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N O 216 SETEMBRO/2020 O Golpe continua! Reforma Administrativa: Mantém privilégios Aprofunda desigualdades Compromete serviços públicos

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Page 1: O Golpe continua! · 2015, quando fomos dos primeiros a alertar que vi-víamos tempos de guerra; foi assim depois do golpe de 2016, quando – junto com outros—nunca tive-mos dúvida

NO 216 SETEMBRO/2020

O Golpe continua!Reforma Administrativa:

Mantém privilégiosAprofunda desigualdades

Compromete serviços públicos

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#ANULASTFEDITORIAL

ExpedientePágina 13 é um jornal publicado sob responsabilidade da direção nacional da Articulação de Esquerda, tendência interna do Partido dos Trabalhadores. Circulação interna ao PT. Matérias assinadas não refletem, necessariamente, a posição da tendência.ISSN 2448-0150-186Direção Nacional da AE: Damarci Olivi/MS, Daniela Matos/DF, Jandyra Uehara/SP, Julio Quadros/RS, Mucio Magalhaēs/PE, Natalia Sena/RN, Patrick Campos/PE, Valter Pomar/SP. Comissão de ética: Jonatas Moreth/DF, titular; Sophia Mata/RN, titular; Rosana Ramos/SP, suplente; Pere Petit/PA, suplente.Edição: Valter Pomar, Natália Sena e Emilio C. M. Font. Secretaria Gráfica e Assinaturas: Edma Walker [email protected]ço para correspondência: R. Silveira Martins, 147 conj. 11 - Centro - São Paulo - SP - CEP 01019-000 Acesse: www.pagina13.org.br

C omo é público, a tendência petista

Articulação de Esquerda – que é responsável por editar o jornal Página 13 – não é lulista.

Nem no plano da po-lítica, como comprova o fato de que desde 1993 até hoje temos mantido diversos embates contra a estratégia, a tática e as políticas de organização propostas ou defendidas por Lula; nem no plano dos sentimentos, pois nos-sa tendência não estimula nenhum tipo de culto a personalidade: somos pe-tistas, não seguidores de uma pessoa, seja lá quem for. Fato que pode ser con-firmado na leitura do ma-nifesto “A hora da verda-de”, de 1993!

Paradoxalmente, o fato de não sermos lulistas per-mitiu que – por diversas vezes – fossemos “mais lulistas que Lula”, no sen-tido de propor medidas para enfrentar o perigo que ameaçava, não apenas o PT, mas também o pró-prio Luiz Inácio.

Foi assim quando en-frentamos Palocci e Delcí-dio; foi assim quando de-

fendemos que Lula devia ser nosso candidato em 1998; foi assim em 2005, na mal denominada crise do mensalão; foi assim em 2015, quando fomos dos primeiros a alertar que vi-víamos tempos de guerra; foi assim depois do golpe de 2016, quando – junto com outros—nunca tive-mos dúvida de que Lula era o alvo; foi assim em 2018, quando dissemos que eleição sem Lula se-ria fraude. E foi assim, no último período, quando insistimos na necessida-de de que Lula fizesse um pronunciamento à Nação, seja no 1 de maio, seja no

7 de setembro.

Por óbvio, nunca fo-mos os únicos a fazer o que foi dito antes. Sempre estivemos em boa com-panhia, mesmo que nem sempre numerosa. Mas certamente fomos dos poucos a fazer isso, sem que nossa atitude fosse acompanhada de algum tipo de culto à personali-dade.

Os discursos feitos por Lula, nas duas ocasi-ões, foram elaborados sob a coordenação dele, sem que nossas sugestões, ou ao menos a maior parte delas, fossem levadas em

conta. O que não impediu que fossem ótimos dis-cursos. O do 1 de maio, fazendo uma dura crítica ao capitalismo. E o do 7 de setembro, fazendo uma dura crítica a Bolsonaro.

Há reparos a fazer? Sim, claro, e o faremos nos programas Antivírus, Contramola e no Podcast “a esperança é vermelha”, entre outros. Mas consi-deramos que o discurso mandou dois recados ex-plícitos e um implícito: Bolsonaro tem que sair; não estamos dispostos a coonestar um pacto das elites; e Lula não é carta fora do baralho, nem ago-

ra, nem em 2022.

Obviamente, materia-lizar isto exige uma revo-lução no funcionamento do partido, uma reformu-lação no âmbito progra-mático e estratégico e, principalmente, muita luta de massas. Temas que o lulismo tem dificuldade de enfrentar, mas que o pe-tismo tem que dar conta. E o ponto de partida é en-frentar de conjunto a po-lítica golpista e fazer isto com base na mobilização da classe trabalhadora, as-suntos tratados em vários dos artigos desta edição.

Os editores

O baralho de Lula

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#ANULASTFOPINIÃO

nMariuza Guimarães

O país vive um fe-nômeno há alguns

anos. As igrejas evangé-licas, presentes no país desde 1555, não tiveram grande influência no país por muitos anos em razão da preponderância da reli-gião católica trazida pelos colonizadores. Entretanto, no Censo de 2010, pelo menos numericamente, houve um aumento con-siderável de igrejas, de denominações e de pesso-as que se autodeclararam evangélicos/as, chegando a 50% em um grande nú-mero de cidades brasilei-ras.

Com esse crescimen-to, em especial das igre-jas denominadas neopen-tecostais que surgiram no início da década de 1970, com sua teoria da pros-peridade, há um intenso investimento em evange-lismo, usando as mídias como a principal ferra-menta, rádio, televisão, jornal, e por último a in-ternet. Esse crescimen-to se refletirá na inserção dos chamados “crentes” na política, usando, inclu-sive, os púlpitos como es-paços de defesa de proje-tos e candidatos em todas as instâncias, criando no Congresso Nacional uma bancada significativa, que a mídia começou a chamar de “Bancada da Bíblia”.

No entanto, na prática, estes pouco apresentaram seus projetos em conso-nância com a Bíblia, a re-gra de fé e vida dos “cren-tes”. Suas tendências, pelo contrário, se identificam com a direita e, nos últi-mos anos com a extrema direita, beirando o nazi-fascismo, defendendo o uso de armas, a violência contra negros e negras, contra grupos LGBTQI+, contra feministas, entre outros grupos intitulados minorias no contexto do capitalismo.

Já o Partido dos Tra-balhadores e das traba-lhadoras desde a década de 1980, quando de sua fundação, conta em seus quadros com evangélicos e evangélicas, como é o caso de Benedita da Silva, deputada federal, ex-go-vernadora do Rio de Ja-neiro. A organização desse público desde a primeira década dos anos 2000, re-alizando atividades even-tuais, culminou na criação do Núcleo de Evangélicos

do PT (NEPT), em 2012.

O Primeiro Encontro Nacional do NEPT se deu em 2019, resultando em proposta de fortalecimen-to desse grupo no interior do PT, por meio da criação de Núcleos em todos os estados e municípios bra-sileiros nas instâncias do PT, conforme definido em seu Estatuto. A partir des-se trabalho, aconteceu nos dias 4 e 5 de setembro de 2020 o Segundo Encontro

de Evangélicos e Evangé-licas do PT, com uma pro-gramação repleta de estu-dos bíblicos que dão o tom de porquê o PT é o Partido que melhor representa os ensinamentos de Jesus.

A Palavra de Deus, a partir do Novo Testa-mento que traz os ensina-mentos de Jesus, indica o amor, a solidariedade, o reconhecimento das dife-renças, a defesa da vida, o livre arbítrio, entre ou-

tros, como os sentimen-tos que devem nortear as relações humanas. Não há na Bíblia apologia à mor-te, à intolerância religiosa, à miserabilidade, à fome, à violência de gênero ou outros discursos que dão o tom de alguns que se auto-denominam evangélicos. Enfim, podemos citar aqui diversos versículos bíbli-cos que falam da prática petista.

Para tornar isso públi-co não podemos nos inti-midar. A hora de falarmos ao povo de Deus é agora. Você que é evangélico e defende as nossas causas venha conosco nessa luta em defesa do bem e da boa política. A Página dos/as evangélicos/as do PT no Facebook traz as mídias onde você pode nos acom-panhar: https://www.face-book.com/evangelicospt/about.

Mariuza Guimarães é professora universitária, petista, socialista e evangélica

Os evangélicos e a esquerda“Erga a voz em favor dos que não podem defender-se, seja o defensor de todos os desamparados. Erga a voz e julgue com justiça; defenda os direitos dos pobres e dos necessitados”

Provérbios 31:8,9

“Não há na Bíblia apologia à morte, à intolerância religiosa, à miserabilidade, à fome, à violência de gênero ou outros discursos que dão o tom de alguns que se autodenominam evangélicos.

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nIsmael Cesar

O que já estava ruim ficou pior ainda:

aproveitando-se da pan-demia, governos e patrões do mundo inteiro retiram direitos e conquistas do povo. É o reflexo do capi-talismo, que para garantir sua sobrevida explora com toda energia a força de tra-balho de homens e de mu-lheres.

No Brasil não tem sido diferente. Desde o gol-pe de 2016, uma série de medidas adotadas pelo governo e pelo parlamen-to aprofundam o ataque à classe trabalhadora. Sobre o manto da modernidade, nos conduzem ao início do século passado, onde praticamente não existiam direitos. Isto para dar ga-rantia jurídica aos patrões e ao mercado, eliminando legislações que protegem o mundo do trabalho.

A CUT apresentou pro-posta de que durante a pan-demia o governo lançasse mão de instrumentos que garantissem estabilidade no emprego; manutenção de salários integrais para garantir o poder de com-pra; garantia do preceito constitucional e da demo-cracia de que os sindicatos devem participar de todos os processos de negocia-ção que envolvem os di-reitos dos trabalhadores; prorrogação do seguro de-semprego e isenção de ta-rifas de água, luz, telefones e internet; garantia de se-gurança e proteção aos tra-balhadores que continuam

exercendo suas atividades essenciais.

O governo Bolsonaro respondeu com a edição da MP 936, o chamado Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, que autoriza a suspensão de contratos de trabalho durante 2 meses, a redução de jornadas e salá-rios por 90 dias, entre 25%, 50% e 75%. Permite, ain-da, a possibilidade de acor-do entre o empregado e o patrão, sem a participação do sindicato.

É neste cenário catas-trófico, com um governo rendido ao mercado finan-ceiro e ao patronato, que a classe trabalhadora se mo-biliza para tentar sobrevi-ver. O resultado prático é que mais da metade da po-pulação brasileira em con-dições de trabalho está fora do mercado, alimentando a pressão dos patrões para que os que estão empre-gados aceitem o rebaixa-mento de suas condições de vida.

Dados do DIEESE apontam que de um total de 1.800 acordos, apenas 42% tiveram algum ganho referente à inflação acu-mulada pelo INPC-IBGE. A maioria das negocia-ções, ou seja, 58% das ca-tegorias não tiveram ganho nenhum; ou, pior ainda, tiveram redução salarial. Os sindicatos buscam, no limite, a manutenção dos direitos assegurados em acordos anteriores e a in-clusão de cláusulas espe-cificas sobre a Covid-19, como proteção às normas

de segurança.

A classe trabalhadora resiste

Em agosto houve a greve dos metalúrgicos da fábrica da Renault, em São José dos Pinhais (PR), contra a demissão de 747 trabalhadores. A mobiliza-ção durou vinte dias, e só encerrou quando o sindica-to negociou com a empresa a reintegração dos demiti-dos. O acordo, que prevê metas para os próximos quatro anos, inclui várias medidas de flexibilização, como a implementação do lay-off, por fábrica ou setor, por até oito meses, com garantia de 85% do salário líquido. Pode ha-ver redução de jornada ou salário por até seis meses, com 85% da remuneração bruta.

Depois de quatorze ro-dadas de negociação, os bancários assinaram no dia 4 de setembro a Convenção Coletiva de Trabalho. O acordo com a FENABAN assegura para este ano um reajuste de 1,5%, mais um

abono de R$ 2.000,00 e ainda a reposição do INPC para demais verbas de ali-mentação, vale refeição e para os valores fixos e tetos da PLR. O acordo tem va-lidade de dois anos e prevê para 2021 um aumento real de 0,5% (INPC mais 0,5%) nos salários.

Outra importante ca-tegoria em processo de negociação é a dos petro-leiros. Depois de intenso debate interno, o Conselho Deliberativo da Federação Única dos Petroleiros in-dica aos sindicatos de base a aceitação da proposta apresentada pelo sistema Petrobrás. Manutenção por mais dois anos das con-quistas da categoria no que está previsto no atual ACT, com garantia de emprego até 31 de agosto de 2022.

Até o fechamento dessa edição do Página 13, con-tinuava firme a greve dos trabalhadores dos correios. Iniciada em 17 de agosto, a categoria colocou-se em mobilização contra a reti-rada de direitos, em defe-sa dos empregos e contra a

intenção de Bolsonaro em privatizar os Correios. A empresa, que apresentou um lucro líquido de mais de R$ 160 milhões no úl-timo ano, suspendeu 70 cláusulas como o fim dos 30% (adicional de risco), Vale Alimentação, licença maternidade de 180 dias, auxílio creche, indeniza-ção por morte, auxílio para os filhos com deficiência, pagamento de adicionais noturno e outros direitos constantes do Acordo Co-letivo dos trabalhadores, alegando “crise financei-ra”.

Num cenário de insta-bilidade econômica o que se vê é uma classe traba-lhadora com disposição de briga. A tendência é que no pós pandemia os ataques contra os trabalhadores e o povo se aprofundem. A resposta da classe deve ser a resistência e a luta, abrin-do o caminho para abreviar o mandato de Bolsonaro e Mourão. Ismael Cesar é membro da Executiva Nacional da CUT

Tempos de resistênciaLuta e negociação coletiva no segundo semestre de 2020

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nIvonete Cruz

O golpe parlamentar, midiático e jurídi-

co que afasta a presidenta Dilma Rousseff teve como um dos principais alvos o ataque à educação pública. Uma das primeiras medi-das foi a Emenda Cons-titucional 95/2006, que cortou gastos em direitos essenciais como a educa-ção, a saúde e a assistência social.

Total ausência de proje-to para a educação na pers-pectiva de atingir e se fazer cumprir as metas estabele-cidas pelo Plano Nacional de Educação (PNE) que foi sancionado em 2014 pela presidenta Dilma Rousseff e tem vigência até 2024.

Das 20 metas apon-tadas no plano, destaco aqui duas que estão cami-nhando na contramão do que determina o plano: 1/a Meta 17, que trata da Va-lorização dos Profissionais da Educação: vivemos um retrocesso mediante medi-das provisórias e projetos de lei de contrarreformas que atacam diretamente os servidores públicos em geral e os trabalhadores da educação em particular; 2/a meta 20, que trata da questão do financiamento, que pelo PNE deve chegar a 10% do Produto Interno Bruto. O que temos vis-to na política do governo genocida de Bolsonaro é uma política de cortes de recursos, seja na educação superior, seja na educação básica.

O segundo ano do go-verno Bolsonaro se dá em meio a uma pandemia mundial que, no caso do Brasil, é tratada sem que haja nenhuma política sé-ria de contenção e prolife-ração do vírus; pelo contrá-rio, o governo Bolsonaro trata a pandemia de forma banalizada e, ao meu ver, de afronta, quando faz questão de publicamente desrespeitar as orientações da Organização Mundial de Saúde em relação aos cuidados que deveriam ser tomados para evitar proli-feração e, portanto, salvar vidas.

No tocante a educação, governos estaduais e mu-nicipais adotaram medi-das, através de decretos, de suspensão das aulas, que ao nosso ver foi uma me-dida acertada e necessária, já que a escola é um espa-

ço de grande aglomeração e circulação de pessoas.

A suspensão das aulas e a necessidade de discu-tir a questão sobre o cum-primento do ano letivo de 2020 levou à construção de uma política de aulas não presenciais que, em mi-

nha avaliação, escancarou a profunda desigualdade social dos estudantes das escolas públicas, uma vez que o principal mecanis-mo de aulas remotas está sendo a aula digital, atra-vés de plataformas que não são disponibilizadas aos professores e estudantes.

Estudos têm demonstrado que, em média, 60% dos estudantes no Brasil não têm acesso a estas aulas por não terem condições de pagar pacotes de inter-net que permitam acessar as aulas. Nesse sentido, os mais prejudicados, que estão sendo mais uma vez excluídos, são os estudan-tes das regiões periféricas e pobres.

Outros meios de aten-der a estes estudantes são adotados, como o uso de apostilas e trocas de men-sagens via WhatsApp. Considero que ambas as medidas são insuficien-tes e perigosas: o uso da apostila, por ser uma das formas de circulação e proliferação da Covid-19, caso não haja um processo eficaz de esterilização do papel e nós sabemos que nossas escolas não têm su-

Pandemia e desigualdade nas escolas públicas

“O segundo ano do governo Bolsonaro se dá em meio a uma pandemia mundial que, no caso do Brasil, é tratada sem que haja nenhuma política séria de contenção e proliferação do vírus.

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porte adequado para isso; e o segundo caso, o uso de WhatsApp expõe a vida dos professores, já que o instrumento usado para este fim é o aparelho de uso privado do professor.

Esse é outro aspecto que merece destaque, a to-tal ausência do Estado, seja no âmbito federal, estadual ou municipal, em garantir todas as condições neces-sárias tanto para professo-res quanto para estudantes. Então vamos fazendo de qualquer jeito e atendendo somente aqueles que pos-suem os meios necessá-rios. E os demais? E os que não estão tendo acesso? Esses, para o Estado, são o resto. A estes é negado um direito constitucional que é a igualdade de acesso e permanência na Educação Pública.

Diante desse cenário e da naturalização das mor-tes pela Covid-19 fica o questionamento: como se

dará o processo de reto-mada das aulas presencial-mente?

Neste sentido, defendo a seguinte tese: o ano leti-vo se recupera, vidas não. O retorno das aulas pre-senciais exige um conjunto de medidas que devem ser adotadas pelo poder públi-co que passam pela organi-zação do ambiente escolar; por condições necessárias para manter o distancia-

mento físico nas escolas; pela obrigatoriedade do uso de máscara para acesso e permanência; por garan-tia de condições sanitárias e higiênicas nos banhei-ros e demais espaços das escolas; ventilação; água; alimentação escolar de qualidade; enfim, um con-junto de medidas que re-quer recursos financeiros para construir uma total reestruturação do ambiente

escolar que garanta a vida de todas e todos que fazem parte da comunidade.

E, na contramão de to-das essas necessidades, o governo Bolsonaro vetou todos os artigos que tratam do financiamento e da dis-ponibilidade de recursos da Lei 14.040, que trata das aulas remotas e do re-torno às aulas presenciais.

Em meio a tudo isso, vivemos um processo de implementação à revelia da contrarreforma do Ensi-no Médio, que em poucas palavras tem como objeti-vo desmontar a Educação Básica e consolidar o pro-jeto ultraliberal de forma-ção da juventude para o mercado de trabalho, de forma alienada e sem pen-samento crítico.

Mas, para não dizer que não falei das flores, a organização e a mobili-zação dos trabalhadores em Educação e estudan-

tes levaram à conquista da Emenda Constitucional 108, que transformou o Fundeb (Fundo de Manu-tenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissio-nais da Educação) em po-lítica permanente, com a garantia da sub-vinculação de 70% dos recursos para o pagamento dos trabalhado-res em educação e o Custo Aluno Qualidade.

Nossa luta agora é pela defesa do projeto de lei que regulamenta o Fun-deb, com todas as conquis-tas que hoje fazem parte da Constituição Federal. Em defesa da vida, em defesa dos direitos dos trabalha-dores e trabalhadoras, em defesa da Educação Públi-ca, gratuita e de qualidade! Fora Bolsonaro e todo o seu governo.

Ivonete Cruz é presidente do Sintese (Sindicato dos Trabalhadores da Educação em Sergipe)

“Diante desse cenário e da naturalização das mortes pela Covid-19 fica o questionamento: como se dará o processo de retomada das aulas presencialmente?

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Página 13 Há mui-tas polêmicas sobre a composição interna, so-ciológica, da classe tra-balhadora brasileira. Fa-la-se em precariado, em nova classe média, em proletariado de serviços etc. O que você pensa a respeito?

Fausto Augusto Junior Quando fazia Ciências Sociais na FFLCH-USP, nos anos 1990, em meio às transformações trazidas pela reestruturação pro-dutiva, o trabalho não era preocupação da academia. Discutia-se a pós-moderni-dade, o fim da história, a perda da centralidade do trabalho com uma catego-ria etc. Já nos anos 2000 e principalmente a partir da crise de 2008, o debate so-bre o trabalho voltou como preocupação e, a partir de então, novas teorias, novos conceitos e novas pesqui-sas têm contribuído para que compreendamos mel-hor as transformações no mundo do trabalho e na re-alidade do trabalhador bra-sileiro. Isso é fundamental para a reflexão sobre uma realidade que se modifica em uma velocidade pouco vista na história.

Porém, muito do que se apresenta como novi-dade são ressignificações de formas tradicionais de exploração do trabalho que fazem parte da dinâmica do mercado de trabalho brasileiro, constituído, his-toricamente, em um siste-ma de superexploração do trabalho como forma de compensação do baixo in-

vestimento em tecnologia e, consequentemente, em produtividade, de um capi-talismo periférico e depen-dente.

Parte significativa dos trabalhadores brasileiros sempre esteve na informal-idade: entre 40% e 60%, a depender do momento do ciclo de crescimento econômico do país. Não dá para afirmar que há uma mudança estrutural da or-ganização do trabalho no Brasil. O que há é o enfra-quecimento da ideia de que a industrialização alteraria essa realidade em direção a um mercado de trabalho mais homogêneo e estru-turado.

Hoje não faz mais sen-tido separar os setores econômicos em indústria, comércio e serviços. As grandes corporações globais atuam integradas nos diferentes setores e os controles acionários se in-tercruzam sob direção do sistema financeiro. Não é mais possível pensar em processos de industrial-ização como os do século XX como caminho para o desenvolvimento brasile-iro e rompimento da de-pendência econômica do país. A tese de que o assal-ariamento se tornaria a for-ma de trabalho hegemôni-ca no Brasil, já questionada desde os anos 1980, não encontra mais base real, ou seja, está superada.

A classe trabalhado-ra brasileira nunca foi, de fato, proletária estrito senso, mas formada por diferentes formas de ex-

ploração, nas quais o novo e o velho convivem e se complementam em um sistema que retroalimen-ta um processo de con-centração de renda. O que acontece, em minha opin-ião, é que, ainda que as manifestações se apresen-tem como algo novo, em essência, a composição da classe se mantém e a het-erogeneidade e a super-ex-ploração continuam as car-acterísticas centrais.

Como você resumiria a situação objetiva da classe trabalhadora bra-sileira, neste ano de 2020, em termos de condições de emprego, de trabalho e de vida?

Momentos de crise são momentos de radicalidade, quando as contradições emergem e o que estava oculto se manifesta. Na pandemia, a heterogenei-dade da classe trabalhado-ra se apresentou de manei-ra clara, para quem quiser ver. De um lado, um con-junto de trabalhadores se isolou dentro de casa e continuou produzindo, em atividades que, por ser-em realizadas por meio da tecnologia, permitiram a manutenção do fluxo do trabalho, bem como garan-tiram a renda. Outros, que estavam inseridos no mer-cado formal de trabalho, se utilizaram dos instru-mentos de proteção social construídos nos últimos 30 anos, com destaque para o seguro-desemprego, uti-lizado de diversas formas por meio da MP 936/2020 (Lei 14.020). Perderam

parte da renda, mas man-tiveram os postos de tra-balho e meios de sobre-vivência numa conjuntura muito difícil para os tra-balhadores em todo o mun-do. Enquanto um grupo pode se proteger da pan-demia e manter o emprego trabalhando em casa, out-ros tiveram que se expor em meio a uma política na-cional de negação da grav-idade da pandemia. Cerca de 1,5 milhão perdeu o em-prego, mas acessou os me-canismos de proteção so-cial (multa demissionária, FGTS e seguro-desem-prego), preservando algum tipo de recurso para en-frentar a situação.

Restou o enorme con-tingente de trabalhadores informais, que viu os ren-dimentos se reduzirem a zero. A pandemia mos-trou o tamanho e o papel econômico e social deste grupo. Na busca pela so-

brevivência, poucas pos-sibilidades restaram a ess-es trabalhadores. Tiveram poucas chances para se proteger do coronavírus e acabaram por elevar as taxas de mortalidade en-tre os mais pobres e vul-neráveis.

Para este grupo, o auxílio emergencial, con-quistado pelo movimento sindical e pelos movimen-tos sociais, foi fundamen-tal, e colocou para a socie-dade brasileira em geral a necessidade de se avançar no debate de uma renda básica universal. Não fos-sem os R$ 600,00, pouco mais de meio salário mín-imo, haveria um número ainda maior de mortes cau-sadas pela Covid-19 e pela fome.

E mesmo com o aux-ílio, o Brasil chega, nesse momento, após seis meses de pandemia, a um balanço

Fala FaustoPágina 13 entrevista Fausto Augusto Junior, novo Diretor-Técnico do DIEESE, sobre os desafios da entidade, do movimento sindical e da classe trabalhadora.

Fausto Augusto Junior

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bastante preocupante em relação às condições de vida e trabalho. Mais de 125 mil mortos, 13 mil-hões de desempregados que se somam a mais de 8 milhões de trabalhadores que deixaram de buscar ocupação por causa da Covid-19, mas que passam a pressionar a taxa de de-semprego com a redução e flexibilização das medidas de isolamento. O país sairá da crise do coronavírus bem pior, com mais desem-pregados, menores salários e tendo que enfrentar um movimento de retirada de direitos trabalhistas como nunca se viu antes aqui.

Qual a situação do movimento sindical hoje? E, de maneira mais ampla, como estão as lu-tas da classe trabalhado-ra brasileira?

O movimento sindical está em uma encruzilhada e com dificuldades para en-frentar a perda da centrali-dade do trabalho industrial. Constituído para represen-tar os trabalhadores for-mais, em especial, das grandes unidades de tra-balho, não consegue en-contrar formas para organi-zar os trabalhadores, cada vez mais heterogêneos e espalhados por pequenas unidades de trabalho. Além disso, com a perda de arrecadação derivada da reforma trabalhista, não dispõe de financia-mento suficiente para im-petrar as transformações necessárias para o enfren-tamento, nesse período de ataque aos sindicatos de

trabalhadores.

De alguma forma, o sindicalismo que emergiu das grandes greves no fim dos anos 1970 se estrutur-ou tendo a negociação co-letiva como centro da at-uação e alcançou o ápice nos governos democráti-cos e populares nos quais teve protagonismo na proposição de políticas so-ciais e espaços para nego-ciar os interesses da classe trabalhadora.

Após o impeachment presidencial, em 2016, que encerrou a experiência so-cial-democrata brasileira, baseada em grandes ne-gociações tripartites jun-to ao Estado e no forta-lecimento da negociação coletiva como mediadora dos conflitos de classe, o movimento sindical preci-sa se adaptar a uma nova conjuntura na qual a nego-ciação coletiva não é mais o centro do sistema de relações de trabalho e per-de efetividade na conquis-

ta de melhores condições de trabalho e remuneração para os trabalhadores. E o maior problema está no fato de que a defesa do paradigma anterior impede o movimento sindical bra-sileiro de criar o novo.

Ao mesmo tem-po, as mobilizações que começam a despontar in-dicam que novas formas de organização dos tra-balhadores estão surgin-do e têm potência para transformar o movimen-to sindical atual, como as grandes mobilizações dos anos 1970/1980. Cham-am a atenção três grandes greves de trabalhadores vinculados ao mundo in-formal: dos caminhonei-ros (2018), dos motoristas de Uber (2019) e dos en-tregadores de aplicativos (2020).

Em que pesem as dif-erenças de direção e ob-jetivos, essas paralisações articularam trabalhadores que estão fora das grandes

mobilizações vinculadas ao movimento sindical e, de alguma forma, demostr-aram que outras formas de resistência estão se config-urando.

Não sou pessimista sobre o futuro das organi-zações de trabalhadores. Enquanto houver ex-ploração dos trabalhadores, eles se organizarão para a luta e continuarão a história do sindicalismo no Brasil. A pergunta é que sindicalismo será esse e se vai se constituir a partir ou apartado do movimento sindical atual.

Qual a situação do DIEESE hoje?

O DIEESE foi criado em 1955 com a missão de colocar o conhecimen-to científico a serviço da classe trabalhadora por meio de pesquisas, asses-soria e educação para o movimento sindical. Na-sceu enquanto o país se transformava, por meio da industrialização, e a classe trabalhadora se proletari-zava.

Foi foco de apoio à re-sistência do movimento sindical durante a ditadura militar e cumpriu impor-tante papel na construção e consolidação do chamado novo sindicalismo, tendo a negociação coletiva como núcleo de reflexão, pro-dução e disseminação de conhecimento.

O DIEESE é parte do movimento sindical e vive as dificuldades e os desa-fios do movimento sindi-

cal brasileiro. Quando os sindicatos estão em as-censão, o DIEESE cresce, quando os sindicatos en-tram em crise, o DIEESE enfrenta dificuldades.

Hoje, o DIEESE viven-cia a crise financeira e par-adigmática do movimento sindical e, também, está em transformação. Carece de financiamento para in-vestir nessa mudança, mas tem consciência que precisa cumprir a missão de auxiliar o movimen-to sindical na resistência às investidas contra as or-ganizações da classe tra-balhadora, bem como con-tribuir para a travessia do movimento sindical na di-reção do século XXI.

Além do papel de pro-dutor de conhecimento da classe trabalhadora e para a classe trabalhadora, o DIEESE é um espaço de intersindicalidade, onde diferentes forças se encon-tram. É um espaço privile-giado de diversidade que será fundamental para a construção do novo, até porque, no Brasil, inclu-sive no movimento sindi-cal, o novo e o velho co-existem e precisam se amalgamar.

Creio que, como em outros momentos de forte transformação do movi-mento sindical, o DIEESE terá um papel importante a cumprir, por isso a ma-nutenção e o financiamen-to da instituição precisam ser garantidos pelo conjun-to das entidades sindicais brasileiras.

“Não sou pessimista sobre o futuro das organizações de trabalhadores. Enquanto houver exploração dos trabalhadores, eles se organizarão para a luta e continuarão a história do sindicalismo no Brasil.

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Contra a destruição, a luta!A reforma administrativa do governo Bolsonaro não pode passar

n Jandyra Uehara

A PEC (Projeto de Emenda Constitu-

cional) da chamada Re-forma Administrativa, en-caminhada pelo governo Bolsonaro à Câmara dos Deputados no dia 4 de se-tembro de 2020, foi rece-bida com entusiasmo por Rodrigo Maia e compa-nhia, pela Rede Globo, a grande mídia e o “merca-do”, ou seja, o grande ca-pital. Portanto, aí sempre juntos, unificados e mistu-rados os agentes do golpe de 2016, para impor sobre o povo brasileiro mais ca-pitalismo neoliberal. Não tenhamos dúvida do ta-manho, da potência e da capacidade destrutiva dos nossos inimigos de classe, tampouco dos imensos es-forços de conscientização, organização e mobiliza-ção que nos cabe construir para detê-los e derrotá-los.

Para entender o alcan-ce desta “contrarreforma”, é preciso colocá-la em perspectiva com o conjun-to de ataques que os neoli-berais desferem contra os direitos sociais conquista-dos pela classe trabalha-dora na Constituição de 1988.

De acordo com a CF de 1988, são direitos so-ciais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previ-dência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desampa-rados.

Após a crise de 2008, criadas as condições po-líticas para dar o golpe na presidenta Dilma, proces-sar, julgar e prender Lula, Temer fez a primeira parte do serviço, destruindo di-reitos sociais e trabalhis-tas, com a Emenda Cons-titucional 95 que congelou os investimentos públicos e preservou os interesses privados dos donos da dí-vida pública; e através de outros instrumentos nor-mativos, como a Lei da Terceirização e a Reforma Trabalhista, que suprimiu ou alterou a favor do pa-tronato mais de cem arti-gos da CLT, fortalecendo a precarização, o cresci-mento da informalidade e enfraquecendo o movi-mento sindical.

Com a ascensão da ex-trema direita neoliberal, não é preciso gastar mui-ta tinta para descrever a situação caótica da classe trabalhadora, cuja maioria está fora do mundo do tra-balho, desempregada, de-socupada ou desalentada, com os rendimentos em acelerada queda e com to-dos os direitos sociais sen-do atacados, seja através de mudanças constitucio-nais a exemplo da antirre-forma da Previdência; seja no abandono das políticas de moradia, proteção à infância, à maternidade e aos desamparados.

O governo Bolsonaro, agora pacificado com os demais setores golpistas, acelera os ataques políti-

cos sucessivos aos servi-dores públicos, desquali-ficando, demonizando-os e aprovando normas, a exemplo LC 173 que con-gela salários e direitos em plena pandemia, atingindo os que estão na linha de frente do combate ao CO-VID 19.

Mas a pá de cal nos diretos sociais da classe trabalhadora virá com a mal denominada Refor-ma Administrativa apre-sentada por Guedes-Bol-sonaro, que complementa o chamado “Plano Mais Brasil”, que está no Con-gresso Nacional desde se-tembro de 2019 e contém medidas distribuídas em três Propostas de Emenda à Constituição: a PEC 186 (emergencial), a PEC 187 (fundos públicos) e a PEC 188 (pacto federativo).

A Reforma Adminis-trativa, embora atinja tam-bém a estabilidade dos atuais ocupantes de car-gos públicos, via a regula-

mentação da avaliação de desempenho e dos limites fiscais, destrói totalmen-te os vínculos que per-mitem a estabilidade no setor público para os futu-ros ingressantes. As PECs Emergencial, Fundos Pú-blicos e Pacto Federativo atingem os atuais servido-res e radicalizam o ajuste fiscal previsto na Emenda Constitucional 95. Entre muitas outras questões, estão previstas nas três PECs: a proibição de rea-justes salariais a servido-res públicos; realização de novos concursos; criação ou expansão de programas e linhas de financiamento; a suspensão da progressão e da promoção funcional em carreira de servido-res públicos, incluindo de empresas públicas e de sociedades de economia mista, com exceção da-queles previstos no Esta-tuto da Magistratura, dos membros do Ministério Público, do Serviço Exte-rior Brasileiro, das carrei-

ras policiais; a redução da jornada de trabalho em até 25%, com redução de sa-lários; determinação para que os excessos de arreca-dação e do superávit finan-ceiro do orçamento fiscal e da seguridade social da União sejam destinados à amortização da dívida pú-blica federal, com exceção daqueles decorrentes de vinculação constitucional e de repartição de receitas com estados, Distrito Fe-deral e municípios; proibi-ção do uso dos recursos da União oriundos da partici-pação no resultado da ex-ploração ou compensação financeira pela exploração de recursos minerais e hí-dricos para pagamento de despesa com pessoal ati-vo, inativo e pensionista; permissão para a redução, em pelo menos 20%, das despesas com cargos em comissão e funções de confiança, a exoneração dos servidores não está-veis e a demissão de servi-dor estável; supressão da

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vinculação de receita para as ações e serviços públi-cos de saúde, para manu-tenção e desenvolvimento do ensino e para realiza-ção de atividades da admi-nistração tributária.

Na PEC da Reforma Administrativa, logo no primeiro parágrafo, que trata dos princípios que regem a administração pú-blica em todos os níveis, Bolsonaro/Guedes intro-duzem a subsidiariedade, ou seja, um princípio ex-tremo da ideologia neoli-beral, no qual a adminis-tração pública só atuará na ausência de interesse do setor privado. Todo o con-teúdo posterior, ainda que maquiado de medidas ad-ministrativas, servem para preparar a aceleração dos processos de privatização e terceirização dos servi-ços públicos.

Para que a médio pra-zo sejam criadas as con-dições para um Estado 100% controlado pelo setor privado, é preciso destruir o principal pilar sobre o qual se constrói o serviço público – seus trabalhadores e trabalha-doras – reduzindo ao mí-nimo o elemento central que garante a permanên-cia da oferta de serviços e o acesso da maioria da po-pulação, através da quebra da estabilidade dos servi-dores.

Em primeiro lugar, a estabilidade é o que asse-gura ao trabalhador do se-tor público segurança para desempenhar o seu traba-

lho, reduzindo as pressões políticas, o mandonismo e a submissão aos interesses patrimonialistas caracte-rísticos da maioria que exerce a gestão do Estado no Brasil. Mas para além desta proteção e autono-mia relativas, a estabilida-de é também um elemento que dificulta a redução dos serviços, assegurando um mínimo de “estabilidade” na prestação dos serviços, dificultando o fechamento de escolas, postos de saú-de e outros serviços bási-cos.

Quebrar a estabilidade é, em conjunto com a EC 95 e com as PECs do Pla-no Mais Brasil, a fórmula perfeita para reduzir dras-ticamente a oferta de ser-viços públicos e todos os direitos sociais, além de submeter a interesses con-flitantes os já combalidos mecanismos de fiscaliza-ção do trabalho, do meio ambiente, dos direitos das populações indígenas e

comunidades tradicionais, das pesquisas em ciência e tecnologia.

A defesa da estabilida-de dos servidores públicos prevista na CF 88 é uma constante na luta contra o neoliberalismo e o es-tado mínimo. Vamos lem-brar que de 1994 até 2002, com FHC, houve mudan-ças estruturais no mundo do trabalho, aceleração dos processos de tercei-rização e transformações na produção, mas neste período não conseguiram desregulamentar o merca-do de trabalho. Ao mesmo tempo, FHC avançou na aprovação de mudanças substanciais de caráter ne-oliberal, com o tripé ma-croeconômico - cambio, meta de inflação e meta fiscal - atrelando a execu-ção orçamentária, ou seja os investimentos sociais, à gestão da dívida pública e à Lei de Responsabilidade Fiscal de 2001, que limi-ta os gastos com pessoal

nos municípios a 54% da receita corrente liquida, limitando a possibilidade de expansão do atendi-mento na Saúde e Educa-ção, onde as despesas com pessoal atingem mais de 70%.

Segundo dados do IBGE de 2016, o Brasil possui cerca de 10,7 mi-lhões de servidores pú-blicos civis ativos e sua maior parte é constituída de servidores municipais, quase 6 milhões (62,4%), seguida de 3 milhões de servidores estaduais (30,8%). De cada cem brasileiros, apenas 5,13 trabalham atualmente do serviço público. É um nú-mero muito abaixo dos pa-íses desenvolvidos e que aponta para a exclusão de direitos de grande parte da população ou para servi-ços precários.

Em relação aos servi-dores, na primeira onda neoliberal, Fernando Hen-rique Cardoso consolidou os ataques iniciados por Collor, com várias medi-das de redução de direi-tos e a Emenda Constitu-cional 19, uma reforma administrativa que tam-bém teve como objetivo a quebra da estabilidade e o seu condicionamento a metas fiscais. De acor-do com o artigo 41 da CF (emenda 19), a esta-bilidade é alcançada após estágio probatório de três anos de efetivo exercício, mediante a aprovação em avaliação por comissão instituída para essa fina-lidade. Mas ainda assim,

existem quatro hipóteses que permitem a perda do cargo do servidor estável: em virtude de sentença judicial transitada em jul-gado; mediante proces-so administrativo em que lhe seja assegurada ampla defesa; mediante procedi-mento de avaliação peri-ódica de desempenho, na forma de lei complemen-tar, assegurada ampla de-fesa; e excesso de despesa com pessoal, na forma do art. 169 da CF.

As lutas dos servido-res públicos e a paralisa-ção no aprofundamento das legislações neolibe-rais, durante os governos Lula e Dilma, garantiram a postergação da regula-mentação da avaliação de desempenho periódica, que a partir de critérios subjetivos e duvidosos e utilizando de mecanismos de coação e perseguição política, longe de ser um instrumento de melhoria dos processos de trabalho no setor público, foi con-cebido para proporcionar a quebra da estabilidade e com o governo de extrema direita, também as perse-guições políticas.

Ou seja, embora os governos petistas não te-nham desmontado as ba-ses do ajuste fiscal e da legislação neoliberal her-dadas de FHC, não hou-ve espaço para a desre-gulamentação das leis trabalhistas e de prote-ção social, e tampouco se avançou na regulamenta-ção dos mecanismos de ataques à estabilidade no

“Quebrar a estabilidade é, em conjunto com a EC 95 e com as PECs do Plano Mais Brasil, a fórmula perfeita para reduzir drasticamente a oferta de serviços públicos e todos os direitos sociais .

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setor público. Por outro lado, houve ganhos sala-riais significativos, e um crescimento no número de servidores nos municípios na ordem de 54,5%, au-mentando o atendimento principalmente nas áreas da Saúde e da Educação. Até 2004, a remunera-ção média dos servidores municipais era menor do que a média do setor pri-vado; atualmente os mu-nicipais têm remuneração média de R$ 2.900,00 x R$ 2.400,00 no setor pri-vado, em muito resultante da política de valorização do magistério com a Lei do Piso de 2008.

Graças às lutas da clas-se trabalhadora, podemos dizer que houve um “re-tardamento” do ponto de vista da política fiscalista e da desregulamentação das leis trabalhistas de aproxi-madamente uns 20 anos, que os capitalistas e seus operadores no Congresso, no Judiciário e na mídia buscam acelerar desde o golpe de 2016. Com a cri-se da pandemia, diante da defensiva da classe traba-lhadora, assolada pelo de-semprego, pela redução de salários e renda, pela insegurança, pela doença, pelo enfraquecimento das suas organizações de clas-se e do movimento popu-lar, as forças golpistas se aproveitam para acelerar a destruição dos direitos so-ciais e a privatização dos serviços públicos.

A principal meta da chamada reforma admi-

nistrativa é completar a redução ao mínimo do pa-pel do Estado nos direitos sociais, por esta razão os servidores atingidos são majoritariamente os que trabalham na ponta, e não a alta burocracia da ma-gistratura, do Ministério Público, das Forças Ar-madas, os verdadeiros e únicos privilegiados, não atingidos pela reforma. O objetivo é atingir os que trabalham na execução e na garantia de direitos sociais, principalmen-te da Saúde, Educação e Assistência Social e nas áreas da fiscalização e do desenvolvimento da ci-ência e da tecnologia. De acordo com os planos de Bolsonaro/Guedes o que for passível de lucros vai para a iniciativa privada via terceirização, convê-nios e privatizações, o que não for, vai para ONGs e entidades assistencialistas alinhadas com os gover-nos de plantão. Um retro-cesso de décadas rumo ao neocoronelismo e ao pa-trimonialismo, atendendo ao mesmo tempo os inte-resses dos capitalistas do populismo neofascista do bolsonarismo.

Em síntese, a reforma administrativa de Bolso-naro/Guedes e as PECs do Plano Mais Brasil são o fim dos direitos sociais da Constituição de 1988, profundamente perverso para o conjunto da classe trabalhadora, já que a pro-moção dos direitos sociais inscritos na Constituição

Federal (educação, saú-de, alimentação, trabalho, moradia, transporte, lazer, segurança, previdência so-cial, proteção à maternida-de e à infância, assistência aos desamparados) ficam condicionadas ao equilí-brio fiscal e a ganância do setor privado.

Com Bolsonaro, a pan-demia, e a defensiva da classe trabalhadora que se reflete na baixa capa-cidade de mobilização desde a luta contra a Re-forma da Previdência e em muito agravada com o isolamento social do Covid-19, com a reaglu-tinação política das forças golpistas com o governo Bolsonaro, eles voltam à

carga com força total e se não houver uma forte re-tomada das lutas sindicais e sociais, estão dadas as condições para um golpe fatal no conjunto da classe trabalhadora com o enter-ro dos direitos sociais que somente o serviço público pode assegurar.

Ou bem as organiza-ções políticas, sindicais e populares conseguem conscientizar, organizar e mobilizar a maioria da classe trabalhadora na de-fesa do serviço público; ou Bolsonaro e os golpis-tas acabarão de vez com o que ainda resta de garan-tias e direitos sociais cons-titucionais de 1988. Para tanto, três movimentos

precisam ser feitos ime-diata e simultaneamente: a mobilização das catego-rias nas três esferas - fede-ral, estadual e principal-mente municipais que são o maior contingente de trabalhadores, os mais precarizados e com me-nores salários e que tem relação direta com a popu-lação; mobilizar os setores da classe trabalhadora do setor privado, do campo e da cidade, aproveitando as campanhas salariais do segundo semestre e a luta das estatais contra as pri-vatizações, dando um sen-tido de unidade de classe, de luta de classe e por fim, conectar a luta em defesa do serviço público com a luta das mulheres, dos movimentos de moradia, de juventude, do movi-mento negro, com o povo das periferias.

O desalinhamento e a fragilização dos inimigos da classe trabalhadora, as chances de vitória, pres-são real sobre deputados e senadores, só acontece-rão com luta, muita luta política do PT, da oposi-ção e fundamentalmente com luta sindical da classe trabalhadora organizada que impulsione mobiliza-ção popular real, nas ruas. Luta sindical, luta por di-reitos, luta social, luta an-tirracista, luta pelas liber-dades democráticas com anulação dos processos de Lula. Luta pelo Fora Bol-sonaro.

Jandyra Uehara é da Executiva Nacional da CUT

“A principal meta da chamada reforma administrativa é completar a redução ao mínimo do papel do Estado nos direitos sociais, por esta razão os servidores atingidos são majoritariamente os que trabalham na ponta, e não a alta burocracia da magistratura, do Ministério Público, das Forças Armadas, os verdadeiros e únicos privilegiados, não atingidos pela reforma.

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nCélio Moura

N ão é novidade que atualmente o Bra-

sil passa por três enor-mes crises: econômica, sanitária e política. Todas elas acentuadas, em seus muitos aspectos, por um desgoverno liderado pelo presidente sem escrúpulos e sem habilidades para mi-tigar tais situações.

A crise econômica vem gerando milhões de novos desempregados, elevação dos preços da cesta básica e concentração de riqueza nas mãos dos banqueiros e grandes empresários. A crise sanitária, que já re-sultou em mais de 126 mil brasileiras e brasileiros mortos pela Covid-19, é tratada com descaso e de-boche do presidente, com risos de naturalização à sua “gripezinha”, além de seguir indicando remédio placebo, recusando polí-ticas públicas básicas e nos mantendo sem minis-tro efetivo da saúde, o que simboliza bem como o as-sunto é tratado por Bolso-naro.

Tudo isso, em meio a uma enorme conturbação política, onde o presidente ao invés de trabalhar para que o país supere tantos entraves, prefere utilizar a máquina governamental para “comprar” deputa-dos, senadores e aliados que se colocam na pra-teleira do descaso com a população, além de tentar mover e instrumentalizar parte do judiciário aliado para proteger sua família,

filhos e primeira-dama, dos graves e longevos cri-mes cometidos.

Entretanto, o que está muito ruim pode piorar ainda mais com a “refor-ma administrativa”, en-viada por Bolsonaro ao Congresso Nacional. Tra-ta-se de uma nova mano-bra para fragilizar a Cons-tituição Federal brasileira e, consequentemente, o poder público do Brasil, o que é muito grave.

A reforma adminis-trativa de Bolsonaro sim-plesmente transforma a chamada Constituição Ci-dadã em uma Constituição de mercado. Na proposta, o Estado só poderá atuar nas esferas em que a ini-ciativa privada não tiver presença, transformando isso em princípio consti-tucional! Isso é uma teme-ridade, pois fere de morte

nossas garantias de direi-tos, na medida que reti-ra totalmente o poder do Estado na área econômica e entrega aos grandes em-presários, que só possuem compromisso com a lucra-tividade acima de tudo.

Na prática, trata-se de uma medida que proíbe o Estado de fazer políticas públicas na área econômi-ca. Proíbe, por exemplo, políticas de estimulo a pe-quenas e micro empresas, além de manter privilé-gios de castas do serviço público e criminalizar os demais servidores públi-cos, pois protege juízes, promotores, militares, de-putados e senadores dessa famigerada “reforma ad-ministrativa”.

Para melhor compre-ender a intenção do Bol-sonaro, no parágrafo 6°, a PEC 32 apresenta o se-

guinte texto: “É vedado aos estados instituir me-didas que gerem reserva de mercado que beneficie agentes econômicos pri-vados, empresas públicas ou sociedade de economia mista, ou que impeça a adoção de novos modelos favoráveis à livre concor-rência”.

Ou seja, qualquer po-lítica que interfira na livre concorrência é vedada ao Estado executar. Retira sumariamente a capacida-de do Estado de elaborar e gerenciar políticas públi-cas que possam estimular ações econômicas que os governos federal, estadu-ais ou municipais acharem importantes para o país.

Como se pode obser-var, é como uma nova Constituição elaborada sem nenhuma participa-ção popular e sem Assem-

bleia Constituinte! Bolso-naro deseja retirar o poder dos próximos presidentes, governadores e prefeitos de fazer políticas públicas que beneficiem a popula-ção e os direitos dos cida-dãos e cidadãs.

Precisamos reunir to-das as forças políticas para defender o Brasil desses aloprados que desejam a entrega do país para os empresários e as multina-cionais que, historicamen-te, desprezam a justiça social, a equidade e os di-reitos do nosso povo e da própria nação.

A vida é luta renhida, como bem diz o poeta! Vamos derrubar essa cruel “reforma”!

Célio Moura é o 1° Deputado Federal eleito pelo PT na história do Estado do Tocantins.

Uma nova Constituição, sem povo!É nisso que consiste a reforma administrativa de Bolsonaro

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#ANULASTFNACIONAL

n Pedro Pomar

T amanha é a violência das medidas contra

o setor público contidas no mais recente “pacote” legislativo do governa-dor João Doria (PSDB) — o projeto de lei (PL) 529/2020, que tramita na Assembleia Legislativa em regime de urgência — que a oposição de esquer-da, ao falar dele, busca metáforas capazes de ex-pressar a sua magnitude. Na avaliação do professor da USP e vereador paulis-tano Nabil Bonduki (PT), em alusão à célebre frase do ministro Ricardo Salles (Meio Ambiente) proferi-da na reunião de abril do governo Bolsonaro, o PL 529 “é a boiada que Do-ria quer passar em meio à pandemia”. Já para o de-putado Carlos Giannazi (PSOL), o projeto é “um tsunami de maldades”, tantas são as medidas per-versas que traz.

Ambos acertam. O “tsunami-boiada” de Do-ria é um arsenal de me-didas devastadoras con-tra serviços públicos e políticas sociais e contra o funcionalismo público, reunindo em um único projeto medidas sobre te-mas e setores muito díspa-res entre si — reforma ad-ministrativa, atendimento de saúde do funcionalis-mo público, tributação, venda de patrimônio imo-biliário do Estado, conces-sões etc. — “tudo junto e

misturado”, a pretexto de que o combate à Covid-19 enfraqueceu os cofres pú-blicos e será preciso evitar um suposto déficit de R$ 10,4 bilhões no Orçamen-to de 2021!

Em primeiro lugar, o PL 529 determina a ex-tinção de dez órgãos pú-blicos de uma só vez. Vejamos. Na área da saú-de pública: Fundação para o Remédio Popular (FURP), Fundação Onco-centro (FOSP), Superin-tendência de Controle de Endemias (Sucen), Insti-tuto de Medicina Social e de Criminologia (Imesc); agricultura e meio am-biente: Instituto de Terras (Fundação Itesp), Instituto Florestal (IF); transpor-tes: Empresa Metropolita-na de Transporte Urbano

(EMTU), Departamento Aeroviário (DAESP); ha-bitação e lazer: Compa-nhia de Desenvolvimen-to Habitacional e Urbano (CDHU), Fundação Par-que Zoológico. (A extin-ção do IF, por sua vez, acarretaria a unificação do Instituto de Botânica com o Instituto Geológico, ca-bendo ao novo ente exer-cer as atribuições do IF.)

A proposta de extinção de instituições tão impor-tantes é desacompanhada de qualquer explicação minimamente convincen-te. Na justificativa do PL 529 preparada pelos cúm-plices de Doria — os se-cretários estaduais Hen-rique Meirelles (Fazenda e Planejamento), aquele mesmo que foi ministro da Fazenda e presiden-

te “de facto” no governo golpista de Michel Temer, e Mauro Ricardo Costa (Projetos, Orçamento e Gestão) — cada uma des-sas autarquias, fundações ou empresas é apresenta-da sucintamente, em pou-cas linhas de texto, sem indicação de dados ou de qualquer referência a estu-dos e estatísticas que pu-dessem dar margem, ainda que remotamente, a uma eventual desativação. Pelo contrário: basta entrar no portal do próprio gover-no estadual para constatar que são órgãos públicos relevantes, executores de políticas sociais históri-cas, e que jamais pode-riam ser extintos com uma simples “canetada” do go-vernador.

Em segundo lugar, o PL

529 confisca os superávits financeiros das universi-dades públicas estaduais USP, Unesp e Unicamp e da Fundação de Amparo à Pesquisa (Fapesp), que ao final de cada exercício fiscal (e já a a partir deste ano) devem ser recolhidos ao Tesouro Estadual. Isso é flagrantemente incons-titucional porque agride a autonomia universitária (prevista na Constituição Federal, na Constitui-ção Estadual e no decreto 29.598/1989), bem como o financiamento mediante verba vinculada da Fapesp — que por determinação da Constituição Estadu-al recebe anualmente 1% da receita de impostos. A própria Fapesp estima que perderá, apenas em 2020, o montante de R$ 560 mi-lhões caso a Alesp aprove

Doria e seu “tsunami-boiada” de medidas ultraneoliberaisProjeto de lei 529/2020 extingue dez órgãos públicos estaduais, a começar por FURP, Sucen, CDHU, Instituto de Terras e Instituto Florestal

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o projeto de Doria.

Essa insólita agres-são às universidades e à Fapesp tem provocado re-ações fortes até nas bases sociais tucanas. O PSDB conta com muitos adeptos entre os gestores universi-tários e a alta burocracia das universidades públi-cas e da Fapesp, os quais estão se insurgindo contra o artigo 14 do PL 529, que prevê o confisco das re-servas financeiras das ins-tituições (superávits). Se vier a ser aprovada, a me-dida poderá provocar em curto ou médio prazo um verdadeiro desmonte da USP, Unesp e Unicamp.

Em recente videocon-ferência sobre o PL 529 promovida pelo Coletivo Butantã na Luta, a depu-tada Beth Sahão (PT) sin-tetizou o comportamento farsante do governador nas suas coletivas de im-prensa sobre a Covid-19: “Doria de uma forma até teatral diz que acredita na ciência, mas é só da boca para fora”, comentou a parlamentar. Por essa ra-zão, os protestos têm sido numerosos e veementes no meio acadêmico.

“Minha geração vi-venciou a degradação da qualidade do ensino mé-dio público no Estado de São Paulo. Não podemos permitir que esta situação se repita no ensino públi-co superior de São Paulo:

o preço será muito caro para as futuras gerações e para a qualidade de vida paulista”, declarou em nota oficial o pró-reitor de Pós-Graduação da USP, Carlos Gilberto Carlotti Jr. Já os professores Car-los Vogt (ex-secretário do Ensino Superior no gover-no Serra) e Alcir Pécora, ambos da Unicamp, criti-caram em artigo no UOL a “esperteza cidadã, ‘ele-gante’ e comportada do governador” e enxerga-ram no PL 529 finalidades eleitoreiras, ou seja: “pa-gar com dinheiro alheio a sua propaganda para che-gar cacifado às eleições presidenciais de 2022”. Em terceiro lugar, o pro-jeto aumenta drasticamen-te as alíquotas da contri-buição dos funcionários públicos ao Instituto de Assistência Médica ao Servidor Público Estadu-al de São Paulo, o Iamspe.

Dependentes, que atual-mente são isentos, caso vingue o PL 529 passa-rão a contribuir com 0,5% (abaixo de 59 anos) ou 1% (acima de 59 anos). Nos moldes dos planos pri-vados de saúde, a contri-buição dos titulares e dos seus agregados (pai, mãe, padrasto, madrasta) tam-bém será por faixa etária: 2% até 59 anos, 3% aci-ma disso. Assim, o valor atualmente pago pelos servidores contribuintes poderá mais que dobrar em decorrência do fim da isenção de dependentes e do aumento da alíquota da contribuição principal.

A área ambiental sofre outros impactos no proje-to, que autoriza o gover-no estadual a “conceder a exploração de serviços ou o uso, total ou parcial”, de sete parques estaduais: Parque Villa Lobos, Par-que Candido Portinari,

Parque Chácara da Baro-nesa, Parque da Juventu-de Dom Paulo Evaristo Arns, Parque Estadual do Belém Manoel Pitta, Par-que Ecológico do Guara-piranga, Parque Fernando Costa (Água Branca) e, ainda, prevê a concessão do Complexo Olímpico da Água Branca (Conjun-to Desportivo Baby Ba-rioni). Não bastasse tudo isso, o PL 529 permite a venda de patrimônio imo-biliário do Estado.

Quaisquer que sejam as intenções de Doria ao submeter seu projeto aos deputados e deputadas estaduais, ele precisa ser barrado e derrotado, por-que há sinais de que outras “boiadas” virão. Dizem Meirelles e Mauro Ricar-do na sua irresponsável justificativa: “O Governo do Estado de São Paulo estabeleceu como um de seus objetivos estratégicos implantar uma ‘Gestão Pública Moderna e Efi-ciente’. Para tanto, defi-niu um conjunto de metas das quais se destaca a de ‘Extinguir 1.000 unidades administrativas tornando o Estado mais funcional e eficiente’”.

Portanto, trata-se da crônica de um crime anunciado. Por essa ra-zão a Frente em Defesa do Funcionalismo Públi-co e outras articulações de servidores estaduais,

bem como as bancadas de esquerda na Assembleia Legislativa, vêm se em-penhando em aumentar a mobilização contra o PL 529, cuja tramitação se iniciou no dia 12 de agos-to, data a partir da qual se-rão contados 45 dias até sua votação.

A pandemia dificulta a luta, mas é preciso enga-jar os movimentos sociais nessa batalha crucial para derrotar Doria e seu proje-to — que ao fim e ao cabo prejudicará gravemente a população e o funcionalis-mo público, em benefício de setores do capital.

Importante salientar que as desonerações fis-cais com que Doria pre-senteou alguns seletos grupos empresariais — cuja identidade, aliás, é mantida em segredo até para o Tribunal de Contas do Estado! — somaram, atenção, R$ 24,3 bilhões em 2019! Portanto, a su-posta preocupação com o alegado déficit de R$ 10,4 bilhões em 2021 é puro engodo. Bastaria cortar pela metade as desone-rações para cobrir esse montante. Mas isso o go-vernador tucano não pre-tende fazer, embora tenha acenado com essa possibi-lidade ao enviar o projeto.

Pedro Pomar é jornalista é militante do PT

“O “tsunami-boiada” de Doria é um arsenal de medidas devastadoras contra serviços públicos e políticas sociais e contra o funcionalismo público.

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A cidade de São Pau-lo já tem várias

candidaturas e pré-can-didaturas para ocupar a prefeitura a partir do ano que vem. São eles: Bru-no Covas (PSDB), atual prefeito, Andrea Matara-zzo (PSD), Felipe Sabará (Novo), Guilherme Bou-los (PSOL), Joice Hassel-mann (PSL), Levy Fidelix (PRTB), Marcio França (PSB/PDT), Orlando Sil-va (PCdoB), Celso Rus-somano (Republicanos) e Jilmar Tatto pelo Partido dos Trabalhadores. O So-lidariedade de Marta Su-plicy ainda não se decidiu se lança ela como candi-data ou como vice em al-guma coligação. Vale lem-brar que nessas eleições são permitidas coligações na candidatura majoritá-ria, mas não nas propor-cionais. Muitos candida-tos e nenhuma candidata. A maioria deles, quase todos, do lado direito do ringue. Alguns encostados nas cordas, lá no extremo.

Nesse cenário as for-ças de esquerda estão no PT, PCdoB e PSOL. PSB e PDT, que em algumas situações até podem estar do lado esquerdo, na ci-dade de São Paulo estão

representados por Marcio França, ex-vice de Alck-min, que assumiu o gover-no quando ele saiu para concorrer à presidência. Exerceu o mandato como um fiel representante do neoliberalismo.

Na esquerda o PSOL foi o primeiro a lançar candidato. Prévias inter-nas apontaram Boulos e Erundina para a chapa majoritária. Apostam nas popularidades de Boulos, como líder de uma orga-nização do movimento dos sem teto, o MTST; e de Erundina, como ex--prefeita em 1989 na pri-meira gestão do PT na cidade. Apostam também que a dupla de um homem jovem com uma mulher experiente é muito forte. Erundina traz para a chapa sua experiência como ex--prefeita, ex-ministra e de-putada, muito combativa, por algumas legislaturas. Boulos traz sua juventu-de, sua capacidade de li-derança e sua experiência na condução de uma or-ganização do movimento popular com bastante par-ticipação na cidade.

Sob outros ângulos, Erundina foi prefeita em uma gestão petista, cer-cada pelos melhores qua-dros do PT em São Paulo naquela época. Marilena Chauí, Florestan Fernan-des, Perseu Abramo e Ermínia Maricato, por exemplo. Todo o acúmu-lo teórico, prático e polí-tico dessa equipe esteve a serviço de sua gestão. A seguir sua trajetória é de

conflito com o PT. Cria um impasse com o parti-do por aceitar ser ministra de Itamar Franco contra a posição do PT. E acaba saindo e indo para o PSB, de onde sai para entrar no PSOL. Boulos por sua vez não tem nenhuma expe-riência na área pública, assim como o PSOL em São Paulo. Nunca par-ticipou do parlamento e nem da administração em qualquer instância do po-der público. Tem pouca presença nas áreas mais carentes da cidade. Quan-do da formação da Fren-te Brasil Popular, prefe-riu apostar na criação da Frente Povo Sem Medo, da qual é uma das princi-pais lideranças.

Mais recentemente o PCdoB também lançou seu candidato, depois de várias eleições coligado ao PT desde o primeiro turno. A vice-prefeita de Haddad era do PCdoB, Nádia Campeão. Em suas falas o candidato, que é negro, tem focado muito

nas questões raciais. É o único candidato negro. O partido tem pouca expres-são na cidade e sem coli-gação nas eleições propor-cionais não deve eleger vereador.

A cidade de São Pau-lo é um mundo. Um uni-verso sem paralelo com nenhuma outra cidade do país e com poucas do mundo. Tudo é gigantes-co e envolve milhões de pessoas. Possui uma po-pulação maior que mui-tos países europeus. Uma cidade onde convivem, muitas vezes sem se apro-ximar, diversas culturas, etnias, nacionalidades, línguas, modos de vida e até mesmo hábitos de con-sumo. Uma cidade plural e muitas vezes cruel. Go-verná-la não é uma tare-fa simples. Uma cidade rica, pois Haddad deixou as contas regularizadas e muito dinheiro em caixa, mas que não cuida bem das pessoas. São Paulo está hoje nas mãos de um representante do neolibe-

ralismo mais atrasado, o prefeito Bruno Covas, que herdou o mandato de Do-ria quando esse abando-nou a prefeitura para ser governador. Covas está seguindo bem a cartilha que herdou: terra arrasada em tudo que for serviço e servidores públicos. Isso torna a tarefa do próximo prefeito, se não rezar por essa mesma cartilha, mui-to pesada. Recuperar os estragos e trabalhar para melhorar as condições de vida na cidade, prin-cipalmente para a classe trabalhadora. E em uma conjuntura marcada pe-los avanços da direita em todo país e pela profunda crise econômica piorada pela pandemia.

O Partido dos Traba-lhadores já governou a ci-dade em três gestões. Em 1989 com Luiza Erundi-na, em 2001 com Marta Suplicy e em 2013 com Fernando Haddad. Fo-ram gestões que, apesar dos erros, tanto políticos quanto administrativos,

O que nos resta e o que temos

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deixaram marcas perenes na cidade: CEU, corredor de ônibus, bilhete único, dentre outras. Acumu-lou experiência e formou quadros que conhecem a cidade. Erundina e Marta não estão mais no partido. Mas o legado de suas ges-tões segue com o partido. O acúmulo ficou, mesmo com a saída delas. E isso dá a confiança que o PT consegue realizar o pro-grama que se propõe. Tem quadros e acúmulo de ex-periência para isso, além de conhecer a cidade.

Não tivemos gestões exemplares e sem críticas. Poderíamos ter feito mais do que fizemos. Princi-palmente na articulação política das várias organi-zações populares para que participassem mais da ges-tão e estivessem mais bem preparadas para defender suas conquistas. Não de-mos a atenção devida a questões importantes para a saúde, principalmente nas periferias. Não bus-camos construir uma ad-ministração moderna que desse dinamismo econô-mico e gerasse empregos. Aceitamos e participamos do jogo sujo da Câmara de Vereadores. Não construí-mos na cidade um bastião de resistência às políticas neoliberais dos governos tucanos. Os erros também são nossos e não podemos deixar de pensar em corri-gi-los ganhando a eleição para a prefeitura. Isso é um imperativo se quiser-mos fazer da gestão um marco político que aponte

e construa novas formas de governar a cidade. E de fazer dela um importante polo de resistência a Bol-sonaro e suas políticas. E a de seus aliados no gover-no do estado.

A construção da can-didatura do PT começa no 4º Congresso de Zonais: Paulo Freire em meados de 2019, que decide que o PT terá candidatura pró-pria e que ela será escolhi-da em uma prévia com a participação de todos os filiados na cidade. Com a abertura das inscrições 7 candidaturas se inscre-vem, uma boa participa-ção. As prévias estavam previstas para o início de 2020.

A pandemia impede a realização de prévias pre-senciais. O Diretório Na-cional, em decisão que vai

de encontro ao Estatuto do PT, resolve que os candi-datos seriam escolhidos pelos Diretórios Muni-cipais, inclusive em São Paulo, em um processo através da internet. A jus-tificativa era de que não havia condições técnicas para uma votação eletrô-nica com tanta gente. Um documento do Setorial de TI do PT do estado mostra que isso não era verdade. Isso provoca uma enorme resistência interna. Vá-rias tendências e militan-tes se colocam fortemen-te contra esse processo antidemocrático. Das sete candidaturas 5 se retiram restando somente Alexan-dre Padilha, que é apoiado (formalmente ou na prá-tica) pelos outros cinco, e Jilmar Tatto. Após um enorme e desgastante pro-cesso, que deixou várias e

profundas sequelas, uma outra resolução cria um Colégio Eleitoral com a participação de todos os dirigentes zonais da cida-de, além do DM, resultan-do em cerca de 600 pes-soas, que votariam pela internet. Logo se vê que problema técnico de fato não havia, mas o proble-ma político, de querer um pequeno grupo escolhen-do o candidato foi deter-minante. A Articulação de Esquerda resolve não par-ticipar do processo e seus dirigentes zonais se reti-ram do tal Colégio Eleito-ral e recorrem ao DN para que ele reavalie a questão, o que é negado. Ao final Jilmar Tatto foi escolhido por pequena margem de votos.

A candidatura de Tatto nasce de um processo que dividiu o partido. Jilmar e Padilha são da mesma corrente, a CNB. Ao fim e ao cabo o partido foi de alguma forma forçado a resolver os problemas internos da corrente que não conseguiu se unir em torno de um único candi-dato. Jilmar e Padilha são duas faces da mesma mo-eda. Se há eventuais dife-renças no comportamento pessoal, quase não se en-xerga diferenças políticas. A prévia no fim foi uma espécie de cara ou coroa com a participação de 600 convidados. Ganhou o que sozinho teve mais força em todos os DZs que to-dos os outros juntos, aí in-clusive o pedaço da CNB que apoiou Padilha. Ga-

nhou quem tem mais con-trole sobre a máquina e a burocracia do partido na cidade. Tatto já nasce um candidato manco.

Essa situação dá mar-gem a todo tipo de estra-nhezas. Filiados históri-cos como Marilena Chauí declaram apoio a Boulos. Candidatos a vereança fazem lives com Boulos. Ou falam que não podem fazer nada se seus apoia-dores também vão apoiar Boulos na campanha! Muitos fazem corpo mole na defesa do candidato do partido ou simplesmen-te falam abertamente que não farão campanha. Vê--se de tudo nessa geleia geral que virou o PT na ci-dade. Como fala o dito po-pular: em terra de Murici, cada um trata de si!

Mas quem trata do PT? Estamos em uma conjun-tura em que o partido é alvo de todos, principal-mente da direita que vem desde muito em uma cam-panha para nos extinguir. Mas a esquerda por sua vez nos acusa de hege-monistas e de não admitir alianças em que não enca-beçamos a chapa. O PSOL lança candidato. O PCdoB lança candidato. Mas o PT, para mostrar que não padece dos males que lhe acusam, precisaria supos-tamente renunciar a sua justa vontade de lançar seu candidato. Estamos apoiando o PCdoB em Porto Alegre e o PSOL em Belém. No Rio o PSOL preferiu rifar a candidatu-ra competitiva de Freixo a

“No que pesem todas as críticas políticas e comportamento que tenhamos o candidato do Partido dos Trabalhadores na cidade de São Paulo é Jilmar Tatto. E precisamos fazer desta uma candidatura forte, principalmente nas regiões mais carentes da cidade.

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n Múcio Magalhães

U m levantamento parcial do quadro

das candidaturas do PT em todo país mostra um número de aproximada-mente 1700 candidaturas majoritárias, das quais mais de oitenta em capi-tais e cidades com mais de duzentos mil eleitores, mais de setenta em cida-des com mais de cem mil eleitores, cerca de qui-nhentas em cidades situa-das entre as que tem entre vinte e cem mil eleitores e perto de mil com até vinte mil eleitores.

Um número que indi-ca uma recuperação em relação ao ano de 2016,

nas eleições pós golpe e em plena campanha de criminalização, quando o PT apresentou novecen-tas e noventa e três candi-daturas majoritárias. Mas o número de 2020 está ainda abaixo do desem-penho de 2012, quando o PT governava o Brasil e apresentou mil e oitocen-tas candidaturas.

Na primeira eleição municipal sem coliga-ções proporcionais, cerca de dezoito mil candida-turas a vereador e vere-adora estão registradas, um número significativo diante do maior grau de dificuldade para eleger parlamentares sem as coligações, que ao lon-go da história do Partido foram de grande valia na construção das bancadas petistas nos parlamen-tos municipais. Do total, se tem em torno de doze mil candidatos homens e pouco mais de seis mil candidatas mulheres.

Revelando o tanto que o partido falta avançar para construir a paridade nas suas chapas proporcio-nais.

As derrotas de 2016, o golpe e o resultado das eleições municipais redu-ziram muito a presença do PT nos governos mu-nicipais. Passamos a go-vernar sete cidades das 199 com mais de cem mil eleitores, e nenhuma ca-pital. Este ano o partido disputará em 160 municí-pios deste porte, entre as quais em vinte capitais.

Os números nas maio-res cidades revelam um certo êxito quando se analisa a meta traçada pela tática aprovada no Diretório Nacional, que teve no impulsionamento de candidaturas petistas no maior número possí-vel de municípios o eixo mais positivo.

O quadro muda quan-

do o foco passa a ser as localidades com até vin-te mil e as que tem entre vinte e cem mil eleitores.

As definições finais neste nível ficaram a car-go dos Diretórios Regio-nais, e se verifica alianças em mais de trezentos mu-nicípios, com MDB, PP, PSD, REPUBLICANOS e outros partidos da base de sustentação de Bolso-naro, por muitos enqua-drados como “centro di-reita”, com a triste nota de que em algumas cidades o PT apoia bolsonaristas que estão nestas siglas. Uma lamentável consta-tação de que a tática elei-toral do PT para 2020 não superou o pragmatismo eleitoral, que a centrali-dade do combate em de-fesa do partido, de Lula, do legado dos governos petistas, pelos direitos da classe trabalhadora, e a radical denúncia de Bolsonaro e seu governo antipopular, em muitos

lugares foi posta em se-gundo plano, quebrando a necessária nacionali-zação do debate, demar-cando o campo da classe trabalhadora e reposicio-nando o PT em todo o país.

A chamada pré cam-panha chegou ao final. As convenções dão a largada para uma corrida difícil, com os muitos obstáculos erguidos por uma direita disposta a endurecer o enfrentamento com o PT e a esquerda, determinada que está em construir um país dependente, atrasado política e culturalmente, por cima dos destroços do que vem destruindo desde o golpe de 2016. As classes dominantes estão nos chamando “pra briga”. Vamos à luta!

Múcio Magalhães é integrante do Grupo de Trabalho Eleitoral Nacional

O quadro geral do PT

compor com o PT.

É vital para o partido nessa conjuntura ter um candidato na cidade. O PT precisa mostrar que está vivo e que tem base social. Que tem um passado que nos qualifica para o futu-ro. Precisamos construir um programa, o que está sendo feito, que aponte os nossos caminhos para vol-tar a estar a serviço e para

atender as necessidades da classe trabalhadora na cidade. Não há justificati-va política que nos afaste da decisão de lançar can-didato. Poderia ser ou-tro candidato (nós da AE apresentamos ao Diretório Nacional a proposta de re-abrir a discussão a respei-to; tivemos o apoio de 20 integrantes do Diretório e, portanto, nossa proposta

foi formalmente derrota-da, embora dias depois o próprio candidato tenha dito “topar” uma espécie de primária entre as can-didaturas de esquerda, re-velando que a confusão a respeito prossegue).

No que pese o proces-so desastroso de indicação de nosso candidato. No que pesem todas as crí-ticas políticas e compor-

tamento que tenhamos o candidato do Partido dos Trabalhadores na cida-de de São Paulo é Jilmar Tatto. E precisamos fazer desta uma candidatura forte, principalmente nas regiões mais carentes da cidade. Uma candidatura que defenda um programa moderno e que dê atenção as necessidades de toda a cidade. Todo o partido, e

principalmente suas can-didaturas a vereança, de-vem entender que estamos no mesmo barco. Se ele afunda na cidade, afunda-mos todos. É nossa sobre-vivência política com ator importante que está em jogo.

Luiz Sérgio Canário é militante DZ Pinheiros do PT-SP

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#ANULASTFESTUDANTES

n Daniel Valença

O Rio Grande do Nor-te vem se transfor-

mando em laboratório do projeto bolsonarista para a educação pública. Com a intermediação do depu-tado Girão e oligarquias locais, o estado está com duas das suas três Institui-ções de Ensino Superior sob intervenção; o IFRN e a UFERSA.

No caso do IFRN, Bol-sonaro nomeou como in-terventor a Josué Moreira, professor que não dispu-tou as eleições internas e contra quem surgiu re-centemente denúncias de plágio em sua tese de dou-torado. Numa manobra ilegal, Bolsonaro utilizou um PAD contra o reitor eleito, José Arnóbio (em virtude de uma “banqui-nha” Lula Livre no even-to nacional “Fé e Política” no campi que ele era di-retor), como justificativa para a intervenção, quan-do a legislação que rege o processo democrático nos IFs (Lei 11.892/2008) de-termina a posse do candi-dato mais votado.

Na UFERSA, o bol-sonarismo se vale da lis-ta tríplice para legitimar

a nomeação da terceira colocada na disputa in-terna. Mas, se no IFRN a intervenção foi ilegal, por que o governo não atuaria novamente fora da lei para nomear à reitoria alguém da sua confiança?

Independente das es-pecificidades entre as duas intervenções, as suas ori-gens e consequências se materializam no mesmo processo: de um lado, pes-soas rejeitadas pela co-munidade acadêmica se tornam gestoras; de outro, o governo Bolsonaro terá alguém no posto máximo da Instituição e que, para pagar os favores que a ele deve, fará de tudo para que a comunidade acadê-mica não se mobilize nem conteste os ataques deste governo à educação, a co-meçar pelo corte de mais de um bilhão no orçamen-to das Federais e IFs em 2021.

Agora entre fins de agosto e setembro, os in-terventores demonstraram até onde estão dispostos a ir: Josué, chamou a polícia para bater em estudantes secundaristas que realiza-vam um ato no prédio da Reitoria. A atitude covar-

de só foi tomada quando se percebeu que os servi-dores que participavam do ato haviam saído do pré-dio.

De outro lado, a inter-ventora da UFERSA, Lu-dimilla Serafim, queren-do mostrar serviço a seu amo, denunciou a coorde-nadora geral do DCE da UFERSA, Ana Flávia, por “calúnia”, “difamação” e “formação de quadrilha”, em virtude de um áudio em que a liderança estu-dantil diz com firmeza que a interventora, golpista, sempre será interventora e golpista.

Com a inédita crimi-nalização do movimento estudantil em função da oposição política à in-tervenção, estalou uma enorme rede de solidarie-dade à estudante, e crítica contundente à intervenção – até o momento, as cate-gorias docente e técnico-

-administrativas estavam mais que recuadas. Caiu a ficha de que sim, não se tratava apenas da nome-ação de alguém da lista tríplice, mas de um novo momento na Universida-de pública brasileira, em que o processo de seu des-monte desce do Planalto à planície e dispõe de seus empregados terceirizados para a sua concretização.

A altivez e a comba-tividade com que se en-frentou a intimação e o depoimento à PF, levou o movimento estudantil a se agigantar e demonstrar que ali não estava a co-ordenadora do DCE, se-não milhares de estudan-tes contra a intervenção. A ameaça bolsonarista e o aparato policial se des-moralizaram, e não resta outro caminho – exceto se desejarem que a mobiliza-ção triplique – senão o ar-quivamento da denúncia.

Por outro lado, esse en-frentamento do conjunto do movimento estudantil da UFERSA aponta para as esquerdas e suas orga-nizações – inclusive as es-tudantis – como deve ser a oposição ao governo Bol-sonaro-Mourão: radical, não burocrática, conquis-tando corações e mentes para enfrentar – e derrotar – o projeto da morte que chegou ao governo me-diante a fraude eleitoral de 2018.

Daniel Valença é professor da graduação e mestrado em Direito da UFERSA, Vice-Presidente do PT/RN

Ana Flávia, estamos com você!Intervenção, autoritarismo e criminalização: o projeto do Bolsonarismo para a educação

Coordenadora do DCE da Ufersa, Ana Flávia Lira

Ato dos estudantes da UFERSA, contra a intervenção federal na instituição e em solidariedade a companheira Ana Flávia Lira.