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OGRANDE

INCÊNDIODO

CHIADO1 9 8 8

ALFREDO CUNHA / FERNANDO RICARDOJOSÉ CARLOS PRATAS / RUI OCHOA

PREFÁCIO DE ANTÓNIO VALDEMAR

L I S B O Atinta ‑da ‑china

M M X I I I

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Era um dia luminoso de Verão e de céu muito azul. Mas Lisboa acordara, a 25 de agosto de 1988, com o fogo e o fumo a asfixiarem o Chiado. O vento alastrava, com intensidade crescente, chispas, faíscas e centelhas de fogo que se acumulavam na Baixa, noutras áreas da cidade, atravessavam o Tejo e chegavam até longe.

As chamas propagavam ‑se. Bilhas de gás rebentavam com estrondo. Sucediam ‑se as derrocadas. Admitiu ‑se a impossibilidade de controlar o fogo.

Houve, durante horas, momentos de angústia, de sobressalto e de pânico. Acentuava ‑se a ameaça de irrupção de mais chamas. Interrompia ‑se o fornecimento de energia elétrica e fechava ‑se a rede de gás para diminuir o perigo de explosões. Os habitantes abandonavam as casas.

O incêndio começou nos Armazéns Grandela. Apenas havia no local extintores rudimentares que para nada serviram.

O edifício onde deflagrou o incêndio era de construção antiga, com paredes em alvenaria, pavimentos em madeira assentes sobre estrutura metálica, tetos estucados, divisórias em tabique, escadas em madeira e cobertura mista de madeira e metal. As escadas que ligavam os diversos pisos não eram enclausuradas; no seu conjunto, o edifício funcionava como um único compartimento de fogo.

Chiado25 anos depois

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Eram muito semelhantes os Armazéns do Chiado. E sem meios de segurança ou sistema de deteção e extinção de fogos. A carga térmica extremamente elevada resultou da combustão das secções dos diferentes pisos: pronto ‑a ‑vestir para homem, senhora e criança, camisaria, sapataria, perfumaria, atoalhados, louças, plásticos, eletrodomésticos, audiovisuais, mobiliário, brinquedos, artigos de desporto e campismo, alcatifas e cortinados.

Assim, os Armazéns Grandela e os do Chiado ficaram, rapidamente, destruídos. As estruturas bastante vulneráveis não opuseram qualquer resistência. De todos os lados, chamas. A rua do Carmo foi o rastilho. Vários materiais inflamáveis intensificaram a combustão. Toda a área ficou repleta de fumo, cada vez mais espesso.

Eram muito difíceis os acessos à rua do Carmo, por causa da recente implantação de esplanadas, bancos de jardim, vasos de plantas, que, ao surgirem, motivaram críticas pertinentes de bombeiros, comerciantes, arquitetos, partidos políticos e dirigentes autárquicos. As corporações de bombeiros de Lisboa e arredores debateram ‑se com inúmeros obstáculos. Cortaram as ligações telefónicas. Em face do calor insuportável e do fumo asfixiante, muitos bombeiros tiveram de utilizar panos, a fim de proteger o rosto. Não havia em quantidade suficiente equipamento com máscaras de oxigénio.

O vento continuava. Os riscos eram evidentes. Nas instalações do Montepio havia milhões de contos em dinheiro, papéis de crédito e outros valores. Contudo, a estrutura do edifício impediu a voracidade do fogo. Mas outros locais, sem estas condições, reclamaram medidas urgentes. Foi o que se verificou num cartório notarial da rua Nova do Almada e nos arquivos do Tribunal da Boa Hora. O acervo de pintura e escultura da Academia de Belas ‑Artes e as obras do Museu do Chiado

seguiram para a cidadela de Cascais. Maior apreensão sentiu‑‑se perante a ameaça de as chamas invadirem o espaço do Comando da Polícia de Segurança Pública, que guardava grande quantidade de explosivos e de combustíveis. Todo o quarteirão teria ardido.

Apesar de as chamas não estarem dominadas, do crepitar da madeira queimada, do ruído de vidros a estilhaçarem ‑se, o incêndio foi considerado circunscrito cerca das nove horas da manhã. Não atingiu a rua do Ouro, embora tivesse afetado parte da rua do Crucifixo, parte da rua do Carmo e da rua Nova do Almada, o primeiro lanço da rua Garrett e uma ala da calçada do Sacramento. Os trabalhos de rescaldo prolongaram‑‑se até 5 de setembro.

Um balanço sumário da tragédia humana colocou ‑nos perante dois mortos, um homem de 70 anos retirado sem vida das ruínas de um prédio e um bombeiro de 31 anos que viria a falecer a 2 de setembro, além de 60 bombeiros feridos e mais 73 pessoas com ferimentos, queimaduras e intoxicações. Os prejuízos materiais elevaram ‑se a mais de cinco milhões de contos, em dinheiro da época. Houve 18 edifícios totalmente destruídos, cerca de 300 pessoas desalojadas e uns dois mil trabalhadores atirados para o desemprego.

As causas do incêndio deram oportunidade a conjeturas e especulações que apontavam para suspeitas de origem criminosa. Todavia, durante as averiguações, não se conseguiram recolher elementos para sustentar a hipótese de fogo posto. Desapareceram todas as pistas relativas ao início do incêndio. Exames periciais admitiram como plausível um curto ‑circuito, visto que pendiam numerosos fios elétricos.

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No apuramento das responsabilidades, os relatórios oficiais insistiram na falta de cumprimento de regras básicas de segurança. Os sapadores bombeiros já haviam advertido para riscos múltiplos na Baixa, no Chiado, no Bairro Alto, em Alfama e na Mouraria. Qualquer destas zonas era (e continua a ser) um barril de pólvora.

No caso concreto do Chiado, em muitos prédios, nos últimos andares, instalaram ‑se fábricas clandestinas com aparelhos elétricos cuja voltagem excedia a capacidade da rede; e havia fornos e fogões alimentados a botijas de gás. Se um ou outro edifício possuía sistemas de alarme e deteção ligados à central dos bombeiros — por exemplo, o Montepio —, a maior parte não dispunha dos requisitos e mecanismos adequados para evitar uma fatalidade.

As imagens selecionadas e publicadas neste livro, da autoria de Rui Ochoa, Alfredo Cunha, Fernando Ricardo e José Carlos Pratas, obtidas muitas vezes em situações de alto risco, constituem a grande reportagem da tragédia de 25 de agosto de 1988. Documentam a amplitude do incêndio e as horas de inquietação que se viveram. Todavia, além do registo factual, também evidenciam quatro notáveis fotógrafos, com modos distintos de olhar e de sentir a realidade.

Durante alguns anos, enquanto se procedia à reconstrução, o Chiado ostentava o cenário macabro de prédios devorados pelas chamas. Escombros sobre escombros. Cinzas e lamas. Do vendaval do fogo perdurava uma visão aterradora.

PATRIMÓNIO DESTRUÍDO

Lisboa foi afetada no seu património tradicional. Perderam ‑se edifícios que atribuíam caráter à cidade. Uns tinham histórias próprias; outros, quando não a possuíam, ficaram na História por se inserirem num conjunto com fortes raízes culturais e cívicas.

A catástrofe teria adquirido ainda maiores dimensões — conforme se chegou a presumir — se o incêndio tivesse avançado, através da rua Ivens, para o espaço do antigo convento de São Francisco e atingido a Polícia. Mesmo debaixo das principais salas do Museu do Chiado (ao tempo denominado Museu Nacional de Arte Contemporânea), encontravam ‑se o parque de estacionamento das viaturas e os depósitos do Comando da Polícia de Segurança Pública, repletos de gasolina para abastecer a frota automóvel.

O fogo, além da Polícia, do Governo Civil, do Museu, da Rádio Renascença, da Basílica dos Mártires, reduziria a escombros e a cinzas a Academia de Belas ‑Artes e a Faculdade de Belas‑‑Artes. O mar de chamas a lavrar no espaço do antigo convento de São Francisco abrangeria o Grémio Literário, o Hospital da Ordem Terceira e o Teatro Nacional de São Carlos. Teria sido o fim das grandes referências emblemáticas do Chiado.

O inventário dos danos, entre outros exemplos e sem proceder a uma exaustiva pormenorização, começa por incluir os Armazéns Grandela, os Armazéns do Chiado, os Armazéns Eduardo Martins, cada qual com as suas características. Adaptaram, em Lisboa, o modelo criado, em 1852, por Aristide Boucicaut, no Au Bon Marché de Paris.

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© 2013, Autores eEdições tinta ‑da ‑china, Lda.

Rua Francisco Ferrer, 6A1500 ‑461 Lisboa

Tels: 21 726 90 28/9E ‑mail: [email protected]

www.tintadachina.pt

Título: O Grande Incêndio do Chiado

Projeto editorial:O Bando dos 4

Fotógrafos:Fernando Ricardo, Rui Ochoa,

Alfredo Cunha, José Carlos Pratas

Prefácio:António Valdemar

Design e composição:Alexandre Fernandes

Digitalização e tratamento de imagem:Alfredo Cunha

Revisão:Tinta ‑da ‑china

1.ª edição: Agosto de 2013ISBN 978 ‑989‑671‑174‑0

Depósito Legal n.º 363161/13

Os autores agradecem a António Costa e Manuel Brito.

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foi composto em caracteres Neutra Text e impresso pela Guide, Artes Gráficas, sobre papel Gardapat Klassic de 150 g,

no mês de Agosto de 2013.

OGRANDE

INCÊNDIODO

CHIADO