cortado por um traço horizontal) e de um espaço, preenchido por outro traço.

Page 121: O hiato em português: a tese da conspiração

121

13 E filaru� li il los inde VI casales65 cu� torto. E podedes saber como man

14 do du� Gõcauo a sua morte: De XVI casales de Ueracin66 que de defructaru� e que li

15 nunqua i �de der[u�] quinnõs. E de VII e medio casaes antre Coina e Bastuzio unde li

16 nunqua deru� quiniõ. E de tres i � Tefuosa unde li nu[n]qua ar der[u�] nada. E IIos i � Figeeree

17 do unnde nu�qua67 li deru� quinõ. E IIos i � Tamal u�de li nõ ar deru� quinõ. E da sena

18 ra de Coina u�de no� ar deru� quinõ. E d'uno casal de Coina que leuaru� i �de III anos

19 o frcuctu cu� torto. E por istes tortos que li feceru� tem qua a seu plazo quebrãtado

20 e qua li o deue� por sanar. E de pois oueru� seu mal e meteu o abade paz a[n]tre illes

21 i �no carualio de Laurecdo. E rogouo o abate tãto que beiso cu� illes. E deru�li

22 XVIII I morabitinos qui li filaru�. E de pos iste plecto pre[n]deronli68 o seruical otro

23 ome de sa casa. e troseru�no XVII II dias per mõtes e feceru�les tã máá prisõ

24 per que leuaru� deles quanto poderu� auer. E de pois li desu�ro Gõcauo Gõcauiz

25 sa fili [a] pechena. E irmar[u�] li XIII . casales unde perdeu fructu. E isto

26 fui de pois que furu� fíídos anto abade. E de pois que furu i �fiados por iuizo de ilo

27 rec. E nunqua ille feze neu69 mal por todo aqueste. E fezeles70 taes agudas

28 quales aqui ouirecdes: Super sua aguda fez testiuigo cu� Gõcavo Cebolano

64 XII: seguido de a. 65 casales: seguido de duas palavras cortadas por um traço horizontal. 66Veracin: com N maiúsculo. 67 nu�qu�a: nu seguido de nada riscado e de um espaço que precede o q. 68 prenderonli: no ms., pred’ r’on, o n está cortado por um traço horizontal e li está escrito na entrelinha depois de r e quase sobre on. 69 neu: neun com o n final cortado por um traço muito leve. 70 fezeles: seguido de algumas letras riscadas e ilegíveis.

Page 122: O hiato em português: a tese da conspiração

122

29 E super sa aiuda ar fuili a casa e filoli qua[n]to que li agou e deu a ill es. E super sa

30 aiuda oue testifigo cu� Petro Gomez, omezio qveli custou maes71 ka .C. morabitinos

31 E super sa aiud[a] oue mal cu� Goncaluo Gomez que li custou multo da auer

32 e muita perda. E in sa aiuda oue mal cu� Go[n]caluo Suariz. E in sa aiuda

33 oue mal cu� Ramiro Fernãdiz queli custov muito auer muita perda.

34 E in sa aiuda fui II as fezes a Coi[m]bra. E in sa aiuda dixe mul[ta]s72 uices

35 E ora in ista tregua furu� a Ueraci � amazaru�li os oméés erma[ru�] li X casaes

36 seu torto al rec. E super saiud[a] mãdoc lidar seus oméés cu� Mar

37 tin73 Johanes que quir[ i]a desu�rar sa irmana. E cu� il le e cu� sa casa

38 e cu� seu pam e cu� seu uino ue�cestes uosa erdade. E cu� ill e

39 existis de sua casa74 in ipso die que uola quitaru�. E ille teue a uosa

40 rezõ. E otras aiudas multas que fez. E plus li a custado

41 uosa aiuda quali inde cae derdade. E subre becio e super

42 fíímento, se ar quiserdes ouir as desõras qve75 ante ihc furu�,

43 ar ouideas: Veneru� a uila e fila[ru�] li o porco ante seus filios e com

44 eru�silo. Veneru� alia uice er filaru� otro ante illes

45 er comeru�so. Veneru� i � alia76 uice er filaru� una ansar ante

46 sa filia er comerunsa. In alia uice ar fil iaru�li o pane ante

71 maes: seguido de uma letra riscada. 72 mul: seguido de um s alto riscado. 73 Martin: mar sobre a l. 36, seguido de in, riscado e substituído por tin, escritos na linha seguinte. 74 casa: acrescentado na entrelinha depois da palavra sua. 75 Qve: com o v acima da linha. 76 alia: escrito na entrelinha, depois de i �.

Page 123: O hiato em português: a tese da conspiração

123

47 suos fil ios. In alia uice ar ue[ne]ru� hic er filaru� i �de o uino

48 ante il los.

49 Otra uice(?) ueneru�li filar ante seus filios qua[n]to qve77 li agaru� i � quele

50 casal. E furu�li 78 u ueriar e prenderu� i �de o cõlazo unde mamou79 [o lec]

51 te e gacaru�no e getaru� in terra polo cecar e le[ua]ru�80 delle qua[n]to oue.

52 I � alia uice ar furu� a Feraci � e pre[n]deru� II os oméés e gacaru� nos e leuaru�

53 deles qua[n]to que oueru�. I otra fice ar pre[n]deru� otros II os a se[u] irmano Pelagio81

54 Fernãdiz e iagaru�nos. I � otra ue[ne]ru� a [...] ge [...] tros e leuaru�so [...]

55 ante Pelagio Fernãdiz.

A Cantiga da Ribeir inha

Ai eu coitada!

Como vivo en gram cuidado

por meu amigo

que ei alongado!

Muito me tarda

o meu amigo Guarda!

Ai eu coitada!

77 qve: com o v na entrelinha. 78 furu�li : seguido de o riscado e substituído por u. 79 mamou: seguido, antes do fim da linha, por algumas letras ilegíveis. 80 leuaru�: no ms. na, acrescentado na entrelinha. 81 Pelagio: leitura duvidosa, devido ao apagamento das letras, como a de toda a segunda parte da linha seguinte.

Page 124: O hiato em português: a tese da conspiração

124

Como vivo en gram desejo

por meu amigo

que tarda e non vejo!

Muito me tarda

O meu amigo na Guarda.

El-rei D. Sancho I, C. B., nº 456

Anexo 2: Fontes e dados atuais (Materiais de Oliveira (2006) e os recolhidos

especificamente para esta pesquisa)

Dados recolhidos por Oliveira 2006

(TEXTO 3 recolhido pela autora)

Má g o a s d e a d o l e s c e n t e s

Durante o intervalo, as três amigas, Lucinha, Juliana e

Tatiana, conversam, enquanto de voram uma broa com goiabada e

refrigerante de uva, uma mistura que elas adoram.

– Vamos passear na lagoa depois da aula? Aí, Ju, a gente pode

até pedir emprestada a canoa do seu tio.

– É uma boa, tô d e bobeira mesmo . A gente depois pode tira r de

novo umas fotos lá no navio encalhado. Da outra vez só apareceu

um pedacinho da proa e metade da minha cabeça.

E aí, Tati?

Page 125: O hiato em português: a tese da conspiração

125

– Tudo bem, eu também vou ficar à toa hoje e ... Ah não! Lá vem

o enjoado do Caio.

– E aí, meninas? Qual é a boa de hoje?

– Ficar longe de gente que cause enjôo! – responde Tati,

irritada.

– Tati, que cabelo é esse? Tá parecendo uma leoa. Dizem que

xampu de aloe vera é muito bom pra abaixar o volume – implica o

garoto.

A menina replica com raiva:

– Por que voc ê não zo a o espelho ? Com essas orelha s parece a té

que vai levantar vôo.

Lucinha intervém:

– Caio, eu não suporto que você zoe as minhas amigas. Pare, por

favor!

– Tá bom, Lucinha, eu nã o zôo ma i s. Mas essa sua amiga é muit o

esquisita, além da jub a ruiva ela tem a barrig a que nem d a

leitoa que meu avô cria. Deus que me perdoe!

– Se Deus te perdoa e u não sei, só sei que eu não perdôo . Não

fala mais comigo, seu grosso! – responde Tati, magoada, e se

afasta.

– Caio, não vê que assim você magoa as pessoas à sua volta?

– Eu magôo?! Dá um tempo! As pessoas é que são muito sensíveis.

Vou dar pra sua amiguinha uma coroa de “ r ai nha da mágo a ” . Só

vive magoadinha.

Juliana interrompe:

– Quer que eu te coro e também? Que tal “ r ei do noj o ” ? Todo

mundo enjoa de ficar

perto de você! Vamos embora, Lucinha.

As duas se afastam e Juliana desabafa:

Page 126: O hiato em português: a tese da conspiração

126

– Vou inventar um apelido pra ele, vai ver só!

– Não paga com a mesma moeda n ão. Ele só vai aprender a dar

valor às pessoas depois que perder a amizade de todo mundo.

Exemplo de transcrição82...

Informante masculino, faixa 3 (RJ)

Sobre o texto 3 – Nessa segunda parte, eu entendi que a s

pess [ow] as, elas devem ser amigas umas das outras e não tentar

mag[u ]ar ou de u m certo, um a cer t a forma, eh debocha r de cad a

pess [ow] a , cada pess [ow] a ... ela tem que ser do jeito que ela

é porque ela é feia ou bonita , não importa. O qu e importa é o

interior dela, e que cada um seja feliz e nós ... cada vez mais

seja unido uns com os outros.

Anexo 4: Textos usados para recolha de dados

TEXTO I

Rateo, Andréa e Manoela são professores de uma faculdade em Boa Vista (Roraima) e

durante o intervalo conversam:

- E então, Manoela, você continua parafraseando e romanceando os textos que lê?

82 Cf as demais transcrições em Oliveira (2006).

Page 127: O hiato em português: a tese da conspiração

127

- Agora nem tanto, Rateo. Atualmente tenho freado os parafraseamentos e os

romanceamentos.

- Por que? O que houve?

- Resolvi usar as minhas próprias idéias. Hoje tenho em minha mente a idealização da

publicação de um livro inédito. Parei de cambalear a respeito do que fazer.

- Ah, então já vou começar a apregoar a boa nova: Manoela agora virou escritora!

E você, Andréa, também possui algum ideal?

- Bem, o meu ideal é conseguir um namorado, mas estou com um sério problema...

- Qual? Pergunta Rateo.

- Saber como enfearei as minhas rivais!

- Você já pensou em ensaboar todas as rivais com uma espuma bem grossa e irremovível?

- Boa idéia, você me ajuda?

- Tudo bem, ensaboamos todas e quando os candidatos fizerem a seleção, no coamento

seletivo, todas ficarão retidas e apenas você permanecerá...

- Escoamento seletivo? Você usa cada termo, Rateo.

- Que graça tem usar as mesmas palavras que as outras pessoas? Gosto de ser diferente e

ponto!!

- Bom, pessoal, já saboreamos o lanche, freamos as idéias, enfeamos as pessoas, agora é

hora de voltar ao trabalho.

- Espere um pouco, Manoela, falta uma coisa...

- O quê?

- Ainda não escaneamos o Rateo, um homem tão bonito precisa de cópias para fazer a alegria

de várias mulheres, afinal, é ele o nosso próximo ideal a ser conquistado...

- Pode deixar comigo, eu escaneio muito bem, escaneamento é comigo mesmo!

- Espertinha...

Page 128: O hiato em português: a tese da conspiração

128

- Calma, meninas, não briguem. A partir de amanhã, cearei cada dia com uma, mas hoje à

noite ceamos todos juntos e depois, se vocês quiserem, passeamos pela cidade. Será um

prazer estar com vocês porque sempre passeio só, sou praticamente um menor abandonado...

Me dei bem...

TEXTO II

TEANDO O INESQUECÍVEL

Certa manhã,

Quando o sol, sem ratear,

Mostrou-se uma vez mais,

Saboreamos o início de um novo dia.

Foi necessário que freássemos nossos imaturos impulsos.

Tínhamos o anseio de romancear o inédito,

De romper os limites.

Mas, sem muitas novidades,

Fizemos de nossa manhã um momento mágico.

Ao chegar à tarde,

Enquanto teamos nosso ninho de amor,

Onde passaríamos a noite,

parafraseamos os versos de amor lidos em um livro antigo.

Mas, nada é eterno,

Page 129: O hiato em português: a tese da conspiração

129

Com o fim do dia, chegamos à noite.

Ceamos e não rateamos ao escolher o último desfrute do dia,

Que fecharia aquele momento inesquecível.

Passeamos pelo jardim e,

Como se fosse o nosso último momento juntos,

Admiramos o escoamento das águas de uma linda cachoeira e,

No bamboleamento que envolvia nossos sonhos,

Dormimos formando um só ser e uma só alma,

Naquele dia inesquecível.

Anexo 5: Perguntas feitas sobre os textos acima

Sobre o texto I:

Pergunta 1: Quais são os personagens do texto?

(Rateo, Andréa e Manoela)

Pergunta 2: O que Manoela costumava fazer com os textos que lia?

(Parafraseava e Romanceava)

Pergunta 3: Qual era o problema de Andréa com suas rivais?

(Não sabia como as enfear)

Pergunta 4: Que termo estranho usa o professor?

(Coamento seletivo)

Pergunta 5: No final da conversa, Manoela resume o que fizeram durante o diálogo. Você

pode reproduzir esse resumo?

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130

(“Saboreamos o lanche, freamos as idéias, enfeamos as pessoas”)

Pergunta 6: O que as personagens resolvem fazer para que as mulheres fiquem alegres?

(Escanear Rateo)

Pergunta 7: O que o personagem resolve sobre as suas próximas ceias?

(Que ceará cada dia com uma)

Sobre o texto II

Pergunta 1: Qual o título do texto?

(Teando o inesquecível)

Pergunta 2: O que os dois primeiros versos da segunda estrofe sugerem a você?

( Resposta pessoal. Ex.: Que devemos nos frear e romancear mais o trivial)

Pergunta 3: O que os amantes fizeram com os versos lidos no livro antigo?

(Fizeram um parafraseamento)

Pergunta 4: O que envolveu o sonho dos amantes?

(Um bamboleamento)

Page 131: O hiato em português: a tese da conspiração

131

Anexo 6: Transcrições

Palavras Inf. 1 Inf. 2 Inf.3 Inf.4 Inf.5 Inf.6 Inf.7 Inf.8 Inf.9

Ra/�teo/ [ �t(w] [ �tej.jo] [ �tej.jo] [ �tej.jo] [ �tej.jo] [ �t(w] [ �tej.jo

]

[ �tej.j

o]

[ �tej.j

o]

Parafra/se�a/mos [ze.�a] [z�ja] [z�ja] [z�ja] [z�ja] [z�ja] [z�ja] [z�ja] [ �zja]

Parafra/sea/men

tos

[se.a] [sja] [sja] [sja] [sja] [sja] [sja] [sja] [se.a

]

Roman/sea/men

tos

[se.a] [sja] [sja] [sej.ja] [sja] [sja] [sja] [sej.j

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Id/�ea/83 [ �(j.ja] [ �(j.ja] [ �(j.ja] [ �(j.ja] [ �(j.ja] [ �(j.ja] [ �(j.ja] [ �(j.j

a]

[ �(j.j

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Camba/le�ar/ [ le.�ax] [ �ljax] [ lej.�jax] [ �ljax] [ �ljax] [ le.�ax] [ le.�ax] [ lej.�j

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[e.�a

x]

Sabo/re�a/mos [_e.�a] [ �_ja] [ �_ja] [_ej.�ja] [ �_ja] [ �_ja] [_e.�a] [ �_ja] [ �_ja]

/Koa/mento [kow.wa] [kow.wa

]

[kow.wa

]

[kow.wa

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[kow.wa

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[kow.wa

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[kow.

wa]

[kow

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[ow.

wa]

En/fea/rei [fej.ja] [fej.ja] [fej.ja] [fej.ja] [fej.ja] [fej.ja] [fej.ja] [fej.j

a]

[fej.j

a]

Esca/�neo/ [ �nej.jo] [ �nej.jo] [ �nej.jo] [ �nej.jo] [ �nej.jo] [ �nej.jo] [ �nej.jo

]

[ �nej.

jo]

[ �nej.

jo]

/f_e�a/mos [f_e.�a] [f_ej.�ja] [f_ej.�ja] [f_ej.�ja] [f_ej.�ja] [f_ej.�ja] [f_ej.�j

a]

[f_ej.

�ja]

[f_ej.

�ja]

83 Como mencionado anteri[]ormente[] , estam[]os considerando na forma subjacente a estrutura de hiato.

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132

Em/fe�a/mos [fej.�ja] [fej.�ja] [fej.�ja] [fej.�ja] [fej.�ja] [fej.�ja] [fej.�ja

]

[fej.�j

a]

[fej.�j

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Esca/ne�a/mos [ne.�a] [nej.�ja] [ �nja] [nej.�ja] [ �nja] [ �nja] [ �nja] [ �nja] [ �nja]

Esca/nea/mento [nej.ja] [nej.ja] [nej.ja] [nej.ja] [nja] [nja] [nja] [nej.j

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[nej.j

a]

/Cea/rei [sej.ja] [sej.ja] [sej.ja] [sej.ja] [sej.ja] [sej.ja] [sej.ja] [sej.j

a]

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/Ce�a/mos [sej.�ja] [sej.�ja] [sej.�ja] [sej.�ja] [sej.�ja] [sej.�ja] [sej.�ja

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Pa/se�a/mos [se.�a] [ �sja] [ �sja] [ �sja] [ �sja] [ �sja] [ �sja] [ �sja] [sej.�

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Pa/�seo/ [ �sej.jo] [ �sej.jo] [ �sej.jo] [ �sej.jo] [ �sej.jo] [ �sej.jo] [ �sej.jo

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/Te�a/mos [te,�a] [tej.�ja�] [tej.�ja] [tej.�ja] [tej.�ja] [tej.�ja] [tej.�ja] [tej.�j

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Ra/te�ar/ [te. �ax] [ �tjax] [ �tjax] [ �tjax] [tej.�jar] [ �tjax] [te.

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/f_e�a/ssemos [f_ej.�ja] [f_ej.�ja] [f_ej.�ja] [f_ej.�ja] [f_ej.�ja] [f_ej.�ja] [f_ej.�j

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Roman/ce�ar/ [ �sjax] [ �sjax] [ �sjax] [ �sjax] [ �sjax] [ �sjax] [ �sjax] [ �sja

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Ra/te�a/mos [te.�a] [te.�a] [tej.�ja] [te.�a] [tej.�ja] [tej.�ja] [te.�a] [tej.�j

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Es/coa/mento [kow.wa] [kow.wa [kow.wa [kow.wa [kow.wa [kow.wa [kow. [kow [kow

Page 133: O hiato em português: a tese da conspiração

133

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Bambo/lea/men

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Esca/ne�ar/ [ �njax] [ �njax] [ �njax] [ �njax] [ �njax] [ �njax] [ �njax] - -

Parafra/ze�a/ram [ �zja] [ze.�a] [ �zja] [zej.�ja] [ �zja] [ �zja] [ �zja] [ �zja] [zej.�

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An/�seo/ [ �sej.jo] [ �sej.jo] [ �sej.jo] [ �sej.jo] [ �sej.jo] [ �sej.jo] [ �sej.jo

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En/fe�ar/ [fej.�jax] [fej.�jax] [fej.�jax] [fej.�jax] [fej.�jax] [fej.�jax] [fej.�ja

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