o governo do poder judiciÁrio: efetividade e … · momentos de apogeu, mas também de...

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1 FUNDAÇÃO EDSON QUEIROZ UNIVERSIDADE DE FORTALEZA – UNIFOR CURSO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS - CCJ PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO CONSTITUCIONAL O GOVERNO DO PODER JUDICIÁRIO: EFETIVIDADE E INDEPENDÊNCIA NO CONTEXTO DA ATUAÇÃO DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA Pedro Rafael Malveira Deocleciano Fortaleza - CE Agosto, 2010

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FUNDAÇÃO EDSON QUEIROZ UNIVERSIDADE DE FORTALEZA – UNIFOR CURSO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS - CCJ PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO CONSTITUCIONAL

O GOVERNO DO PODER JUDICIÁRIO: EFETIVIDADE E

INDEPENDÊNCIA NO CONTEXTO DA ATUAÇÃO DO

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA

Pedro Rafael Malveira Deocleciano

Fortaleza - CE Agosto, 2010

2

PEDRO RAFAEL MALVEIRA DEOCLECIANO

O GOVERNO DO PODER JUDICIÁRIO: EFETIVIDADE E

INDEPENDÊNCIA NO CONTEXTO DA ATUAÇÃO DO

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Direito Constitucional, sob a orientação da Professora Maria Lírida Calou de Araújo e Mendonça.

Fortaleza – Ceará 2010

3

________________________________________________________________ D418g Deocleciano, Pedro Rafael Malveira.

O governo do poder judiciário : efetividade e independência no contexto

da atuação do Conselho Nacional de Justiça / Pedro Rafael Malveira Deocleciano. - 2010.

133 f. Dissertação (mestrado) – Universidade de Fortaleza, 2010. “Orientação: Profa. Dra. Maria Lirida Calou de Araújo e Mendonça.” 1. Poder Judiciário. 2. Justiça. 3. Conselho Nacional de Justiça. I. Título. CDU 342.56 ________________________________________________________________

4

PEDRO RAFAEL MALVEIRA DEOCLECIANO

O GOVERNO DO PODER JUDICIÁRIO: EFETIVIDADE E

INDEPENDÊNCIA NO CONTEXTO DA ATUAÇÃO DO

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA

BANCA EXAMINADORA

_____________________________________________

Prof. Dra. Maria Lírida Calou de Araújo e Mendonça

UNIFOR

_____________________________________________

Prof. Dra. Gina Vidal Marcílio Pompeu

UNIFOR

_____________________________________________

Prof. Dr. Walter Nunes da Silva Junior

UFRN

5

Uma instituição é democrática quando seja funcional para o sistema democrático, quer dizer, quando seja necessária para sua continuidade, como ocorre com o judiciário (Eugenio Raúl Zaffaroni)

6

AGRADECIMENTOS

Aos meus pais, Tarcísio e Amélia, por todo amor, esforço e zelo empregados na minha

formação e por, em nenhum momento, duvidarem ou deixarem de apostar nos meus sonhos.

Aos meus irmãos, Otacílio e Patrícia, a Márcio e aos meus sobrinhos queridos, Renata e João

Paulo, pelo apoio e convivência feliz.

À minha querida professora Lírida Calou, pela confiança e pelo carinho de mãe que

me foram passados através de toda a sua luz e espontaneidade. Por todos os anos (graduação e

mestrado) de dedicação, convivência, honestidade e experiência dirigidas à minha formação,

como acadêmico e como ser humano.

À disponibilidade do professor Dr. Walter Nunes em participar desta banca

examinadora.

À professora Dra. Gina Vidal Marcílio Pompeu em participar da banca examinadora,

pelos ensinamentos e pela paixão com a qual exerce o magistério.

À minha esposa Belânia pela convivência, paciência, confiança no decorrer de mais

esta jornada e pela inestimável ajuda na escolha do tema deste trabalho.

Aos amigos que angariei durante mais esta caminhada: Ana Rita, Lisboa Rodrigues,

Vanessa, Nathalie, Paulo Henrique Fontenelle, Joffre, Tércio, Valter, aos professores e a todo

o pessoal da coordenação do PPGD-UNIFOR. Sem eles nada teria graça.

Ao meu grande amigo e mais novo cidadão brasiliense Péricles Sousa, que teve

contribuição fundamental nos rumos deste trabalho, dispondo suas honestas sugestões e das

ininterruptas discussões travadas em conversas pessoais, e-mails, telefonemas, SMS e MSN.

Ao meu amigo Renato Leite Monteiro por significar um sinônimo de superação e de

conquistas comemoradas a fortes goles de café madrigal.

Aos demais professores que exercem com amor e dedicação um ofício tão pouco

prestigiado em nosso país.

Por último e mais importante: ao infalível Deus.

7

RESUMO

O objetivo deste trabalho é abordar a natureza e as atribuições do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A tentativa de conduzir uma pretensa reforma que conseguisse sanar os impasses institucionais e democráticos do Poder Judiciário foi um desafio que teve os seus momentos de apogeu, mas também de dificuldades. É bem verdade que tramitam outras propostas de alteração da Constituição, encarrilhando um processo de reforma que, ao menos em número de alterações, não encontra precedentes em nossa ordem constitucional democrática. No entanto cumpre dizer que a Emenda Constitucional nº 45/2004, intitulada de reforma do Judiciário, teve um papel importante na reordenação de questões que atemorizavam com mais vigor a legitimidade de atuação dos agentes que compõem essa estrutura do Poder. O objeto de estudo, conforme dito, é o CNJ, analisado no contexto da reforma executada pelo legislador, mas também na ambiência das reformas que vêm sendo articuladas de dentro do próprio Judiciário. Nesse sentido, enfoca-se sua performance administrativa e como gestor de políticas públicas para a realização de princípios constitucionais ciosos de eficácia. A pesquisa possui um viés descritivo e, ao mesmo tempo, dialético, haja vista a necessidade de aprofundar o debate sobre o Poder Judiciário e mais propriamente a respeito do CNJ, tendo sido elaborado um estudo bibliográfico, jurisprudencial, artigos de revistas especializadas, legislação e disposições regulamentares do CNJ e notícias angariadas da internet sobre o tema. Analisando temas que vão desde a crise no Judiciário, empecilhos, conquistas e limites, até sua ascensão qualitativa, o trabalho tem por finalidade averiguar a possibilidade da concretização do controle democrático no Judiciário, perquirindo se a atuação do CNJ é benéfica ou maléfica à realização desse intento.

Palavras-Chave: Judiciário. Controle democrático. Conselho Nacional de Justiça. Limites.

8

ABSTRACT

The purpose of this study is approach the nature and the tasks of the National Council of Justice (NCJ). The attempt to conduct a kind of reform that could address the institutional and democratic impasses of the Judiciary Power was a challenge that had its ups and downs. It is true there are other proposals for constitutional change, starting a reform process that, at least in number of amendments, is unprecedented in our constitutional democratic order. However, it should be said that the Constitutional Amendment n. 45/2004, entitled Judiciary Reform, had an important role in reordering questions that terrified more vigorously the legitimacy of action of agents that make up this structure of power. The object of study, as stated, is the NCJ examined into the background of the reform implemented by the legislature, but also in the ambience of the reforms that have been articulated within the judiciary itself. In this sense, it focuses on its administrative performance and as manager of public policies for the realization of constitutional principles waiting for efficacy. The research has a descriptive structure and, at the same time, dialectical, because the need to deepen the debate on the judiciary and more precisely about the NCJ, through what was prepared a literature search, case law, journal articles, legislation and regulations of the NCJ and news raised by the internet on the subject. Looking at themes ranging from the crisis in the judiciary, setbacks, achievements and limits, until its qualitative ascension, the study aims to investigate the possibility of realizing the democratic control in the judiciary, inquiring whether the actions of the NCJ is beneficial or harmful in achieving this intent.

Keywords: Judiciary Power. Democratic Control. National Council of Justice. Limits.

9

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.................................................................................................................

11

1 A(S) CRISE(S) DO PODER JUDICIÁRIO................................................................... 16

1.1 Crise estrutural e de eficiência................................................................................. 18

1.1.1 Os serventuários: uma face esquecida do Poder Judiciário............................ 22

1.1.2 A mora da prestação jurisdicional e a crise de confiabilidade....................... 26

1.2 A crise de mentalidade............................................................................................ 31

1.3 A Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (ENFAM): aperfeiçoamento e mudança de paradigma na magistratura brasileira...............................

38

1.4 A missão do juiz da Constituição Federal de 1988..................................................

41

2 AS REFORMAS DO JUDICIÁRIO: A NECESSIDADE DE MUDANÇAS E AS INCERTEZAS DA SOLUÇÃO.........................................................................................

46

2.1 Reordenação Constitucional: os impasses a sua concretização...............................

47

2.2 Reformas efetivas ou emendas para alterar emendas: o que esperar das outras fases da reforma constitucional?........................................................................................

51

2.3 Reformas de atitude no Poder Judiciário: críticas e propostas................................

54

2.4 O Conselho Nacional de Justiça: o saldo positivo da EC nº. 45/2004?................... 56

3 O CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA: CONTROLE E INDEPENDÊNCIA DO JUDICIÁRIO....................................................................................................................

58

3.1 Controle (externo ou interno) do Poder Judiciário: entre a independência e o exercício de seus deveres constitucionais...........................................................................

61

3.2 A composição do CNJ............................................................................................. 65

3.3 Natureza jurídica do Conselho Nacional de Justiça................................................

67

10

3.4 A autonomia e as atribuições do CNJ...................................................................... 69

3.5 A responsabilidade social no âmbito do Poder Judiciário......................................

72

3.6 A atividade regulamentadora do CNJ e o alcance das resoluções...........................

74

3.6.1 O Estatuto da Magistratura e os atos do CNJ: convalidação ou (in) constitucionalidade superveniente?....................................................................................

75

4 A ABERTURA DA JUSTIÇA BRASILEIRA: O CNJ E A REFORMA DO JUDICIÁRIO EM MOVIMENTO.....................................................................................

80

4.1 Desvendando a caixa preta: a função disciplinar do CNJ......................................... 80

4.1.1 Atuação disciplinar e procedimento................................................................. 84

4.1.2 A função disciplinar do CNJ em números e em casos concretos..................... 86

4.2 A atuação do CNJ e a aproximação social: por uma justiça na prestação................ 87

4.2.1 O direito de informação/participação................................................................ 87

4.2.2 A materialização de instrumentos para otimizar o acesso à justiça.................... 91

4.3 Repensando as atribuições dos Poderes do Estado no contexto dos acordos institucionais.......................................................................................................................

94

5 OS LIMITES DAS ATRIBUIÇÕES DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA..... 100

5.1 A competência do STF: acesso à justiça ou excesso de justiça?.............................. 100

5.2 O princípio da subsidiariedade no contexto da competência do CNJ...................... 107

5.3 O CNJ em juízo: definições e limites....................................................................... 111

5.4 A resistência dos magistrados e os choques internos............................................... 115

CONCLUSÃO....................................................................................................................

122

REFERÊNCIAS.................................................................................................................

126

11

INTRODUÇÃO

A pretensão de uma análise crítica do Poder Judiciário brasileiro é relevante na

medida em que oportuniza o enfrentamento de questões que ainda impermeabilizam a sua

confiabilidade perante a sociedade e, principalmente, a sua eficaz atuação como instrumento

de cidadania.

O trabalho busca desvelar aspectos importantes sobre o Poder Judiciário, tendo como

referência o marco da Emenda Constitucional nº 45/2004, intitulada de Reforma do

Judiciário. Após cinco anos de vigência e evidente eficácia, as alterações ocorridas na

Constituição Federal geraram uma mobilização e um impacto social jamais vistos,

principalmente, no que toca ao âmbito judicial, o qual, pós-1988 até então, não tinha

encontrado o caminho para a construção de uma identidade institucional preconizada pelo

legislador constituinte. Esse talvez tenha sido o grande mérito da reforma: por onde começar

e como unir força por um Judiciário mais republicano e célere.

Pela força da escrita doutrinário-científica e pela constatação existencial dos fatos não

é possível afirmar que tudo anda bem no Judiciário brasileiro. É dizer, se, por um lado, os

problemas existem, por outro e com entusiasmo, as soluções cercam este trabalho mais

intensamente. Para tanto, foi elaborado um estudo descritivo sobre pontos reputados

imprescindíveis a uma mudança paradigmática da Justiça, abordando não somente as suas

responsabilidades ou defeitos, mas o compromisso da sociedade e dos outros Poderes ante os

seus deveres constitucionais.

Dentre as mudanças aventadas neste trabalho está o objeto principal da análise

proposta: o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Instituído pela EC nº 45/2004, o CNJ surgiu

como o objetivo de imprimir no Judiciário mudanças ordenadas e qualitativas, reavivando

princípios constitucionais, estabelecendo novos critérios de administração judiciária, vigília

das atividades desempenhadas pelos Tribunais e aguçando a responsabilidade social daquele

Poder. Em outros termos, a reforma, através do CNJ, buscou dar novos ares ao Judiciário,

12

haja vista o comportamento alheio às incumbências políticas e sociais conferidas a este Poder

pelo Estado brasileiro.

Mais do que estabelecer um órgão de controle e que tivesse o papel de exigir conduta

compatível com a dignidade e decoro ético-profissional, o CNJ representou a materialização

de um governo a galgar um Judiciário transparente e democrático. Uma tentativa que,

inegavelmente, vem causando impactos positivos na administração e na prestação

jurisdicional. Ao contrário dos que profetizavam o retrocesso e o esmaecimento da

independência judicial, alcançou uma dimensão de responsabilidade social que tem

propiciado um espaço relevante nas discussões pertinentes a efetivação dos direitos, da

cidadania e do próprio papel da magistratura como agente indutor das transformações sociais.

A pesquisa está pautada numa abordagem dialética, onde se expõe uma situação de

instabilidade institucional do Poder Judiciário em face da atuação do Conselho Nacional de

Justiça como propulsor das mudanças pós EC nº 45/2004, avaliando a potencialidade e os

limites da instauração de um real controle democrático no Judiciário brasileiro. Também

procura demonstrar que a otimização das funções institucionais pode contribuir para a

realização e obediência da Constituição, enfocando a importância de se buscar outros

caminhos legítimos para a efetivação dos direitos. Nesse sentido, coloca-se em evidência a

atividade do Conselho Nacional de Justiça, através de sua atuação administrativa e

integrativa.

A partir de uma proposta hermenêutica de análise de dados bibliográficos, juntamente,

com a coleta de decisões e dados estatísticos no sítio do Supremo Tribunal Federal (STF) e do

CNJ, foi possível dimensionar a problemática deste trabalho, apontando sugestões pertinentes

a sua resolução. O exame possui relevância acadêmica e científica, uma vez que tem por

finalidade suscitar o debate (entre a doutrina e os profissionais do direito) sobre questões que

passam pelo constitucionalismo brasileiro, a legitimidade democrática e a reavaliação do

papel do Judiciário perante os novos direitos e às constantes demandas.

Demonstrando-se, então, que o debate de posicionamentos e os estudos pela doutrina,

preferencialmente, nacional podem ser valiosos para desbravar novos horizontes de um

constitucionalismo que, muitas vezes, não encontra uma identidade e ideologia próprias. De

outro lado, faz-se premente reunir esforços da doutrina estrangeira, depurando-a à realidade

13

do nosso país, evitando intermináveis circularidades, que comumente resultam numa série de

obstáculos intransponíveis à solução dos problemas e à relevância da discussão acadêmica.

No primeiro capítulo, realizou-se uma análise a respeito dos problemas que rodeiam o

Judiciário. A enunciação de uma “crise” não pretendeu ampliar suas principais fraquezas no

sentido de causar perplexidade ou mesmo dramaticidade acerca das barreiras que ainda

precisam ser enfrentadas por este Poder. Ainda que possa parecer falacioso primar pelo ideal

de conduta das instituições e dos seus agentes ou, mesmo, pensar que um ou outro

comportamento possa afigurar-se como inalcançável, pela essência do ser humano, é

incontestável dizer da existência dos problemas pontuais que permeiam a eficácia e

operabilidade da função jurisdicional e, principalmente, das respostas que estão sendo

oferecidas e das que podem contribuir com boa política judiciária.

A percepção para o exercício de condutas que visem a redimensionar a importância da

sua atuação perante a sociedade é fundamental aos debates teóricos e práticos a respeito dos

seus rumos e de sua afirmação, de fato, como Poder que prima pela segurança das relações

jurídicas, justiça social e manutenção da democracia brasileira. Dentre os principais

enfrentamentos elencados estão: a morosidade processual e a questão intrínseca da razoável

duração do processo, a baixa eficiência administrativa associada ao baixo investimento em

estrutura e recursos humanos (formação dos magistrados e uma política autônoma para os

serventuários da Justiça), a criação da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento dos

Magistrados (ENFAM) e o papel do juiz brasileiro na Constituição Federal de 1988.

O segundo capítulo adentrará na questão das alterações da Constituição em prol da

reordenação do Judiciário. Não há interesse em tratar de todas as modificações, mas

simplesmente, entender o saldo da reforma e as suas perspectivas. Existe um preconceito

assentado de que as incertezas e os problemas institucionais encontram guarida no

procedimento de modificação do Texto Constitucional, como se a norma, tomada de uma

força pura e própria, realizasse a mudança de comportamento de toda a sociedade.

A antiga e, ao mesmo tempo, atual dicotomia entre estabilidade e mudança da

Constituição é realçada toda vida que o legislador recorre à Emenda Constitucional na busca

pela realização dos direitos e contemporaneidade do seu Texto, fatos que nem sempre são

constatados. Questiona-se, portanto, quais os limites e a ideia, de pretensão transformadora,

tão intensamente impregnada no agir do Poder Reformador, ressaltando outros meios de

14

materializar o conteúdo normativo da Constituição e afirmando que, apesar de sua

importância atualizadora, ações concretas e tão mais eficazes podem ser conjugadas a esta

finalidade.

No terceiro capítulo foi realizado um estudo sobre a estrutura e o caráter das funções

exercidas pelo CNJ. Considerado como o maior resultado positivo da reforma, é o órgão

administrativo vinculado ao Judiciário responsável pelo difícil dever de instaurar, com maior

vigor, a abertura democrática através da compatibilização entre coordenação e controle.

Procurou-se, então, fazer uma análise sobre as principais críticas ao seu funcionamento como

órgão de controle da “atividade judiciária”, composição, natureza jurídica e definição de suas

atribuições, além da figura da responsabilidade social, da atuação e da validade de sua

atividade regulamentadora. Por fim ressaltam-se os impasses e as críticas a certos

comportamentos que precisam ser repensados pelo Judiciário no contexto do alcance de suas

prerrogativas e responsabilidades no Estado Democrático de Direito.

O quarto capítulo buscou uma análise direcionada às modificações que o CNJ vem

empreendendo, ressaltando o seu potencial como indutor de políticas públicas para uma nova

imagem do Poder Judiciário. Nesse sentido, revela-se o duplo caminho trilhado por este

Conselho: um envolve a reorganização interna pautada na transparência e na moralidade

administrativa dos atos, tendo como contexto a atuação disciplinar; o outro diz respeito à

postura do Judiciário frente à necessidade de uma prestação jurisdicional digna, envolvendo

aspectos emancipatórios, de participação, de informação e de acesso à justiça.

Mais a frente, no mesmo capítulo, abordaram-se as práticas implementadas em nome

dessa nova Justiça, que pugna pela diminuição das lides processuais e pelo aumento dos

pactos entre as instituições e entre elas e a sociedade para o fim do atingimento da sua função

social. Nessa ambiência de responsabilidade mútua pela busca dos fins do Estado, o debate

institucional representaria o instrumento pelo qual o Judiciário, condutor dessa esfera

dialógica, evitaria os constantes choques institucionais advindos da necessidade de maior

explicitação dos respectivos Poderes. Dessa forma, superaria, por consequência, muitas de

suas ineficiências e a corriqueira desconfiança que cerca a sua atuação política pelo viés das

decisões judiciais, ou seja, o ativismo judicial.

O último capítulo compõe o propósito maior do trabalho, que é a análise dos reflexos

advindos da atuação do CNJ. Superado o estudo a respeito do processo de modificação no

15

Judiciário brasileiro, cumpre apreciar a extensão dos atos praticados pelo CNJ. Os limites

dessa atuação talvez representem o mais importante tema no debate que toca ao Conselho

Nacional de Justiça, pois que existem hiatos, tanto nas prerrogativas constitucionais quanto na

Lei Orgânica da Magistratura e na própria decisão que confirmou a constitucionalidade do

Conselho (ADI nº. 3.367/DF).

Partindo da afirmação de que se trata de órgão de cúpula da esfera administrativa do

Judiciário, questiona-se o grau e a legitimidade da interferência do STF sobre a atuação do

CNJ, seja no controle de constitucionalidade, como também no controle de legalidade de seus

atos. Noutro plano, verifica-se a abrangência das atribuições do Conselho no contexto do

princípio da subsidiariedade, ressaltando a autonomia dos Tribunais e, ao mesmo tempo,

demonstrando a amplitude coordenadora do CNJ sobre os órgãos e agentes do Judiciário.

Em seguida, analisou-se a legitimidade judiciária do CNJ como réu e também como

autor (principalmente, após a assinatura de termo de cooperação com a Advocacia-Geral da

União [AGU]), a razoável incidência de ajuizamento de ações perante o Supremo e a

possibilidade de participação democrática (facultativa) na elaboração das resoluções.

Finalmente, fez-se uma reflexão a respeito dos choques internos evidenciados pelo

corriqueiro descumprimento das medidas ordenadas pelo CNJ e das providências

(administrativas e, excepcionalmente, judiciais) que devem ser buscadas no intuito de fazer

cumprir as prerrogativas emanadas da Constituição.

16

1 A(S) CRISE(S) DO PODER JUDICIÁRIO

A nova ordem constitucional nasceu para a sociedade e para as instituições, sendo

importante que estas instâncias de poder/representação, na mesma via, respirem ares de

justiça social, solidariedade, democracia e dignidade. Afinal, esses princípios são os vetores

da transformação sócio-política que a vontade constitucional tanto almeja.

Com o manifesto desejo de reordenar o Estado e a sociedade, o legislador demarcou

direitos e deveres constitucionais que ainda não acobertam a todos os indivíduos no sentido

de proporcionar cidadania. Ao contrário, a exclusão social é realidade comprovada nas ruas e

na falta de efetivação dos direitos. Essa carência é, manifestamente, consolidada pela

ineficiência das instituições públicas e de tantos outros fatores reais que contextualizam e

conduzem o agir perante a sociedade. Sob vários ângulos, percebe-se a imprescindível, nociva

ou não, ingerência de interesses que se confundem, ocasionando prejuízo às promessas

constitucionais.

É nesse contexto que encontramos o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. Sob uma

concepção clássica, os três poderes seriam aqueles denominados como as forças que

coordenam o Estado. Enquanto o primeiro cria as leis, o segundo executa as leis e o terceiro

garante a obediência do ordenamento jurídico, corretamente, por todos os atores sociais.

A lógica exposta acima é totalmente desmistificada quando aplicada a uma realidade

complexa e peculiar, que guarda distorções sócio-econômicas históricas e, recentemente,

encontra-se imersa num sistema democrático conturbado. A visão de Poderes, racionalmente,

tripartidos na perspectiva brasileira é algo, diversamente do que se pode imaginar, a ser

garimpado, tendo em conta as disputas democráticas de afirmação e fortalecimento de cada

Poder.

Pelo que se pode depreender, o Judiciário, integrante dessa disputa democrática,

almeja a expansão de seu espaço na política e no debate público, nem que para tanto tenha

que rever sua postura durante todos esses anos. Essa mudança alcança uma nova concepção

17

de comprometimento não somente no que toca a função tradicional da jurisdição, mas de

comportamento social, de estrutura e de mentalidade.

Nesse âmbito, o Judiciário escapa um pouco da discussão sobre a legitimidade dos

seus atos perante os princípios democráticos e o reto papel das instituições políticas, para se

voltar, propriamente, à efetivação dos direitos fundamentais. Não se faz referência, tão

somente, aos julgados exarados em sede de controle concentrado pelo Supremo, a pujança do

exercício do controle difuso nas demais esferas judiciais, mas, em nível equiparável de

importância, as atividades “paliativas” conduzidas pelo Conselho Nacional de Justiça.

A expressão entre aspas revela a pouca importância que as medidas não judiciais ou

especialmente as administrativas tiveram durante toda a existência centenária do Poder

Judiciário. Diz-se, portanto, de medidas administrativa, financeira e disciplinar voltadas para

o estreitamento dos laços constitucionais entre Judiciário e sociedade, e, principalmente, entre

Constituição e sociedade.

Resta dizer que estas medidas se tornaram prioridade do Poder Judiciário, facilitando

a fiscalização da atividade jurisdicional, encorpando a sua atuação. A política da reforma

representa, portanto, um avanço na instrumentalização de medidas efetivas de realização da

Constituição. Não são meras atitudes para a satisfação do crédito, mutirão para liberar presos,

estipulação de metas, política de virtualização dos processos, fortalecimento da fiscalização

nos tribunais, criação de requisito de admissibilidade recursal ou alargamento de

competência, mas, principalmente, a materialização de princípios constitucionais e,

consequentemente, a oportunidade de demonstrar à sociedade de que maneira o Judiciário,

racionalmente gerido, pode interferir positivamente na vida das pessoas de maneira a

propiciar justiça social.

De forma irremediável, o Poder Judiciário tornou-se um cenário onde as discussões a

respeito de efetivação dos direitos estão sendo densificadas, ou seja, a sociedade começa a se

valer da prestação jurisdicional para alcançar padrões de cidadania estabelecidos na

Constituição, situação fomentada pelo descrédito nos outros Poderes. Óbvio que, dentro de

sua condição atual e mesmo de sua possibilidade ideal, não seria capaz de resolver todos os

problemas sociais, no entanto, a partir desse voto tímido de confiança, é importante ativar as

suas potencialidades, sob pena de frustrar quaisquer expectativas de realizar a sua função

social e legitimar-se no contexto do Estado democrático. “Os grupos sociais têm percebido o

18

Judiciário como um ‘locus’ essencial de afirmação desses direitos e superação desse déficit.

Trata-se, evidentemente, de uma sinalização do cidadão no sentido da legitimação da

magistratura” (CAMPILONGO, 2010, p. 32).

Então, por que não utilizar outros meios de efetivação dos direitos que não sejam,

necessariamente, a provocação da atividade jurisdicional propriamente dita? Por que o palco

das resoluções dos litígios tenha, quase que impreterivelmente, que ser o Supremo Tribunal

Federal? Não estamos com isso relegando a importantíssima atuação do STF nos momentos

de tensão democrática, mas a cada dia a sociedade deposita nas repartições de distribuições

dos Tribunais um sentimento de litigância e uma errônea esperança de que tudo pode ser dito

e resolvido pelo juiz constitucional.

Esse anseio por justiça alimenta o fortalecimento desmedido do STF que,

ultimamente, começa a se abrir à análise mais profunda das questões éticas, jurídicas e

políticas do país. E por questões fáticas e de ordem institucional não pode se prender,

fielmente, a uma construção doutrinária de princípios políticos alienígenas (europeu e norte-

americano) de questionável aplicação à realidade brasileira. É preciso mais do que isso para

coordenar o amadurecimento democrático das funções institucionais e da sociedade. Faz-se

necessário verificar o comportamento destes atores políticos perante os seus deveres

constitucionais, otimizando, cada um, o seu papel no cenário político.

1.1 Crise estrutural e de eficiência

Cumpre informar, de início, que não é pretensão deste trabalho traçar relatos

históricos a respeito da evolução do Judiciário, mas sim de uma análise cujo ponto de partida

é o Judiciário pós-Emenda nº 45/2004, haja vista ser a maior e mais importante tentativa de

contribuir com a transparência institucional, racionalização de políticas públicas judiciárias,

celeridade processual, segurança jurídica e, principalmente, realçar não uma prerrogativa de

poder, mas uma postura de dever e responsabilidade de suas funções perante a sociedade

brasileira.

No entanto, não podemos nos enganar ante o estado perene de crise de nossas

instituições, em especial do Judiciário. Tal fato nos impõe debater e instrumentalizar soluções

19

capazes, ao menos, de diminuir o abismo existente entre o cidadão e o acesso à justiça. A

discussão começa na verificação de uma crise estrutural que, sem embargo, prejudica a

prestação jurisdicional. Desde muito o Poder Judiciário careceu de uma organização que

canalizasse prioridades de gestão administrativa em âmbito nacional.

Voltado, basicamente, ao exercício da função jurisdicional, a administração da justiça

ocupou, durante anos, um posto irrelevante nas aspirações de crescimento do Judiciário. A

referida noção, entretanto, sedimentou as bases de um Poder arcaico e autocrático, alimentado

por atitudes pouco democráticas, distanciado das mutações sociais, políticas e econômicas.

Fazia-se necessário uma reorganização interna e a estipulações de metas, no sentido de torná-

lo mais confiável diante da Constituição e, principalmente, da sociedade. Afinal, incumbido

da guarda precípua do Texto Magno e de fazer cumprir a lei, não poderia continuar

claudicando pelas veredas da nova ordem constitucional.

Era preciso mais do que disposições normativas a conferir-lhe relevância no quadro

das tensões entre constitucionalismo e democracia. Era premente a atitude e a postura de

abertura democrática diante do enfrentamento de questões recentes e polêmicas que

circundam no vasto campo do exercício das atribuições institucionais (limitação de poder),

eficácia dos direitos fundamentais e humanos e otimização dos princípios e objetivos

estabelecidos pelo Poder Constituinte. É claro que tais funções, em nossa ótica, cabem,

igualitariamente, a todos os Poderes, mas não se pode olvidar a importância de um Judiciário

aberto ao debate público e, estruturalmente, forte em propósitos de satisfação social.

Sem intenção de diminuir outras funções essenciais à Justiça, pois é certo que cada

uma delas possui a grandeza e a importância dentro processo de afirmação democrática

brasileira (Ministério Público, Ordem dos Advogados do Brasil, Defensoria Pública,

Advocacia Pública), o dever de julgar da magistratura é, inquestionavelmente, a mais

espinhosa das funções. Nada tem de divino, pelo contrário, é a justiça do homem para o

homem, sendo que nela deságuam todos os desejos e as pretensões aduzidas durante a

construção do processo, ou seja, o atuar dos agentes co-autores do processo é jungida da

maior externação da natureza humana.

Tem-se que atentar para a qualidade do debate processual (cidadão, MP e advocacia),

mas também é forçosa a preocupação que devemos ter com respeito à qualificação da

prestação jurisdicional e a sua amplitude num cenário onde a procura pelo Judiciário aumenta

20

a cada dia. Resta contribuir para pinçar as suas deficiências, para o fim de espelhar a justiça

que a sociedade espera em sua atuação. Dessa forma, mas do que poder, a Reforma impõe a

explicitação dos deveres e dos objetivos que o Judiciário precisa desenvolver para perfazer a

vontade da Constituição Federal. Para tanto, faz-se necessário ser eficaz, bem administrado,

aberto, justo e independente, pois o seu dever é mais do que dizer o direito. Esta postura

distanciada do debate político serviu como amarga lição para que se pudesse visualizar a

horizontalidade de perspectivas que o Judiciário brasileiro deixou de implementar durante

toda a sua construção institucional.

A gestão administrativa, financeira e disciplinar do Judiciário implica, reflexa e

positivamente, a acuidade de sua função jurisdicional, pois que a sua organização propicia o

fortalecimento das políticas de melhoria do funcionamento dos juízos, a racionalização dos

processos, a correção de condutas exorbitantes e os programas de acesso à justiça, com vistas

a humanizar e imprimir eficiência a estas relações.

Quando falamos em crise estrutural do Poder Judiciário não tratamos, tão somente, da

atividade jurisdicional propriamente dita, mas dela e de outros fatores que facilitam ou

prejudicam a sua instrumentalização. Afinal, não podemos discutir essa crise institucional

sem dividir, isonomicamente, responsabilidades aos outros atores e demais situações externas

que afetam a sua qualidade, pois não se quer, aqui, imputar toda a culpa às cúpulas do

Judiciário brasileiro.

O Judiciário, assim como o Executivo, é caracterizado pela bipartição de suas

atribuições. De um lado, é detentor de um poder político atribuído constitucionalmente,

responsabilizando-se pela guarda da Constituição, exercício da função jurisdicional pelo

respeito e concretização dos direitos fundamentais, limitador e fiscalizador dos outros

Poderes. Atribuições que ainda estão sendo, lentamente, amadurecidas e aos poucos se

desprendendo de concepções como, por exemplo, exercitar a atividade jurisdicional por uma

questão de prerrogativa e não como um dever (LOPES, 2010).

De outro lado, é um prestador de serviço, arvorando-se do dever de garantir uma

atuação pautada nos princípios constitucionais da administração pública. O contexto do

serviço público brasileiro, entretanto, é marcado por problemas que vão desde as práticas

patriarcais (coronelismo, por exemplo) até o despreparo e desvalorização do servidor. Com

relação aos atores que compõem a periferia deste Poder e que estão diretamente imbricados

21

com o seu desempenho, podemos citar: a Polícia judiciária, o Ministério Público, a Advocacia

(pública e privada) e os Oficiais de Justiça.

Um plano que envolva reforma do judiciário não pode deixar de fora tais instâncias,

pois como é possível realizar justiça célere e efetiva se o Estado não dispõe de uma

inteligência investigativa preparada e equipada, ou se não existem recursos humanos

suficientes para o cumprimento de diligências indispensáveis à garantia do devido processo

legal, ou a inexistência de promotores para lhe dar com as mais complexas questões sociais e

impotentes, muitas vezes, diante do abuso do poder econômico exercido em detrimento do

capital privado. A qualidade da prestação jurisdicional também passa pelas mãos do

advogado. Como função essencial, a Advocacia deve prezar pela qualidade de seus membros

e pela rápida e justa resolução de conflitos.

Por um lado, tem-se a advocacia pública, que se divide basicamente em duas faces: 1)

a Defensoria Pública (assistência jurídica gratuita 1), incumbida de papel fundamental na

consecução do acesso à justiça às camadas mais oprimidas da sociedade e que a duras penas

conquista, autonomamente, o respeito por melhores condições de trabalho, estrutura e

pessoal; 2) a Advocacia Pública [de Estado], melhor estruturada (principalmente, a federal e a

estadual) para atender às necessidades de um Estado descumpridor dos seus deveres e mau

pagador. Ressalte-se que todos os anos esta advocacia recruta centenas de profissionais

responsáveis, quase sempre, pelo martírio processual de muitos cidadãos, numa visível

disputa contraditória 2.

Enquanto o Estado gasta excessivamente para ser blindado de deveres constitucionais,

deixa de gastar com a prestação de justiça gratuita, ou seja, pratica duas injustiças, pois é o

maior inimigo processual da sociedade e porque não dá condições mínimas para que esta

possa se valer da justiça, afastando-a ainda mais.

De outro lado, uma advocacia privada contextualizada num sistema processual

patético em rapidez processual, que privilegia a litigiosidade, que não pune os atos

procrastinatórios com rigor e que é repleto de garantismo recursal, ofertando, a depender do

1 Com relação à assessoria jurídica gratuita ver CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Tradução: Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2002, p. 31 e ss. 2 Não há como negar a atuação da Advocacia Geral da União (AGU) na elaboração de atos normativos, recomendando a desnecessidade do ajuizamento de recursos quando do entendimento pacífico dos Tribunais, no entanto, é necessário maior esforço no sentido de coibir os recursos protelatórios da Fazenda Pública.

22

interesse e do comportamento ético, anos de disputa judicial 3. Com relação aos fatores

externos podemos citar, dentre outros, a economia como influenciadora dos rumos do Estado

brasileiro, principalmente, quando as questões versam sobre segurança jurídica e eficiência.

Nesse âmbito de embates, os principais derrotados são: a força normativa da

Constituição, a dignidade da Justiça e a democracia. No enfrentamento dos impasses

referentes ao constitucionalismo brasileiro, as reformas de consistência devem, como veremos

no segundo capítulo, estar voltadas ao debate público entre as instituições e a sociedade,

privilegiando a forma sistemática de realização da justiça com maior alcance e eficácia social.

Nesse sentido, elencaram-se alguns dos reflexos relacionados com a crise estrutural do

Poder Judiciário, analisando os problemas de mora na prestação jurisdicional, a questão dos

serventuários da justiça, a crise de mentalidade da magistratura e os desdobramentos

negativos no tocante à legitimidade do Judiciário perante a sociedade, como também

sugestões de melhoria estrutural e comportamento.

1.1.1 Os Serventuários: uma face esquecida do Poder Judiciário

Como o assunto envolve a discussão dos meios de otimizar a prestação jurisdicional,

através da política administrativa e gerencial realizada pelo Conselho Nacional de Justiça, a

questão do serventuário é assunto de extrema importância para analisarmos a crise do

Judiciário. Estes servidores, vinculados a um Tribunal, exercem atividades que gravitam ao

redor da prestação jurisdicional, sejam dos mais simples aos mais complexos atos processuais.

Apesar da importância do múnus público, os Tribunais não têm conferido a esta função o

devido respeito e a respectiva responsabilidade.

O sobrecarregamento de funções, o baixo salário, a falta de planos de cargos e

carreiras e de treinamento qualificado para atender as exigências de urbanidade, celeridade e

eficiência, lesam a credibilidade do Poder Judiciário perante a sociedade. As promessas de

3 Nesse sentido, é premente uma mudança na legislação processual que esteja voltada ao fortalecimento dos acordos, punir com rigor os atos manifestamente protelatórios, empregar força aos precedentes com vias a evitar recursos infrutíferos, instituir regras claras ao processo coletivo, equacionar, principalmente, os procedimentos que envolvam direitos indisponíveis e de difícil reversibilidade (por exemplo, devedor de alimentos, o causador de danos ambientais, danos ao erário público etc.), investir maciçamente nos recursos humanos e na informatização como uma via segura e rápida dos atos processuais.

23

entronizar uma política gerencial no serviço público não tiveram o condão de alterar a

realidade da Administração Pública brasileira. Os servidores da justiça não destoaram desta

frustração.

Alienada de uma política de garantias, ascensão e reciclagem, a carreira do

serventuário se tornou um trampolim para as carreiras mais bem estruturadas. Dessa forma, os

mais perseverantes, com toda razão, esperam a chance para ascender às carreiras de

magistratura, ministério público, AGU etc. O quadro de servidores da justiça perde pessoas

bem preparadas, pois as perspectivas de ascensão profissional são desestimulantes, fazendo

com que os recursos humanos da Justiça sofram prejuízos em eficiência e qualidade na

prestação de serviço.

A definição de uma estratégia voltada ao resgate destes servidores é relevante para o

efetivo funcionamento das metas e dos programas que o CNJ vem estabelecendo no âmbito

do Poder Judiciário. É necessário que o CNJ fortaleça a sua atuação, especificamente, nesse

ponto.

Dessa forma, o primeiro passo que poderia ser dado, no sentido de empreender uma

política nacional de reestruturação das carreiras dos serventuários da Justiça, seria uma

resolução do CNJ estabelecendo diretrizes de como devem ser organizadas as carreiras (a

exemplo da Justiça Federal e do Trabalho) e os direitos que devem ser resguardados

(autonomia, remoções, licenças etc.).

Do mesmo modo, a periodicidade de concurso público, o respeito à consecução da

finalidade do certame e o combate à terceirização predatória, os programas de reciclagem e o

aperfeiçoamento profissional (nos termos da Resolução nº. 64, do CNJ), os incentivos, os

deveres, as responsabilidades e as sanções administrativas (conforme a Resolução nº. 30, do

CNJ), a possibilidade de voz na determinação das diretrizes orçamentárias do Tribunal, a

manutenção e atualização de dados estatísticos a respeito das atividades desempenhadas e

pendentes. Outro aspecto relevante é o fortalecimento da autonomia da 1ª instância,

principalmente, no tocante aos serventuários.

Um plano de diretrizes unificado, portanto, seria a primeira medida vinculada a ser

implementada pelo CNJ, em parceria com os Tribunais e a representação sindical dos

serventuários. A inércia dos Tribunais em criar uma ambiência de ajuda estratégica mútua,

através de critérios de direitos e obrigações, ou seja, um plano de cargos, carreiras e

24

remuneração, desgasta a imagem do Poder Judiciário, que deveria ser o primeiro a se insurgir

contra as injustiças e a quem desrespeita a lei. Ao contrário, é o próprio algoz de seus

servidores, constituindo-se num verdadeiro monarca que dormita sobre o império de sua

irresponsabilidade ou mesmo num tirano que não respeita a própria ordem que estabeleceu ou

as determinações impostas pelo CNJ.

A precariedade do serviço público e o fortalecimento da terceirização são fatores que

retardam as expectativas de um Judiciário democrático. Aliás, situação que está envolta num

processo maior de atendimento a um modelo econômico que não respeita o desenvolvimento

social do país, muito menos a Constituição, que é refém de planejamentos governamentais

passageiros.

O juiz é fator importantíssimo no grau de satisfação social da atividade judiciária, é

inegável. No entanto, sozinho não move o Judiciário. É importante ressaltar isso, porque é

recorrente o erro em confundir a imagem do juiz como a própria corporificação do Poder, ou

seja, juízes satisfeitos e fabricantes de sentenças, Justiça eficiente e transformadora. É um

entendimento temerário que deve ser afastado, sob pena de manipularem-se concepções que

marginalizam classes que têm a sua parcela de contribuição para o bom funcionamento do

Judiciário.

Dessa forma, o CNJ, como órgão gestor, deve moderar o conflito, intensificando,

concretamente, uma política nacional de unificação das carreiras dentro do Judiciário,

forçando a que os tribunais respeitem suas providências, devendo inclusive se valer do

Supremo Tribunal Federal para fazer cumprir as tarefas de gerenciamento e administração da

justiça. Esse é o pressuposto básico para que os programas do CNJ passem a funcionar de

maneira mais efetiva. Não bastam metas só para os processos ou alterações nos códigos

processuais, mas também metas que priorizem o capital social (como, por exemplo, as Metas

estabelecidas para ano de 2009), proporcionando no ambiente de trabalho, meios para

otimizar a sua execução e qualidade de vida.

Nos mesmos moldes estabelecidos pela Resolução nº. 60, de 19 de setembro de 2008,

o CNJ também poderia e teria competência para elaborar um código de ética para os

serventuários da justiça, reforçando as condutas reitoras da prestação de serviço público, tais

como: urbanidade, dignidade, integridade profissional e pessoal, cortesia, moralidade,

transparência, diligência e dedicação. A proposta de Emenda Constitucional nº. 190/07, que

25

acrescente o art. 93-A da Constituição, é um forte exemplo de que a política judiciária

encorpada pelo legislador de 1988 não esteve voltada para o atendimento dos direitos básicos

dos servidores. Por óbvio que não podemos creditar a uma emenda constitucional o condão de

mudar a realidade dos fatos.

Afigura-se algo mais simbólico do que, realmente, efetivo, pois que o ordenamento

jurídico e o próprio esforço hermenêutico nos habilitariam a dizer da obrigatoriedade de

estatuto para os servidores da justiça. Dessa forma, bastaria uma simples resolução do CNJ

para servir de parâmetro para a elaboração das leis nas esferas federal e estadual. Remoer o

texto constitucional com alterações legítimas de nada valerá se não se modificar a postura de

vontade dos governantes e dos governados. Percebe-se, portanto, que o problema não é da

ausência ou da presença desta ou daquela norma na Constituição Federal, mas saber o que

deve ser prioritário para se governar com justeza e querer mudar, positivamente, a realidade.

Um dos reflexos dessa atitude de menosprezo em relação às leis é a não-aplicação dos instrumentos legais, já existentes, para corrigir e punir erros e omissões de servidores públicos, falta que muitas vezes são efetivadas por solicitação ou com a cumplicidade de particulares. Por tais motivos, é indispensável ter em conta que, quanto à legislação, quase todas as mudanças realmente necessárias poderão ser efetuadas sem alterar a Constituição, bastando modificar as leis ordinárias e regulamentos. Mais do que isso, há muitas situações em que a correção das deficiências depende exclusivamente da mudança de comportamentos (DALLARI, 2008, p. 03).

Nesses termos, quem tem o dever de dizer e encaminhar as prioridades dentro do

Poder Judiciário é o próprio, através do CNJ, pois que aquele é Poder independente dos

demais e como tal se sustenta na vontade soberana do povo brasileiro. A Constituição confere

poderes suficientes a que CNJ implemente direitos e fiscalize os Tribunais no sentido de

forçar o cumprimento não de sua vontade, mas a da Constituição e a do povo.

A criação de tais instrumentos e a união destes com políticas judiciárias voltadas à

valorização profissional, pessoal e melhores condições de trabalho, contribuiriam

sobremaneira à qualidade e eficiência da prestação jurisdicional, otimizando a política

judiciária arquitetada pelo Conselho. É preciso, portanto, incluir os serventuários neste

processo de desburocratização e de construção de uma identidade da Justiça brasileira, de

maneira a torná-los incluídos no sistema e não alijados das reformas.

A pretensão de mudança de postura requer medidas de impacto, tal como a ocasionada

“meta 2”, que realcem os abismos existentes, tanto na estrutura interna do Judiciário, como de

sua atuação ante a sociedade. A mudança da lei é apenas um complemento da reforma, que de

26

nada servirá se não enfrentarmos, corajosamente, os problemas viscerais do Poder Judiciário,

que precisa de estabilidade e legitimidade democrática e não de espasmos de eficiência.

Sem metas para os servidores, as outras definidas para desafogar a demanda estarão

comprometidas pela sobrecarga de trabalho e pelo desrespeito com os quais os tribunais

insistem em tratar estes servidores. Essa “independência” administrativa e financeira exercida

pelos tribunais requer uma política uniformizada dentro do Judiciário de modo a evitar o seu

desgaste perante os cidadãos e servidores.

Seja o dever de enfrentamento das questões políticas ou de reorganização interna,

estes problemas repercutem no grau de legitimidade da jurisdição, pois não se pode esperar o

avanço nas técnicas de decisões e nas interferências institucionais para o estabelecimento de

freios e contrapesos, se no âmbito interno, existem fortes contradições e agravamento das

relações entre os atores que compõem a substância do Judiciário.

1.1.2 A mora da prestação jurisdicional e a crise de confiabilidade

Para que, efetivamente, a política gerencial pudesse ser posta em prática, necessitou-se

de algumas medidas que impactassem no comportamento dos serventuários, como na

reordenação da legislação processual vigente. Além das modificações ocorridas nos códigos

de processo penal e civil, vale mencionar a inserção de novos institutos processuais, tais

como: a repercussão geral, os recursos repetitivos no STJ e a súmula vinculante.

Estes instrumentos, todos com a característica de ser obstáculos recursais, definem,

perfeitamente, o grau das medidas que tiveram de ser tomadas no sentido de conter o caos

instaurado nas instâncias recursais e propiciar um terreno fértil para a consolidação dos

entendimentos dos tribunais, visto que a resolução dos litígios deve ser capitaneada pelos

princípios de justiça e segurança jurídica. Deficitária nesse sentido, a demora virou,

infelizmente, um sinônimo para Poder Judiciário.

A morosidade e a permissibilidade da promiscuidade recursal nos processos judiciais

põem em xeque a legitimidade do Judiciário como instrumento de pacificação dos conflitos.

Se não se presta a exercer as atribuições mais inerentes a sua essência, muito menos poderá

27

funcionar como instrumento de transformações sociais que priorizam a cidadania e o amplo

acesso à justiça.

A ineficiência da judicatura, acrescida da falta das políticas públicas de informação e

desburocratização, acarretou na enxurrada de demandas e respectivos recursos, tornando-se,

praticamente, impossível exercer a magistratura com credibilidade e qualidade nos julgados.

Ser juiz na realidade brasileira é um ônus que talvez nem o próprio Hércules conseguiria

suportar.

Pode-se afirmar, de outra forma, que aspectos externos à estrutura do Judiciário

conspiram, desfavoravelmente, ao cumprimento do seu dever. Há que se levar em

consideração fatores legítimos e ilegítimos, tais como os políticos, sociais, econômicos e de

ordem técnica que amarram a prestação jurisdicional, gerando expectativas que, fatalmente,

serão frustradas. Portanto pouco valerá a criação de órgão para pensar estratégias se, por

exemplo, as reformas processuais e de políticas que resgatem a dignidade dos cidadãos não

caminharem em concomitância.

Pensar que o Conselho Nacional de Justiça resolverá sozinho o problema da

morosidade da Justiça brasileira é apostar em falsas esperanças e, pior, seria perfilhar a

mesma postura tomada pelo Judiciário durante todo esse tempo. Nesse sentido, é importante

privilegiar o debate público entre os Poderes, afinal todos devem apontar para o bem-estar da

sociedade.

Tal cenário sedimenta o sentimento de dúvidas e incertezas, chegando-se à seguinte

indagação: estaria o Judiciário, dentro de suas atribuições, preparado para concretizar as

promessas constitucionais? Acreditamos que ainda é muito cedo para asseverar positiva ou

negativamente a respeito do cumprimento de seus deveres perante à sociedade, entretanto,

podemos afirmar da existência de uma vontade do Legislador e do próprio Judiciário na

determinação de novos rumos, principalmente, após a EC nº. 45/2004.

Combater a morosidade processual significa firmar passos em direção de uma

legitimidade ainda não vivenciada pelo Poder Judiciário. Mais que surtos de pujança, seja

para legislar positivamente ou para definir as políticas públicas inerentes à eficácia dos

direitos fundamentais, este Poder precisa da estabilidade e do amadurecimento democrático,

para, posteriormente, exigir e cumprir o que a Constituição, respaldada na vontade social,

assim desejar.

28

Nesse contexto de reforma e mudança de paradigmas com relação à mora da prestação

jurisdicional, faz-se importante suscitar o debate a respeito da razoável duração do processo.

Princípio insculpido pela EC nº. 45/2004, já implicitamente assegurado na sistemática do

devido processo legal e pela Convenção Americana de Direitos Humanos (art. 8º, 1), o art. 5º,

inciso LXXXVIII prescreve que “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são

assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua

tramitação”.

Tal princípio apresenta-se sob três facetas: 1) Pelo lado teórico, nada mais que um

desdobramento lógico dos princípios informadores da celeridade processual e do acesso à

justiça; 2) Pelo lado do legislador, a externação de sua preocupação com relação aos preceitos

de segurança jurídica e satisfação social da prestação da justiça; 3) Pelo lado prático, um

impasse quanto aos meios de instrumentalizá-lo.

Incluído no rol do art. 5º da CF, poder-se-ia dizer que o seu inciso LXXVIII, nos

termos do §1º, teria aplicabilidade imediata, o que faticamente é difícil de admitir 4. É

plenamente lógico entender que os processos devam caminhar numa marcha satisfatória, no

entanto, como exigir a razoável duração do processo? Quais são as possíveis punições

administrativas? No contexto da realidade judiciária do Brasil, qual seria o parâmetro para

definir se o tempo de duração do processo é razoável ou não? Como acabar com essa

lamentável incerteza principiológica e prática da duração do processo?

Mais do que encaixá-lo numa perspectiva teórica de aplicabilidade, é necessário

envidar esforços para torná-lo aplicável. Espera-se que com a reformulação da lei orgânica da

magistratura e dos códigos processuais, como também a ação conjunta dos Poderes de modo

a buscar meios de materializar a razoável duração do processo.

Com efeito, conferir eficácia de direito à tutela jurisdicional implica responsabilidade simultânea dos três poderes estatais, quais sejam, o Legislativo, para adequar a legislação às demandas sociais (ampliando o direito de acesso à justiça e de sujeitos) e aos anseios (possibilitando mecanismos de tutela efetivos de todos os direitos humanos, em especial, conferindo justiciabilidade aos direitos sociais, difusos e coletivos); o Executivo, para construir, literalmente, a infraestrutura física e humana suficiente que atenda ao aumento democrático da demanda e de seus sujeitos, incluídos e reconhecidos por leis nacionais e pelos

4 MORAES DA SILVA, Enio. A garantia constitucional da razoável duração do processo e a defesa do Estado. Revista de Informação Legislativa: Brasília a. 43, nº. 72 out./dez. 2006, p. 26. Impende esclarecer, neste ponto, que o dispositivo constitucional em exame tem aplicabilidade imediata. Não se enquadra, como pensam alguns, na categoria de norma constitucional programática. Sérgio Bermudes (2005, p. 11), por exemplo, defende, equivocadamente, que ‘a norma deste inciso LXXXVIII, acrescentada agora ao art. 5º da Constituição Federal, é programática, se se quiser repetir Pontes de Miranda, ou idealista’.

29

tratados internacionais; e o Judiciário, para tornar real o espaço, criado pelo Executivo, e as normas, dispostas pelo Legislativo, em direitos efetivos ao cidadão, fazendo “bom uso” dos mecanismos alternativos de resolução dos conflitos e atuando, preferencialmente, como mediador dos litígios sociais, na persecução da justiça (ANNONI, 2008, p. 271).

Somada à questão da fiscalização está a importância do planejamento administrativo

das atividades que circundam a prestação jurisdicional de modo a alcançar não só a

celeridade, mas a satisfação de obter uma resposta justa dentro dos parâmetros da lide

processual instaurada. Como instrumento que visa a alcançar o direito do cidadão, o processo,

por intermédio de seus atores, deve se voltar ao respeito dos diretos e garantias

constitucionais.

A razoável duração do processo, portanto, é imprescindível por dois motivos

basilares: o primeiro e mais óbvio encontra guarida no direito à materialização de uma

pretensão perseguida pelo cidadão, prestado celeremente. O segundo, que é peça

imprescindível à própria presteza e existência do Judiciário em se demonstrar eficiente diante

das controvérsias sociais. “A garantia do devido processo legal somente será completa se o

respectivo processo legal a que o jurisdicionado tenha que se submeter contar com uma

duração razoável, devendo o Estado providenciar os meios que garantam a celeridade da sua

tramitação” (SILVA, 2006, p. 25).

Em que pese o posicionamento da autora supramencionada, faz-se importante ter

atenção para que não se tome a mais comum das soluções, dentro da nossa cultura da Civil

Law, de atribuirmos à elaboração de uma lei a pacificação desse impasse. A jurisdição

constitucional tem papel fundamental na delineação do conteúdo deste princípio, pois que

ainda continua à míngua de promessas, estrutura e ritualísticas processuais arcaicas. Não

basta, tão apenas, aplicar, religiosamente, a lei para alcançar a razoável duração do processo,

pois como já se disse trata-se de um conceito maleável e que nem sempre poderá contar com

a aplicação da lei para fazer cumprir a celeridade.

Entrementes, entendemos que caberia ao STF a tarefa de dizer, através da construção

jurisprudencial, o alcance do princípio e quais os ônus advindos do seu descumprimento 5. O

seu papel ativo, como também o do CNJ, no dimensionamento da razoável duração do

processo é imprescindível à promoção da dignidade da justiça e do cidadão.

5 Na mesma linha da quebra de paradigma dos efeitos da decisão em sede mandado de injunção (ver julgamentos dos MIs nº. 670, 695, 708, 712, 721, 758), o STF não pode apequenar-se diante de problemas que importam diretamente na qualidade da prestação jurisdicional.

30

O ativismo judicial (o que na realidade poderia ser concebido a densificação da

atuação, haja vista o arcabouço de direitos fundamentais a serem concretizados) é uma

realidade irreversível para os parâmetros que a Justiça brasileira vem tomando após a Carta de

1988, não sendo mais cabível a adoção de uma concepção ultrapassada e claramente vazia da

teoria da separação de poderes em que o Judiciário, desde o entendimento de Montesquieu,

representava um poder nulo, ou seja, apartado das questões políticas do Estado.

Es, pues, un poder internamente contradictorio. Cumple uma fúncion de importancia política indudable en el Estado Constitucional, pero, para cumplirla, tiene que harcelo de manera completamente apolítica, sin intervir para nada el proceso de dirección política de la sociedad (ROYO, 1995, p. 610).

É bem verdade que esta face da jurisdição deve, munida do seu dever institucional,

enfrentar com prudência e altivez as principais questões relevantes à realização da

Constituição em face da inanição dos outros Poderes e não selecionar o que lhe é interessante

para apreciação, utilizando-se de uma retórica furtiva. Podemos citar como exemplo o

fatigado princípio de separação dos poderes, em que Rocha (1995, p. 150) retrata o comum

comportamento deste pretório frente à necessidade de avanços de sua jurisprudência:

A premissa da qual o Supremo Tribunal Federal deduz as razões para justificar suas decisões pode ser sistematizada da seguinte forma: pelo princípio da ‘separação dos poderes’ a competência para regular normas constitucionais é do legislador. Logo, se o legislador é omisso, ao Judiciário falece competência para suprir a omissão, uma vez que isso violaria o princípio da ‘divisão dos poderes’.

É de se salientar que a prestação jurisdicional atende a uma vontade individual,

coletiva ou difusa e é na confiabilidade dessa vontade que reside a sua legitimidade. Se for

lento a ponto de colocar em risco o desenvolvimento econômico e social, em risco estará a

sua credibilidade e o motivo de sua existência.

Aliado à contribuição da jurisdição constitucional, atenta-se para a atuação do CNJ no

sentido de, através da sua política administrativa, facilitar a aplicação da razoável duração do

processo 6, estabelecendo diretrizes estruturais e de estratégia dos trabalhos judiciários,

fiscalizando e aplicando punições administrativas, já que este Conselho se manifestou, com

razão, pela sua incompetência institucional em determinar parâmetros legais a respeito de tal

princípio constitucional 7.

6 Nesse Sentido, ver: Programa Justiça em Números e a Meta 2 para os processos não julgados até 31 de dezembro de 2005. 7 Recurso Administrativo. Pedido de Providência. Definição pelo CNJ de prazo razoável para julgamento. Impossibilidade. – Não cabe a este CNJ fixar, em ato normativo de caráter tipicamente legislativo o exato

31

Em nossa contemporaneidade, uma Justiça rápida e pacificadora de conflitos passa,

inevitavelmente, pelo processo eletrônico. Fala-se em processo inteligente, que de fato altere

a marcha processual, valendo-se de mecanismos, simplificação de atos e postura (dos

operadores) eficazes e não a aparente noção de que prateleiras vazias possam representar

eficiência processual.

Em verdade, alguns programas ditos “eletrônicos” (Creta, PROJUDI, por exemplo)

pouco contribuíram no sentido de empregar rapidez ao processo. Pelo contrário, a

sistematização precária e totalmente dependente da atuação humana, transformou um monstro

de papel em um monstro virtual, que acompanha os juízes onde eles se encontrem.

Primordialmente, uma das poucas vantagens do atual processo virtual é a mobilidade para a

prática de atos, mas, por outro lado, pode-se dizer que pouco contribuiu para a rapidez

processual. Portanto, faz-se premente avançar em termos de procedimento eletrônico, pois

que é sinônimo de razoável duração do processo.

Por fim, a implementação das políticas públicas, elaboradas em cooperação entre as

instituições, que passem pela estrutura, recursos humanos, qualificação e racionamento dos

atos de administração judiciária será possível dizer que se trata de um princípio com eficácia

imediata.

1.2 A crise de mentalidade

A crise de mentalidade representa um dos principais obstáculos a serem ultrapassados

no contexto das mudanças de paradigmas. Libertar-se das amarras tradicionalescas e

simbólicas do Poder Judiciário representa verdadeiro avanço na relação entre sociedade e

acesso à justiça. Afinal é imponente o dever de conjecturar novos horizontes diante das

tarefas democráticas a cumprir e não remoer com glórias um antigo passado pouco

dignificante. Com sutileza e precisão recordamos as palavras de Rui Barbosa, afirmando que

“a tradição não deve significar o governo dos vivos pelos mortos”.

significado de determinado princípio constitucional, espécie de norma jurídica cuja característica radica, precisamente na sua tessitura aberta, na sua semântica genérica, passível de permanente construção, de acordo com as necessidades ditadas pela dinâmica do convívio social (CNJ – PP 234 – Rel. Cons. Douglas Alencar Rodrigues – 17ª Sessão – j. 25.04.2006 – DJU 03.05.2006 – Ementa não oficial).

32

O comportamento saudosista e solene com os quais a magistratura brasileira insiste,

por motivo qualquer, em entoá-lo é o quadro de um passado mais vivo que o presente. É

como afirma Dallari, uma tradição paralisante. A recente história da democracia brasileira nos

impõe uma reflexão mais profunda do papel da Justiça, pois enquanto se vislumbra o inchaço

dos outros dois Poderes e o perceptível crescimento gradativo de outras instituições

(Ministério Público e Ordem dos Advogados do Brasil, por exemplo) e aparelhos estatais, o

Judiciário permaneceu em marcha lenta, encouraçada aos interesses da sociedade 8.

O próprio ajuizamento da ADI nº. 3367-DF em face dos dispositivos constitucionais

que tratavam da criação do CNJ observa-se a clareza de como os interesses da magistratura

brasileira não guarda sintonia com os da sociedade. Sob o pálio de uma ideologia

argumentativa decrépita, a Associação da Magistratura Brasileira pretendeu invalidar normas

que, em verdade, representavam o início de uma mudança gradativa do Judiciário.

Dallari (2008, p. 23) elenca três fatores que mapeiam as atitudes regressivas que

impedem este Poder de observar seu dever de controle e de preservação das bases

democráticas nas instituições, repisando, justamente, a questão da aproximação e dos

impactos advindos de mudanças paradigmáticas:

a) a existência de interesses estabelecidos, que seriam prejudicados se ocorressem mudanças substanciais; b) a acomodação dos que temem qualquer inovação, ou simplesmente detestam o esforço exigido pelas mudanças; c) o exagero respeito a fórmulas consagradas, especialmente quando catalogadas como ‘tradições’.

Dessa forma, o Judiciário é vítima do seu próprio veneno, pois ao tempo em que se

fecha para as mudanças com o intento de manter a estabilidade dos interesses, apequena-se

diante dos demais Poderes, aparentando, aos olhos da sociedade e de suas próprias atitudes,

não ter o status de tal. Mais que uma afirmação de direito designada pela Constituição

Federal, o Judiciário precisa afirmar-se de fato, voltando suas prerrogativas de independência,

liberdade e igualdade entre os demais Poderes para cumprir o seu papel democrático.

Caberia perguntar: de que maneira os novos profissionais do direito estão sendo

formados? A assimilação de conteúdos impregnados por antigas concepções dogmáticas, o

estudo pragmático do direito reduzido ao conjunto de normas estabelecidas que, em sua 8 DALLARI, Dalmo de Abreu. O poder dos juízes. 3ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 6. Embora se tenha criado a aparência de maior respeito pelo Poder Judiciário, que não dialoga com os demais Poderes mas também não se envolve em disputas com eles, o fato é que, aceitando passivamente tal situação, a magistratura, na prática, ficou imobilizada, voltada para si própria, incapaz de perceber que, em alguma medida, os outros procuravam adaptar-se ao dinamismo da sociedade enquanto ela estagnava. Isso ocorreu no Brasil e em grande parte do mundo.

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maioria, encontram-se relacionadas a questões pontuais e desconectadas da realidade

sistemática do ordenamento, a profundidade de argumentação lógica descontextualizada, o

desprestígio da filosofia, da ciência política e do estudo multidisciplinar etc.

Nessa ótica “micro” de entender o direito, predomina a característica dos juízes que

mais se preocupam com a legalidade e a segurança jurídica das relações do que,

propriamente, com a justiça, imaginando, talvez, como escravos da lei, quando, em verdade,

furtam-se do uso da prerrogativa da independência para se omitirem diante da injustiça.

O excesso de apego à legalidade formal pretende, consciente ou inconscientemente, que as pessoas sirvam à lei, invertendo a proposição razoável e lógica, segundo a qual as leis são instrumentos da humanidade e como tais devem basear-se na realidade social e serem conforme a esta (DALLARI, 2008, p. 87-88).

Cumpre dizer que a atuação no Judiciário no sentido de mobilizar forças para se

aproximar dos anseios sociais, nesses últimos dois séculos de existência, foram pífias. A

afirmação encontra fundamento na tentativa deste Poder em empreender novos e massivos

paradigmas de gestão administrativa e de imagem.

O atraso da atividade judicial representa o atraso de toda uma nação seja sob o aspecto

social, econômico, político etc. E quando se faz referência a atraso não se fala apenas em

celeridade processual e razoável duração do processo, mas se está a dizer sobre as atitudes e

comportamento do Judiciário no percurso da história do Brasil. Maculado pelo que,

anteriormente, representava a altivez e a marca distintiva da instituição, o Judiciário, com

esforço hercúleo, tenta se desvincular de uma imagem de distanciamento e alheamento dos

fatores e problemas que permeiam a realidade social.

O exercício do tradicional conceito de função jurisdicional, fomentado pelo dever de

dizer o direito no caso concreto e agarrar-se, religiosamente, ao devido processo legal

objetivo, o Judiciário se fortaleceu como um instrumento contra a vontade da maioria e,

consequentemente, segregando os conceitos de lei e justiça.

As bases lançadas pelo Estado Liberal sufragaram sobremodo o exercício da atividade

jurisdicional, concentrando no princípio da legalidade o fundamento para aniquilar as

tradições jurídicas do absolutismo. Há que esclarecer, nessa linha, que o Estado Legislativo

procurou dar contornos peculiares à ordem burguesa instaurada, rechaçando os laços políticos

que o Judiciário mantinha com o antigo regime.

34

Imbuído pela imposição segundo a qual o juiz nada mais representaria o esforço

verbal da letra da lei, o direito se tornou refém de interpretações herméticas e subservientes

aos interesses assimilados, tão somente, pelo legislador, vedando qualquer interpretação

contrária e criativa ao sistema vigente. Sob esta égide, o Judiciário teve suas funções

simplificadas, representando, ainda mais na perspectiva brasileira, uma herança maldita. O

apego à letra da lei, portanto, é um legado do qual os magistrados se socorrem sob a falsa

percepção de estar cumprindo o interesse social, quando, na verdade, pode estar cometendo

injustiças, afastando-se do seu dever e da sociedade.

A vontade de mudança incorporada pelo Judiciário brasileiro representa o início de

um espinhoso percurso a ser decorrido. Observa-se, sob esta ótica, não um pessimismo a

respeito do que não foi concretizado, mas um sentimento esperançoso daquilo que precisa ser

efetivado. As bases sob as quais se erige a estrutura desta instituição necessitam ser

repensadas no contexto do Estado Democrático Direito.

Poderíamos elencar os mais variados questionamentos de ordem política, econômica,

cultural, antropológica a respeito da formação da mentalidade dos “operadores” do direito, no

entanto, a discussão em tela gravita, especificamente, em contribuir para o mapeamento dos

problemas que cercam o Poder Judiciário brasileiro, como também analisar e oferecer

soluções.

Fator decisivo para repensar a mentalidade da magistratura brasileira pode ser

trilhado, justamente, pelo ingresso na carreira. Ainda se questiona o grau de legitimidade

política do Poder Judiciário, tendo em conta o fato do provimento de seus integrantes não se

dar por ato de escolha do povo. Cabe dizer, no entanto, que tal situação não importa em maior

ou menor importância para legitimá-lo com ator político, pois o concurso público é o

procedimento que o constituinte entendeu, apropriadamente, para definir a composição deste

Poder.

A afirmação da origem não democrática da magistratura é incontestável, se com isso se quer expressar que há estruturas judiciárias que, pela sua forma de governo, ou pela forma de escolha de seus membros, não são democráticas, como pode ser um judiciário verticalizado ao modo de um exército, ou dependente ou com uma composição elitista por cooptação. Contudo, essa afirmação não é admissível se se pretender que, por não procederem os juízes de eleição popular, não estejam legitimados democraticamente para exercerem o controle da constitucionalidade das leis e, portanto, com esse argumento se queira consagrar a ditadura da maioria parlamentar conjuntural e degradar a Constituição a uma mera expressão de desejos (ZAFFARONI, 1995, p. 42).

35

Apesar da decisiva atuação da representatividade para a condução dos ditames

democráticos, a atuação legítima da magistratura encontra respaldo na Constituição Federal 9.

O fato de ser eleito pelo voto do povo, o representante não está acima do bem ou do

mal, imune ao controle dos outros Poderes e da Constituição. No mesmo sentido, se o

representante não corresponde aos anseios sociais, também sofre de déficit de legitimidade. O

que se quer dizer, portanto, é que a configuração de investidura num Poder não pode

significar maior ou menor legitimidade política, pois somente a forma de atuação, no respeito

à soberania popular, é que definirá a sua importância dentro do cenário político. Nesse sentido

Nalini (2009, p. 23) observa que:

A legitimação da magistratura é diuturna e se faz, de início, mediante um recrutamento por concurso público, de viés democrático, pois aberto a todos os bacharéis em ciências jurídicas. Sem desprezo de uma feição aristocrática: só os mais capazes, avaliados por seu conhecimento, é que logram aprovação. Em seguida, a legitimação se obtém na transparência do funcionamento da Justiça e, principalmente, na fundamentação dos atos decisórios. O juiz é obrigado a motivar sua deliberação e tornar claro o raciocínio condutor do julgado. Sistema que viabiliza a submissão de todas as decisões ao quádruplo grau de jurisdição hoje consagrado.

Vale lembrar, na mesma senda, que além do crivo de reapreciação jurisdicional da

decisão, o magistrado ainda tem de respeitar os critérios que norteiam a dignidade de sua

profissão, sob pena de responsabilidade administrativa pelos órgãos correicionais, como

também pelo CNJ. A Constituição, por seu turno, atribui aos membros do Judiciário dever de

garantir sua força normativa, empregando eficácia à ordem constitucional. Dessa forma, é a

consecução deste objetivo, otimizado da melhor forma, que propiciará o fortalecimento da sua

legitimidade como Poder. Não é possível omitir a duvidável legitimidade da forma de

ascensão dos seus membros aos Tribunais, pois se afigura como a perpetuação de um antigo

vício aristocrático, carente de maior participação por parte dos juízes e da própria sociedade

através de referendo.

O concurso público é forma legítima de acesso ao exercício deste Poder. O que se faz

necessário é aperfeiçoar e moralizar ainda mais este instrumento, de modo a realçar a sua

funcionalidade não como mera forma de ascensão individual, mas de ascensão do Poder

9 DALLARI, Dalmo de Abreu. O poder dos juízes. 3ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 26. “[…] o melhor modo de seleção dos juízes é o concurso público, aberto, em igualdade de condições, a todos os candidatos que preencham certos requisitos fixados em lei, excluída qualquer espécie de privilégio ou discriminação. Desde que a Constituição preveja esse modo de escolha e uma vez que os juízes, regularmente selecionados, atuem nos limites de sua competência legal, não há como por em dúvida sua legitimidade. Esta decorre da Constituição e não é menor do que a resultante do processo eleitoral”.

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Judiciário. Mais do que um emprego, a magistratura deve buscar na experiência, associado ao

conhecimento teórico, a forma de aprimorar a função jurisdicional, sendo certo que a vida

demonstra que o tempo, muitas vezes, é a melhor resposta aos questionamentos da razão

humana.

Não basta questionamento técnico como forma de aferir conhecimento do candidato,

pois a esse será oferecido resposta técnica aos problemas humanos, tal como ocorre na

aplicação fria da lei processual, utilizada não para fazer justiça, mas para eternizar obstáculos

e fortalecer mitos de que a justiça humana é injusta 10. Deve, ao revés, “operar a aproximação

racional e crítica do juiz aos múltiplos assuntos colocados na sua alçada pelo evoluir da

sociedade e das consequentes normativizações que deles derivam, alargando-lhe o horizonte

cultural para lá dos limites comuns” (AFONSO, 2004, p. 189).

‘A decisão judicial não é apenas uma questão de teorias jurídicas abstratas e de notas de rodapé em manuais de direito. Ela tem a ver com as consequências práticas para o cotidiano do povo’. Nas consequências práticas residem a força e a importância histórica da Suprema Corte. Residem, aliás, não apenas o seu poder, mas a legitimidade -a empatia social- de seu poder (FALCÃO, 2007, on-line).

Como forma de resposta a esta questão o art. 93, inciso I da CF (com nova redação

oferecida pela EC nº 45/2004) estipulou o prazo de três anos de prática forense como forma

de evitar que pessoas jovens e despreparadas saltassem dos bancos da universidade para os

gabinetes dos tribunais, sem a devida convivência com a realidade profissional. Ocorre,

entretanto, que o referido prazo deveria ser maior (cinco anos, no mínimo), de modo a

permitir maior vivência e propiciando a seletividade para a feitura do concurso público e,

principalmente, para o exercício de uma magistratura comprometida com uma prestação

jurisdicional humanizada.

Fator positivo do aumento da idade para o ingresso na magistratura são as dificuldades

e impossibilidade fática de controlar a forma de como os candidatos exercitam esse curto

período da prática e se ele é efetivamente cumprido. Cinco anos seria tempo suficiente para

aparar arestas e selecionar qualitativamente os futuros juízes. A questão não é só ter

maturidade para aplicar uma lei, pois se a função do juiz se resumisse a isso, nem carreira ou

formação acadêmica acurada seriam necessárias para assumir a função. No entender de

Garapon (2001, p. 40):

10 DALLARI, Dalmo de Abreu. O poder dos juízes. 3ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 27. Não basta verificar se o candidato tem bons conhecimentos técnico-jurídicos, pois o juiz que oferecer apenas isso, ainda que em alto grau, não conseguirá ser mais do que um eficiente burocrata.

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Esta lei tão essencial para a separação de poderes não é mais suficiente para guiar o juiz em suas decisões. Ele deve apelar para fontes externas antes de proferir suas sentenças. A lei não se confunde mais com o direito: ela ainda guarda, certamente, uma importância essencial, mas não pode mais pretender fundamentar, sozinha, todo o sistema jurídico.

Afinal não estamos a tratar do juiz do Estado Moderno ou do Estado Liberal do século

XVIII, mas do juiz da ordem constitucional democrática, que se funda em princípios de

vontade popular, pluralismo e dignidade da pessoa humana. O princípio aventado, portanto,

não pode ser interpretado com absolutoriedade e de forma assistemática, mas de acordo com

as imposições da realidade e dos objetivos delineados como metas a serem alcançados pelo

Estado brasileiro. O art. 93, inciso I da CF retratou uma preocupação do legislador em

determinar o requisito do tempo de prática forense como requisito indispensável ao exercício

da magistratura 11.

No sentido de regulamentar a matéria a Resolução nº. 75 do CNJ, que dispõe sobre os

concursos públicos para ingresso na carreira da magistratura em todos os ramos do Poder

Judiciário nacional, representa uma consolidação prática da disposição constitucional 12. O

curto tempo requisitado pela resolução vem sendo visto como mais um obstáculo a ser

vencido e não como um critério pertinente ao bom desempenho da atividade jurisdicional.

Sobre essa questão é vasto reiterado entendimento do CNJ a respeito ao entender que a

exigência mínima deve ser atendida, ressalvadas situações de excepcionalidade, sob pena de

desclassificação no certame 13.

Outro ponto relevante que circunda o tema da mentalidade é a formação e a conduta

ética do magistrado. Imperativo diretamente ligado ao princípio constitucional da moralidade,

o CNJ, no uso da sua prerrogativa de dar vida instrumental à Constituição, elaborou a

resolução nº. 60/2008, que trata do Código de Ética da Magistratura, estabelecendo dentre

outras diretrizes: independência, imparcialidade, transparência, integridade pessoal e

profissional, diligência e dedicação, cortesia, prudência, sigilo profissional, conhecimento e

capacitação, dignidade, honra e decoro.

11 “Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios: I - ingresso na carreira, cujo cargo inicial será o de juiz substituto, mediante concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as fases, exigindo-se do bacharel em direito, no mínimo, três anos de atividade jurídica e obedecendo-se, nas nomeações, à ordem de classificação”. 12 “Art. 20, § 1º. O candidato, ao preencher o formulário a que se refere o “caput”, firmará declaração, sob as penas da lei: a) de que é bacharel em Direito e de que deverá atender, até a data da inscrição definitiva, a exigência de 3 (três) anos de atividade jurídica exercida após a obtenção do grau de bacharel em Direito;” 13 Procedimento de controle administrativo nº. 200910000035796 - concurso para magistratura do estado do maranhão - requisito do tempo de 3 anos de atividade jurídica até a inscrição definitiva - termo inicial.

38

A sua intenção, como acertadamente afirma Nalini (2009, p. 20), “não é traçar um

quadro sancionatório da atividade judicial. O intento é oferecer ao juiz uma ferramenta cujo

uso alavanque a credibilidade jurisdição”. Seria, portanto, um mecanismo de referência para a

observância dos deveres funcionais (dignidade, honra e decoro), fomentando, ao mesmo

tempo, a autoridade moral do julgador e o fortalecimento da imagem/confiança do Judiciário

perante a sociedade.

É importante, assim, repensar a mentalidade da magistratura brasileira, pois os

problemas da morosidade da prestação jurisdicional não é uma questão, tão somente, de

deficiência da legislação ou de mais recursos públicos, mas também de uma cultura que

gravita em tradições que não se coadunam com os primados do Estado Democrático e, muito

menos, com a função social que lhe foi concedida pela Constituição.

Não sei se é utópico esperar, na sociedade de massas, um Judiciário suficientemente aberto a todas as demandas, eficiente e rápido na resolução dos litígios. Mas sei que é impossível retornar à feição clássica do Poder Judiciário. Interpreto como tentativas nesse sentido as que tem origem na magistratura brasileira, pretendendo reduzir a problemática do acesso à justiça seja a questão de mais verbas, mais juízes ou mais recursos financeiros, seja ao aperfeiçoamento das normas processuais. Incluo essas propostas no rol daquelas a que designo, genericamente, como ‘institucionalistas’: as que fechando os olhos à realidade das relações materiais e às causas históricas dos fenômenos, atribuem exclusivamente à legislação os vícios de que padecemos (CUNHA, 1994, p. 11).

No sentido de impulsionar medidas que revejam a formação e o papel do juiz

brasileiro, ressaltando como primordiais a sua mudança de paradigma, a EC nº. 45/2004 criou

a Escola Nacional de Aperfeiçoamento dos Magistrados.

1.3 A Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (ENFAM): aperfeiçoamento e mudança de paradigma na magistratura brasileira

Após o dimensionamento da realidade em que se encontra o Judiciário brasileiro, faz-

se premente analisar quais as medidas que estão sendo adotadas em nome do aprimoramento

da atividade jurisdicional. A EC nº. 45/2004 serviu não só para alterar a Constituição, mas

também reordenou todo o debate a respeito dos problemas de ineficiência. Uma das soluções

para enfrentamento dessa crise foi a preocupação com a conduta 14 e a formação dos

14 Resoluções nºs. 60/2008 e 30/2007, estabelecendo, respectivamente, o Código de Ética da Magistratura e o Procedimento Disciplinar.

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magistrados. E nesse sentido, fazemos referência à criação da ENFAM (Escola Nacional de

Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados) como instituição capaz de imprimir qualidade

à atividade judicante.

O art. 93, inciso IV da CF, alterado por aquela emenda, dispõe sobre a “previsão de

cursos oficiais de preparação, aperfeiçoamento e promoção de magistrados, constituindo

etapa obrigatória do processo de vitaliciamento a participação em curso oficial ou

reconhecido por escola nacional de formação e aperfeiçoamento de magistrados”.

No trato dessa questão, a EC nº 45/2004 buscou superar a deficiência do recrutamento

e aperfeiçoamento da atividade jurisdicional, no entanto, na ótica de José Adércio Leite

Sampaio, trouxe consigo outro dilema, que foi divisão da instituição em dois âmbitos:

Superior Tribunal de Justiça (STJ) e Tribunal Superior do Trabalho (TST). Em sua

concepção, “talvez reduza o número de favoritismos e de concursos sob suspeita. Seria

preferível, entretanto, que ao Conselho estivessem vinculadas as Escolas ou mesmo uma

Escola somente, bem como a programação de cursos de aperfeiçoamento” (BRASIL, 2007, p.

276).

Temos, entrementes, um posicionamento diverso do que foi legislado e da sugestão

supramencionada. Primeiro porque deveria existir uma só ENFAM, colegiado controlado

pelos tribunais superiores, inclusive com participação paritária e a inclusão do Superior

Tribunal Militar (STM) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), possuindo uma célula de

funcionamento em cada tribunal. Não caberia, portanto, criar duas Escolas e dividi-las entre o

STJ e TST, pois os demais tribunais também possuem distorções e carência no

aperfeiçoamento da função administrativa e judicante.

Também não seria de bom alvitre entregar a competência para gerenciamento da

ENFAM nas mãos do CNJ. Primeiro porque a criação do Conselho não deve importar em

centralização das atividades do Judiciário, até porque a sua função é estabelecer diretrizes

para que os órgãos judiciários se fortaleçam, atuando supletivamente em questões de maior

relevância e não acumular atribuições desmedidamente, o que poderia resultar num

40

esvaziamento e, consequentemente, em sua impotência para resolução dos deveres

constitucionais 15.

Como se verá adiante e pelo próprio entendimento trilhado pela jurisprudência do

CNJ, não lhe cabe intrometer-se em qualquer controvérsia de ordem administrativa, pois a sua

criação não importou em perda das atribuições dos tribunais, sendo-lhe resguardado o dever

fiscalizar os atos daqueles, primando pela obediência dos princípios constitucionais da

Administração Pública, explícitos e implícitos.

A Constituição Federal, no art. 105, parágrafo único, inciso I e no art. 111-A, §2º,

inciso I, define, respectivamente, as atribuições do STJ e do TST para coordenar, no âmbito

de cada tribunal, as atividades da ENFAM, tendo como cerne autorizar e fiscalizar os cursos

oficiais para ingresso, vitaliciamento e promoção na carreira da magistratura 16. Desse modo,

a Resolução nº. 03/2006 do STJ define a estrutura organizacional e suas principais diretrizes,

sendo válido ressaltá-las em sua integralidade:

Art. 2º Compreendem-se no objetivo estabelecido no artigo anterior as seguintes atividades: I - definir as diretrizes básicas para a formação e o aperfeiçoamento de Magistrados; II - fomentar pesquisas, estudos e debates sobre temas relevantes para o aprimoramento dos serviços judiciários e da prestação jurisdicional; III - promover a cooperação com entidades nacionais e estrangeiras ligadas ao ensino, pesquisa e extensão; IV - incentivar o intercâmbio entre a Justiça brasileira e a de outros países; V - estimular, diretamente ou mediante convênio, a realização de cursos relacionados com o objetivo da ENFAM, dando ênfase à formação humanística; VI - habilitar, para os efeitos do art. 93, inciso II, alínea “c”, e inciso IV, da Constituição da República, cursos de formação e aperfeiçoamento de magistrados oferecidos por instituições públicas ou privadas; VII - formular sugestões para aperfeiçoar o ordenamento jurídico.

A ENFAM possui papel estratégico na formulação de planos reitores na formação

continuada dos juízes, como também na firmação de parcerias com as escolas de magistratura

e instituições de ensino brasileiras e estrangeiras 17 para a otimização da concepção ética,

filosófica, humanística e do aprimoramento das práticas judiciárias, seja no momento do

ingresso do magistrado, seja durante o desempenho das atribuições 18. Analisando a situação

15 Na Espanha, o Consejo General Del Poder Judicial acumula, dentre outras, a atribuição de coordenar a Escola Judicial dos magistrados. Com relação ao tema ver: BECERRA, Manoel José Terol. El consejo general del Poder Judicial. Mardid: Centro de Estudios Constitucionales, 1990.. 16 “Art. 105, parágrafo único, inciso I e art. 111-A, §2º, inciso I: Funcionarão junto ao Superior Tribunal de Justiça: a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados, cabendo-lhe, dentre outras funções, regulamentar os cursos oficiais para o ingresso e promoção na carreira;” 17 Ressalta-se o termo de cooperação assinado entre o CNJ e o Centro de Estudos Judiciários das Américas (órgão vinculado à OEA), possibilitando a troca de experiências entre as duas instituições. 18 Vide o Acordo de Cooperação Técnica entre a ENFAM e o CNJ (ENFAM nº. 50/2010). A cooperação técnico-científica, acadêmica e cultural e o intercâmbio de conhecimentos, informações e experiências, visando à formação, ao aperfeiçoamento e à especialização técnica de recursos humanos, bem como ao desenvolvimento

41

portuguesa, Souza Santos (1999, p. 180) admite que além de uma reforma que democratize

internamente a organização judiciária, também seria necessária uma nova proposta de

formação e recrutamento dos juízes que viabilizem a ampliação dos seus poderes no contexto

da administração judiciária:

As novas gerações de juízes e magistrados deverão ser equipadas com conhecimentos vastos e diversificados (econômicos, sociológicos, políticos) sobre a sociedade em geral e sobre a administração da justiça em particular. Esses conhecimentos têm de ser tornados disponíveis, e sobretudo no que respeita aos conhecimentos sobre administração judiciária no nosso país, esses conhecimentos ainda tem de ser criados.

Além do plus humanístico, reforça-se a oportunidade de possibilitar aos magistrados

atualização jurídica (principalmente no tocante aos regramentos internacionais) e maneiras de

aplicar a legislação (a verificação dos impactos sociais e econômicos das sentenças, a

racionalização de atos, a diminuição dos custos e o do tempo do processo), tendo em vista as

constantes alterações legislativas que acabam por tornar as relações jurídicas mais complexas

e conflituosas. Martins Afonso (2004, p. 187), em sua análise sobre a independência do poder

judicial, aponta as novas exigências para a formação dos magistrados:

[…] a atenção deve estar voltada não só para os órgãos e métodos de seleção das candidaturas à magistratura como para própria formação em si. Esta tem necessariamente que contemplar a preparação técnica mas tem que estar atenta também à educação ética e deontológica e à consciencialização que a magistratura deve ter do papel que exerce na sociedade, ou seja, a formação da idéia que aos juízes é dado ter da sua própria identidade. Não se pode continuar a dar aos juízes como idéia base de si próprios a decorrente de modelo ‘weberiano’ de funcionário, portador de um saber técnico que o legitima, na origem do qual foi seleccionado e entrou para o aparelho de Estado.

Dessa maneira, a ENFAM representou um dos mais importantes avanços no

estabelecimento de uma cultura educacional continuada aos magistrados, o que propicia a

estes o realinhamento de atitudes no contexto do constitucionalismo brasileiro, a reciclagem

de medidas com vias a equacionar a atuação da Justiça, o incentivo à formação acadêmica

(cursos strictu sensu) e a abertura multidisciplinar que aos poucos permeia o direito de forma

decisiva e transformadora.

1.4 A missão do juiz da Constituição Federal de 1988

institucional, mediante a implementação de ações, programas, projetos e atividades complementares de interesses comuns entre o CNJ e a ENFAM.

42

O juiz, observado inicialmente como aquele responsável por julgar os conflitos, tomou

outra dimensão no decorrer da vivência institucional pós 1988, pois passou a ser instrumento

das realizações das promessas constitucionais, principalmente, na conjuntura dos desgastes e

da descrença do Legislativo e Executivo. Certa maneira, o debate público, a respeito da

efetivação dos direitos, deslocou-se para a esfera do Judiciário, tendo em vista que, ao

contrário dos outros Poderes, é seu dever constitucional escutar e responder. Deve estar

preparado para esta responsabilidade, pois do contrário lhe restará duas alternativas: a

insuficiência ou o excesso de intervenção.

O Judiciário, portanto, necessita reorganizar-se administrativa e politicamente,

convertendo o anseio de justiça social em atitudes emancipatórias e agregadoras, em

sentenças que levem em conta aspectos sociais, econômicos e de eficiência, conjugando o

livre convencimento e a vontade popular. No dizer de Zaffaroni:

Uma sadia política institucional orientar-se-á sempre no sentido de afastar-se do ‘disparate’, procurando aproximar da estrutura a idoneidade para o cumprimento das funções manifestas. Este primeiro passo, no judiciário, é dificultado por não estarem suficientemente esclarecidos os limites e até mesmo a natureza das funções manifestas. Teóricos e políticos discutem-nos com linguagem que às vezes está tão impregnada de equívocos que quase implica na negação da própria linguagem: ‘poder’, ‘função’, ‘serviço’, ‘apoliticidade’, ‘independência’, ‘imparcialidade’ etc. seguem uma lista interminável de vocábulos polivalentes, usados frequentemente como elementos autoritários que apenas servem para fechar discussões, nas quais ninguém entende o interlocutor (1995, p. 22).

Os parâmetros da realidade constitucional e o ambiente institucional atual conduzem a

magistratura a transformar-se num efetivo instrumento de transformação social. É o poder

pelo dever e não, simplesmente, o poder pelo poder. Apesar disso, muito se duvida do alcance

e da confiabilidade da jurisdição brasileira, porque ainda, certas vezes, adota uma postura

contraditória diante dos seus problemas internos e externos. É necessário, portanto,

acompanhar as mudanças legais, mas também adequar-se à realidade social, buscando, na

medida da satisfação prestacional, a “‘desinstitucionalização’ do conflito, a revisão dos

procedimentos, a mudança na formação e o incremento da operacionalidade do Poder

Judiciário” (CAMPILONGO, 2010, p. 44).

Entender-se, materialmente, como Poder do Estado representa requisito essencial para

dimensionar as responsabilidades do juiz perante a Constituição e a sociedade. A

identificação das prerrogativas e dos deveres do exercício da magistratura no contexto do

mundo ocidental, como se pode perceber pelo caminhar histórico, possui uma carga sócio-

43

política inquestionável. Nas palavras de Sérvulo da Cunha (1994, p. 11), “a luta pelo

aperfeiçoamento do Judiciário envolve não apenas seu aparelhamento material, mas uma

consciência maior de si mesmo: uma visão crítica de sua função social, uma reviravolta da

cultura jurídica, que o transforme em expressão da sociedade, e não do Estado”.

A figura do juiz no século XXI em nada se compara com as experiências vividas no

Estado Moderno ou Estado liberal do século XVIII. Mais do que a independência

conquistada, a concepção política de função jurisdicional no Estado Democrático de Direito é

fato que tem exigido do juiz um comportamento ativo diante dos impasses e da relação entre

as instituições (Legislativo e Executivo).

Dessa forma a relação que se deriva do Estado Democrático de Direito entre o juiz e a lei impõe-se, com fundamento na estrutura jurídica constitucional, como uma ação efetivamente muito maior que no Estado Liberal para a consecução dos direitos e garantias fundamentais previstos na Carta Constitucional. Nessa senda, a relação Estado de Direito, Democracia e Separação de Poderes delineia que a aplicação da lei pelos magistrados não pode ser mais tomada ao largo de sua consequência social (ROCHA, 2009, p. 12).

É perceptível que as intervenções políticas dos juízes têm ocorrido com mais

frequência, mas não com a mesma intensidade que deveriam. Por outro lado, atuações

incisivas em respeito à ordem constitucional têm gerado fortes críticas ao Judiciário no que

toca os seus limites como poder de balanceamento e controle da ordem democrática. Afinal

conviver com sentenças que caçam mandatos, que determinam a execução de políticas

públicas e que resolvem conflitos eminentemente de natureza política (demarcação de terras

indígenas, por exemplo, Petição nº. 3.388/RR) não aparenta ser algo comum à sociedade

brasileira, que sobrevive, passivamente, às mazelas de um destempero institucional entre

Poderes.

O aumento das demandas sociais contribui para que o Judiciário, independentemente

de suas vontades conflitantes, seja levado a dar respostas que repercutem positiva ou

negativamente no meio social. Chamado a resolver a controvérsia, não pode fugir do dever

funcional de garantir os primados de justiça, como também a segurança jurídica, entretanto,

com limites e prudência. Nesse sentido Esteves (2007, p. 75) considera que:

[…] constatar que os juízes exercem também atividade política não significa postular que esta deva ser exercida sem limitações. O que se pretende demonstrar é que não existe separação estanque entre os órgãos estatais que justifique a invocação de uma dogmática superada sob o pretexto de manutenção de uma modelo de organização estatal que não condiz com as necessidades enfrentadas na atualidade do Poder Judiciário, o qual, como já dito, vem sendo chamada a desempenhar

44

funções que garantam e dêem efetividade à Constituição em questões sensíveis, como o direito de minorias e de justiça distributiva.

Por esse ponto de vista, a Constituição é paradigma essencial para entendermos os

motivos de uma renovada magistratura, pois é nesse contexto que se observam duas situações:

de um lado, o aumento significativo das suas atribuições e de sua identificação como Poder

que controla e é controlado pelo demais e, precipuamente, guarda a tarefa de proteger o texto

constitucional, por outro lado, o canal à consagração das liberdades fundamentais,

credenciando a cada cidadão a oportunidade de exigir direitos e forçar o cumprimento de

deveres.

Essa abertura constitucional aliada à busca pela concretização de direitos foi,

praticamente, toda direcionada para o exercício da atividade jurisdicional, ou seja, o fluxo das

demandas aumentou e os casos difíceis também começaram a bater nas portas do Judiciário.

Fato é que de uma magistratura que se voltava para lidar com questões individuais e ladeadas

de conotações privadas, esta encara situações mais complexas (direito de minorias, aborto,

anencéfalos, demarcação de terras) e de maior abrangência (direitos difusos, coletivos e

individuais e homogêneos).

A magistratura ocupa uma posição singular nessa nova engenharia institucional. Além de suas funções usuais, cabe ao Judiciário controlar a constitucionalidade e o caráter democrático das regulações sociais. Mais ainda: o juiz passa a integrar o circuito de negociação política. Garantir as políticas públicas, impedir o desvirtuamento privatista das ações estatais, enfrentar o processo de desinstitucionalização dos conflitos significa atribuir ao magistrado uma função ativa no processo de afirmação da cidadania e da justiça substantiva. Aplica o direito tende a configurar-se, assim, apenas num resíduo da atividade judiciária, agora também combinada com a escolha de valores e aplicação dos modelos de justiça (CAMPILONGO, 2010, p. 49).

Além de uma reordenação legislativa pertinente a garantir o devido processo legal

procedimental, faz-se necessário rever comportamentos que assegurem também o devido

processo substancial, ou seja, as mudanças que estabelecem as regras do jogo de nada valerão

se os atores envolvidos na sua aplicação não observarem os fins maiores que estas regras

pretendem atingir.

É nesse contexto que a análise sobre a Reforma do Judiciário, em especial a criação e

a atuação do Conselho Nacional de Justiça, torna-se importante para dimensionar o

fortalecimento das relações institucionais, sociais e para a concretização dos objetivos da

democracia brasileira, através da prática do devido processo legal substantivo. O capítulo

45

seguinte retratará as incertezas e as perspectivas que permeiam esta reforma, verificando os

seus impactos na Constituição e na mudança de atitude do Judiciário.

46

2 AS REFORMAS DO JUDICIÁRIO: A NECESSIDADE DE MUDANÇAS E AS INCERTEZAS DA SOLUÇÃO

A Emenda Constitucional nº. 45/2004 deu um passo importante na questão do vigor

das atribuições jurisdicionais. Uma reforma consideravelmente significativa, que importou na

alteração e criação de várias disposições constitucionais, impactando, conseguintemente, na

legislação infraconstitucional. Representou um marco simbólico, pois a partir de sua vigência

todos os esforços na seara administrativa e legislativa convergem para a resolução de um

impasse do Judiciário brasileiro: o problema da morosidade, a expectativa da celeridade e a

necessária mudança de atitude, como demonstrado no capítulo anterior.

Na verdade, a referida emenda foi, por um lado, responsável por externar e reforçar as

determinações da Constituição Federal, tais como a razoável duração do processo (art. 5 º,

inciso LXXVIII, CF), a competência da justiça do trabalho, autonomia da defensoria pública,

equiparação dos tratados de direitos humanos às normas constitucionais, o tribunal penal

internacional, as modificações ocorridas nos arts. 92, § 2º, 102 e 103 da CF, sendo que, em

grande parte, tornou a inserir matéria sem substância constitucional, reforçando a conhecida

dicotomia entre normas formais e materiais que, em nossa ótica, apresenta-se ultrapassada em

face dos novos desafios do constitucionalismo. Embora entendamos ser um esforço

desnecessário incluir conteúdos que a tornam mais prolixa e confusa 19. Por outro, reordenou

e atribuiu competência ao STJ e STF, criou o Conselho Nacional de Justiça, além de alguns

institutos polêmicos aplicáveis à processualística brasileira, tais como a repercussão geral e a

súmula vinculante 20, além de reverberar seus efeitos nos códigos de processo.

19 Com relação ao tema ver Teoria de La Constitucion (Karl Loewenstein); Direito Constitucional e Teoria da Constituição (J. J. Gomes Canotilho); Direito Constitucional Tomo I (Jorge Miranda). A discussão sobre esta questão desemboca num encurralamento teórico e sem substância prática. É consenso que não há hierarquia entre as normas constitucionais, pouco importando o seu teor (material ou não). Do contrário admitiríamos que as normas formais, por não ter conteúdo material, poderiam ser objeto de alteração por intermédio de uma lei infraconstitucional, contrapondo a característica de rigidez apregoada à Constituição de 1988, tornando-a semi-rígida. 20 O art. art. 102, §3º da CF tratou de definir este requisito de admissibilidade, dispondo que: No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros.

47

A Reforma representou, portanto, uma tentativa de exceção ao ambiente hostil das

constantes modificações à Constituição, objetivando uma reordenação do Judiciário com vias

a contextualizá-lo dentro de um desconhecido âmbito de modernização, gestão, política

judiciária e ampliação das atribuições atinentes ao cumprimento da sua função social.

É necessário dizer que a primeira fase da reforma viveu seus momentos de avanços,

mas também de dificuldades. Na maioria de suas intervenções, deve ser concedido mérito ao

legislador, que reparou, com destreza, algumas anomalias que persistiam e criou instrumentos

processuais voltados à rápida resolução dos litígios. Numa parte menor, manteve intactas

disposições merecedoras de alterações urgentes e, por último, aflorou outros conflitos que,

por via justa ou injusta, infelizmente, a realidade se encarregará de adaptar ao sistema

jurídico.

A abordagem a seguir releva uma síntese da condução do processo de reforma do

Judiciário, pois que a sua amplitude impede-nos de analisar minuciosamente. Dessa forma,

elencaram-se alguns dos seus principais desdobramentos, observando erros e acertos, mas,

principalmente, sugerindo modestas soluções para o enriquecimento do debate.

2.1 Reordenação Constitucional: os impasses a sua concretização

A reforma constitucional é o procedimento formal de mudança da Constituição em que

o legislador, impulsionado pelos acontecimentos e demandas, altera os dispositivos,

observadas as limitações impostas, tendo por finalidade torná-la eficaz e adequada à realidade 21. O trabalho do legislador constituinte vive entre a tranquilidade da estabilidade e a tensão

da mutação, em que realidade e norma estão em constante transformação, de modo a

perenizar um projeto político eivado de ideais e incertezas. Harmonizar tais fundamentos, na

perspectiva do constitucionalismo brasileiro, não é tão fácil quanto parece. A Constituição de

1988, fundada em primados de cidadania e dignidade da pessoa humana, representou um

avanço no fomento dos direitos fundamentais e na defesa da ordem democrática.

21 “En realidad tanto La reforma de La Constitucíon como el control de constitucionalidad son funciones constituidas, en la medida en que están previstas y ordenadas jurídicamente en La Constitucíon. En consecuencia, deberíamos Haber dividido lãs funciones del Estado en funcíon constituyente en singular y funciones constituidas em plurar, incluyendo entre estas últimas todas las no constituyentes sin excepcíon” (ROYO, 1995, p. 479).

48

Destaque-se aqui que alterações na Constituição é só uma etapa do processo de

modificação de comportamento, impulsionada pela vontade da sociedade. Não é o único

passo, muito menos o último, que deve ser dado. Isso deve ser dito, tendo em conta a

divinização desmedida que é conferida à Constituição, fato que traz prejuízos à eficácia e

confiabilidade das normas constitucionais. Hesse (2009, p. 96) já expressara com propriedade

essa necessidade de condensar os mandamentos da Constituição com a vontade de concretizá-

la:

Essa realização não é algo que se possa dar por suposto. Depende de quanto a Constituição efetivamente motiva e determina a conduta humana, na medida, portanto, em que as suas normas se achem “em vigor” não só hipoteticamente, mas também de fato. Essa vigência real da Constituição não se alcança pelo só fato de ela existir.

Além de depositar confiança na Constituição e nas alterações, dever-se-ia, com a

mesma intensidade, envidar esforços na concretização das políticas de governo. Ao revés,

percebem-se na Constituição, em muitas ocasiões, as marcas de políticas oportunistas e

malogradas.

A profundidade das questões abordadas e a desnecessidade da formalizar outras

poucas de teor constitucional resultaram, ao mesmo tempo, em expressividade das metas a

cumprir e redundâncias que, justamente, foram as motivações para o considerável número de

emendas constitucionais. E o principal gatilho motivador dessas reformas pontuais são os

planos governamentais contraditórios que, vez ou outra, incitam atitudes incompreensíveis

por parte do Legislador. “A razão de ser de uma Constituição não é facilitar a ação

governamental, mas proteger os direitos fundamentais do cidadão” (COMPARATO, 1990, p.

126).

Apesar de se objetivar a acomodação sistêmica 22, a modificação da Constituição não

é tarefa que vem sendo desempenhada a contento, pois, muitas vezes, a vontade que se

pretende atingir com uma emenda em nada se compara com os interesses da coletividade.

A Constituição brasileira ainda é vítima da inércia legislativa no que toca a elaboração

das leis infraconstitucionais, responsáveis pela mobilidade e concretude dos seus

fundamentos. Ao invés de funcionar, em regra, como instrumento de garantia institucional, as

reformas constitucionais pertinentes entram para um rol de excepcionalidade, pois que o seu

22 Termo utilizado para definir a finalidade do instrumento, realçando o princípio da unidade da Constituição como inibidor de contradições e antinomias dentro da sistemática do Poder Reformador (SILVEIRA, 2006).

49

uso indiscriminado vem ocasionando insegurança jurídica nas relações sociais e no

desempenho dos demais Poderes 23. O Poder reformador, em mais de sessenta vezes, teve a

oportunidade de demonstrar, em determinados momentos, que nem os limites imersos na

Constituição são capazes de se opor as suas razões, tendo sido vitais, principalmente,

intervenções do controle de constitucionalidade para expurgar as aberrações.

Como externação maior do devido processo legal legislativo, a modificação da

Constituição não pode continuar refém de interesses políticos escusos e que findam por tornar

ainda mais contraditória e litigiosa a realidade social. A desregulação no uso da emenda

representa um forte indício de insucesso institucional. Ora, se aquele que é responsável por

ditar quais as regras do jogo se revela impreciso, nada razoável, fugaz às questões precípuas,

desconhecedor dos impactos (políticos e sócio-econômicos) de uma alteração, ou ainda põe

em dúvida ou aplaca a efetividade dos direitos fundamentais, fica evidente que o “jogo

democrático” será combalido.

Errar também faz parte da construção das decisões políticas dentro de um cenário

democrático, no entanto, o erro constante passou a encorpar a regra de um Poder Legislativo

falido em credibilidade e legitimidade. Muitos autores, com certa razão, questionam o

ativismo do Poder Judiciário, mas como ser inerte ao desrespeito à supremacia da

Constituição em nome de uma atribuição que diz encontrar respaldo numa maioria soberana

(considerada por este como mera instância abstrata 24) que a cada dia se encontra encurralada

pelas manobras políticas?

Negri (2002, p. 19) afirma que “o Poder Constituinte é a fera indomável que o poder

constituído pretende amestrar”. No caso brasileiro, a fera é um animal já domesticado e que

precisa da “boa vontade” do Poder reformador para que o seu esforço (a Constituição) não

morra à míngua de eficácia. Os outros Poderes, na sistemática da harmonia de tarefas,

necessitam evidenciar suas prerrogativas de modo a contê-lo.

23 Veja a situação do regime jurídico único dos servidores públicos e a alteração ocorrida com a Emenda nº. 19/98, que foi resolvida pelo julgamento da ADI nº. 2.135-4. Ver também a questão da Emenda nº. 45/2004 no que toca a “nova” competência da Justiça do Trabalho (Especialmente a ADI nº 3.395-3) e Emenda nº. 30/2000. Outra questão que certa forma nos tormenta é a viabilidade de alteração dos ADCTs (EC nº 10/1996, 14/1996, 17/199, 40/2003, 43/2004, 53/2006, 56/2009 etc.), retirando ou alargando o seu caráter de transitoriedade. 24 Nesse sentido ver: MÜLLER, Friedrich. Quem é o povo? 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

50

Limites existem e eles devem ser observados, seja qual for o Poder responsável por

exigir a harmonia tão apregoada em nosso ordenamento. Afonso Arinos (1976, p. 132), nesse

contexto de desencontro institucional, verifica que:

As instituições brasileiras só adquirirão maturidade e estabilidade no dia em que for possível à Constituição transformar em limite ao Poder Constituinte instituído, suprimir os poucos, mas insubstituíveis direitos realmente definidores da personalidade humana.

Valendo-nos da assertiva do constitucionalista mencionado, entende-se que o

destempero institucional é um problema que afeta também aos outros Poderes, em vista da

necessidade de maior explicitação das funções de cada um. O ativismo judicial não é um

problema isolado, mas que, em verdade, envolve o déficit de atuação dos outros Poderes.

O Legislativo deve se impor ao Executivo no sentido de estabelecer limites ao uso das

medidas provisórias, investigar publicamente os membros dos outros Poderes e exigir

prestação de contas, o Judiciário deve intervir para declarar a inconstitucionalidade de lei, ato

normativo que fira a Constituição, penalizar o corrupto e preencher com parcimônia a

omissão, o Executivo deve exigir limites na interferência do Judiciário na definição das

políticas públicas. O constante diálogo e firmação de pactos devem conduzir a acomodação da

atuação dos Poderes para os fins de maturidade e estabilidade.

O questionamento acima retoma a discussão a respeito da separação de poderes,

entretanto, não mais tão preocupada com os intentos iniciais do constitucionalismo moderno,

que buscava a “desconcentração do poder, forma ostensiva e programática de negar o

personalismo das monarquias absolutas” (SALDANHA, 1983, p. 128), mas o debate sobre a

compartição das atribuições, o que importa em confrontar as garantias de freios e contrapesos

estabelecidos na Constituição com os fins de concretizá-las na esfera dialógica 25.

Nesse sentido, a reforma do Judiciário representou a busca pela reformulação do

devido processo legal na idéia de que além da tentativa de rever meios de compatibilizar as

regras do jogo, também busca harmonizar os interesses institucionais e sociais para o fim de

materializar deveres constitucionais de fomentar o acesso à justiça 26.

25 ADI nº. 3367-DF. relator ministro Cezar Peluso: “[…] ao arquitetar sua clássica teoria, MONTESQUIEU era movido de um só ânimo: repartir o exercício do poder entre pessoas distintas, a fim de impedir que sua concentração comprometesse a liberdade dos cidadãos”. 26 O devido processo legal possui raízes históricas que sempre esteve correlacionado com os ideais do constitucionalismo no mundo ocidental. Os critérios limitadores e a observância de um conjunto de regras apto a

51

A referida cláusula do devido processo legal possui a característica essencial de ser o

sustentáculo de toda carga normativa do ordenamento jurídico, pois nela se condensa a

garantia de obediência desde às regras mais comuns de proteção processual à materialização

da Constituição Federal. Nesse sentido, a Suprema Corte norte-americana teve papel

fundamental no dimensionamento do due process of law, encontrando, a partir dele, um

caminho para o exercício de uma justiça constitucional que prima pelo respeito e eficácia das

normas, julgando o caso concreto e estabelecendo regras para as situações futuras (NERY JR.,

2009).

Esse ativismo, certa forma, deu em maior ou menor grau a sua contribuição para um

direito constitucional que hoje é referência para muitos países. No caso brasileiro, pode-se

dizer que o aprofundamento dos debates constitucionais a respeito da legitimidade da atuação

do STF oscila entre avanços e retrocessos.

Além dos conflitos sócio-econômicos que influenciam o desempenho do

enfrentamento dos problemas do constitucionalismo brasileiro, como bem lembra Nery Junior

(2009), referências que ainda norteiam o estudo sobre o alcance das normas constitucionais, o

dogmatismo tradicional e os preceitos da Civil Law afogam o direito constitucional em

discussões teóricas obsoletas, recaindo em preciosismos que são reproduzidos de forma

automática e tidos como postulados básicos para o entendimento das questões relevantes à

ordem jurídica.

As alterações legislativas da primeira fase da reforma do Poder Judiciário serviram

para agrupar todo um debate já existente sobre os problemas de acesso à justiça, razoável

duração do processo e administração judiciária, como também por impulsionar mudanças

positivas na legislação processual, que há muito necessitava ser enquadrada nas

complexidades tomadas pelas demandas atualmente.

2.2 Reformas Efetivas ou Emendas para alterar Emendas: o que esperar das outras fases da reforma constitucional?

Apesar da pertinência de muitas das modificações à Carta Magna e da positividade

dos resultados proporcionados pela reforma, o tempo começa a demonstrar reflexos de que o

dar respaldo à atividade dos poderes institucionais e às relações sociais são premissas ainda perseguidas pelos Estados que abeberam desta herança.

52

debate público sobre essas alterações ainda necessitam de intensificação. A referência aqui é

feita à participação popular e às instâncias de poder e representação. Mal começou a valer, a

EC nº 45/2004 não só foi alvo das mais diversas ações diretas de inconstitucionalidade, como

também já passou por outras reformas textuais 27. Tais modificações, sob o prisma da força

normativa da Constituição, podem ser prejudiciais a sua realização.

Toda Constituição é Constituição no tempo; a realidade social a que são referidas suas normas, está submetida à mudança histórica e esta, em nenhum caso, deixa incólume o conteúdo da Constituição. Quando se desatende dita mudança, o conteúdo constitucional ‘fica petrificado’ e a curto ou longo prazo não poderá cumprir suas funções. Da mesma forma, a Constituição pode descumprir suas tarefas quando se adapta, sem reservas, às circunstâncias de cada momento (HESSE, 2009, p. 13).

Tais fatos guardam seus pontos positivos, mas são engolidos pelos negativos. Primeiro

porque, ao invés de encarar os desdobramentos previamente por meio do debate difuso das

questões que afetam diretamente a toda sociedade, a decisão política se desloca e se

concentra, tão somente, na apreciação do Supremo Tribunal Federal. Não se pode negar a

importância do papel político do STF na concretização da Constituição, no entanto,

desincumbir, toda a vida, a soberania popular de (neste caso, o povo e não o legislador,

instrumento de sua vontade) decidir representa atrofiar o debate democrático.

Conforme dito, em outra ocasião, há uma tendência de aproximação entre juiz e

cidadão, em que este deposita o seu destino na força da atividade jurisdicional. No entanto,

essa confiança não pode se tornar uma dependência ao ponto de desacostumá-lo de tomar as

próprias decisões. “A justiça torna-se um espaço de exigibilidade da democracia. Ela oferece

potencialmente a todos os cidadãos a capacidade de interpelar seus governantes, de tomá-los

ao pé da letra e intimá-los a respeitarem as promessas contidas na lei” (GARAPON, 2001, p.

49). Sem saber qual o seu papel dentro do cenário político, tal prática pode se tornar

perniciosa ao fortalecimento da democracia.

A reforma, precedida de debate, não precisa tratar de questões que estão

implicitamente assentadas na Constituição, pois a literalidade não representará maior ou

menor grau de aplicabilidade da norma. Se há vontade política, há eficácia constitucional e

transformação social. Também é desnecessária a presença de normas que podem,

perfeitamente, ser objeto de uma lei infraconstitucional. Em suma, as suas próximas fases

27 Nesse sentido, ver a Emenda Constitucional nº 61/2009, que atribuiu, automaticamente, a presidência do CNJ ao presidente do STF (excluindo-o do referendo senatorial) e extinguiu o requisito da idade para o ingresso dos membros.

53

devem explorar questões que embarricam a potencialidade da gestão democrática e o fim do

sentimento corporativista que ainda assombra a legitimidade, a transparência e eficiência do

Poder Judiciário.

A proposta de emenda à Constituição nº. 358/05, que tramita no Congresso Nacional

(intitulada de 2ª fase da reforma do Judiciário) apresenta-se inconsistente quanto aos intentos

da gestão democrática, preocupando-se, em grande parte, a privilegiar alterações que

desmerecem o status constitucional e que já estão assentadas na doutrina e jurisprudência. É

importante que se diga que o maior desafio da reforma do Judiciário não é somente o

jurisdicional, mas o de reorganização interna e de abertura democrática.

1) Exclusão da competência privativa da União para manter e legislar sobre a Defensoria Pública do Distrito Federal; 2) Estabelecimento de competência especial por prerrogativa de função do Tribunal de Justiça para o julgamento do prefeito, por atos praticados no exercício da função ou a pretexto de exercê-la; 3) Eleição dos órgãos diretivos dos tribunais será feita por maioria absoluta, voto secreto e mandato de dois anos, vedada a reeleição; 4) Os Tribunais passam a ter competência para criar e organizar a sua polícia; 5) Nas infrações penais comuns, os integrantes do Conselho Nacional da Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público serão processados e julgados pelo STF; 6) Os advogados e cidadãos integrantes do Conselho Nacional de Justiça não poderão exercer outro cargo ou função, salvo uma de magistério, nem se dedicar à atividade político-partidária ou exercer a advocacia; 7) o juiz poderá perder o cargo após o julgamento de processo iniciado por representação do Ministério Público em casos de negligência, arbitrariedade ou abuso de poder no exercício do cargo; procedimento incompatível com o decoro das funções; ou infração às proibições de exercer outros cargos e ter atividades político-partidárias, entre outras; 8) redução de seis para três nomes da lista de advogados a serem nomeados para os tribunais regionais eleitorais, que passam a ser elaboradas pelo Tribunal Superior Eleitoral, e não mais pelos tribunais de Justiça; 9) os estados poderão instituir representação de constitucionalidade de lei estadual e de inconstitucionalidade de lei estadual ou municipal.

Tais propostas representam, ao fim de todas as preocupações externadas neste capítulo

e no restante do trabalho, mais um dos equívocos comuns praticados pelo Legislador em

alterar a Constituição. Primeiramente porque se restringe a uma reforma meramente de

função jurisdicional, relegando as questões problemáticas que envolvem o orçamento, a

administração e a abertura democrática. Em segundo, porque esses tópicos teriam espaço em

modificações pontuais, não sendo cabíveis em reformas amplas, haja vista que não há

sistematicidade ou pontos de interseção entre os temas aventados na PEC. Em terceiro,

porque a maioria dos dispositivos propostos já encontra respaldo na jurisprudência, restando,

absolutamente, desnecessário incluí-los na Constituição Federal, podendo ser, no máximo,

objeto de lei infraconstitucional.

54

2.3 Reformas de atitude no Poder Judiciário: críticas e propostas

A reforma deve envolver um amplo debate acerca do que a sociedade espera do

Judiciário e não se limitar a questões técnicas e pontuais, deixando ao sabor do destino o

dever de compatibilizá-las. Reforce-se que o vetor das reformas do Judiciário é o seu

fortalecimento e sua abertura democrática.

Este pesquisador acredita que o momento não é para reforma constitucional, ou seja,

não há urgência e nem existe precisão para alterar a Constituição, pelo fato de que não há

debate público sobre o que deve ser realmente integrado ao texto constitucional. E a

afirmação se torna mais plausível quando nos deparamos com as sugestões da PEC nº.

358/2005. Ora, se não é dado ao povo o poder de referendar as alterações à Constituição ou o

direito de, ao menos, participar das discussões sobre o futuro que a sua “criatura” planeja, o

que esperar? Sem dúvida, pouco respaldo social e permanência dos problemas mais agudos:

carência de maior estrutura, de dignidade da justiça, dos deveres funcionais, excesso de

morosidade processual etc.

Reforma do Judiciário não se reduz à alteração da Constituição 28! Nesse sentido,

elenca-se como prioridade de reformulação e de maior contribuição aos intentos da EC nº.

45/04: investimento em políticas de administração judiciária, na formação de magistrados e

servidores a partir das escolas, o emprego de novas tecnologias, o fortalecimento das

ouvidorias e corregedorias dos Tribunais, a criação de novas varas e, conseguintemente, o

aumento do número de servidores. O estabelecimento de mais de um juiz numa mesma vara

de 1ª instância e a maior autonomia de 1° grau, o incentivo aos programas de emancipação

social, a maior fiscalização dos procedimentos licitatórios e da contratação de contingente

temporário, a preocupação com a interiorização do Judiciário e com todos os problemas

administrativos que estancam o seu desempenho. A transparência e publicidade dos atos dos

Tribunais, a informatização (através do processo eletrônico inteligente), enquete popular

sobre definição de políticas judiciárias e de questões relevantes (hard cases), a escolha

democrática dos membros dos Tribunais, o maior poder de barganha na questão do orçamento

28 A REFORMA Silenciosa da Justiça. Organização: Centro de Justiça e Sociedade da Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getúlio Vargas. Rio de Janeiro: 2006, p. 5. Nessa linha, podemos elencar os três desafios de uma reforma silenciosa, segundo Joaquim Falcão, para um Judiciário mais ágil e republicano: a primeira é a produção estatística sobre o funcionamento do Judiciário brasileiro; a segunda é a formação dos juízes; terceira é a reforma gerencial, incluindo a informatização.

55

e divisão equânime dos recursos, a humanização da prestação jurisdicional, principalmente,

aos mais necessitados, propiciando maior integração entre Judiciário e sociedade.

Dentre as proposições aventadas acima, poderíamos eleger, como matéria de emenda

constitucional, a reorganização da autonomia financeira do Poder Judiciário, estabelecendo

restrições quanto à possibilidade de modificar as suas sugestões ao orçamento. A partir de um

estudo acurado das finanças e de discussões institucionais (interna, entre os Tribunais; e

externa, com os demais Poderes), definir os parâmetros e necessidades para o bom exercício

de suas atribuições. Outro aspecto merecedor de alteração à Constituição seria a necessidade

de avançar na questão da escolha dos membros dos Tribunais, haja vista que o excesso de

interferência político-partidária do Executivo fortalece mais a ideia de que o Poder Judiciário

é instrumento para o Estado e não para o povo.

A reforma constitucional que se busca aprovar, portanto, não merece o rótulo de

“reforma do Judiciário” (talvez nem de Emenda num sentido material de realizar promessas

constitucionais ou atingir anseios do povo), pois que em nada altera a realidade dos

problemas.

A reforma que deve ser buscada é a de atitude, ou seja, a mudança de comportamento

dos profissionais no uso de práticas estratégicas, que primem pela agilidade de atuação e,

principalmente, pela otimização do acesso à justiça. Unido a essa vontade estão a

modernização administrativa 29 e também as reformas dos códigos processuais. Quanto à

primeira (a partir da coordenação do CNJ em ação coordenada com os Tribunais) podemos

dizer que está bem encaminhada e tende a uma ascensão para as próximas décadas.

Já quanto à segunda, não se tem certeza se vai ocorrer, pois, apesar da preocupação

em elaborar códigos modernos e voltados ao problema da morosidade e das várias audiências

29 A democratização da administração da justiça é uma dimensão fundamental da democratização da vida social, econômica e política. Esta democratização tem duas vertentes. A primeira diz respeito à constituição interna do processo e inclui uma série de orientações tais como: o maior envolvimento e participação dos cidadãos, individualmente ou em grupos organizados, na administração da justiça; a simplificação dos atos processuais e o incentivo à conciliação das partes; o aumento dos poderes do juiz; a ampliação dos conceitos de legitimidade das partes e do interesse de agir. A segunda vertente diz respeito à democratização do acesso à justiça. É necessário criar uma Serviço Nacional de Justiça, um sistema de serviços jurídicos-sociais, gerido pelo Estado e pelas autarquias locais com a colaboração das organizações profissionais e sociais, que garanta a igualdade do acesso à justiça das partes das diferentes classes ou estratos sociais. Este serviço não deve se limitar a eliminar os obstáculos económicos ao consumo da justiça por parte dos grupos sociais de pequenos recursos. Deve tentar também eliminar os obstáculos sociais e culturais, esclarecendo os cidadãos sobre os seus direitos, sobretudo os de recente aquisição, através de consultas individuais e colectivas e através de ações educativas nos meios de comunicação, nos locais de trabalho, nas escolas etc (SANTOS, 1999, p. 177).

56

realizadas, todo o trabalho pode empoçar no processo legislativo, haja vista a dificuldade de

aprovar reformas processuais amplas. Conforme afirmou o deputado Flávio Dino (um dos

condutores da reforma do Judiciário), a maioria dos códigos teve aprovação na época do

regime militar, salvo o Código Civil (que passou vinte e sete anos até ser aprovado em 2002),

ou seja, acredita-se que muitas ideias percam a sua instrumentalidade em conta da possível

demora.

2.4 O Conselho Nacional de Justiça: o saldo positivo da EC Nº. 45/2004?

Além da reverberação positiva da EC nº 45/04 na legislação processual, ainda em fase

de reconstrução, afirmamos que o Conselho Nacional de Justiça, objeto de análise deste

trabalho, foi o maior mérito do legislador, no sentido de empreender esforços de mudança

para o Judiciário.

Não seria preciosismo dizer que a criação de uma estrutura administrativa autônoma,

dentro do Poder Judiciário, foi uma proposta arrojada e audaciosa, muito embora, já adotada

em muitos países e pouco simpática para alguns membros da própria magistratura. Tanto é

que a própria Associação dos Magistrados do Brasil (AMB) incumbiu-se do papel de requerer

a sua total inconstitucionalidade perante o STF (ADI nº. 3.367-DF), em que pese a realidade

do Judiciário demonstrar a necessidade de mudanças enérgicas 30.

Em nossa opinião, o legislador tratou de explicitar um dever constitucional que, há

muito, andava oculto não pelo esquecimento ou desnecessidade, mas pelo impacto que as

mudanças poderiam ocasionar ao status quo. Assim, superou a carência de uma coordenação

sistemática, haja vista a inoperância (e impossibilidade fática) do STF para funcionar como

tal e também a difusa atuação no âmbito dos Tribunais, pois na evidente observação de Falcão

o que existiam eram “múltiplos poderes judiciários, se o encararmos do ponto de vista

organizacional, econômico, sociológico ou político” (2006, p. 119). Como Poder uno e

indivisível, em que a autonomia dos Tribunais, necessita de uma única identidade. A função

administrativa, financeira e disciplinar, a partir do CNJ, passa a ter outra face e voltada ao

comprometimento com a sociedade, revelando novos horizontes para o Judiciário brasileiro.

30 Ao contrário de outras representatividades como a Associação dos Juízes Federais (AJUFE) e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

57

As instituições se tornam fortes quando os seus interesses se confundem com os de

seu criador, o povo. Legitimam-se no poder da sociedade ou no respaldo que esta concede

aos seus representantes e não o contrário. Quanto maior for a perenização dos meios de

participação e da externação da vontade efetiva do povo, maior será a legitimidade de seus

atos.

Sabidos os obstáculos e limites evidentes da criação e modificação das normas, como

também os infindáveis desdobramentos relacionados à reforma do Judiciário, este trabalho

dimensiona os seus horizontes no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão integrante do

Poder Judiciário responsável pela missão de coordenar reformas de atitudes no cenário

democrático brasileiro. Resta elucidar se a estrutura judiciária, a sociedade e o próprio CNJ

estão preparados para fazer as mudanças.

58

3 O CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA: CONTROLE E INDEPENDÊNCIA DO JUDICIÁRIO

Inicialmente, ao abordar tão relevante tema, faz-se necessário repensar a discussão, na

ótica do debate doutrinário e acadêmico sobre o Conselho Nacional de Justiça, tendo em

conta as potencialidades que ainda necessitam ser exploradas e a contribuição que pode ser

oferecida para a delineação de suas atribuições dentro do cenário da política judiciária e para a

independência do Poder Judiciário. Verdú (2007, p. 69) admite como louvável a criação dos

Conselhos “uma vez que a independência judicial é característica fundamental do Estado de

Direito”.

A criação do CNJ representou uma série de incertezas, perspectivas e críticas.

Primeiramente, porque não se sabia qual a limitação e o comprometimento que este órgão

teria perante as funções a serem desempenhadas. Estabelecer um órgão de controle e

fiscalização para coordenar a atividade de um Poder que tem como pressuposto a

independência poderia soar como algo estranho.

O que se buscou com a criação do CNJ, com relação a isso, foi ressaltar que: o

princípio independência não poderia ser entendido como uma cláusula de irresponsabilidade

de seus atos (LOPES, 2010). Não seria inoportuno dizer da existência de uma verdadeira

desordem institucional com relação ao acúmulo de demandas, obediência a princípios de

racionalidade, da celeridade processual e da Administração Pública (caso emblemático do

nepotismo), o desprestígio das ouvidorias e das raridades das punições disciplinares, e a falta

de uma política voltada para a gestão administrativa e financeira.

Por todos esses motivos é indispensável a existência de órgãos de controle, que podem ser, na sua maioria, por juízes de diferentes instâncias, mas que devem ter também entre seus membros outras pessoas de alta qualificação, que conheçam as atividades judiciárias e não pertençam ao quadro de juízes. Mas a independência, indispensável para que o juiz possa decidir com justiça, não deve servir de pretexto para que se mantenha a irresponsabilidade dos órgãos dirigentes ou todos integrantes dos tribunais (DALLARI, 2008, p. 78).

Imbuídos da condição de verdadeiros deuses Atlas da ordem constitucional, os onze

ministros do Supremo Tribunal Federal não teriam como cumular com destreza,

59

concomitantemente, a função jurisdicional e o controle do restante do Judiciário. Mais do que

vontade, era necessário aparato humano e administrativo voltados, especificamente, para

repensar a política estratégica interna e externa.

Uma alta função política de aprimoramento do autogoverno do Judiciário, cujas estruturas burocráticas dispersas inviabilizam o esboço de uma estratégia político-institucional de âmbito nacional. São antigos os anseios da sociedade pela instituição de um órgão superior, capaz de formular diagnósticos, tecer críticas construtivas e elaborar programas que, nos limites de suas responsabilidades constitucionais, dêem respostas dinâmicas e eficazes aos múltiplos problemas comuns em que se desdobra a crise do Poder (BRASIL, STF, 2010, on-line)

As disposições trazidas pela EC nº. 45/2004 não teceu detalhes sobre os limites do

CNJ e de que forma este órgão desempenharia suas funções. Por óbvio que não seria missão

do legislador, nem matéria pertinente a aderir ao texto constitucional. Tal fato ocasionou,

inicialmente, uma série de questionamentos por parte da doutrina e dos próprios membros do

Judiciário, arguindo-se, inclusive, a inconstitucionalidade sobre a sua criação e composição

(ADI nº. 3367-DF).

O enfrentamento da questão foi conduzido com destreza pelos membros do Supremo

que, por maioria dos votos, julgou improcedente as alegações aduzidas pela Associação de

Magistrados do Brasil (AMB). As argumentações pautaram-se, justamente, no malferimento à

independência do Poder Judiciário, à separação de poderes, ao pacto federativo, dentre outras.

Fundamentando-se numa convicta e homogênea tripartição de poder e nos ares de aparente

supremacia do Conselho sobre os demais órgãos, as razões adunadas não foram suficientes

para invalidar as modificações, tidas, ao contrário, como respeitantes à ordem constitucional

posta.

[…] o princípio da separação e independência de Poderes, malgrado constitua um dos signos distintivos fundamentais do Estado de Direito, não possui fórmula universal apriorística; a tripartição das funções estatais, entre três órgãos ou conjunto diferenciado de órgãos, de um lado, e, tão importante quanto essa divisão funcional básica, o equilíbrio entre os Poderes, mediante o jogo recíproco dos freios e contrapesos, presentes ambos em todas elas, apresenta-se em cada formulação positiva do princípio como distintos caracteres e proporções 31.

A instituição do CNJ não tem o condão de mitigar a independência do Judiciário,

muito menos interferir na função típica do magistrado. A sua tarefa primordial é dinamizar a

atividade jurisdicional, propiciando, através das políticas administrativas e de metas de

racionalização dos processos, reorganização interna, promoção e respeito à magistratura

31 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI 98, Relator Ministro Sepúlveda Pertence. Julgado em 07 ago. 1997, Pleno, Diário de Justiça, Brasília, DF, 07 ago. 1997. ADI nº. 98. Min. Sepúlveda Pertence.

60

brasileira e, principalmente, a tentativa de adequação aos anseios sociais de acesso à justiça 32.

Afinal, porque e para que este Poder existe? Sob a égide da Constituição, o Judiciário

surge como instrumento de proteção da ordem constituída pela vontade popular, seja para

afastar as ameaças, concretizar os direitos ou garantir a aplicação da lei. A independência,

portanto, deve ser entendida como aquela que não é ensimesmada ou hermética, mas, pelo

contrário, pertinente a garantir uma vontade sistemática, onde sociedade e demais instituições

cobram uma prestação jurisdicional comprometida e livre de qualquer arreio.

O Brasil é […] um caso único, como se vê, em que independência e autonomia estão mais próximas do sistema do antigo regime de patrimonialidade dos cargos, de exclusivismo corporativo até, do que de democracia propriamente dita. Aqui talvez se esteja confundindo, no debate atual, autonomia do Poder Judiciário com capacidade de isolamento (LOPES, 2010, p. 80).

“É necessário que a cultura da independência tenha como pedra angular a

consciencialização do papel atribuído à magistratura no mundo contemporâneo” (AFONSO,

2004, p. 188) Tem-se em mente que os pressupostos de independência e separação de poderes

devem atender a uma perspectiva factual do desenrolar das disputas democráticas e de

organização do Estado brasileiro e não cingir-se às discussões superadas e abstratas.

O grau de liberdade a ser assegurado é aquele que resulta na maior satisfação social.

Portanto, como já sedimentado na doutrina, a vigília entre as instituições de poder é um dever

constitucional. Do mesmo modo, também cabe à sociedade exercer, através dos meios

legítimos, a fiscalização das atividades estatais, cobrando-lhes transparência, propiciando a

oxigenação da composição burocrática e combatendo o corporativismo dentro do Poder

Judiciário 33. São antigos os anseios da sociedade pela instituição de um órgão superior,

capaz de formular diagnósticos, tecer críticas construtivas e elaborar programas que dêem

respostas dinâmicas e eficazes aos múltiplos problemas comuns em que se desdobra a crise

do Poder (DINO, 2005, p. 97).

32 O adiamento de reformas que enfrentem os problemas judiciários crônicos, como a falta de investimento em infra-estrutura, a existência de leis e processos defasados em relação às necessidades dos jurisdicionados e os múltiplos artifícios que delongam a prestação jurisdicional, bem como a inexistência de mecanismos que tornem mais transparente e participativa a administração da Justiça, acabam por gerar colapsos na atividade judiciária com repercussões econômicas e sociais graves (SAMPAIO, 2007, p. 257). 33 O eventual “controle externo” só pode ser concebido como ferramenta que dê força a um Judiciário capaz de afirmar seu potencial de controle sobre poderes públicos e privados. Do contrário, o retrocesso seria notório (CAMPILONGO, 2010, p. 49).

61

A ingerência no trato das práticas administração e gestão por um órgão constituído

pelos diversos segmentos da sociedade, ao invés de diminuir a autonomia, emprega maior

legitimidade aos atos praticados pelo Judiciário, “suprindo uma das mais notórias

deficiências orgânicas do Poder” 34. Entender o contrário significa apequenar-se diante dos

grandes obstáculos que estão por vir e do déficit democrático que a justiça brasileira possui

com a sociedade. Conforme adverte Portanova (2005, p. 77):

O Poder Judiciário brasileiro não pode temer controle externo já existente em outras democracias. De outra parte, os que pretendem controle externo devem estar atentos aos seus ideais e não devem restringir seu desejo só ao Poder Judiciário ou só à Administração Pública. No que pertine ao Poder Judiciário, a existência de órgão controlador externo deve objetivar efetivo controle-ajuda das muitas atribuições administrativas, sem permitir o controle ideológico da independência da jurisdição.

A Constituição concedeu maior grau de independência para o exercício das funções

típicas, objeto que não se confunde com os desígnios do Conselho, estabelecendo, vez em

quando, pontos de interseção, ou seja, permitindo o exercício de funções administrativas,

fiscalizatórias e de interação entre os Poderes.

3.1 Controle (externo ou interno) do Poder Judiciário: entre a independência e o exercício de seus deveres constitucionais

Cumpre dizer, conforme firmemente esposado pela doutrina majoritária, que a EC nº.

45/2004 não inseriu na Constituição uma forma de controle externo ao exercício da atividade

jurisdicional, tendo em conta, a par de uma interpretação literal 35, que o CNJ compõe o rol de

órgãos do Poder Judiciário estabelecido no art. 92, inciso I-A da CF, como também, sob o

critério de observação sistemática, a substância de sua atuação está intrinsecamente ligada aos

problemas viscerais de gestão administrativa e comportamento funcional da Justiça brasileira.

Ou seja, nada mais prudente que defini-lo órgão que integra o Judiciário, propiciando

subsídios para o fortalecimento de sua independência e a afirmação como Poder

imprescindível à manutenção da ordem democrática.

Dessa forma, é equivocado pensar em um “controle 'externo”, pois se assim fosse estaríamos

a questionar a sua constitucionalidade e a estabilidade da Constituição Federal em face do

34 Cezar Peluso. Voto, p. 28, §único. 35 É o denominado, impropriamente, de “controle externo do Poder Judiciário”. Na verdade, é um controle interno, dado que incluído no inciso I-A do art. 92, como órgão integrante do Poder Judiciário (LIMA; LIMA, 2005, p. 75).

62

princípio da separação de poderes, limite material insculpido no art. 60, § 4º inciso III, que

privilegia a harmonia e a independência. A consequência de tal entendimento representaria a

exorbitância das atribuições do legislador constituído em face do texto constitucional 36. Just e

Silva (2001, p. 278-279), nesse sentido, analisa a observância do conteúdo material,

asseverando que:

Essa ‘supra-rigidez’ tende a reforçar a garantia de estabilidade no âmbito do conteúdo fundamental da constituição. Nesse âmbito, a obtenção dos benefícios proporcionados pela estabilidade (eficácia da constituição e segurança jurídica) adquire um significado igualmente fundamental. Trata-se, por um lado, de fortalecer, pela tradição que se logre obter e pela vontade de constituição que com ela se consiga formar, a autoridade dos princípios definidores do Estado de direito e da democracia. Por outro lado, assegura-se que a comunidade política não verá sacrificadas aquelas conquistas político-jurídicas essenciais das quais não deseja abrir mão.

Essa prerrogativa, entretanto, não representa o status de um Poder soberano, pois está

sob o pálio da Constituição e das leis, constituindo-se num poder que é derivado da vontade

soberana do povo (instrumentalizada pelo Poder constituinte) e, por isso, não está imune ao

exercício de controle pelos demais Poderes 37. O CNJ trata-se apenas de um órgão de

‘autogoverno’ do Judiciário, e assim deve ser considerado: como apêndice do próprio

Judiciário, localizado dentro da estrutura de tal Poder. De toda forma, mesmo não se

tratando de um ‘‘órgão externo’’ […] deve manter sua independência dos demais Poderes do

Estado (CASTRO E CAMARGO, 2004, p. 374).

Em complemento, frisa-se que o CNJ, como órgão interno, também sofre limitações

constitucionais e da Lei Orgânica da Magistratura, podendo sofrer, em caso de extrapolação

de suas prerrogativas funcionais, controle do STF (art. 102, inciso I, alínea “r”, CF) e, em

caso de cometimento de crime de responsabilidade, ser julgado pelo Senado Federal (art. 52,

inciso II, CF).

O princípio consiste em distinguir logicamente e separar organicamente, por uma parte, o poder que faz a Constituição, e por outra parte os poderes criados pela

36 Em nossa opinião, trata-se de um debate equivocado. Em primeiro lugar, porque os opositores do “controle externo” estão confundindo a posição institucional do Poder Judiciário (e do Ministério Público) no regime constitucional. Falta, pelo visto, relembrar a velha e célebre distinção criada por Sieyès, ainda em 1789, entre pouvoir constituant e pouvoirs constitués. Em segundo lugar, a “separação de poderes” não é ameaçada pelo controle do Poder Judiciário (excluímos, aqui, o Ministério Público, pois este não é um “poder” na Constituição de 1988), pelo contrário (BERCOVICI, 2005, p. 186). 37 Nem o poder legislativo, nem o poder executivo, nem o poder judicial, são os ‘autores do seu próprio poder’, mas qualquer dos poderes constituídos está vinculado aos direitos fundamentais que a Constituição consagra, e deve poder fiscalizar se os outros poderes estaduais os violam. Papel fundamental, nesta tarefa de controlo de conformidade da actuação dos poderes constituídos com os direitos fundamentais consagrados na Constituição, caberá aos órgãos já anteriormente encarregados de os defender perante o soberano: os tribunais (PIÇARRA, 1989, p. 196).

63

Constituição. Aos poderes ordinários, legislativo, executivo e judiciário, pois, se opõe e se superpõe um poder supremo e extraordinário, o qual, tendo por objeto instituir todos os demais, domina-os e deve, diz-se, ser distinto deles (MALBERG, 2001, p. 1184-1185).

Outro questionamento que poderia corroborar com a idéia de controle externo era o

fato da heterogeneidade da composição do Conselho. Formado por diversos segmentos que

participam, direta ou indiretamente, do processo de construção da jurisdição, entendeu-se que

juízes de hierarquia judiciária inferior (que compõem a maioria dos conselheiros), advogados,

ministério público, parlamentares e cidadãos não teriam legitimidade para fiscalizar e

coordenar a atividade jurisdicional 38.

A diversificação dos membros componentes do CNJ, além de um imperativo do

sistema de checks and balances e da premente necessidade de revisitar as instâncias

problemáticas de afirmação do Judiciário, não é uma característica peculiar ao sistema de

autogoverno do Poder Judiciário brasileiro, pelo contrário, é prática comum dos judiciários de

outros países 39.

Ao contrário de estranhos corpus jurisdicionalis, estes atores representam, em termos

substanciais, o próprio sentido da existência do Poder Judiciário. Estes, conforme Bermudes

(2005), não estarão no CNJ para representar interesses de suas respectivas categorias, mas os

da Justiça brasileira, corroborando para o aprimoramento da atividade jurisdicional, pois

passam a ser co-responsáveis formais pelos rumos do Judiciário.

Pressuposto agora que a instituição do Conselho, não apenas simboliza, mas opera ligeira abertura das portas do Judiciário para que representantes da sociedade tomem parte do controle administrativo-financeiro e ético-disciplinar da atuação do Poder, robustecendo-lhe o caráter republicano e democrático, nada mais natural que os dois setores sociais, cujos misteres estão mais próximos das atividades profissionais da magistratura, a advocacia e o Ministério Público, integrem o Conselho responsável por este mesmo controle (BRASIL, STF, 2010, on-line).

38 A inserção do Conselho de formação heterogênea, a incluir membros fora da magistratura, como poderes de controle administrativo, orçamentário-financeiro e disciplinar agravava a síndrome da inconstitucionalidade, pois comprometia o autogoverno dos Tribunais (art. 96, 99 e parágrafos, e 168, CFRB). Assim, a presença de conselheiros alheios ao Poder com função disciplinar subverteria a lógica da independência, com riscos de converter-se tal função em um controle mais político do que técnico, sem descartar eventuais perseguições. Nesse mesmo passo, a possibilidade de juízes de instâncias inferiores julgarem juízes de categorias superiores desvirtuava o princípio da hierarquia judiciária (SAMPAIO, 2007, p. 250). 39 O art. 122, §3º da Constituição espanhola estabeleceu que: “El Consejo General Del Poder Judicial estará integrado por el Presidente del Tribunal Supremo, que lo presidirá, y por veinte miembros nombrados por el Rey por um período de cinco años. De éstos, doce entre jueces y magistrados de todas lãs categorias judiciales, em los términos que establezca la ley orgânica; cuatro a propuesta del Congreso de los Diputados y cuatro a propuesta del Senado, elegidos em ambos casos por mayoría de tres quintos de SUS miembros, entre abogados y otros juristas, todos ellos de reconocida competencia y com más de quince años de ejercicio de su profesión”.

64

Sem abertura institucional e implementação das reformas de peso de nada valerá a

independência, pois, como Poder constituído, o Judiciário encontra o seu fundamento na

vontade soberana do povo. Sem controle representará uma ameaça e não um instrumento de

solução. O ministro Celso de Mello adverte, nessa linha, que nenhuma instituição da

República está acima da Constituição, nem pode pretender-se excluída da crítica social ou

do alcance da fiscalização da coletividade (BRASIL, STF, 2010, on-line).

A própria competência administrativa, a concorrência entre o CNJ e os Tribunais no

exercício dessas atribuições, e a característica de abertura à participação democrática no

debate público sobre os rumos do Judiciário, contrastando com o tradicional fechamento, em

verdade, descartaram a concepção de um controle externo voltado a limitar a independência 40. Sampaio (2007, p. 253) informa que esse instituto:

[…] nasceu das deficiências apresentadas anos seguidos pelas corregedorias judiciais, atraindo, não sem inteira procedência, críticas ao corporativismo que deixava impunes ilícitos funcionais graves ou os cercava de punições mais retóricas do que práticas, afetando, com isso, a credibilidade na instituição e própria, efetiva ou aparente, lisura e razoável prestação jurisdicional.

O CNJ, portanto, materializa-se numa forma de controle interno das atividades do

Poder Judiciário com vias a democratizá-lo, primando por garantir a agilidade nos trâmites

judiciais e administrativos, buscar a excelência na gestão de cursos operacionais,

credibilidade, facilitar o acesso à justiça, promover a efetividade no cumprimento das

decisões, promover a cidadania etc.

Em nosso sentir, entendemos que mais apropriado seria falar em coordenação interna

e não controle, porque o intuito não é, puramente, dominar ou mandar fazer no sentido de

investir-se de maior poder e esgotar a autonomia dos Tribunais. Ao contrário, sua função é de

propiciar maior autonomia ao Judiciário a partir de uma atividade coordenada, até porque, em

sua maioria, é composto por membros das mais diversas instâncias.

O controle apareceria como instrumento acessório, pertinente a possibilitar um

ambiente de consenso e de respeito à própria dignidade da Justiça e não como um fim maior a

ser perseguido pelo CNJ. A ideia de controlar remeteria, num primeiro momento, a algo

dotado de independência, entretanto, conforme demonstrado, trata-se de uma auto-

contenção/coordenação realizada por aqueles cumprem um papel decisivo nos rumos do 40 Dentro do debate sobre a contenção dos Poderes instituídos, comum à própria existência do constitucionalismo, ressalta-se o sistema de freios e contrapesos (checks and balances). O que se quer dizer, como bem ressalta SAMPAIO (2007, p. 252), é que a independência do Judiciário já vem do berço limitada.

65

Judiciário. Resta saber se o CNJ conseguirá potencializar/materializar esta prerrogativa,

diante da acomodação dos interesses político-econômicos que durante os séculos de

existência conspiram a sua perpetuação, da aparente insubordinação dos Tribunais, dos

atrasos estruturais e da desconfiança da sociedade em entregar o seu destino nas mãos do

Judiciário.

3.2 A Composição do CNJ

Na busca por esta autonomia, o legislador buscou reforçar o viés político e

democrático da atividade do CNJ, compondo-o de 15 (quinze) membros oriundos das mais

diversas carreiras e segmentos envolvidos, diretamente, com a prestação jurisdicional e a

pluralidade das fontes de indicação. Registre-se, no mesmo passo de Sampaio (2007, p. 265),

a ausência notável e sentida da academia, e da sociedade.

Nessa linha, dois são indicados pelo Supremo Tribunal Federal (um desembargador do

Tribunal de Justiça e um juiz estadual); três indicados pelo Superior Tribunal de Justiça (um

ministro do próprio pretório, que será o corregedor, um desembargador do Tribunal Regional

Federal e um juiz federal); três indicados pelo Tribunal Superior do Trabalho (dentre eles, um

ministro do TST, um desembargador do TRT e um juiz do Trabalho); duas indicações do

Procurador-Geral da República (sendo um membro do MPU e outro do MPE); dois

advogados indicados pela Ordem dos Advogados do Brasil e dois cidadãos indicados pela

Câmara dos Deputados e Senado Federal. Não efetuadas as indicações, conforme o art. 5º da

EC nº. 45/2004, tal atribuição caberá ao STF (art. 103-B, §4º da CF). Os conselheiros podem

ser considerados autoridades judiciárias, exercendo funções administrativas no interesse da

organização do Judiciário.

Sem deixar de realçar a prevalência e a participação das mais diversas categorias da

magistratura, pois que se trata de órgão interno do Judiciário, também proporcionou a

participação do Ministério Público (União e Estado), da Ordem dos Advogados do Brasil

(OAB) e dos cidadãos com notável saber jurídico e reputação ilibada. De forma específica, o

RICNJ (Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça) estabeleceu entre os art. 9º e 16

as disposições gerais a respeito da nomeação, posse, vedações, renúncia e perda de mandato.

66

Ressaltam-se as modificações inseridas pela EC nº. 61/2009, que suprimiu o limite

mínimo e máximo de idade para integrar o Conselho 41. Estabeleceu, expressamente, que o

presidente do STF é também o do CNJ, exercendo atribuições definidas no art. 6º do RICNJ e

na ausência ou impedimento deste assumirá o vice-presidente do STF.

Excluiu o presidente, literalmente, da sabatina pelo Senado Federal e da nomeação do

Presidente da República. E por motivo lógico também deveria ter excluído os ministros do

STJ e do TST (BULOS, 2010) e os conselheiros em situação de recondução, haja vista que já

passaram por tal crivo. Entretanto, talvez no sentido de reforçar a legitimidade/necessidade de

permanência dos seus membros, o legislador entendeu cabível manter o requisito da

recondução. Em nossa ótica, seria mais pertinente estabelecer um mandato de 04 (quatro)

anos sem a recondução, evitando maiores interferências do Legislativo e propiciando a que os

conselheiros possam estabelecer, a longo prazo, planejamentos para a Justiça brasileira.

Cumpre dizer que em caso de não observância do prazo para a indicação dos membros

do CNJ, esta ficará ao encargo do STF, por força do art. 103-B, §3º, CF. Além dos 15

conselheiros definidos pela Constituição, oficiarão junto ao CNJ, nos termos do art. 103-B,

§6º, o Procurador-Geral da República e o Presidente do Conselho Federal da OAB no

interesse da Justiça, sendo conferido a estes o poder de participação ativa nos feitos do

colegiado.

Em sua organização interna, o CNJ está dividido em comissões permanentes

responsáveis pelo desenvolvimento de projetos (art. 27 do RICNJ) voltados a propor soluções

para o Judiciário. Conforme relatório anual de 2009, foram criadas as seguintes comissões:

Comissão de Eficiência Operacional e Gestão de Pessoas, Comissão de Acesso à Justiça e

Cidadania, Comissão de Gestão Estratégica, Estatística e Orçamento, Comissão de

Relacionamento Institucional e Comunicação, Comissão de Tecnologia da Informação e

Infraestrutura.

Por seu turno, a Corregedoria Nacional é o órgão do CNJ responsável por orientar e

estabelecer diretrizes voltadas à otimização da atividade jurisdicional por intermédio da

atividade correicional, competindo-lhe, nos termos dos princípios constitucionais da

41 A título de curiosidade foi a EC nº. 61/2009 que proporcionou ao CNJ a oportunidade de ter o primeiro presidente oriundo da magistratura, haja vista que na data de sua posse o ministro Cezar Peluso contaria com mais de 67 anos, idade que extrapolaria o limite máximo estabelecido na redação originária do § 1º, do art. 103-B da CF.

67

Administração Pública, estabelecer um ambiente de cooperação entre os órgãos da Justiça e

entre os outros Poderes, fiscalizando a atuação das corregedorias através da realização das

inspeções e responsabilizando os membros do Judiciário através das medidas cabíveis no

âmbito do procedimento administrativo disciplinar.

Nos termos do art. 7º do RICNJ, a Corregedoria Nacional de Justiça, órgão do CNJ,

será dirigida pelo Corregedor Nacional de Justiça, cuja função será exercida pelo Ministro do

STJ, que ficará excluído da distribuição de processos judiciais no âmbito do seu Tribunal.

Este será o responsável, dentre outras atribuições estabelecidas nos arts. 7º e 8º do RICNJ,

pelo recebimento da Reclamação Disciplinar, Representação por Excesso de Prazo, Revisão

Disciplinar, Avocação de Processo Disciplinar, Inspeção e Sindicância. Dados do relatório

anual de 2009 informam que:

No ano de 2009, foram autuados 6.547 (seis mil quinhentos e quarenta e sete) novos processos eletrônicos de competência da Corregedoria. Em 2008, foram autuados 2.778 (dois mil, setecentos e setenta e oito) processos eletrônicos, e em 2007, autuados 1.707 (mil, setecentos e sete). Merece destaque o fato de que houve um aumento significativo de procedimentos, o qual se atribui à repercussão, na sociedade, das inspeções realizadas pela Corregedoria, que promovem, ao lado dos projetos especiais, a visibilidade das funções desse Órgão. Em 2008, eram recebidos 231 (duzentos e trinta e um) procedimentos novos por mês, em média. A partir de 2009, foram recebidos cerca de 545 (quinhentos e quarenta e cinco) novos procedimentos por mês. Dos procedimentos autuados em 2009 – até 18 de dezembro – foram recebidos 7 (sete) Processos de Acompanhamento de Cumprimento de Decisão, 5 (cinco) Processos de Ato Normativo, 15 (treze) Avocações, 2 (duas) Correições, 17 (dezessete) Processos de Inspeção, 831 (oitocentos e trinta e um) Pedidos de Providências, 729 (setecentas e vinte e nove) Petições Avulsas, 3 (três) Procedimentos de Controle Administrativo, 2 (duas) Revisões Disciplinares, 1.599 (mil, quinhentas e noventa e nove) Reclamações. Disciplinares, 3.223 (três mil, duzentas e vinte e três) Representações por Excesso de Prazo e 111 (cento e onze) Sindicâncias. Neste período, ainda, foi proposta ao Plenário do Conselho a instauração de 7 (sete) Processos Administrativos Disciplinares. No que tange aos processos eletrônicos mais expressivos, até o dia 18 de dezembro, foram julgadas 1.313 (mil, trezentas e treze) Reclamações Disciplinares, 1.730 (mil, setecentos e trinta) Representações por Excesso de Prazo e 49 Sindicâncias (CNJ, on-line).

A partir desses números se percebe o crescimento significativo das demandas no CNJ,

onde a sociedade começa a depositar confiança para a resolução de problemas no âmbito do

Judiciário.

3.3 Natureza jurídica do Conselho Nacional de Justiça

68

Importante se faz delimitar o âmbito da análise em questão. Para tanto, antes de

qualquer aprofundamento, cabe entender a natureza jurídica do Conselho. Nos termos em que

estabelece a Constituição Federal e demais diplomas constitucionais de outros países que

adotam esta forma de organização do Judiciário, o CNJ é órgão interno, de abrangência

nacional e calibre constitucional (art. 103-B, CF), responsável pelo alinhamento das políticas

administrativa e financeira no âmbito do Poder Judiciário brasileiro, seja em nível federal ou

estadual, haja vista a sua unicidade 42. Esse foi o posicionamento tomado pelo STF e

confirmado pela jurisprudência do Conselho Nacional de Justiça 43.

Pedido de providências em procedimento de controle administrativo. Promoções por merecimento. Critérios objetivos. Fundamentação. Alcance. Controle administrativo dos atos pelo Conselho Nacional de Justiça. Possibilidade (ADIn 3367). – ‘Na ADIn 3367 (STF, Pleno, Rel. César Peluso), fixou o Supremo Tribunal Federal a idéia de que o Conselho Nacional de Justiça não é, funcionalmente, órgão da União, mas do Poder Judiciário nacional, legitimado, por isso, a exercer o controle de legalidade, eficiência, publicidade, impessoalidade, e moralidade dos atos administrativos dos tribunais sejam estes federais ou estaduais. Não ocorrência de transgressão ao princípio do autogoverno dos tribunais porque integra o Conselho Nacional de Justiça a pirâmide de órgãos do Poder Judiciário nacional. Zelar pela observância dos critérios objetivos na prática das promoções por merecimento é, portanto, tarefa imposta constitucionalmente ao Conselho Nacional de Justiça (art. 103-B, § 4º, II), não havendo invasão ou usurpação de competências dos órgãos locais do Poder Judiciário estadual’ (CNJ – PP-PCA 200710000011734 – Rel. Cons. Antonio Umberto de Souza Júnior – 68ª sessão – j. 26.08.2008 – DJU 12.09.2008). (CNJ on-line)

Royo, (1995, p. 629-630) citando o Tribunal Constitucional espanhol, afirma, a

respeito da natureza das atribuições, que: Como se ha dicho, lo único que resulta de esa

regulación es que há querido crear um órgano autônomo que desempeñe determinadas

funciones, cuya asunción por El Gobierno podría entubiar la imagen de la dependência

judicial, pero sin que de ello se derive que ese órgano sea expresión del autogobierno de los

juices (STC 108/86).

O Conselho Nacional de Justiça é órgão administrativo-constitucional do Poder Judiciário da República Federativa do Brasil com status semi-autônomo ou de autonomia relativa. A estatura constitucional decorre de sua presença no texto da Constituição. A natureza administrativa é dada pelo rol de atribuições previstas no artigo 103-B, § 4º, que escapam ao enquadramento, obviamente, legislativo, uma vez que não pode inovar a ordem jurídica como autor de ato normativo, geral e

42 Voto do ministro Cezar Peluso na ADI 3.367-DF. O pacto federativo não se desenha nem expressa, em relação ao Poder Judiciário, de forma normativa idêntica à que atua sobre os demais Poderes da República. Porque a Jurisdição, enquanto manifestação da unidade do poder soberano do Estado, tampouco pode deixar de ser uma e indivisível, é doutrina assente que o Poder Judiciário tem caráter nacional, não existindo, senão por metáforas e metonímias, “Judiciários estaduais” ao lado de um “Judiciário Federal”. 43 Ver: FALCÃO, Joaquim. O múltiplo Judiciário. In: SADEK, Maria Tereza. Magistrados: uma imagem em movimento. São Paulo: FGV, p. 115-137.

69

abstrato, e, submeter-se ao controle judicial, ainda que pelo STF, escapa da feição jurisdicional (SAMPAIO, 2007, p. 263).

A Constituição conferiu-lhe o dever de zelar pela autonomia do Poder Judiciário, pelo

cumprimento do Estatuto da Magistratura e a função de guarda, no âmbito da função

administrativa, dos princípios constitucionais insculpidos no art. 37 da CF, possuindo poderes

para anular atos administrativos, na esfera de sua competência, como também expedir atos

regulamentares em nome da boa administração e do interesse da coletividade. Nesse sentido,

a natureza administrativa do Conselho confere-lhe dever de aperfeiçoamento para o bem

servir 44.

3.4 A autonomia e as atribuições do CNJ

Em análise sobre os limites e atributos do CNJ, Tavares (2009) suscita uma subdivisão

a respeito, considerando dois pólos: atribuições primárias e secundárias. As primeiras tratam

do controle administrativo, financeiro e dos deveres funcionais dos juízes. Enquanto as

segundas dizem respeito às atividades que decorrem das atribuições primárias, quais sejam:

elaborar relatórios, rever ou propor procedimentos disciplinares do ofício e efetivar demais

atribuições do art. 103-B,§4º da CF. Preferiu-se, entretanto, nortear a análise sob o prisma das

atribuições primárias, referenciando, complementarmente, algumas das mais importantes

atribuições secundárias.

Embora possa ser considerado, numa acepção ampla, como órgão constitucional

vinculado ao Judiciário, o CNJ não dispõe de poder político autônomo e, muito menos, de

poder jurisdicional, restando-lhe autonomias administrativas e fiscalizatórias, fato que não o

descredencia como instrumento fundamental aos rumos da independência funcional dos juízes

e da dignidade da justiça. Como órgão interno do Judiciário, o CNJ fomenta a função política

desse Poder.

44 A natureza da administração pública é a de um múnus público para quem a exerce, isto é, a de um encargo de defesa, conservação e aprimoramento dos bens, serviços e interesse da coletividade. Como tal, impõe-se ao administrador público a obrigação de cumprir fielmente os preceitos do Direito e da Moral administrativa que regem a sua atuação. Ao ser investido em função ou cargo público, todo agente do poder assume para com a coletividade o compromisso de bem servi-la, porque outro não o desejo do povo, como legítimo destinatário dos bens, serviços e interesses administrados pelo Estado (MEIRELLES, 1999, p. 80).

70

No que toca a autonomia deste Conselho, a partir das disposições constitucionais,

percebe-se que a sua limitação esbarra na “superioridade absoluta desta Corte, como órgão

supremo do Judiciário e, como tal, armado de preeminência hierárquica sobre o Conselho,

cujos atos e decisões, todos de natureza só administrativa, estão sujeito a seu incontrastável

controle jurisdicional” (BRASIL, STF, 2010, on-line).

Apesar das considerações do ministro Peluso acerca da “altivez” institucional do STF

em face do CNJ, como também do factual exercício da função administrativa dentro da

estrutura orgânica do Poder Judiciário, o seu poder limitador, após a EC nº. 45/2004 se

restringe à esfera jurisdicional, mesmo que a sua decisão atinja, indiretamente, o âmbito das

prerrogativas administrativas. Não pode o Supremo avocar competência administrativa sem

que haja previsão constitucional expressa para tanto. Tal circunstância representa a garantia

de que o CNJ possa desempenhar suas atribuições com a mínima autonomia necessária para o

efetivo controle interno do Judiciário, sob pena de esvaziamento dos seus deveres.

Em complemento a essa afirmação, o autor ressalta, evidentemente, que, quando a

questão administrativa estiver sob o crivo jurisdicional do STF, a sua decisão terá o poder de

exigir um comportamento determinado, visto que se encontra no topo da hierarquia do

Judiciário e do efeito vinculante dos seus julgados.

Além disso, o CNJ está, certo modo, limitado em sua autonomia orçamentária, haja

vista a disposição insculpida na Constituição Federal a respeito da autonomia financeira do

Judiciário, ou seja, a falta de autonomia desse órgão, nesta seara, é sentida desde o berço. “A

independência externa do Poder Judiciário é bastante relativizada. A justiça depende de

recursos financeiros do Poder Executivo” (NALINI, 2009, p. 47). Nesse ponto, este Poder

ainda aceita passivamente a interferência do Executivo, forçado a se comportar com

inferioridade 45.

Nada obstante ser a fiscalização e o controle financeiro (previstos originariamente na CB) consubstanciais à autonomia financeira que todos os poderes possuem, no mesmo sentido da conclusão aqui alinhavada é o alerta sobre a influência (indevida) que os outros poderes exercem na autonomia do Judiciário, ao menos no que tange à autonomia financeira, posto que após a elaboração da proposta orçamentária pelo Judiciário, esta sofre cortes substanciais no Executivo, que prepara o projeto de lei orçamentária, e, às vezes, também no Legislativo, que emenda e vota o projeto. E o

45 Se, na sistemática do controle de normas, fosse acatada a teoria de Otto Von Bachof, sem dúvidas, as normas originárias que versam sobre orçamento no âmbito do Poder Judiciário, sucumbiriam em face do princípio da separação de poderes, pois que são altamente ofensivas ao exercício da autonomia deste poder instituído. Nesse sentido, ver BACHOF, Otto Von. Normas constitucionais inconstitucionais? Tradução: José Manuel Cardoso Costa. Coimbra: Almedina.

71

Judiciário aceita passivamente esses cortes, como se não fosse um dos Poderes do mesmo nível dos demais (TAVARES, 2010, on-line).

A mesma preocupação é externada por Dallari (2008) quando afirma existir, por parte

do Judiciário, certa passividade em aceitar as alterações efetuadas pelo Executivo. A própria

limitação à autonomia financeira do Poder Judiciário, é fator, pois, que importa na

diminuição das atribuições do CNJ nesse campo, muito embora possa influenciar na forma de

destinação dos gastos, estabelecendo diretrizes para interação com os demais Poderes. Com

relação a essa subserviência orçamentária do Judiciário, Nalini (2009, p. 48) afirma que:

A autonomia administrativa e financeira assegurada aos Tribunais pode – na prática – não representar senão proclamação retórica. Mesmo porque a elaboração das propostas se limitará à estipulação contida na Lei de Diretrizes Orçamentárias, de cuja confecção e discussão o Judiciário não participa. O relacionamento entre os Poderes pode ser bastante tenso, a depender dos transitórios ocupantes dos cargos de comando. Por isso é que o administrador de tribunais não pode ser o experto em jurisdição e completamente desprovido de articulação política e de capacidade de dialogar. Circunstância que permitiu lento e gradual desprestígio da Justiça na República brasileira, ao menos em algumas unidades da Federação.

Essa prerrogativa, talvez, contribua para uma nova visão do orçamento como

instrumento de uniformização de políticas públicas e, principalmente, numa maior

preocupação com relação à repartição isonômica do orçamento público, haja vista as

prioridades do Judiciário como Poder capaz de atender às demandas sociais. Isso importa

numa postura ativa desse Poder em relação aos “ajustes” efetuados pelos demais e, em sendo

o caso, o ajuizamento de ações com vias a restabelecer a sua autonomia orçamentária.

O problema remonta à discussão da independência externa do Judiciário, que parece estar

num segundo plano em relação às questões internas. Afinal o Judiciário é, na verdade

independente perante os demais Poderes ou o art. 2º não passa de mais um requisito abstrato

no qual o poder do Estado encontra a sua legitimidade, pois que a própria Constituição e a

realidade tratam de aparar o alcance dessa independência?46. Está no texto por força de

expressão ou como um fundamento que deve ser perseguido? Caso se opte pela validade da

intenção do legislador, então, será necessário repensar a questão da autonomia financeira do

Judiciário para que sejam estabelecidos parâmetros razoáveis de prevalência/equivalência da

vontade deste Poder.

46 No mesmo sentido, a preocupação de Friedrich Müller (2010) com a questão do povo, onde observa que a normatização do termo em muitas Constituições aparece como mera instância abstrata de poder, ou seja, uma figura “icônica”.

72

3.5 A Responsabilidade Social no âmbito do Poder Judiciário

Para além das atribuições operacionais e de orbe interno, o CNJ arvora-se do dever de

responsabilidade social, na medida em que promove projetos de inclusão e desenvolvimento

sociais, conscientização de direitos, deveres e valores e, principalmente, na interlocução entre

Poderes e com a sociedade (SAMPAIO, 2007, p. 264). Para tanto desenvolve projetos e

fomenta a pesquisa com o intuito de obter o mapeamento dos problemas para, em conjunto

com os órgãos judiciários e a sociedade civil organizada, canalizar esforços e recursos para

democratização e racionalização das medidas no âmbito do Poder Judiciário.

É, exatamente, a transformação em centro de gestão de excelência, sem trocadilho, o ponto nevrálgico do CNJ, por meio da racionalização das estruturas e do funcionamento dos serviços auxiliares, gerenciando por objetivos e metas, definindo diretrizes da política administrativa e planos de desenvolvimento de recursos humanos, físicos e logísticos. Transformação que, certamente, encontrará resistências na prática do autogoverno dos tribunais administrados em células de autoconfiança e improviso (SAMPAIO, 2007, p. 275).

Essa responsabilidade fica evidenciada com a formulação de políticas públicas, ao

enfrentamento de questões voltadas à inserção social e ao desenvolvimento de práticas

solidárias no intuito de promover a dignidade da pessoa humana, tais como: os programas

Começar de Novo, Doar é Legal, Mutirão Carcerário, fórum de debate constante sobre o

direito das mulheres, da criança e do adolescente, do indígena, a questão fundiária etc.

Como exemplo dessa responsabilidade está o programa Mutirão Carcerário, que

propicia o mínimo de dignidade, haja vista a ilegalidade da manutenção da restrição de

liberdade, inclusive com penas vencidas. Os dados comprovam uma grave ineficiência no

sistema carcerário, onde pessoas são esquecidas nos presídios do país por não terem acesso a

garantias mínimas. Uma ação que já era efetuada por membros da OAB e que, com o CNJ e

o CNMP (Resolução Conjunta nº. 01/2009), ganhou em coordenação conjunta e amplitude.

Conforme dados do Conselho Nacional de Justiça, ao final de dezembro de 2009 já se

contabilizava 93.524 processos examinados; 30.802 benefícios concedidos (progressão de

regime, livramento condicional etc.); e 18.823 alvarás de soltura.

Em ação conjunta o programa Começar de Novo, instituído pela resolução nº. 96, com

a preciosa missão de reinserir presos e egressos na sociedade, oferecendo cursos

73

profissionalizantes e oportunidade de emprego, valendo-se de acordos com os órgãos públicos

(23 Tribunais cadastrados) e a iniciativa privada.

Já o projeto Doar é Legal, originário do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul

(TJRS) e de reconhecido respaldo social, terá como objetivo de sensibilizar as pessoas da

importância da doação de órgãos. Através da emissão de certidões pelo site do referido

Tribunal as pessoas manifestarão sua vontade em ser doadora de órgãos. Associada a este ato

simbólico formou-se uma forte campanha de conscientização e esclarecimento.

O Doar é Legal é uma iniciativa do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS). O projeto visa conscientizar pessoas sobre a importância da doação de órgãos.Em razão disso e levando em conta o papel social do Judiciário, o ministro Cezar Peluso, presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), e o desembargador Léo Lima, presidente do TJRS, assinaram, na sessão plenária do CNJ de 14 de junho de 2010, termo de cooperação técnica para a implantação do projeto em todos os tribunais do país. Com o acordo, o TJRS ficará encarregado de compartilhar recursos tecnológicos, material e pessoal, além de promover troca e cessão de material para a execução do projeto 47.

Outro mecanismo é o programa Mutirão da Cidadania, em que o CNJ (Portaria nº 40),

com a liderança da magistratura, pretende envidar esforços na proteção de grupos vulneráveis,

tais como: a criança e o adolescente, o idoso, os portadores de necessidades especiais e a

mulher vítima da violência doméstica e familiar.

Cumpre citar o projeto Casas de Justiça e Cidadania (formalizada por meio da edição

da Portaria n. 499/CNJ), com o propósito de promover o princípio constitucional da

cidadania, insculpido no art. 1º, inciso II da CF, através dos seguintes objetivos: o

envolvimento de voluntários qualificados que estejam voltados à solução dos problemas da

comunidade (e não apenas a aplicação das normas jurídicas positivadas); a abordagem de

soluções por meio de equipes decisórias; a integração de serviços sociais nessas equipes

decisórias; a supervisão judicial dos processos, oficinas e grupos de apoio; a abordagem

interdisciplinar; a participação do cidadão e da comunidade; e o papel ativo do magistrado; a

pacificação da sociedade e a resolução de conflitos; participação cidadã.

Conforme exposto em toda extensão deste trabalho, a responsabilidade social

materializada no contexto das atividades fomentadas pelo CNJ, sempre foi um dever

constitucional latente, entretanto, só agora parece força nas políticas públicas mencionadas

47 CNJ. Projeto Doar é Legal. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/index.php?option=com_content&view=article&id=11266&Itemid=1189>. Acesso em: 17 jun. 2010.

74

acima. E os juízes, imersos numa conjuntura de concretização de direitos fundamentais, terão

um papel imprescindível na afirmação desses direitos, como também na sedimentação dos

novos caminhos que levam a uma justiça social e a um Judiciário mais participativo e

preocupado com as políticas preventivas.

3.6 A atividade regulamentadora do CNJ e o alcance das resoluções

Dentre as atribuições constitucionais do CNJ está o poder regulamentar, perfazendo-se

no dever instrumentalizar os fins buscados pelo Judiciário. Através das Resoluções, o

principal mecanismo de externação dos seus atos, esse órgão atua regulando situações

diretamente ligadas à sua própria organização, à administração judiciária, como também ao

exercício dos deveres funcionais das carreiras ligadas, direta ou indiretamente, ao Judiciário

(magistratura 48, atividade notarial 49, serventuários da Justiça etc.), zelando pela sua

autonomia.

Tavares (2009) entende que a sua atuação encontra duas grandes limitações: a

impossibilidade das Resoluções vincularem o STF e de inovarem na ordem jurídica, visto

que, segundo o mesmo autor, tratam-se de atos normativos secundários.

Ressalte-se, aqui, desta feita, essa importante conclusão, qual seja, a de que o artigo 103-B, §4º, I, da CB, dirige, ao CNJ, atribuição eminentemente regulamentar, tal como o faz o artigo 84, IV, da CB, com relação aos regulamentos a serem expedidos pelo Presidente da República, o que não poderia ser diferente. Portanto, não promove, o preceptivo em questão, delegação legislativa ao CNJ, e nem poderia fazê-lo, uma vez que essa hipotética destinação de competência atentaria contra o critério constitucional originário da separação dos poderes, arrolado como cláusula pétrea pelo artigo 60, §4º, III, o que findaria por eivar a Emenda Constitucional n.45, ao menos neste ponto, de inconstitucionalidade (material) (TAVARES, 2010, on-line).

Cabe ressaltar o voto do ministro Carlos Ayres Britto na Ação Declaratória de

Constitucionalidade nº. 12, onde reforça o caráter primário dos atos normativos emitidos pelo

CNJ sempre que tenha por fundamento o dever de consubstanciar a norma constitucional,

concedendo (art. 103-B, §4º), diretamente, força normativa aos seus preceitos, em especial

48 Art. 35, I, da LOMAN: “Cumprir e fazer cumprir, com independência, serenidade e exatidão, as disposições legais e os atos de ofício”. 49 Resoluções ns. 80/2009 e 81/2009 do CNJ (Ver também: ADI nº. 4300-DF).

75

aos princípios da boa administração insculpido no art. 37/CF, sob pena de torná-lo impotente

ante o seu múnus constitucional 50.

Sampaio (2007, p. 281) pondera, com razão, a sua importância como órgão

constitucional capaz de concretizar os comandos do Texto Magno, no entanto, ressalta que

difícil é aceitar de princípios abertos se possam extrair vedações que não se encontrem

positivadas em lei ou reconhecidas pela jurisprudência. No caso da resolução que trata sobre a

vedação de nepotismo o mesmo autor considera que não houve uma inovação, já que existia

legislação e posicionamento dos tribunais sobre a questão, mas simplesmente, a explicitação

do princípio da moralidade e impessoalidade (SAMPAIO, 2007).

O alcance das Resoluções está restringido ao âmbito do Judiciário, não podendo

determinar situações externas e muito menos interferir na função jurisdicional. Observa-se,

entretanto, que o CNJ é acusado de invadir a esfera de atuação do juiz, impondo condutas

que, segundo a maioria dos argumentos, fere o princípio da independência.

Fato é que, após breve levantamento das ações ajuizadas em face das resoluções do

CNJ, tem-se de 2005 até o presente momento, 25 Ações Diretas de Inconstitucionalidade

(ADI), uma média de 05 (cinco) por ano, sendo que 17 foram ajuizadas por entidades

representantes da magistratura 51, 3 pelo PGR e 2 pelas mesas das Assembléias Estaduais, 2

pelo Executivo estadual, 1 proposta pela ANOREG e uma pela OAB.

3.6.1 O Estatuto da Magistratura e os atos do CNJ: convalidação ou (in) constitucionalidade superveniente?

50 ADC nº. 12 O segundo reforço argumentativo está na interpretação panorâmica ou sistemática ou imbricada que se possa fazer dos dispositivos que se integram na compostura vernacular de todo o art. 103-B da Constituição. É que tais dispositivos são tão ciosos da importância do CNJ em ambos os planos da composição e do funcionamento; tão logicamente concatenados para fazer do Conselho um órgão de planejamento estratégico do Poder Judiciário, assim no campo orçamentário como no da celeridade, transparência, segurança, democratização e aparelhamento tecnológico da função jurisdicional do Estado; tão explicitamente assumidos como estrutura normativa de contínua densificação dos estelares princípios do art. 37 da Lei Republicana; tão claramente regrado como genuína instância do Poder Judiciário, e não como instituição estranha a esse Poder elementar do Estado, enfim, que negar a ele o poder de aplicar imediatamente essa Constituição-cidadã, tanto em concreto como em abstrato, seria concluir que a Emenda 45 homiziou o novo órgão numa fortaleza de paredes intransponíveis, porém fechada, afinal, com a mais larga porta de papelão. Metáfora de que muito se valia o gênio ético-libertário de Geraldo Ataliba para ensinar como não se deve interpretar o Direito, notadamente o de estirpe constitucional (STF on-line). Ver também: MS 27188 AgR/DF e MS 25615 AgR / DF. 51 AJUFE, AMB, ANDES, ANAMAGES, ANAMATRA.

76

Sob outro prisma, mas ainda no quadro de análise sobre as incertezas, revela-se

imponente discutir a competência e a forma como é exercida. A Constituição defere, nos

termos art. 103-A, §4º, as atribuições do CNJ, além das que decorrem do Estatuto da

Magistratura. Cumpre informar, no entanto, que desde a criação do Conselho, a

regulamentação constitucional é deficiente, sendo necessária a utilização dos diplomas

esparsos na legislação brasileira, de instrumentos de auto-regulação e de regulação das

atividades, por meio das Resoluções, objeto de sua fiscalização.

A inércia do legislador ordinário, nesta situação, é, com razão, alvo de incertezas

quanto aos limites de atuação deste órgão. Primeiro porque existe a possibilidade do

cometimento de excessos a ponto de interferir, direta ou indiretamente, na função judicante,

desgarrando-se do seu intento inicial: controle administrativo, financeiro e disciplinar.

Segundo e mais preocupante é que a mora do legislador pode acarretar o convalescimento de

práticas viciosas que, dificilmente, serão revistos e corrigidos por ato de vontade do próprio

órgão.

Vale mencionar, nessa linha, que não é incomum assistirmos a inércia do legislador

perante seu dever de potencializar as normas constitucionais. A falta de regulamentação da

Constituição, dentre outros problemas de ordem político-institucional, é um dos motivos para

o seu descrédito, pois que liberdades deixam de ser gozadas, metas deixam de ser

estabelecidas e promessas constitucionais deixam de ser executadas, acabando por alargar,

ainda mais, os horizontes da programaticidade e o abismo entre povo e Constituição.

O fato é que a partir do instante em que os esforços voltados à efetivação da

Constituição não são empreendidos, a necessidade social demonstrará o quanto é obsoleta,

estática e incapaz de espelhar os anseios, como de construir uma sociedade norteada pelos

objetivos insculpidos no art. 3º do texto constitucional.

Apesar das disposições encetadas na Constituição e do posicionamento assentado pelo

Supremo Tribunal Federal, a insuficiência do Estatuto da Magistratura possibilita a prática de

atos inconstitucionais, debilitando a plenitude da constitucionalidade da existência e atividade

do CNJ. Essa regulamentação contribuiria para delimitar os seus contornos, reduzindo a

atuação do STF sobre os atos do CNJ, tranquilizando a doutrina e os segmentos sociais

interessados que ainda enxergam incertezas quanto ao alcance de suas Resoluções.

77

A ocorrência de tal situação poderia ensejar a convalidação dos seus atos, referendada

pelo Poder Legislativo, ou seja, a feitura da lei sanaria tanto a insuficiência do Estatuto da

Magistratura, como também investiria o destinatário da norma a praticar, em sua perfeição, as

atribuições que o constituinte lhe conferiu, sem prejuízos dos atos praticados quando da

inexistência da norma instrumentalizadora do direito. A norma, portanto, convalidaria as

Resoluções do CNJ, principalmente, aquelas que envolvem os membros da magistratura.

A criação da norma referendaria, portanto, o ato praticado antes da vigência, como

empregaria constitucionalidade ao exercício do direito praticado após a vigência da norma

regulamentadora. A referida convalidação dos atos do CNJ não se confunde com a

constitucionalidade superveniente.

Cabe dizer que o termo já foi objeto de enfrentamento pelo STF. Através da Lei nº.

9.506/97 os agentes políticos se tornaram segurados obrigatórios da Previdência Social, no

entanto, por entenderem não existir previsão constitucional para tanto, ajuizaram várias ações

no sentido de tornar inconstitucional o referido diploma, sendo que no RE nº. 351.717-1/PR

entendeu que o dispositivo não se estendia aos agentes políticos, pois que não se

enquadravam no conceito de empregado do art. 195 da CF.

Para evitar o agravamento do debate, a EC nº. 20/98 convalidou a obrigatoriedade

imposta pela lei, tese defendida pelo INSS. Muito embora nos filiarmos à constitucionalidade

superveniente 52, ressaltamos o posicionamento do ministro Celso de Melo no RE nº.

346.084-6/PR que ignorou a possibilidade, considerando que:

[…] não se revela aceitável nem acolhível […] o reconhecimento de que a EC 20/98 poderia revestir-se de eficácia convalidante, pois – como ninguém ignora – as normas constitucionais que se mostram originariamente inconciliáveis com a lei fundamental não se convalidam pelo fato de emenda à constituição, promulgada em momento posterior, havê-las tornado compatíveis com o texto da Carta Política (BRASIL, STF, 2010, on-line).

No mesmo sentido, cumpre informar o posicionamento de Humberto Ávila (1999, p.

442) a respeito do tema 53:

52 Se o legislador entende, por via da Emenda à Constituição, tornar válida a norma tida por inconstitucional, não teria porque o STF obstaculizar o convalescimento nem por controle concentrado, muito menos por controle difuso. 53 Logo, não é de admitir que Emenda Constitucional superveniente à lei inconstitucional, mas com ela compatível, receba validação dali para o futuro. Antes, ter-se-á que entender que se o legislador desejar produzir nova lei e com o mesmo teor, que o faça, então, editando-a novamente, já agora – e só agora – dentro de possibilidades efetivamente comportadas pelo sistema normativo (MELLO, p. 16).

78

E a sua invalidade não se altera com a modificação da norma constitucional com a qual mantém referência. Isso porque a modificação das normas de referência, que até pode tornar inválida as normas originariamente válidas (inconstitucionalidade superveniente), não pode tornar válidas as normas que não o são desde a origem. Não há, no ordenamento jurídico brasileiro, o fenômeno da constitucionalidade superveniente. Isso importaria, às normas futuras, o poder de convalidar as normas hoje inválidas. Além do mais, todas as leis uma vez incompatíveis com a Constituição voltariam a ser constitucionais pela modificação futura da Constituição. Mais do que isso, todas as inconstitucionalidades seriam sempre compreendidas com a seguinte cláusula de reserva: ‘salvo modificação posterior da Constituição’.

Acredita-se que grande parte dos questionamentos judiciais levados ao Supremo em

face do CNJ perderá o seu objeto em face da convalidação 54, pela nova Lei Orgânica da

Magistratura, das medidas tomadas por este Conselho, visto que o referido diploma tem por

objetivo delinear o caráter e o alcance das decisões do CNJ, como também poderá diminuir o

número de demandas judiciais.

Por outro lado, não se pode refutar a possibilidade, e com maior grau, de

inconstitucionalidade superveniente das Resoluções do CNJ, haja vista a constante

contestação da sua amplitude e do poder, segundo já se manifestou o ministro Carlos Britto na

ADC nº 12, de regulamentar diretamente a Constituição Federal em casos pontuais.

Entrementes a própria representação da magistratura já dispensou bastante atenção à

discussão a respeito da importância do controle interno.

Na realidade, este pesquisador crê que a reformulação da Lei Orgânica da

Magistratura não irá surtir efeitos de retardação da atividade disciplinar do Conselho Nacional

de Justiça, muito menos reduzirá a sua importância como órgão promotor das políticas

judiciárias, da democratização (interna e externa) da Justiça e do combate ao corporativismo.

A mesma perspectiva se vislumbra com relação ao exercício do poder de regulamentação,

instrumentalizado através das resoluções, que, fatalmente, servirão de inspiração ao debate

sobre o Estatuto da Magistratura.

As incertezas que ainda cercam o CNJ, sem dúvida, são menores, pelo menos no que

tange à manutenção de sua existência. A discussão deve estar voltada, nesse momento, para

corrigir e otimizar os seus potenciais. Evitado o que seria, em verdade, mais um retrocesso na

história da justiça brasileira, faz-se premente, a partir deste referencial, rever os entraves do

passado, como também formular metas para o futuro. Passados alguns anos de sua criação, o

54 O sentido de convalidação aqui utilizada diz respeito à mera repetição de muitas das medidas tomadas pelo Conselho Nacional de Justiça, independentemente de sua constitucionalidade ou não.

79

CNJ começa a demonstrar os contornos de sua atuação, sendo merecedor de créditos e de

críticas que serão discutidos no decorrer deste trabalho.

80

4 A ABERTURA DA JUSTIÇA BRASILEIRA: O CNJ E A REFORMA DO JUDICIÁRIO EM MOVIMENTO

A mudança da Justiça é um imperativo social e a pergunta que comumente circunda a

cabeça de magistrados, doutrinadores, legisladores, administradores públicos e da sociedade é

saber: por onde começar? Como dito, não se pode creditar a alterações legislativas, o mérito,

insucessos ou mesmo o dever de que as coisas se modifiquem por si só, faz-se necessário

também uma reforma de atitudes.

Acredita-se que seria, no mínimo, precipitado, definir que a reforma do judiciário ou o

controle democrático do Poder Judiciário foi imediatamente implantado com o advento da EC

nº. 45/2004, pelo contrário, trata-se de um processo de construção que somente o esforço de

medidas concretas poderá dimensionar os avanços e os retrocessos advindos de ambos os

mecanismos. No dizer do ministro Nelson Jobim, “não é o ponto de chegada, mas o de

partida” (CARVALHO, 2006, p. 109).

A reforma de atitudes, conforme exposto no segundo capítulo, é a força que deve

comandar a implementação das mudanças. O CNJ, como estrutura de mobilidade ímpar da

reforma do Judiciário, cumpre papel fundamental para a abertura do Judiciário. Para tanto,

coordena uma reforma interna, na qual visa solidificar condutas estandardizadas para os fins

de racionalizar os andamentos processuais e priorizar o comportamento ético-profissional. E

uma reforma externa, voltada a angariar a confiança social e evidenciar as atribuições do

Poder Judiciário.

4.1 Desvendando a caixa preta: a função disciplinar do CNJ

A abertura do Poder Judiciário passa por uma mudança interna que importa desvendar

pontos obscuros na forma em que exercida a função jurisdicional. Durante tempos, conforme

ressaltado em diversas ocasiões neste trabalho, o Poder Judiciário prestigiava como fator de

81

qualidade a postura de retração diante os problemas de maior conotação política, como

também àqueles que diziam respeito as suas práticas internas.

Pouco se tinha conhecimento do que ocorria nos umbrais deste Poder, ensimesmado

num corporativismo que embargava a sua legitimidade democrática perante os atributos

substanciais da Constituição Federal. Em resumo, a forma como era exercida o poder

disciplinar dentro do Judiciário brasileiro era algo desconhecido.

A atribuição disciplinar do CNJ tem como escopo o fortalecimento da atividade de

fiscalização, principalmente, dos membros da magistratura (juízes e membros dos tribunais)

pelas faltas praticadas no exercício das atribuições funcionais de julgador e de administrador

da máquina judiciária. “Para que o povo respeite verdadeiramente o Judiciário é necessário

que este deixe claro, pelo fornecimento de informações precisas e de modo facilmente

compreensível aos principais órgãos da imprensa, quais são suas rendas e de que modo são

gastos os recursos que lhe são destinados” (DALLARI, 2008 p. 153).

O dever de vigilância dos princípios da administração, atribuído constitucionalmente a

este órgão, e que compõe um dos pilares de sua natureza e finalidade, representa a exigência

da transparência e moralidade que vinculam o agir dos componentes do Estado, em quaisquer

de suas esferas. Em verdade, tal função incorpora o apelo social pela democratização de atos

que repercutem diretamente na qualidade da prestação jurisdicional e na vida em sociedade,

devendo prestar contas de maneira ostensiva e precisa de como administra a coisa pública.

Será que, realmente, estaria este Poder necessitado de um órgão responsável por punir

indisciplinados e fiscalizar a atividade administrativa no âmbito dos tribunais? Apesar do

lobby feito às vésperas da instituição da nova ordem constitucional de 1988, como também do

mesmo esforço empreendido em face da criação do CNJ, a maturidade do legislador e a

vontade por reordenação de um sistema atrasado na sua estrutura e falido em legitimidade

social, credenciou-o como uma solução para a difícil responsabilidade de solucionar um dos

principais impasses institucionais do Brasil: a crise do Judiciário.

Nesse meio, impende ressaltar a função disciplinar do CNJ e a extrema importância de

associá-la ao princípio da publicidade, dando uma real satisfação à sociedade dos resultados

obtidos nos procedimentos instaurados contra os membros do Judiciário. A garantia da

publicidade dos atos praticados pelos tribunais, centros de onde emanam importantes decisões

administrativas, representa uma dupla repercussão democrática: uma interna, preservando o

82

respeito e a dignidade da magistratura e outra externa que está ligada diretamente à satisfação

social. Vale mencionar, nesse ponto, o entendimento e o controle do CNJ sobre os atos

administrativos desprovidos de publicidade:

Procedimento de Controle Administrativo. Atos Administrativos editados por Tribunal de Justiça. Concurso de remoção de magistrados. Publicidade da sessão e motivação das decisões (art. 93, X, da CF). – A teor do art. 93, inciso X, da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda Constitucional n° 45/2004, as decisões administrativas proferidas pelos tribunais devem ser tomadas em sessão pública, com a indicação da correspondente motivação. Não observados esses parâmetros nas movimentações horizontais de magistrados – remoções voluntárias realizadas no âmbito do Egrégio Tribunal de Justiça de Santa Catarina – impõe-se a revogação dos correspondentes atos administrativos editados, os quais devem ser repetidos em conformidade com o ordenamento jurídico vigente. Procedimento de Controle Administrativo procedente (CNJ – PCA 35 – Rel. Cons. Douglas Rodrigues – 9ª Sessão – j. 29.11.2005 – DJU 07.12.2005).

Dallari (2008) aponta tal princípio como ponto relevante à busca por uma legitimidade

democrática repudiada, implicitamente, por condutas contraditórias aos retumbantes discursos

retóricos dos juízes, que reforçam a importância do Judiciário como garante da estabilidade

institucional, do respeito aos limites das atribuições e dos primados democráticos, quando, em

verdade, são avessos a tal abertura institucional.

O princípio da publicidade representa um dos pilares das bases democráticas num

Estado de Direito. É através do dever de informar e publicizar que a sociedade tem a

oportunidade de fiscalizar a atividade daqueles que representam os interesses do Estado. É

uma garantia constitucional, pois sem a sua material existência e poder de exigibilidade todos

os demais comandos normativos restariam prejudicados.

No mesmo sentido, é um princípio (trunfo) basilar para a potencialização do devido

processo legal, seja ele formal ou material (art. 5º, art. 37, art. 93, art. 225, todos da

Constituição de 1988). Bandeira de Mello (2008) afirma, no contexto do princípio da

publicidade, a importância da plena transparência e do direito à informação sobre os assuntos

públicos, haja vista que são deveres que derivam dos primados do Estado Democrático de

Direito. Tanto o é que a Constituição admite, taxativamente, a utilização de instrumentos

próprios a sua materialização e obediência, pois que a inobservância pode ocasionar sérios

danos à ordem social.

Pelo que se pode depreender, é um princípio aplicável, eminentemente, nas relações

entre Estado e sociedade, perpassando todas as gerações (dimensões) dos direitos

fundamentais. Está presente em nossa Constituição Federal de 1998, como aquele princípio

83

inerente à própria democracia. No mesmo sentido, Canotilho (2003, p.1086) leciona que a

idéia de democracia administrativa aponta não só para um direito de acesso aos arquivos e

registros públicos para a defesa dos direitos individuais, mas também para um direito de

saber.

Representação formulada contra o julgador. Direito do autor da representação de saber as razões do desacolhimento. Alegação de sigilo. Pedidos de Providências. Negativa de fornecimento das informações prestadas pelos magistrados representados não amparada pela legislação vigente. Princípio constitucional da publicidade na Administração. Emenda Constitucional 45/2004. Eventual sigilo das decisões administrativas do Tribunal restou extinto. Ressalva do sigilo imprescindível á segurança da sociedade e do Estado. (art. 5, XXXIII, da CF. 37 da CF). – “O representante, em procedimento administrativo, tem o direito de saber as razões que fundamentaram o desacolhimento de sua representação, até mesmo para que apresente eventual recurso à instância administrativa superior, com base na parte final do inciso X, do art. 93 da CF/1988. Pedido de Providências deferido” (CNJ – PP 27 – Rel. Cons. Germana Moraes – 10ª Sessão – j. 06.12.2005 – DJU 15.12.2005 – Ementa não oficial).

Ocultar-se, indevidamente, redundará na anulação do ato, tendo em vista o

malferimento ao art. 93, inciso X da CF. Através desse princípio, a sociedade exerce

diretamente o dever de pugnar por um governo legítimo e legal, sabendo de que maneira este

se utilizou para exercer a representatividade, permitindo o controle interno e externo da

Administração Pública através da utilização do procedimento administrativo e das ações

cabíveis para assegurar o interesse da sociedade e do indivíduo, tais como: a ação civil

pública, a ação popular, a ação de improbidade administrativa, o mandado de segurança, o

habeas corpus e habeas data. Rocha assevera que “não se pretende mais aceitar, como

legítima, a democracia da ignorância, aquela que todos são iguais no desconhecimento do que

se passa no exercício do Poder usurpado e silenciosamente desempenhado” (1994, p. 21).

Concedendo o exercício do poder soberano aos poderes instituídos, estes não estariam

imunes à vigília da sociedade, muito menos desobrigados de apresentar, de forma

transparente, a maneira como administra o interesse público ou de como destina as verbas

públicas.

Dessa forma, o ato que interessa a todos, de caráter público (salvo exceções previstas),

está sob a tutela da publicidade e que deve ser observado independentemente da exigibilidade

por parte da sociedade, no entanto, é somente com o uso desta prerrogativa é que a

publicidade poderá ser investida de maior efetividade. Tal princípio obriga a que o Judiciário

84

tanto apresente os meios e os resultados de sua função gerencial 55, nos termos do art. 103-B,

§ 4º, incisos VI e VII da CF (apresentar relatório estatístico e sobre providências que julgar

necessárias), como também disciplinar.

O art. 23, da Resolução nº. 30 do CNJ determina que: em razão da natureza das

infrações objeto de apuração ou de processo administrativo, nos casos em que a preservação

do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à

informação, poderá a autoridade competente limitar a publicidade dos atos ao acusado e a

seus advogados.

Pela disposição da resolução é aceitável a flexibilização de tal princípio para garantir

o resultado idôneo e íntegro do procedimento administrativo, no entanto, como exceção à

aplicação de uma garantia constitucional, a decisão nesse sentido deve ser amplamente

fundamentada, como também, respeitada a segurança nacional e a intimidade do processado,

a vedação deve ter caráter temporário, sendo possibilitado a qualquer indivíduo o acesso aos

autos, visto a força principiológica da publicidade e do interesse público a ser preservado.

Para Dallari (2008, p. 156):

É fundamental para a independência do Judiciário, num Estado democrático, a publicidade ampla de seus atos administrativos e jurisdicionais, a fim de que o povo tenha consciência de sua importância social e política e participe ativamente da proteção de sua independência. Só em casos excepcionais, de evidente interesse público ou de manifesta necessidade para a proteção de direitos individuais, é que se devem admitir processos judiciais com publicidade restrita, jamais devendo ser admitido o sigilo sobre questões administrativas de interesse do Judiciário.

Pode-se perceber que erra o procedimento administrativo o qual, baseado em mera

conveniência de preservar como imaculada a magistratura e o conteúdo dos fatos, torna o

processo sigiloso, privando a qualquer o conhecimento de condutas imorais que dizem

respeito ao exercício da função pública.

4.1.1 Atuação disciplinar e procedimento

Com base em determinação constitucional (art. 103-B, § 4º, III e V 56), o Conselho

tem a oportunidade de receber e conhecer das reclamações (atribuição originária) em face 55 Caberá então, ao Conselho Nacional de Justiça, potencializar os valores democráticos presentes na instituição, ampliando – nos aspectos mencionados – o controle social sobre o funcionamento do Poder Judiciário, produzindo e divulgando maçiçamente relatórios analíticos acerca do desempenho desse ramo do Estado (DINO, 2005, p. 105).

85

dos seus membros e demais serviços judiciários, como também dispõe da prerrogativa de

rever, de ofício 57 ou por provocação, os processos disciplinares julgados há menos de um

ano.

Na percepção de Sampaio (2007), qualquer cidadão poderá acionar o poder

correicional, enquanto as autoridades públicas terão o dever de fazê-lo. Interessante ressaltar

o poder de provocação pelo cidadão, permitindo sua participação, mesmo que indireta, na

apuração da forma como a jurisdição é ofertada e se as determinações estabelecidas pelo CNJ

(decorrentes da Constituição, LOMAN, Lei nº. 8.112/91 e Lei nº. 9.784/99 58) estão sendo

observadas a contento. Frise-se que os dois últimos diplomas, o estatuto dos servidores

públicos da União e o procedimento administrativo federal, terão aplicação subsidiária,

conforme dispõe o art. 24, da Resolução nº. 30 do CNJ.

Por intermédio da resolução supramencionada, que dispõe sobre a uniformização de

normas relativas ao procedimento administrativo disciplinar aplicável aos magistrados, o CNJ

aprecia as questões pertinentes às faltas cometidas pelos membros da magistratura, aplicando,

graduadamente, as sanções disciplinares. A Resolução nº. 30 do CNJ define no contexto da

sua atividade disciplinar, as sanções administrativas aplicáveis aos magistrados. O art. 1°

determina as penas disciplinares aplicáveis aos magistrados: a advertência, a censura, a

remoção compulsória, a disponibilidade, a demissão.

56 “Art. 103-B, § 4º: Compete ao Conselho o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura: III - receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Poder Judiciário, inclusive contra seus serviços auxiliares, serventias e órgãos prestadores de serviços notariais e de registro que atuem por delegação do poder público ou oficializados, sem prejuízo da competência disciplinar e correicional dos tribunais, podendo avocar processos disciplinares em curso e determinar a remoção, a disponibilidade ou a aposentadoria com subsídios ou proventos proporcionais ao tempo de serviço e aplicar outras sanções administrativas, assegurada ampla defesa; V - rever, de ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares de juízes e membros de tribunais julgados há menos de um ano”; 57 “EMENTA PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. MAGISTRADO. ABERTURA DE PROCESSO DISCIPLINAR. LEGITIMIDADE ATIVA DOS MEMBROS DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. PODER DE INICIATIVA DOS ÓRGÃOS ADMINISTRATIVOS. IMPARCIALIDADE. REGULARIDADE. – O fato de um ou vários conselheiros firmarem requerimento conjunto de instauração de procedimento administrativo não os torna, só por isso, impedidos de apreciarem o caso. Fosse assim, o texto constitucional estaria completamente desidratado de sentido eis que, expressamente, cogita de atuação de ofício do Conselho e seria teratológico conferir o poder de auto provocação ao Conselho e, ato contínuo, o Conselho considerar-se castrado do poder de apreciar a respectiva matéria. Em sendo meramente administrativa a natureza jurídica das atividades do Conselho Nacional de Justiça, não estarão ele nem seus membros constrangidos pelo dever de inércia próprio da jurisdição (CPC, art. 2º). Ainda que supérflua, há referência expressa à tal possibilidade no texto constitucional dedicado às competências do Conselho Nacional de Justiça (CF, art. 103-B, § 4º, II e V) (CNJ – PAD 06 – Rel. Cons. Antonio Umberto de Souza Júnior – 57ª Sessão – j. 26.02.2008 – DJU 18.03.2008)”. 58 “Art. 24 da Resolução nº. 30 do CNJ: Aplicam-se aos procedimentos disciplinares contra magistrados, subsidiariamente, as normas e os princípios das Leis nºs. 8.112/91 e 9.784/99”.

86

4.1.2 A função disciplinar do CNJ em números e em casos concretos

Mais do que demonstrar teoricamente os fundamentos e vantagens do exercício de um

controle administrativo aberto, cabe dizer se, realmente, existem sinais de uma efetiva

atividade disciplinar que busca desvendar os problemas do Judiciário, desmitificando a figura

inatingível dos juízes. Ou se a atuação do CNJ, nesta seara, não tem rendido boas expectativas

para a solução, em longo prazo, da crise institucional desse Poder. Conforme dados noticiados

no sítio do CNJ a respeito da gestão 2008-2010, sob o comando do ministro Gilmar Mendes,

o resultado de sua atividade disciplinar foi:

[…] 24 magistrados foram condenados pelo Conselho Nacional de Justiça. Desse total, oito foram afastados preventivamente das suas funções, em Processos Administrativos Disciplinares, que em fevereiro ainda estavam em andamento. Os outros 16 foram punidos: 13 com aposentadoria compulsória, um foi colocado em disponibilidade, um foi removido compulsoriamente e outro sofreu censura. Três julgados foram arquivados sem punição (CNJ, 2010, on-line).

Os números parecem pouco expressivos, entretanto, é importante dizer da

excepcionalidade de sua atuação no procedimento disciplinar, haja vista que não retirou ou

reduziu a competência dos Tribunais. Em alguns casos, o CNJ tem sido enérgico diante das

indignidades praticadas face à dignidade da Justiça e ao exercício da profissão.

Decisão judicial de magistrado que favoreceu quadrilha Processo Disciplinar. Decisão de magistrado que favoreceu quadrilha – Independentemente de ter sido a decisão fundamentada, o desrespeito a determinações do Código de Processo Civil e o claro fim de favorecer interessados basta para a caracterização de infração disciplinar. Eletrobrás. Aposentadoria compulsória. Violação ao Art. 35 da LOMAN. Aplicação da Res. 30, art. 5º” (CNJ – RD 200830000000656 – Rel. Cons. Joaquim Falcão – 79ª Sessão – j. 03.03.2009 – DJU 11.03.2009). Parte do voto do Relator: “Diante dessa realidade, de todos esses fatos que saltam aos olhos, quem clama por uma punição mais severa não é o magistrado A. S. É a própria dignidade da Justiça. A própria dignidade dos magistrados. É a firme convicção que tem que ter a sociedade de que não se permite, de forma alguma, a manipulação do Direito em desfavor da Justiça. Não se permite a simulação do legal. O uso combinado do grave erro de procedimento, da imprudência administrativa e da fundamentação jurídica temerária apenas encobrem a nudez crua da verdade com o manto diáfano da fantasia, no dizer de Eça de Queiroz. E a verdade é a ilegalidade da conduta do magistrado.

No mesmo sentido, os procedimentos administrativos, de caráter sigiloso, que

exoneraram magistrados: nº 0001102-09.2008.2.00.0000, nº. 0000788-29.2009.2.00.0000, nº

2008.10.00.003104-0 (2009.10.00.005427-4), além de outras punições como a censura,

advertência, remoção compulsória, disponibilidade e demissão.

87

4.2 A atuação do CNJ e a aproximação social: por uma justiça na prestação

Muito se discute a respeito da prestação da justiça, posto que seja o instrumento-meio

para que o Judiciário possa cumprir o seu mister como Poder constituído. E, realmente, faz-se

premente reavaliar os deveres da magistratura dentro da democracia brasileira, mas, por outro

lado, é raso debate dos problemas estruturais e de cumprimento dos serviços inerentes ao bom

exercício da prestação jurisdicional. Denominamos esta questão de justiça na prestação,

questionando a importância do desempenho do Judiciário e de como a prestação jurisdicional

está, intrinsecamente, relacionada com as políticas de estruturação, qualificação e

dinamização das tarefas, tudo em conta do dever humanizador no serviço público.

A justiça na prestação, admitida aqui como corolário do direito fundamental do acesso

à justiça, seria o direito do cidadão de receber a prestação da justiça. Mas não se trata de

qualquer, mas aquela que reúne condições dignas de oferecer ou propiciar àquele que busca o

seu direito maior satisfação e, principalmente, o sentimento de inclusão social. Como de

forma instrumentalizar tal concepção, elencamos três requisitos, em nossa opinião,

primordiais: 1) O direito de informação/participação; e 2) A materialização de instrumentos

para otimizar os direitos do cidadão;

4.2.1 O direito de informação/participação

A informação é o direito de que cada cidadão dispõe de obter o amplo acesso sobre a

natureza de algo que o interessa, direta ou indiretamente. É o direito que garante o exercício

de outros direitos, pois é a partir do conhecimento pleno sobre um determinado dado que o

cidadão poderá se valer dos meios aptos para alcançar sua pretensão. A Constituição Federal

de 1988, alberga-o em sua normatividade como direito fundamental, reforçando a sua

relevância à solidificação do Estado Democrático de Direito.

Em vários dispositivos dos direitos e garantias fundamentais se percebe a intenção do

legislador constituinte em reforçar o seu primado, senão vejamos: art. 5º, I, V, IX, X, XIV,

XXXIII, LXXII. O conteúdo que se pretende explorar nesta análise não se restringe a

entender o referido princípio como instrumento oponível à atuação abusiva do Estado, ou

88

seja, como forma de exigir uma abstenção por parte deste, muito menos estudá-los sob a

perspectiva da aplicação deste direito fundamental nas relações horizontais.

Propiciar informação de qualidade e transparência sobre a ambiência das relações

institucionais significa entregar armas legítimas à concretização da cidadania, mitigando a

concepção do cidadão como telespectador dos acontecimentos, mas como aquele sujeito ativo

que transforma a sua realidade e contribui para os fins do Estado. “Confiar na educação cívica

e na preparação dos leitores/ouvintes/telespectadores quanto à opinião que se produz […] é

criar uma opinião pública exigente, isenta de manipulação, pois cidadãos mais conscientes de

sua cidadania fazem melhores escolhas políticas” (ZVIRBLIS, 2006, p. 118).

Aqui nos interessa o dever do Estado em oferecer informações que digam respeito ao

interesse da coletividade, ou seja, que tenham por escopo educar o cidadão. Ficou patente,

desde a democracia instaurada em 1988, a passividade com a qual se comportou o Judiciário,

sendo uma fonte de exploração da comunicação social e não exploradora dos seus próprios

fatos, problemas e proposições das soluções.

Este papel eminente que a imprensa escrita, a rádio, a televisão, desempenham na vida quotidiana dos cidadãos, também se dirige à Justiça. E a justiça, numa sociedade democrática, porque aberta ao público, tem necessidade de meios de comunicação social que possam livremente informar (não deformar) os cidadãos, assim, como os ‘media’ dependem do suporte da Justiça para poderem cumprir o seu dever de interesse público. Nesse sentido, podemos afirmar que a Justiça tem para com a comunicação social o dever de informar, dentro dos condicionalismos previstos pela lei. A Justiça não se deve colocar na posição passiva de fonte das informações pedidas. Deve diligenciar no sentido de, ela própria, manter relações públicas activas para pode aprofundar, junto dos cidadãos, a compreensão do mundo judicial suscitando a sua confiança nas populações (AFONSO, 2004, p. 177).

E quando se fala em acesso à justiça, o direito de informação ganha uma maior

projeção conotativa dentro do cenário democrático, pois a partir do conhecimento dos seus

direitos o cidadão otimiza a sua autonomia de pensar e, consequentemente, insere-se no

debate público a respeito dos assuntos que permeiam a atuação do Estado, no caso o

Judiciário. Aprimorar a comunicação com o público representa ressaltar o papel e as

iniciativas do Judiciário, informar com transparência e clareza dos meios para prevenir o

aumento das demandas litigiosas. “A mediatização da Justiça não tem fim transformá-la numa

‘instituição serviço’, mas trazer à compreensão do público a sua função simbólica

fundamental” (AFONSO, 2004, p. 177).

Nesse sentido, verifica-se após a criação do CNJ um novo meio de fazer justiça,

informando. A propagação de políticas comunicativas sobre a atuação do Judiciário brasileiro

89

e de seus projetos de inclusão social representa um ganho significativo para a democracia.

Valendo-se dos meios de comunicação (televisão, jornal, rádio, internet), o CNJ passou a

publicizar os programas e a atuação do Judiciário, aproximando a informação, explicitando os

motivos e esclarecendo as finalidades dos programas e o seu caráter de inclusão social 59.

Zaffaroni explica que:

É a democratização de nossas sociedades, a liberdade de informação e de crítica que potencializa a criatividade e a expressão do pensamento, como também a aceleração das comunicações, o que precipita o resultado de que o judiciário, que antes era tema de minorias, se instale hoje na opinião pública de nossos países […] (1995, p. 25).

Vale mencionar, nessa linha, a afirmação de Martins Afonso (2004, p. 177) quando

assevera que “se a Justiça não cuidar da sua própria imagem corre o risco de não se

reconhecer naquela que os programas mediáticos vendem”. Complementando a frase,

dizemos que também corre o risco de não se conhecer na imagem que os próprios cidadãos

têm do seu desempenho.

Preocupado com a questão o CNJ fomenta a transparência das informações e o

redimensionamento da comunicação social, auxiliando e dando suporte para o exercício

efetivo da cidadania. A Resolução nº 79, que dispõe sobre a transparência na divulgação das

atividades e a Resolução nº 85, que trata da comunicação social, representam com exatidão o

interesse do Poder Judiciário brasileiro em sistematizar medidas para a repercussão positiva

de sua imagem.

Dentre as principais diretrizes da comunicação social do Judiciário estão: dar amplo

conhecimento à sociedade das políticas públicas e programas do Judiciário, divulgar, de

forma sistemática, em linguagem acessível e didática, os direitos do cidadão e os serviços

colocados a sua disposição, estimular a participação da sociedade no debate e na formulação

das políticas públicas que envolvam os seus direitos, disseminar informações corretas etc.

Exemplo que mescla esses desígnios foi materializado na Resolução nº. 44, que trata

da criação do cadastro nacional de condenados por ato de improbidade administrativa no

âmbito do Poder Judiciário Nacional. Pelo referido diploma, o Judiciário dispõe de um banco

de dados, com acesso livre para todos os cidadãos, de uma lista das pessoas punidas pelo

regime da lei de improbidade administrativa. Anteriormente, a informação era restrita aos

órgãos públicos, no entanto, pelo empenho do conselheiro Felipe Locke e a aprovação do 59 Temos como exemplo, conforme explicitado em capítulo anterior: Mutirão Carcerário, Começar de Novo, Programa Conciliar é Legal, Campanha Justiça Criminal 2010.

90

plenário do CNJ, as informações passaram a ter acesso irrestrito, possibilitando, segundo o

próprio conselheiro, “a fiscalização efetiva da sociedade quanto ao cumprimento das decisões

do Poder Judiciário” (CNJ, 2010, on-line).

Outro mecanismo essencial no contexto da comunicação são as audiências públicas,

que tanto permitem ao CNJ direcionar a sua política administrativa, como possibilita à

sociedade manifestar, publicamente, suas insatisfações e sugestões para o melhoramento das

práticas forenses. A experiência das audiências foi positiva, no entanto, o alcance é limitado.

Em nossa opinião, o CNJ deve buscar meios de intensificar e ampliar a participação nas

audiências públicas, oferecendo às representatividades (OAB, MP, sindicatos e povo) maior

autonomia e espaço no debate público. Sampaio (2007, p. 294) elenca, dentre os princípios

reitores dos atos do Conselho, o da participação social, indicando a possibilidade da gestão

democrática do Judiciário.

Existem previstos na Lei n. 9.784/1999 três mecanismos de participação social: a consulta pública (art. 31), audiência pública (art. 32) e a participação dos administrados diretamente ou por meio de organizações e associações legalmente reconhecidos (art. 33). As duas primeiras ocorrem quando a matéria do processo envolver assunto de interesse geral ou de grande relevância e o Conselho entender, mediante despacho motivado, necessária a manifestação de terceiros ou a realização de audiência pública, antes da decisão do processo, se não houver prejuízo para a parte interessada. A abertura da consulta pública deve ser objeto de divulgação pelos meios oficiais, a fim de que pessoas físicas ou jurídicas possam examinar os autos, fixando-se prazo para oferecimento de alegações escritas. É interessante notar que o comparecimento à consulta ou audiência pública não confere, por si, a condição de interessado no processo, mas atribui o direito de obter da administração resposta fundamentada, a qual pode ser comum a todas as alegações substancialmente iguais.

Além da participação nos procedimentos administrativos, ressalta-se a abertura,

através da consulta pública via internet, da atuação do CNJ na definição e implementação de

medidas 60. Recentemente o então conselheiro Ministro João Oreste Dalazen, à época

presidente da comissão de prerrogativas na carreira da magistratura do CNJ, valeu-se do

instrumento, nos termos do art. 26, §1º do RICNJ 61, para a formatação da resolução nº 75,

que trata do ingresso na carreira da magistratura, tendo em vista a imperativa necessidade de

uniformizar critérios e procedimentos diversificados, evitar irregularidades na regulamentação

e na seleção dos juízes.

60 O CNJ dispõe de endereço eletrônico para o recebimento das sugestões: [email protected]. 61 Art. 26. O Relator poderá, mediante despacho motivado, abrir período de consulta pública ou designar audiência pública para manifestação de terceiros, antes da decisão do pedido, se não houver prejuízo para o interessado. § 1º A abertura da consulta pública será objeto de divulgação pelos meios oficiais, a fim de que pessoas físicas ou jurídicas possam examinar os autos, fixando-se prazo para oferecimento de alegações escritas.

91

No mesmo sentido, ressaltam-se as consultas públicas sobre o controle financeiro do

Poder Judiciário, a publicidade do processo eletrônico 62, o plano de gestão para

funcionamento das varas criminais e de execução penal. A consulta pública, portanto, serve

como ferramenta de participação direta da sociedade, possibilitando que as decisões sobre o

planejamento das políticas judiciárias sejam tomadas em conjunto e não reduzido ao consenso

de poucos.

Observe-se que é um instrumento que possui um alcance imensurável no tocante à

participação popular no processo abertura da Justiça brasileira. Nessa linha, o CNJ, em

parceria com as Instituições Superiores de Ensino, poderia disponibilizar mecanismos de

participação pelos universitários como forma experimental para, posteriormente, expandir

com vigor a consulta pública ao maior número de cidadãos.

4.2.2 A materialização de instrumentos para otimizar o acesso à justiça

O alcance das diretrizes constitucionais delineadas pela reforma do Judiciário

depende, antes de tudo, do estabelecimento de práticas judiciárias que estejam associadas à

celeridade processual, aperfeiçoamento gerencial e satisfação da pretensão perseguida. É

nesse sentido que este segundo requisito se coloca como indispensável à otimização do acesso

à Justiça.

Além das alterações dos códigos processuais, que almejam publicizar os seus

fundamentos de modo privilegiar o maior alcance da prestação jurisdicional, a exemplo do

processo coletivo e dos atos procedimentais que devem nortear a conduta dos atores

processuais, há de se buscar medidas que associe qualidade da prestação e eficiência. Sem tais

instrumentos de coesão o legislador ficará, indefinidamente, às voltas com as reformas

processuais que não causarão impactos positivos, mas, pelo contrário, resultarão em novos

obstáculos a serem enfrentados pelos operadores do direito e estagnação social.

62 CNJ. CNJ avalia sugestões para regulamentar publicidade de processos na internet. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/index.php?option=com_content&view=article&id=11346>. Acesso em: 27 jun. 2010. A resolução pretende dar transparência e garantir o direito de acesso à informação regulado pelo artigo 5º, inciso XXXIII, da Constituição Federal. Esta foi a segunda vez que a matéria foi submetida à consulta pública. Entre os dias 23 de março a 24 de abril as pessoas puderam se manifestar sobre tema. A partir das sugestões, o grupo elaborou a minuta de resolução que foi submetida à consulta pública que se encerrou na última semana. A publicidade apenas das iniciais das vítimas nos processos criminais, a restrição total de acesso a dados relativos a ações criminais extintas, a não divulgação da identidade e do CPF das partes em um processo.

92

Associado a esse aprimoramento, o Instituto Innovare, uma associação sem fins

lucrativos, fomenta e premia projetos, comprovadamente eficazes, voltados ao

desenvolvimento das práticas judiciárias 63. Através desse projeto o CNJ promove a difusão

de técnicas aos demais órgãos como forma de padronizar e dinamizar o gerenciamento dos

trabalhos.

Para essa espécie de causalidade, a parceria do CNJ com o Instituto Innovare se apresenta como terapia das mais eficazes, uma vez que o Prêmio Innovare, este ano em sua 6ª edição, com mais de 800 práticas inscritas, detecta os melhores procedimentos para a prestação jurisdicional mais rápida e eficaz, ao passo que o CNJ aproveita as práticas premiadas e selecionadas, para reproduzi-las em todos os estados da federação (MARTINS FILHO, 2010, on-line).

Outro mecanismo que vem sendo implementado na atividade do CNJ são os Termos

de Cooperação Técnica, perfazendo-se em acordos que o CNJ celebra com órgãos públicos

ou entidades privadas a fim de estabelecer ações estratégicas conjuntas, implementar

sistemas, compartilhar ou fornecer informações, realizar cursos, entre outros objetivos (CNJ,

on-line).

Tais medidas visam a otimizar a atuação das atividades judicial e administrativa,

possibilitando maior eficiência e qualidade dos atos 64. Através da formalização desses

termos, o CNJ busca firmar parcerias, tais como: Termo de cooperação técnica para estudo,

desenvolvimento e implantação de "Processamento Virtual", Desenvolvimento de

Padronização e Uniformização Taxonômica e Terminológica, a realização de estudos,

desenvolvimento e implantação de projetos, que visem à consolidação de práticas jurídicas e

o intercâmbio de informações e sistemas computadorizados, cooperação entre CNJ, MPS e

AGU 65, termo de cooperação para a realização de cursos multidisciplinares de capacitação

sobre a Lei 11.340/2006 - Lei Maria da Penha etc.

63 Ver <http://www.premioinnovare.com.br/>. O prêmio Innovare privilegia, dentre outros requisitos, eficiência, qualidade, celeridade criatividade, praticidade, ineditismo, alcance social, exportabilidade, abrangência territorial. 64 CNJ. CNJ comemora cinco anos com assinatura de oito acordos de cooperação. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/index.php?option=com_content&view=article&id=11260>. Acesso em: 17 jun. 2010. Com relação à modernização dos cartórios, foram firmados quatro termos de cooperação com esse objetivo. Um deles cria a Central Nacional de Indisponibilidades, que conterá informações, em âmbito nacional, de todos os bens indisponíveis no país por decisão judicial. O acordo será assinado entre o Conselho e a Associação dos Registradores Imobiliários do Estado de São Paulo (Arisp), que também é parceira no acordo sobre o sistema de penhora eletrônica de imóveis. O sistema eletrônico vai facilitar o cumprimento das ordens judiciais de penhora. 65 Cláusula Primeira: Este acordo de Cooperação Técnica tem por finalidade fomentar o estudo, promover o intercâmbio das informações e estabelecer a definição, padronização e implantação de procedimentos administrativos e judiciais que permitam maior celeridade, qualidade, segurança, controle e transparência na tramitação dos processos e na prestação jurisdicional aos segurados da Previdência Social e beneficiários da Assistência Social.

93

Recentemente, na comemoração dos cinco anos de existência do CNJ, o ministro

Cezar Peluso assinou mais oito termos de cooperação técnica que tratam de questões

imprescindíveis ao maior alcance das políticas nacionais de fortalecimento do Poder

Judiciário e de sua função socializante 66. É também importante ressaltar o fomento da

pesquisa com o intuito de mapear os problemas do Judiciário e disseminar a produção de

conhecimento voltado ao desenvolvimento do sistema judiciário (CNJ Acadêmico) 67,

programas de cunho estratégico e gerencial voltados ao estabelecimento de metas prioritárias 68, o banco de boas práticas de gestão, o canal de estratégia, a implantação de juizados

especiais nos aeroportos, aproximando a Justiça do consumidor.

Dessa forma, associado à função jurisdicional, está o fortalecimento estratégico no

sentido de padronizar medidas administrativas e estabelecer cooperação mútua entre as

instituições para o bom funcionamento do Judiciário. Tal iniciativa tende também a

estabelecer um novo marco de garantismos processuais e de acesso à justiça, comumente,

restringidos a discussões de reformas legais.

A justiça da prestação, portanto, é a efetividade qualificada do Poder Judiciário. É a

efetividade adjetivada com a inclusão, com a participação em mais um espaço de Poder, é não

só pacificar um conflito - como se aponta ser função tradicional do pretório - mas também

66 CNJ. CNJ comemora cinco anos com assinatura de oito acordos de cooperação. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/index.php?option=com_content&view=article&id=11260>. Acesso em: 17 jun. 2010. 67 CNJ Acadêmico - Programa de Apoio à Pesquisa Jurídica <Disponível em: http://www.capes.gov.br/bolsas/programas-especiais/cnj-academico>. Acesso em: 12 abr. 2010. A iniciativa é uma parceria entre a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por intermédio do Departamento de Pesquisas Judiciárias do Conselho. O CNJ acadêmico apoiará propostas que visem promover e fomentar a realização e a divulgação de pesquisas científicas em áreas de interesse prioritário para o Poder Judiciário nas universidades brasileiras. O objetivo é estimular a criação de linhas de pesquisas e redes de discussão nessas áreas. O CNJ Acadêmico dirige-se às instituições públicas e privadas brasileiras que possuam programas de pós-graduação stricto sensu, reconhecidos pela Capes, com área de concentração ou linha de pesquisa relacionada aos temas especificados no edital. 68 Meta 1: julgar quantidade igual à de processos de conhecimento distribuídos em 2010 e parcela do estoque, com acompanhamento mensal; Meta 2: julgar todos os processos de conhecimento distribuídos (em 1º grau, 2º grau e tribunais superiores) até 31 de dezembro de 2006 e, quanto aos processos trabalhistas, eleitorais, militares e da competência do tribunal do Júri, até 31 de dezembro de 2007; Meta 3: reduzir em pelo menos 10% o acervo de processos na fase de cumprimento ou de execução e, em 20%, o acervo de execuções fiscais (referência: acervo em 31 de dezembro de 2009); Meta 4: lavrar e publicar todos os acórdãos em até 10 dias após a sessão de julgamento; Meta 5: implantar método de gerenciamento de rotinas (gestão de processos de trabalho) em pelo menos 50% das unidades judiciárias de 1º grau; Meta 6: reduzir a pelo menos 2% o consumo per capita com energia, telefone, papel, água e combustível (ano de referência: 2009); Meta 7: disponibilizar mensalmente a produtividade dos magistrados no portal do tribunal; Meta 8: promover cursos de capacitação em administração judiciária, com no mínimo 40 horas, para 50% dos magistrados; Meta 9: ampliar para 2 Mbps a velocidade dos links entre o Tribunal e 100% das unidades judiciárias instaladas na capital e, no mínimo, 20% das unidades do interior; Meta 10: realizar, por meio eletrônico, 90% das comunicações oficiais entre os órgãos do Poder Judiciário.

94

prevenir novos conflitos. E é como elo dessa mudança que o Judiciário encontrará o seu lugar

como Poder atuante.

4.3 Repensando as atribuições dos Poderes do Estado no contexto dos

acordos institucionais

A separação de poderes no Estado brasileiro é tributária de intensas discussões a

respeito da problemática de acomodação das funções, haja vista os constantes e iminentes

choques institucionais entre os Poderes. A situação é ainda mais aguda quando do estudo do

ativismo judicial e da auto-contenção, onde, por intermédio das decisões judiciais, o

Judiciário participa na concretização dos valores e fins constitucionais, com maior

interferência no espaço de atuação dos outros dois Poderes (BARROSO, 2010, on-line) 69.

E não é novidade que, ao ponderar as mais diversas provocações sociais, o STF tem

proferido decisões manifestamente ativistas, influenciando os rumos de questões polêmicas.

As discussões sobre a separação de poderes partem de um pressuposto que, se não é

fantasioso, é, pelo menos, conturbado.

Existe um consenso do que seja interferência de um Poder sobre o outro, mas não se

analisam parâmetros de limites de cada um, talvez achando que a literalidade da Constituição

seria suficiente para defini-la, quando, em verdade, as atribuições elencadas pela Carta Magna

não passam de uma referência a balizar as discussões sobre o constitucionalismo brasileiro.

Zaffaroni (1995, p. 24) afirma que “o limite entre o político e o judicial não pode ser definido

formalmente no Estado Moderno. A justiça moderna não pode ser ‘apolítico’ nesse sentido, e

hoje mais do que nunca deve-se reconhecer que o poder judiciário é governo”.

É um erro grave tomar como base experiências norte-americanas ou alemãs para

constatar o futuro insucesso do ativismo judicial brasileiro. Mais grave ainda, é algo que

sepulta a própria construção do pensamento doutrinário e ideológico. A acomodação das

69 A postura ativista se manifesta por meio de diferentes condutas, que incluem: (i) a aplicação direta da Constituição a situações não expressamente contempladas em seu texto e independentemente de manifestação do legislador ordinário; (ii) a declaração de inconstitucionalidade de atos normativos emanados do legislador, com base em critérios menos rígidos que os de patente e ostensiva violação da Constituição; (iii) a imposição de condutas ou de abstenções ao Poder Público, notadamente em matéria de políticas públicas (BARROSO, 2010, on-line).

95

funções dos Poderes não foi implantada com a promulgação da Constituição de 1988 e, muito

menos ainda, encontra espelho em processos históricos democráticos que em nada se

assemelham ao do Brasil. Não é melhor, nem pior.

É como algo isolado e que parte de postulados assentados que o ativismo judicial no

Brasil é estudado: sem perceber as vicissitudes do processo de disputas que ocorrem na

democracia brasileira e forma como se comportam os Poderes. Ou seria realmente possível

comparar os impulsos da Suprema Corte norte-americana da década de 1950 e 1960 com os

intentos e os questionamentos levados ao crivo do Supremo Tribunal Federal do século XXI?

É bem provável que os contextos não sejam sequer semelhantes.

Portanto é necessário entender a confrontação entre os Poderes e como buscar meios

de harmonizá-los. A sugestão oferecida neste trabalho ressalta a importância do diálogo

institucional, tendo como condutor o Poder Judiciário, haja vista o seu incontrastável

protagonismo, pós- Constituição de 1988 e EC nº. 45/04. O monopólio do acesso à Justiça e a

rejeição aos meios de resolução dos conflitos, perdem espaço para os acordos e as metas,

repercutindo na atuação dos juízes e da sociedade.

Tal mudança de paradigma é necessária, haja vista a desproporcionalidade entre o

número de ações ajuizadas diariamente e do número de sentenças proferidas. Por mais que a

judicialização seja importante para o seu amadurecimento, o Judiciário não conseguirá,

sozinho, arcar com todos os deveres que cabem, paritariamente, aos demais Poderes. Seria

depositar falsas esperanças.

Sob uma perspectiva mais avançada de pensar os deveres da jurisdição, o ato de julgar

não deve mais representar o vértice onde se concentra toda a força locomotiva do Judiciário.

Após a amplitude das atividades judiciárias no contexto da Constituição Federal de 1988,

como também os desacertos judicantes materializados em respostas antiquadas, o Poder

Judiciário acena para outra forma mais eficaz e política de legitimar-se, mas também de

controlar e harmonizar os outros Poderes.

Não há negar o avanço das técnicas formais e do conteúdo humanístico empregado

nas decisões do Supremo Tribunal Federal. Por mais que se critique e questione, a postura do

STF é inegável rechaçar os avanços da jurisdição constitucional, ainda que sejam a passos

lentos.

96

O alargamento dos caminhos que levam à Justiça requer, conforme esposado em

outras ocasiões, a revisão de seu funcionamento e de sua finalidade (FARIA, 2010). Para

tanto, o diálogo entre as instituições e o diálogo entre estas e a sociedade vem sendo o grande

mérito da reforma do Judiciário. A firmação de pactos e o estabelecimento das metas

representam um salto quantitativo e qualitativo na eficácia das medidas tomadas pelo

Judiciário.

Em conjunto com o Executivo e o Legislativo, o Judiciário começa a coordenar uma

política sistemática de reformulação do ordenamento jurídico, propiciando novos ares

institucionais. Apesar da autonomia atribuída pela Constituição a este Poder, somente agora

aparenta exercê-lo com maior vigor. Enclausurado por razões pouco democráticas, o

Judiciário toma forma de um Poder à altura dos demais, apagando uma imagem de

indiferença aos problemas políticos e sociais do país.

O debate institucional evita os choques, comumente, causados pelo ativismo judicial,

eis que o Judiciário atuaria como Poder mediador dos interesses legítimos de cada esfera,

redimensionando problemas, tais como: a inércia do Executivo na consecução de políticas

públicas pensadas em conjunto com outras instituições e a sua cólera legiferante através das

MPs, como pela desordenada produção legislativa que é pouco sistêmica e, por isso, é a

consequência de novos imbróglios que a doutrina e a jurisprudência têm de superar 70.

Fica, certa forma, amenizada a discussão a respeito do poder vinculante das decisões

judiciais em face da atividade típica dos outros Poderes, incitada, por muitos juristas 71, como

verdadeira extrapolação das atribuições do Poder judicante. Ao invés de fazer apelo ao

legislador 72, de determinar a consecução de políticas públicas ou tentar resolver problemas

que, visivelmente, não pertencem a sua esfera de competência, o embate institucional seria

alterado pelo debate institucional.

70 O enfoque a ser dado ao problema da superpopulação prisional transcende os limites pontuais em cada caso, porquanto é macro, sistêmico, mundial e complexo. Não pode ser abordado isoladamente, mas sim receber tratamento conjunto de todos os órgãos setoriais envolvidos dos Poderes Judiciário e Executivo, por meio dos canais competentes, sob pena de usurpação da competência originária para formulação das políticas públicas de Administração Penitenciária, ocasionando violação ao princípio da separação dos Poderes (art. 2º da CF/88) e à cláusula da reserva do possível (APDF 45). Procedimento de Controle Administrativo a que se nega provimento (CNJ – PCA 200810000002397 – Rel. Cons. Jorge Maurique – 60ª Sessão – j. 08.04.2008 – DJU 07.05.2008). 71 72 Ver: MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos fundamentais e jurisdição constitucional. 3. ed.São Paulo: Saraiva, 2007.

97

Chamado a decidir o Judiciário não pode se esquivar dos seus deveres de concretizar a

Constituição. Ultimamente, o STF tomou uma dimensão política considerável e a sua

visibilidade é, inegavelmente, maior do que tempos atrás. Apesar disso, o que se percebe é

que ainda há incertezas com relação ao cumprimento e alcance de seu mister constitucional.

Munido de um ativismo seletivo 73 que, em nossa percepção, garante a esta Corte “não dizer o

direito” quando lhe interessa, mitiga o seu dever e a torna pouco confiável diante dos

obstáculos que o Estado brasileiro necessita vencer.

É evidente que se deve primar pelo aperfeiçoamento dos julgamentos e o

enfrentamento dos hard cases, mas que a discussão não se concentre em uma só das esferas

de deveres do Judiciário, sob pena de continuar a ser visto pelos outros Poderes e pela

sociedade como instrumento auxiliar de resolução de conflitos. Associada a esta força interna

está a criação legislativa, que a cada normatividade (repercussão geral, súmula vinculante,

súmula impeditiva de recursos, a imponência do controle concentrado, reclamação

constitucional etc.) outorga mais poder à função jurisdicional (especialmente ao STF),

desejando que das “bocas dos juízes” saíam as soluções para os problemas da sociedade. Mas,

ao mesmo tempo, cria uma ambiência que pode ser fatal a sua credibilidade se não conduzida

com parcimônia.

Conforme dito em outra ocasião, não é saudável à democracia e ao próprio Poder

Judiciário que toda e qualquer questão política seja deslocada para o campo da decisão

judicial, pois, de um lado, falham os outros Poderes que não querem assumir a

responsabilidade da decisão e, por outro lado, falece, em regra, o Judiciário de condições

materiais para tomar/realizar a decisão política, fatores que são prejudiciais a sua afirmação e

legitimidade. No mesmo sentido, adverte Zaffaroni (1995, p. 33) que:

Nesses casos, o deslocamento do conflito está motivado por uma transferência da responsabilidade à agência judiciária, à qual, por sua maior vulnerabilidade (e menor poder), é mais fácil atribuir-lhe inoperância, ineficácia, negligência, corrupção etc. Diante da frustração se produz a deterioração da imagem pública do poder judiciário, o que legitima qualquer sacrifício das garantias e dos direitos […] Mas, o artificial deslocamento dos conflitos sem solução serve não apenas para elidir responsabilidade e para afastar princípios que jazem nas elementares garantias republicanas, como também termina destruindo a independência judiciária, porque, depois do descrédito, a intervenção dos poderes partidários no judiciário provoca menor resistência pública ou até é recebida com o beneplácito da opinião pública.

73 Cumpre ressaltar, nesse sentido, a ideia de que existe pouco grau de certeza no que toca à prudência argumentativa nas decisões do Supremo, sendo pertinente relembrar as palavras de Carl Schmitt quando se referia ao termo “tirania de valores”.

98

O que se propõe é que as atribuições do Poder Judiciário não devam se restringir à

função jurisdicional como o único instrumento para concretizar o direito, mas que também

viabilize a satisfação dos direitos através dos acordos institucionais (termos de cooperação).

Ou seja, oportunizar o direito sem a necessidade de fomentar a cultura da litigiosidade. Nessa

linha, o Conselho Nacional de Justiça tem sido um forte condutor de políticas judiciárias

voltadas a esta concepção de efetivar direitos a partir de meios de composição de litígios que

escapam dos procedimentos individuais, muitas vezes, dispendioso e demorado.

Há muito, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) vem discutindo formas de solução de conflitos inovadoras para reduzir a judicialização. Em 2008, vários Tribunais Regionais Federais do país assinaram acordo com o Conselho Nacional de Justiça para acelerar a solução de processos relacionados à Previdência Social. Esses acordos envolvem outros órgãos como a Advocacia Geral da União (AGU), a Procuradoria do INSS e os tribunais federais (CNJ, 2010, on-line).

O Judiciário deve buscar soluções preventivas, como também encontrar meios ágeis

para combater os processos que amontoam os gabinetes dos juízes e que trazem prejuízos aos

cofres públicos 74. A partir do mapeamento dos principais sujeitos passivos (entidades

públicas e empresas privadas) seria possível estabelecer uma cooperação para acelerar os

litígios. Outra medida que vem dando resultado é a estipulação de metas para alterar a

legislação processual 75.

A doutrina brasileira necessita, principalmente os novos juristas, repensar sua análise

a respeito da forma de enxergar o que, potencialmente, o Judiciário pode oferecer à

democracia brasileira e não dar voltas incansáveis com o direito comparado para concluir que

a justiça brasileira não pode ser igual à alemã ou à norte-americana.

É importante, nessa linha, analisar o contexto e as propensões do Poder Judiciário de

maneira a problematizar e definir soluções. Nesse ponto, não se negam as experiências

estrangeiras como ferramenta auxiliar para o estudo de impasses que comumente norteiam o

debate sobre as instituições brasileiras. É com esse intuito que o próximo capítulo tratará da 74 Assim também a jurisdição, apesar de ser o meio mais moderno de solução de conflitos, ainda apresenta alguns aspectos negativos tais como a formalidade intrínseca ao devido processo legal, a considerável demanda de tempo para a conclusão do processo e seu elevado custo financeiro, além do descompasso entre as decisões judiciais e a realidade social dos indivíduos (FEITOZA, 2005, p. 69). 75 No mesmo sentido, a Previdência Social e a Advocacia-Geral da União estão propondo o Programa de Redução de Demandas Judiciais do INSS. Estima-se que existam, hoje, 5 milhões de processos contra o INSS. São 180 mil novos processos por mês, a um custo acumulado de bilhões apenas para sua manutenção. Não há orçamento federal que agüente. O motivo da judicialização é a insatisfação do cidadão provocada quando o agente do INSS interpreta a lei com medo de fraudes e acaba sendo exigente demais: nega os pedidos de aposentadoria, os auxílios-doença, os salários-família, as pensões e por aí vamos. Com maior controle da interpretação administrativa das leis, que, atualmente, tem um viés pró-Estado, pode-se reduzir em até 1 milhão por ano o número de processos contra o INSS (FALCÃO, 2010, on-line).

99

questão polêmica que circunda a atividade do Conselho Nacional de Justiça, repensando as

cercanias dos seus limites e a contribuição que a sua atuação pode oferecer ao Judiciário e à

sociedade.

100

5 OS LIMITES DAS ASTRIBUIÇÕES DO CONSELHO

NACIONAL DE JUSTIÇA

Como estrutura detentora de mobilidade autônoma que coordena, fiscaliza e define as

políticas públicas judiciárias, o CNJ investe-se de um poder que, em certas situações, não

encontra o devido acatamento por partes dos atores que compõem a atividade judiciária, seja

por alegação legítima em face de ilegalidade ou inconstitucionalidade, seja também pelo mero

exercício abusivo das garantias proporcionadas pela ordem jurídica.

Após percorrer o contexto da situação do Poder Judiciário e da atividade

desempenhada pelo CNJ, cumpre analisar os seus limites, verificando, a partir da análise

jurisprudencial e doutrinária, o modo como vem se comportando diante das provocações

suscitadas. No mesmo sentido, analisa-se a superelevação do STF e a questão do CNJ como

órgão de cúpula administrativa no âmbito do Poder Judiciário.

De outro modo, o crescimento das demandas administrativas e a postura do CNJ,

tendo por base o princípio da subsidiariedade no sentido de afastar o fantasma da morosidade,

a questão da sua legitimidade judiciária e da resistência da magistratura ante as suas

determinações.

5.1 A competência do STF: acesso à justiça ou excesso de justiça?

Ao iniciar a questão dos limites de atuação do Conselho Nacional de Justiça, não se

pode deixar de analisar a competência do STF, para apreciar a legalidade dos seus atos. O

dispositivo constitucional, inserido no contexto da criação do CNJ, tem por objetivo não só de

funcionar como mecanismo de delimitação jurisprudencial de suas atribuições, mas também

como forma de inibir atos praticados com ilegalidade ou abusividade pelos seus membros 76.

76 Observe-se, no mesmo sentido, a competência do Senado Federal para julgar os conselheiros por crimes de responsabilidade.

101

O art. 102, inciso I, alínea “r” da CF, determina que: “Compete ao Supremo Tribunal

Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: processar e julgar,

originariamente: as ações contra o Conselho Nacional de Justiça e contra o Conselho

Nacional do Ministério Público”. Trata-se, inicialmente, de um dispositivo que integra o rol

da competência jurisdicional do Supremo. O caráter administrativo das decisões do CNJ nos

credencia a dizer que a apreciação por parte do STF não representa a materialização do duplo

grau de jurisdição, mas decorre, precisamente, do princípio da inafastabilidade do Poder

Judiciário.

Isso ficou claro não só pelo teor da própria Emenda nº. 45, como também após a

decisão da ADI nº. 3367-DF, que definiu que os conselheiros do CNJ não se arvoram de

competência jurisdicional propriamente dita, ou seja, não são juízes na acepção de dizer o

direito, muito menos instância recursal.

Ementa Conselho Nacional de Justiça. Ausência de competência jurisdicional originária ou revisora. Impossibilidade de controle do mérito da atividade jurisdicional dos magistrados. Competência constitucional para zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pela observância dos princípios da eficiência (CF, art. 37, caput) e da razoável duração do processo e celeridade (CF, art. 5º, LXXVIII). Demora no julgamento pelo Plenário do Tribunal do Júri atribuída à legislação processual e complexidade do feito. Inexistência de responsabilidade dos magistrados. Arquivamento. (CNJ – PP 16 – Rel. Cons. Alexandre de Moraes – 5ª Sessão – j. 13.09.2005 – DJU 19.11.2005).

Ementa Decisão judicial. Insurgência. Competência do CNJ. – “I) A competência do Conselho Nacional de Justiça, no tocante ao controle dos deveres funcionais dos magistrados, não abrange a mera revisão indiscriminada do conteúdo de decisões judiciais, porquanto para correção de erro de julgamento a lei prevê os recursos cabíveis. II) Recurso Administrativo a que se nega provimento” (CNJ – DOCAV 4289 – Rel. Cons. Min. João Oreste Dalazen – 54ª Sessão – j. 18.12.2007 – DJU 08.02.2008).

Ora, é evidente que o julgamento por parte do plenário do CNJ tem o caráter

administrativo e, portanto, está sujeito à definitividade 77, pois é o órgão de maior investidura

no âmbito da organização administrativa do Poder Judiciário, podendo inclusive avocar

procedimentos de competência disciplinar dos tribunais nos termos do art. 103-B, § 4º, inciso

III da CF 78.

77 “Art. 115, § 6º: Dos atos e decisões do Plenário não cabe recurso”. 78 A avocação de processo disciplinar em curso contra membros do Poder Judiciário ou de seus servidores auxiliares, de suas serventias ou órgãos prestadores de serviços notariais e de registro que atuem por delegação do poder público ou oficializados dar-se-á mediante representação, dirigida ao presidente, fundamentada de qualquer membro do Conselho, do procurador-geral da República, do presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil ou de entidade nacional da magistratura (SAMPAIO, 2007, p. 300).

102

A garantia de rever esta decisão decorre do dever inafastável de prestar a jurisdição e

não do duplo grau. A partir do simples esforço interpretativo do comando supramencionado

(art. 102, I, “r”), percebe-se que a atribuição do STF diz respeito ao exercício de uma função

jurisdicional e não administrativa, apesar do poder de controlar esta. Em segundo lugar, a

alínea faz referência à competência para apreciar ação e não recurso, justamente, porque a

decisão do CNJ é investida de caráter administrativo.

Em princípio, caberia ao próprio Poder Judiciário, através do CNJ (órgão

administrativo), a prerrogativa de rever os seus atos, não compreendendo, via recurso

administrativo, a reapreciação da matéria pelo Supremo, ou seja, este órgão não detém

competência recursal para reapreciar medida administrativa tomada pelo CNJ. A competência

constitucional, como instância administrativa superior, pertence com exclusividade ao

Conselho.

Pergunta-se, então: caberia, a partir da disposição do art. 102, I, “r”, ao STF adentrar

no mérito de decisão administrativa em processo disciplinar no CNJ, por via de ação judicial

(mandado de segurança, por exemplo), para desconstituí-la? Apesar de ser órgão do

Judiciário, o CNJ pratica, no momento de aplicação de sanção disciplinar, ato prioritário da

Administração Pública e não ato jurisdicional. Dessa forma, existiria algum limite de

apreciação por parte do STF?

Em regra, os limites de atuação do STF se restringem à análise da legalidade e

legitimidade do ato, ou seja, o STF teria competência, por exemplo, para: determinar a

nulidade disposição de regimento interno ou de resolução, dizer se houve malferimento à

cláusula do devido processo legal procedimental, declarar o que não é da competência do

CNJ, julgar os membros do Conselho por ato praticado em dissonância com os princípios

constitucionais ou com as leis infraconstitucionais, determinar o cumprimento de suas

decisões judiciais. Nesse sentido, o ministro Gilmar Mendes ressalta que:

[…] a ordem constitucional assegura ao Conselho Nacional de Justiça espectro de poder suficiente para o exercício de suas competências (art. 103-B,CF/88), não podendo esta Corte substituí-lo no exame discricionário dos motivos determinantes de suas decisões, quando estas não ultrapassem os limites da legalidade e da razoabilidade (MS 26.209/DF).

Outro aspecto que estabelece limite à atividade do Conselho Nacional de Justiça é o

exercício do controle concentrado. Em respeito ao princípio da supremacia da Constituição,

os atos normativos deste Conselho estão circunscritos à verificação in abstracto pelo STF.

103

Nesta senda, os legitimados, nos termos do rol do art. 103 da CF, terão a oportunidade de

questionar (ADI) ou mesmo confirmar (ADC) a constitucionalidade de suas resoluções,

questionar ofensa à preceito fundamental (ADPF) ou omissão inconstitucional (ADI-O) 79. De

todo modo, percebe-se o forte controle que a Suprema Corte exerce sobre o CNJ, acumulando

tarefas em excesso. Carvalho (2006, p. 108), ao fazer um breve apanhado comparativo a

respeito do controle externo sobre o Poder Judiciário, aponta essa forte influência:

No entanto, é possível afirmar, apesar da recente vitória do Conselho impondo o fim do nepotismo, que o Conselho brasileiro não é dotado da capacidade de interferência administrativa de seus congêneres europeus. Ele nasce sob tutela do STF. Cabe ao STF suprir a ausência de indicações para o Conselho, presidir o Conselho por meio de um de seus membros, julgar as infrações penais contra os membros do Conselho e julgar as ações contra as decisões do Conselho. Em outras palavras, o STF no Brasil, além de ser o vértice hierárquico do sistema recursal e o guardião da constitucionalidade, acumula também a função de revisor da atividade administrativa e disciplinar do CNJ. Em palestra na APAMAGIS (Associação Paulista de Magistrados), em 18/03/2005, o então ministro Antônio de Pádua Ribeiro, do STJ (Superior Tribunal de Justiça), afirmou que: “Não existe no mundo, ao que se saiba, corte com tantos poderes”. Segundo ele, os poderes do Supremo são ainda mais amplos porque a Constituição teria se tornado uma “colcha de retalhos”: sempre é possível aflorar uma questão constitucional.

Não bastasse o reduzido papel político, que contrasta com o imenso acúmulo de

atribuições administrativas, o governo do Judiciário brasileiro ainda tem de esbarrar na

apreciação do STF, que além de deter uma vasta competência constitucional (art. 102, CF) e

jurisprudencial (através da suscitação da questão constitucional), é o detentor da presidência

do Conselho, criando a idéia de que este órgão de cúpula se confunde com o próprio Poder

Judiciário. Nesse sentido, discordamos do posicionamento de Bulos ao afirmar que:

O CNJ é apêndice do STF, no sentido de parte acessória, mas distinta pela sua forma ou posição, de importância menor se comparada a ele, submetida à sua magnitude. Numa palavra, é o Supremo Tribunal Federal, e não o Conselho Nacional de Justiça, o órgão de cúpula jurisdicional, administrativa, financeira e, também, disciplinar do Poder Judiciário brasileiro (2010, p. 1319).

Primeiro porque o CNJ não é apêndice do STF, mas do Poder Judiciário nacional.

Segundo porque não é pertinente fazer comparações quanto às funções de ambos, pois são

distintas. Uma é jurisdicional (apesar do STF ter autonomia para definir sua organização

interna) e a outra é administrativa (ou seja, tanto o poder de auto-organização, como o de

definição de diretrizes para os tribunais). Seria o mesmo que dizer que os parafusos que

apertam a fuselagem de um avião são menos importantes que as hélices. Terceiro, o fato das

79 As duas últimas situações ainda não foram observadas, entretanto, não é pertinente descartar a possibilidade de ajuizamento da ADI por omissão e da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF).

104

decisões do STF vincularem o CNJ, não importa dizer que aquele detém sobre este uma

hierarquia administrativa.

Nessa esfera de competência existe um misto de medo e contradição. Numa análise

superficial poderíamos dizer que tal competência é inevitável, pois torna-se o moderador do

exacerbamento das prerrogativas do CNJ, ao passo em que evita o risco de prejudicar a

independência dos juízes. De maneira contraditória, o CNJ, órgão de controle que compõe o

Judiciário e que foi criado para fortalecer a autonomia e a independência dos seus membros, é

submetido a um órgão, apontado por muitos, de extrapolar suas próprias atribuições pela falta

de critério em suas decisões e força dos instrumentos processuais (repercussão geral e súmula

vinculante).

No mesmo sentido, cria-se um controle interno que preza pela heterogeneidade de

seus 15 membros e que tem, em sua composição escolhida democraticamente (apesar do crivo

senatorial), uma maioria justificável (preservar a independência) de magistrados ainda tem de

conviver com um controle de legalidade dos seus atos. Por que não teria autonomia para

tomar decisões no âmbito da administração da Justiça? Temos uma constatação pior: o órgão

composto majoritariamente por magistrados de carreira, responsável por controlar

“democraticamente” o Judiciário, é controlado por uma cúpula que contém em sua

composição, no presente momento, apenas um juiz de carreira. Se o CNJ não tem autonomia

para promover a independência, por qual motivo teria o STF? A desconfiança quanto à

criação e atuação do CNJ foi e é tamanha que se chega a duvidar se ele é órgão interno ou não

do Judiciário.

Não se questiona o controle concentrado das resoluções, mas a possibilidade de

privilegiar a litigiosidade judicial para resolver as controvérsias, materializando mais uma via

de provocação do Supremo e uma forma de desfavorecer a autonomia do Conselho Nacional

de Justiça. Isso fica evidente quando analisamos estruturalmente a questão.

Ora, tem-se, inicialmente, um controle administrativo dos tribunais e todos os recursos

inerentes à ampla defesa e ao contraditório. Posterior e possivelmente, uma análise supletiva

por parte do CNJ e sua sistemática procedimental estabelecida na Resolução nº 30 e em seu

regimento interno. Não satisfeito com a decisão, o prejudicado ainda tem a oportunidade de

105

ajuizar ações no Supremo para questionar as decisões proferidas em duas instâncias

administrativas. Isso é garantia à justiça ou excesso de intervenção? 80

Entendemos que o presidente do STF, que é o mesmo do CNJ, não possui somente

uma função simbólica de intervenção do maior órgão de cúpula do Judiciário nas atividades

administrativas do Conselho, coordenando as sessões e as ações, mas também servindo como

feedback das preocupações do STF a respeito das medidas do CNJ e vice-versa.

Regulada e fortalecida as suas atribuições e a dos Tribunais e estabelecido o diálogo

institucional interna e externamente, evitar-se-ia constantes provocações. Ou isso, ou seremos

forçados a dizer que a EC 45/2004 criou mais uma “atribuição recursal” para o Supremo,

onde as prerrogativas constitucionais do CNJ se fundem em decisões daquela Corte, ou seja,

não valem por si só (seja no âmbito da legalidade ou mesmo do mérito) como desejou o

legislador derivado.

Dessa forma, o presidente, como representante do STF, deve manifestar a vontade dos

outros ministros e não agir pensando que fala por todo o Judiciário e com excesso de livre

convencimento, característica comum à atividade jurisdicional daquele órgão.

Administrativamente, quem incorpora a voz de todo o Judiciário é o pleno do CNJ, pela

junção de todas as representatividades da sociedade e das carreiras integrantes.

Corroboramos com a prática do Consejo General Del Poder Judicial (CGPJ)

espanhol que não sofre tal controle de legalidade dos seus atos pelo Tribunal Constitucional,

devendo, entretanto, apresentar memória anual a respeito do funcionamento e da atividade do

Judiciário, ressaltando as questões dos recursos humanos, físicos e orçamentários. Nos termos

do art. 109 da Lei Orgânica da magistratura espanhola, o CGPJ deverá elaborar, anualmente,

relatório sobre “el estado, funcionamiento y actividades del proprio Consejo y de los

Juzgados y Tribunales de Justicia”.

O referido relatório tem por finalidade lograr a inserção dos juízes na realidade social,

eliminar práticas indevidamente sigilosas, fazer cumprir os deveres administrativos

(assistência, horário, residência), exigir o rigoroso cumprimento das garantias do processo

(prazo razoável, publicidade e oralidade) etc. (GRANDA, 1993, p. 156-157).

80 José Maria Rosa Tesheiner diz que o princípio da inafastabilidade do Poder Judiciário surgiu do desejo de defender o indivíduo contra o Estado. Contudo alerta – com certa ironia – para alguns exageros que podem se converter no princípio da onipresença do Judiciário (PORTANOVA, 2005, p. 83).

106

Uma outra questão a ser enfrentada para além da regulação constitucional e do

entendimento assentado pelo STF, porque é imponente à preservação da democracia e dos

intentos do constitucionalismo brasileiro, é saber porque a atuação do CNJ não alcança os

ministros do Supremo, ou um outro questionamento ainda mais perturbador: quem controla o

STF? Se aquele é um controle que pertence à própria organicidade do Judiciário, por que o

STF estaria, totalmente, excluído do crivo dos seus pares? Afinal quem está fora da estrutura

do Poder Judiciário? Os dois ou nenhum deles?

Nessa situação, parece existir um embate entre hierarquia jurisdicional e hierarquia

administrativa. Valendo-nos de exemplo simples, se o CNJ determinasse, no âmbito de todos

tribunais, o racionamento de gastos com energia ou o julgamento dos processos distribuídos

até 2003, de que argumento o STF poderia se valer para não cumprir tal meta? Independência,

hierarquia ou simplesmente invocar a sua decisão no sentido de que não necessita

harmonizar-se ao sistema para legitimar seus atos? Porque o STF não teria o dever de

observar medidas administrativas?

Em regra, a Constituição teria o papel de estabelecer limitação, no entanto, é sabido

que a realidade vai mais além do que o imaginário do Constituinte, sendo aquela incapaz por

si só, muitas vezes, de estabelecer freios. Prova disso é que, em termos interpretativos, essa

limitação é mitigada pelo entendimento desta Corte em dizer, objetivamente, que fala pela

boca da Constituição, como se detivesse, com exclusividade, o monopólio da interpretação do

texto constitucional 81. Falcão (2006, p. 117) adverte com clareza que:

Se considerarmos o nosso Supremo Tribunal Federal não do ponto de vista do seu poder jurisdicional, mas da perspectiva de seu poder administrativo, veremos que ele não detém competência para impor seu modelo de gestão aos demais tribunais do país. A hierarquia jurisdicional não se traduz em hierarquia gerencial.

Não há, portanto, alcance interpretativo lógico que afirme o poder implícito,

outorgado pela Constituição, pertinente a definir que o Supremo detém a última palavra em

organização judiciária e que, por consequência, não poderia se submeter às diretrizes de

gestão administrativa do CNJ.

A limitação das atividades administrativas do CNJ é mais uma carta na manga

(tirania de valores na acepção de Carl Schmitt) utilizada pelo Supremo, que engenhosamente

81 Nesse sentido ver: HÄBERLLE, Peter. Hermenêutica Constitucional. A sociedade aberta dos intérpretes da Constituição: contribuição para uma interpretação pluralista e procedimental da Constituição. Tradução: Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Editora Sérgio Antônio Fabris, 1997.

107

confunde atribuições de última instância recursal com última instância administrativa. Se

assim fosse, poderíamos considerar inconstitucional a disposição do regimento interno do

CNJ que determina a irrecorribilidade de suas decisões plenárias (art. 115, §6º). Assim, do

descontentamento das suas decisões caberia recurso administrativo para o STF, detentor do

direito de dizer a última palavra também em matéria de administração judiciária.

5.2 O princípio da subsidiariedade no contexto da competência do CNJ

Após sua criação, o CNJ passou a ser o destino das mais controversas questões acerca

da atuação dos membros do Poder Judiciário. Por um lado, tal situação corroborou para

assentar as bases de sua legitimidade, passando a ser, em muitos casos, o condutor de

mudanças e posicionamentos adotados na esfera da administração judiciária, como também

coordenando medidas disciplinares de modo a fortalecer a independência e a dignidade da

magistratura brasileira e, inevitavelmente, sofrendo o controle judicial dos seus atos pelo

Supremo. Por outro lado, a provocação deste Conselho para a resolução dos mais variados

problemas centrais e periféricos do Judiciário, tornou-se um estigma que o CNJ não quer, não

pode e nem deve carregar.

Essa procura vem confundindo as atribuições do CNJ, umas vezes observado como

mediador e instância recursal 82, outras como o único competente para conhecer e apreciar dos

procedimentos administrativos. Nesta senda, a sua jurisprudência, em muitas ocasiões (ver

dados), tem se restringido a definir a sua incompetência sobre questões que, em verdade, não

estão sob o seu domínio.

82 PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO Nº. 2009.10.00.001944-4. RELATOR: CONSELHEIRO TÉCIO LINS E SILVA. REQUERENTE: SINDICATO DOS SERVIDORES DO PODER JUDICIÁRIO NO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO – SINDIJUDICIÁRIO – ES. REQUERIDO: CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO. ASSUNTO: DESCONSTITUIÇÃO DE ATO ADMINISTRATIVO – TJES – ABONO – PONTO – SERVIDORES – PARTICIPAÇÃO – EVENTOS – ENTIDADE DE CLASSE – LEI COMPLEMENTAR ESTADUAL/ES 46/94 – PRINCÍPIOS – LIBERDADE ASSOCIATIVA – RAZOABILIDADE – ISONOMIA. […] Dessa maneira, por não ser o CNJ instância recursal da Corregedoria Geral do Estado do Espírito Santo, e por não vislumbrar qualquer ilegalidade no entendimento firmado pela Autoridade requerida quanto à necessidade de indicação prévia pela entidade a que pertença, a garantir o abono de falta do servidor, julgo improcedente o presente procedimento de controle administrativo. Decisão unânime.

108

Fora os assuntos que chegam para apreciação, que a própria Constituição Federal,

sistematicamente, não lhe conferiu competência alguma 83, outras questões que não estão

correlacionadas com medidas administrativas que importem diretamente na promoção da

dignidade da justiça, assoberbam a distribuição deste órgão, como também centralizam os

problemas no CNJ.

No sentido de definir seus deveres, os conselheiros, em suas decisões, reforçam a

natureza jurídica do CNJ, esclarecendo, com apoio no regimento interno, na LOMAN, na

Constituição e nas decisões do STF, o âmbito de sua atuação. O ex-conselheiro Antonio

Umberto de Souza Júnior, no Pedido de Providência (PP) nº. 200810000023194 assevera o

direcionamento da jurisprudência, temendo, essencialmente, concentração de poder

desnecessária nas mãos do Conselho e o desprestígio das corregedorias:

A criação do Conselho Nacional de Justiça não gerou o extermínio ou obsolescência dos órgãos locais de controle. Daí porque este Conselho tem filtrado os casos merecedores de sua atenção e atuação, excluindo, em suma: a) questões previamente submetidas a ação judicial; b) questões individuais sem potencial de repercussão geral; c) questões confinadas a determinado tribunal ou ramo do Judiciário; d) questões resolvidas administrativamente por outros órgãos judiciários em que se discuta mero juízo de discricionariedade.

A questão fundamental, em minha visão, não é evitar a avalanche de procedimentos administrativos, mas evitar a unicidade dos órgãos de controle do Poder Judiciário. Ora, dada a sua posição na topografia do sistema judiciário nacional (CF, art. 92, I-A), não é preciso ser adivinho para vaticinar que a ausência de filtros de admissibilidade conduziria ao desprezo dos sistemas locais, em uma verticalização desnecessária e desprestigiadora do papel das corregedorias e demais órgãos locais. Neste sentido:

PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. DESCONTO EM VENCIMENTOS DE MAGISTRADO. RESTITUIÇÃO AO ERÁRIO. IRREGULARIDADES APONTADAS PELO TCU. DISCUSSÃO SOBRE A FORMA DE DESCONTO. ATUAÇÃO SUBSIDIÁRIA DO CNJ. IMPROCEDÊNCIA. I – A atuação do CNJ é subsidiária às instâncias de origem, mormente nos casos que não justifiquem intervenção. II – Procedimento de Controle Administrativo indeferido (CNJ, PCA 578, MAURIQUE, j. 11.9.2007, DJU 27.9.2007).

PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. POSSIBILIDADE DE FISCALIZAÇÃO DOS ATOS ADMINISTRATIVOS NECESSÁRIOS PARA EVENTUAL REGULARIZAÇÃO PELO CONSELHO SUPERIOR DA JUSTIÇA DO TRABALHO, COM COMPETÊNCIA CONSTITUCIONAL PREVISTA NO ART. 111-A, § 2º, INCISO II E REGULAMENTADA NO ART. 5º DE SEU REGIMENTO INTERNO. Previsão regimental e discricionária de atuação supletiva do Conselho Nacional de Justiça, quando necessário for. Remessa dos autos ao Conselho Superior da Justiça do Trabalho. (CNJ, PCA 204, ALEXANDRE, j. 29.8.2006, DJU 15.9.2006).

83 Tem-se como exemplo: forçar aos Estados a praticarem políticas públicas na reordenação do sistema carcerário, interferir no mérito das decisões judiciais, servir de instância recursal administrativa ou judicial etc.

109

RECURSO ADMINISTRATIVO. PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. ATO DE AUTORIDADE JUDICIÁRIA SUJEITO A CONTROLE POR ÓRGÃO LOCAL. INCOMPETÊNCIA DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE. Não cabe, como regra geral, a intervenção do Conselho Nacional de Justiça para controlar ato de autoridade judiciária sujeito a supervisão de órgão local. A criação do Conselho Nacional de Justiça não eliminou as instâncias locais de controle que, salvo nos casos de morosidade ou irregularidade, devem ser prestigiadas. Incidência do princípio da subsidiariedade. Precedentes. Recurso conhecido e improvido. (CNJ – PCA 27345 – Relator Conselheiro Antonio Umberto de Souza Junior – 80ª Sessão Ordinária de Julgamento).

Assim, o CNJ estabelece como parâmetro de apreciação o princípio da

subsidiariedade, ou seja, em regra não terá competência para apreciar qualquer questão, mas

aquelas que guardem relevância geral ou que tenham correlação com a atuação dos órgãos

correicionais inferiores ou quando se relacionem com a autoridade de suas determinações. Às

vésperas de tomar posse na presidência do CNJ, o ministro Gilmar Mendes deixou bem claro

a necessidade da adoção de tal princípio, pois, segundo ele, não cabe ao CNJ dar resposta a

angústia tópica que mora em cada processo (Gilmar…, 2010, on-line).

Imaginar que a competência administrativa do CNJ poderia se estender

indiscriminadamente para averiguar qualquer questão da mesma natureza no âmbito do Poder

Judiciário resultaria numa auto-anulação para as atribuições de maior relevância ao

aprimoramento da atividade jurisdicional. Toma-se como exemplo a possibilidade de apreciar

questões oriundas da jurisdição voluntária ou administrativa ou mesmo, ordenar

arbitrariamente por intermédio de decisões plenárias, providências que importem a

consecução de políticas públicas ou interferir, desnecessariamente, na autonomia dos

tribunais 84. Marques Lima assevera que:

[…] para harmonizar-se com o princípio da autonomia dos tribunais, sua atuação primordial deve cingir-se a determinar providência aos órgãos competentes

84 Pedido de intervenção do CNJ para a instalação de novo foro “A Constituição Federal cometeu ao Conselho Nacional de Justiça o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário (art. 103-B, § 4º). Todavia não permitiu sua intromissão nas questões interna corporis desse Poder. Pelo contrário, o art. 99 da CF/88 assegura ao Poder Judiciário autonomia integral, seja no âmbito administrativo como financeiro. A Este Conselho caberá apenas o controle dos atos administrativos praticados. Aliás, o § 4º, inciso I do art. 103-B da Magna Carta reiterou que ao CNJ compete “zelar pela autonomia do Poder Judiciário”. Ora, a instalação de novas unidades jurisdicionais e cartorárias enquadra-se nessa autonomia referida, pois somente a administração local poderá dimensionar a necessidade e oportunidade dessa instalação, frente a inúmeras outras unidades criadas, e o limite de gastos e comprometimento de pessoal e material, sabido que no Estado de São Paulo há mais de duas centenas de varas e foros criados por lei aguardando instalação. Apenas a administração da Corte poderá avaliar se há recursos suficientes; servidores disponíveis; magistrados em número que comporte o crescimento do complexo judiciário e, ademais, se o acréscimo de despesas não ultrapassa o limite de despesas estabelecido na Lei de Responsabilidade Fiscal. São questões internas nas quais não cabe ao CNJ imiscuir-se” (CNJ – PP 200910000002780 – Rel. Cons. Rui Stoco – Decisão monocrática – j. 10.02.1009).

110

(subsidiariamente) e só agir diretamente, em caso de não cumprimento da determinação ou de ineficácia da providência adotada (2005, p. 84).

Deverá ter, como administrador que é, nesse último caso, ponderação nos meios

utilizados para alcançar os melhores fatores estruturais e de operacionalidade no Judiciário,

sob pena de se estar depositando falsas esperanças ao levar ao seu crivo questões que não

teria aparato material para fazer cumprir. Seria, tão somente, criar um problema para os

tribunais e para o próprio Conselho Nacional de Justiça. O ministro Carlos Velloso, na

discussão sobre a constitucionalidade do Conselho, externou a sua preocupação com relação a

sua ampla atribuição constitucional:

A esse compete originariamente, ou de forma supletiva, o controle disciplinar dos magistrados. De todas as atribuições do novo órgão, esta é certamente a mais complexa. O Conselho terá competência para receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Poder Judiciário, inclusive contra os prestadores dos serviços notariais e de registro. O dispositivo é preocupante. Atuam, no Brasil, cerca de doze mil juízes e um número enorme desconhecido de funcionários do foro judicial e do extrajudicial. O gigantismo do Judiciário brasileiro vai gerar um grande número de representações, se não for criada uma estrutura moderna e eficiente, o Conselho Nacional de Justiça corre o risco de cair no descrédito, de cair no ridículo – como dizia a pouco o eminente Ministro Sepúlveda Pertence, com a sua argúcia, o Supremo vai, as prebendas vão avolumar-se nesta Casa (BRASIL, STF, on-line).

A discricionariedade administrativa, portanto, seria o filtro utilizado para conhecer das

questões, podendo inclusive avocá-las (atribuição derivada), a depender da relevância 85.

Nesse sentido, o conselheiro Paulo Lôbo reforça que mesmo com o surgimento do Conselho

não houve diminuição da competência dos tribunais, o que alarga ainda mais o campo de sua

discricionariedade. Segundo informações no 1º Relatório Trimestral da Ouvidoria/CNJ

Fevereiro, Março e Abril de 2010, grande parte das suscitações foi encaminhada aos

Tribunais por não comporem objeto de providência por parte do CNJ:

As reclamações, sugestões e críticas que não se referem a providências a cargo do Conselho Nacional de Justiça têm sido encaminhadas aos órgãos responsáveis, comunicando tal providência ao interessado. A maior parte dos encaminhamentos (96,66%) teve como destinatários as Ouvidorias Judiciais e Corregedorias dos Tribunais. Essas demandas tratam de atrasos em movimentações processuais e questões específicas dos órgãos jurisdicionais. Quando necessário orienta-se ao demandante que dirija seu questionamento ao CNJ.

Das mais de 5804 demandas que bateram às portas do CNJ, 99,66% foram dirigidas

aos Tribunais competentes. Pode-se afirmar, a partir desses dados, que o CNJ estaria se

85 As reclamações e as denúncias relativas aos magistrados e aos serviços judiciários devem ser feitas ao Ministro-Corregedor. Em qualquer caso, o requerimento e a informação devem receber protocolo e deliberação. Essa atribuição não anula a competência disciplinar e correicional dos Tribunais. É, ao contrário, a ela concorrente até que se resolva avocar o processo em trâmite, quando a sua sorte ficará nas mãos do Conselho (SAMPAIO, 2007, p. 296).

111

isolando das provocações, passando a ter uma função meramente contemplativa. Entretanto é

relevante observar que, como órgão de cúpula coordenativa, a sua função ultrapassa a

resolução de questões pontuais pertinentes à competência administrativa dos Tribunais e

também que seria humanamente impossível absorção toda e qualquer situação.

Do contrário, num futuro bem próximo, o Conselho estará às voltas com requisitos de

admissibilidade 86 ou até mesmo súmulas vinculantes, tendo em vista o ritmo crescente de

demandas e o consequente acúmulo de processos. Os exemplos a sua volta (Tribunais

Superiores e STF ensinam a necessidade de rigor para a apreciação meritória dos pleitos,

devendo concentrar forças aos enfrentamentos mais relevantes à Justiça.

Destarte faz-se necessário fortalecer as atividades dos Tribunais, exigindo das

corregedorias e ouvidorias o cumprimento de suas funções, como também o fomento de

políticas de conhecimento e divulgação dos serviços disponibilizados pelos órgãos de

controle interno dos Tribunais. A autonomia dos Tribunais e o funcionamento dos seus órgãos

passam, portanto, por uma revisitação de suas atribuições, onde as políticas públicas do CNJ

possuem fundamental importância na revitalização de tarefas que assoberbam a distribuição

do Conselho.

5.3 O CNJ em juízo: definições e limites

A Constituição Federal explicitamente definiu a legitimidade passiva do CNJ perante

o Supremo Tribunal Federal, conforme dispõe o art. 102, I, “r”, cabendo-lhe em última e

única instância determinar a legalidade e a constitucionalidade de sua atuação, ou seja, a

validade de suas decisões e atos normativos estará sujeita ao controle judicial. O que se pode

depreender dessa disposição é a legitimidade judiciária do CNJ 87 (no pólo passiva e também

no ativo), podendo ser réu, mas também de ajuizar ações face ao dever de zelar pelos

princípios da Administração Pública e, consequentemente, para a observância de suas

decisões também perante o STF.

86 Com relação ao tema o art. 89 dá indicativas para a construção jurisprudencial de requisito de admissibilidade que leva em conta o nível da repercussão geral da suscitação. 87 Quanto aos órgãos públicos, despersonalizados mas com prerrogativas próprias (Mesas de Câmaras Legislativas, Presidências de Tribunais, Chefias de Executivo e de Ministério Público, Presidências de Comissões Autônomas etc.), a jurisprudência é uniforme no reconhecimento de sua legitimidade ativa e passiva para impetrar mandado de segurança (não para ações comuns), restrito à atuação funcional e em defesa de suas atribuições institucionais (MEIRELLES, 2009, p. 28).

112

Pensando em otimizar a sua presença em juízo, o CNJ, em janeiro de 2010, firmou

acordo de cooperação técnica com a Advocacia-Geral da União para que esta, durante o prazo

de sessenta meses, disponibilize advogados públicos para funcionar, no âmbito administrativo

e judicial, como representantes dos interesses do CNJ. Uma das finalidades principais do

acordo é “aprimorar a representação judicial da União nas causas de interesse do CNJ e de

seus agentes públicos, por parte da AGU, estabelecendo formas de colaboração entre os

partícipes que previnam e solucionem eventuais conflitos na tutela dos interesses da União”

(AGU, on-line).

Para o ex-conselheiro Joaquim Falcão o termo de cooperação reforçará a exigibilidade

das medidas do CNJ: “Espero que a AGU não atue apenas na defesa passiva, mas seja

proativa e provoque o Supremo em caso de desrespeito às resoluções do CNJ. O conselho

vive uma fase delicada, porque muitas decisões simplesmente são ignoradas” (O Estado de

São Paulo, on-line).

É importante firmar o caráter subsidiário e restrito de sua legitimidade ativa para

litigar, pugnando, primordialmente, pela resolução, em caso descumprimento dos seus atos,

na esfera administrativa, deixando ao cargo do Ministério Público o dever de punir os ilícitos

praticados na esfera cível e penal (art. 103-B, §4º, inciso IV, CF). No entanto, dos atos

(comissivos ou omissivos) praticados pelos órgãos judiciários e demais serviços em

dissonância com as ordens administrativas do CNJ (ou seja, matérias que guardem pertinência

temática com os seus fins institucionais) e que, consequentemente, importem desrespeito ao

art. 37 da CF, caberão o ajuizamento de ações mandamentais (primordialmente o mandado de

segurança) perante o STF, sem prejuízo das sanções administrativas perpetradas por este

Conselho.

Segundo levantamento de dados publicados no site do STF, verificou-se que o CNJ

responde, ou respondeu, por mais de 800 ajuizamentos pelas mais diversas camadas e

representações de classe. Para se ter uma ideia aproximada foram ajuizados, especificamente:

703 mandados de segurança, 40 reclamações constitucionais, 25 ações direta

inconstitucionalidade, 1 Ação Direta de inconstitucionalidade e 31 petições diversas. As

referidas ações questionam a legalidade de atos praticados em procedimentos administrativos,

o descumprimento pelo CNJ de decisão proferida pelo STF, a constitucionalidade de suas

resoluções etc.

113

Limitando o campo de análise dessas ações, até porque tecer minúcias sobre cada

impetração demandaria outro trabalho monográfico, priorizamos a elaboração do quadro das

ADIs, haja vista a amplitude das repercussões causadas pelas resoluções do CNJ que têm

gerado alguns abalos sísmicos institucionais.

ADIs

PÓLO ATIVO

QUESTÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE

SUSCITADA/RESULTADO

N.º 3823 PGR MEDIDA LIMINAR DEFERIDA – SUSPENSÃO DA EFICÁCIA DA RESOLUÇÃO 24/2006/CNJ.

Nº. 3821 PGR

AÇÃO PREJUDICADA (PERDA SUPERVENIENTE DO SEU OBJETO) – CONTRA RES. 13/2006 E RES. 25/2006.

Nº. 4145 PGR

CONTRA A RESOLUÇÃO 59/2008 DO CNJ.

Nº. 4412 AMB

CONTRA O ART. 106 DO REGIMENTO INTERNO DO CNJ.

Nº. 4394 AMB

CONTRA A RESOLUÇÃO 48/2007 DO CNJ.

Nº. 4410 AMB CONTRA OS ARTS. 1º, 7º E 11 DA RESOLUÇÃO 71/2009 DO CNJ.

Nº. 4392 AMB CONTRA A RES. 87/2009.

Nº. 3854 AMB

MEDIDA LIMINAR DEFERIDA - SUSPENSÃO DO ART. 2º DA RESOLUÇÃO 13/2006/CNJ E ART. 1º, §ÚNICO DA

RES. 14/2006.

Nº 4260 ANAMATRA, AMB, AJUFE CONTRA A RESOLUÇÃO 82/2009 DO CNJ.

ANAMATRA EM FACE DA RESOLUÇÃO 30 DO CNJ.

Nº. 4358 ANDES

RELATOR: ILEGITIMIDADE DESSA REPRESENTAÇÃO – CONTRA ARTS. 1º, 2º, 3º DA RES. 88/2009.

Nº. 4313 ANDES CONTRA A RES. 72/2009.

Nº. 4014 ANAMAGES EM FACE DO ART. 2º DA RESOLUÇÃO 13/2006/CNJ E ART. 1º, §ÚNICO DA RES. 14/2006.

114

Nº. 3617 ANAMAGES CONTRA OS ARTS. 1º, 2º, 3º E 5º DA RESOLUÇÃO 07/2005.

Nº. 4311 ANAMAGES EM FACE DA RESOLUÇÃO 83/2009 DO CNJ.

Nº. 4266 ANAMAGES CONTRA A RESOLUÇÃO 82/2009 DO CNJ.

Nº. 4344 ANAMAGES CONTRA A RES. 87/2009.

Nº. 4312 ANAMAGES

APENSO AOS AUTOS ADI/4355 PARA JULGAMENTO EM CONJUNTO – ART. 2º, P.2º DA RES. 88/2009.

Nº. 4355 MESA DIR. DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DE PERNAMBUCO E

ANAMAGES

CONTRA A RESOLUÇÃO 88/2009 DO CNJ.

Nº. 3632 MESA DIR. DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE MATO

GROSSO

NEGOU SEGUIMENTO POR FALTA DE LEGITIMIDADE AD CAUSAM – CONTRA A RES. 07/2005.

Nº. 3633 MESA DIR. DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE MATO

GROSSO

EM FACE DO ART. 2º E §ÚNICO DO ART. 5º DA RES. 06/2005 DO CNJ.

Nº. 4256 GOVERNADOR DO ESTADO DO PARANÁ

EM FACE DO ART. 1º DA RES. 48/2007.

Nº. 3820 GOVERNADOR DO ESTADO DO PERNAMBUCO

CONTRA A RESOLUÇÃO 06/2005 DO CNJ.

Nº. 4219 OAB CONTRA A RES. 11/2006 DO CNJ E RES. 29/2008 DO CNMP.

Nº. 4300 ANOREG CONTRA DISPOSITIVOS DAS RESOLUÇÕES 80 E 81 DE 2009.

O que se pode depreender é que existe uma considerável insatisfação quanto aos

limites das resoluções do CNJ. E como estas tratam, principalmente, da regulação da

atividade dos magistrados, não causaria espanto dizer que 65% destas ações são oriundas da

referida categoria, sendo a Associação Nacional de Magistrados Estaduais (ANAMAGES) a

que mais ajuizou ADIs. Sampaio, ao fazer um estudo comparativo com o Conselho espanhol,

informa que, além de ter um campo de atuação mais reduzido, o legislador exige que:

[…] os projetos de regulamento devem ser submetidos à consideração das associações profissionais de juízes e magistrados e às entidades corporativas profissionais e de outra natureza que tenham legalmente reconhecida a representação dos interesses que possam ser afetados pelos regulamentos, além de ouvir o Ministério da Justiça e, se for o caso, as comunidades autônomas (2007, p. 278-279).

115

A partir dessa ideia, as representações de magistrados brasileiros poderiam manter

comissões para que, num prazo concomitante fixado em lei (procedimento que poderia ser

previsto na LOMAN), possam emitir parecer consultivo sobre possíveis

inconstitucionalidades nas resoluções de maneira a propiciar a mínima participação da

categoria na elaboração das resoluções.

Nesse prazo seriam feitas audiências públicas entre os juízes ou mesmo, após breve

explicação sobre o conteúdo da resolução, submeter a uma votação, cujo resultado seria

anexado ao parecer. Dessa maneira, seria viabilizado um canal de discussão democrático,

dando a possibilidade aos magistrados de opinar sobre os rumos da carreira, retirando da

decisão judicial do STF a responsabilidade de pacificar as controvérsias sobre a validade das

resoluções do CNJ. No mesmo sentido, tal entendimento também seria cabível e viável ao

servidor judiciário, serviços auxiliares, serventias e atividade notarial.

Cabe ressaltar, entretanto, que a atuação do CNJ, até o presente momento, foi

imprescindível para a reorganização da magistratura e do próprio STF para o desenho das

atribuições daquele órgão. O caráter enérgico das determinações, em nossa ótica, é comum,

haja vista a necessidade de atitudes de impacto, mas o incentivo à participação dos juízes e

demais categorias é condição que emprega maior legitimidade as suas medidas.

5.4 A resistência dos magistrados e os choques internos

Ultrapassada o questionamento sobre os limites da jurisdição sobre os atos do CNJ,

cabe avaliar quais os limites do (próprio) CNJ face à atividade jurisdicional, reforçando tanto

os seus e, certa forma, os da atividade jurisdicional. O CNJ não dispõe de competência para

desconstituir decisões jurisdicionais, mesmo que representem afronta clara e direta à

Constituição ou às normas infraconstitucionais, tendo em vista que tal ocorrência

representaria usurpação de competência, se é possível, por um órgão que possui,

exclusivamente, atribuições administrativas na seara judiciária.

Perceba que o legislador da EC nº. 45/2004 foi diligente incluindo-o, no art. 92, como

órgão do Poder Judiciário e excluindo-o, no §2º, da prerrogativa jurisdicional. Da mesma

forma, não dispõe de competência para fazer cumprir as decisões proferidas pelo STF ou

116

mesmo garantir a preservação de sua competência 88, haja vista a própria competência deste

órgão em sede de reclamação constitucional 89.

Entrementes se entende que o CNJ, a partir de sua legitimidade judiciária, teria a

prerrogativa de provocar o Supremo a se manifestar sobre situações que importem no

ajuizamento de ações mandamentais para, em situações de recalcitrância dos órgãos sob sua

tutela administrativa, fazer cumprir suas decisões. Em apenas cinco anos de atividade tem

sido comum o descumprimento às determinações do Conselho, repercutindo, por tal motivo,

em sua legitimidade como órgão de controle interno do Judiciário, haja vista a resistência

existente por parte de alguns Tribunais em desacatar ou até mesmo reformar a decisão

proferida, definitivamente, pelo CNJ.

Ao julgar reclamação manifestada pelo Ministério Público Federal no Tocantins, o presidente do Conselho Nacional de Justiça, ministro Cezar Peluso, cassou, em todos os seus efeitos, decisão proferida pelo Tribunal Regional Eleitoral do Tocantins em 13 de abril de 2010, por descumprimento de decisão plenária proferida pelo CNJ no Pedido de Providências nº 0007542-84.2009.2.00.0000. Em sessão realizada em 6 de abril de 2010, ao julgar improcedente pedido de providências do servidor do TRE/TO Renato de Castro Reis, o CNJ, por unanimidade, decidiu que os servidores médicos do poder Judiciário, investidos em função de confiança ou cargo em comissão, devem cumprir jornada de trabalho de oito horas diárias e 40 horas semanais [...] Diante da confirmação da presidência do TRE/TO, o ministro Cezar Peluso cassou a decisão proferida pela maioria dos juízes do TRE/TO, ressaltando que as decisões proferidas pelo CNJ sujeitam-se apenas à revisão do Supremo Tribunal Federal, não podendo os tribunais sujeitos ao controle do Conselho contrariar suas determinações (Portalct, on-line).

No mesmo sentido, observa-se o clamor, principalmente, por parte dos serventuários

da Justiça, quanto à resistência dos Tribunais (SINJUSMAT, SINJUSPE etc.).

Nestes termos, levanta-se o seguinte questionamento: nos casos de decisões

jurisdicionais contra as determinações (jurisprudência e resoluções) do CNJ, que importem

em manifesta usurpação de competência do STF (nos termos do art. 102, inciso I, “r”), estaria

aquele órgão desobrigado de cumpri-las, tendo competência, inclusive, para desconstituí-las

88 Ementa Recurso Administrativo em Pedido de Providências. Arquivamento. Descumprimento de decisão do Superior Tribunal de Justiça em Mandado de Segurança. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. – “Na competência constitucional do CNJ (CF art. 103-B) não se inclui a reclamação para garantia da efetividade das decisões judiciais. Recurso a que se nega provimento” (CNJ – PP 200710000018881 – Rel. Cons. José Adonis Callou de Araújo Sá – 61ª Sessão – j. 29.04.2008 – DJU 20.05.2008). 89 Dentro da sistemática de blindagem da jurisdição constitucional, a reclamação apresenta-se como meio utilizado para preservar a competência exclusiva do Supremo Tribunal Federal, como também a autoridade dos seus julgados. Com relação à reclamação constitucional ver: (MENDES, 2007).

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ou teria que se valer da reclamação constitucional 90 para garantir o crivo exclusivo do

pretório excelso e, indiretamente, a autonomia de suas prerrogativas? Em regra, a própria

jurisprudência do CNJ aponta para entendimento de que não é possível controlar os atos

jurisdicionais. Nessa linha, o conselheiro Jirair Megueriam enumera claramente os limites do

CNJ nesta seara:

Ementa: Pedido de Providências. Decisão judicial. Revisão. Competência do Conselho Nacional de Justiça. Controle do ato jurisdicional somente mediante recursos judiciais previstos na Constituição e nas leis processuais. Competência do Conselho Nacional de Justiça restrita ao controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e cumprimento dos deveres funcionais dos magistrados. Tripartição e independência dos poderes (CF, arts. 2° e 103-B, § 4°). – “I – Não cabe ao Conselho Nacional de Justiça realizar controle ou rever atas jurisdicionais dos órgãos do Poder Judiciário. II – Revisão de decisão judicial só é passível mediante interposição dos recursos previstos na Constituição Federal e nas leis processuais. III – Ao Conselho Nacional de Justiça, órgão de controle do Judiciário, só compete examinar a atuação administrativa e financeira dos órgãos do Poder Judiciário e o cumprimento dos deveres funcionais dos magistrados (CF, art. 103-B, § 4°). IV – Em face da adoção do princípio da Tripartição dos Poderes, e sua independência, incabível controle da decisão judicial pelos demais Poderes (CF, art. 2°). V – Pedido de Revisão de decisão judicial não conhecido, por incabível” (CNJ – PP 21 – Rel. Cons. Jirair Aram Meguerian – 3ª Sessão – j. 16.08.2005 – DJU 05.09.2005). (grifo nosso)

O Conselho Nacional de Justiça deve ter como primado a independência dos magistrados no exercício da função jurisdicional, o que significa dizer que a preservação das atribuições do Judiciário em sua inteireza é pressuposto essencial, na medida em que a atuação deste Conselho não poderá implicar interferência na atividade jurisdicional, controlando decisões judiciais, tampouco suprimindo as matérias à apreciação judicial ou às instâncias recursais (CNJ – PP 1402 – Rel. Cons. Paulo Lôbo – 42ª Sessão – j. 12.06.2007 – DJU 29.06.2007).

O CNJ tem jurisprudência sedimentada em relação aos limites de sua competência,

principalmente, no que toca a não intervenção na atividade jurisdicional com vias a

circunscrever a independência dos juízes, pois que tal postura feriria à própria Constituição

Federal, porém não é razoável permitir que decisões de juízes incompetentes (carecedores do

pressuposto de validade positivo para o exercício da jurisdição) em patente ofensa direta à

Constituição 91, vinculem a atuação do Conselho Nacional de Justiça em nome de uma coisa

90 Tal como observado, a reclamação destina-se (a) preservar a competência do STF ou (b) garantir a autoridade de suas decisões. A competência do STF está hoje fixada claramente no art. 102 da CF, desdobrando-se em competência originária e recursal (MEIRELLES, 2009). 91 É, em verdade, uma dupla ofensa à Constituição, pois além de se tratar de usurpação de competência atribuída ao Supremo, também é ato atentatório às atribuições definidas constitucionalmente a este Conselho Nacional de Justiça. Nessa linha, ver Mandado de Segurança nº. 3419/STF, onde o ministro Carlos Velloso assevera a gravidade da lesão ocasionada em face de decisões proferidas sem o respeito ao atributo da competência: Na espécie, verifico ocorrer grave lesão à ordem pública, em sua acepção juridico-constitucional e administrativa,

118

julgada formada com defeitos viscerais. Nesse sentido, o ex-conselheiro Asfor Rocha entende

que:

Trata-se, na verdade, apenas da aparência da coisa julgada, pois na verdade, a coisa julgada não é nutrida de nenhum outro valor que não seja a sua compatibilidade com o ordenamento jurídico; nenhum documento, nenhuma decisão, nenhuma proclamação ou nenhuma enunciação de solução tem existência e validade jurídicas por si sós, como se fossem entes autônomos, cuja essência fosse produzida por si mesmo; todos os atos emitidos pelo poder estatal dependem estritamente de serem compatíveis com o sistema juridicamente organizado (CNJ – PCA 200710000014942 – Rel. Cons. Joaquim Falcão).

Afinal a independência dos juízes, como dito anteriormente, não é instrumento que

convalida atitudes irresponsáveis e contra a lei. Apesar de aplicá-la, a atividade do juiz está

sob o pálio do devido processo legal (procedimental e substancial), não podendo subvertê-la,

sob pena das responsabilidades que advêm de seus deveres e prerrogativas. Dessa maneira,

entende-se que tolher indevidamente a atuação do CNJ pela usurpação de competência do

STF não é exercício legítimo do cumprimento da função jurisdicional, mas ato que atenta

contra a dignidade da justiça e a supremacia da Constituição, haja vista o caráter dúplice da

ofensa.

Se há questionamento em relação à validade das medidas administrativas adotadas

pelo CNJ, cabe, exclusivamente, ao Supremo apreciá-las, constituindo-se como dever do

magistrado ou do Tribunal reconhecer de ofício a sua incompetência. Entendimento diverso e

que permitisse tal arrogância face à competência constitucional resultaria numa litigiosidade

desnecessária e, pior, o próprio esvaziamento das atribuições do Conselho, pois, a par desse

raciocínio, até mesmo um juiz de primeira instância teria a oportunidade de desconstituir,

mesmo que em curto prazo, suas ordens, dando ensejo a uma odisséia processual. Além do

que, se não há controvérsia sobre a competência privativa do STF, embora este pesquisador

discorde da sua intervenção em qualquer caso e em não se submeter ao crivo das

determinações do Conselho, não há porque admitir qualquer tipo de apreciação por órgão

judicial que não seja do próprio STF.

O CNJ, portanto, não deve ser obrigado a cumprir decisão judicial que não seja

proferida pelo Supremo, desnecessitando manejar qualquer instrumento judicial para fazer

porque as decisões em apreço impedem a aplicação da Resolução 7/2005-CNJ e, por conseguinte, interferem no legítimo exercício da competência do Conselho Nacional de Justiça, objeto do art. 103-B, § 4º, da Constituição da República. “Ademais, no presente caso, poderá haver o ‘efeito multiplicador’ (SS 1.836-AgR/RJ, relator Min. Carlos Velloso, Plenário, unânime, DJ 11.10.2001), diante da existência de outros servidores em situação potencialmente idêntica àquela dos impetrantes”.

119

valer suas prerrogativas, devendo, inclusive, instaurar procedimento de ofício para apurar a

responsabilidade do órgão prolator da decisão, não havendo malferimento ao princípio da

independência funcional, que encontra o obstáculo instransponível da força normativa da

Constituição. Como órgão voltado a estabelecer metas contrárias à litigiosidade, a

legitimidade judiciária deve ser algo encarado com menos relevância no bojo de suas

atribuições.

ATAQUE A DECISÃO DO CNJ ATRAVÉS DE AÇÕES JUDICIAIS PROPOSTAS PERANTE A JUSTIÇA ESTADUAL. Competência exclusiva do STF para desconstituir decisões do CNJ. Concurso unificado para serventias extrajudiciais. Decisão do PP 861. Afastamento de determinações do CNJ por magistrados locais. Aplicação do entendimento fixado por este CNJ no PCA 200710000014942. Apenas o Supremo Tribunal Federal tem competência para afastar aplicação de decisão do CNJ (CNJ – PP 20091000003102 – Rel. Cons. Joaquim Falcão – 82ª Sessão – j. 14.04.2009 – DJU 17.04.2009).

O então conselheiro Joaquim Falcão foi peremptório ao definir que somente o

Supremo tem poder para afastar decisão do Conselho. Além do precedente em tela, vale

ressaltar o posicionamento deste mesmo conselheiro a respeito da natureza das decisões do

CNJ e sua não vinculação às decisões dos tribunais incompetentes.

Note-se que não é competência recursal, mas competência, frise-se, originária, para julgar ações contra o próprio órgão, podendo, portanto, anular suas decisões. Conclusão: somente o Supremo pode desconstituir decisão do CNJ. Não se trata, este voto, de qualquer reforma da decisão do Órgão Especial do TJRJ no MS 322. Não se questiona aqui o respeito ou não do Órgão Especial à determinação do Supremo em sede de liminar na ADC12. Não se questiona se a decisão fez ou não coisa julgada quando considerou decadencial o prazo de cinco anos.

Nesse sentido, a decisão do Órgão Especial do TJRJ, qualquer que seja, tenha sido ou venha a ser, não vincula o CNJ. Mantém-se íntegras as presunções de legalidade e veracidade, bem como a auto-executoriedade, da Resolução 7 e do Enunciado Administrativo 01 para este Conselho.

Não encontro, pois, qualquer óbice para que possa o CNJ desconsiderar a decisão que reintegrou a Sra. Irlene Meire Cavalieri, tendo em vista sua relação conjugal para com o Desembargador Sérgio Cavalieri Filho. Por absoluta incompetência daquele órgão para julgar o Conselho Nacional de Justiça, simplesmente desconheço da decisão que determinou a aplicação do prazo decadencial de 5 anos para anulação de atos de nomeação. Trata-se de ato ineficaz, sem qualquer consequência em relação às determinações do CNJ 92.

Essas questões encontram-se num contexto maior, que é: o que fazer diante da

insubordinação dos tribunais? 92 PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO Nº 200710000014942 RELATOR: CONSELHEIRO JOAQUIM FALCÃO REQUERENTE: ASSOCIAÇÃO DOS MAGISTRADOS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO – AMAERJ REQUERIDO: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO ASSUNTO: ATO EXECUTIVO Nº 3883-PUBLICADO DIÁRIO OFICIAL 17/10/2007 - RESOLUÇÃO Nº 7/2005/CNJ NEPOTISMO - TJRJ DECIDIU NULIDADE ATOS EXONERAÇÃO - PEDIDO - SUSPENSÃO EFEITOS ATO EXECUTIVO - MEDIDA LIMINAR.

120

Convalidar estratégias processuais como essas seria, no mínimo, permitir a teratologia

de desvirtuar a Constituição, diminuir a atuação do CNJ como órgão administrativo do

Judiciário e a chancelar mais uma rota litigiosa proibida constitucionalmente. A atitude de

desconsiderar decisões judiciais incompetentes que importem em descumprimento da

autoridade administrativa está intrinsecamente ligada à manutenção de suas prerrogativas

político-constitucionais, ou seja, torna-se praticamente impossível exercer controle interno

sem o mínimo de autonomia e respeito aos seus atos.

A guarda da Constituição, sob a ótica de uma interpretação extensiva, cabe a todos

indistintamente (ao STF, precipuamente), não sendo, necessariamente, a via judicial o único e

legítimo meio para fazer cumpri-la. Pelo contrário, a função jurisdicional (no âmbito difuso

ou concentrado) representa apenas um caminho de preservação da harmonia do sistema.

Além da observância às normas taxativas da Constituição, transita na seara das tarefas

do CNJ, assim como na de todos os outros atores envolvidos no processo de realização da

Constituição, o dever de fazer com que magistrados e servidores do Poder Judiciário

obedeçam a Constituição, sob pena de praticar ato muito mais grave do que a inobservância

ao código de ética ou a lei orgânica da magistratura, porque é do Texto Maior que provém o

sentido destes regramentos.

Pensar dessa maneira é atestar a fraqueza da eficácia das normas constitucionais, que,

de per se, não teria o poder nem de vincular àquele que tem o dever de aplicá-la, solapando a

segurança jurídica. Assim, o CNJ não está somente a proteger a competência STF, mas a

Constituição e as prerrogativas que dela emanam. Assim, se for fraco às insurgências dos

magistrados contra suas decisões e à Constituição, não conseguirá controlar coisa alguma.

Por outro lado, com a formalização do pacto de cooperação com a AGU, consoante

discutido neste capítulo, poderia o CNJ socorrer-se da reclamação constitucional para a

observância das decisões judiciais e da competência do STF, valendo-se também da

instauração de procedimento administrativo para apurar a inobservância da Constituição e

demais diplomas normativos. E no tocante ao descumprimento imotivado de suas

determinações, a instauração por provocação ou de ofício de reclamação correicional

(disciplinar) e, excepcionalmente e quando couber, a utilização do mandado de segurança.

Os programas e as determinações do CNJ encontram certa resistência e desconfiança.

Apesar de ser órgão de representação do Judiciário, o Conselho ainda não é observado como

121

tal, ao contrário, é visto como um órgão que interfere excessivamente na função jurisdicional.

Prova disso é razoável volume de ações ajuizadas no STF, questionando a sua

constitucionalidade, as resoluções, as decisões administrativas etc.

122

CONCLUSÃO

Em apenas cinco anos de funcionamento é evidente o protagonismo do Conselho

Nacional de Justiça no tema de reestruturação das políticas judiciárias e das metas a serem

trilhadas em nome da celeridade processual, do respeito à dignidade da Justiça e dos

princípios constitucionais da Administração Pública (legalidade, impessoalidade, moralidade,

publicidade e eficiência).

No mesmo sentido, vem proporcionando aos poucos a aproximação entre Judiciário e

sociedade, através de medidas emancipatórias que não se guiam, exclusivamente, pelo

exercício da função jurisdicional, mas por uma administração judiciária que preza pelo

esclarecimento dos direitos e pelo resgate da cidadania, tendo por base a concretização de

direitos fundamentais que cercam a individualidade (liberdade, igualdade e dignidade

humana) e a vida pacífica em comunidade.

Através da prerrogativa de regulamentar a Constituição Federal, o Conselho, como

órgão constitucional investido do dever de realizá-la – juntamente com os demais Poderes e a

sociedade – cumpre tarefa relevante para a inclusão social de setores esquecidos e

marginalizados (idosos, mulheres, crianças, detentos, indígenas etc.).

O esforço pela democratização do Judiciário é um processo de construção que envolve

todas essas questões de reorganização interna e de respaldo social, como também a estreita

ligação entre as instituições. É, por vezes, acusado de um Poder com déficit de legitimidade

democrática, porém não é mais ou menos em relação aos outros Poderes, que durante anos

construíram e ainda constroem verdadeiras arquiteturas sólidas de perpetuação no poder, sob

o pálido argumento da representatividade popular, colocando o povo no patamar simbólico de

legitimador dos seus atos e não como ativo modificador da realidade. Melhor dizendo, a falha

é uma característica presente em qualquer instituição do mundo. À sociedade e ao império das

leis cumpre o esforço de excepcioná-la.

123

Na mesma senda, o que percebemos é que o Judiciário brasileiro encontra, após pouco

mais de 20 (vinte) anos de esforçada procura, o delineamento de suas funções e um ritmo de

crescimento qualitativo sem precedentes em toda sua existência. E muito do que foi

conquistado se deveu ao CNJ. Não é só constitucional ante à ordem jurídica, mas

imprescindível diante dos problemas que não conseguiam ser nem sequer discutidos, tendo

em conta o ambiente interno hostil à democracia proclamada pela Constituição Federal de

1988.

Para enxergar o seu potencial como agente transformador da realidade, faz-se

necessário tomar consciência de si mesmo, vislumbrando, cada vez mais, alcançar novas

conquistas em nome do bem-estar social. Como definidor de políticas públicas e órgão de

coordenação interna do Judiciário, o CNJ tem um longo caminho a percorrer, envolvendo

problemas que vão desde a sua auto-afirmação até a ascensão qualitativa e contínua da

prestação judiciária.

É evidente que o caso brasileiro não é singular ou genuíno, tendo sido necessário

remoer exemplos de conselhos de justiça, destacadamente aqueles que beiram a perfeição

(como os existentes, há décadas, no continente europeu). A partir de sua formação, devem ser

evitadas comparações entre os critérios de eficiência e de atuação democrática, pois se está

diante de realidades díspares, onde gravitam questões antropológicas, de entendimento da

formação e do funcionamento peculiares das instituições brasileiras, dos fatores políticos,

sociais e econômicos, do grau de eficácia das normas constitucionais etc.

Por outro lado, é impossível negar a falha do legislador reformador em pontos vitais,

preocupando-se, por exemplo, mais com a independência do STF do que com a do próprio

Judiciário no tocante a sua não submissão ao CNJ, pois este não se sujeita ao crivo de toda a

estrutura que o sustenta (os magistrados e a sociedade), podendo exigir, muito embora não

possa ser exigido; propiciar, inapropriadamente, competência para a desconstituição de

qualquer decisão do CNJ e marcar a influência simbólica do STF, desmerecendo as

representações que compõem o Conselho; não estabelecer assento para a academia (no caso, a

pós-graduação em direito) que cumpre papel fundamental na construção do pensamento das

ciências jurídicas no país; não ter uma proposta em conjunto com as representações, no

momento da implementação da EC nº 45/2004, de reformulação da Lei Orgânica da

Magistratura, que, em parte, diminui o poder das determinações do CNJ; não ter repensado a

questão da autonomia orçamentária, que representa um fator de maior independência para o

124

Judiciário; não ter propiciado uma forma qualquer de participação na aprovação de resoluções

que importem o exercício dos direitos e deveres funcionais dos magistrados; não ter proposto

forma democrática de ascensão aos Tribunais, enfim.

Apesar dessas atecnias legislativas, o CNJ tem encontrado o respaldo necessário para,

aos poucos, firmar-se como protagonista das mudanças no Judiciário. É bem provável, e esse

é nosso sentimento, de que o grau de sua importância contribua para minimizar e reaver

algumas dessas impropriedades citadas acima, haja vista que, em pouco tempo, já conquistou

tamanha projeção e porque procura desvelar temas polêmicos no âmbito interno e externo

daquele Poder. A sua criação foi a primeira e mais difícil barreira ultrapassada para alcançar

os intentos buscados pela reforma do Judiciário, quais sejam: modernidade, celeridade,

independência e democratização.

A partir de uma gestão concentrada em pontos vulneráveis à legitimidade do

Judiciário, acredita-se numa mudança que caminha a passos cadenciados. Primeiro porque o

Judiciário possui um considerável déficit de legitimidade histórica e dos intentos acima

citados, situação que não é recuperável em um curto intervalo. Segundo porque não se está

resgatando algo de precioso que se perdeu no tempo, mas a construção de uma nova imagem

do Judiciário, que repudia velhas práticas, não tolera condutas indecorosas pelos seus

membros ou contra os princípios que comprometam o desempenho da Administração Pública.

Terceiro, porque, em sua fase pós EC nº. 45/2004, o Judiciário passa uma redefinição das suas

atribuições e de seus conceitos, fato que necessita de tempo para a otimização de suas tarefas

e do aparecimento dos resultados que indicarão os novos caminhos a serem trilhados.

Dentre as atividades que trazem outros delineamentos ao Judiciário está a questão dos

acordos institucionais. Capitaneados pelo CNJ, tais pactos trouxeram perspectivas de

melhorias na qualidade da prestação judiciária, de serviços públicos que guardam relação

direta com o grau de litigiosidade, mas que ainda necessitam de uma atenção maior; na

imagem proativa do magistrado e do Judiciário, tendo em conta não só a sua condição de

Poder do Estado, mas como instrumento de pacificação social; na desjudicialização dos

conflitos, evitando que novas demandas sejam ajuizadas ou se prolonguem pela via dos

recursos, fomentando práticas de resolução pacífica das lides e prevenindo a litigiosidade.

Reflexamente, uma postura dialógica entre as instituições e a sociedade pode

colaborar para o contrabalanceamento das decisões políticas, retirando, conforme dito, o peso

125

da “última palavra” ao Judiciário (por meio da decisão que se obriga a proferir), força que

nem sempre consegue resolver os problemas da sociedade. Até mesmo porque sozinho, o

esforço do Judiciário, sem a participação em conjunto do Legislativo e Executivo, pela

concretização de direitos, seria inócuo diante do constante estado de crise em que vive a

sociedade brasileira.

É injusto, em nossa opinião, dizer que não há controle democrático ou que as funções

desempenhadas por este órgão foram frustradas pela impropriedade do legislador reformador

ou mesmo por pressões corporativistas. O mais certo seria dizer da implantação do processo

por um controle democrático do Poder Judiciário. É preciso viver as confrontações do

processo histórico para delimitar uma concepção própria de controle e de Judiciário no Brasil.

O controle democrático é uma realidade que se avizinha e, aos poucos, encontra consonância

nas mudanças interna e externa vivenciadas por esse Poder.

O CNJ, nesse sentido, representa uma força reformadora contínua dentro de um

contexto maior, que foi a EC nº. 45/2004, regulamentando, exigindo, punindo, cumprindo,

criando políticas públicas em prol da realização dos preceitos normativos da Constituição

Federal. As propostas elencadas no final do segundo capítulo foram suficientes para

demonstrar a sua capacidade de modificação da realidade, tendo por base simples atitudes,

contudo jungidas de conteúdo humanístico imprescindível a quebrantar paradigmas

institucionais e sociais que pareciam verdades imutáveis e que geravam a lástima do

contentamento das injustiças.

126

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